Os_tablets_chegaram_na_sala_de_aula_e_agora?

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1 Maio/Julho – 2012 Edição 62 O tablet chegou à sala de aula. E agora? Reportagem // JULIANA ROMÃO Os recursos da tecnologia digital estão cada vez mais presentes na escola, o que exige novas atitudes e novas competências do professor Há 10 anos, a coordenadora pedagógica do ensino fundamental II do Colégio Motivo, de Recife (PE), Iranete Santos, acompanha a introdução da tecnologia em sala de aula, incluindo as recentes aquisições de notebooks e tablets. O uso ainda é recente na escola e não há dados para avaliar o real impacto da ferramenta, mas Iranete vem percebendo uma tendência à redução do uso do caderno e do livro por parte dos estudantes. “Percebi que as bolsas estão diminuindo de tamanho ano a ano e fiquei preocupada quando vi alguns estudantes trazendo apenas caneta”, relata. Os tablets e notebooks são a nova vedete da educação brasileira. Tratados pelas escolas como a última palavra em tecnologia voltada à educação, essas ferramentas não representam necessariamente melhoria no processo de ensino e aprendizagem. Os especialistas enxergam, na verdade, um longo caminho entre a utilização dos aparelhos e uma efetiva qualificação do aprendizado. O coordenador do Laboratório de Novas Tecnologias Aplicadas à Educação (Lantec) da Faculdade de Educação da Unicamp, Sérgio Ferreira do Amaral, caracteriza o atual momento pela mudança de formatos. Ele explica que a nova linguagem é a convergência de várias outras — texto, áudio, vídeo — e exige uma nova atitude tanto do aluno quanto do professor. “O educador usava cada linguagem de modo tradicional para projetar um filme ou uma apresentação no power point, por exemplo. Agora tudo converge para um só ponto e isso significa uma relação diferente entre as partes”. Iranete Santos conta que alguns alunos chegavam a fotografar o quadro por preguiça de copiar o conteúdo no caderno. Sua reação foi imediata: “Convoquei todos

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Maio/Julho – 2012 Edição 62

O tablet chegou à sala de aula. E agora? Reportagem // JULIANA ROMÃO

Os recursos da tecnologia digital estão cada vez mais presentes na escola, o que exige novas atitudes e novas competências do professor

Há 10 anos, a coordenadora pedagógica do ensino fundamental II do Colégio Motivo, de Recife (PE), Iranete Santos, acompanha a introdução da tecnologia em sala de aula, incluindo as recentes aquisições de notebooks e tablets. O uso ainda é recente na escola e não há dados para avaliar o real impacto da ferramenta, mas Iranete vem percebendo uma tendência à redução do uso do caderno e do livro por parte dos estudantes. “Percebi que as bolsas estão diminuindo de tamanho ano a ano e fiquei preocupada quando vi alguns estudantes trazendo apenas caneta”, relata.

Os tablets e notebooks são a nova vedete da educação brasileira. Tratados pelas escolas como a última palavra em tecnologia voltada à educação, essas ferramentas não representam necessariamente melhoria no processo de ensino e aprendizagem. Os especialistas enxergam, na verdade, um longo caminho entre a utilização dos aparelhos e uma efetiva qualificação do aprendizado.

O coordenador do Laboratório de Novas Tecnologias Aplicadas à Educação (Lantec) da Faculdade de Educação da Unicamp, Sérgio Ferreira do Amaral, caracteriza o atual

momento pela mudança de formatos. Ele explica que a nova linguagem é a convergência de várias outras — texto, áudio, vídeo — e exige uma nova atitude tanto do aluno quanto do professor. “O educador usava cada linguagem de modo tradicional para projetar um filme ou uma apresentação no power point, por exemplo. Agora tudo converge para um só ponto e isso significa uma relação diferente entre as partes”.

Iranete Santos conta que alguns alunos chegavam a fotografar o quadro por preguiça de copiar o conteúdo no caderno. Sua reação foi imediata: “Convoquei todos

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os professores e dei uma orientação formal para que o livro e o caderno continuassem a ser estimulados e cobrados”. Para ela, o registro manual e a leitura do conteúdo completo no livro são fundamentais: “Temos de lutar para manter os dois formatos em uso”.

A coordenadora também destaca que muitos pais inclusive sugerem aos filhos que não levem os materiais, uma vez que farão uso dos tablets ou notebooks. “É preciso explicar que nem todos os dias ou em todas as disciplinas essas tecnologias entram na aula, apenas quando há sentido”. Ela esclarece que o uso ainda é irregular entre os professores, pois sempre há os que têm menos intimidade com a tecnologia. “Por isso, é importante um corpo diversificado de educadores: os mais novos ajudam os mais antigos na apropriação da tecnologia, enquanto os mais antigos auxiliam os mais novos com a experiência em sala de aula”, afirma.

Novas atitudes

As pesquisas em andamento na Lantec centram-se na função do professor frente à inclusão das tecnologias em sala, e o primeiro ponto é o entendimento de que as atitudes de uma década atrás não são mais condizentes com o novo perfil de educador. O aluno mudou, e a escola precisa acompanhá-lo. A geração atual já está educada para participar, interagir, compartilhar.

A lousa digital, como exemplifica Sérgio Ferreira do Amaral, não é uma versão da lousa branca; ela é muito mais do que isso e exige uma mudança de postura do professor, assim como o tablet não é uma nova versão do caderno, mas uma ferramenta de ensino com muitos potenciais, embora exija uma didática específica. “Estamos preocupados em estudar a metodologia da incorporação da tecnologia, da didática do professor em sala, e é necessário que ele tenha consciência dessa mudança”, observa.

O Professor da Era Digital Para o diretor do Lantec, Sérgio Ferreira do Amaral, o perfil hoje desejado para o professor inclui novas competências e habilidades, como a capacidade de trazer a realidade que o aluno vive fora da sala de aula para dentro da escola. Trata-se de um profissional que se comunica melhor, que está nas redes sociais, que interage com o alunado, que planeja as aulas com a participação deles, sem receio de aceitar as sugestões de melhoria, e que sempre pensa em como se pode aprender mais e melhor. Contudo, a maioria dos professores está distante desse perfil. Sérgio Amaral acredita que o distanciamento didático-tecnológico não é fruto da resistência do educador: “Trata-se muito mais de desconhecimento e falta de experiência com o novo modelo do que de pouca vontade para melhorar”, avalia. É preciso, então, capacitá-lo e incentivá-lo a promover novas aulas, sempre em consonância com os conceitos de coautoria professor-aluno, colaboração de todos e interação para tornar a aula um instrumento vivo. Para o diretor, não importa qual seja o equipamento, mas sim a postura que se tenha diante da sua utilização: “Assim, o educador estará preparado não apenas para o tablet, mas para a tecnologia que vier a seguir”. Nos cursos e pesquisas realizados pelo laboratório com professores, são levantadas duas questões relativas à postura em sala. “Mostramos que há um ganho direto em fazer bom uso da tecnologia. O jovem também se desenvolve, tem vontade de

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aprender”, exemplifica Amaral. Ele frisa que todas as profissões estão mudando e que cada profissional deve acompanhar a sua área. “Enfatizamos a importância da tomada de consciência do professor para que ele tenha vontade de fazer essa transformação, já que essa motivação em sala de aula é um ganho”.

O coordenador do Lantec observa que há uma enorme cobrança por parte da sociedade quanto ao uso das novas tecnologias, mas pouco se faz em termos de capacitação docente. A maioria dos professores tem computador em casa; porém, quando são perguntados se fazem uso do equipamento em sala, apenas 5% dizem que sim. “O professor não dispõe da metodologia para integrar o equipamento ao currículo como uma ferramenta. Ele precisa buscar novos conhecimentos”, alerta Sérgio Amaral.

Desnível A coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação, Matemática e Tecnologia (EDUMATEC) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Patrícia Smith, fala da dificuldade de tratar linearmente o uso da tecnologia nas escolas brasileiras devido ao desnível de condições de estudo, ao acesso à tecnologia e a propostas pedagógicas adequadas. Ela classifica a atuação das escolas em três níveis: a vertente da inclusão digital, o componente motivacional e a utilização pedagógica da tecnologia. O primeiro nível abrange as escolas, públicas em sua maioria, nas quais os laptops e tablets são usados em um primeiro momento apenas como inclusão digital e social. “Nesse caso, mesmo que o aluno não esteja realizando uma atividade curricular, ele está apropriando-se da tecnologia, o que lhe dará uma habilidade social no uso dos equipamentos, como aprender a fazer uma busca, uma pesquisa, a ter intimidade com os dispositivos”.

O segundo nível é a capacidade de planejar. “É quando a escola consegue fazer um planejamento das atividades, pensar avaliações em que esses equipamentos sejam o diferencial”, explica. A resultante mais evidente é a motivacional. O uso dos produtos tecnológicos contemporâneos faz com que o aluno esteja mais disposto a aprender. Ele vai à escola estando motivado pelo uso dos equipamentos. O terceiro nível consiste em vincular o aparelho aos conteúdos curriculares, valores e atitudes da escola. Nesse âmbito, salienta Patrícia Smith, identifica-se um dos pilares da cibercultura: a inversão da lógica de ensinar, em que não apenas o professor é produtor das atividades, mas também o aluno ocupa esse espaço: “Nas redes sociais, a criança e o jovem hoje são produtores de textos, fotos, desenhos, comentários. O aluno vai para a escola como autor e sente-se mais incentivado a aprender”.

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Outro princípio da cibercultura que também é mobilizado é o da colaboração e cooperação. Os alunos trabalham juntos na resolução de problemas, na construção de um texto ou de qualquer forma de conhecimento. “Essa nova geração aprende colaborando, cada um trazendo uma solução para o problema, e essas habilidades podem ser trabalhadas a partir das novas tecnologias”, destaca.

Convergência e coexistência

Quando a tecnologia é integrada ao planejamento escolar, à proposta pedagógica e curricular, não importa se o equipamento do momento é um tablet, um celular ou uma caneta tradutora: ele será utilizado como mais uma ferramenta de ensino, tão importante quanto o livro, o caderno, o bloquinho de anotação, etc. “É um erro pensar que as ferramentas são exclusivas. Todas podem e devem conviver”, ressalta Patrícia Smith. Quando a tecnologia interage de forma harmônica, a escola acaba aproximando-se da sociedade. “Isso gera uma renovação na escola como um todo, pois ela se aproxima do que acontece fora dela”, diz ela.

A coordenadora do departamento de Tecnologia Educacional do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo (SP), Valdenice Minatel, compartilha dessa mesma opinião. “Não é porque um novo equipamento surge que os demais deixam de existir”. Ela acredita que estamos vivendo um modelo de convergência e de coexistência: “A utilização do papel, por exemplo, não acaba com o computador, porque eles convivem. É preciso fazer os dois mundos coexistirem”.

No Colégio Dante Alighieri, os alunos do ensino fundamental elaboram projetos disciplinares com notebooks e realizam trabalhos com os tablets sempre que há demanda, sendo feito o agendamento dos equipamentos. Eles também têm sua à disposição a lousa digital e um ambiente virtual de aprendizagem, o Moodle. Apesar das novidades, a sala de informática ainda existe e é utilizada.

Valdenice Minatel é cautelosa ao falar de qualidade associada à tecnologia. “É preciso entender que a tecnologia em si não é nada. Se a escola e o professor não sabem utilizá-la, a tecnologia só potencializa o péssimo”. O grande desafio, alerta a coordenadora, é descobrir como lidar com as novas ferramentas da maneira mais pedagógica possível a fim de contribuir com a construção do conhecimento. Para ela, cada ferramenta pedagógica tem uma função, o que torna vital o planejamento pedagógico e a construção de um currículo que comporte a multiplicidade de mídias e formas de acesso (convergência) e a utilização das diversas ferramentas e ensino, cada uma no momento adequado (coexistência).

Tecnologia a Serviço do Texto A aluna do 7º ano Heloísa Cavalcanti, do Colégio Motivo, em Recife (PE), está entusiasmada com o exercício da aula de português em que todos os alunos escrevem e interagem no blog criado especificamente para a turma. “É legal porque você pode se expressar e falar o que pensa”. A professora Liliane Lopes alia o tema da construção de texto argumentativo ao blog, dando oportunidade para que as melhores construções sejam divulgadas na internet e

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comentadas pelos demais alunos. “Muitas vezes, os comentários trazem novos argumentos e os colegas vão descobrindo outras possibilidades. Temos comentários de pessoas que nem são da escola”, destaca. Já as aulas de produção textual do 9º ano adotaram as redes sociais como auxílio à construção de textos. O professor da disciplina, Victor Bispo, criou o projeto Twitter Microconto, que gira em torno do fazer textual através da prática da escrita. A partir da leitura de um livro, os alunos desenvolvem contos de mistério ou sobre outro tema que seja abordado no mês através do Twitter. “O processo fica bem amarrado, pois participo da rede e também interajo com eles”, explica o professor. O projeto da disciplina exige a escrita completa e impõe outras regras: proibição do uso de gírias e abreviações, foco no tema e incorporação dos dois preceitos de coesão, ou seja, a clareza e a objetividade. Além das redes sociais, os alunos usam cadernos e livros. A consolidação dos trabalhos — a redação dos contos — é feita em sala de aula, com a utilização de um notebook.

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Fotos: Divulgação