Osaber/conhecimentoprofissional na - ABEn...

2
ABEn out.nov.dez. 2003 19 M e m ó r i a A B E n Em relação à gênese e andança do saber/conhecimento profissional na Enfermagem Brasileira, cabe destaque ao fato de que, estando já a EEAN em seus novos assen- tamentos universitários (inserção na Universidade do Brasil), emergem com mais pregnância a influência dos resultados tangíveis à cultura . Influência que se manifes- ta – na dimensão da Enfermagem – com o demarcador da filosofia feminista e se reveste de significados na con- centração de temas sociais, relevantes à época. Estava em foco na ordem do dia a “questão da mulher” e na qual marca presença, nessa realidade, a Enfermagem Brasileira, conforme atesta a correspondência entre a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e a EEAN em favor do desarmamento universal e de outras iniciati- vas de interesse da mulher na sociedade (CEDOC/ EEAN, Doc. 30 CX 39 Ano 1931). Contrariando os temores de Bertha L. Pullen e gra- ças aos esforços das enfermeiras pioneiras, em seu novo assentamento, a Escola de Enfermagem Anna Nery passa a constituir-se em instituição de ensino no sistema universitário. Pode-se dizer, alcança mais proeminência e se investe de concentração em temas sociais, relevantes à época. Era o tempo de luta da “mulher” e a Enferma- gem marca sua presença ao ingressar na Universidade do Brasil com o curso de Enfermagem, e nele, a presença de alunas, domínio absoluto de mulheres, ao lado da nova incumbência de ministrar o Curso de Serviço Social, este inicialmente só para mulheres. Além de fortalecer a imagem da entrada da mulher na universi- dade, o que, à época, constitui-se raridade, diante da realidade de serem profissões femininas, a Enfermagem e o Serviço Social estavam então expandindo na universidade, novas frentes de embates, destacando a imagem da mulher, enquanto em outros segmentos da sociedade desenvolviam-se os movimentos e a liderança de Bertha Lutz discutindo em favor da condição emancipatória da mulher. Na universidade, ao lado da educação, este tema cultural foi apreciado e cultivado um relacionamento entre essa liderança do movimento feminista e as lideranças desses cursos, compondo desse modo, uma importante expressão social, de influência para o saber/conhecimento acerca de valores sociais e questões de gênero, atualmente tão estudados em instâncias da produ- ção científica. Os Congressos de Enfermagem subseqüentes foram em pouco tempo realizados com eixo fundamental na produção científica, nos debates, nas trocas de informações entre atores da liderança profissional que aquilata- vam o desenvolvimento científico da profissão, em novas tendências temáti- cas, bem como nos passos do refina- mento teórico-metodológico que foi se instalando, e já deixando ver a base para o marco das pesquisas na Enfer- magem(BARREIRAS,1979).No final da década de 1950, o Levantamento de Recursos e Necessidades de Enferma- gem destaca-se como primeira pes- quisa desenvolvida sob a responsabili- dade da ABEn, e sob a liderança e coordenação de Haydée Guanaes Dourado com uma equipe de pesquisadoras e o apoio das Escolas de Enfermagem. Trata-se de um survey, mas deflagra nova condição para a profissão de Enfermagem. A sistematização, o rigor metodológico, o tratamento dos dados, a descrição qualitativa, a inter- pretação diagnóstica dos recursos e das necessidades configuram, para a Enfermagem, o reconhecimento de seu processo de pesquisar no campo científico. Então, conforma-se aí a arrancada (impulso) inicial em prol da pesquisa científica. Os demais impulsos correspon- dentes a grandes mudanças na trajetória do saber/co- nhecimento vieram com os avanços dos estudos de pós- graduação, as incursões em projetos integrados de pesquisa e as publicações científicas, o ensi- no de metodologia da pesquisa como disciplina inserida na forma- ção profissional desde Currículo de Graduação em Enfermagem, o requisito de trabalho científico como condição ao término do cu- rso (TCC), a composição de Gru- pos de Pesquisa registrados como tal, em órgãos de fomento e ampa- ro à pesquisa. Enfim, todo um encontro com a qualificação acadêmica mediada pela pesquisa, mais decisiva no esforço atual de comunicação em rede. Uma outra marca do saber/ conhecimento profissional define- se com a Programação Científica dos Congressos Brasileiros de Enfermagem “(...) reputados como uma das realizações mais impor- tantes... constituem a fonte de inspiração do desenvolvimento da Enfermagem como profissão, e dos enfermeiros como cidadãos úteis à sociedade...” (CARVALHO, 1976). E então, pode-se considerar que desde o I Congresso Nacional de Enfermagem, realizado por iniciativa da Associação (ABED) - Seção São Paulo, na Escola de Enfermagem O saber/conhecimento profissional na X Congresso Quadrienal do Conselho Internacional de Enfermeiras, Rio de Janeiro, 1953 Encerramento do II Congresso Nacional de Enfermagem, Rio de Janeiro, 1948 Comentários sobre momentos decisivos na trajetória histórico-evolutiva (Continuação da edição anterior) Fotos: Reprodução do livro Associação Brasileira de Enfermagem, 1926 - 1976, Documentário mbora a pesquisa na enfermagem venha acontecendo, ampliando e aprofundando o saber/ conhecimento, a crítica volta-se agora para o requerimento de uma produção científica consistente com os parâmetros da própria ciência

Transcript of Osaber/conhecimentoprofissional na - ABEn...

Page 1: Osaber/conhecimentoprofissional na - ABEn Nacionalabennacional.org.br/centrodememoria/o_saber...configuram, para a Enfermagem, o reconhecimento de seu processo de pesquisar no campo

ABEnout.nov.dez.2003 19

M e m ó r i a A B E n

Em relação à gênese e andança do saber/conhecimentoprofissional na Enfermagem Brasileira, cabe destaqueao fato de que, estando já a EEAN em seus novos assen-tamentos universitários (inserção na Universidade doBrasil), emergem com mais pregnância a influência dosresultados tangíveis à cultura. Influência que se manifes-ta – na dimensão da Enfermagem – com o demarcadorda filosofia feminista e se reveste de significados na con-centração de temas sociais, relevantes à época. Estavaem foco na ordem do dia a “questão da mulher” e naqual marca presença, nessa realidade, a EnfermagemBrasileira, conforme atesta a correspondência entre aFederação Brasileira pelo Progresso Feminino e a EEANem favor do desarmamento universal e de outras iniciati-vas de interesse da mulher na sociedade (CEDOC/EEAN, Doc. 30 CX 39 Ano 1931).

Contrariando os temores de Bertha L. Pullen e gra-ças aos esforços das enfermeiras pioneiras, em seu novoassentamento, a Escola de Enfermagem Anna Nerypassa a constituir-se em instituição de ensino no sistemauniversitário. Pode-se dizer, alcança mais proeminênciae se investe de concentração em temas sociais, relevantesà época. Era o tempo de luta da “mulher” e a Enferma-gem marca sua presença ao ingressar na Universidadedo Brasil com o curso de Enfermagem, e nele, a presençade alunas, domínio absoluto de mulheres, ao lado danova incumbência de ministrar o Curso de ServiçoSocial, este inicialmente só para mulheres. Além defortalecer a imagem da entrada da mulher na universi-dade, o que, à época, constitui-se raridade, diante darealidade de serem profissões femininas, a Enfermageme o Serviço Social estavam então expandindo nauniversidade, novas frentes de embates, destacando aimagem da mulher, enquanto em outros segmentos dasociedade desenvolviam-se os movimentos e a liderança

de Bertha Lutz discutindo em favor da condiçãoemancipatória da mulher. Na universidade, ao lado daeducação, este tema cultural foi apreciado e cultivadoum relacionamento entre essa liderança do movimentofeminista e as lideranças desses cursos, compondo dessemodo, uma importante expressão social, de influênciapara o saber/conhecimento acerca de valores sociais equestões de gênero, atualmente tãoestudados em instâncias da produ-ção científica.

Os Congressos de Enfermagemsubseqüentes foram em pouco temporealizados com eixo fundamental naprodução científica, nos debates, nastrocas de informações entre atores daliderança profissional que aquilata-vam o desenvolvimento científico daprofissão, em novas tendências temáti-cas, bem como nos passos do refina-mento teórico-metodológico que foise instalando, e já deixando ver a basepara o marco das pesquisas na Enfer-magem(BARREIRAS,1979).No finalda década de 1950, o Levantamentode Recursos e Necessidades de Enferma-gem destaca-se como primeira pes-quisa desenvolvida sob a responsabili-dade da ABEn, e sob a liderança ecoordenação de Haydée GuanaesDourado com uma equipe de pesquisadoras e o apoiodas Escolas de Enfermagem. Trata-se de um survey,mas deflagra nova condição para a profissão deEnfermagem. A sistematização, o rigor metodológico,o tratamento dos dados, a descrição qualitativa, a inter-pretação diagnóstica dos recursos e das necessidades

configuram, para a Enfermagem, o reconhecimento deseu processo de pesquisar no campo científico. Então,conforma-se aí a arrancada (impulso) inicial em prolda pesquisa científica. Os demais impulsos correspon-dentes a grandes mudanças na trajetória do saber/co-nhecimento vieram com os avanços dos estudos de pós-graduação, as incursões em projetos integrados de pesquisa

e as publicações científicas, o ensi-no de metodologia da pesquisacomo disciplina inserida na forma-ção profissional desde Currículode Graduação em Enfermagem,o requisito de trabalho científicocomo condição ao término do cu-rso (TCC), a composição de Gru-pos de Pesquisa registrados comotal, em órgãos de fomento e ampa-ro à pesquisa. Enfim, todo umencontro com a qualificaçãoacadêmica mediada pela pesquisa,mais decisiva no esforço atual decomunicação em rede.

Uma outra marca do saber/conhecimento profissional define-se com a Programação Científicados Congressos Brasileiros deEnfermagem “(...) reputados comouma das realizações mais impor-tantes... constituem a fonte de

inspiração do desenvolvimento da Enfermagem comoprofissão, e dos enfermeiros como cidadãos úteis àsociedade...” (CARVALHO, 1976). E então, pode-seconsiderar que desde o I Congresso Nacional deEnfermagem, realizado por iniciativa da Associação(ABED) - Seção São Paulo, na Escola de Enfermagem

O saber/conhecimento profissionalna

X Congresso Quadrienal do Conselho Internacional de Enfermeiras, Rio de Janeiro, 1953Encerramento do II Congresso Nacional de Enfermagem, Rio de Janeiro, 1948

Comentários sobre momentos decisivos na trajetória histórico-evolutiva(Continuação da edição anterior)

Fo

tos:

Re

pro

du

ção

do

livroA

sso

cia

ção

Bra

sile

ira

de

En

ferm

ag

em

,1

92

6-

19

76

,D

ocu

me

nt

ári

o

mbora a pesquisa

na enfermagem

venha

acontecendo,

ampliando e

aprofundando o saber/

conhecimento, a crítica

volta-se agora para o

requerimento de uma

produção científica

consistente com os

parâmetros da própria

ciência

Page 2: Osaber/conhecimentoprofissional na - ABEn Nacionalabennacional.org.br/centrodememoria/o_saber...configuram, para a Enfermagem, o reconhecimento de seu processo de pesquisar no campo

da USP, como um marco de impulso para a construçãocientífica na Enfermagem Brasileira. O referidoCongresso adotou um lema: “Elaborar, em conjunto,um programa eficiente de Enfermagem, visando odesenvolvimento da profissão num plano elevado”.Constam dos registros e na pauta do Congresso umprograma científico entregue a grupo de altaresponsabilidade, e tanto nesse I Congresso, como nospróximos tal programa esteve a cargo das Divisões deEducação e de Saúde Pública. O significado dado aopróprio Congresso, estampa-se nos temas de cultura erealidade de saúde pública da época, bem como nasResoluções pertinentes. Neste Congresso inaugural,dentre as Resoluções estabelecidas, estão: criação doConselho Nacional de Enfermagem, a inclusão dadisciplina Enfermagem Psiquiátrica nos Currículos dasEscolas de Enfermagem, e a criação de CursosEspecializados em nível universitário para Enfermeiras-Chefes e Supervisoras, e o convite do ICN/CIE para arealização de Congresso Internacional de Enfermeirasno Brasil (1953). Esse Congresso foi, além do mais, umainspiração valiosa para agregar os enfermeiros em tornodo saber/conhecimento profissional de enfermagem, epara concretizar um locus demarcador de exposiçõesdo que se produz e, no âmbito do processo evolutivo, dedebates apropriados ao interesse político-científico ecultural da profissão no Brasil. Assim, com osCongressos, as enfermeiras puderam antever/anteciparmudanças tangíveis à socialização da produçãocientífica. Com efeito, através do “saber-que-sabia”, aEnfermagem aprendeu que podia “saber mais”.

Contudo, embora a pesquisa na enfermagem venhaacontecendo, ampliando e aprofundando o saber/conhecimento, a crítica volta-se agora para orequerimento de uma produção científica consistentecom os parâmetros da própria ciência, ou seja, rigormetodológico, porquanto o processo científico naenfermagem carece de culminar-se por provas eevidências, principalmente se avaliado por métodos maisavançados e utilizados em outras áreas de pesquisa.Isto é, continuamos ainda investindo na enfermagem apartir de bases reconhecidamente científicas, posto quea pesquisa é agora encarada como um instrumentocientífico de rigor, capaz de assegurar validade econfiabilidade aos resultados de estudos realizados epossibilitando um saber/conhecimento profissionalpassível de revisão, aprofundamento e reconsideração,pois ainda precisamos atender à especificidade doconhecimento produzido.

Mas é inegável que a pesquisa está acontecendo. Astendências atuais apontam para a necessidade de ampliaro espectro do saber/conhecimento profissional. Em quepese a valorização da produção científica na enfermagem,sabemos que a pesquisa favorece, também, o anseio decrescimento da própria categoria profissional. Noentanto, a crítica volta-se, ainda, para o requerimento deuma produção mais refinada e conformada à autonomianas fronteiras do campo epistêmico (campo da ciência).As evidências são necessárias ao reconhecimento em planode intercâmbio de idéias pela comunidade científica e,principalmente, porque o conhecimento produzido vem

Lygia PaimDoutora/Docente Livre UFRJ. Professora de

Metodologia da Pesquisa de Graduação emEnfermagem e Articuladora da Pesquisa da

Universidade do Vale do Itajaí - UNlVALI/Biguaçu,Santa Catarina

Vilma de CarvalhoProfessora Emérita - EEAN/UFRJ. Pesquisadora do

CNPq

Jussara SauthierDoutora em Enfermagem - EEAN/UFRJ. Professora

adjunta/UFRJ (Aposentada)

M e m ó r i a A B E n

ABEnout.nov.dez.200320

,

criando expectativas acerca da Enfermagem como ciênciaem construção.

Ao buscar estabelecer uma verdade e explicar suatrama como um dever, isto nos põe diante de umaaproximação com o que ora se chama “gênese do saberem Enfermagem”, então expressada em perguntahistoricista a qual encontra resposta possível nareorganização de fatos projetados num itineráriobuscado em documentos – matriz; com estatransversalidade, com diferentes ritmos, esta tramahistórica revê saberes construídos, vinculados nonascedouro da Enfermagem brasileira e traduzido empositividades ou seja, conjunto de condições segundoas quais se elaboram esses saberes, suas práticas, seus

Fo

to:

Re

pro

du

ção

do

livroA

Esc

ola

de

En

ferm

ag

em

An

na

Ne

ry,

sua

his

tóri

a-

no

ssa

sm

em

ór

ias

Sala de aula daEscola de Enfermagem Anna Nery

(Continuação da página 19)

Laboratório de Física e Químicada Escola de Enfermagem Anna Nery

cenários de origem – a Escola de Enfermagem AnnaNery e a Associação, hoje denominada AssociaçãoBrasileira de Enfermagem.