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154 | AVENTURA & AÇÃO 154 | AVENTURA & AÇÃO Pautado por um conceito de progresso baseado no consumo energético desenfreado, o governo volta seus olhos para o “potencial” de vários rios em destinos turísticos brasileiros, lançando centenas de projetos de pequenas centrais hidrelétricas, que podem impactar irreversivelmente as paisagens naturais das regiões atingidas MEIO AMBIENTE Alta tensão nos rios brasileiros P revistas no Programa de Aceleração do Cresci- mento (PAC), do governo federal, as Pequenas Centrais Hidrelétricas - PCHs que pipocam nos rios de norte a sul do País, causam burburinho onde são anunciadas e, em alguns casos, muitos pro- testos. Inundações e a secagem do rio em certos trechos são alguns dos impactos ambientais visíveis, imedia- tos e irreversíveis que uma PCH pode causar. Os projetos alteram paisagens, comprometem constru- ções históricas de pontos turísticos e alguns lugares simplesmente deixam de existir. Com isso, espécies da fauna e flora locais são diretamente afetadas, e, em muitos casos, não conseguem sobreviver nos am- bientes atingidos. Em um episódio que representa bem a tensão provocada pela perspectiva das construções de bar- ragens em diferentes rios brasileiros, no ano passado, integrantes de aldeias na região do Médio Xingu pro- tagonizaram uma cena que expôs o desespero que vem se espalhando pelas comunidades indígenas do norte do Mato Grosso, em especial as que vivem nas bacias dos Rios Xingu e Juruena, um afluente do Ta- pajós. Como protesto pela falta de consulta às comu- nidades sobre os projetos de PCHs no Rio Culuene e em outros afluentes do Xingu, os índios ikpengs tomaram como reféns um grupo de funcionários da Funai e de pesquisadores que faziam estudos com- plementares sobre o impacto ambiental de uma des- sas miniusinas, a Paranatinga II, atualmente em fase de testes. O evento rendeu na imprensa fotos dos índios prontos para a “guerra” e terminou com a ida à Brasília de representantes das comunidades que obtiveram compromisso da Funai de que terão acesso aos estudos de impacto ambiental já realizados. Os ikpen- gs, como vários outros grupos indígenas da região, estão preocupados com o futuro da base de sua alimentação, os peixes, que, se- gundo eles, já diminuem consideravelmen- te nas águas do rio atingido. Com mais ou menos resistência comu- nitária, casos parecidos com o da usina de Culuene se repetem em praticamente todos os estados brasileiros, dos rios da Amazônia (que enchem os olhos das em- preiteiras) ao Rio Grande do Sul, onde rios cotados entre os melhores destinos para a prática de rafting do País estão ameaçados por empreendimentos já concluídos ou em estágio de licenciamento. Projetos previs- tos para os rios em Goiás, onde o cerrado preserva as principais nascentes de água do País, no Tocantins, em Minas Gerais (onde há mais de 400 PCHs previstas), em Santa Catarina e diversos outros estados também geram polêmica. As PCHs, como são chamadas, são usi- nas hidrelétricas de pequeno porte. Sua ca- pacidade instalada fica entre 1 e 30 MW. Além disso, a área do reservatório, ou seja, o lago ou a área de inundação causada pelo barramento de um curso d’água, sempre deve ser inferior a 3 km². “Parece pequeno, mas tem um grande impacto ambiental. Geralmente são feitas corredeiras e áreas de cachoeiras, aprovei- tando a gravidade natural, o que provoca destruição do patrimônio da natureza, paisagístico, cultural e de lazer das comuni- dades”, explica o deputado estadual (MG) Padre João Carlos Siqueira, do Partido dos Trabalhadores (PT). Em todos os projetos, túneis cortam montanhas, tubulações subterrâneas são instaladas e cursos d’água são desviados para canais artificiais, transformando uma paisagem natural em outra bastante dife- rente, com lagos artificiais construídos por essas barragens feitas com toneladas de ci- mento, o que, em geral, causa um conside- rável desequilíbrio. O tamanho do impacto, entretanto, varia dependendo de algumas condições locais relacionadas à geologia, geomorfologia, fa- tores climáticos e também do número e a proximidade das PCHs a serem construí- das em uma bacia hidrográfica. Na maio- ria dos casos, são construídas mais de uma em um mesmo rio. Em geral, é planejado um conglomerado de pequenas usinas no mesmo rio. Padre João argumenta ainda que quando em um curto trecho de rio Texto: Camila Natalino Fróis e Lilian Caminha Ilustração: Makosan .com.br (11) 3872-0362 Conheça também os INTERNACIONAIS: Buenos Aires | Canadá | Costa Rica Ilha de Páscoa | Índia | Irã | Machu Picchu Mendoza | Patagônia | Salta e Jujuy Salto Angel | Santiago Chile Santiago de Compostela | Conheça também os NACIONAIS: Aparados da Serra | Costa Branca Fernando de Noronha | Itacaré | Jalapão Jericoacoara | Lençóis MA | Pantanal Maraú | Pico da Neblina Praia da Pipa | Praia do Forte | CHAPADA DIAMANTINA HOTEL CANTO DAS ÁGUAS são construídas quatro, cinco PCHs não há nenhum estudo sobre o conjunto destes empreendimentos por bacia, microbacia hidrográfica ou região. “Todo empreendimento hidrelétrico ala- ga áreas baixas, de várzea, áreas cultiváveis, terras férteis. Afeta, na maioria das vezes, a agricultura familiar e o seu modo de vida. Além dos impactos ambientais que nunca serão reparados, há muita violência, pres- são psicológica e exploração por parte dos empreendedores”, declara o deputado. Este tipo de argumentação usado tam- bém por ambientalistas e líderes comunitá- rios não coloca em questão a importância da geração de energia para o desenvolvi- mento econômico e social do País, mas sim a relação custo/benefício para as co- munidades impactadas, tendo em vista que, em geral, elas não são beneficiadas com a energia produzida, ficando apenas com os prejuízos ambientais e tendo sua economia diretamente afetada pelo ala- gamento de áreas cultiváveis e prejuízo às atividades turísticas. Em algumas cidades cotadas para os em- preendimentos hidrelétricos, o potencial turístico é a maior fonte de renda dos mora- dores, e, muitas vezes, a única responsável por gerar o sustento de centenas de famílias na região. Há quem defenda que o turis- mo, na verdade, pode se manter através da exploração de esportes náuticos nos lagos artificiais. Em função dessa argumentação e da promessa de geração de renda e em- prego para as populações locais, em alguns casos, a comunidade se mostra a favor do projeto, na expectativa de melhorias econô- micas para a região. Mas, a transformação, na maioria das vezes vem pra pior, já que a maior parte dos empregos gerados são temporários e o prejuízo para os recursos naturais são permanentes. Apesar disso, indiferente à onda de manifestações contrárias aos projetos das hidrelétricas e da argumentação de espe- cialistas que chamam atenção para os pre- juízos ambientais e sociais causados pelas barragens, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) discute novas datas para a realização dos leilões que irão definir o quanto de energia será negociado até o ano de 2030. Para isso, a maior parte dos rios brasileiros de médio e grande porte já foi avaliada com relação ao seu potencial ener- gético. Em recorrentes aparições na mídia, o ministro de Minas e Energia, Edison Lo- bão, afirma a necessidade de mais hidre- létricas defendidas por ele como fonte de “energia limpa”. O PAC, por sua vez, prevê investimentos de R$ 24,3 bilhões até 2010 em geração de energia na Região Norte, in- cluindo as usinas do Madeira, de Belo

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Pautado por um conceito de progressobaseado no consumo energéticodesenfreado, o governo volta seus olhospara o “potencial” de vários rios emdestinos turísticos brasileiros, lançandocentenas de projetos de pequenascentrais hidrelétricas, que podemimpactar irreversivelmente as paisagensnaturais das regiões atingidas.

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Pautado por um conceito de progresso baseado no consumo energético desenfreado, o governo volta seus olhos para o “potencial” de vários rios em destinos turísticos brasileiros, lançando centenas de projetos de pequenas centrais hidrelétricas, que podem impactar irreversivelmente as paisagens naturais das regiões atingidas

meio ambiente

Alta tensão nos rios brasileiros

P revistas no Programa de Aceleração do Cresci-mento (PAC), do governo federal, as Pequenas Centrais Hidrelétricas - PCHs que pipocam nos rios de norte a sul do País, causam burburinho

onde são anunciadas e, em alguns casos, muitos pro-testos.

Inundações e a secagem do rio em certos trechos são alguns dos impactos ambientais visíveis, imedia-tos e irreversíveis que uma PCH pode causar. Os projetos alteram paisagens, comprometem constru-ções históricas de pontos turísticos e alguns lugares simplesmente deixam de existir. Com isso, espécies da fauna e flora locais são diretamente afetadas, e, em muitos casos, não conseguem sobreviver nos am-bientes atingidos.

Em um episódio que representa bem a tensão provocada pela perspectiva das construções de bar-ragens em diferentes rios brasileiros, no ano passado, integrantes de aldeias na região do Médio Xingu pro-tagonizaram uma cena que expôs o desespero que vem se espalhando pelas comunidades indígenas do norte do Mato Grosso, em especial as que vivem nas bacias dos Rios Xingu e Juruena, um afluente do Ta-pajós. Como protesto pela falta de consulta às comu-nidades sobre os projetos de PCHs no Rio Culuene e em outros afluentes do Xingu, os índios ikpengs tomaram como reféns um grupo de funcionários da Funai e de pesquisadores que faziam estudos com-plementares sobre o impacto ambiental de uma des-sas miniusinas, a Paranatinga II, atualmente em fase

de testes.O evento rendeu na imprensa fotos dos

índios prontos para a “guerra” e terminou com a ida à Brasília de representantes das comunidades que obtiveram compromisso da Funai de que terão acesso aos estudos de impacto ambiental já realizados. Os ikpen-gs, como vários outros grupos indígenas da região, estão preocupados com o futuro da base de sua alimentação, os peixes, que, se-gundo eles, já diminuem consideravelmen-te nas águas do rio atingido.

Com mais ou menos resistência comu-nitária, casos parecidos com o da usina de Culuene se repetem em praticamente todos os estados brasileiros, dos rios da Amazônia (que enchem os olhos das em-preiteiras) ao Rio Grande do Sul, onde rios cotados entre os melhores destinos para a prática de rafting do País estão ameaçados por empreendimentos já concluídos ou em estágio de licenciamento. Projetos previs-tos para os rios em Goiás, onde o cerrado preserva as principais nascentes de água do País, no Tocantins, em Minas Gerais (onde há mais de 400 PCHs previstas), em Santa Catarina e diversos outros estados também geram polêmica.

As PCHs, como são chamadas, são usi-nas hidrelétricas de pequeno porte. Sua ca-pacidade instalada fica entre 1 e 30 MW. Além disso, a área do reservatório, ou seja, o lago ou a área de inundação causada pelo barramento de um curso d’água, sempre deve ser inferior a 3 km².

“Parece pequeno, mas tem um grande impacto ambiental. Geralmente são feitas corredeiras e áreas de cachoeiras, aprovei-tando a gravidade natural, o que provoca destruição do patrimônio da natureza, paisagístico, cultural e de lazer das comuni-dades”, explica o deputado estadual (MG) Padre João Carlos Siqueira, do Partido dos Trabalhadores (PT).

Em todos os projetos, túneis cortam montanhas, tubulações subterrâneas são instaladas e cursos d’água são desviados para canais artificiais, transformando uma paisagem natural em outra bastante dife-rente, com lagos artificiais construídos por essas barragens feitas com toneladas de ci-mento, o que, em geral, causa um conside-rável desequilíbrio.

O tamanho do impacto, entretanto, varia dependendo de algumas condições locais relacionadas à geologia, geomorfologia, fa-tores climáticos e também do número e a proximidade das PCHs a serem construí-das em uma bacia hidrográfica. Na maio-ria dos casos, são construídas mais de uma em um mesmo rio. Em geral, é planejado um conglomerado de pequenas usinas no mesmo rio. Padre João argumenta ainda que quando em um curto trecho de rio

texto: Camila natalino Fróis e Lilian CaminhaIlustração: Makosan

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CHAPADA DIAMANTINA

HOTEL CANTO DAS ÁGUAS

são construídas quatro, cinco PCHs não há nenhum estudo sobre o conjunto destes empreendimentos por bacia, microbacia hidrográfica ou região.

“Todo empreendimento hidrelétrico ala-ga áreas baixas, de várzea, áreas cultiváveis, terras férteis. Afeta, na maioria das vezes, a agricultura familiar e o seu modo de vida. Além dos impactos ambientais que nunca serão reparados, há muita violência, pres-são psicológica e exploração por parte dos empreendedores”, declara o deputado.

Este tipo de argumentação usado tam-bém por ambientalistas e líderes comunitá-rios não coloca em questão a importância da geração de energia para o desenvolvi-mento econômico e social do País, mas sim a relação custo/benefício para as co-munidades impactadas, tendo em vista que, em geral, elas não são beneficiadas com a energia produzida, ficando apenas com os prejuízos ambientais e tendo sua economia diretamente afetada pelo ala-gamento de áreas cultiváveis e prejuízo às atividades turísticas.

Em algumas cidades cotadas para os em-preendimentos hidrelétricos, o potencial turístico é a maior fonte de renda dos mora-dores, e, muitas vezes, a única responsável por gerar o sustento de centenas de famílias na região. Há quem defenda que o turis-mo, na verdade, pode se manter através da exploração de esportes náuticos nos lagos artificiais. Em função dessa argumentação e da promessa de geração de renda e em-prego para as populações locais, em alguns casos, a comunidade se mostra a favor do projeto, na expectativa de melhorias econô-micas para a região. Mas, a transformação, na maioria das vezes vem pra pior, já que a maior parte dos empregos gerados são temporários e o prejuízo para os recursos naturais são permanentes.

Apesar disso, indiferente à onda de manifestações contrárias aos projetos das hidrelétricas e da argumentação de espe-cialistas que chamam atenção para os pre-juízos ambientais e sociais causados pelas barragens, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) discute novas datas para a realização dos leilões que irão definir o quanto de energia será negociado até o ano de 2030. Para isso, a maior parte dos rios brasileiros de médio e grande porte já foi avaliada com relação ao seu potencial ener-gético.

Em recorrentes aparições na mídia, o ministro de Minas e Energia, Edison Lo-bão, afirma a necessidade de mais hidre-létricas defendidas por ele como fonte de “energia limpa”. O PAC, por sua vez, prevê investimentos de R$ 24,3 bilhões até 2010 em geração de energia na Região Norte, in-cluindo as usinas do Madeira, de Belo

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o relatório de Impacto Ambiental - rIMA, juntamente com o estudo Prévio de Impacto Ambiental - eIA, são licenciamentos que apresentam uma série de procedimentos específicos como audiências públicas, recomendados para atividades que utilizam recursos ambientais considerados de significativo potencial de degradação ou

poluição no meio ambiente.o relatório não é obrigatório porque as autoridades e os responsáveis consideram a produção de energia elétrica uma prioridade nacional. em alguns casos pessoas ou empresas que são contra sugerem ao Ministério Público que solicite a realização deste relatório, pois julgam o Licenciamento

Simplificado carente de informações que, quando analisadas, poderiam ajudar essas pessoas a provar o potencial turístico da região do projeto. Quem autoriza e dá a liberação para uma PCh ser construída é o órgão ambiental, por meio de uma Licença Ambiental de Instalação (LI).

o que é o eia/Rima

Rio DaS antaSo rio das Antas, em nova roma do sul, considerado um dos melhores destinos para prática de rafting no País sofre com a construção de várias PChs que têm inviabilizado a atividade. Nas fotos acima, o antes e depois da construção da hidrelétrica que secou trechos do rio

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meio ambiente

Monte e mais seis na bacia do Rio Tocantins. “As usinas na Amazônia são imprescindíveis para que mantenhamos o alto nível de presença de fontes renováveis em nossa matriz energética, em torno de 45%”, diz o presidente da EPE (Empresa de Pesqui-sa Energética), Maurício Tolmasquim. “Sem essas usinas, a tendência é que proliferem as termelétricas a carvão, muito mais poluentes.”

O secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Luiz Pinguelli Rosa, entretan-to, critica a atual gestão do setor elétrico. “O modelo vai mal não por causa das hidrelétricas, mas dos gran-des interesses econômicos que continuam a dominá-lo”, afirma.

Segundo ele, o problema energético brasileiro deveria ser analisado não só a partir da perspectiva da produção, mas também do consumo. Ele afirma que para se extinguir a necessidade da construção das novas usinas seria preciso mudar todo o modelo econômico do País. “Se a classe média não abrir mão de todo o conforto, seria hipocrisia. Ainda temos no País 12 milhões de ‘miseráveis energéticos’, que não têm acesso a nenhuma energia elétrica”. Diante da

impossibilidade dessa perspectiva, ele propõe o ca-minho do meio. “Não há como, numa civilização tecnológica, não haver nenhuma agressão. Temos de minimizá-las, chegar a um meio-termo, sem radicali-zação”, defende.

Neste cenário, em que o consenso é a necessidade de diminuir a agressão à natureza, representantes do setor energético defendem o investimento nas PCHs em detrimento das grandes hidrelétricas porque as primeiras seriam menos impactantes. Mas o pressu-posto é questionável.

Para uma PCH ser construída é necessário um estudo de impacto ambiental chamado de Licencia-mento Simplificado, que como o próprio nome su-gere, não implica em uma avaliação mais detalhada da região atingida. Em razão disso, muitas vezes não é possível avaliar com consistência a relação danos/benefícios. As licenças são fáceis de serem obtidas, o que aguça muitos empreendedores.

Geralmente, apenas quando a população e as au-toridades locais se pronunciam contra o projeto é que há um detalhamento maior no estudo, envolven-do outros órgãos responsáveis por aprovar e liberar a construção das geradoras de energia.

Na visão do Instituto Serrano, organização não governamental, voltada para a conservação dos re-cursos naturais e paisagísticos das regiões serranas do sul do Brasil, a falta de necessidade do Relató-rio de Impacto Ambiental - RIMA (ver box), torna as PCHs um negócio atraente para as empresas do setor, pela consequente redução de custo, sem levar em consideração que elas podem ser ambientalmen-te mais impactantes se levada em conta a quantidade de energia que poderá ser gerada.

Em alguns casos, uma PCH produz um impacto relativamente alto, quando se avalia a relação entre a área impactada e a quantidade de energia produzida. É o que explica Jordan Paulo Wallauer, presidente do Instituto Serrano.

Para exemplificar a questão, ele cita o caso da Hi-drelétrica do Rio Chapecó (no sul do Brasil), que per-tence à bacia do Rio Uruguai, comparando-a com as PCHs projetadas para o Complexo do Alto Uruguai. “A Hidrelétrica do Chapecó possui uma capacida-de de produção de energia de 120 MW/h e inunda uma área de 6,73 km², ou seja, 17,8 MW/h/km². Já o Complexo do Alto Uruguai seria construído sob a forma de três unidades (Guatambu, Santo Inácio e São Joaquim) com uma produção total de 81 MW/h, apresentando uma área inundada e diretamente im-pactada de 135 km², ou seja, 1,66 MW/h/km². Sen-do assim, a Hidrelétrica do Chapecó, comparada às

três PCHs do Complexo, impacta ambien-talmente bem menos para produzir cada unidade de energia”.

Por isso, Wallauer afirma que sempre que se depara com uma proposta de PCH na região, o Instituto tenta propor alterna-tivas, como, por exemplo, a produção de energia eólica, que já funciona em Bom Jar-dim da Serra e pode se tornar realidade em larga escala no município gaúcho de São José dos Ausentes.

Outra solução, segundo o presidente, seriam as PCHs operadas “a fio d’água”. “Essas barragens em reservatório, que aproveitam apenas a vazão do curso d’ água, praticamente não causam impactos ambientais”, explica. Neste tipo de ope-ração, a central trabalha de acordo com o volume de água disponível no rio, ou seja, se o volume de água trazido pelo rio não é suficiente para a operação da central em plena carga, há uma redução da potência de geração. Por outro lado, quando o volu-me de água no rio é maior que o necessário para a geração de energia na máxima po-tência, a água que sobra passa por cima da barragem através dos vertedouros e segue pelo curso natural do rio sem passar pelas

O documentário “Rio Tocantins – Rio Afogado”, recentemente produzido através do DOCTV (programa do Ministério da Cultura e da tv Cultura), trata de ecologia e desenvolvimento discutidos a partir do projeto de construção de hidrelétricas ao longo do rio tocantins, abordando várias questões relacionadas aos impactos ambientais e sócioeconômicos resultantes dessas obras, trazendo através destes temas um questionamento em relação ao destino do importante rio.

O filme tocantinense, dirigido por João Luiz Neiva Brito e Hélio Brito, mostra que, com as quatro hidrelétricas já em operação, uma em fase final de construção e mais sete a serem construídas até 2020, inevitavelmente o Rio Tocantins será transformado em uma escadaria de lagos, separados por alguns quilômetros de rio. Do leito original sobrarão aproximadamente 20% apenas.

Os relatos de moradores da comunidade no documentário revelam as consequências do barramento do rio: degradação do meio ambiente, doenças, contaminação das águas por algas tóxicas e mercúrio e injustiças no processo de indenização. O filme aborda ainda e a angústia dos futuros atingidos quanto aos impactos ambientais, indenizações e o futuro da comunidade.

Entre no blog da Aventura&Ação e assista ao filme:www.blogdaaventuraeacao.blogspot.com

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sá Usina Lageadoo rio tocantins já possui quatro hidrelétricas em operação e existem sete previstas para até 2020

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PENÍNSULA DE MARAÚ

CHAPADA DOS VEADEIROS

BONITO

máquinas.Apesar de alternativas à construção de

hidrelétricas, em geral, serem repudiadas pelo governo, que afirma que energia alternativa tem uma baixa capacidade, há muitos especialistas e políticos que, como Jordan, acreditam que o Brasil tem potencial natural desperdiçado.

“Precisamos aproveitar melhor os nos-sos recursos eólico e solar. Além disso, evitar as perdas do próprio sistema e in-vestir em tecnologias mais eficientes, de baixo consumo. Fazer campanha contra os desperdícios e repotencializar as uni-dades geradoras, são medidas que nos garantem sustentabilidade, sem agressão ao meio ambiente e às pessoas”, sugere o deputado Padre João.

Na opinião da SOS Mata Atlântica, a viabilidade da usina depende muito do lugar onde a PCH será implantada. “É difícil ter uma opinião isolada, sem uma análise das áreas, mas de forma geral o fato de aproveitar um rio para gerar ener-gia precisa ser comparado aos impactos que isso causará para saber se vale a pena”, diz Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da ONG.

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A questão da produção da energia tão essencial para o desenvolvimento brasileiro é paradoxal. Inegavel-mente, as usinas geram emprego, renda (mesmo que apenas para as empreiteiras) e infraestrutura, mas pre-judicam umas das atividades econômicas mais saudá-veis do País, o turismo. Conheça a realidade de alguns rios que foram ou podem ser atingidos pelos empre-endimentos da PCHS. Além da primordial questão da biodiversidade afetada e dos prejuízos econômicos e sociais para as populações que dependem dos rios, alguns importantes destinos para a prática do rafting, se impactados, podem deixar um considerável desfal-que no mapa da aventura brasileira.

Santa catarina

Rio cubatão SulO Rio Cubatão Sul é um rio brasileiro, de 34 km

de extensão, situado no Estado de Santa Catarina. A nascente fica na região de Águas Mornas e as águas se-guem por seu município e também por Santo Amaro da Imperatriz. A bacia possui uma área de 738 km² e é classificada como estratégica por ser responsável pelo abastecimento de toda a região metropolitana da grande Florianópolis, oferecendo água potável de qua-lidade, beneficiando cerca de 800 mil pessoas.

Esse rio, de vocação turística indiscutível e essencial importância para a população local, está prestes a se tornar um canteiro de obras. O projeto é para a cons-trução de seis usinas na sua bacia, o que afetará desde Vargem Grande e Águas Mornas até as proximidades do centro da cidade de Santo Amaro da Imperatriz, cerca de 20 km, que irão secar ou virar reservatório de PCHs. Além de toda questão ambiental inerente a qualquer empreendimento deste porte, um dos im-pactos imediatos será a extinção do rafting, atividade praticada na região há 10 anos.

“As PCHs vão, simplesmente, extinguir a prática de aventura em Águas Brancas. Nós, da comunidade, es-tamos nessa luta há quase três anos, mas agora já está quase tudo perdido”, afirma Keko Garbelotto, pro-prietário da TDA Rafting. Garbelotto acredita que de médio a longo prazo, a indústria limpa do turismo tra-ria cada vez mais desenvolvimento, renda e emprego à população desde que consiga sobreviver.

Rio itajaí-açuTambém no Estado de Santa Catarina, o município afetado é outro potencial destino de rafting, sediando a empresa Ativa Rafting e Aventuras. O sócio Rafael Ciquella dá o seu parecer sobre a situação da região: “aqui em Apiúna, no Rio Itajaí-Açú, já está em fase final de implantação uma grande usina hidrelétrica, que deve iniciar suas atividades ainda este mês. Esta barragem gerará cerca de 182 MW e impactará um dos trechos de nossa operação”. O empresário afirma que foi preservado um trecho sem barragens, o que permite que ainda se propicie a atividade na região, mas de forma bem menos frequente.

Rio grande do Sul

nova Roma Do Sul (Rio antaS e o Rio Da PRata)

No pequeno município gaúcho, o Rio Antas e o Rio da Prata são os afetados pelas PCHS já em operação ou previstas em projetos. Com sete barragens construídas ao longo dos dois cursos d’água, atualmente restam ape-nas 30% dos rios naturais na região. De acordo com o empresário da Cia Aventura, Júlio Cesar de Borba, que opera rafting no município, se os projetos de mais duas PCHS forem concretizados, simplesmente não haverá mais corredeira e a atividade será inviabilizada. Júlio ex-plica que há algumas ONGs na região fazendo frente aos empreendimentos que, além de transformar paisa-gem natural, podem comprometer significativamente a renda da comunidade local, que vive da agricultura e do turismo.

Júlio, entretanto, acredita que os relatórios ambien-tais apresentados pelas empreiteiras não são confiáveis e como não há exigência do EIA/RIMA, a licença am-biental é dada sem muitos critérios. Em uma seleção dos destinos para a prática do rafting no Brasil, reali-zada pela Aventura&Ação por ocasião do seu aniver-sário de 10 anos, o Rio da Prata entrou na lista dos 10 melhores. Além da empresa Cia Aventura, há outras cinco operadoras na região que podem ter suas atividades compro-metidas.

goiás

chaPaDa DoS veaDeiRoS Na Chapada dos Veadeiros, que preserva um dos maiores fragmentos do cerrado brasileiro, guardando diversas nascentes de rios de uma pureza sem igual no País, há um estudo para a instalação de 22 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) no Rio Tocantinzinho e afluentes.

As nascentes da região são alvo de cobiça dos empreendedores da área energética, já que as águas surgem em áreas de Planalto, com uma forte correnteza, correndo para os rios Tocantins (Ver Box) e Paranã, percorrendo os leitos dos seus afluentes, como o rio Preto, o Tocantinzinho, o dos Couros, das Almas, das Pedras e o São Félix. São cursos d’água fortemente encachoeirados, muitos deles encaixados em vales profun-dos, ricos em biodiversidade.

O projeto mais polêmico da região é da possível PCH de Santa Mônica, que inun-daria parte do Vão das Almas, no território kalunga, uma comunidade remanescente quilombola, cuja área foi decretada como sítio histórico, ainda não implementado. A possibilidade de construção da pequena hidrelétrica coloca em risco tal demarcação.

Por isso, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Ministério Público Federal pediram recentemente a suspensão de pedido de licença para a construção da PCH, alegando que os impactos aos kalungas, que vivem de agricultura de subsistência, serão de alta gravidade. Dos 253 mil hectares do sítio histórico dos quilombolas, 67 mil seriam ocupados pelo em-preendimento caso o projeto seja autorizado e liberado.

Há também na região o projeto de uma usina de grande porte, a UHE Mira-dor, que segundo especialistas, irá irremediavelmente interromper o corredor que o rio Tocantinzinho representa, afetando a dispersão de diversos organis-mos da fauna aquática. Desde 1996, três grandes represas hidrelétricas foram instaladas na bacia do Rio Tocantins. A da Serra da Mesa, a de Cana Brava e a de Peixe Angical. Entre os rios da região, o Rio dos Couros, que nasce dentro do Parque Nacional Chapada dos Veadeiros ao sul, antes da UHE Serra da Mesa, é o único rio livre, que corre desempedido, formando um dos mais importantes corredores ecológicos de toda a imensa área cercada por represas hidrelétricas ao norte e está ameaçado de ser finalmente isolado pela Usina de Mirador.

Situação de alguns rios brasileiros impactados por PCHs

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Usina LageadoPeixes mortos no rio da Prata, quando iniciou o enchimento do Lago da PCH Jararaca, em Nova roma do sul, rs. o rio secou por longos 10 km e não havia ninguém para fazer o resgate dos peixes que não conseguiram voltar ao leito

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Usina serra da mesauma das usinas do rio tocantins que, apesar da promessa de trazer desenvolvimento econômico, gera apenas concentração de renda e impacta o turismo local

qUiLombosComunidade quilombola do vão das Almas, na Chapada dos veadeiros (Go), pode ser impactada pela PCh santa Mônica

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