Ouvidos_atentos_-_Leminsk_Estrela

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 OS MAIAS Episódios da vida romântica. Eça de Queirós Discentes: Alessandra Gonçalves;  Alexandre Xavier; Ingrid Cordeiro; Isabela Quaresma; Zerben Aguiar.

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  • OS

    MAIAS Episdios da vida

    romntica.

    Ea de Queirs

    Discentes: Alessandra

    Gonalves;

    Alexandre Xavier;

    Ingrid Cordeiro;

    Isabela Quaresma;

    Zerben Aguiar.

  • EA E SUA OBRA OS MAIAS:

    O ttulo OS MAIAS surgiu para fazer parte da lista de

    novelas que iriam compor as Cenas da Vida Portuguesa, ou Cenas da Vida Real, como Ea de Queiroz tambm pensou intitular. Ea chegou a

    abandonar essa obra, possivelmente porque tomou

    como ponto de partida e inspirao para obras de

    maiores propores. Passaram-se dez anos desde o

    surgimento do ttulo at o ano em que o romance foi

    posto a venda, em 1888, pois Ea passara por uma

    fase em que tudo o que escrevia o desgostara; estava

    insatisfeito com o tipo de realismo que cultivava. Ao

    chegar em Lisboa, no incio de 1880, foi convidado por

    Loureno Malheiro para escrever romance de

    folhetins; relutante, Ea aceitou.

  • Ea admirava Zola e Flaubert, mas, por ter vivido dez anos na Inglaterra, passou a ser influenciado tambm por George Elliot, Charles Dickens, Thackeray, e tomou conhecimento que o mundo literrio no era apenas Francs. O fantstico e o inverossmil entravam na sua obra. A sua tcnica comprovam o corte com os processos franceses. O refinamento e sensibilidade de Ea era pouco compatvel sobre seus personagens, o que, aps o compromisso com Malheiro, decidiu modificar e criar um romance com personagens pertencentes ao nico meio que conhecia a fundo: A alta burguesia de Lisboa. Este ambiente colocaria o Heri sob influncia das aparncias que tanto o seduziam em certos amigos da velha aristrocacia: a distino, a fortuna, o nome, as tradies, o sangue. Foi a que, 1880, os Maias comearam a tomar forma, transformado de novela para romance.

  • O jornal passa a cobrar o romance de Ea, este, por sua vez, d O Mandarim para ser publicado, pois decidira que Os Maias necessitava de um desenvolvimento maior e mais rico em caracteres de um romance. Ele agora seria um livro.

    Aps muitos contratempos, j em 1882, Ea afirma estar terminando o seu livro, sem paixo, quase sem gosto, e portanto sem veia; mas s em 1883 que ele fecha negcio com Chardron para a edio de Os Maias, que fora publicado como livro somente cinco anos depois.

    Segundo Joo Gaspar Simes, Ea de Queiroz realizou a mais perfeita obra literria que ainda se escrevera em Portugal, depois de Os Lusadas.

  • RESUMO DA OBRA:

    O Enredo de Os Maias, de Ea de Queirs,

    romance publicado em 1888, narra a histria de

    uma famlia tradicional portuguesa ao longo de

    trs geraes. Cada uma delas representada por

    um personagem: Afonso, o liberal esclarecido;

    Pedro, o homem romntico por excelncia; e

    Carlos, o grande verdadeiro protagonista do

    romance. Pedro casa-se contra vontade de seu

    pai, Afonso, com a negreira Maria Monforte e com

    ela tem dois filhos: Maria Eduarda e Carlos

    Eduardo. Aps alguns anos de casamento, Maria

    foge com um amigo de Pedro, Tancredo, levando

    consigo Maria Eduarda.

  • O filho de Afonso suicida-se, deixando Carlos sob

    os cuidados do av. Carlos forma-se em medicina

    e viaja pela Europa. Ao regressar a Portugal

    apaixona-se pela senhora Castro Gomes.

    Enquanto vivem o romance, Carlos descobre que

    ela sua irm Maria Eduarda a qual julgava

    estar morta. Mesmo sabendo que ela sua irm

    dorme com ela mais uma vez, fato que provoca a

    morte de Afonso. Aps o falecimento do av,

    Carlos conta a ela que so irmos. Sabendo disto,

    o casal se distancia, ela regressa para Paris, e ele

    viaja.

  • A arquitetura do romance conjuga expresses extremas de duas tendncias, cujo conflito

    notrio na carreira de Ea: a tipificao flagrante

    de uma dada interao humana, que aqui se

    traduz por um largo cosmorama e por descries

    minuciosas de vrios ambientes sociais lisboetas

    colhidos num corte sincrnico entre o terceiro e o

    quarto quartel do sculo XIX, e a alegoria (afinal

    romntica embora intencionalmente ironizada)

    de um sonho divino que se degrada numa cisa

    imunda, ou, em outros termos, de um destino

    pattico sempre contguo a uma comdia

    grotesca, e com traos obviamente alheios ao

    cdigo da verossimilhana naturalista.

    (Saraiva e Lopes, 2001)

  • ASPECTOS FORMAIS:

  • GRFICO DOS PERSONAGENS

    3 Gerao

    2 Gerao

    1Gerao Afonso

    da Maia

    Pedro da Maia

    Carlos da Maia

    Maria Monforte

    Maria Eduarda

  • AFONSO DA MAIA:

    [...] na opinio de seu pai, algum tempo, o mais

    feroz jacobino de Portugal! E todavia, o furor

    revolucionrio do pobre moo consistira em ler

    Rosseou, Volney, Helvcio, e a Enciclopdia; em

    tirar foguetes de lgrimas constituio; e ir de

    chapu liberal e alta gravata azul, recitando

    pelas lojas manicas odes abominveis ao

    supremo arquiteto do universo. Isto, porm,

    bastava para indignar o pai. Caetano da Maia era

    um portugus antigo e fiel que se benzia ao nome

    de Robespierre, e que, em sua apatia de fidalgo

    beato e doente, tinha s um sentimento vivo o horror, o dio ao jacobino [...] (QUEIRS, 1961, P. 11)

  • AFONSO DA MAIA E MARIA EDUARDA RUNA

    Seu pai morreu de sbito; ele teve de regressar a Lisboa. Foi ento que conheceu D. Maria Eduarda Runa, uma linda morena, mimosa e um pouco adoentada [...] casou com ela. Teve um filho [...] (QUEIRS, 1961, P.15)

    Verdadeira lisboeta, pequenina e trigueira, sem se queixar e sorrindo palidamente, tinha vivido desde que chegara num dio surdo quela terra de hereges [...] o seu corao nunca tivera ali, mas longe em Lisboa [...] E s se satisfazia a noite, indo refurgiar-se no sto com as criadas portuguesas, para rezar o tero agachada numa esteira [...] (QUEIRS, 1961, P.16)

  • E para educar mandou vir de Lisboa o Padre Vasques,

    capelo do conde da Runa. O Vasques ensinava-lhe as

    declinaes latinas, sobretudo a cartilha; e a face de

    Afonso da Maia cobria-se de tristeza, quando ao voltar de

    alguma caada ou das ruas de Londres, de entre o forte

    rumor da vida livre ouvia no quarto dos estudos a voz dormente do reverendo perguntando como do fundo de

    uma treva:

    - Quem so os inimigos da alma? E o pequeno, mais

    dormente, l ia murmurando:

    - Trs. Mundo, Diabo e Carne...

    (QUEIRS, 1961, P.17)

  • PEDRO DA MAIA

    O Vasquez ensinava-lhe as declinaes latinas,

    sobretudo a cartilha; e a face de Afonso da Maia

    cobria-se de tristeza, quando ao voltar de algumas

    caada ou das ruas de Londres, de entre o forte

    rumor da vida livre ouvia no quarto dos estudos a voz dormente do reverendo, perguntando como do

    fundo de uma treva:

    - Quantos so os inimigos da alma?

    E o pequeno mais dormente ia murmurando:

    - Trs. Mundo, Diabo e Carne.

    Pobre Pedrinho! Inimigo de sua alma s havia ali o

    reverendo Vasques, obeso e srdido, arrotando do

    fundo da sua poltrona, com o leno do rap sobre o

    joelho... (pp. 25-26)

  • (...) depois, l fora, o menino, acostumado com o

    colo das criadas, e aos recantos estofados, tinha

    medo do vento e das rvores; e pouco a pouco,

    num passo desconsolado, os dois iam pisando em

    silncio as folhas secas o filho todo acobardado das sombras do bosque vivo, o pai vergando os

    ombros, pensativo, triste daquela fraqueza do

    filho. (p. 26)

    O Pedrinho, no entanto, estava quase um

    homem. Ficara pequenino e nervoso como Maria

    Eduarda, tendo pouco da raa, da fora dos

    Maias; (...) (p.28)

  • (...) Desenvolvera-se lentamente, sem

    curiosidades, indiferente a brinquedos, a animais,

    a flores, a livros. Nenhum desejo forte parecera

    jamais vibrar naquela alma meio adormecida e

    passiva; (...) (p. 28)

    (...) Era em tudo um fraco; e esse abatimento

    continuo de todo o seu ser, resolvia-se a espaos

    de crises de melancolia negra, que o traziam dias

    e dias mudo, murcho, amarelo, com as olheiras

    fundas e j velho. O seu nico sentimento vivo,

    intenso, at ali, fora a paixo pela me. (p. 28)

  • (...) Mas um dia, excessos de crises findaram. Pedro da Maia amava! Era um amor Romeu, vinda de repente numa troca de olhares fatal e deslumbradora, uma dessas paixes que assaltam uma existncia, a assolam como um furaco, arrancando a vontade, a razo, os respeitos humanos e empurrando-os de roldo aos abismos. (p. 31)

    (...) Afonso (...) olhava cabisbaixo aquela sombrinha escarlate que agora se inclinava sobre Pedro, quase o escondia, parecia envolv-lo todo como uma larga mancha de sangue alastrando o caleche sob o verde triste das ramas. (p. 43)

  • Pedro ento caiu para o canap, como cai um

    corpo morto; e levantando para o pai um rosto

    devastado, envelhecido, disse, palavra a palavra,

    uma voz surda:

    - Estive fora de Lisboa dois dias... Voltei esta

    manh... Maria tinha fugido de casa com a

    pequena... Partiu com um homem, um italiano...

    E aqui estou!

    Afonso da Maia ficou diante do filho, quedo,

    mudo, como uma figura de pedra; e a sua bela

    face, onde todo o sangue subira, enchia-se, pouco

    a pouco, de uma grande clera. (pp. 66-67)

  • A madrugada clareava, Afonso ia adormecendo quando de repente um tiro atroou a casa.

    Precipitou-se do leito, despido e gritando; um

    criado acudia tambm com uma lanterna. Do

    quarto de Pedro, ainda entreaberto, vinha um

    cheiro de plvora; e aos ps da cama, cado de

    bruos, numa poa de sangue que se ensopava no

    tapete, Afonso encontrou o seu filho morto,

    apertando uma pistola na mo. (p. 78)

  • CARLOS DA MAIA:

    [...]Se no soubesse a grande paixo do av pela criana, havia de se dizer que a queria morta. Deus lhe perdoe, ele, Teixeira, chegara a pens-lo... Mas no, parece que era o sistema ingls! [...]

    o personagem principal da obra.

    Educado a maneira inglesa.

    Forma-se em medicina (criticado por essa escolha) em Coimbra, onde conhece seu amigo Joo da Ega.

    Mantm uma relao adltera com a Condessa de Gouvarinho (posteriormente a deixa pois estava farto e apaixonado por outra).

    Carlos cr que a sua irm morreu.

    Apaixona-se pela senhora Castro Gomes.

    Descobre, posteriormente, quem era a senhora castro gomes.

    Aps o pedido de perdo de Maria Eduarda, Carlos a pedi em casamento.

    Vilaa e Ega contam a verdade a Carlos.

    Afonso afirma a a Ega que sabe que Carlos tem um relao com Maria Eduarda.

    Apesar da descoberta, Carlos ainda mantm relao com a irm, pois continuava a am-la.

    Morre Afonso. Carlos senti-se culpado pelo acontecimento e pede para Ega falar com Maria Eduarda e lhe contar tudo.

    Maria vai para Paris e Carlos foi viajar pelo mundo.

  • Trechos da obra

  • MARIA EDUARDA

    Ela, com um vestido simples e justo de sarja preta, um colarinho

    direito de homem, um boto de rosa e duas folhas verdes no peito,

    alta e branca. [...]. A voz de Maria Eduarda ergueu-se, uma voz

    rica e lenta, de um tom de ouro que acariciava.

    Carlos [...] descobria logo um encanto novo e outra forma da sua

    perfeio. Os cabelos no eram loiros, como julgava de longe

    claridade do Sol, mas de dois tons, castanhoclaro e

    castanhoescuro, espessos e ondeando ligeiramente sobre a testa.

    Na grande luz escura dos seus olhos havia ao mesmo tempo

    alguma coisa de muito grave e de muito doce. [...]. E atravs da

    manga justa de sarja, terminando num punho branco, ele sentia a

    beleza, a brancura, o macio, quase o calor dos seus braos.

    (QUEIRS, 2003, p. 237-238)

  • Os romances que preferia eram os de Dickens; e agradavalhe menos Feuillet, por cobrir tudo de p de arroz, mesmo as feridas do corao. Apesar de educada num convento severo de Orlans, lera Michelet e lera Renan. De resto no era catlica praticante. [...].Tinha um pensar muito reto e muito so com um fundo de ternura que a inclinava para tudo o que sofre e fraco. Assim, gostava da Repblica, por lhe parecer o regime em que h mais solicitude pelos humildes. Carlos provavalhe rindo que ela era socialista. [...]

    Jesus viveu h muito tempo, Jesus no sabia tudo... Hoje sabese mais, os senhores sabem muito mais... necessrio arranjarse outra sociedade, e depressa, em que no haja misria. Em Londres, s vezes, por aquelas grandes neves, h criancinhas pelos portais a tiritar, a gemer de fome... um horror! E em Paris ento! que se no v seno o boulevard; mas quanta pobreza, quanta necessidade.. (QUEIRS, 2003, p. 250)

  • TOMAZ ALENCAR

    E apareceu um indivduo muito alto, todo abotoado numa sobrecasaca preta, com uma face escaveirada, olhos encovados, e sob o nariz aquilino, longos, espessos , romnticos bigodes grisalhos: j todo calvo na frente, os anis fofos duma grenha muito seca caam-lhe inspiradamente sobre a gola: e em toda a sua pessoa havia alguma coisa de antiquado, de artificial e de lgubre.

    [...]

    Era ele! O ilustre cantor das Vozes da Aurora, o estilista da Elvira, o dramaturgo do Segredo do Comendador. (QUEIRS, 2003, p. 110)

  • JOO DA EGA

    Joo da Ega, com efeito, era considerado[...] na

    Academia, que ele espantava pela audcia de seus

    ditos, como o maior ateu, o maior demagogo, que

    jamais aparecera nas sociedades humanas. Isto

    lisonjeava-o: por sistema exagerou seu dio

    Divindade, e a toda ordem social: queria o massacre

    das classes mdias, o amor livre das fices do

    matrimnio, a repartio das letras, o culto de

    Satans.

  • O esforo da inteligncia neste sentido terminou por lhe influenciar as maneiras e a fisionomia; e, com a sua figura esgrouviada e seca, os pelos dos bigodes arrebitados sob o nariz adunco, um quadrado de vidro entalado no olho direito tinha realmente uma coisa de rebelde e satnico. [...]. E no fundo muito sentimental, enleado sempre em amores por meninas de quinze anos, filhas de empregados, com quem s vezes ia passar a soire , levando-lhes cartuchinhos de doce. (QUEIRS, 2003, p. 64-65)

  • TOMAZ ALENCAR E JOO DA EGA: A QUESTO

    COIMBR

    Ao lermos o romance Os Mais observamos que estes

    dois personagens so uma representao deste conflito

    intelectual ocorrido em Portugal em meados do sculo

    XIX, que consistia no embate entre a tradio do

    Romantismo no pas, que no romance Queirosiano

    alegorizado por Tomaz Alencar, poeta romntico que

    tem verdadeiro desprezo pelas tendncias cientificistas

    e imorais da literatura vigente no momento, e Realismo/Naturalismo introduzido pelos literatos mais

    jovens. Este conflito ultrapassa a Literatura, pois

    detectamos que h tambm no romance uma discusso

    sobre o Portugal arcaico e os impactos da modernidade

    nas figuras destas personagens.

  • Esse mundo de fadistas, de faias, parecia a Carlos merecer

    um estudo, um romance... Isto levou logo a falar-se do

    Assommoir, de Zola e do realismo: e o Alencar

    imediatamente, limpando os bigodes dos pingos de sopa,

    suplicou que se no discutisse, hora asseada do jantar, essa

    literatura latrinria. Ali todos eram homens de asseio, de

    sala, hein? Ento, que se no mencionasse o excremento!

    Pobre Alencar! O naturalismo; esses livros poderosos e

    vivazes, tirados a milhares de edies; essas rudes anlises,

    apoderandose da Igreja, da Realeza, da Burocracia, da

    Finana, de todas as coisas santas, dissecandoas

    brutalmente e mostrandolhes a leso, como a cadveres

    num anfiteatro;

  • esses estilos novos, to preciosos e to dcteis, apanhando

    em flagrante a linha, a cor, a palpitao mesma da vida;

    tudo isso (que ele, na sua confuso mental, chamava a

    Ideia Nova),

    caindo assim de chofre e escangalhando a catedral

    romntica, sob a qual tantos anos ele tivera altar e

    celebrara missa, tinha desnorteado o pobre Alencar e

    tornarase o desgosto literrio da sua velhice. Ao

    princpio reagiu. Para pr um dique definitivo torpe

    mar, como ele disse em plena Academia, escreveu dois

    folhetins cruis; ningum os leu; a mar torpe

    alastrouse, mais profunda, mais larga. Ento Alencar

    refugiouse na moralidade como numa rocha slida.

  • O naturalismo, com as suas aluvies de

    obscenidade, ameaava corromper o pudor

    social? Pois bem. Ele, Alencar, seria o paladino

    da Moral, o gendarme dos bons costumes.

    Ento o poeta das Vozes de Aurora, que durante

    vinte anos, em canoneta e ode, propusera

    comrcios lbricos a todas as damas da capital;

    ento o romancista de Elvira que, em novela e

    drama, fizera a propaganda do amor ilegtimo,

  • representando os deveres conjugais como montanhas de

    tdio, dando a todos os maridos formas gordurosas e

    bestiais, e a todos os amantes a beleza, o esplendor e o

    gnio dos antigos Apolos; ento Toms Alencar, que (a

    acreditaremse as confisses autobiogrficas da Flor do

    Martrio) passava ele prprio uma existncia medonha de

    adultrios, lubricidades, orgias, entre veludos e vinhos de

    Chipre de ora em diante austero, incorruptvel,

  • todo ele uma torre de pudiccia, passou a vigiar

    atentamente o jornal, o livro, o teatro. E mal

    lobrigava sintomas nascentes de realismo num

    beijo que estalava mais alto, numa brancura de

    saia que se arregaava de mais eis o nosso

    Alencar que soltava por sobre o pas um grande

    grito de alarme, corria pena, e as suas

    imprecaes lembravam (a acadmicos fceis de

    contentar) o rugir de Isaas. (QUEIRS, 2003,

    p. 112-113)

  • J o personagem Ega, amigo de Carlos, representa o

    extremo oposto, pois almeja a modernizao de Portugal,

    juntamente com a literatura, tambm est escrevendo o

    livro Memrias de um tomo.

    Assim atacado, entre dois fogos, Ega trovejou: justamente o fraco do realismo estava em ser ainda

    pouco cientfico, inventar enredos, criar dramas,

    abandonar-se fantasia literria! A forma pura da

    arte naturalista devia ser a monografia, o estudo

    seco de um tipo, de um vcio, de uma paixo, tal

    qual como se se tratasse de um caso patolgico, sem

    pitoresco e sem estilo... (QUEIRS, 2003, p. 114)

  • Para que servia ento o grande movimento naturalista do sculo? Se o vcio se perpetuava, porque a sociedade,

    indulgente e romanesca, lhe dava nomes que o

    embelezavam, que o idealizavam... Que escrpulo pode ter

    uma mulher em beijocar um terceiro entre os lenis

    conjugais, se o mundo chama a isso sentimentalmente um

    romance, e os poetas o cantam em estrofes de oiro? (QUEIRS, 2003, p. 260)

    Ega queixouse do pas, da sua indiferena pela arte. Que esprito original no esmoreceria, vendo em torno de si esta

    espessa massa de burgueses, amodorrada e crassa,

    desdenhando a inteligncia, incapaz de se interessar por

    uma ideia nobre, por uma frase bem feita? (QUEIRS, 2003, p. 261)

  • Ento Ega protestou com veemncia. Como no

    convinha a ningum? Ora essa! Era justamente o que

    convinha a todos! bancarrota seguiase uma

    revoluo, evidentemente. Um pas que vive da

    inscrio, em no lha pagando, agarra no cacete; e

    procedendo por princpio, ou procedendo apenas por

    vingana o primeiro cuidado que tem varrer a

    monarquia que lhe representa o calote, e com ela o

    crasso pessoal do constitucionalismo. E passada a crise,

    Portugal, livre da velha dvida, da velha gente, dessa

    coleo grotesca de bestas... (QUEIRS, 2003, p. 115)

  • Ns. Eu e tu, tu e eu. A condessa convidoume no comboio. E o Gouvarinho, como compete ao indivduo

    daquela espcie, acrescentou logo que havamos de ter

    tambm o nosso Maia. O Maia dele, e o Maia dela...

    Santo acordo! Suavssimo arranjo!

    Carlos olhouo com severidade.

    Tu vens obsceno de Celorico, Ega.

    o que se aprende no seio da Santa Madre Igreja. (QUEIRS, 2003, p. 260)