Papo de índio: O petróleo e o gás debaixo da terra Pan – Amazônica

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P P P a a a p p p o o o d d d e e e í í í n n n d d d i i i o o o : : : O O O p p p e e e t t t r r r ó ó ó l l l e e e o o o e e e o o o g g g á á á s s s d d d e e e b b b a a a i i i x x x o o o d d d a a a t t t e e e r r r r r r a a a P P P a a a n n n A A A m m m a a a z z z ô ô ô n n n i i i c c c a a a por Oswaldo Sevá e Marcelo Piedrafita Iglesias, março-abril 2007 i

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PPPaaapppooo dddeee ííínnndddiiiooo::: OOO pppeeetttrrróóóllleeeooo eee ooo gggááásss

dddeeebbbaaaiiixxxooo dddaaa ttteeerrrrrraaa PPPaaannn ––– AAAmmmaaazzzôôônnniiicccaaa

por Oswaldo Sevá e Marcelo Piedrafita Iglesias, março-abril 2007 i

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OOO ccchhhooorrruuummmeee dddaaasss eeerrraaasss gggeeeooolllóóógggiiicccaaasss aaannnttteeerrriiiooorrreeesss Petróleo muita gente pensa que é um óleo mineral, um óleo da pedra, uma matéria

sem vida, inorgânica. Errado, é uma coisa orgânica que se encontra na pedra, entranhada numa rocha bem

porosa, meio arenosa, lá embaixo no subsolo, em profundidades de dois mil, três mil metros ou mais!

Petróleo é um chorume, como aquele caldo escurão que brota dos aterros de lixo, principalmente quando já há várias camadas de lixo em putrefação há um bom tempo. Por isso, é uma mistura pegajosa e com muitos cheiros sobrepostos, formada de partes muito viscosas, borrachentas, que chegam a empedrar quando resfriam, e de outras partes bem voláteis, frações de líquidos que evaporam no ambiente e de gases que podem se incendiar com qualquer faisquinha.

Mas é um chorume de quê, afinal? Haveria depósitos de lixo no subsolo da terra? Como então se formaram esses depósitos de coisa oleosa na pedra ?

O que formou o chorume foi uma imensa quantidade de vida marinha, nos mares de

muito antigamente, dezenas de milhões de anos atrás, vida animal e vegetal, crustáceos, moluscos. O símbolo de uma das grandes empresas "irmãs do petróleo” é uma bela concha, em forma de leque, tipo Saint Jacques, não é?

Mas também microorganismos como as algas, algumas delas que são bem oleosas, e mais os protozoários, que ficaram prensados nas camadas sedimentares quando esses mares foram sepultados por muitas camadas de sedimentos e detritos.

Aí, nesses locais, esse enorme cemitério de minúsculos seres foi fermentando, sob a ação de bactérias anaeróbias (que se multiplicam sem ar, em ambientes fechados).

Depois de formado, esse chorume ainda teve que se acomodar aos incríveis movimentos violentos e sucessivos sofridos pela crosta terrestre, quando suas camadas foram se dobrando, fraturando, sob a atuação de vulcanismos, terremotos, quando as placas dos continentes foram se separando...

A coisa oleosa, prensada nas rochas, tende a ir se separando da água do mar que também empapa as mesmas rochas, e vai flutuar acima dela, pois é mais leve.

E tende a migrar devagarzinho para camadas subterrâneas com menor pressão. Aí, boas quantidades desse chorume foram capturadas em “armadilhas”, ficando

presas em dobras e vincos das lajes rochosas, ou em domos formados entre a rocha-mãe, de onde saíram - e - as camadas impermeáveis que ficam acima e nas laterais desse “depósito”, chamado pelos técnicos de “jazida”.

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Figura 1, extraída de um belo manual de estudos geográficos, geológicos e ecológicos chamado “Decifrando a terra” .... ii

CCCooommmooo aaaccchhhaaarrr??? Bem, para se achar algo assim, lá embaixo da terra, tem que saber do quê se trata,

como se formou, quais caminhos os líquidos e os gases podem fazer lá embaixo. Na realidade, é uma grande adivinhação.

Há milênios que se conhece o petróleo, por causa de algumas surgências, onde ele escorre na superfície ou bem perto. Fato observado no Oriente Médio, na China e também aqui na América do Sul, e por isso foi usado para iluminação e para calafetar madeiras e barcos.

Mas só se sabe, hoje, que o chorume fica nessas armadilhas a profundidades bem maiores, porque, na segunda metade do século XIX, começou-se a descobrir os segredos do subsolo. Furando inicialmente com dezenas de metros de fundura, depois centenas de metros, analisando cada amostra de cada camada atingida pela “furadeira”, sempre em busca de confirmar esse tipo de jazida.

Muitas regiões de quase todos os países do Mundo foram perfuradas nos últimos cento e cinqüenta anos, desde a primeira “febre” petrolífera no leste da América do Norte.

Ao mesmo tempo, o capitalismo petrolífero, então galopante, construiu refinarias para separar os seus vários compostos (os grossos como alcatrão, piche, asfalto; os médios como óleo combustível e óleo diesel, e os leves como gasolina, querosene e gás de botijão).

Desde o final do século XIX, esses compostos chamados de “derivados” do petróleo vem sendo vendidos como combustíveis para lamparinas e tochas, depois para os motores, fornos, caldeiras e turbinas.

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Os volumes de comércio se tornaram impressionantes, hoje ultrapassam três bilhões

de toneladas a cada ano em todo o Mundo. No Brasil se consome cerca de 90 Milhões de toneladas de derivados por ano, dos quais uns 15% é importado.

TTTeeennntttaaannndddooo sssaaabbbeeerrr cccooommmooo ééé lllááá eeemmmbbbaaaiiixxxooo

A etapa de busca das jazidas é chamada de “Prospecção” e que custa muito caro e

pode ser infrutífera. Ou seja, podem ser feitas muitas campanhas de prospecção, usando vários métodos distintos, cobrindo o mesmo território várias vezes, e, no final... não há indícios fortes de óleo ou gás.

A lógica da prospecção é tentar obter bons “mapas” de dentro de terra, ( imagens tipo cartografia, ou tipo perfil ou corte transversal do terreno, ou tipo tri-dimensional), para se saber com mais exatidão quais são as estruturas e os materiais existentes, e as suas localizações mas mais exatas possíveis.

Saber se ali existem ou não as rochas- geradoras de hidrocarbonetos, e se existem, e onde ficam as “armadilhas” onde o óleo e o gás foram capturados.

Para obter essas pistas, pode-se começar medindo a resistência elétrica das várias

camadas do solo, ou então as variações da força gravitacional da terra, e ambas, a resistência elétrica e a gravidade variam conforme variam os tipos e as espessuras das rochas.

São trabalhos feitos em campo, com instrumentos especiais, sem perfurar o chão, ou com perfurações de pequeno porte. Pode-se também medir os diferentes campos magnéticos dessas várias camadas rochosas, e isso é feito do alto, sobrevoando a região. Após alguns sobrevôos, pode-se chegar a elaborar uma carta magnética do subsolo e com isto deduzir mais indícios sobre a estrutura existente lá embaixo.

Outro método bastante usado é o da Prospecção Sísmica, que se baseia na propagação

de ondas mecânicas (vibrações, sons não audíveis, tremores) e nas sua reflexão dentro do subsolo.

A “sísmica” como é conhecida, tem um nome adequado, pois é feito um poço com dezenas ou centenas de metros onde uma carga explosiva é introduzida. Depois de detonada, os tremores de terra (pequenos sismos) vão se propagando por baixo em todas as direções. É possível deduzir a estrutura do subsolo, porque a mesma explosão vai ser “ouvida” em distintos momentos na superfície da terra.

Cada onda que atinge a superfície vai sendo recebida por aparelhos sensores, em

intervalos de tempo que variam conforme cada camada de rochas vai refletindo parte da onda mecânica e absorvendo o restante. (ver figura 2).

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Figura 2 – Diagrama simplificado da prospecção sísmica de jazidas petrolíferas

[Esta e as figuras 3 e 4 foram extraídas e as legendas traduzidas de um compendio francês sobre energia,

datado de 1960, e essas técnicas eram então as mais modernas] iii

FFFuuurrraaadddeeeiiirrraaasss gggiiigggaaannnttteeesss qqquuueee vvvãããooo mmmuuuiiitttooo fffuuunnndddooo Pois bem, com estes vários métodos e com uma intensa comparação de informações

geográficas e geológicas, pode-se concluir que há indícios fortes da presença de óleo e gás, e aí vai se passar a uma outra etapa, a “Exploração” do subsolo propriamente dito, furando até atingir as tais profundidades de até quatro mil metros e até mais.

Aí começam as sondagens em campo, montando-se em pontos escolhidos as conhecidas Tôrres de Perfuração. Veja na figura 3 que a estrutura chamada de “derrick” é uma grande furadeira vertical, junto com um sistema de injeção de uma lama especial (uma argila chamada de bentonita e outros compostos) que tem a função de arrastar os detritos da perfuração, água , cascalho, borras, o quê vier, pois tem que manter limpo o caminho da broca.

O eixo da furadeira vai sendo aumentado, prolongado, por exemplo, a cada 10 metros; aí é colocada uma “extensão” de dez metros no eixo da broca e ela tem como penetrar ainda mais no subsolo, e assim por diante até...

...que se encontre algum gás ou algum óleo,...ou que se conclua que esse foi um tiro perdido e que ali não há matéria prima para a poderosa indústria petrolífera.

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Figura 3 As partes da Torre de perfuração

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PPPeeerrrfffuuurrraaarrr eee ppprrroooddduuuzzziiirrr pppeeetttrrróóóllleeeooo rrruuuiiimmm nnnuuummm PPPaaarrrqqquuueee NNNaaaccciiiooonnnaaalll??? Um exemplo prático dessas etapas se deu na Amazônia equatoriana, numa área

densamente florestada, uma parte da qual pertencente a uma “Reserva da Biosfera” classificada em 1989 pela UNESCO, o Parque Nacional Yasuní. A outra parte é de terras ancestrais de povos da etnia Huaorani, incluindo alguns grupos que se isolaram voluntariamente desde a primeira investida dos brancos na área.

Extraímos um trecho do artigo de Julianna Malerba e Maria Elena Rodriguez, integrante do livro “Petrobrás - integración o explotación ?" publicado pela ong FASE em 2005, que usaremos como referência algumas vezes a seguir.iv

“Durante os anos 1997 e 98 a empresa petrolífera Argentina Perez Companc

realizou no chamado Bloco 31 de prospecção, sondagens sísmicas numa extensão de 782 km e, com base nos dados obtidos, perfurou dois poços exploratórios, de nome Apaika e Nenke. Ali, encontrou reservas de óleo cru bem viscoso, grau 18 API, chamado de "óleo pesado”, é mais barato, porém difícil de extrair e de transportar, com maior potencial de causar impactos ambientais.

Nas proximidades, a Petrobrás (obs: que adquiriu a Perez Companc) realizou prospecção sísmica em outra área de 167 km quadrados (obs : a superfície equivale a um quadrilátero de 13 por 13 km, ou uma grande gleba de 16.700 hectares). E pretende instalar a seguinte infra-estrutura: duas plataformas de produção de petróleo cada uma conectada a doze poços, mais uma Estação Central de Processamento que contará com cerca de 200 trabalhadores, um oleoduto com 32 km de comprimento, e uma serie de outras estruturas de suporte a essas atividades, como alojamentos, incineradores, etc." (p.21,22)

Em 25 de agosto de 2004 quando foi dada pelo governo equatoriano a licença

ambiental para a Petrobrás, esse “pacote” de investimentos incluía as linhas canalizadas (de água, de esgoto e efluentes, de vapor, de combustível), uma rodovia de 23 km para ligar os poços com um porto fluvial no rio Napo (um dos grandes afluentes do Amazonas). Este porto seria construído na comunidade de Chiro Isla, do povo Kitchua. Na travessia do rio Tiputini, seria feita uma ponte levadiça para bloquear o acesso de invasores, colonos , madeireiros etc, ao “bloco” de operações da Petrobrás. E, também... impediria que observadores externos, e mesmo governamentais entrem pelo rio para averiguar e registrar o quê se passa.

“Es preocupante el tratamento que dará la empresa a los desechos de

perforación. Em uma inspección realizada al bloque 18 (operado também por Petrobras) se observó que la empresa utiliza terrenos comunitários para enterrar lodos de perforación. Em estos entierros se percibe um forte olor a químicos, inclusive la presencia de contaminación com hidrocarburos. Es uma practica inaceptable em um Parque Nacional.”

[extraído do artigo de Elizabeth Bravo, da ong Oilwatch, no mesmo livro da FASE, de 2005, pág. 42 ]

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CCCooommmooo tttiiirrraaarrr ooo ccchhhooorrruuummmeee lllááá dddeee dddeeennntttrrrooo??? Bem, para extrair o chorume é necessário atingir camadas profundas do subsolo com

precisão: exatamente naquelas armadilhas onde se concentraram o gás e o óleo. Se o poço for considerado “pouco produtivo” ou “não produtivo”, deve ser tampado, e será colocado na espera (em “stand-by” ) - ou- será abandonado.

A decisão de “completar o poço” é a mais crucial de todas, pois a instalação construída durante a perfuração será imobilizada na rocha, com cimento, concreto, firmando as tubulações de aço concêntricas por onde o poço será “manobrado”: Nesses tubos concêntricos e nessas canalizações circularão lama de perfuração, água, vapor, cabos elétricos e eletrônicos, às vezes fibra ótica. Nos poços produtivos, passam também dentro do tubulão as canalizações para injeção de gás e para a “subida” dos hidrocarbonetos líquidos e gasosos, e o que vem junto com eles, vapores, água com sais e cascalho.

Figura 4

Os métodos mais fáceis de extração são ilustrados na figura 4, mas hoje são bem raras

essas situações. Quase sempre se adota o emprego de explosivos, para forçar a subida do primeiro “jorro” de óleo. Decide-se destruir partes da rocha-mãe, fazendo um “oco” no entorno da seção final do poço, com o uso de “tiros” de explosivos. No jargão dos engenheiros, o poço está sendo “canhoneado”.

UUUsssaaa mmmuuuiiitttaaa ááággguuuaaa,,, fffaaazzz mmmuuuiiitttooo bbbaaarrruuulllhhhooo

Os métodos mais difíceis são amplamente empregados, para “recuperar” cada vez mais óleo de dentro das rochas: injetam gás e ou água e ou vapor, todos sob alta pressão, diretamente no mesmo poço por onde sobe o óleo, ou por meio de outros poços que estão direcionados para a jazida de onde se está extraindo. Existem inclusive poços excusivalente para essa função, são os poços injetores.

Tais expedientes foram inventados para forçar o óleo a subir, ou, para induzi-lo a subir com maior fluxo, com menor dificuldade, para recuperar um percentual maior do que se costuma extrair. Em meados do século XX, quando era abundante o petróleo, subia apenas 10%, 15% um pouco mais do petróleo que se estimava estar armazenado.

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Por causa dessa injeção de água e de vapor (que precisa de água e calor para ser produzido), a investida petrolífera vai mexer bastante com os chamados recursos hídricos locais e regionais. Vejamos no caso da Colômbia:

“Esta zona (región de Melgar, Campo petrolífero Guando) que há sido rica em acuíferos, nacimientos, quebradas es hoy amenazada por uma actividad como la petrolera, que demanda uma gran cantidad de água no solo para la inyección de águia em los pozos inyectores, sino também para todo el resto del proceso industrial, incluido el consumo humano y doméstico durante las atividades temporales de explotación y perforación”.

“El terrible ruído de las actividades de perforación ahuyentó a muchas de las famílias que pasaban sus fines de semana em sua fincas de recreo, cultivando su jardin, caminando o contemplando la naturaleza. Las fincas perdieran su valor porque él estaba dado em la riqueza natural que rodea estes lugares, y que hoy poco a poco se va convirtiendo em uma zona industrial”.(pg 74)

[trecho extraído do artigo da dirigente ambientalista colombiana Tatiana Roa Avendano, no mesmo livro da FASE, 2005, comentando a situação encontrada após alguns anos de intensa atividade de prospecção e produção no campo de Guando, região de Melgar, a 120 km de Bogotá.]

E, para interrompermos um pouco esse primeiro papo de índio que virou papo de

petróleo, escolhemos a imagem abaixo. Ela fixa uma realidade da era pioneira do petróleo no Brasil, quando o poço era construído e os moradores continuavam por ali, convivendo com a barulheira e a fumaça dos motores, respirando dia e noite aquele cheiro inebriante e enjoativo do chorume dos mares antigos.

Figura 5 - Ilustração de Percy Lau: O primeiro poço de petróleo no país, na localidade de Lobato, Recôncavo Baiano, construído nos anos 1930.

Extraído de um livro de Geografia do Brasil para crianças, muito usado nos anos 1950, quando se criou a Petrobrás.v

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AAAlllggguuunnnsss iiinnnsssiiisssttteeemmm qqquuueee vvvãããooo bbbaaammmbbbuuurrrrrraaarrr!!! Bamburrar, isso mesmo, como no garimpo: acordar rico, enricar num instante. Decerto é quando o “ouro negro” for encontrado debaixo de sua terra! É isso que se verificou em todos os locais onde eclodiu essa “febre do ouro negro”:

primeiro acham que tem, depois especulam, planejam, gastam muito na busca e em geral, constatam que não tem. Às vezes, encontram o tal chorume e seus gases.

Aí, a febre parece que se transforma em virose, dengue, malária, algo mais perigoso. É o que veremos, no papo de hoje, sobre essa importante indústria do petróleo e do gás natural, como ela veio se implantando no Brasil e aqui no vizinho Amazonas.

A industria petrolífera no Brasil tem dimensões internacionais, processando quase 80

milhões de toneladas de petróleo cru e condensados de Gás Natural, e tem já um longo histórico de problemas ambientais e trabalhistas graves, como acidentes e doenças. Num livro publicado pela Fundação Oswaldo Cruz sobre os acidentes industriais, o capítulo que escrevi se chamou “Seguura peão! Alertas sobre o risco técnico coletivo crescente na industria petrolífera, Brasil anos 1990. vi

Mais informações ficam disponíveis na página eletrônica www.fem.unicamp.br/~seva Em resumo: perfuraram e ainda perfuram o solo terrestre em municípios dos Estados

do Espírito Santo, Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte e Amazonas, e perfuram o solo marinho, sob camadas de água pequenas, com poucos metros de espessura, no Recôncavo Baiano –

ou -sob camadas médias, de dezenas de metros até duzentos metros de profundidade no litoral de Sergipe, do Ceará, do Rio Grande do Norte, e em alguns dos poços pioneiros da “bacia de Campos”, RJ –

ou - sob profundidades de dois mil metros, e até mais, como acontece no mar defronte aos litorais Norte Fluminense e dos estados de SP, PR e SC, na chamada “bacia de Santos”.

DDDeeepppoooiiisss qqquuueee eeennncccooonnntttrrraaa......... ttteeemmm qqquuueee eeessscccoooaaarrr,,, eeessstttooocccaaarrr,,, dddeeessspppaaaccchhhaaarrr

Depois daquela etapa de “buscas” do petróleo, e se o poço vai produzir, então se deve

montar as conexões de cada poço com suas instalações terrestres ou subaquáticas: a chamada “árvore de natal”, que é uma estrutura de válvulas montadas na “cabeça” de cada poço, (ver fotos 1 e 2) mais os “manifolds” (conjuntos de válvulas controlando o funcionamento de vários poços).

Ao mesmo tempo, tem que assentar e montar tubulações, com longos trechos de tubos flexíveis (sob o mar) e de tubos rígidos, cujos diâmetros chegam até 24 polegadas, no mar, e até 40 polegadas, em terra.

Ao longo do traçado de cada oleoduto terrestre, devem ser transpostos os rios, lagos e várzeas, em geral a tubulação que vinha perto do solo, a um metro ou dois de profundidade, mergulha antes de uma barranca do rio e passa sob o seu “piso”, subindo depois para a outra barranca.

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Fotos 1 e 2 Cabeças de poço no Amazonas e no Equador

Um grande e complexo investimento é feito para colocar as instalações produtoras em

condições de “partir”, que na gíria dos peões quer dizer iniciar a operação, o funcionamento. A indústria processa fluxos e estoques de diferentes compostos e misturas de líquidos e de gases em um regime contínuo, por isso tem que ser construída e posta para funcionar toda a infra-estrutura chamada de “transferência e estocagem”: bases terrestres e/ou terminais marítimos ou fluviais de recepção, de beneficiamento e de despacho de óleo cru e de gás natural.

Isto é o que se observa em Urucu e em Coari (AM), em Fortaleza (CE), em Guamaré (RN), em Carmópolis, (SE), no Recôncavo Baiano, em Madre de Deus, em Candeias, (BA), ver nas fotos 3 e 4, e também em São Mateus (ES).

Do litoral do Estado do Rio de Janeiro vem a maior parte da produção de óleo e de gás no país: fluxos impressionantes passam pelas bases de Cabiúnas, distrito de Macaé, de Duque de Caxias, bairro de Campos Elíseos, em duas ilhas na Baía de Guanabara e no

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terminal marítimo Tebig, na Baía da Ilha Grande. E praticamente metade do consumo nacional de petróleo cru e de derivados passa pelas várias bases da Petrobrás em São Paulo: o Tebar em São Sebastião, outros terminais em Santos , Cubatão, Utinga, Barueri, Guarulhos, Suzano, Guararema, e nos estados do Sul, em São Francisco do Sul (SC) e Paranaguá (PR), em Tramandaí (RS).

Todas estas bases e terminais estão conectados diretamente às bases de estocagem e distribuição das distribuidoras de derivados de petróleo, muitas vezes localizadas em instalações vizinhas. Ali recebem e despacham materiais por meio de dutos, por via marítima (cabotagem) e por via fluvial, por via férrea e por rodovia.

Fotos 3 e 4 – Região petrolífera do Recôncavo Baiano

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AAAsss fffááábbbrrriiicccaaasss dddooosss dddeeerrriiivvvaaadddooosss dddeee gggááásss eee dddeee pppeeetttrrróóóllleeeooo Algumas dessas bases e terminais também incluem unidades de processamento de gás

natural - as chamadas UPGNs, em Urucu (AM), em Fortaleza (CE), em Guamaré (RN), em Sergipe e na Bahia ; as maiores de todas ficam em Macaé e em Duque de Caxias, uma outra em Cubatão.

Nessas UPGNs se retira a umidade (vapor d’água) e algum composto de enxofre das correntes gasosas, aí são resfriadas, condensadas e separadas as “frações úmidas”, (nome dado ao conjunto formado pelos hidrocarbonetos propano, butano e as naftas) que compõem o LGN- Liquido de Gás Natural, o “filé” da industria petrolífera, custando quatro, cinco vezes o preço do petróleo cru. E o gás “seco” é enviado para as distribuidoras estaduais de gás, para s grandes indústrias e termelétricas.

O ajuste das pressões desses vários fluxos dentro do subsolo e nos vasos das UPGNs exige que se mantenha funcionando uma ou mais tochas de alívio, torres com até cem metros de altura, cujos queimadores - piloto ficam permanentemente acesos, justamente para queimar eventuais excessos de gás inflamável.

O “miolo” da indústria do petróleo é o parque de refinarias, quatorze complexos de instalações industriais no país, treze delas pertencentes à Petrobrás:

* as maiores estão em São Paulo: em Paulínia (REPLAN), São José dos Campos (REVAP) e Cubatão (RPBC), e em Duque de Caxias, RJ (REDUC) (ver fotos 5 e 6);

* um pouco menores são as de Araucária, PR (REPAR), Betim, MG (REGAP), Mataripe, Bahia (RLAM) e Canoas, RS (REFAP), onde a espanhola Repsol é sócia;

fotos 5 e 6 Derrame de óleo em São José dos Campos, SP

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* as menores refinarias estão em Manaus (RMAN), em Capuava, SP (RECAP), em Fortaleza (ASFOR), em Rio Grande, RS, a refinaria IPIRANGA, recém adquirida pela associação entre Petrobras e Brasken (Odebrecht) e, no Rio de Janeiro, a refinaria MANGUINHOS, fundada pelo grupo Peixoto de Castro, agora também da Repsol.

* mais a unidade de processamento de xisto betuminoso, a PETROSIX, de São Mateus do Sul, PR, - cuja matéria-prima não é o óleo cru e sim a rocha betuminosa, impregnada de óleo, - e que funciona como uma grande mina a céu aberto acoplada a uma pequena refinaria.

Em todos estes complexos industriais, além das funções de transferência e estocagem já comentadas, há um conjunto de instalações industriais de processamento e fabricação:- para o fracionamento de óleo cru e reciclo de resíduos, para o tratamento químico dos derivados e para recuperação de enxofre, além de um parque de utilidades industriais convencionais (captação e tratamento de água, circuito de combate a incêndio, produção e distribuição de vapor, de eletricidade e de ar comprimido, coleta e tratamentos de efluentes).

CCClllaaarrrooo qqquuueee ééé uuummmaaa iiinnndddúúússstttrrriiiaaa dddeee aaallltttooo rrriiissscccooo dddeee aaaccciiidddeeennnttteeesss eee aaammmbbbiiieeennntttaaalll!!!

A atividade petrolífera é sempre de alto risco, é até óbvio repetir isso, mas , durante a

empolgação e as miragens do “ouro negro”, costuma ser esquecido, ou omitido de forma conveniente. Os materiais são inflamáveis, muitos são voláteis, evaporam com facilidade, alguns são explosivos, quase todos são contaminantes para o ambiente e para a saúde humana e animal.

Por isso, os estudos de riscos sempre incluem todo o circuito da distribuição final dos derivados - os trajetos de cargas desses combustíveis, (quantos caminhões-tanque, quantos vagões tanque de trens já não se acidentaram?) - as estocagens intermediárias, até a ponta do varejo, nos postos de combustíveis.

E também devemos considerar os próprios equipamentos onde os derivados são queimados: os motores, as caldeiras, os fornos e os maçaricos, as turbinas, isto a começar pelas próprias operações das plataformas, dos navios, das refinarias e das demais instalações, e em todo o transporte necessário de materiais e pessoas na própria atividade petrolífera, onde se gasta bastante combustível.

Quando as atividades são no alto mar, e quando é no meio da selva, esse gasto é ainda maior pois todo o material pesado vai por embarcações e o pessoal vai e volta em helicópteros e em aviões.

Enfim, no âmbito mais geral possível, deve-se contabilizar também as alterações ambientais decorrentes de todas as operações de queima de petróleo, de gás e seus derivados em todas as demais atividades produtivas e humanas.

Aí entram, localmente, as emanações e gases do material que se evapora, as cinzas, fuligens e gases da queima, regionalmente os compostos de enxofre e outros que provocam acidez na atmosfera; e no caso dos compostos carbônicos (CO e CO2) e nitrogenados (NOx), eles favorecem o agravamento do efeito estufa e do aquecimento do planeta.

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UUUrrruuucccuuu ééé eeexxxeeemmmppplllooo dddeee rrreeessspppooonnnsssaaabbbiiillliiidddaaadddeee ??? A nossa parte da Pan-Amazônia é a maior dentre todas as demais partes (boliviana,

peruana, equatoriana, colombiana, venezuelana), e já foi perfurada em vários pontos no vale do Juruá, perto dos rios Tefé e Coari, na calha do Solimões, na calha do Amazonas, em Itacoatiara, em Silves, em Marajó, e até no litoral do Amapá (que é próximo do mar do Caribe, e do arquipélago Trinidad Tobago, região petrolífera importante). Pois bem, só encontraram em Urucu, mesmo assim, muito gás e pouco óleo.

A vantagem é que o óleo cru é de ótima qualidade, baixo teor enxofre, com alto teor de óleo diesel e de frações mais leves, e por isso disputado pelas refinarias brasileiras, para melhorar as misturas que elas processam, onde domina o óleo de Campos, em geral viscoso, com pouco diesel e gasolina, com alto teor de nitrogênio.

A única região amazônica brasileira produzindo petróleo e gás pode ser considerada exemplar? Esse empreendimento industrial no meio da selva é impecável? Não sei, nem sou capaz de avaliar, só visitei uma vez, por poucas horas, em 1999, num dia muito longo saindo de Manaus de madrugada e voltando às 20 hs. (ver as fotos 9,10, 11)

A Petrobrás sempre quis mostrar suas instalações amazônicas no Brasil como uma “vitrine”, algo muito bem feito, com todo cuidado; alguns extrapolam e dizem que é “sem impactos, sem riscos”... como se fosse possível para essa indústria!

Para o leitor ter uma primeira idéia da dimensão, da proporção das coisas nessa região produtora, imagine a região a Oeste daquele cotovelo que o Solimões faz entre Coari e Tefé: selva densa, a maior parte em terra firme, e bons trechos com matas de igapó e principalmente “lagos” próximos da calha do Solimões.

Lá onde foi descoberto óleo e gás na década de 1980 é uma área quase desabitada, sem nenhuma cidade nem vilarejo, é um quadrilátero imaginário que ocupa uma faixa de 20 km de largura na margem direita do rio Urucu por cerca de 70 km de comprimento. Dentro desses 1.400 km quadrados de florestas, uma “teia de aranha” de atividades produtoras e de apoio ocupa setores bem delimitados, não há uma devastação massiva, mas sim um tipo “espinha de peixe” como era antes em Rondônia e também aqui perto de Rio Branco. (Ver a foto 7).

Foto 7- Foto de satélite da área produtora de Urucu a 8 km de altura. No canto esquerdo embaixo o aeroporto, em cima o porto; no canto direito a área industrial

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Para uma avaliação realista, devemos acrescentar nessas áreas “mexidas” pelo petróleo duas grandes linhas já abertas na mata: o antigo oleoduto ligando a área produtora de Urucu com um porto no rio Tefé, com 40 km; e a mais recente dutovia Urucu a Coari, cerca de 280 km, com um oleoduto e um gasoduto, prontos desde 1999.

O oleoduto opera transportando óleo cru, com fluxo diário, há dez anos, da ordem de 30 mil barris (cada barril igual a 159 litros), há dois anos, da ordem de 43 mil barris. Bombeia também bateladas de LGN e ambos embarcados depois na base fluvial da Petrobrás em Coari, com destino às refinarias (de Manaus e demais brasileiras); e bateladas de gás de botijão, fabricado na área industrial de Urucu, num montante diário da ordem de 1.500 toneladas, que são engarrafados em Coari e dali despachados para todo o Estado do Amazonas. Talvez venha daí uma parte do gás de botijão consumido no Acre.

O gasoduto, com capacidade de seis milhões de metros cúbicos de GN por dia, está inoperante, aguardando que se conclua um outro trecho de gasoduto com quase 300 km, que vai ser instalado atravessando o Solimões em Coari, depois indo pela várzea da sua margem esquerda, depois passando sob o rio Negro para atingir Manaus, onde o gás se destinaria às usinas termelétricas, que são da empresa texana El Paso (exceto a velha Mauazinho, da Eletronorte).

Nos últimos anos, sobem dos poços em Urucu quase dez milhões de metros cúbicos diários de gás. Depois de retirado o LGN e depois de queimada uma parte do gás nas tochas e nas turbinas e caldeiras da área industrial, o fluxo de gás é reinjetado nos poços, serviço feito por meio de vários compressores de grande potência, movidos por turbinas tipo de avião, queimando gás e fazendo um ruído ensurdecedor.

A eletricidade de toda a área da Petrobrás também é obtida queimando gás em turbinas, numa central termelétrica dentro da área industrial, além de moto-geradores a óleo diesel em vários outros pontos da área produtora.

BBBeeemmm mmmaaaiiisss dddooo qqquuueee ooosss ccceeemmm hhheeeccctttaaarrreeesss dddeeesssmmmaaatttaaadddooosss nnnaaa ppprrrooopppaaagggaaannndddaaa

Na faixa de terreno dessas duas dutovias, num total de 320 km, se a clareira tiver em

média 30 metros de largura em média, (em alguns trechos, vai a 60 metros) isso já equivaleria a uns 10 km2, ou 1000 hectares. Além das estradas principais asfaltadas que definem a área, ligando a área industrial chamada de “Pólo Arara” com o aeroporto e o porto no rio Urucu (ver fotos 08 e 09) com os vários alojamentos e galpões de armazenagem e manutenção, existem vários “galhos”, derivações de até dez km, vinte km ligando este “núcleo” com os poços mais distantes.

Cada poço no seu entorno tem um clareira de mais dez, vinte hectares, às vezes mais, e são cerca de 60 poços, incluindo vários para re-injeção de gás, e um para injeção da água oleosa que é produzida na decantação do óleo cru, uns 4% do volume total de petróleo. A soma de todas as clareiras pode passar de 1000 hectares.

A soma de todas as estradas de serviço pode chegar a 200 km. Se cada uma tem uma faixa de clareira de cinqüenta metros já seriam outros 1.000 ha abertos.

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foto 08 O porto da Petrobras no rio Urucu, foto de satélite, altitude 865 m, além de galpões de

manutenção, há muitos alojamentos de operários por perto, inclusive flutuantes, batelões estacionados no rio.

foto 09 – O cais do porto no rio Urucu e um dos batelões de alojamento foto O Sevá, 1999.

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Na área industrial ficam a UPGN, a central elétrica, os compressores, além de uma mini-destilaria (ver fotos 10 e 11) onde a empresa retira uma fração de óleo diesel para movimentar camionetes, caminhões, máquinas tipo rodoviárias e moto-geradores.

Foi construída numa clareira de uns 150 ha, ou 1,5 km2, ver foto 10; o aeroporto privativo da Petrobrás tem pista de 1500 m e fica numa clareira de cerca de 500 ha.

Foto 10 – A área industrial , vista da janela do vôo Coari a Urucu. Fotos O Sevá, 1999.

foto 11- Na área industrial, uma destilaria fabrica óleo diesel, para consumo local;

ao fundo uma das casas de compressores e duas tochas de alívio acesas queimando excesso de gás

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Na outra ponta do sistema, na margem direita do Solimões, fica a base fluvial da Petrobrás, 15 km rio acima da cidade de Coari, e ocupa uns 50 ha. (Ver a foto 12).

Para comparação, a pequena cidade esplendidamente localizada entre o lago Coari e o canal que liga no Solimões, tem uma área urbana aproximada de 1,8 por 1,2 km, uns 220 hectares.

fig 12 Foto de satélite da região de Coari, Amazonas, a 34 km de altura

Sabe-se que os moradores de Coari, os antigos e os que vieram depois por causa da

Petrobras, sofreram muito, naquele quadro conhecido de aumento de carestia, doenças, violência, prostituição na cidade, conforme está bem documentado no livro do pesquisador alemão Dieter Gawora e nos arquivos da Comissão Pastoral da Terra, do GTA e outras ONGs amazonenses.vii

É de se espantar, se somamos ainda tudo que pode vir a acontecer na obra do gasoduto de Coari a Manaus! e depois, se for feito, tudo o quê pode acontecer no outro gasoduto, de Urucu a Porto Velho, mais 600 km no meio da selva!

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Figura 6. Esboço cartográfico sobre instalações, obras, projetos e rotas do petróleo e gás e da eletricidade na Amazônia central. Feito pelo autor em 1998, quando ainda eram mencionadas opções de modalidade de transporte (gás ou eletricidade) e opções de traçado entre Urucu e Porto Velho. A queima de derivados de petróleo para produção de eletricidade era e é feita em todos os pontos assinalados em símbolos cor de laranja e vermelho. As instalações de gás na Bolívia (Santa Cruz) e no Peru (Camisea) têm suas localizações geográficas reais fora da área representada no mapa, mais ao Sul e mais a Oeste, respectivamente. Não é do autor a idéia do escoamento do gás de Camisea para o Sul, via Bolívia, e daí para o Brasil, e sim de informes econômicos lidos na época.

No meio de tanta dúvida e incerteza, é certo que será bom negócio para a Petrobrás e

suas empreiteiras nacionais e estrangeiras, e para a El Paso, que usará o gás barato nas duas pontas para vender eletricidade cara.

Mas...e para os moradores dessa parte da Amazônia?

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“““AAAmmmaaazzzôôônnniiiaaa pppeeetttrrrooolllííífffeeerrraaa””” A realidade atual dos negócios do petróleo no mundo já exige que se fale de uma

“Amazônia petrolífera”. Não se entenda com isso que toda a região guarda o chorume negro ou gás em seu subsolo. Ainda bem, estaríamos num Oriente Médio equatorial!

Essa realidade se expressa na América do Sul por um conjunto de “manchas” de áreas petrolíferas, nas quais se construíram importantes instalações produtoras de petróleo cru e/ou de gás natural. Essas áreas não são interligadas; cada uma é ligada ao seu próprio esquema de escoamento de petróleo e de gás, para as maiores cidades de cada país ou para exportação. Assim funcionam as áreas produtoras nas Amazônias da Bolívia, do Peru, do Equador e da Colômbia. Difícil mesmo é saber o que de fato ali acontece, apesar de serem tão perto da Amazônia brasileira e da importância crescente do petróleo e do gás dessas regiões para a indústria petrolífera no Brasil e no mundo.

O único informe publicado no Brasil sobre o assunto foi elaborado por entidades não governamentais de vários países, lideradas pela FASE, com sede no RJ. O precioso livro foi organizado pelos pesquisadores Jean Pierre Leroy e Julianna Malerba em 2005, e seu título é uma interrogação: “Petrobrás: integración o explotación?”

(ver no site www.fase.org.br ). Na internet é possível obter dados e informes, mapas e fotografias para começar a

acompanhar esse mundo misterioso e tenso que caracteriza as atividades do “ouro negro”. Os leitores podem abrir, dentre outros, os sítios eletrônicos de entidades que monitoram problemas provocados pela indústria internacional, incluída a do petróleo e gás: OilWatch (www.oilwatch.org), Friends of the Earth (www.foei.org/publications) e Amigos da Terra-Amazônia Brasileira (www.amazonia.org.br). Neste último, por exemplo, na seção Políticas Públicas/Grandes Projetos, há bons “especiais”, críticos, sobre Urucu e seus gasodutos.

No sítio da Survival International (www.survival-international.org), ONG de solidariedade aos povos nativos, encontram-se ilustradas trágicas histórias das relações desses povos com o desenvolvimento predatório que despenca nas regiões onde moram. Há bons bancos de dados, com informes, reportagens e artigos, em português, no sítio da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (www.justicaambiental.org.br) e, em castelhano, nos sítios da "Articulación por un Movimiento de Afectados por la Industria Petrolera en Países Amazónicos" (www.maippa.org) e do Eco-Portal.Net (www.ecoportal.net).

UUUmmm mmmooosssaaaiiicccooo pppaaannn---aaammmaaazzzôôônnniiicccooo

BBBooolllííívvviiiaaa Nesse país, um pouco de petróleo e bastante gás são extraídos em dois pólos

principais: 1) próximo à divisa com o norte da Argentina, na região produtora de Tarija, onde nascem afluentes do rio Paraguay (bacia do rio da Prata); e 2) na importante região produtora próxima à cidade de Santa Cruz de la Sierra, onde os rios vão para a bacia do rio Grande, que se torna relevante afluente do rio Amazonas: após receber o Beni, o Madre de Dios e o Mamoré-Guaporé, nós o chamamos de Madeira.

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Na região de Santa Cruz, a burguesia “cruceña” conspira com empresas petrolíferas contra o presidente Morales, mobiliza fundos e armas para ganhar mais autonomia e, quem sabe?, criar outro país nesse recanto da Amazônia.

Do piemonte dos Andes, da região de Santa Cruz, rumo a leste e sudeste, dois gasodutos foram construídos e operam desde 1998-99: 1) o Gasoccidente, ligando com Cuiabá/MT e 2) o GasBol, ligando com as principais cidades de Mato Grosso do Sul, São Paulo e do sul do Brasil. A existência de projetos de gasodutos no sentido inverso, para o oeste, buscando o litoral do Pacífico, para liquefação e exportação do gás para os EUA, esteve no centro das sublevações populares na Bolívia em 2004, quando caiu o presidente Gonzalo Sanchez de Losada, e assumiu o seu vice. Foi quando começou a despontar a maior liderança popular recente no país, o líder sindical e político indígena Evo Morales, que se elegeu presidente em 2005/2006. Uma de suas promessas mais complexas de cumprir foi alterar as regras do jogo na indústria do petróleo e do gás. Para isso, ele indicava a seguinte fórmula: “Hoje eles levam 80% e ficamos com 20%. Justo é o contrário!”. Mais informações no sítio do Foro Boliviano de Medio Ambiente y Desarollo (www.fobomade.org.bo)

EEEqqquuuaaadddooorrr Nesse país ficou demonstrado, nos últimos anos, como a Petrobrás (de maioria

estatal, mas com quase metade das ações em bolsas, no país e no exterior) se tornou uma “oil sister”, uma “irmã” da indústria petrolífera internacional. Ainda é de segunda grandeza quando comparada às velhas “sete irmãs” anglo-americanas, que acabaram virando três, mas já encara de modo prepotente e predatório a Amazônia equatoriana.

Nos anos 1990, a Petrobrás estabeleceu parcerias comerciais e investimentos em sociedade com a então estatal argentina YPF, depois vendida à espanhola Repsol. Em 2002, adquiriu a segunda maior empresa petrolífera argentina, a Perez Companc, e tornou-se sócia do Oleoduto de Crudos de Petróleo (OCP), que liga a região produtora da Amazônia equatoriana com o Oceano Pacífico, exportando para os EUA.

Em meados de 2005, organizações e comunidades indígenas foram reprimidas por forças policiais ao protestarem contra a atuação da Petrobrás Energia Ecuador no Bloco 18, antes gerido pela Perez Companc, por acordos não cumpridos, exploração de poços sem consulta prévia, restrição ao direito de ir e vir e expropriação fundiária.

Fotos 13 e 14 de Jeffer C Branco, agosto de 2004, durante vistoria de uma missão de entidades internacionais na área petrolífera da empresa espanhola Repsol no parque Yasuni, Amazônia equatoriana.

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A Petrobrás produz 32 mil barris de petróleo por dia nesse bloco, mas tem

compromisso de bombear 80 mil barris/dia, de um total de 450 mil barris/dia, capacidade de transporte da tubulação.

Em 2004, na visita da comitiva presidencial brasileira ao Equador, dois pontos cruciais na agenda dos presidentes Lula e Gutierrez foram a negociação da Petroecuador com a Petrobrás e a ampliação de sua produção de óleo em outros “blocos” no país. Até a grande imprensa, que quase sempre protege essas empresas, repercutiu as pressões sobre o Ministro do Ambiente para que a licença ambiental, requerida em agosto de 2003, fosse concedida à Petrobrás. E assim aconteceu a 19 de agosto, cinco dias antes de Lula chegar a Quito.

A Petrobrás obteve licença para produzir petróleo no Bloco 31, dentro do Parque Nacional Yasuní, onde também atuam a canadense EnCana, a espanhola Repsol e outras. Criado em 1979, o Parque fica na fronteira leste do Equador com o Peru, e é habitado em área contígua por mais de dois mil índios Huaorani e por grupos Tagaeri e Taromenani, “isolados”. O Parque e os territórios indígenas integram a Reserva da Biosfera Yasuní, reconhecida pela ONU em 1989, com quase um milhão de hectares de florestas. Fotos 15 e 16 Durante a vistoria das entidades no Parque Yasuni. Detalhe: o oleoduto transporta óleo cru muito

viscoso, que tem que ser mantido aquecido.

Para o ambiente florestal amazônico e os povos que ali habitam, a conseqüência é

uma só, certeira: está em instalação mais um grande canteiro de obras para prospectar, extrair e bombear óleo cru e/ou gás.

Dentre as entidades que entraram na justiça equatoriana contra a licença concedida à Petrobrás estão a Coordinadora de las Organizaciones Indígenas de la Cuenca Amazônica (COICA) e a Confederación de las Nacionalidades Indígenas del Ecuador (CONAIE), que liderara grandes manifestações em 2002, levando à renúncia do presidente Jamil Mahuad. Desde então, conflitos por causa do petróleo e das relações com os indígenas estão no centro do tumulto político equatoriano: o vice Palácio exerceu mandato tampão e entrou Gutierrez, que, também deposto, saiu do país sob proteção brasileira e exilou-se em Brasília.

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Empossado a 15 de janeiro de 2007, Rafael Correa iniciou negociações com Lula e

Petrobrás. A 4 de abril, memorando de entendimento foi assinado pela Petroecuador e a Petrobrás, permitindo que o consórcio formado pela brasileira, a estatal chilena ENAP e a SIPC, filial da estatal chinesa SINOPEC, apresente, em 90 dias, plano para explorar o Bloco Ishpingo-Tambococha-Titutini (ITT), de 190 mil hectares, com reservas estimadas em 900 milhões de barris, adjacente ao Bloco 31, e também situado no Parque Nacional Yasuní.

Dois dias antes, a 2 de abril, na visita da comitiva do Senador Tião Viana (PT-Ac) à “Província Petrolífera de Urucu”, no Amazonas, representantes da Petrobrás afirmaram que a empresa nunca explorou petróleo e gás em terras indígenas e unidades de conservação no Brasil, ou pretende fazê-lo, pois não há respaldo na legislação a essa atividade.

Já em países como Equador e Peru, contando com o beneplácito dos governos e legislações locais, a Petrobrás opera com outra lógica, e com predileção, parece, por atuar em áreas naturais protegidas e territórios indígenas, inclusive de “isolados”. Dois pesos, duas medidas: no Brasil, a alegada responsabilidade socioambiental; lá fora, práticas coloniais e a atualização das usuais estratégias das multinacionais.

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Na Amazônia peruana, há duas principais regiões produtoras. 1) Na porção sudeste do país, no rio Urubamba, formador da bacia do Ucayali, está a

reserva de gás mais promissora e problemática: Camisea (Lote 88). Ela é sobreposta à Reserva Territorial (RT) Nahua Kugapakori, destinada a índios “isolados”, e a territórios de várias “comunidades nativas”. A partir desse lote um gasoduto foi construído para o litoral do Pacífico, onde está prevista uma planta de liquefação para fabricar e exportar gás natural líquido (GNL), para países como México, Chile e EUA, além de uma derivação para suprir de gás o mercado de Lima. A Petrobrás Energia Peru S.A. assinou contrato para explorar o Lote 58 em julho de 2005, e tem participação no Lote 57, ambos adjacentes ao Projeto Camisea.

Foto 17 – Uma barranca de rio totalmente revirada para a construção de gasoduto em Camisea, Peru.

As gruas sobre caminhões movimentam pesados trechos de tubos de aço para colocação nas valas da dutovia

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[obs: as fotos 17 e 18 foram extraídas de um periódico ilustrado da ONG Amigos de la Tierra] viii Em meados de 2006, a ampliação do investimento em Camisea ficou na berlinda, por

causa dos impactos sociais e ambientais, agravados por falhas técnicas (cinco rompimentos e vazamentos em dois anos), da primeira fase do Projeto. Financiador dessa etapa, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em dezembro, negou, provisoriamente, empréstimo de US$ 400 milhões, solicitado pelo consórcio Peru LNG (formado pela texana Hunt Oil Company, a espanhola Repsol YPF e a sul-coreana SK Corporation e outras), necessário ao início da fase operacional na ponta da exportação de GNL. Mais informações sobre a situação do projeto de gás de Camisea podem ser acessadas em www.amazonwatch.org/amazon/PE/camisea.

foto 18 – Informe sobre um dos “estudos de caso” da Friends of Earth , intitulado “Paraizo destrozado”,

indicando “las petroleras” americanas Halliburton e Hunt Oil e a Argentina Pluspetrol. O ancião é da comunidade Shivankoreni.

2) Outra área petrolífera está a norte, nas bacias dos afluentes esquerdos do rio

Marañon (um grande formador do Amazonas), os rios Tigre e Napo, que nascem nos Andes equatorianos. As zonas petrolíferas do Peru e do Equador são vizinhas, em terras dessas bacias fluviais e também mais a norte, na bacia do rio Putumayo, nas divisas de Peru, Colômbia e Equador. As áreas produtoras do Peru e Equador estão ligadas por oleodutos ao litoral do Pacífico. É notável, contudo, a existência de um mercado interno significativo, pois uma refinaria de petróleo está situada em Iquitos, maior cidade amazônica do Peru. Na tríplice fronteira Peru-Colômbia-Brasil, o consórcio Petrobrás-PetroPeru assinou em novembro de 2006 convênios de avaliação técnica relativos aos Lotes XXVI a XXXI, uma extensão total de 5,7 milhões de hectares. O Lote XXVII, por sua vez, chega ao rio Javari, no vizinho Estado do Amazonas. Na fronteira Peru-Equador-Colombia, a Petrobrás opera no Lote 117, sobreposto à RT Napo Tigre, proposta pela Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana (AIDESEP) para a proteção de índios “isolados”.

Referências cartográficas dessas instalações, das reservas, das regiões géo-econômicas e da distribuição étnica dos povos que ali vivem estão disponíveis no portal da OilWatch, uma ONG internacional com sede em Quito: www.oilwatch.org

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NNNaaa fffrrrooonnnttteeeiiirrraaa AAAcccrrreee---PPPeeerrruuu

As duas imagens que ilustram este Papo permitem ao leitor ver que nada é por acaso, e começar a desvendar interesses estratégicos em ação nessa região fronteiriça:

mapa 1 = uma cartografia do Peru, editada em final de 2006 pela Perupetro S.A., empresa estatal de direito privado, destinada a promover investimentos para a prospecção e exploração de “hidrocarburos” e

mapa 2 = uma imagem cartográfica do território acreano, produzida pela Secretaria de Meio Ambiente em 2005, no âmbito do ZEE-Fase II

Mapa 1 Mapa 2

O aspecto gráfico do primeiro mapa é um tanto parecido com os quadros exibidos

nos açougues, onde o boi é dividido em pedaços, cada um com uma textura, um gosto, um modo de preparar, um preço. Assim é representada a Terra quando territórios são esquartejados sob a lógica do petróleo e do gás: se define no mapa cada “filé” onde empresas vão perfurar, cada qual no seu “bloco” ou “lote” concedido pelo governo.

No segundo mapa, vê-se diferentes áreas reconhecidas pelos governos federal e estadual nos últimos 30 anos. Na fronteira com o Peru e em seu entorno, há hoje um mosaico contínuo composto por 27 terras indígenas e 14 unidades de conservação, de uso sustentável (5 reservas extrativistas, 3 florestas nacionais e 3 estaduais) e de proteção integral (1 parque nacional e 1 estadual e 1 estação ecológica), com extensão de 7,8 milhões de hectares.

Percorramos os dois mapas, prestando atenção aos lotes destinados à exploração de petróleo e gás no Peru, às suas sobreposições com áreas reconhecidas, ou propostas, como territórios indígenas e áreas naturais protegidas e, ainda, aos lotes situados ao longo da faixa fronteiriça e das bacias hidrográficas comuns com o Estado do Acre.

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Mapa 3 Detalhe do mapa 1, com os “lotes” e “blocos” destinados a prospecção de petróleo na Amazoônia peruana, perto da fronteira com o Brasil

No extremo oeste do Brasil, do “lado de cá” da fronteira, está o Parque Nacional da

Serra do Divisor (PNSD); “do lado de lá”, lotes petrolíferos em “processo de seleção” (135, 137, 138 e 139). Os dois primeiros lotes são sobrepostos à RT Yavarí Tapiche, proposta para proteção dos povos Matsés, Mayoruna e Isconahua, “isolados”.

Os outros dois lotes se sobrepõem à RT Isconahua, criada em 1997, e o 139 à RT Kapanawa. Todos os quatro incidem na Zona Reservada Sierra del Divisor, criada em abril de 2006, ainda em processo de categorização definitiva. Há nessa região, ainda, ações de madeireiros ilegais e, na RT Isconahua, exploração de garimpos de ouro, em áreas concedidas a empresas pelo governo. Esses lotes integram um total de 11 editais, com extensão agregada de 22 milhões de hectares, na região amazônica, cuja licitação foi aberta pelo governo peruano em janeiro de 2007, sem qualquer consulta prévia às organizações indígenas, contrariando, portanto, o previsto no Convênio 169 da OIT.

Visto que sete lotes têm sobreposições com seis “reservas territoriais”, criadas e propostas, essa ação estatal foi duramente criticada pela AIDESEP, por organizações indígenas regionais (ORAU, ORAI e Fenamad) e entidades ambientalistas, peruanas e internacionais, levando o governo a anunciar a revogação de alguns editais e estudos para reavaliar outros.

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Hoje, 70% da Amazônia peruana, 48 milhões de hectares, estão “loteados” para exploração de petróleo e gás. Sobre os contratos e processos licitatórios em curso nessa região, consultar o sítio da Perupetro S.A. (www.perupetro.com.pe); sobre as recentes mobilizações indígenas, os arquivos do Servicio de Información Indígena www.servindi.org

Os Lotes 138 e 139 também incidem no traçado planejado para a estrada Pucallpa-Cruzeiro do Sul, que no Acre atravessaria o PNSD e no Peru a Serra do Contamana. Sua abertura começou a ser negociada pelos governos do Acre e do Ucayali em 2004: apenas empresários e políticos foram chamados a participar desse entendimento, no âmbito da Secretaria Técnica Acre-Ucayali. A sociedade civil constituiu o “GT para Proteção Transfronteiriça da Serra do Divisor e Alto Juruá (Brasil-Peru)”, e depois, com ambos governos, o “Fórum para a Integração Acre-Ucayali”, para discutir outros aspectos da integração, nos quais a estrada deixou de ser prioridade.

Hoje, políticos novatos, filhos de empresários e comerciantes de Cruzeiro do Sul, que já se posicionaram favoráveis à prospecção de petróleo, têm, sem qualquer diálogo com aquelas instâncias, pleiteado estudos e recursos para a abertura da estrada binacional, mirando ações previstas na Iniciativa de Integração da Infra-Estrutura Regional da América do Sul (www.iirsa.org).

Mapa 2

Mais a sul, fazendo divisa, no lado acreano, com as Terras Indígenas (TIs) Kampa do

Rio Amônea, Kaxinawá-Ashaninka do Rio Breu, Kaxinawá do Rio Jordão, Alto Tarauacá e Kampa e Isolados do Rio Envira, e com a Reserva Extrativista do Alto Juruá, está situado o Lote 132, aberto à licitação em 2007.

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Logo acima, no Lote 110, a Petrobrás Energia Peru S.A. já faz prospecções, com base

em contrato de 40 anos, assinado em dezembro de 2005. Com 1,4 milhão de hectares, esse lote é sobreposto à RT Murunahua, habitada pelos Chitonahua e Murunahua, povos “isolados”, e a terras de várias “comunidades nativas”; e é adjacente ao Parque Nacional Alto Purus (PNAP), no trecho em que este incorporou a RT Mashco-Piro, também destinada a “isolados”.

Mais a oeste, o Lote 126, com 1,5 milhão de hectares, está “em negociação” com as canadenses True Energy Inc. e North American Vanadium Inc., e faz limite, na fronteira, com a TI Kampa do Rio Amônea e com a parte sul do PNSD.

Boa parte dessa região já fora concedida pelo governo peruano a empresas madeireiras, que graves prejuízos têm causado a “comunidades nativas” e às “reservas territoriais”, além de terem invadido, de forma recorrente, o território brasileiro, no PNSD e na TI Kampa do Rio Amônea.

A atuação do governo peruano nessa região obedece, portanto, a uma perversa seqüência: primeiro a madeira, depois o petróleo e o gás.

Fato notável: ao longo do Paralelo de 10ºS, na fronteira com o Acre, está o PNAP,

com 2 milhões de hectares, que faz limites com as TIs Kampa e Isolados do Rio Envira, Riozinho do Alto Envira e Alto Tarauacá, destinadas pelo governo brasileiro a índios “isolados”.

Nessa “área natural protegida”, que a priori não será objeto de prospecção, também atuam madeireiros ilegais, com drásticas conseqüências sobre os territórios e as formas de vida dos “isolados” nos dois lados da fronteira.

A leste, dois grande lotes (111 e 113) foram contratados com a SAPET Development Perú Inc., filial da China National Oil and Gas Exploration Development Corporation. Com 1,2 milhão de hectares, o Lote 113 é sobreposto à “RT a Favor de Pueblos Indígenas en Aislamiento de Madre de Dios”, e é limítrofe aos Parques Nacionais Alto Purus e Manu.

Ambos os lotes são adjacentes, a norte, no território acreano, com a TI Cabeceira do Rio Acre, a Estação Ecológica Rio Acre e pequena extensão da TI Mamoadate.

Isso na mesma região onde, no âmbito do IIRSA, está sendo asfaltada a Rodovia Interoceânica, financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com impactos ambientais e socioculturais de enorme monta.

O Estado do Acre está hoje cercado, portanto, por empreendimentos madeireiros e

petrolíferos e pela Interoceânica. A leste, há planos para a BR-319 (Manaus-Porto Velho), o gasoduto Urucu-Porto Velho e as hidrelétricas do Madeira.

É esse “desenvolvimento”, baseado nas grandes obras de infra-estrutura e na

questionável extração de recursos da floresta e de seu subsolo, que veremos consolidado também no Acre?

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Assistiremos à conclusão da pavimentação da Br-364, sem que planos de curto, médio e longo prazos para a mitigação e compensação dos impactos socioambientais estejam em pauta, e à concessão das florestas estaduais ao manejo madeireiro empresarial, sem que normas e formas de operação tenham sido discutidas?

E, agora, devemos nos render à exploração de petróleo e gás e à abertura da Cruzeiro do Sul-Pucallpa?

Como reza o ditado, bem acreano, “nos incluam fora dessa”.

Oswaldo Sevá e Marcelo Piedrafita Iglesias

PS : os três artigos que compuseram a matéria-prima desse textos foram publicados no jornal e no sítio eletrônico Página 20 ( abaixo os “links”) de Rio Branco, Acre, nos dias 25 de março, 01 e 15 de abril de 2007,

na coluna dominical “Papo de índio”, editada pelo Txai Terri Aquino e pelo Marcelo Piedrafita; na diagramação trabalhou também a Ingrid Weber, da Comissão Pro Índio do Acre.

http://www2.uol.com.br/pagina20/25032007/papo_de_indio.htm http://www2.uol.com.br/pagina20/01042007/papo_de_indio.htm http://www2.uol.com.br/pagina20/15042007/papo_de_indio.htm

i Oswaldo Sevá, é professor do departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, e faz pesquisas sobre as conseqüências de grandes projetos energéticos e minerais na Amazônia; Marcelo Piedrafita Iglesias, antropólogo, faz seu doutorado no Programa de Pós Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, UFRJ. ii Figura do perfil geológico de uma zona petrolífera, extraído de TEIXEIRA, Wilson e outros (orgs) “Decifrando a Terra” Oficina de Textos, São Paulo : 2001. iii Diagramas extraídos e traduzidos de Gerard SCHORP “Le Pétrole” no compêndio organizado por MOLES, Abraham “Géopolitique de l’Energie” Editions René Kluster, Genebra, 1960. iv LEROY, J Pierre e MALERBA, Julianna (organizadores) “Petrobras Integración o explotación?” FASE: Projeto Brasil Sustentável e Democrático, Rio de Janeiro:2005 v ESPINHEIRA, Ariosto “Viagem através do Brasil.” vol. 3. Brasil de Leste-I, SE,BA,ES,RJ Edições Melhoramentos, São Paulo, 1956 pg.19. vi SEVÁ Fo. A , O. “Seguura peão! Alertas sobre o risco técnico coletivo crescente na industria petrolífera, Brasil anos 1990”. .pg 169- 196 do livro de FREITAS, C.M., PORTO, M.F.S., MACHADO, J.H.M. (organizadores) Acidentes Industriais Ampliados –- Desafios e perspectivas para o controle e a prevenção Editora Fiocruz, RJ. 2000. (artigo completo e release do livro na página eletrônica www.fem.unicamp.br/~seva) vii GAWORA, Dieter “Urucu. Impactos sociais, ecológicos e econômicos do projeto de petróleo e gás “Urucu” no Estado do Amazonas” Manaus: Editora Valer, 2003. viii “Minería – !Quiten las manos de nuestros recursos naturales” Friends of Earth International num 104, diciembre 2003