Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

23

description

Versão de experimentação com as 20 primeiras páginas do livro.

Transcript of Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Page 1: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)
Page 2: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)
Page 3: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)
Page 4: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)
Page 5: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)
Page 6: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Apresentação

•4

Page 7: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Todo publicitário sabe que o primeiro Valisère a gente nunca es-

quece. Para o escritor, a sensação de lançar o primeiro livro tam-

bém é inestimável. Não escrevo apenas porque gosto de criar histó-

rias; o que me fascina é poder compartilhá-las com outras pessoas

e assim provocar-lhes o espírito.

Os textos que compõem esta coletânea foram escritos entre o

último ano do colégio e o último ano da faculdade. Assim como a

clássica propaganda do sutiã, estas páginas (não todas, mas a maio-

ria) falam de juventude. Entre Vidas por aí (2003) e O pintor (2008)

situa-se a minha, e admirador que sou do Clube da Esquina, lem-

brei que Flávio Venturini e Márcio Borges escreveram uma vez:

Nossa linda juventude, página de um livro bom / Canta que te quero cais e

calor, claro como o sol raiou.

Tomei emprestado aquele verso e da paráfrase fi z o título.

Espero que meus contos, poemas e crônicas soem como música

para seus ouvidos, e que você saia remoçado da última página.

Boa leitura.

Page 8: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Sumá

rio •

6Sumá

rio •

6

Page 9: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Sumá

rio •

7Sumá

rio •

7

Page 10: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Sumá

rio •

8

Page 11: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Sumá

rio •

9

Page 12: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Sumá

rio •

10Sumá

rio •

10

Page 13: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Sumá

rio •

11Sumá

rio •

11

Page 14: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)
Page 15: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)
Page 16: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Crônicas •

14

Em uma dessas noites cariocas algo de insólito me aconteceu

durante um engarrafamento em Ipanema. No painel do carro

conferi a temperatura externa. Fazia calor. Comecei a observar

os veículos ao meu redor: todos de janelas fechadas... Não era

para menos. Escolhi um CD e aumentei o volume; a música

serviria de distração.

De repente, ouvi alguma coisa bater no meu vidro: “Fodeu.”

Não, não que eu andasse tenso ultimamente, mas confesso que a

primeira coisa que me ocorreu foi assalto. Entretanto, para meu

alívio e surpresa, no lugar de um calibre trinta e oito estava a

mão de uma mulher estendida da janela do carro ao lado. Ela

falava alguma coisa que eu não entendia. Baixei o vidro afi nal.

– Jorge! Sou eu, lembra?

Page 17: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Crônicas •

15

Levei alguns segundos encarando-a.

– Sim! Nanda! Da faculdade...

– Isso! Quanto tempo! E aí, como vai a vida?

Percebi que o homem no volante passou a nos observar sério.

– Bem, bem. Nossa, nunca mais nos falamos...

– Pois é... Como fomos nos deixar perder, hein?

Ela sorria. O cara não gostou do “como fomos nos deixar

perder...” Acho que eu sorria amarelo quando o ouvi resmungar

qualquer coisa.

– Ah! Manoel, este é o Jorge. Meu namorado na faculdade.

– Prazer! – Acenei cordial e com ligeira afetação.

Ele levantou a mão, mudo e protocolar.

– Acho que faz mais de vinte anos, não?

– Quase trinta... Seu filho aí atrás?

– Ah, sim – continuei hesitante: – Ele passou o fim de semana

com os avós. Agora voltamos para casa. E o casalzinho...

– É meu... Quer dizer, nosso: meu e do Manoel. São uns amores.

– Ela então me perguntava:

Page 18: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Crônicas •

16

– E sua mulher?... – quando o marido avançou o carro por al-

guns metros. – Peraí, Manoel! Não vê que estou conversando?

– Não posso parar o trânsito por sua causa.

– Por nossa causa, você quer dizer: minha e do Jorge.

E assim que emparelhei, ela continuou:

– Estão separados?

– Não! Ela viajou... a trabalho. Volta amanhã de manhã. Por

falar nisso, como anda sua vida profissional?

– Bem... digo, não como imaginávamos que iria ser, jovens, sentados

ali no banquinho do campus... Tudo parecia predestinado a dar certo!

Sorri. Lembrava-me daqueles dias com grande entusiasmo, e

ainda via nela aquela menina alegre da turma de publicidade. Ago-

ra trazia em si os traços do tempo: tornara-se uma mulher. Meu

Deus, quanto tempo!

– É melhor fechar o vidro, Fernanda, o ar-condicionado está

escapando – disse o marido incomodado.

– Só um minuto, querido. – E voltando-se para mim, tornou a

perguntar: – Mas como fomos nos deixar perder?

– É assim mesmo que as coisas acontecem. A minha mudança

para São Paulo... acho que foi nessa ocasião. – Em seguida me

inclinei ao máximo em sua direção, a fim de privar o outro do di-

álogo, e comentei em voz baixa: – Ainda guardo aquelas alianças

que trocamos. Lembranças... sabe como é...

Ela, porém, foi menos discreta:

– Jura? Nããão! Eu também, acredita? – Gesticulava com a es-

pontaneidade que sempre a marcou, e falava alto, como se a pos-

sibilidade de o outro escutá-la não a preocupasse, talvez porque

Manoel, de fato, já não a ouvisse mais. – Aquela nossa troca de

alianças significou muito pra mim!

Page 19: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Crônicas •

17

Na hora, pensei em arrancar, nervoso. Mas não podia: carros à

frente, atrás, de todos os lados; o marido demonstrava impaciência.

Aumentei o volume do som.

– Gosta de Billy Paul? – perguntei dissimulado.

– Adoro, aumenta um pouquinho mais. Your Song é a minha favorita.

Aumentei. Comecei a fazer umas castanhetas, ela se animou e pas-

sou a me acompanhar com movimentos do corpo, braços e cabeça.

– Como lembra a faculdade, Jorge.

– Também acho! – concordei.

– Gosto daquela parte em que ele diz If !

– Sei! If ! If I was a sculptor…

– Isso! If. “Se...”

– “Se... E se...” And if...

Eu começava a diminuir o ritmo do batuque com os dedos no

volante à medida que concentrava os olhos no “se”. Arrisquei, afinal:

– Ah, se nós...

– Pare de dançar que nem uma louca!

A voz de Manoel, enfim, soou imperiosa e me calou. Os mo-

vimentos animados cessaram-se por completo. Abaixei o volume

e perguntei:

– Que vocês estão ouvindo?

– Nada. Está na hora da Voz do Brasil – ela me respondeu,

esmorecida.

Pensei em dizer: “Ora, ponha um CD”, mas achei que seria

inconveniente...

– Verdade – comentei, olhando o relógio. E acrescentei cauteloso:

– Um pouco de notícia não faz mal a ninguém.

Ela remexia a bolsa.

– Por falar nisto, me dê notícias. Este é meu telefone.

Page 20: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Crônicas •

18

Estendeu um pedaço de papel pela janela o qual lhe tomei

da mão, satisfeito.

Enfiei-o no bolso da camisa e ao erguer mais uma vez a cabeça,

notei que ao meu lado já se encontrava outro carro. A fila avança-

ra, o trânsito fluía. Ainda consegui avistar pela última vez o veículo

do casal. Manoel se mantinha visivelmente caladão, Nanda talvez

olhasse pelo espelho retrovisor.

Logo dobrei à direita. Creio que eles seguiram em frente. Até

onde? Não sei. Olhei para trás, meu filho brincava em silêncio com

um de seus bonecos de plástico.

– Tô com saudade da mamãe – falou, de repente.

– Eu também, filhão. Não se preocupe, ela chega amanhã. Va-

mos enchê-la de beijos...

Ele sorriu.

Retirei o papel do bolso e fitei-o com carinho: “Nanda” e o

número logo abaixo.

O braço apoiado na janela e o pedacinho de papel entre o indi-

cador e o médio.

– Droga! Esqueci de fechar esta porcaria.

Agora fechava, tarde demais. Tentava lembrar os números... Es-

forço inútil. Soquei com raiva o volante.

O braço na janela aberta , um sopro de vento

fortu

ito

e m

a i s

nada

en t re

o ind i cador e o m é d i o . L á s e f o

i o te

lefo

ne d

ela noite a

fo

ra

.

Crônicas •

18

Page 21: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Crônicas •

19

– O único vento que bateu a noite inteira! Droga...

Um capricho da natureza. Só restava resignar-me em pen-

samento: “Esquece... um dia desses a gente volta a se encon-

trar por aí.”

– Vou dar muitos beijos na mamãe, papai – disse meu menino,

abrindo um lindo sorriso.

– Sim... – Fitei-o pelo espelho. – Vamos beijá-la muito e dizer

que estávamos morrendo de saudade: você... e eu.

O braço na janela aberta , um sopro de vento

fortu

ito

e m

a i s

nada

en t re

o ind i cador e o m é d i o . L á s e f o

i o te

lefo

ne d

ela noite af

or

a.

Page 22: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Crônicas •

20

Veja, Maria... Olha

as flores crescendo

ali. Sabe que é isso, sabe?

É sinal de bons tempos. Sinal de

sorte e muito amor. Olha aquele bro-

to ali, veja! Ali! Amarelo como o sol, como o

ouro... E aquele outro... ali, ó. É vermelho ou la-

ranja? Acho que é vermelho! Bonita, não? As flores... Tá

me escutando, Maria? Essas flores são as crianças da casa,

não acha? Nota como o jardim tá mais bonito hoje? São as

crianças... E vou te dizer, hein... Este céu, azul do jeito que tá,

sem uma nuvem... Vá, encontra uma nuvem no céu! Quero ver

você encontrar uma única nuvem! Eu só vejo pipa e pássaros

voando... Como é mesmo o nome daquele ali? Aquele ali pou-

sado no galho da mangueira... Ali, Maria! Ê, velha, tá cega ou

o quê? Ali, ó... Muito bonito, não? Mas que é isso? Que baru-

lho é esse? Eta vento brabo! Olha lá, afugentou o passarinho...

Que vento! As flores se sacodem todas, vê?... Ali, que bonitas!

E esse barulho é trovão? Olha que tô ouvindo uns petelecos no

telhado. Fecha a janela que o vento já levou a cortina! Mulher,

veja os petelecos... Parece tudo aqueles grãos... Parece grão de

feijão, sabe?, tudo caindo nas telhas... Ê, som bom! Já sinto o

cheiro da terra molhada... E olha a pipa do menino lá... Muito

bem feita, não acha? Com as cores da bandeira! Maria, tem as

Crônicas •

20

Page 23: Páginas de um Livro Bom (Experimentação)

Crônicas •

21

cores da bandeira! E não

é que com o céu azul forma

direitinho a bandeira? Olha, ver-

de e amarelo em papel crepom, não

é? É crepom, sim... Então, moleque inte-

ligente esse aí. Fez pipa verde e amarela para

empenar nesse céu azulzinho. Lindo, muito lindo... E

ainda que tivesse uma nuvem no céu, ainda assim, mulher,

seriam as cores da bandeira. Gosto muito desse jardim flori-

do. E desse céu azul... Podemos ir à praia qualquer dia, que

acha? Hoje não, tô com frio. Você, não? Não diz nada, velha!

Tô aqui falando, falando e você nada diz... Para de chorar,

criatura. Não chora, não, que este jardim só quer o seu sor-

riso, nunca as lágrimas... Não chora! Ei, fala o que você quer

falar. Sei até o que vai dizer... sei, sim, duvida? Vai dizer que

queria enxergar, né? Não chora, Maria. Um dia você ainda

vai enxergar... – A senhora sorriu, comovida. – Ande, vamos lá pra

dentro, me ajude a me levantar desta cadeira, dê cá sua mão,

por favor. Vamos entrar que estes feijões estão encharcando

meus pés! Mas assim é bom porque cai na terra e daqui a uma

semana nascem os brotos... Gosto muito de feijão, você sabe,

me dê a mão direita, prefiro. Vamos. Eta! Ouviu esse barulho?

É outro trovão? Meu Deus, não deixa chover, não! Senão es-

traga a brincadeira do menino.

Crônicas •

21