PARTICIPAÇÃO FEMININA NA EDUCAÇÃO CONTÁBIL: UM … · UM ESTUDO SOBRE O COLÉGIO COMERCIAL...
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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 1194
PARTICIPAÇÃO FEMININA NA EDUCAÇÃO CONTÁBIL: UM ESTUDO SOBRE O COLÉGIO COMERCIAL CÔNEGO JOSÉ VIANA
(CCCJV) – SOUSA – PARAÍBA (1956-1995)
José Jassuipe da Silva Morais1
Kaionara Lima do Nascimento2
Introdução
Este estudo apresenta como tema principal a formação profissional feminina para a
área contábil. Tem como recorte temporal o período de 1956 a 1995, onde predominou na
cidade de Sousa– Paraíba, o Ensino Comercial promovido pelo Colégio Comercial Cônego
José Viana (CCCJV) que em seu caminhar histórico teve várias denominações em face às
mudanças na legislação de cada época. Esta Instituição Educativa em sua trajetória já se
denominou – Escola Comercial Cônego José Viana no momento de sua fundação (1956),
Ginásio Comercial Cônego José Viana (1962) por intermédio da Portaria 69 de 02 de março
de 1962 e Colégio Comercial Cônego José Viana (1971) – doravante CCCJV.
O CCCJV ofertou também, o curso de Técnico em Contabilidade e o curso de educação
básica – hoje Ensino Fundamental – para crianças e adolescentes.
Na diversidade de documentação levantada da Instituição Educativa aqui pesquisada,
verificou-se que era localizada na cidade de Sousa – Paraíba, teve sua fundação em 02 de
abril de 1956 e foi originada por parceria firmada entre o Governo Estadual e um grupo de
interessados na implantação do Ensino Comercial na região (ATA DE FUNDAÇÃO, 1956).
Nesse sentido, o governo cedeu estrutura física para abrigar a instituição desde que os
responsáveis mantivessem o colégio em funcionamento. As instalações desta escola fazem
parte do patrimônio histórico da cidade de Sousa e teve como ingressantes, durante anos,
uma diversidade de alunos e professores empenhados na oferta da educação básica e
educação profissional. Durante seu funcionamento, a Instituição Educativa em análise, foi
responsável pela formação de Técnicos em Contabilidade para toda a região, além da
participação de diversos profissionais que se dispunham a lecionar as disciplinas do Curso
Técnico em Contabilidade, sendo a primeira escola a ofertar este curso na cidade.
1Doutor em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – PPGE. Professor Adjunto no Departamento de Ciências Sociais Aplicadas da UFPB, Campus IV – Mamanguape/PB. E-Mail: <[email protected]>.
2 Estudante de Graduação do Curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – Campus IV – Mamanguape – PB. Orientanda no âmbito do Programa Institucional de Voluntariado em Iniciação Científica (PIVIC) – 2016-2017. E-Mail: <[email protected]>.
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A localidade do município de Sousa traz consigo um histórico de influência política,
econômica e cultural que reflete um dinamismo educacional há décadas, de modo especial no
âmbito da educação profissional. No século XX, a cidade iniciou um processo de mudanças
em seu quadro político, social e econômico, através do poder público que exercia grande
influência sobre a cidade. De acordo com Dário (2012) “a partir de 1930, a cidade assistiu a
um acentuado crescimento econômico marcado pelos investimentos da iniciativa privada”,
com regalias concedidas pelo poder público para a dinamização dos investimentos. Porém,
por volta de 1950, período de importantes mudanças políticas no Brasil com a Era Vargas –
não havia infraestrutura adequada para a cidade que crescia economicamente.
Tal processo evolutivo pode levar a entender que a criação do CCCJV tenha se dado por
ocasião da necessidade de mão de obra para os serviços de empresas que se desenvolviam na
época. À época da fundação da escola, um de seus idealizadores, Ananias Pordeus Gadelha
“congratulou-se com a sua terra por mais essa fundação de elevado alcance sociocultural” e
com aprovação geral, foram escolhidos o Padre Manuel Gomes para Diretor e o senhor
Antônio Nóbrega de Figueiredo para Secretário (ATA DE FUNDAÇÃO, 1956).
O Colégio Cônego José Viana foi o responsável pela inserção de inúmeros trabalhadores
no mercado de trabalho da cidade de Sousa – Paraíba, sobretudo pelo ensino ser voltado para
o comércio, partindo da necessidade de trabalhadores capacitados nas áreas comerciais que
se expandiam. A procura pelo curso técnico para formação de profissionais de Contabilidade
aconteceu devido ao crescimento acentuado da região, tanto econômica quanto
geograficamente, e principalmente pela novidade da profissionalização que chegava com a
formação técnica.
O motivo de expansão do Ensino Comercial foi pela necessidade de “profissionais
qualificados para as tarefas de gestão” (SAES, 2001, p. 44). Tal situação era provocada “tanto
por parte do governo que promovia a ampliação das estruturas do Estado quanto pelas
empresas que buscavam enfrentar o crescente nível de complexidade da economia nacional”
(PERES, s/d, p. 21).
Diante de toda a expectativa criada acerca da educação profissional, o universo
feminino também se abria para esta novidade, porém, em escala menor. Nesse sentido –
discutir a educação no âmbito de gênero, tanto para quem leciona e transmite ou para quem
aprende e recebe a educação, ou seja, independente da função exercida no CCCJV
(docente/discente) – é importante refletir como se procedeu a participação da mulher nesta
instituição.
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Tais reflexões indicam que “o debate científico acerca do gênero surgiu recentemente
por meio de estudos realizados pelas ciências sociais, em que apresentam momentos
históricos nos quais as mulheres se tornam visíveis perante a sociedade” (FERREIRA,
SANTOS e SILVA, 2015, p. 361). Essa visibilidade é um dos interesses a se destacar no
presente trabalho, onde nesse levantamento histórico busca-se a participação da figura
feminina no CCCJV. Este estudo no âmbito da referida Instituição Educativa traz indicações
de que a visibilidade aqui evidenciada pode ser resultado das lutas travadas na construção de
uma identidade social e profissional a respeito do gênero feminino.
Nesse sentido, a pesquisa utilizou como fontes – memórias de mulheres que
estudaram, trabalharam e estiveram ligadas ao curso de Técnico em Contabilidade do
CCCJV, como também, a documentação pertinente à escola levantada em seus arquivos.
Dessa forma, partindo da importância exercida pela Instituição Educativa acerca do
desenvolvimento da educação contábil e visando identificar a presença feminina na escola, o
objetivo deste trabalho foi investigar como se processou a participação feminina no curso de
Técnico em Contabilidade do Colégio Comercial Cônego José Viana (CCCJV) de Sousa/PB.
Com isso, esse artigo apresenta resultados de um estudo sobre a referida escola, que é
parte de um conjunto de pesquisas em andamento realizadas no Sertão da Paraíba, cujo foco
é a reconstituição da trajetória de escolas enquanto parte do movimento – Ensino Comercial,
Ensino Médio Técnico Profissionalizante e Mercado de Trabalho.
Assim, para o melhor entendimento e desenvolvimento da leitura, o texto fica
estruturado em seções organizadas desta maneira: a primeira constitui-se desta Introdução,
com a explanação do trabalho; na segunda é destacada a metodologia utilizada para o
desenvolvimento dos estudos e uma abordagem entre gênero e educação; na terceira seção
apresenta-se o Colégio Comercial Cônego José Viana e o Ensino Técnico-Profissional em
Contabilidade; a quarta seção prioriza o Histórico de lutas do gênero feminino no contexto da
Educação Profissional e Ensino Comercial; na quinta aborda-se a Apresentação e Análise dos
Resultados por intermédio dos relatos de Ex-Participantes; na sexta seção são feitas as
Considerações Finais mediante as informações obtidas ao longo da pesquisa e por fim são
dadas as referências para consecução do trabalho.
Trajetória metodológica entre gênero e educação
Para discutir gênero e educação se faz necessário uma abordagem que vise debater os
paradigmas preconceituosos e arraigados ao longo da história da civilização no que se refere
às mulheres. No presente trabalho e de modo especial no CCCJV, dentro das suas
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particularidades, tentou-se promover a educação por muitos anos dentro do contexto
sociocultural e econômico da cidade de Sousa na Paraíba. Portanto, estudar e entender o
curso para Técnicos em Contabilidade enfocando destacadamente a participação das
mulheres pode nos ajudar a compreender melhor como se promovia a formação
profissionalizante feminina no período estudado. Como reconhecem os autores da obra
Gênero e práticas culturais: desafios históricos e saberes interdisciplinares (2010) sobre a
importância de se refletir e promover discussões sobre desigualdade e minorias, afirma-se:
Nesse sentido, a realização e a promoção do intercâmbio de experiências entre estudiosos de diferentes instituições e regiões do país, a partir da década de 1970 (contexto de importantes lutas e conquistas), têm tratado, pois, do reconhecimento de uma histórica dimensão da desigualdade e exclusão sociocultural até então não trabalhada no âmbito acadêmico, sobretudo, em relação às, assim denominadas, minorias (MACHADO, SANTIAGO e NUNES, 2010, p. 13).
Portanto, na presente abordagem entende-se que a desigualdade praticada com as
minorias pode ter atingido as mulheres que estudaram no CCCJV. Para obtenção do objetivo
proposto – investigar como se processou a participação feminina no curso de Técnico em
Contabilidade do Colégio Comercial Cônego José Viana (CCCJV) de Sousa/PB – esta
pesquisa apresenta sua metodologia com base em arquivos bibliográficos como referenciais
teóricos relativos ao enfoque da investigação, e a análise de documentos obtidos com
responsáveis pela antiga gestão do colégio, como também o uso de entrevistas temáticas.
Sendo assim, a pesquisa bibliográfica ora destacada, pode-se entender que é
caracterizada como:
[...] de fontes secundárias, abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico etc., até meios de comunicação orais: rádio, gravações em fita magnética e audiovisuais: filmes e televisão. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, inclusive conferencias seguidas de debates que tenham sido transcritos por alguma forma, quer publicadas, quer gravadas (MARCONI e LAKATOS, 2003, p. 183).
Já a característica da pesquisa documental é que “a fonte de coleta de dados está
restrita a documentos, escritos ou não, constituindo o que se denomina de fontes primárias”
(MARCONI e LAKATOS, 2003, p. 174). No caso do CCCJV, a pesquisa documental teve
abrangência no ano da sua fundação, em 1956 e o ano do encerramento de suas atividades,
em 1995. Os dados foram coletados com a ajuda de familiares do primeiro secretário da
escola que posteriormente assumiu sua direção – Antônio Nóbrega Figueiredo – mantendo
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um arquivo com diversas informações referentes à Instituição Educativa ora em análise.
Além disso, os dados também foram obtidos por intermédio de informações levantadas com
outras pessoas que passaram pela escola, como o sousense ex-professor da instituição, Tinto
Marques.
Para o levantamento relativo à participação feminina no curso de Técnico em
Contabilidade do CCCJV, foram utilizadas como coleta de dados, as técnicas da entrevista,
que é considerada “uma forma racional de conduta do pesquisador, previamente
estabelecida, para dirigir com eficácia um conteúdo sistemático de conhecimentos, de
maneira mais completa possível, com o mínimo de esforço de tempo” (ROSA e ARNOLDI,
2006, p. 17). O tipo de entrevista utilizado – entrevista focalizada – enfoca especificamente o
tema tratado com o objetivo de explorar a fundo alguma experiência vivida em condições
precisas (GIL, 2008). Também é bastante utilizada com grupos de pessoas que passaram por
uma experiência específica. No tocante a entrevista temática busca-se a abordagem de Alberti
(2005) onde enfatiza que esta opção é recomendada na situação quando a temática se
encontra bem definida e se tem uma ideia sobre a trajetória de vida das pessoas que deverão
ser alvo das entrevistas. A autora destaca ainda a importância das experiências vivenciadas,
as atividades desenvolvidas e um período de tempo bem definido onde se busca levantar o
assunto.
Em relação à análise e interpretação dos dados obtidos, realizou-se uma pesquisa
qualitativa, do tipo descritiva e exploratória e foi de essencial importância, o conhecimento
do histórico local da cidade, por meio de informações relacionadas ao seu desenvolvimento e
influências culturais da região que trouxeram motivações para a criação do Colégio Comercial
Cônego José Viana em 1956.
O Colégio Comercial Cônego José Viana e o Ensino Técnico-Profissional em Contabilidade
O Colégio Comercial Cônego José Viana desenvolveu suas atividades no município de
Sousa, Sertão da Paraíba e distante aproximadamente 430 km de João Pessoa, Capital do
Estado. Seu desbravamento ocorreu entre os séculos XVI e XVII de forma gradativa e até ser
elevado à condição de cidade em 1854 grande esforço foi empreendido por seus exploradores.
Hoje, com população estimada em 68.822 mil habitantes (IBGE, 2016), o município traz
consigo relatos históricos com teores políticos, econômicos e culturais que influenciam direta
e indiretamente a cultura educacional.
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O “Comercial”, como todos chamavam o Colégio, foi fundado em 1956 pela parceria
entre o Governo do Estado e um grupo de iniciativa privada e desativado por volta de 1995,
década em que mudou de direção e foi perceptível a queda da sua popularidade. A estrutura
física para abrigar a instituição foi cedida pelo governo estadual ao CCCJV desde que os
responsáveis mantivessem o colégio em funcionamento. O prédio foi construído no ano de
1928 como “Grupo Escolar Batista Leite”, de Ensino Ginasial, que anos depois sairia de cena
para a implantação do CCCJV. O patrimônio histórico da cidade de Sousa recebeu durante
anos uma diversidade de alunos e professores empenhados na formação de educação básica e
educação profissional, e durante seu funcionamento a Instituição Educativa foi responsável
por formar Técnicos em Contabilidade para toda a região, tornando-se a pioneira neste tipo
ensino.
Merece destaque e registro, a situação dos profissionais da educação do gênero
feminino, que estiveram também na condição de alunas. O presente estudo busca entender
por meio de opiniões de algumas dessas mulheres, como aconteceu essa participação
feminina na Educação Técnica Profissional Contábil levando em consideração o histórico de
lutas femininas para obter tal espaço profissional.
Conforme Ata de Fundação (1956), em homenagem ao prestimoso vigário da Cidade
Sorriso, desaparecido à época, a instituição tomava o nome de Escola Comercial Cônego José
Viana, cujos fundadores oficiais foram o doutor Tomás Pires dos Santos, os senhores Felinto
da Costa Gadelha, Ananias Pordeus Gadelha e Antônio Nóbrega de Figueiredo e o padre
Manuel Gomes. Nos seus primeiros anos a Instituição Educativa teve como corpo
administrativo a direção do padre Manuel Gomes, da Fundação Padre Ibiapina, e do
secretário Antônio Nóbrega de Figueiredo, garantindo “a produção de todo o bem possível e
atingimento da finalidade que lhe é inerente pelo novo empreendimento intelectual” (ATA
DE FUNDAÇÃO, 1956). O CCCJV destinava-se a ministrar o Ensino Comercial em todas as
suas modalidades, de acordo com a legislação vigente, e após sua instituição passou a
funcionar a congregação dos professores, órgão auxiliar da administração, com função
apenas consultiva.
Durante anos a cidade de Sousa passou por importantes momentos econômicos, o que
a faz, hoje, oferecer relevante contribuição para a economia do Estado da Paraíba. Porém,
conforme Dário (2011) havia uma ambigüidade de interesses envolvidos, relacionados a
visões políticas ligadas a promover a situação governante da cidade, conforme relato em seu
trabalho publicado em seminário da ANPHU sobre a revista Letras do Sertão. O referido
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veículo de comunicação começou a circular em 1951 a serviço de uma elite letrada e com forte
teor político. A referida autora destaca que:
[...] a cidade de Sousa atravessou mudanças em seu quadro político e econômico. No início do século XX, o poder público da cidade entrou em cena como sendo o principal agente do progresso local, garantindo a aquisição de elementos modernos para o meio urbano e enquadrando Sousa no prumo da modernidade. A partir de 1930, a cidade assistiu a um acentuado crescimento econômico marcado pelos investimentos da iniciativa privada. O papel do poder público na cidade a partir de então estava ligado a conceder, na maioria das vezes, certas “regalias” para que se investisse em Sousa. Na área de infraestrutura urbana, pouco modificou-se a paisagem da cidade, mesmo tendo respondido satisfatoriamente as estratégias de crescimento da Era Vargas. Na década de 1950, quando a realidade do país mais uma vez é modificada, o pouco investimento que se fez em infraestrutura poderia representar o entrave mais importante para o atraso material e econômico da cidade de Sousa nos tempos desenvolvimentistas
que se anunciavam (DÁRIO, 2012, p. 12).
Conforme exposto, a cidade de Sousa via-se num momento propício para o
desenvolvimento econômico, porém, sem subsídios adequados para manutenção da
modernidade. Tal observação nos remete a refletir sobre a proposta inicial para criação do
CCCJV em 1956. Esse empreendimento educativo poderia garantir que uma parte da
população se tornasse detentora do conhecimento Técnico Contábil e trouxesse
profissionalização para uma área que seria de relevante utilidade pública, visando atender a
demanda de trabalho da cidade e da região. Pois, além formar trabalhadores para a cidade de
Sousa, também contribuiria para o desenvolvimento de seu entorno, uma vez que poderia
promover o aumento do fluxo econômico devido à vinda de interessados pelo Curso Técnico
das outras cidades vizinhas.
Portanto, pode-se ressaltar que no período de seu funcionamento, o CCCJV ofereceu
relevante contribuição para que ocorresse o crescimento e desenvolvimento econômico na
cidade de Sousa. Sendo assim, ressalta-se também que em relação ao objetivo deste trabalho
onde trata da participação feminina no CCCJV, mesmo que em menores proporções, esse
avanço no âmbito escolar da época pode ter contribuído para que o mercado de trabalho se
expandisse para esse público, tirando da mulher o papel de somente “do lar”, instituído desde
outrora, o que poderia colaborar para amenizar a desigualdade de gênero aqui já relatada por
estudiosos.
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Histórico das lutas do gênero feminino no contexto da Educação Profissional e Ensino Comercial
A Educação Profissional no Brasil possui um histórico de perspectivas para a formação
da sociedade. O início dessa história ocorre desde antes da colonização com os diversos meios
de trabalho advindos nesta época pelos portugueses que chegaram ao Brasil, e segundo
Garcia (s/d, p. 1), “No Brasil a formação do trabalhador ficou marcada no início com o
estigma da servidão, por terem sido os índios e os escravos os primeiros aprendizes de
ofício”. A colonização brasileira propriamente dita, por volta de 1808, trouxe outras formas
de profissionalização, com a economia voltada para a produção açucareira e para a
mineração.
Após o início do período denominado Período Imperial, em 1822, entende-se que a
nova economia e a política que se estabeleciam levavam a implantação de novas medidas
para acompanhar o ritmo econômico que crescia pelo mundo, fazendo aumentar a
diversidade de atividades voltadas para o comércio.
Com a implantação da República, em 1889, na educação, ainda não se via progresso,
pois a preocupação da República voltava-se, sobretudo para a permanência no mercado
econômico. De acordo com Cordeiro e Costa (2006, p. 3):
Produzir expansão quantitativa da educação e, portanto, atingir os anseios populares estava fora de cogitação e o debate sobre a expansão da educação ficou arrefecido até o início da primeira década do séc. XX. O ensino profissional dirigido aos pobres e desafortunados é estruturado a partir do Decreto 7.566, de 23 de setembro de 1909 e estabelecia o ensino profissional gratuito em 20 escolas de aprendizes artífices em diferentes estados da federação.
Diante dessas perspectivas para a Educação Profissional, o Ensino Comercial surge
como parte de sua disseminação, pois se sabe que o foco para a indústria tardou o
aprimoramento das escolas de comércio, com se pode notar com a implantação das escolas
de aprendizes e artífices.
De acordo com alguns estudiosos, o curso de Técnico em Contabilidade, com esta
denominação surgiu em 1945. Mas, já em 1905 com o Decreto nº 1.339 de 09/01/1905, o
curso geral habilitava para as funções de guarda-livros e perito judicial, nas quais as noções
de contabilidade eram exercidas, como também o ensino superior que habilitava chefes de
contabilidade de estabelecimentos bancários (PELEIAS et al , 2007).
Há de se destacar que a profissão já era exercida desde as primeiras atividades
exercidas com a colonização, e sempre com o modelo prático de execução das informações
comerciais.
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No decorrer dos anos, ao mesmo tempo que as fases do Ensino Comercial eram sendo
instituídas, haviam grupos espalhados mundo afora cujo interesse era voltado à participação
feminina nas atividades comerciais, culturais e políticas, o que se inclui certamente o direito
a educação para uma consequente profissionalização. Sabe-se que as lutas travadas
inicialmente foram o alicerce para a atual inserção feminina em todos os âmbitos sociais.
Para Ferreira, Santos e Silva (2015, p. 360-361), o histórico da mulher mediante a
desigualdade de gênero é abrangente, quando dizem que:
Em sua trajetória histórica, as mulheres sempre desenvolveram mecanismos de mobilização e trazendo para um contexto mais recente, antes da primeira guerra mundial, surge o Partido Republicano Feminino em 1910 que lutou e conseguiu conquistar o direito ao voto das mulheres. No Brasil, essa conquista foi alcançada após 22 anos através do decreto do então Presidente Getúlio Vargas em 1932, determinando o direito ao voto a elas votarem e serem votadas. Com o surgimento do movimento feminista, acarretou na luta pela emancipação da mulher frente à sociedade machista, defendendo também a destruição da figura preconceituosa e discriminatória da mulher.
O debate acerca de gênero está intimamente ligado ao contexto histórico existente, e tal
importância, estudada com afinco pelas ciências sociais, apresenta momentos históricos que
moldam a figura feminina, as tornando “visíveis” perante a sociedade.
No estado da Paraíba, neste tocante da mobilização feminina fizeram-se presentes e
atuantes no Estado grupos que estavam dispostos a enfrentar a sociedade para angariar os
recursos necessários a sua maior liberdade. E segundo Silva, Mendes e Machado (2011, p.
25):
Em relação ao cenário paraibano, as mudanças ocorridas no Brasil influenciaram diretamente no meio social, econômico e político do Estado. O movimento feminista foi um desses movimentos que logo teve adesão das mulheres paraibanas que passaram a erguer a bandeira do feminismo lutando pelos mesmos ideais em favor do direito da mulher. No dia 11 de março de 1933, a Associação Paraibana pelo Progresso Feminino instalou sua sede na Escola Normal, na cidade de João Pessoa, liderada pelas educadoras Lylia Guedes e Olivina Olívia Carneiro da Cunha, entre outras. Trazendo para a mulher paraibana uma nova consciência do seu papel na sociedade e se utilizando desse espaço para despertar nas mulheres outros valores, articulados de forma comportada, não somente para chegar à sociedade, mas para lidar com suas leitoras e seguidoras por um viés de respeito e consciência com as mesmas.
Cabe salientar que o termo gênero não é necessariamente ligado às mulheres, apesar de
ter emergido no “berço” de suas lutas, também sendo estendido ao homem e outras minorias.
Carloto (2001, p. 202) trata a existência de gênero, como sendo:
A manifestação de uma desigual distribuição de responsabilidade na produção social da existência. A sociedade estabelece uma distribuição de
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responsabilidades que são alheias às vontades das pessoas, sendo que os critérios desta distribuição são sexistas, classistas e racistas. Do lugar que é atribuído socialmente a cada um, dependerá a forma como se terá acesso à própria sobrevivência como sexo, classe e raça, sendo que esta relação com a realidade comporta uma visão particular da mesma. A construção dos gêneros se dá através da dinâmica das relações sociais. Os seres humanos só se constroem como tal em relação com os outros.
No contexto da interiorização com o CCJV, o conceito de gênero assume destacada
importância na construção do histórico da instituição. O Ensino Comercial voltado para a
formação tecnicista, que na época se fazia muito necessário para a região, não fazia menção a
divisões de gêneros, porém os estigmas da sociedade sempre o fizeram. Sendo assim, é
impossível falar do gênero feminino e não falar das relações profissionais arraigadas para tal.
A dinamização do trabalho profissional com todas as outras atividades exercidas pelas
mulheres, em sua maioria já donas de casa e mães é motivo de muitas investigações, como
também de preconceitos em relação à consecução de atividades realizadas simultaneamente.
A disseminação da atuação feminina como aluna ou professora no CCCJV, não foge desse
paradigma preconceituoso aqui mencionado, onde no andamento desta pesquisa foram até
enfrentadas dificuldades de encontrar mulheres que pudessem falar sobre tal experiência.
Portanto, podemos concluir este tópico na perspectiva da adoção do método da
entrevista temática visando obter resultados com bases nos ideais femininos e na busca da
compreensão desses problemas, em partes, visto que tratamos especificamente de certo
grupo de mulheres, mas que sinalizam a dinâmica da qualificação de gêneros ao longo de
suas trajetórias.
A seguir realizaremos a apresentação e análise dos resultados obtidos na investigação.
Apresentação e Análise dos Resultados
Ao longo do trabalho, diversos levantamentos para localizar o público alvo foram
realizados, e mesmo sabendo que a participação feminina era inferior, foi esta
particularidade que nos fez persistir para colher as opiniões a respeito desta temática. Foram
realizadas três entrevistas entre junho e setembro/2016 com a utilização de um questionário
semiestruturado com 28 questões que ajudaram a compor a idealização do trabalho e cada
uma com suas particularidades levaram aos resultados propostos. As mulheres entrevistadas
tiveram participações como alunas e professoras, portanto, trataremos cada uma no contexto
do período que permaneceram em suas funções, como: Ex-Participante 1 (1964 a 1967; 1975 a
1978), Ex-Participante 2 (1980 a 1982) e Ex-Participante 3 (1970 a 1972; 1973 a 1975).
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Ex-Participante 1 (EP1)
Para iniciar as análises, como vimos, foi necessário remontar o histórico feminino no
meio social e trabalhista para que neste tópico possamos apresentar com maior facilidade
esta ascensão, como também, as dificuldades sob o ponto de vista dessas participantes.
A EP1, que atualmente está aposentada, mas desenvolve trabalho voluntário na
Fundação Bento Freire, de Sousa – PB e apresenta um programa sobre educação na Rádio
Educativa da mesma cidade, iniciou seus estudos no Colégio Comercial Cônego José Viana
(CCCJV) em 1964 onde permaneceu até 1967 como aluna do Ginasial de 5ª a 8ª série, na
época. Ao concluir esta fase não continuou como boa parte dos alunos para ingressar no
Técnico em Contabilidade, retornando à escola apenas em 1975 como professora de Língua
Portuguesa após concluir a graduação em Letras. Permaneceu até 1978 como professora do
curso de Técnico em Contabilidade mantendo contato diário com a rotina da escola e que
acredita ter sido de muita importância para o seu crescimento profissional.
Acerca das influências da participação do CCCJV como figura feminina ela afirmou
que: “[...] Era época de ascensão da mulher no mercado de trabalho, não apenas como
professora, mas muitas ex-alunas trabalhavam em escritórios de contabilidade, então
posso dizer que cresci profissionalmente e tive a escola como espelho [...]”.
Quando questionada sobre o seu ponto de vista da história da luta feminina por espaço
na sociedade a EP1 toca justamente na divisão de tarefas para a mulher e na sua
diferenciação social: “[...] Considero muito positiva, embora reconheça que é uma luta de
muito sacrifício, em razão das várias jornadas, que assumiu como: profissional, mãe e
esposa. Nós sempre buscamos o nosso espaço e hoje estamos muito melhor [...]”. A restrição
quanto a participação feminina na escola, segundo a EP1 existia, mas não exercia muita
influência: “[...] Nunca observava esse limite como barreira, e sim como uma batalha a ser
enfrentada todo santo dia [...]”.
A EP1 também deu muito destaque à forma que os direitos adquiridos pelas mulheres
ao longo do tempo refletem hoje para si e para todas, com pontos positivos e negativos,
respectivamente:
[...] Foram muitas coisas boas que aconteceram ... Eu sou exemplo, cresci afastada dos direitos... percebi como eu podia ir longe. Fui professora por destino e a educação é o meu trabalho. É o que eu sei fazer... Continuo até hoje nesse caminho, não como professora, mas batalhando pela educação com projetos na minha cidade. O ponto negativo é o sacrifício pra assumir a responsabilidade como mãe presente na vida dos filhos, quando o companheiro não entende que a mulher quer trabalhar.
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Em relação aos alunos no período que atuou como professora, ela ainda frisa que “[...]
eram de todas as classes sociais, mais classe média. Eram bem mais do sexo masculino. A
faixa etária de catorze a vinte e dois anos. Os meninos em geral se saiam melhor na
matemática financeira e nas disciplinas de contabilidade”. Para ela os motivos que
influenciavam no quantitativo diferente entre alunos e alunas eram os seguintes – “[...] Creio
que podia ser tanto pela aprovação no teste pra entrar na escola, e também pelo receio dos
pais em deixar suas filhas estudarem”. Ao concluírem o curso “[...] os alunos e alunas já eram
procurados pelos escritórios de contabilidade e pelas empresas e comércio em geral”.
No tocante ao período em que foi aluna a EP1 mencionou que havia disciplinas no
Ensino Fundamental que eram introdutórias do técnico em contabilidade: “[...] as que mais
sentia dificuldade: matemática financeira e contabilidade geral e específica”. Sobre os
professores:
[...] Muitos eram profissionais liberais: juízes, promotores, padres, advogados. Poucas pessoas eram licenciadas, quando muito, tinham o curso de suficiência (intensivo de seis meses realizados na UFPB – João Pessoa). [...] eram assíduos. Havia excelentes professores e alguns fracos, alguns rigorosos, outros não tanto, mas a escola era séria. Lembro-me de dois brilhantes professores, padre Viana e Deocleciano Elias de Queiroga, o primeiro padre e o segundo, grande promotor de justiça, ambos de língua portuguesa, foram meus incentivadores e Edísio Justino de Oliveira, contador.
O melhor período da escola considera que tenha sido “[...] a década de setenta, apogeu
dos cursos em contabilidade pública e privada para a região”. E completou:
[...] o Colégio Comercial Cônego José Viana, apesar da precariedade da época foi uma escola que atingiu seus objetivos, prestou um grande serviço à educação profissional em Sousa, produzindo excelentes contadores, que fizeram e fazem história, a exemplo de José Nunes”.
Ex-Participante 2 (EP2)
A segunda entrevistada EP2 teve participação no Colégio Comercial Cônego José Viana
como professora de Inglês ministrando aulas para alunos do ensino fundamental e Técnico
em Contabilidade de 1980 a 1982.
Considerando o tempo que esteve na escola “[...] O que mais me marcou nesse período
foi à relação de afeto e respeito que os alunos tinham por Seu Toinho, o diretor, e a forma
como ele administrava a escola, com um zelo e um amor raros”.
Como figura feminina a mesma relata as influências da sua participação na escola:
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[...] Ensinar me deu uma lição: a de que somos eternos aprendizes, e do quanto é possível se aprender com aqueles a quem ensinamos. A relação professor/aluno é uma troca. Independe de ser sexo feminino ou masculino, porém na época era uma honra a mais uma mulher concorrendo com homens num espaço profissional. [...] O papel social da mulher ampliou-se consideravelmente. Nós avançamos bastante, tanto que passamos a ser vistas com assombro por grande parte do mundo masculino. Tornaram-se senhoras do corpo e da palavra. Mas há muito ainda a ser feito, principalmente no plano da subjetividade. Ainda vejo muita culpa nas mulheres que trabalham em relação aos filhos e marido.
Quanto a possíveis restrições em relação à participação feminina na escola a
participante diz:
[...] Não senti nenhum tipo de restrição interna à minha atuação como professora pelo fato de ser mulher. Lecionei em classe onde noventa por cento eram homens, jovens se preparando para entrar na universidade, e eles me tinham muito respeito, porém externamente sempre havia aquele olhar de reprovação por parte de alguém que não conhecia o meu trabalho.
E em sua opinião sobre os reflexos atuais do período decisivo da inserção da mulher no
mercado profissional ela relata:
[...] As conquistas ocorreram, mas não de forma plena. As mulheres traçam os próprios caminhos, e especialmente a mulher de classe média tem lutado por sua independência financeira. Mas, como já falei em outras entrevistas, vejo a mulher moderna como uma mulher dividida. Ela ainda sofre cada vez que opta por atuar de uma forma que foge do modelo maternidade/família.
Atuando como professora a EP2 nos deu poucos relatos, disse não recordar tanto do
período. Sobre os alunos ela comentou
[...] As classes tinham mais garotos. De todas as idades, entre seis e dezoito anos. Eles eram de todas as classes sociais. Havia muitos bolsistas. As meninas eram em menor número, mas, eram, sem nenhuma dúvida, melhores alunas.
Quando perguntada qual era seu ponto de vista sobre serem mais meninos que
meninas, ela disse:
[...] Creio que mais por motivos particulares do que da escola. Ela ainda deu outros detalhes sobre o convívio com os alunos em sala de aula: “[...] Não me recordo de haver reprovado nenhum aluno. Sempre era possível uma oportunidade para se chegar lá [...]. Eu sempre fazia exames em sala de aula. Algumas vezes, prova escrita e oral. Ensinava em torno de 25 alunos por turma. Havia turmas maiores.
A EP2 não atua mais como professora. Afastou-se para dedicar-se à carreira de
escritora que segue e atua também como funcionária pública – Analista Judiciário – no TRT
(Tribunal Regional do Trabalho).
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Ex-Participante 3 (EP3)
Encerrando as entrevistas, temos a EP3 que foi a única participante aluna concluinte do
curso de Técnico em Contabilidade. Com formação Técnica em Contabilidade e Graduação
em Direito ela atua como Contabilista até hoje. Seus anos de participação foram 1970 a 1972
(Ginásio); 1973 a 1975 (Técnico). A entrevistada expõe com muita satisfação sobre sua
atuação no CCCJV, onde se tornou uma profissional. Inicialmente, sobre o tempo que esteve
na escola, ela lembra: “[...] Na minha época a escola era muito boa, as pessoas que
estudavam lá quando terminavam o curso saíam de lá pra trabalhar, saíam prontos pra
trabalhar. Antes de eu terminar eu já estava preparada para trabalhar na área”. E sobre o
início da carreira profissional: “[...] Comecei em 1974 num Escritório de Contabilidade e com
um ano eu já assumi a direção daquele escritório. Depois fui trabalhar na concessionária
Chevrolet e nessa concessionária eu cresci bastante”.
Questionada acerca das influências do CCJV na sua vida como figura feminina, a
mesma relata:
[...] Influenciou demais, muito, muito mesmo, sabe? – agora é o seguinte: na minha época praticamente menos de cinquenta por cento era mulher – mas era uma escola muito boa, e depois tinha o técnico onde já saía praticamente sabendo de alguma coisa, preparada pro mercado... Assim... E naquela época a gente não podia sair, né? Não estudava fora e tal... Então os pais achavam melhor estudar aqui mesmo, mas depois do ginásio eu entrei porque eu gostava mesmo... porque eu sempre gostei de Contabilidade, sabe? Eu lutei por isso. Eu fui porque eu realmente gostava. Eu sempre me preparei, sempre estudei muito. Praticamente... eu me casei, tive filhos, mas eu não deixava a minha obrigação na Contabilidade por nada. E eu lhe digo com toda sinceridade, qualquer área que eu pegasse... eu sou uma pessoa determinada... eu acho que qualquer área que eu pegasse pra fazer eu me daria bem, mas a gente se dá melhor naquilo que gosta, né? Eu gostava de Contabilidade então eu optei por ela... eu sempre fui assim de enfrentar, de gostar, de estudar. Pra você ver na época que eu estudava foi na época que o Brasil foi tri campeão mundial e eu não assisti aos jogos porque eu ficava estudando pra fazer vestibular [...].
No tocante a história da luta feminina pelo seu espaço na sociedade, tratado com muita
importância ao longo do trabalho, a EP3 opina:
[...] Eu não acho que demorou a alcançar seu espaço, eu acho assim... eu acho até que foi rápido porque quando ela começou a avançar, a ocupar o espaço dela foi em quase tudo. Mas ainda está devagar porque se você prestar atenção a maioria das pessoas no mundo hoje é mulher, né? E ela ainda não chegou lá pra alcançar os mesmos direitos que o homem. Ela ainda é um pouco devagar, mas ela é determinada. A mulher ainda está procurando mesmo vencer. Na minha época também já existia muito isso: a sociedade... não é nem tanto a sociedade, é a própria família, sabe? Eu acho
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assim, a própria família não queria que a mulher trabalhasse... Hoje não, hoje se você se casar você tem que trabalhar também porque o homem não dá conta da casa não (risos)... E ela quer ser livre pra ter sua vida também.
Ainda sobre a participação feminina na instituição, em relação a possíveis restrições
por serem mulheres, ela relata: “[...] Na minha turma as mulheres eram muito estudiosas.
Elas ultrapassavam realmente os homens, então assim, a maioria das mulheres ficaram,
poucas saíram pra fazer outras coisas. Não tinha esse problema de restrição dentro da escola
não, mas fora a gente já era vista como quem queria ocupar o lugar dos homens ”.
E perguntada sobre o reflexo de todo esse avanço da mulher ao longo do tempo a EP3
garante:
[...] A realidade é que o trabalho aumentou em dobro no meu tempo. Porque a gente trabalhava fora e em casa tinha que fazer tudo ainda, os maridos não faziam e a gente não cobrava, né? Hoje não, a mulher pode ter ajuda do marido em casa, eles já estão entendendo como é... isso não é mais um problema. Isso é uma coisa muito boa, é positiva porque ela não tem mais medo de trabalhar e não dar conta de tudo na vida, ela pode ter ajuda, e ela pode avançar mais em outras coisas... A mulher está atingindo as coisas, um dia ela chega lá.
Sobre a didática do CCCJV a EP3 faz algumas considerações importantes que
acrescentam o que as outras participantes relataram e aumentam a relevância desta
Instituição Educativa para a história e vida da cidade. Da organização ela lembra:
[...] O diretor chamava-se Toinho, era uma pessoa muito rígida, mas era uma pessoa boa... Ele tinha o secretariado dele lá, tinha o filho que trabalhava lá com ele e tinha outra pessoa. Mas naquela época era diferente mesmo. Hoje pra você manter uma escola tem que ter uma equipe imensa, naquele tempo três pessoas resolviam. Eram professores bons, entendeu? Porque era uma didática boa... que você fechava um balanço e fazia um balancete, você sabia o que era ativo, o que era passivo, o que era conta de resultado... Olhe, eu tô dizendo aqui porque eu trabalho com alunos aqui no meu escritório e eu já perguntei “por que isso aqui é ativo?”E já responderam “não sei, isso aqui é pra colocar aonde?”... Outra coisa: hoje uma coisa que eu me admiro muito é que as pessoas não sabem escrever bem. Na minha época a gente tinha que ler muito, hoje eu vejo que as pessoas não se interessam...
Ela fala também da empregabilidade na cidade e vizinhança trazida por intermédio do
CCCJV, pois todos os alunos da sua turma tinham chances no mercado: “[...] Muitos dos
meus colegas antes mesmo de terminar o curso já tinham trabalho. Aqui sempre tiveram
escritórios, comércios... E se não conseguisse antes, depois já era garantido mesmo”. Em
relação aos alunos: “[...] A minha classe do técnico era de gente misturada, tinha pobre,
tinha médio, tinha rico... Na minha turma tinha pessoas de 17 e 18 anos. Eu quando entrei
lá tinha 14 anos”. Já no que diz respeito às possíveis reprovações: “[...] Não havia muitas
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reprovações, porque era um colégio pago e os pais se esforçavam muito pra que seus filhos
passassem”. E sobre os professores: “[...] Os professores eram muito acessíveis. Eram muito
conhecidos na cidade, tinha até alguns que eram amigos dos meus pais”.
Concluindo a entrevista e acerca da trajetória histórico do CCCJV a EP3 ressalta sua
importância para a cidade: “[...] É uma pena ele ter acabado na nossa cidade, apesar de ter
muitas escolas e universidades aqui hoje, acho que não se compara com o ensino de
antigamente, infelizmente. Quem viveu aquele tempo teve muita sorte”.
Considerações Finais
Por intermédio das descrições contidas nas entrevistas e no decorrer do texto, pode-se
verificar a importância exercida pelo Colégio Comercial Cônego José Viana (CCCJV) acerca
do desenvolvimento da educação contábil na localidade aqui evidenciada. Dessa forma, este
trabalho buscou mostrar a relevância da presença da mulher como ponto importante para
este desenvolvimento, trazendo à tona o objetivo de investigar como se processou a
participação feminina no curso de Técnico em Contabilidade do Colégio Comercial Cônego
José Viana (CCCJV) de Sousa/PB.
Nesse sentido, destacando a problemática da inserção da mulher no mercado de
trabalho a partir da atuação na Instituição Educativa aqui investigada, a pesquisa apresentou
a trajetória de 03 (três) mulheres que fizeram parte dela, entre os anos de 1964 e 1982 e que
buscavam alcançar ascensão social e qualificação profissional. Com base nisto, procurou-se
responder de modo especial, às seguintes questões nas entrevistas realizadas – Qual
influência a formação nesta escola proporcionou na vida dessas mulheres? Quais restrições
esse público feminino pode ter enfrentado ou percebeu em sua participação na busca por
igualdade de gênero na escola e no mercado de trabalho da cidade de Sousa – PB?
Enfatizamos ainda, que com a utilização da documentação levantada foram obtidas
informações quanto à trajetória histórica da escola e todo seu processo de formalização e
criação.
Assim, entendemos que por meio das entrevistas temáticas podemos ter atingido o
objetivo proposto no tocante às opiniões das participantes, verificando que a referida
Instituição Educativa exerceu significativa influência no crescimento dessas mulheres que se
viam determinadas, tanto pelo incentivo que proporcionava para dar continuidade à vida
profissional na qualidade de alunas, quanto na lição de ser sempre aprendiz diante de quem
se ensinava na qualidade de professoras.
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Os resultados alcançados também indicam que a presença feminina na formação
técnico-profissional em Contabilidade foi menos expressiva que a masculina, porém isso não
indica e nem conclui que a participação dessas mulheres ficou restrita as paredes da escola,
visto que não observavam o limite como barreira e continuaram o desenvolvimento
profissional a partir do aprendizado e convívio na Instituição. Verificou-se que as possíveis
causas da baixa frequência das mulheres nessa modalidade de ensino no CCCJV podem ser
inferidas por preconceitos, desigualdades e algumas restrições de gênero, típicos de
determinados segmentos profissionais conservadores, como também, do período e da região
pesquisada.
No tocante ao reflexo dos direitos por elas adquiridos com base nessa participação e no
aprendizado escolar, elas apontam conquistas que obtiveram no âmbito profissional, mas não
de forma plena, visto que mesmo diante do espaço alcançado pouco a pouco, ainda sofrem
cada vez que optam por atuar de uma forma que foge do modelo maternidade/família
perante a sociedade.
Portanto, diante das respostas e observações feitas acerca do tema, podemos concluir a
importância expressiva da participação feminina no que tange o espaço escolar do CCCJV e
fora dos muros da escola, como se pode notar no âmbito da profissionalização de todas as
entrevistadas. Cabe ressaltar que não houve muitas variações entre as opiniões das
entrevistadas e que mesmo seguindo atualmente carreiras distintas e somente uma atuando
na área contábil, todas fazem ciência do importante período em que estiveram na Instituição
aqui investigada historicamente.
Referências
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Entrevistas
01: EX-PARTICIPANTE 1 (EP1): Concluiu em 1967 o curso Ginasial no Colégio Comercial Cônego José Viana (CCCJV) em Sousa – Paraíba, sexo feminino – Entrevista concedida entre junho e setembro/2016 02: EX-PARTICIPANTE 2 (EP2): Professora de 1980 a 1982 do curso de Técnico em Contabilidade no Colégio Comercial Cônego José Viana (CCCJV) em Sousa – Paraíba, sexo feminino – Entrevista concedida entre junho e setembro/2016 03: EX-PARTICIPANTE 3 (EP3): Concluiu em 1972 o curso Ginasial e em 1975 o curso de Técnico em Contabilidade no Colégio Comercial Cônego José Viana (CCCJV) em Sousa – Paraíba, sexo feminino – Entrevista concedida entre junho e setembro/2016