Texto políticas educacionais e desigualdades arroyo - 24 de agosto
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Os três dias mais intensos do ritual são aprópria festa, espaço da dramatização davida, da história e da fé. Eles expressama cultura afrodescendente na festa doCongado, a Congada
Pintam os instrumentos.[f1]Cozinham o feijão. [f2]Picam as couves. [f3]Trançam os cabelos. [f4]
Alguns desses preparativosvêem sendo feitos há meses.Os dançadores concentram-se no quartel para fazeremos arremates. No outro dia,é só aproveitar o aché .Às 6h da manhã, a igreja estávazia. [f5]Nos quartésis, a agitação.Colocam as indumentárias.[f6 e f7]Ajeitam os estandartes. [f8]Tomam o remedinho. [f9]E saem.
Primeiro dia:
Segundo dia:
5.1. O ritualMontagem ilustrativa dos preparativos e da Congada - ������� ����������������������������������������������������� ������!"#���$$��%�����&��������'��&�����(�������&�&#&����)��&���������������������*��������������� ����������� ������+,,-�(�-.
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Busca-se as imagens da N.S.do Rosário e São Benedito queserão colocadas nas pontasdos mastros na casa dopresidente da Irmandade.[f10]
O encontro dos ternos dacidade e dos ternos visitantesse dão na Av. FlorianoPeixoto, entre o Fórum e aIgreja do Rosário.[f11 e f12]
Ao meio dia todos os ternossão recebidos na porta daigreja.[f13]
Fazem suas danças.[f14]
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Dois deles levantam, cada um[f15], um mastro[f16].
Voltam para os quartéis, ondeé servido o almoço. [f17]
Homenageiam os reis erainhas Congo.[f18]
Seguem em cortejo até aigreja. [f19]
Começa a procissão.[f20 e f21]
O rei e a rainha Congo de SãoBenedito acompanham oandor da imagem de SãoBenedito.[f22]
O rei e a rainha Congo de N.S. do Rosário acompanham oandor da imagem de N.S. doRosário. [f23]
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Também, São Benedito nafigura de um anjo negroentrega o rosário à VirgemMaria. [f26]
O terno de Marinheiro trançafita. [f27]
Os congadeiroscumprimentam os amigosdurante a dança de despedidadaquele dia.[f28]
Um pagodinho não pode faltarna volta para os quartéis.
Na missa[f24] ocorre a trocade coroas e cetros dos reis erainhas Congo daquele anocom o do ano seguinte. [f25]
Terceiro dia:dançando e tocando o diatodo.[f29 e f30]
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Fazem visitas às casas dosamigos, parentes e emquartéisde outros ternos, afirmandoantigas e novas relaçõesdesolidariedade.[F31 e f32]
Caída a noite osmoçambiquesdescem os mastros[f33 e f 34].Guardam-nos no altar.[f35]
E todos se despedem,cantando.[f36, f 37 e f 38
]Até para o ano que vem!
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5 . 1 . 1 . M i ssa s d e Do m i n go
Todos os domingos há mais de dez (10) anos, depois da
missa das 16h, na Igreja do Rosário, ocorre uma reunião de
congadeiros, quando se encontram os capitães ou um representante
de cada terno, a diretoria da Irmandade e o pároco responsável pela
Igreja do Rosário. São nessas reuniões que se discute a
programação da festa, a divisão do subsídio público entre os ternos,
a entrada de novos ternos na Irmandade e é onde é entregue o
tradicional alvará municipal para cada um dos representantes dos
ternos que, a partir daquele momento, estão liberados para cantar
e dançar nas ruas da cidade de Uberlândia, dando início aos ritos
de preparação da festa.
5.1.2. Campanhas dos Ternos: o lei lão e o terço
As campanhas e Leilões ocorrem nos três ou dois meses
anteriores a festa. Nesse momento pode ouvir os ternos de Congado,
dançando nos arredores de seus quartéis, normalmente entre as 20h
e 23h, duas ou três vezes por semana. Esse período é de positivação
da fé no rosário e nos toques dos tambores, mas o sagrado, desde
este momento até o último dia da festa, é deslocado do ambiente
religioso e inserido no espaço público da cidade. Os congadeiros
saem dos seus quartéis (onde os instrumentos são guardados) e vão
dançando até a casa onde a santa se encontra. Chegando lá a música
aumenta sua força, os repiliques soam alto, tocados pelos congos;
se são moçambiques as
patangongas vibram em suas
mãos. Entram no local,
agradecendo e pedindo a bênção
para o dono daquela casa. Cada
terno reza à sua maneira o
rosário. No Catupé do Martins as
mulheres são as responsáveis,
sua reza é o cantar da Ave Maria.
Já no Moçambique Estrela Guia
a reza do rosário é em conjunto
com os homens, a madrinha do
terno é a responsável para puxar
a reza. Em dia de campanha
rezam um mistério.
Depois da música,
depois da reza começa o leilão,
ou no quintal da casa ou na rua.
A devota, dona da casa, entrega
as prendas, e entre os presentes
elas são arrematadas. O dinheiro
vai para o feit io das
indumentárias, a manutenção e
a compra dos instrumentos e os
alimentos dos dias da festa.
Acabado o lei lão, mais um
momento de consagração da fé,
a música volta a ecoar se
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despedindo da casa, levando a
santa para m ais um a
cam inhada. Vão em bora,
cantando e dançando até a
próxima casa que irá receber
a santa e dispor de prendas
para o lei lão seguinte. As
cam panhas costum am
acontecer nas terças, quintas-
feiras e sábados. As segundas,
quartas e sextas-feiras ficam
reserv adas para out ros
compromissos com a fé. No
colet iv o, os encont ros
sem anai s noturnos são
momentos de contar histórias,
de reaf i rmar t radições, de
propor e discutir novidades.
Assim, a identidade e
a construção da cultura são
reinventadas. Os preparativos,
com o as cam panhas, as
reuniões na igreja, a feitura das
indumentárias e instrumentos
são muito importantes para
reafirmarem os laços sociais
estabelecidos pelo rito.
5.1.3. Ocupação Urbana e Localização dos Quartéis
A visibilidade que a comunidade congadeira exerce em tempo
de campanha caracteriza o tempo em que a cultura de matriz africana
expõe-se e impõe-se através de uma parcela da população urbana
que faz da rua a sua casa. Cada terno ocupa uma grande área ao
redor de seu quartel, por onde passa em marcha nesses meses
anteriores a festa. Os ternos também visitam lugares mais
longínquos, dependendo da importância da promessa ou do devoto
para o terno. Em anexo na dissertação de mestrado (Gabarra, 2004)
tem o mapa de ocupação da área no bairro ao redor do quartel que
os ternos ocupam feito a partir dos endereços visitados durante as
campanhas dos Ternos de Marujo Azul de Maio, Caputé Nossa
Senhora do Rosário/Martins, Moçambique Estrela Guia.
O anexo 16.4 é o mapa de ocupação da área total dos ternos
de Congado de Uberlândia feito a partir da projeção da área ocupada
pelos ternos estudados, durante a pesquisa de mestrado supracitada
e a atualização da localização dos novos ternos a partir do Álbum de
família Afro-descendente de Fabiola Benfica Marra, também em anexo.
5.1.4. Novena da Igreja e Leilão da Irmandade
A utilização pública dos arredores dos quartéis amplia-se para
o centro da cidade na semana anterior a festa, os ternos se deslocam
dos bairros para a Igreja N.S. do Rosário, alternadamente de dois ou
três por dia. É o período da Novena quando se tem os leilões de
responsabilidade da Irmandade e da Igreja. Os fundos arrecadados
com os leilões referentes à novena vão para a Igreja. O Sr. Deny, atual
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presidente da Irmandade do Rosário, explica que
antigamente era uma campanha só. Tirava esmola de
porta em porta. A zeladora da igreja daquela época é
que inventou a campanha (entrevista, 2003). Tanto num
caso como no outro a ocupação do espaço público permanece em
evidência, aproximando ainda mais as relações sociais entre a igreja,
o governo municipal e a população afro-descendente.
Arroyo relata suas impressões acerca do Congado no último
dia de novena Os cantos e a reza eram repetidos inúmeras vezes,
em ritmo arrastado que combinava com a luz pouco intensa, ia-se
fazendo ouvir mais potente a sonoridade de suas caixas e chocalhos
que encobria a reza no interior da igreja, encontro de dois mundos –
o católico e o afro – que se fundiam de modo intenso (Arroyo, 1999).
O trajeto dos ternos em direção ao centro da cidade prepara os
cidadãos que não participam da festa para o apogeu do ritual, que
ocupa as principais ruas do centro da cidade durante dois dias da
festa. Em setembro, A relação entre os ternos do município de
Uberlândia se dá independente das relações dos ternos com a
Irmandade e das datas de constituição dos ternos na cidade de
Uberlândia. Essas relações fazem parte de um tempo não cronológico,
que integra a tradição à história de vida de cada família.
A questão familiar move as relações entre os ternos, elas se
iniciam no interior deles como explica Dolores: O capitão do meu
terno é casado, a mulher dele ajuda minha filha a comandar as
meninas da bandeira, ajuda a fazê campanha (entrevista, 2001) A
filha dela, Antônia, é a madrinha de bandeira do terno, hoje ocupa o
lugar de sua mãe, falecida em 2006, como dona do terno. A relação
familiar no interior dos ternos se constitui então a partir de um núcleo
familiar que agrega outras famílias formando uma família ampliada.
Que por sua vez estende-se
para além do terno,
permanecendo no congado,
quando os namoros durante as
festas concretizam em outras
uniões e possíveis novos ternos.
As diferenças entre os
ternos e as relações de força
entre as famílias que operam no
ritual da festa faz parte da
própria t radição e são
representadas nas demandas ou
disputas das cantor ias
(normalmente palavras com
cargas mágicas) que um terno
faz para o outro. Antes do
encontro eles demandava, eles
fazia a festa particular assim.
(...)Um ia cantando depois não
dava conta de canta, perdia o
verso. Era demanda mesmo.
Não sei o povo antigo era bobo
demais. Às vezes, um cantava
mais bonito, o outro atrapalhava
o outro (Dolores, entrevista,
2001). Essas relações foram
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construídas no passado, mas que
também, através das memórias
sociais, são reconstruídas hoje,
reafirmando núcleos familiares de
tradições distintas, inaugurando
outros de procedência de alguma
dessas já sólidas tradições
praticadas no Congado.
A referência a uma
cultura diferente que as tradições
do Congado insistem em mostrar
é entendida a partir do significado
da oral idade para essa
população. Cada família carrega
o conhecimento de seu ancestral
e esse não é igual aquele. O ritual
ensinado através da oralidade no
interior de cada família pertence
ao conhecimento daquele avô e
daquela avó que desde seus avós
e avôs vêm recebendo os
fundamentos daquele grupo ou
etnia africana. As famílias de
Gessy (Adão Ferreira), Inácio e
Miguel, que constituíram ternos
em Uberlândia em meados da
década de 60 do século XX,
respectivamente, Marinheiro,
Catupé e Moçambique; a dos
Nascimento, dos fins do século XIX, Congo e dos Matinada (Benedito
Silva), Catupé, década de 1940, na verdade, são núcleos familiares
que ampliados expressam experiências do tempo diferentes, que se
apresentam como tradições diversas. Os descendentes das cinco
famílias têm um poder baseado na acumulação de conhecimento
imaterial.
A história familiar é permeada de tempos passados onde
essas categorias identitárias foram germinadas e que cultivadas se
adaptam às condições do tempo histórico, que está sendo vivido. A
circunstância de formação daquele terno em relação aquela família
vai consolidar as diferentes nações de procedência, Catupé, Marinheiro,
Moçambique e Congo, e cada família ao assumir uma dessas
tradições assume também símbolos que representem a nação e
também o seu lugar dentro do conjunto, ou seja, o seu tempo de
experiência. Nas experiências da própria festa, de preparação dessa
e do cotidiano do grupo, o núcleo familiar atualiza o conhecimento
oral e espiritual, através da ritualização do Congado. E as relações
entre os ternos vão se dando na medida das relações entre as famílias
e os rituais que lhes pertencem. Algumas vezes, esses rituais
familiares se aproximam de outros de outras famílias e outras vezes
se afastam, criando a dinâmica do próprio Congado.
5 . 1. 6 . E n con t ro s d e Terno s :
A agenda anual do congadeiro não se restringe à festa ou
aos preparativos da festa. Entre as famílias e os dançantes se cria
uma rede de relacionamentos que permeiam várias instâncias da vida
cotidiana. Durante o ano todo, os congadeiros fazem eventos uns
para os outros, ampliando os contatos entre si e também entre a