Osni Ferrari - A Hospitalidade de Um Homem Simples

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  • A hospitalidade de um homem simples

    Por Osni Ferrari

    bordo de um gigantesco e desconfortvel avio russo, pousamos no Aeroporto Jose Mart, em Havana. Era outono no hemisfrio norte, alguns meses aps o reatamento diplomtico entre o Brasil e Cuba, depois de pouco mais de duas dcadas de fruto proibido, imposto pelos Estados Unidos e adotado pelas naes amigas a partir de sua mal sucedida e humilhante invaso Baia dos Porcos. Ainda no Aeroporto, mediante a apresentao de nosso passaporte, obtivemos uma credencial que nos permitia percorrer todo pas, sem nenhuma restrio de lugar e hora. Esta credencial dispensava a anotao do visto em nosso passaporte, anotao esta que sujaria este documento, uma vez que teramos problemas futuros para obter permisso para entrar nos Estados Unidos. De posse desta credencial, ao contrrio dos demais companheiros que, seduzidos pelas belezas tropicais, preferiram desfrutar o sol e as guas calientes do Caribe, procurei conhecer o povo e os programas do governo socialista de Fidel Castro Ruz, principalmente nas reas da Educao e da Sade. Samos de Havana para o interior, rumo provncia de Matanzas, no litoral norte da ilha. Durante a viagem, feita em um nibus de fabricao brasileira, foi possvel ver que o pas estava sucateado. Nos primeiros quilmetros, ainda na periferia de Havana, a rodovia tinha pistas muito largas, planas e retas. Este fato nos chamou a ateno, mas logo percebemos que aquilo poderia ser alternativa para uma possvel emergncia. As pistas poderiam facilmente ser transformadas em um aeroporto. Ao longo da viagem, amos encontrando grandes aglomeraes de trabalhadores que aguardavam pelo transporte coletivo. Todo veculo era retido por um policial que organizava a lotao, ocupando todo e qualquer lugar disponvel e depois liberava para a partida. Eram veculos militares, motos, caminhes da indstria canavieira, carros muito antigos, tratores, carroas, enfim, tudo era aproveitado no transporte da massa trabalhadora. Outra coisa que nos chamou a ateno que todos os veculos andavam em baixa velocidade, embora no houvesse placas regulamentando o limite. Logo ficamos sabendo que o permitido nas estradas era 60 Km/h, medida esta adotada recentemente porque o governo, com dificuldades para obteno do petrleo, estava incentivando o uso da bicicleta, vendendo ao trabalhador, por um preo simblico, cerca de duas milhes adquiridas da China e montadas na prpria Ilha. Passamos por Matanzas, capital da provncia de mesmo nome, assim chamada devido ao grande extermnio de ndios, ocorrido neste local, nos tempos dos conquistadores. Matanzas uma cidade to mal conservada que parece ser uma runa, embora d mostras de uma arquitetura maravilhosa. Seu teatro, muito antigo, tem a melhor acstica que se conhece. A explicao para o fato, sua construo sobre um rio, criando tambm por fora, uma verdadeira caixa acstica. uma cidade porturia que recebe navios de grande calado, pois o mar, tanto no canal de entrada como na rea de atracamento muito profundo. Pouco mais adiante, chegamos a Varadero, uma espcie de Guaruj Caribenho. Nesta cidade, permanecemos cinco dias e pudemos entrar em contato com o povo cubano, sua cultura, seus pensamentos, seus problemas e seus sonhos. Fizemos muitas amizades, ganhamos muitos presentes, coisas muito simples como uma pequena concha encontrada na areia da praia, uma pedra colorida, uma frase escrita em uma folha de caderno e at mesmo o canto de alguma msica brasileira como por exemplo a Chica de Ipanema que eles tanto conhecem e adoram. Nas prximas linhas, tentarei descrever fatos que vivi, amizades que fiz e procuro mant-las, as dificuldades econmicas e a luta desse povo que nasceu sob o signo do sofrimento e mesmo assim consegue ser to musical, hospitaleiro e amigo. Lembro-me das amizades que fiz naquele pas, Felix Gonzales Cruz, um negro muito simptico, cortador de cana, morador da cidade de Matanzas. Este homem simples e humilde pediu-me para deixar registrado em minha filmadora, uma mensagem para os brasileiros, onde dizia que podemos contar com ele, como um amigo em Cuba. Lembro-me tambm de Jose Reyes Nogueira, morador de Havana que trabalhava como cantante en la noche de Varadero. Durante toda uma tarde, na casa de um senhor de nome Osbardo, tambm de cor, cantou msicas brasileiras, um repertrio to selecionado da mais fina qualidade do nosso cancioneiro. Eu, na verdade estava muito interessado em conhecer um pouco mais da msica cubana mas, diante de tanta amabilidade com que estava sendo tratado pelo cantante, pela famlia do Seu Osbardo e pelos seus vizinhos, procurei apenas vibrar e confesso que me emocionei com tudo o que estava acontecendo. L, entre um Run e outro, bebida alcolica muito popular no pas, da mesma forma que a cachaa para ns, ficamos at o final da tarde, em meio s msicas e conversas sobre a histria do pas, a guerra da independncia ocorrida no final do sculo passado e iniciada pelo pensador e poeta mximo da literatura cubana, Jose Marti, autor de poesias belssimas e da letra da msica cubana mais popular no mundo, Guantanamera que inicialmente era apenas uma poesia mas que h quase 50 anos foi musicada. Ouvi eles contarem coisas de Ernesto Che Guevara, Camilo Cinfuego e Fidel, los trs comandantes de la revolucin. Falaram-me de Abel Santamaria, um revolucionrio que foi torturado pelo regime anterior, a ponto de arrancarem seus olhos e hoje ter o seu nome dado a um hospital oftalmolgico de Cuba. Falaram-me tambm do ataque fortaleza de Moncada, em 26 de julho de 1.953. Manuel Vasques Som, o Manolo, outro cubano que trabalha nos canaviais da ilha, que sempre vinha conversar comigo e me presenteou com uma concha que encontrou na areia da praia, para que eu guardasse como recuerdo do amigo que deixaria l. Giraldo Larronde, um cubano que trabalha na rea do turismo, quando o conheci estava afastado para tratamento mdico devido a um problema na vista, tornou-se o meu grande amigo cubano. Toda vez que encontra um brasileiro em Cuba, pede para postar uma carta para

  • mim aqui no Brasil. Quando em Cuba, Giraldo levou-me para todos os cantos e lugares que eu estava procurando conhecer. Estive em escolas, farmcias, hospitais, igrejas, terreiro de Umbanda onde ele toma seus passes, sede do Partido Comunista, livrarias, Centros Culturais, Mercado Popular, casa de seus amigos, casa de um dirigente do C.D.R.(Comit de Defesa da Revoluo) e tantos outros lugares de menor importncia. As conversas e convivncia com estas pessoas, as visitas s casas muito humildes, quase barracos de favela, e tudo o que pude ver, sentir, fotografar e filmar, deram-me uma boa noo do que o pas. Para tantas pessoas que me perguntam como o ensino, a sade, se h ou no liberdade naquele pas, se verdade que l um paraso, curiosidades estas que eu tambm sempre tive e hoje me resta apenas saudade dos dias em que l permaneci, procurarei dizer nas prximas linhas:

    A) UM POUCO DA HISTRIA DE CUBA A ocupao para colonizao da ilha comeou a partir de 1511. Nessa poca, Cuba era habitada pelos tanos, guanaguatebeyes e siboneis, trs grupos indgenas que imediatamente foram escravizados pelos espanhis, iniciando assim o seu extermnio. Em pouco tempo, esses grupos pr-colombianos desapareceram de Cuba praticamente sem deixar vestgios na populao que a partir de ento se formou. Sem os ndios e com a agricultura em expanso, principalmente a cana de acar, os espanhis passaram a levar escravos negros para esse trabalho. Os negros, embora em menor intensidade que em outros pases do Caribe de colonizao espanhola, contriburam significativamente na formao do povo cubano. Hoje em Cuba a populao predominantemente branca (70%), seguido de mulatos (18%) e negros (12%), alm de uma insignificante minoria de descendentes de imigrantes asiticos. A independncia cubana, uma das ltimas a acontecer em nosso continente, ocorreu apenas em 1898. A luta pela independncia foi muito sofrida. Teve na liderana do grande heri da ptria, o poeta e pensador Jose Mart, morto em combate, uma contribuio decisiva nessa luta. Por receber ajuda norte-americana para esse conflito, Cuba foi subordinada economicamente aos Estados Unidos que, segundo e emenda Platt de 1902, podiam intervir poltica e militarmente na ilha quando bem entendessem. Penalizada por essa subordinao, o pas passou a apresentar um elevado ndice de analfabetismo, subnutrio, desemprego, doenas, mortalidade infantil e pobreza absoluta, ao lado da opulncia da minoria excessivamente rica. Toda manifestao de insatisfao era dizimada pela interveno de tropas yankees ou pelos ditadores mantidos pelo apoio destas tropas. Fulgncio Batista foi o ditador mais famoso, que direta ou indiretamente governou a ilha, sempre de acordo com os interesses norte-americanos de 1933 at 1959, quando foi deposto pela revoluo liderada por Fidel Castro Ruz. As tentativas de tomada de poder por parte de Fidel, iniciaram efetivamente em 1953. Neste ano, mais precisamente em 26 de julho, a fortaleza de Moncada que estava protegida por 1000 homens do exercito de Batista, foi atacada por 150 homens liderados por Fidel Castro. Dos 150, apenas 30 sobreviveram mas foram presos e condenados a penas que variavam entre 15 e 19 anos. No resistindo a presses internacionais, greves e o nmero crescente de sabotagens, Batista liberou os sobreviventes de Moncada. Fidel e seus companheiros foram para o Mxico e l reorganizaram-se e prepararam-se para invadir Cuba. Em novembro de 1956, partiram do porto de Tuxpan, a bordo de um barco chamado Gramna, barco este que hoje est exposto ao pblico, protegido por uma grande caixa de vidro, em uma praa na cidade de Havana. Eram 82 pessoas que pretendiam tomar Manzanilla, na parte ocidental de Cuba porm, uma tempestade os surpreendeu, perderam o rumo e foram parar em uma praia distante do local anteriormente planejado. Neste local foram atacados por avies de Batista. Sobreviveram apenas 12 homens entre eles Fidel Castro, o argentino Ernesto Che Guevara, Raul Castro e Camilo Cinfuego, cubano que trabalhava como garo na Califrnia. Estes 12 sobreviventes se esconderam na Sierra Maestra, e de l desciam para atacar alvos isolados. Montaram uma rdio e um pequeno hospital onde davam assistncia mdica aos camponeses. A notcia dos guerrilheiros que lutavam pelo povo foi se espalhando e com isso a todo momento recebiam adeso de novos voluntrios. A luta foi aumentando e um ano depois a guerrilha j controlava toda Provncia de Oriente. Partindo da espalharam-se por todos os cantos e na virada do ano de 1958 para 1959, Batista fugiu para a Repblica Dominicana deixando caminho aberto para as tropas rebeldes entrarem em Havana, a capital do pas. Nesse ponto inicia-se uma nova pgina na histria desse pas.

    B) SITUAO ECONMICA DE CUBA.

    A revoluo que destituiu Fulgncio Batista, afastou tambm toda e qualquer ajuda dos Estados Unidos to precria e dependente economia da Ilha. Como se isso no bastasse, a partir de 1961, estabeleceram um bloqueio econmico, suspendendo a venda de manufaturados aos cubanos e a compra de todo e qualquer produto produzido na Ilha. Pressionaram diplomaticamente todos os outros pases a romperem suas relaes comerciais com Cuba, deixando-os em uma situao desesperadora. Imaginem o que deve ser para um pas que produz basicamente charutos, acar e rum, se ver sem por exemplo, medicamentos. Foi diante desta difcil situao que os cubanos, como nica sada, buscaram um poderoso aliado, a Unio Sovitica que na verdade tinha muito interesse em auxiliar tanto economicamente como militarmente aos cubanos, em troca de se posicionarem estrategicamente a pouco mais de 100 (cem) Km dos Estados Unidos. Mesmo com essa ajuda que, alm das vantagens comerciais e garantia no fornecimento do petrleo a um preo inferior ao do mercado mundial e a compra de tudo o que os cubanos produzissem, os soviticos doavam aos cubanos, a ttulo de fundo perdido, alguns bilhes de dlares por ano, para uma populao de 10.500.000 de habitantes. Calcula-se que o apoio Cuba, entre uma vantagem e outra, custava aos soviticos, algo no inferior a 10 (dez) milhes de dlares por dia.

  • Todo esse paternalismo, deu aos cubanos um certo comodismo a ponto de no se preocuparem com as pesquisas para aumento da produo de seu prprio petrleo e muito menos em modernizar a sua secular indstria de acar, de rum ou de charutos. Com isso, seu parque industrial foi sucateado a ponto de em nosso primeiro contato com esse acar, feito com cana que devido s condies locais (solo, temperatura e umidade) teria tudo para ser o melhor acar do mundo, apresenta uma infinidade de gros totalmente pretos, procedentes provavelmente da queima da cana ainda no campo. Com a perestroika e a quebra da Unio Sovitica, chegou ao fim todo esse barato. O pas entrou numa crise sem precedentes e nesse ambiente que l estivemos e pudemos ver muito do que restou dessa poca de ouro. C) O SISTEMA EDUCACIONAL CUBANO.

    Os contatos com o povo cubano, por si s, j nos mostra que o seu sistema educacional est a pelo menos a alguns anos-luz na nossa frente. Eu, sendo um brasileiro com curso superior em uma das Universidades mais respeitadas da Amrica Latina, a USP, me senti to pequeno quando, conversando com uma pessoa muito simples e humilde, que vendo a minha dificuldade em me comunicar em espanhol, disse-me que se eu preferisse, poderamos conversar em alguma outra lngua como o ingls, francs ou italiano e mais, isso no um caso isolado pois todas as pessoas com menos de 30 anos sabem perfeitamente trs lnguas. O meu amigo Giraldo por exemplo, sabe nada mais, nada menos que 6(seis) idiomas, inclusive o portugus, lngua esta que aprendeu quando esteve com o exrcito de seu pas em Angola. Giraldo fala o portugus de Portugal e seu sonho aprender o que se fala no Brasil, pois atravs de nossas msicas que ele tanto adora, soube notar a diferena e sentir que o nosso muito mais bonito. Esse amigo Giraldo, que me levou para conhecer tudo o que eu quisesse na sua amada Cuba, colocou-me em contato com uma escola. Conhecer a escola desse pas, era uma das coisas que eu tinha muito interesse, pois grande parte de meus amigos esto ligados essa nobre misso. Ver alguma novidade e entregar-lhes o recado, seria muito interessante mas, desde o momento em que vi uma sala de aula, senti que esse recado seria grande demais. Vejam como tudo era diferente, o quadro negro por exemplo era espelhado, para que o professor, quando de costas para a classe, pudesse ver e acompanhar os seus alunos. mole? Um amigo, professor de Matemtica em Campinas foi visitar uma escola rural e l permaneceu uma tarde toda. Ficou encantado com tudo que viu, as classes, o laboratrio, o nvel dos professores, o interesse das crianas. Na biblioteca encontrou uma coleo completa de livros clssicos brasileiros. Quando perguntou se l havia evaso escolar, os professores cubanos custaram acreditar que em algum lugar as crianas abandonam uma escola. Essa visita encantou o mestre e vejam bem, tratava-se apenas de uma escola rural. O que vou dizer sobre a educao nas prximas linhas, so frutos do que vi e conversei com pessoas dentro de estabelecimentos de ensino e algumas coisas que acabei lendo, uma vez que seria impossvel armazenar na caixola tantas informaes. A pouco mais de 30 (trinta) anos, 37,5% da populao era analfabeta e a grande maioria do restante mal sabia escrever alguma coisa alm do nome. Os investimentos na rea educacional nessa poca era de 79,4 milhes de pesos. Em 1985, com um incremento de 2000%, os investimentos nesse setor, somavam 1,7 bilhes de pesos. Dados de 1979, indicam que Cuba gastava 130 dlares anuais por habitante em educao enquanto que outros pases latino-americanos no passavam de 73 dlares anuais. O sistema educacional cubano, procurando atender toda populao em toda faixa etria, est dividido em vrios subsistemas: # Educao Pr-Escolar Este subsistema compreende os crculos infantis e os jardins da infncia, para crianas de at 4 anos.

    # Educao Geral Politcnica e Laboral. Este est dividido em trs: a) Grau pr-escolar - para crianas de 5 anos. b) Educao primria - de primeira at a sexta srie. c) Educao geral mdia, subdividida em: c1) Secundria bsica ( 7, 8 e 9 sries). c2) pr-universitrio ( 10, 11 e 12 sries)

    # Educao tcnica e profissional. Esta tem por objetivo formar profissionais de nvel mdio nas mais diversas carreiras. equivalente ao pr- universitrio.

    # Formao e aperfeioamento de pessoal pedaggico. Este visa formar professores para as escolas primrias, secundrias e superiores, e mais, professores de educao especial, bibliotecrios e professores para educao infantil.

    # Educao Superior. Visa a formao de profissionais de alto nvel e realizao de pesquisas que atendam aos vrios setores da vida do pas. Esse subsistema oferece cursos regulares diurnos, cursos para trabalhadores que desejam elevar seu nvel escolar e tcnico, alm de cursos livres, sem freqncia obrigatria, a no ser nos grupos de estudos e dias das provas.

  • # Educao Especial. Este destinado aos deficientes visuais, auditivos, etc.

    # Educao de Adultos. Este tem como funo principal a educao de operrios e camponeses em todos os nveis.

    Outra coisa interessante que, para administrar a educao, existem dois Ministrios: o Ministrio da Educao e o Ministrio da Educao Superior e tem mais, as faculdades de medicina esto vinculadas ao Ministrio da Sade Pblica, o que implica em um currculum de contedo voltado s reais necessidades do povo. Esse sistema certamente vitorioso na Ilha. Em 1959 existia 37,5% de analfabetos e hoje esse percentual foi reduzido a zero. O jovem s pode trabalhar a partir de 16 anos para que antes disso, possa se dedicar integralmente aos estudos. Quanto aos livros didticos, existe apenas um para cada disciplina e seu uso obrigatrio em todo pas. Freqncia s aulas obrigatria e at os 12 anos, o perodo integral. Quanto aos movimentos culturais, o pas todo est repleto de teatros, centros culturais e museus. Na cidade de Havana, tive oportunidade de visitar o Museu do Automvel, onde os exemplares mais novos so dois automveis da marca Ford, ano 1962, que pertenceram, um ao grande heri popular, Ernesto Che Guevara e outro ao comandante Camilo Cinfuego. Vi tambm o Museu Nacional, onde se pode ver muitos objetos, armas e esttuas que contam a histria de Cuba. Em um ptio interno ao edifcio secular que abriga este museu, assisti a um maravilhoso espetculo de msica lrica onde a platia, basicamente composta de trabalhadores das usinas canavieiras, assistiam a tudo no mais absoluto silncio. O mais curioso o museu da revoluo, montado em uma Praa. L esto expostos o barco Gramna, utilizado pelos 82 homens que partindo do Mxico, invadiram Cuba em novembro de 1956, alguns caminhes, dois pequenos avies e os equipamentos da rdio clandestina que foi instalada na Sierra Maestra para que Fidel se dirigisse ao povo, em discursos que duravam quase que o dia todo. Ainda em Havana, em quase todas as praas existem grupos musicais que fazem um show permanente. Nos grandes Centros Comerciais, destinados aos turistas, existe sempre um msico que com um piano toca msicas clssicas. No Aeroporto, um conjunto musical da melhor qualidade, se apresenta todos os dias.

    D) SADE PBLICA.

    O amigo Giraldo estava to disponvel, me acompanhando por todos os cantos, porque estava afastado de seu trabalho devido estar com problemas na viso. Nessa poca o pas j passava se encontrava com muitas dificuldades econmicas e quase 20% da populao estava enfrentando problemas de cegueira. Os mdicos constataram que esse fato era devido a falta de protena animal. Giraldo tambm estava enfrentando essa barra e, enquanto em tratamento estava dispensado do trabalho, na rea do turismo. Acompanhei Giraldo em seu retorno ao mdico e fiquei sabendo que o pas conta com um mdico para cada duzentos e quarenta habitantes e o mesmo ou muito prximo disso, ocorre tambm com os dentistas. Todo cubano tem que ir fazer reviso mdica, uma vez a cada trs meses. Tanto o mdico como o dentista tem a ficha de cada um de seus duzentos e tantos clientes e se algum no comparecer nesse perodo, seu assistente vai at a casa do fregus para saber o porque da ausncia. A freqncia ao mdico e ao dentista portanto obrigatria, mesmo que a pessoa esteja gozando da mais perfeita sade. Visitei e filmei uma farmcia. algo muito diferente das nossas pois o nmero de medicamentos infinitamente menor. Existe apenas um remdio para cada tipo de doena. Os remdios lquidos so acondicionados em pequenos frascos, rotulados com etiquetas brancas levando o nome impresso ou datilografado e no tem caixas. Todos os medicamentos, muitos deles preparados na prpria farmcia, so fornecidos gratuitamente, mediante apresentao da receita. Eu mesmo tinha uma encomenda feita por um amigo que trabalha comigo em So Paulo. Ele queria que eu lhe trouxesse remdio para vitiligo que, como sabemos s possvel encontrar em Cuba. No consegui por falta da receita e mesmo que fizesse uma consulta mdica no seria possvel obter o medicamento pois no sou eu quem tem o problema a ser diagnosticado.

    E) E A LIBERDADE ?

    Em um certo momento, quando na rua, filmava o vai e vem de carros, quase todos muito antigos e com ano de fabricao anterior ao da revoluo, percebi que uma pessoa parou sua bicicleta muito prximo do lugar onde eu estava. Parei de filmar, olhei para a pessoa e me esquecendo que estava em Cuba, imaginei que seria assaltado. Engano meu, a pessoa s queria conversar e saber de onde eu era e como era a minha terra. Depois de trocar algumas palavras, perguntei se estava feliz em Cuba. A pessoa pensou um pouco, olhou para uma casa do outro lado da rua, passou a mo no rosto como quem quer se referir a alguma pessoa barbuda e movimentou a cabea transmitindo-me o gesto de quem quer dizer no. Perguntei ento porque todo esse cuidado para dizer no. Outra vez, respondendo por gestos, com uma mo pegou firme no pulso do outro brao como quem quer dizer eles me prendem. Foi a primeira pessoa que se manifestou contraria ao regime mas, depois desta, muitas outras me transmitiram o mesmo. Dias depois de minha volta ao Brasil, assistindo a um Globo Reprter, diziam que a primeira vista, no existe oposio ao regime mas, depois dos primeiros contatos, percebe-se que poucos esto de acordo e quase todos pensam em se mandar da Ilha. Nesse encontro com a pessoa da bicicleta, o fato de ter olhado para a casa do outro lado da rua me deixou

  • muito curioso. claro que eu s poderia pensar que l deveria morar uma pessoa ligada ao regime e no confivel por quem no joga no mesmo time. Foi dito e feito. Logo encontrei o Giraldo e ele me levou para conhecer o pessoal daquela casa. Ficamos conversando com o morador que me dizia ter um filho no exrcito. Notei que na parede da casa tinha uma pequena placa onde estava escrito C.D.R. Logo que samos, perguntei ao Giraldo o que quer dizer C.D.R. e ele me disse: Voc no sabe? Est ligado revoluo. Pouco depois, estava sabendo que C.D.R. quer dizer Comit de Defesa da Revoluo e foi criado em 1959 pelo governo como um instrumento de participao popular. Nele se baseou todo trabalho de reconstruo da sociedade com correo das injustias e ao mesmo tempo a prevenso contra uma possvel invaso do pas por tropas interessadas em derrubar o regime. Este instrumento atua nas fbricas, escolas e principalmente nas unidades territoriais (fazendas, bairros e quarteires) e teve participao decisiva em 1961, quando da tentativa de invaso militar de Cuba pelos anticastristas financiados e treinados pelos americanos. Alm de auxiliares das foras militares, os C.D.Rs. deviam ser tambm rgos de consulta e participao do povo nas decises polticas. Ocorre porm que estes comits acabaram na prtica por confundir a funo oficial de vigiar o inimigo externo e interno e passaram a bisbilhotar a vida alheia, com delaes e a criao de insegurana entre a populao, a ponto de o termo cederista ter virado sinnimo de dedo duro. O C.D.R. tem uma organizao muito interessante: alm de seu esquema dentro das fbricas, tem tambm um representante em cada quarteiro. Cada 10 (dez) representantes, tem um supervisor e estes por sua vez tambm tem o seu, formando assim uma grande pirmide que controla at a respirao da populao.

    F) OS PRIVILEGIADOS DO REGIME.

    Embora a proposta aparentemente seja de um regime de igualdades, muito fcil notar que no pequeno o nmero de privilegiados. Cerca de 10% da populao filiada ao Partido Comunista, nico no pas. Estes possuem maiores direitos e tem mais facilidade de acesso a bons cargos, na distribuio de alimentos e na compra de bens a preos simblicos. Outra classe privilegiada a dos burocratas que por terem acesso ao money oriundo de las tiendas que controlam, contabilizam e encaminham para o Estado, vivem de maneira visivelmente melhor que o povo. Por a pode-se ver que esse controle que deveria ser para os cofres centrais na verdade o so pero no mucho. As pessoas que trabalham na rea do turismo, por terem chance de receber as to desejadas gorjetas em dlar, se destacam um pouco mais e respiram melhor diante das imensas dificuldades. Lembro-me do desespero de Jlio, um jovem que tentou nos vender uma viajem para Cayo Largo, linda ilha em mar cristalino, situada no litoral Sul. Jlio no forneceu os recibos para comprovar a venda das passagens e devido a isso ia perder sua funo no turismo. Lus, responsvel pelo atendimento aos turistas disse-me que Jlio deveria voltar para o corte da cana-de-aucar.

    G) PARA OS TURITAS TUDO.

    Em Cuba existe lojas de turismo exclusivas para os estrangeiro onde s se pode gastar em dlares ou em uma moeda exclusiva chamada INTUR. O valor dessa moeda para estrangeiros tem paridade com o dlar norte-americano e obtida mediante troca ainda no Aeroporto. Nestas lojas, chamadas tiendas, vendem produtos cubanos como o rum, charutos e artesanato, alm de produtos importados como perfumes, roupas e equipamentos eletrnicos. muito comum cubanos pedirem aos turistas para que lhes comprem alguns artigos nessas lojas. a nica oportunidade de acesso a bens ainda no inexistentes no mercado interno. Somente aqueles que possuem alguns dlares e isso s possvel para aqueles que tem parentes em Miami e que em suas correspondncias conseguem passar alguns dlares para os familiares que permaneceram na ilha ou para aqueles que conseguiram algum com os turistas como gorjeta ou obtido atravs da imensa prostituio que existe na Ilha. Quanto s melhores praias, os cubanos no podem freqent-las pois esto reservadas para os turistas. A cada cem metros, dois policiais, um munido de binculos, guardam e impedem o acesso dos donos da praia. O cubano s pode freqenta-las quando convidados por um turista. Nos hotis, existe shows todas as noites. Os cubanos, povo musical por excelncia e que do a vida por esses espetculos, no tem acesso permitido. S podem assistir se um turista permitir e nessa condio o dono da casa pode entrar em sua casa como convidado. Nos horrios destas apresentaes, a frente dos hotis ficam repletos de cubanos. Cada turista que passa, uma multido o cerca, pedindo para que os coloque para dentro, na rea interna do hotel, local onde normalmente os shows so apresentados. No pas, a televiso ainda em branco e preto mas nos hotis, os turistas tem T.V. colorida e atravs da antena parablica assistiam os programas de outras emissoras de fora da Ilha. Para o povo, todo tipo de energia est racionada, a eletricidade, produzida por termoelctricas e portanto consumidoras de petrleo, tinha um racionamento incrvel, em trs perodos de oito horas do dia, apenas um tinha eletricidade. Gasolina, para as poucas pessoas que possuem carros, s era permitido o consumo de 15 (quinze) litros por ms e, mais que isso, s no mercado negro. Para os turistas que alugam carros modernos, de fabricao japonesa ou europia, inclusive Mercedes, existe gasolina a vontade. O preo de US$ 1,00 por litro. O Giraldo me apresentou a um turista canadense que todo ano vem passar as frias em Cuba. Esse turista de Montreal que sabe arranhar um pouco de espanhol devido a tantas viagens que fez, disse-me que sempre vem Cuba devido prostituio que corre solta por aqueles lados, a ponto de ser comum um pai vir oferecer a filha de 12 ou 13 anos ao turista. E o pior de tudo que pelo mesmo motivo esse infeliz me disse que tambm

  • conhece Recife. H) O POVO VIVE UMA SITUAO DE PENRIA.

    Em Cuba existem seis salrios, o mnimo de 172 pesos, equivalente a pouco menos de US$ 2,00 (dois dlares), ou ento dizendo em moeda nacional, o mnimo cubano pouco inferior a R$ 1,80 (um real e oitenta centavos) e isso mesmo, no erro de imprensa no, o mnimo de 168 pesos e na poca, para comprar um dolar no mercado negro eram necessrios 92 pesos. Os demais salrios so pouco inferiores a 4, 6, 8, 10 e 12 dlares. Um mdico ganha seis dlares. Diante desse incompreensvel salrio, muitas pessoas j me fizeram a mesma pergunta: E como vivem? Acontece que por no pagarem impostos, escola, mdico, remdios, moradia, transportes e outras necessidades bsicas, cabe s famlias cubanas o uso deste salrio para comprar os alimentos e por pouco mais de US$ 1,00 (um dlar), compram uma cesta bsica a preo subsidiado. A distribuio desta cesta controlada pela apresentao de uma caderneta onde cada pgina corresponde sacola do ms que carimbada no ato da entrega. Creio que nos bons tempos do dinheiro sovitico, essa cesta era farta e a prova disso que Cuba tinha e ainda tem excelente participao nos jogos olmpicos e pan-americanos o que prova a boa sade do povo e isso sem contar com o baixssimo ndice de mortalidade infantil. Hoje, a cesta bsica que todas as famlias tem direito de comprar, uma por ms, insuficiente para as necessidades mnimas das pessoas. Esta cesta contm, para toda famlia, dois quilos de arroz, meio quilo de feijo, um litro de leo a granel, dois quilos de acar, cinco ovos, pouco menos de um copo de sal, meio sabo (e meio mesmo pois so at cortados com uma faca) que deve ser utilizado para lavar os utenslios de cozinha, as roupas e para o banho. Recebem tambm um pequeno frasco de shampu, com volume semelhante a uma xcara de caf. No dia 24 de dezembro, recebem meio frango e no dia 25 de julho, vsperas do aniversrio da frustrada tentativa de tomada da fortaleza de Moncada, recebem mais meio frango. O leite s distribudo para as famlias que tem crianas com menos de um ano. Muitos me perguntam porque no fazem uma horta. Acontece que nesse regime, tudo pertence ao governo e as pessoas que a fizerem em seu quintal, devero fornecer toda produo para a composio da cesta bsica. Como o ideal socialista de h muito foi por gua abaixo, ningum faz mais do que obrigatrio. As habitaes, muito simples e pequenas, abrigam uma famlia e mais algumas pessoas que trabalham fora da cidade onde moram e no querendo viver nos alojamentos populares, se viram acomodando-se em casas de particulares, onde certamente pagam alguma coisa como se fosse uma penso. Fiquei conhecendo tambm um estudante de medicina que embora cubano, chama-se Jorg, nome sovitico, homenagem que seu pai, tambm mdico fez Unio Sovitica, onde esteve fazendo uma especializao. Esse jovem, no ltimo ano de medicina, filho de mdico, estava andando com um sapato que tinha um enorme furo na sola e no estava resistindo a temperatura daquele cho tropical, pediu-me ento para que, se pudesse, comprasse alguma coisa para calar. Fui a uma tienda, ele foi proibido de entrar por ser cubano, disse me apenas o nmero e ficou me esperando no lado de fora. Comprei-lhe um par de tnis, pelo qual, lembro-me, paguei US$ 18,00. Recordo-me tambm de Nria, a guia turstica, que nos acompanhou em Havana. Esta mulher de pouco mais de 30 anos nos disse que no lembra mais qual o sabor do leite e de outros alimentos que no constam da lista da cesta bsica. Quanto aos sapatos e roupa, a situao ainda mais crtica: cada cubano pode adquirir a preo subsidiado, um par de sapatos a cada dois anos, alm de uma cala, uma camisa e duas cuecas. Para o caso das mulheres tambm assim, a cada dois anos podem comprar um par de sapatos, um vestido ou cala comprida e uma blusa. No caso das roupas ntimas elas tem a mxima liberdade: podem escolher duas calinhas ou dois soutiens ou ento uma calcinha e um soutien. A nica forma legal de sair de Cuba atravs do casamento com um estrangeiro, desde que este, alm de pagar o transporte, indenize o governo por todos os gastos que este teve com a formao do ou da pretendida. Diante dessa chance de sada legal, impossvel um adulto, tanto homem como mulher, passar um dia naquele pas sem receber pelo menos um ou dois pedidos de casamento feitos por pessoas que no suportam mais tanto sofrimento. Conheo no Mxico, o caso de uma mulher que desta forma se casou com um cubano e depois de pagar ao governo da ilha, o dote pelo noivo, no conseguiu visto para que este fosse viver com ela em seu pas. E mais, esta mulher teve de ouvir de uma autoridade mexicana que se ela estava afim de tratar de um vagabundo, no Mxico existem muitos. I) ALGUMAS CURIOSIDADES.

    A organizao do povo para as coisas do dia a dia muito interessante. L existem filas para tudo e, aparentemente no h organizao pois para se tomar um nibus por exemplo, ningum se posiciona da maneira tradicional. Todos ficam espalhados conversando em pequenos grupinhos e quando o nibus chega, a fila se forma instantaneamente, sem problemas e sem aquela de um querer passar na frente do outro. O segredo de tudo isso que cada pessoa que chega diz assim: Lo ltimo, a ento a ltima pessoa que chegou diz: Soy yo. Quando o nibus chega, cada um se posiciona atrs do seu ltimo e em segundos a fila est formada. Todos entram, se sentam e a, o preo simblico da passagem comea a ser pago. O que est no ltimo banco passa o valor para o da frente que adiciona o seu, faz o seu prprio troco e vai passando para frente at o primeiro da frente que por sua vez coloca o dinheiro em uma caixa de madeira, tipo cofre de igreja. Quando um carro est andando pela ruas estreitas da parte velha da cidade de Havana, muito comum um cidado qualquer que est caminhando pela rua, em uma esquina, levantar o brao para o carro parar porque na rua transversal est vindo outro e pode haver uma coliso. Aps a passagem do outro, d sinal para o que

  • parou prossiga. L, por ser um pas socialista, no existe alguns produtos clssicos do capitalismo. assim que acontece com o chiclete de bola, produto esse que a crianada tem muita curiosidade, sabem que existe mas no imaginam como . Todo turista que encontram, pedem se tem chiclete. No meu caso, fui sabendo desse fato atravs de um amigo que l esteve quando representando a cidade de Campinas, participou de um congresso sobre educao. Levei uma caixa de chiclete e distribui para os amigos que fiz, para que levassem aos seus filhos. Sei que foi uma festa.

    J) OS JOVENS TEM MUITA CURIOSIDADE SOBRE O MUNDO , QUE NO PODEM VER.

    Na ltima noite que permaneci no interior daquele pas, estava no restaurante do hotel jantando e assistindo a um show de msicas e danas das ilhas do Caribe, quando o Ronaldo, um amigo de Vitria, Espirito Santo, me avisou que trs jovens estudantes cubanos me aguardavam na frente do hotel pois queriam falar comigo. Fui at eles e os convidei para entrar, jantar conosco e tambm assistir ao show, uma vez que eu como turista tinha este direito. O motivo que fez com que estes jovens nos procurasse, era a curiosidade que tinham em saber o que est acontecendo no mundo fora de Cuba e se acreditamos que existe alguma esperana para o seu pas. Depois de algumas horas de conversa, onde mais uma vez pude notar o alto nvel intelectual que a boa escola cubana transfere ao seu povo, disse a eles que a concluso que cheguei aps aqueles dias em que permaneci com eles que, pela posio geogrfica altamente favorvel, devido a proximidade que Cuba est do grande centro consumidor que os Estados Unidos, proximidade esta que at agora s lhes tem sido traumtica, e pelo preparo intelectual de seu povo, no dia em que houver a inevitvel abertura para o mundo , todas a potncias, principalmente as do Oriente, com certeza investiro na ilha, visando o inesgotvel mercado do vizinho do norte. S resta a eles no permitirem que essa abertura venha prejudicar as coisas boas que conseguiram com tanto sacrifcio, para favorecer interesses capitalistas. Disse tambm que Cuba tem muito a nos ensinar principalmente no campo da educao e sade pblica. Estes jovens tambm acreditam que esse o destino de seu pas e s resta saber at quando podero resistir os problemas que surgiram aps a quebra sovitica. K) A HORA DA VOLTA.

    No dia da volta, samos para Havana antes do sol nascer. O fato de partirmos to cedo est ligado mais a baixa velocidade que se pode andar pelas estradas, devido s bicicletas, que a distncia a percorrer. Mesmo saindo to cedo, l estava o amigo Giraldo para me dizer Adeus. Todos os brasileiros que estavam nessa viagem e no entendendo a hospitalidade desse homem to simples, diziam-me que com certeza ele iria me pedir algum por ter me acompanhado de maneira to amvel e voluntria por todos os cantos. Que nada, muito pior que isso, o Giraldo me pediu algo que eu no consegui resistir e confesso que no contive minhas lgrimas. O Giraldo pediu-me se eu podia lhe deixar a minha escova de dentes e o creme dental que tinha restado. Diante da impossibilidade de comprar uma escova nova naquele horrio, deixei-lhe algum dinheiro, minha escova e o creme dental. Logo que cheguei ao Brasil, fiz uma pequena compra dessas coisinhas e enviei para o amigo em Cuba. Passados duas ou trs semanas, recebi uma carta, postada com selo brasileiro e pelo carimbo vi que foi colocada na agncia do correio da Avenida Lus Carlos Berrini, em So Paulo. Era o Giraldo que tendo encontrado um turista brasileiro, pediu-lhe que colocasse essa carta para mim aqui do Brasil. Na carta dizia que sua famlia teria muito gosto em receber-me com minha famlia em sua casa, em Santa Clara, na parte central da ilha. E agora, com o agravamento ainda maior da insuportvel crise em que se encontra aquele pas, perdi o contato com o amigo. S tenho receio e peo a Deus para que no seja ele mais um dos inmeros balseiros tragados pelo mar do Caribe, nessa tentativa desesperada de escapar do sofrimento que esse povo bom e hospitaleiro est vivendo. No momento em que escrevia este artigo, senti aumentar ainda mais a saudade dos dias que passei nessa encantadora Ilha do Caribe. Foram dias que me marcaram muito e espero reviv-los na primeira oportunidade.