Os Desafios do PIBID Teatro e Meio Ambiente
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OS DESAFIOS DO PIBID TEATRO E MEIO AMBIENTE:
A formação dos professores de arte através de uma perspectiva interdisciplinar e
multicultural
Tássio Ferreira Santana1
1 Supervisor do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID /
Universidade Federal da Bahia).
Link Lattes:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4469121E3
RESUMO
O presente trabalho se destina a refletir acerca do processo de formação de
professores, ainda graduandos, oriundos do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência (PIBID) – que visa proporcionar ao licenciando o contato direto
com a prática docente além de uma reflexão científica. Esta pesquisa se debruça acerca
da reflexão dos desafios e conquistas que o programa proporciona, por se tratar do
ensino de Artes de maneira interdisciplinar e multicultural, englobando questões
ambientais como eixo central.
É sintomático na pesquisa os equívocos existentes na construção do plano de
curso da disciplina artes e a interpretação errônea das habilidades e competências
sugeridas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte (PCN’S/1998), necessitando
de uma contextualização do que é ensinado com a realidade dos discentes. Será
investigado o conceito de interdisciplinaridade fundamentado por Edgar Morin (2007),
já que o trabalho é desenvolvido com licenciandas de formações diferentes (teatro,
geografia, biologia e 2 de pedagogia), todas empenhadas no ensino da arte em uma
escola pública da rede estadual de Salvador, na Bahia, trabalhando com discentes do
Ensino Fundamental II. Como aporte teórico voltado à estética e ensino de arte,
contribuem à pesquisa os escritos de Luigi Pareyson (2001) e Ana Mae Barbosa (2001 e
2007).
Palavras-Chave: Interdisciplinaridade; Arte-Educação; Formação.
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ABSTRACT
This work is intended to reflect on the process of teacher education, even
graduate students, from the Scholarship Program Initiation to Teaching (PIBID) - which
aims to provide the licensing direct contact with the teaching practice and a scientific
reflection. This research focuses on the reflection of the challenges and successes that
the program provides, as it is the teaching of Arts in interdisciplinary and multicultural
way, encompassing environmental issues as the centerpiece.
It is symptomatic in search misconceptions existing in the construction of the
course plan of discipline arts and misinterpretation of the skills and competencies
suggested by the National Curriculum Parameters Art (PCN'S / 1998), necessitating a
contextualization of what is taught with the reality of students. Will investigate the
concept of interdisciplinarity founded by Edgar Morin (2007), since the work is
developed with students of different formations (theater, geography, biology and
pedagogy), all engaged in teaching art in a public school of the state Salvador, Bahia,
working with students of Primary School II. As theoretical returned to teaching art and
aesthetics, contributing to research the writings of Luigi Pareyson (2001) and Ana Mae
Barbosa (2001 and 2007).
Key-Words: Interdisciplinarity, Art-Education, Training.
1 INTRODUÇÃO
Na contemporaneidade existe uma preocupação maior com o papel do
professor na escola/sociedade, um olhar sobre sua função social. Neste sentido, espera-
se desse professor que ele seja não apenas um ‘agente que deposita conhecimento’ nos
discentes, mas um profissional que atue de maneira global na docência, preocupado com
a formação de um cidadão ativo e consciente.
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Para que haja, no âmbito educacional, profissionais capacitados para mediar a
construção de cidadãos e não apenas ‘alunos’, faz-se necessário revisitar a formação dos
docentes. A academia tem se preocupado cada vez mais com a formação dos
professores, desenvolvendo pesquisas para encontrar mecanismos específicos que
fortaleçam as bases dos licenciandos, no intuito de que estes atuem de maneira mais
global nas escolas – sobretudo as públicas, que ainda carecem de uma maior atenção e
investimento de material humano qualificado.
Nesse contexto se insere o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência (PIBID), que se preocupa com a formação prática dos licenciandos e sua
reflexão científica acerca desse processo. É o objetivo desse programa aproximar ainda
mais o jovem licenciando da escola pública (redes estadual ou municipal), para que este,
ainda na graduação, conheça a realidade viva da sala de aula e reflita acerca das
dificuldades da mesma. O PIBID espera que durante esse processo esse aluno inicie sua
carreira científica, produzindo trabalhos acadêmicos sobre sua práxis nas escolas. O
programa é financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES).
O aluno recebe uma bolsa/auxílio, financiada pela CAPES, para que o ajude a
participar do projeto. Além disso, ele conta com o apoio de um professor supervisor,
concursado, efetivo da escola, que irá conduzi-lo na jornada da educação. Esse
supervisor também recebe uma bolsa/auxílio para desenvolver o trabalho na escola.
A referida pesquisa se debruçará acerca do PIBID Interdisciplinar: Teatro e
Educação (Arte e Meio Ambiente), coordenado pelo Prof. Dr. Fabio Dal Gallo. O nosso
PIBID tem por base o trabalho interdisciplinar, trabalhando com 25 bolsistas de
diferentes licenciaturas, dentre elas: teatro, artes visuais, música, letras, pedagogia,
geografia, biologia etc. Além disso, contamos com 5 supervisores, também de diferentes
formações: 2 de Teatro, 1 de Biologia, 1 de Geografia e 1 de Educação Física. O grupo
é organizado de modo que cada supervisor orienta 5 bolsistas em suas escolas da rede
estadual de ensino, na cidade de Salvador, Bahia, Brasil.
O PIBID Interdisciplinar é um projeto pioneiro, e como todo projeto que se
inicia pela primeira vez, ainda está adaptando-se, (re)conhecendo sua estrutura. Além de
trabalharmos com a base da interdisciplinaridade, o projeto tem como tema norteador o
meio ambiente. Temática esta em voga nos dias atuais, sobretudo pela velocidade em
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que os problemas ambientais se agravam no mundo – a escola precisa investir em uma
educação que preveja os cuidados com o meio ambiente.
Se já é desafiador trabalhar com comprometimento em uma instituição pública,
desenvolvendo um ensino de qualidade, não obstante é fácil pensar que o ensino
interdisciplinar reserva seus desafios. Justamente sobre esse contexto desafiador é que a
pesquisa irá emergir.
Fundamentará o trabalho os conceitos de interdisciplinaridade Edgar Morin
(2007), sobretudo, pois este pensa na educação de maneira complexa, horizontal e
multicultural. Morin questiona a interdisciplinaridade não como acessória, uma
ferramenta, mais como necessária a um ensino de qualidade, que não superespecializa o
conhecimento, mas integra-o a outros, fortalecendo globalmente os saberes.
Jorge Larrosa Bondía (2002) também contribui com a pesquisa, pois o mesmo
aborda a questão do conhecimento como uma experiência, e o saber que decorre dessa
experiência. Ele problematiza ainda mais dizendo que o conhecimento é “aquilo que
passa”, que toca, que fica e acontece. Para ele o mais importante é o “acontecimento”
desse conhecimento, que muitas vezes é ignorado ou não despertado. Um dos grandes
objetivos do meu trabalho como supervisor é ressaltar o conhecimento como uma
experiência viva e seu acontecimento na vida dos discentes.
É também fundamental à pesquisa a organização metodológica de Ana Mae
Barbosa, arte-educadora brasileira que estruturou um método de ensino das artes que
prevê uma complexa experiência para os educandos, baseada na tríade: ler, fazer e
contextualizar. Nesse sistema, o aluno conhece o contexto do conteúdo, sua origem e
derivações, aprecia alguma obra referente a ele, e, por fim, ressigifica na prática,
fazendo uma releitura, por exemplo.
Por fim, permearam as discussões entre meu grupo de trabalho, as teorias de
Luigi Pareyson (2001). Ele inicia sua obra tratando do polêmico nome “estética”, que na
contemporaneidade ganha várias acepções: história da arte, história do pensamento,
teorias do belo etc. Pareyson faz ainda distinções entre a estética, a poética e a crítica de
arte, sendo estas três vertentes importantes para a compreensão da proposta triangular
de Ana Mae Barbosa – que aliás, bebe na fonte de Pareyson para formulação de sua
metodologia. Por fim, a autor trata da questão da formatividade da arte. Ele nos diz que
a atividade artística tem o poder de “formar” um cidadão, seja uma formação técnica,
como na Grécia ou expressiva, como no século XIX, no romantismo.
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Os autores que abordo agora, não aprecem diretamente nesse artigo, todavia
suas obras foram discutidas nas reuniões internas entre eu e as bolsistas, sendo gerado
material científico, como: resumos, resenhas e fichamentos.
2 O CONTEXTO E OS SEUS DESAFIOS
O objeto de pesquisa é o Colégio Estadual Álvaro Augusto da Silva, localizado
no bairro do IAPI, na Rua Conde de Porto Alegre, s/n, na cidade do Salvador, Bahia. A
escola conta com o ensino fundamental II no diurno, e o ensino médio no noturno. A
escola tem aproximadamente 800 alunos, cercada por comunidades carentes, envolvidas
pelo tráfico de drogas e criminalidade.
Especificamente no PIBID o trabalho foi desenvolvido em dois grupos: uma
aluna de biologia e uma de pedagogia trabalhou com o 7º ano, e o outro grupo formado
por uma bolsista de pedagogia, uma de teatro e a outra de geografia, trabalharam com a
turma do 6º ano – ambos os grupos no turno vespertino.
O grande desafio do projeto era articular as bolsistas em horários afins, para
que as mesmas conseguissem desenvolver intervenções docentes nas aulas de artes.
Porém, na rede estadual, as bolsistas deparam-se com uma série de problemas
envolvendo o ensino do componente curricular ‘artes’ na rede estadual de ensino e a
interdisciplinaridade.
O principal deles se inicia na estrutura curricular pensada para o componente
curricular ‘artes’. Na rede estadual são selecionados publicamente professores que
dominem as artes, as quatro linguagens (teatro, dança, música e artes visuais) – ainda
que cada professor necessite ter formação em uma única área. Ao ingressar na escola,
eu, um professor de Teatro, me deparei com um plano de curso totalmente voltado para
as artes visuais – uma tradição no ensino das artes que se arrasta desde a ditadura
militar, na década de 60. E o que fazer?
Os Arte-Educadores vêm lutando pela emancipação e liberdade do ensino
das artes nas escolas brasileiras. Houve um avanço importante promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB) Lei nº. 9.394, de 1996, com a obrigação do
ensino de Artes nas Escolas – até então facultativo a cada escola. A partir disso, foram
criados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), uma tentativa de uniformização
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dos conteúdos ensinados. Nessa ocasião, os PCN’s preveem o ensino das quatro
modalidades artísticas: teatro, música, dança e artes visuais. A mesma lei foi ainda
reformulada pela lei nº 12.287, de 2010, através da qual “o ensino da arte,
especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular
obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o
desenvolvimento cultural dos alunos”. Perceba-se que a lei obriga o ensino de arte, mas
não especifica as modalidades artísticas, facultando a cada escola gerenciar qual
modalidade artística comporá o seu quadro de disciplinas. E o que vemos é uma forte
tendência ao ensino único e exclusivo das Artes Visuais. Mas de quem é a culpa? Do
Estado, que ao selecionar professores de artes, não subdividem os cargos por área do
conhecimento: teatro, dança, música e artes visuais. Eles aplicam uma prova
generalizada, com questões referentes às quatros linguagens e o professor precisa ser
polivalente, conhecendo sobre todas as artes.
Já nas escolas do município de salvador a realidade é oposta. Os professores
prestam concurso por área do conhecimento, e atuam especificamente em sua área.
Outro problema é a forma que a interdisciplinaridade é abordada – através de
projetos transversais, no qual é forjada a realização do mesmo, porque as pessoas
entendem-no como ‘junção’ entre disciplinas, ou ainda, uma disciplina servindo de
ferramenta para que a outra se sobressaia. Normalmente as artes são extremamente
solicitadas como ‘meio’ de se chegar a alguma coisa – não que seja ruim, mas não pode
ser apenas isso. Segundo Morin (2007, p.50):
A interdisciplinaridade pode significar que diferentes disciplinas
encontram-se reunidas como diferentes nações o fazem na ONU, sem,
entretanto poder fazer outra coisa senão afirmar cada uma seus
próprios direitos e suas próprias soberanias em relação às exigências
do vizinho. Ela pode também querer dizer troca e cooperação e, desse
modo, transformar-se em algo orgânico.
Desse modo, os componentes curriculares trabalhando de modo
interdisciplinar, confeririam um contexto mais contundente de cada uma deles, para que
houvesse um fortalecimento em sua individualidade. E os professores são mais
interdisciplinares do que pensam. É impossível tratar de algum conteúdo sem se remeter
a outra área do conhecimento. Quero dizer que ao explanar sobre matemática, por
exemplo, é inevitável tratar de história, ao falar do teorema de Pitágoras, ou tratar da
arte, ao utilizar-se das formas geométricas. A superespecialização do conhecimento gera
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um saber limitado, mecanizado, que não se relaciona e tem um fim em si mesmo.
Resumindo: “a inteligência parcelada, compartimentada, mecanicista, disjuntiva e
reducionista rompe o complexo do mundo em fragmentos disjuntos, fraciona os
problemas, separa o que está unido, torna unidimensional o multidimensional”. (Morin,
2000, p.43)
Com isso, decorre que o alunado não terá uma experiência marcante, ele será
informado, bombardeado de informações que, em dado momento, será descartada,
porque novas informações precisam ser assimiladas diariamente.
A informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar
para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma
antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação, em
estar informados, e toda a retórica destinada a constituirmos como
sujeitos informantes e informados; a informação não faz outra coisa
que cancelar nossas possibilidades de experiência. O sujeito da
informação sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando informação,
o que mais o preocupa é não ter bastante informação; cada vez sabe
mais, cada vez está melhor informado, porém, com essa obsessão pela
informação e pelo saber (mas saber não no sentido de “sabedoria”,
mas no sentido de “estar informado”), o que consegue é que nada lhe
aconteça. (BONDÍA, 2002, p.21)
Em nosso subprojeto: Artes e Meio Ambiente na Escola – desafios para a
formação de um olhar estético, as bolsistas tiveram dificuldade em entender como a
interdisciplinaridade ocorreria. Ou seja, como cada uma delas em sua licenciatura,
poderia contribuir para as aulas de artes. No início a participação foi tímida, mas logo
fui surpreendido em uma aula sobre a arte grega, com alunos do 6º ano, no instante em
que a bolsista de geografia, Crislane, preparou um material falando sobre a geografia da
Grécia, e como aquele relevo influenciava as construções artísticas e o modo de vida do
povo. Naquele instante foi incrível perceber que a interdisciplinaridade de fato ocorreu,
sem que a geografia fosse um acessório e vice versa.
Outro exemplo louvável foi no outro grupo, com os alunos do 7º ano em uma
aula sobre máscaras africanas, no instante em que a bolsista Madiana, explanava sobre
os materiais que eram utilizados para o tingimento das máscaras. Ela explicou isso tudo
pelo viés da biologia – sua formação – o que deixou os alunos bem surpresos.
Desse modo, tanto eu, como professor titular, enriqueci meu trabalho,
adquirindo novos conhecimentos, quanto as bolsistas, ainda na graduação, percebendo a
ampliação possível na mediação do conhecimento.
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Outros pontos ainda são desafiadores nesse processo. São eles: o abismo
existente entre a teoria e a prática fomentadas na Universidade, a substituição de
professores por outras disciplinas e o entendimento da arte como conhecimento, como
conjunto de manifestações do ser humano.
Infelizmente a Universidade ainda distancia a teoria da prática na formação de
professores. Existe um alto investimento em conteúdos de ordem teórica e pedagógica e
pouca contextualização desse conhecimento. Os alunos, muitas vezes, só conseguem
estagiar em escolas no último semestre – quando deveriam iniciar esse contato desde
muito cedo. Ao se deparar, no último semestre com a sala de aula, percebem que a
teoria apreendida ao longo do curso, não consegue dar conta da prática real na sala de
aula. No sentido de que as dificuldades são gritantes, e os métodos ensinados parecem
não condizer com sua clientela. Fica configurada uma enorme lacuna entre o que
ensinar e como ensinar, e o iniciante professor se encontra perdido, desamparado pela
sua segurança teórica apreendida.
Outro problema, talvez mais recorrente no componente curricular artes, é a
inserção de professores de outras áreas ensinando artes. Isso porque muitos professores
ficam com carga horária ociosa e precisam completá-la. As artes acabam sofrendo nesse
processo e são incorporadas por professores de matemática, inglês, dentre outros. Ora,
esses professores não são habilitados para ensinar artes, mas o que são as artes senão
pinturinhas tinta tipo guache ou decoração de caixas de sapato? Em suma, arte não é
uma área do conhecimento, ela é uma ferramenta recreadora e assistencialista, que
auxilia o professor de história, por exemplo, a permanecer na escola com sua carga
horária integral. Fica claro que os gestores de muitas escolas não percebem a arte de
maneira complexa, como um conjunto de manifestações bio-psicológicas dos seres
humanos – arte como conhecimento.
3 FORMAÇÃO, REFORMULAÇÃO, REINVENÇÃO DO SABER
“O princípio norteador que nos ancora nessa busca de conhecimento
consiste em compreender o fenômeno educativo sempre como uma
tarefa inconclusa e perspectival”. (FELDMANN, 2009, p. 72)
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A partir dessa citação, inicio este outro item explanando acerca da formação
continuada do docente. Na verdade, é um assunto que pouco interessa a maioria dos
professores, sobretudo os professores que já se efetivaram nas redes estadual e/ou
municipal de ensino. A “estabilidade financeira” estabiliza e paralisa os saberes, o
desejo em qualificar-se, avançar, buscar novas experiências no conhecimento etc.
Essa estagnação é algo mais do que comum no meio docente. Digo isso,
porque convivo em meio a dezenas de professores, conheço outros tantos de outras
escolas, e ouvi muitas histórias de vida nos dois anos e alguns meses que me tornei
professor efetivo da rede estadual. Os professores se queixam de cansaço físico e
mental, desvalorização, baixos salários e péssimas condições de trabalho. Tudo isso
leva a desinteresse em investir na carreira, e até mesmo doenças sérias, como a
depressão.
Mas a questão nem sempre passa pelo interesse pessoal em buscar o
aperfeiçoamento. Grande parte dos professores atua com uma carga horária de trabalho
demasiada, a maioria com 40h e alguns chegam a acumular 60h de trabalho – não
sobrando tempo para dedicar-se à pesquisa e/ou extensão.
A rede estadual de ensino, na Bahia, possui um plano de carreira que confere
ao professor o direito à progressão verticalmente (através de cursos de pós-graduação ou
especialização, mestrado e doutorado) ou avanço horizontal (gratificações por estímulo
ao aperfeiçoamento profissional ou certificações) – com aumentos sobre os seus salários
base. Porém, poucos professores encontram tempo disponível para investir em pesquisa,
pois sua carga horária em sala de aula é de 28 horas/aula (para quem possui 40h),
restando apenas 12h para se dedicar ao conhecido “AC” (atividade de coordenação).
Desse modo, ao se falar em formação de professores, é preciso considerar não só a
vontade do docente em querer o conhecimento, mas a situação real de ensino ao qual
está inserido.
Nesse horizonte, formar professores no mundo atual é defrontar-se
com a instabilidade e provisoriedade do conhecimento, pois as
verdades científicas perderam seu valor absoluto na compreensão e
interpretação de diversos fenômenos. Nesse entendimento, o problema
da articulação entre o pensar e o agir, entre a teoria e a prática,
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configura-se com um dos grandes desafios para a questão da formação
de professores (idem, p.74)
De fato, decorre outro grave problema diante do contexto explanado:
desarticulações entre teoria e prática, pensar e agir. Percebo a cada dia um
engessamento dos saberes, a aplicabilidade de métodos arcaicos, endurecidos, que não
se contextualizam com a realidade da sala de aula. Os professores mais antigos não
conseguem relacionar a teoria e a prática, não conseguem expor um conteúdo de modo
interdisciplinar, por perspectivas diferentes das que usualmente ele trabalha.
Obviamente que isso está relacionado à graduação desse professor, a maneira como ele
aprendeu a ensinar, como ele absorveu os conteúdos concernentes à didática e práxis
pedagógicas e o encaminhamento que houve ao longo dos anos, em contato direto com
seu alunado.
Há, ainda, outra questão acerca do processo que envolve o trabalho docente que
merece atenção: “discutir a ação dos professores na contemporaneidade é refletir sobre
as suas intenções, crenças e valores e, também, sobre as condições concretas de
realização de seu trabalho, que influenciam fortemente as suas práticas cotidianas na
escola”. (ibid. p.78) Muitas vezes esse ofício tem disso compreendido apenas na sua
dimensão técnica, o que o professou ensinou, e os resultados numéricos obtidos.
Todavia, é sabido que o professor ensina muito mais que conteúdos obrigatórios, ele
prepara o indivíduo para sua relação com o mundo. Nesse processo de orientação social,
é recorrente o confronto com problemas de ordem social, psicológica, às vezes
patológica. O professor passa a ser também médico, psicólogo, sociólogo, e talvez a
única pessoa que o aluno encontra para confiar a responsabilidade de seus problemas –
já que, muitas vezes, a estrutura familiar dos nossos alunos é ínfima, desgraciosa.
Lidamos com uma sobrecarga emocional grandiosa, e nem sempre se tem preparo para
lidar com isso. O que fazer?
Por fim, talvez o mais importante, é a exigência do docente a promover
resultados positivos – limitados a números, sobretudo os do Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica (IDEB). Em suma, o governo brasileiro quer a aprovação do aluno,
porque aprovação gerará números para que o Brasil goze o status de país desenvolvido.
Mas o governo não se preocupa com a qualidade desse ensino, e se de fato ouve
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aprendizagem. O professor não pode mais reprovar um aluno, tem que “empurrá-lo”
para a série seguinte, ainda que o aluno mal saiba ler ou escrever.
Avaliar não é, necessariamente, atribuir uma nota, até porque quase sempre será
injusta, conquanto, por vezes, necessária dentro das regras do sistema educacional
vigente. Avaliar, nesse contexto, é perceber além. É ajudar o aluno a se conhecer, a
olhar no seu “espelho interior” e ver aonde chegou e onde poderia ter chegado. Este
processo avaliativo é chamado de ZPD ou “zona de desenvolvimento proximal”, como a
seguir:
O conceito de zona de desenvolvimento proximal – ZPD, formulado
originalmente por Vygostsky, refere-se à diferença entre os níveis de
desenvolvimento potencial e real de sujeitos submetidos a processos
de aprendizado.
Uma das implicações pedagógicas deste conceito, particularmente na
análise do desempenho escolar de sujeitos, é a necessidade de
conceber a avaliação do aluno prospectivamente, ou seja, levando-se
em consideração não até onde o estudante chegou, mas até onde ele
poderá chegar com a intervenção e a ajuda de outros membros mais
experientes da cultura escolar. (JAPIASSU, 1999, p.47)
Não podemos confundir o nível de desenvolvimento potencial com o nível de
desenvolvimento real. Por nível potencial, entende-se até onde o aluno poderá chegar e,
por nível real, aonde ele efetivamente chegou. Esse tipo de avaliação supera os muros
da escola e pode expressar “toda e qualquer interação mediada culturalmente entre
sujeitos” (idem, p.48).
O discente passa a ser avaliado pelo seu processo cognitivo como um todo,
dentro da instituição, elevando o nível de cognição, sempre enfocando nos próximos
possíveis melhores resultados alcançados. Nem todos os professores estão preparados
para este tipo de avaliação, nesse caso, muitos acabam cedendo à avaliação comum,
numérica, porque não conseguem lutar por uma avaliação mais contundente.
São muitas as questões envolvendo a formação continuada dos docentes,
contudo poucas reflexões se propõem a trazer um olhar voltado ao lugar do docente.
Nem sempre é uma escolha do mesmo não estudar, não buscar uma nova perspectiva
como professor, as circunstâncias são variadas e falta apoio a esse docente.
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4 INCONCLUSÕES
Enfim, o grande papel do PIBID é o pensar, ainda na graduação, como posso
conduzir minha prática docente, articulando teoria e prática, razão e emoção. Desse
modo “[...] a formação continuada de professores, articulada aos fazeres na e da escola,
além de uma formação compartilhada, é também uma autoformação, uma vez que os
professores reelaboram os seus sabes em experiências cotidianamente vivenciadas”
(ibid. p.79). A cada dia em contato com a sala de aula e com os problemas escolares, o
bolsita/licenciando traz para a universidade esses questionamentos, com reais chances
de problematizar essas questões e colocar em prática soluções reais para os mesmos.
Isso porque, na maioria das vezes, existem pesquisadores da educação que nunca
pisaram em uma sala de aula, que elucubram acerca de uma realidade que parece não
condizer com a realidade cotidiana dos mestres.
Se pensarmos na perspectiva que “a escola capacita as pessoas” (Feldmann,
2009, p.80), o contato com a mesma, com a devida reflexão acerca de suas mazelas,
deve fortalecer as bases para que a atuação como profissional seja provocadora, que
traga verdadeiras contribuições à comunidade envolvida.
Para isso, o docente deve perceber a escola como uma instituição plural e
multicultural, através da qual é possível engendrar o conhecimento através de parcerias
entre os componentes curriculares diferenciados, entre colegas com experiências
diversas e pensar em como essas experiências podem contribuir e se relacionar
diretamente com a sociedade.
A arte é um importante detonador para a reflexão dessas questões. Na escola, ela
tem o papel fundamental de fazer pensar nesses problemas sociais, de nos fazer trocar
de lugar com os atores e nos colocar diretamente na base do problema e despertar um
ímpeto de autotransformação.
O canal de realização estética é inerente à natureza humana e não
conhece diferenças sociais. Pesquisadores já mostraram que o ser
humano busca a solução de problemas através de dois
comportamentos básicos: o pragmático e o estético, isto é, buscam
soluções que sejam mais práticas, mais fáceis, mais exequíveis,
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porém, ao mesmo tempo, mais agradáveis, que lhe deem maior prazer
(BARBOSA, 2007, p.33).
Se através da estética é possível extrair, dentre outros sentimentos, o prazer,
vamos fomentá-lo em nossa escola, e, desse modo, horizontalizar os saberes,
fortalecendo cada conhecimento específico em sua individualidade, para que juntos
possam conferir uma experiência que passa e fica na vida de quem tem contato com a
mesma.
Apesar de ser um produto da fantasia e imaginação, a arte não está
separada da economia, política e dos padrões sociais que operam na
sociedade. Ideias, emoções, linguagens diferem de tempos em tempos
e de lugar para lugar e não existe visão desinfluenciada e isolada.
(idem, p.19).
É um questionamento que faço sempre nos primeiros dias de aula: qual a
importância da arte para a sociedade? Como seria a vida sem as artes? Você conseguiria
sair sem se preocupar com sua aparência? Você sabia que ao arrumar o cabelo para ir à
escola, você está preocupada com o olhar estético que as pessoas podem vir a lançar
sobre você? É mesmo impossível desarticular a arte dos setores sociais, sobretudo
porque os gerenciadores desses setores conhecem o poder mobilizador que a arte detém.
A indústria alimentícia explora bastante o uso das cores e o poder psíquico que elas
desempenham. As novelas imprimem padrões sociais de moda, comportamento, que
nem sempre condizem com a realidade da massa que a consume, disparando a
competição não saudável e a exclusão. E tantos outros exemplos que existem acerca da
manipulação social através da arte. Nesse caso, a arte tem sido utilizada como
alienadora, revertida como uma “anti-arte”, sucumbindo os valores inerentes à sua
existência, sobretudo à liberdade de expressão.
O grande objetivo do nosso trabalho, com o ensino de Artes nas escolas
públicas, é proporcionar ao discente uma educação estética que possibilite um percurso
criador em artes, desenvolvendo leituras visuais e sensórias apresentadas no dia-a-dia
entre diferentes contextos culturais, fortalecendo, assim, a criticidade e a experiência
sensível cognitiva para o exercício da cidadania na construção da sua identidade – e
como diz Rubem Alves, educar é ensinar a ver.
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Tássio Ferreira Santana é Mestrando em Artes Cênicas pelo Programa de Pós-
Graduação em Artes Cênicas (PPGAC/UFBA), Especialista em Arte na Educação pela
Faculdade Afonso Claudio – FAAC, Licenciado em Teatro pela Universidade Federal
da Bahia – UFBA e Professor efetivo de Artes da Secretaria de Educação do Estado da
Bahia (SEC/BA).
5 REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ana Mae. (2006) Arte/Educação Contemporânea. São Paulo: Cortez.
__________________. (2007) A Imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva.
__________________. (1991) A Imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva.
__________________. (1998) Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: Com/Arte.
BONDIA, Jorge Larrosa. (2002) Notas sobre a experiência e o saber de experiência.
Revista Brasileira de Educação [online], N.19, Campinas, 20-28.
FELDMANN, Marina Graziela (org). (2009) Formação de Professores e Escola na
Contemporaneidade. São Paulo: Senac São Paulo.
JAPIASSU, Ricardo Otonni Vaz. (1999) Ensino de Teatro nas séries básicas: a
formação de conceitos sociais no jogo teatral. Dissertação de mestrado, Departamento
de Artes Cênicas de Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
São Paulo.
MORIN, Edgar. (2007) Educação e Complexidade: os setes saberes e outros ensaios.
São Paulo: Cortez.
Parâmetros curriculares nacionais (1998): arte / Secretaria de Educação Fundamental.
– Brasília: MEC / SEF.
PAREYSON, Luigi. (2001) Os problemas da estética. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes.
SANTANA, Tássio Ferreira. (2011) Sedução ao Drama: para uma formação continuada
de professores da Língua Portuguesa. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em
Teatro). – Escola de Teatro. Universidade Federal da Bahia, Salvador.