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MEMÓRIA, HISTÓRIA E CULTURA: TRABALHANDO A RESSIGNIFICAÇÃO DOS CONCEITOS HISTÓRICOS, A PARTIR DA EXPERIÊNCIA, COTIDIANO E CULTURA POPULAR DOS ALUNOS DA EJA DE CORNÉLIO PROCÓPIO – UMA RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA.

ROSEANE MARA DE SOUZA BONFIM1

PROF. DDO. MARCIO LUIZ CARRERI2

RESUMO O projeto desenvolvido junto aos alunos do EJA do município de Cornélio Procópio objetiva

fazer com que os alunos repensem sua vida a partir do aporte dos conceitos históricos, que

foram retrabalhados. A relevância deste trabalho está na compreensão do desenvolvimento de

metodologias que favoreçam um ensino de História comprometida com a inserção da história

de vida dos alunos da EJA, valorizando seu cotidiano para que possam assim através do meu

trabalho ter uma nova visão de mundo. O cotidiano está relacionado com a possibilidade de

que os alunos possam perceber como suas vidas fazem parte da História como um todo.

Foram realizadas entrevistas com os alunos acerca da compreensão que eles possuíam sobre

conceitos de História, Memória e Cultura, em seguida trabalhamos tais conceitos a partir dos

autores Willians, Thompson, Nora, Halbwachs, Bakhtin e Ginzburg e a partir deles

trabalhamos a construção que se tem da ciência sobre esses conceitos. A partir de então pode

perceber como anteriormente eram pensados tais conceitos e como eles foram reelaborados,

ou seja, ressignificados dado um novo sentido a partir do trabalho realizado com base nos

autores para que finalmente o aluno possa perceber que existe sim uma relação entre o saber

popular e o conhecimento científico lhe possibilitando ter uma nova visão de mundo. Para

este trabalho utilizei a entrevista oral e a sua experiência de vida.

Palavras-Chave: História, Memória, Cultura, Educação de Jovens e Adultos.

1Professora da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná. E-mail: [email protected] 2 Orientador PDE da Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP. E-mail:[email protected]

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Uma cultura comum não é, em nenhum nível, uma cultura igual. Mas pressupõe,

sempre, a igualdade do ser, sem a qual a experiência comum não pode ser

valorizada. Uma cultura comum não pode opor restrições absolutas ao acesso a

qualquer das suas atividades: este é o sentido real do princípio de igualdade de

oportunidades. (Williams).

O presente texto é resultado de um trabalho docente realizado junto ao

Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) do Estado do Paraná, turma

2013, resultante de minhas inquietações sobre a importância do nosso campo

(História) para os alunos do curso de Educação de Jovens e Adultos (CEEBJA), da

cidade de Cornélio Procópio.

O objetivo do meu trabalho foi contribuir para que o educando pudesse

repensar o conhecimento histórico, a partir de seu ponto de vista, de suas realidades

sociais e culturais. Que ele possa também ressignificar o processo histórico,

entendendo que os conceitos históricos consagrados podem ser repensados a partir

do vivido, ou seja, da experiência. A relevância deste trabalho está na compreensão

do desenvolvimento de metodologias que favoreçam um ensino de História

comprometido com a inserção da história de vida dos alunos da EJA, valorizando

seu cotidiano para que possam assim através do meu trabalho ter uma nova visão

de mundo, relacionando a sua vida com o contexto histórico local, regional, nacional

e até internacional, próprios do sistema capitalista. O cotidiano está relacionado com

a possibilidade de que os alunos possam perceber como suas vidas fazem parte da

História como um todo. Assim realizei uma entrevista com os alunos acerca da

compreensão que eles possuíam sobre os conceitos de História, Memória, e Cultura.

Trabalhei os conceitos a partir de autores como: Williams3, Thompson4, Nora5,

3 Raymond Williams (1921-1988) foi um teórico inglês, precursor dos chamados “Estudos Culturais”, é

referência para diversas áreas. Para Willians, e despontou como um nome significativo na esfera da Nova Esquerda Inglesa. A cultura é construída, pertence a todos, produzida por sociedades em tempos e espaços diferentes. 4 E.P.Thompson (1924-1993) – historiador inglês da concepção teórica marxista e é considerado

por muitos como o maior historiador inglês do século XX.Seus artigos versam em grande parte sobre

a história do trabalho e da cultura sempre no âmbito das questões sociais centrando-se na classe operária.

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Halbwachs6, Bakhtin7, Ginzburg8 e a partir deles trouxe a construção que se tem da

ciência sobre esses conceitos.

Assim puderam ressignificar tais conceitos compreendendo-os de uma nova

maneira, dando um novo sentido ao que já estava formatado em seu sistema de

valores. É ressignificando suas definições sobre Memória, História e Cultura que ele

desenvolverá capacidades de compreender as circunstâncias da vida. Pois, quando

o significado é modificado ele também mudará a sua forma de agir, ou seja, a sua

prática. Sendo a prática algo material ela provoca nos sujeitos mudanças no seu

modo de agir levando os alunos a se perceberem como sujeitos de sua própria

história capaz de reescrevê-la. Desenvolvendo assim, uma consciência histórica

critica permitindo que ele formule outros pontos de vista históricos.

A consciência histórica cujo objetivo é dar identidade aos sujeitos e fornecer à

realidade em que eles vivem uma dimensão temporal, uma orientação que pode

guiar a ação, seja de forma intencional ou por meio da mediação da memória

histórica. Assim busquei recuperar a vivência pessoal e coletiva do aluno

enxergando-o como como um participante da realidade histórica objetivando

transformar com o conhecimento histórico.

O trabalho com a História Cultural realizado por alguns autores no qual

trabalhei, fez surgir novas possibilidades novos olhares, trazendo à tona o indivíduo

enquanto sujeito histórico, recompondo histórias de vida, particularmente aquelas

pertencentes às camadas populares. A história oral privilegia a experiência de vida

daqueles que narram suas histórias, assim busquei as singularidades das trajetórias

pessoais e de visão de mundo de cada um.

5 Pierre Nora(1931), Ocupa uma posição particular, que o qualifica como uma referência entre os

historiadores franceses contemporâneos. Conhecido pelos historiadores como um dos coordenadores de “Fazer a história” e o idealizador dos lugares de memória. 6 Maurice Halbwachs (1877-1945), foi um sociólogo francês da escola durkheimiana. A memória é o

passado vivido e a memória histórica é a sucessão dos acontecimentos marcantes. 7 Mikhail Bakhtin(1895-1975), foi um filósofo e pensador russo, teórico da cultura europeia e as artes.

Defende a Cultura popular por ser mais acessível ao maior número de pessoas não privilegiando a história oficial e das elites. 8 Carlo Ginzburg (1939), está entre os intelectuais mais notáveis da Itália. Estando entre os pioneiros,

tornou-se um dos principais nomes da Micro história, escola historiográfica que reduz a escala de observação e dá notoriedade a fatos relevantes que são ignorados dentro de um contexto construído de forma generalizadora, além de utilizar como recurso documental uma série de fontes que não era considerada pela história tradicional.

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Considerando que muitos de meus alunos se sentem excluídos da sociedade

e não se enxergam como um ser histórico que possui sua própria história de vida

senti a necessidade de lhes permitirem que contem a sua história. Pretendo assim

voltar a atenção as pessoas “comuns” no qual Thompson busca reconstruir as

experiências dessas pessoas consideradas “comuns “dando importância a sua sua

história.

Pois compartilhando a sua história de vida poderão entender que a história

não é construída apenas por heróis, reis, rainhas, políticos como nos contam os

livros. Mas mostrar que suas experiências de vida é fonte de conhecimento.

2. ALGUMAS REFLEXÕES

2.1 HISTÓRIA E MEMÓRIA

De acordo com Pierre Nora, História e Memória não são sinônimos e uma

opõe a outra. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que

não existe mais. Para o autor, a memória é um processo vivido, conduzido por

grupos vivos, portanto, em evolução permanente e suscetível a todas as

manipulações. Conforme Nora (1981):

A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido está em permanente evolução aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconscientes de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manifestações, suscetível de longas latências e de repentinas revitalizações.

Sendo assim trabalhar a história de vida dos alunos possibilita compreender

que tudo o que é chamado de história é memória, pois partilhando a história de vida

ele estará mergulhando na memória, ou seja, irá reviver sentimentos e situações que

talvez sejam intocadas por muito tempo. A memória é um fenômeno atual, um elo

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vivido no eterno presente, à história é uma representação do passado.

A memória não se preocupa com detalhes, ela se alimenta de lembranças

vagas. A memória emerge de um grupo que ela une sendo por natureza múltipla e

desacelerada, coletiva, plural e individualizada. Já a história é ao contrario pertence

a todos e a ninguém, só se liga as continuidades temporais, às evoluções e as

relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo. Na

mistura, a memória que dita e a história que escreve. Tudo aquilo que se considera

memória, para Nora é, história.

Para ele existem lugares particularmente ligados à tarefa de fazer recordar um

determinado passado, pois a memória é seletiva, nem tudo é lembrado, nem tudo é

gravado, nem tudo é registrado, ou seja, para lembrar é necessário esquecer. Dessa

forma pode-se entender que a memória é a representação do passado.

De acordo com Halbwachs, a memória apoia-se sobre o “passado vivido”, o

qual permite a constituição de uma narrativa sobre o passado do sujeito de forma

viva e natural, mais do que sobre o passado apreendido pela história escrita.

Em Halbwachs, a memória histórica é compreendida como a sucessão de

acontecimentos marcantes na história de um país, não se preocupando com

detalhes. Ele aponta que as lembranças podem, a partir da vivência em grupo, ser

reconstruída. E que através das lembranças do passado que se explora o significado

da experiência vivida. E que ao entrar em contato com as lembranças de outros,

sobre pontos comuns em nossas vidas, acabamos por expandir nossa percepção do

passado, contando com informações dadas por outros integrantes do mesmo grupo.

Para além da formação da memória, Halbwachs aponta que as lembranças

podem, a partir desta vivência em grupo, ser reconstruídas ou simuladas. Podemos

criar representações do passado assentadas na percepção de outras pessoas, no

que imaginamos ter acontecido ou pela internalização de representações de uma

memória histórica.

A lembrança, de acordo com Halbwachs, é uma imagem engajada em outras

imagens. A princípio a memória pode parecer ser um fenômeno de cunho pessoal,

pois cada indivíduo possui lembranças de sua trajetória de vida, no entanto

Maurice Halbwachs demonstrara-nos que, talvez, o aspecto mais importante

da memória seja o seu caráter social, como um fenômeno que é construído de forma

coletiva na qual pode sobre transformações e mudanças.

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Afirmando que não há memória que seja somente imaginação pura e simples

ou representação histórica que tenhamos construído que nos seja exterior, isto é,

todo este processo de construção da memória passa por um referencial que é o

sujeito. Conforme Nora, o significado histórico da palavra memória está relacionado

ao passado já vivido. Sendo ela de fundamental importância para a construção de

identidades sociais, pois cada grupo, a partir de suas tradições, constrói sua

memória. Assim a memória constitui um elemento essencial da identidade, da

percepção de si, e dos outros. Baseando-se nas ideias de Maurice Halbwachs a

memória pode apresentar de forma documentada ou através da oralidade, por meio

de depoimentos, testemunhos entre outros. A oralidade é uma

Como diz Thompson (1998) “à história oral é uma história construída em torno

das pessoas. Pois as experiências cotidianas que permite que as pessoas

Contribuam para o seu fazer-se”. Ela lança a vida para dentro da própria história e

isso alarga o seu campo de ação. Admite heróis vindos não só de líderes, mas

dentre a maioria desconhecida do povo. Mostra também que a história estuda a vida

de todos os homens e mulheres com o objetivo de recuperar o sentido das

experiências individuais e coletivas.

Neste sentido Thompson apresenta sua preocupação com os vistos de baixo:

Estou procurando resgatar o pobre descalço, o agricultor ultrapassado, tecelão do tear manual “obsoleto”, o artesão “utopista” e até os seguidores enganados de Joana Southcott, da enorme condescendência da posteridade. Suas habilidades e tradições podem ter-se tornado moribundas. Sua hostilidade ao novo industrialismo pode ter-se tornado retrógrada. Seus ideais comunitários podem ter-se tornado fantasias. Suas conspirações insurrecionais podem ter- se tornado imprudentes. Mas viveram nesses períodos de extrema perturbação social, e nós, não.

Sendo assim o autor deixa claro sua preocupação em recuperar as

experiências das pessoas comuns, pois são as experiências cotidianas que irão

permitir que as pessoas contribuíssem para o seu fazer-se. É dando voz às histórias

desses sujeitos, que eles irão perceber que são sujeitos de sua história.

Dessa maneira, podemos perceber que a História é portadora da

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possibilidade de levar o aluno a estabelecer relações e produzir reflexões sobre

culturas, espacialidades e temporalidades variadas através da construção de noções

que contemplem os seus valores e os de seu grupo, desenvolvendo para isto

relações cognitivas fazendo com que o aluno participe de forma ativa na sociedade e

tenha uma nova visão de mundo.

2.2 CULTURA E CULTURA POPULAR

Raymond Williams, afirma que todo o modo de vida é cultura na qual seu

autor encontra-se emerso. Cultura é história, ela organiza valores e significados da

sociedade e também institui outros valores e significados ao fazer isto. Cultura é

construída através do diálogo no dia a dia. Como afirma Williams “A Cultura é de

todos nós, em todas as sociedades e em todos os modos de pensar”. É nessa

interação social que toda a cultura é construída, ou seja, a cultura é produzida por

toda a sociedade. Para Williams a cultura não é um produto cuja especificidade se

desloca do todo, mas esta em relação direta com este todo. Williams, de acordo com

Cevasco, deixa claro sua posição quando afirma que:

Não há possibilidade de se chegar a uma cultura comum por meio da difusão e extensão dos valores de um grupo específico a todos os outros. Dada à sociedade que temos, esses valores seriam certamente os da classe dominante a questão é dar condições para que todos sejam produtores de cultura e não apenas consumidores de uma versão escolhida por uma minoria. (CEVASCO, 2003, p.54).

Dessa maneira a cultura articula instituições, interfere na política, faz girar o

capital, promove valores e contesta outros; enfim faz parte da vida cotidiana e

participa da vida de todos nós. Toda sociedade humana tem sua própria forma, seus

próprios propósitos, seus próprios significados, mostrando que a cultura é de todos.

Para Williams a cultura é experiência ordinária, que designa os significados comuns

a uma sociedade humana, seus modos de vida e também sua produção artística e

intelectual.

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Cultura é uma resposta aos acontecimentos que constituem o que viemos a

definir como indústria e democracia na qual provocaram mudanças na vida comum.

Sem ela não conseguiremos entender quem somos e para onde vamos.

Mostra que todo modo de vida faz com que damos sentido às nossas

instituições práticas e relações, ou seja, à sociedade na qual estamos inseridos.

Williams deixa claro que cultura como modo de vida e cultura como produto artístico

não se separam, pois o valor atribuído esta no significado coletivo de ambos. Assim

a arte deve ser analisada com o um processo social não separado de sociedade,

pois a arte é tão cultural quanto às demais práticas humanas. Dessa forma entende-

se que cultura produz realidade. Ela não morre a cultura está por todo lugar e em

todos os tempos, ou seja, onde está o homem lá com certeza estará à cultura.

Dois autores consagrados como Mikhail Bakhtin e Carlos Ginzburg realizaram

trabalhos fundamentais para a compreensão do que chamamos de Cultura Popular.

Bakhtin reconhece na cultura popular ideais de liberdade e universalidade. Bakhtin

tenta enfocar o perfil de como a cultura popular foi direcionada por um intelectual do

porte de Rabelais. Analisa e desvenda manifestações da cultura popular entre elas:

festas, cerimônias, banquetes, jogos, vocabulário entre outros. O carnaval tem um

destaque importante nesses estudos, pois representa a própria vida do povo

baseado no princípio do riso. Bakhtin se preocupa em definir uma cultura e não uma

sociedade, ou seja, busca entender a visão de mundo da cultura cômica popular, e

não refletir sobre a relação entre os seus valores e a sociedade da qual faz parte.

Mikhail Bakhtin, amplia o conceito de cultura popular para uma discussão sobre o

processo de circularidade cultural. Valorizando a cultura de pessoas comuns e

deixando claro que a cultura popular é dinâmica podendo inclusive influenciar numa

cultura dita hegemônica. O conceito de Bakhtin de circularidade permanece atual

mostrando que para se pensar a cultura contemporânea mesmo nas sociedades

burguesas existem expressões culturais que se relacionam e se interagem de várias

maneiras influenciando umas às outras.

Bakhtin via a cultura popular como a mais importante inspiração da produção

literária deixando claro que é da cultura popular que se apreende uma sabedoria

especial, uma ética de múltiplas possibilidades. Coloca que a cultura popular é

acessível ao maior número de pessoas e nem sempre tem igual tratamento, pois se

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privilegia a história oficial e das elites.

Ginzburg também mostra em suas obras os desníveis culturais que existiam

nas ditas sociedades civilizadas. No entanto, o uso da palavra cultura no intuito de

descrever crenças, atitudes e comportamentos próprios das classes subalternas, foi

de ocorrência relativamente tardia e surgiu do âmbito da Antropologia Cultural. Só

através do conceito de "cultura primitiva" é que se chegou de fato a reconhecer que

aqueles indivíduos outrora definidos de forma paternalista como "camadas inferiores

dos povos civilizados" possuíam cultura. A consciência pesada do colonialismo se

uniu assim à consciência pesada da opressão de classe, podendo assim superar as

antigas concepções de folclore como simples coleções de curiosidades, ou

concepções que viam as práticas culturais das camadas subalternas como sombras

das ruínas da cultura erudita. Ginzburg constata ainda que a aproximação da história

com a temática do popular é recente. As ideias ou crenças originais eram produtos

das classes dominantes, e a difusão entre as classes subalternas não era

interessante às ideias ou crenças sofreram deformação durante o processo de

transmissão.

Ginzburg em sua obra O queijo e os vermes (2006) retratam a vida de um

moleiro alfabetizado que tinha contato com o mundo das letras e nem por isso

perdeu sua cultura. Esse contato realçou a sua forma de pensar e interpretar os

fenômenos religiosos e a religiosidade. Mostrando assim que devemos respeitar e

valorizar as várias culturas, e que a pessoa simples tem também a sua história de

vida com suas experiências.

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4. METODOLOGIA

A presente proposta metodológica foi desenvolvida no CEEBJA, na cidade de

Cornélio Procópio, Estado do Paraná, na modalidade de Educação de Jovens e

Adultos – EJA, com alunos de atendimento individual. A implementação da Unidade

Didática se deu no primeiro semestre de 2014.

É necessário observar a metodologia na modalidade EJA, como um espaço

de estudo, dando ao aluno possibilidades de perceber as diversidades científicas,

culturais, sociais e políticas e garantindo a aprendizagem, que para muitos não foi

possível adquiri-la por vários motivos. Assim iniciei meu trabalho argumento em favor

do estudo do que tema que é a ressignificação dos conceitos de História, Memória e

Cultura.

O objetivo foi possibilitar aos alunos da EJA a construção dos conhecimentos

sistematizados significativos, ou seja, conhecimentos que garantam aos sujeitos a

lidar com a própria vida, no sentido de possibilitar novas e melhores formas de

compreensão e ressignificar ao longo da sua experiência de vida. Esses alunos

carregam uma importante experiência de vida dando assim a eles a oportunidade de

compreensão do sujeito no papel de agente social, transformador da realidade

vigente.

Os alunos da EJA pertencem ao mundo do trabalho, muitos advindos do meio

rural, vindo a escola buscar melhores ofertas para o mercado de trabalhado. Assim

entendo a necessidade de trabalhar com as experiências prévias dos alunos

portadores de histórias originais não vendo apenas como alunos de uma certa

instituição.

Partindo deste princípio realizei uma entrevista com os alunos, objetivando a

avaliação diagnóstica, observando a compreensão que eles possuíam sobre os

conceitos de História, Memória e Cultura, no qual responderam algumas questões

utilizando seus conhecimentos prévios. Após a coleta de dados, organizei e analisei

o material coletado seguindo-se a interpretação dos resultados. O questionário era

composto por doze questões contendo informações pessoais e opiniões dos alunos

sobre determinados assuntos.

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Na etapa seguinte foram trabalhados tais conceitos a partir dos autores como:

Willians, Thompson, Nora, Halbwachs, Bakhtin, Ginzburg e a partir deles refletimos a

construção que se tem da ciência sobre esses conceitos. Foram utilizados para

trabalhar esses autores textos que abordam o conceito de História, Memória e

Cultura. Junto com os textos foram realizados debates e questionamentos em sala

de aula, onde os alunos começaram a ressignificar suas opiniões sobre tais

conceitos.

Finalizei o projeto trabalhando com as experiências de vida dos alunos, pois

sua história de vida constitui um valioso instrumento pedagógico, no qual contribui

para a compreensão de valorização das especificidades que compõem a identidade

desses alunos. As histórias de vida contemplam aspectos de sua vida pessoal,

profissional e educativa, visando promover trocas de experiências, a sua visão de

mundo possibilitando assim reflexões acerca de suas vivências na busca de

promover melhores condições de vida.

Ao narrar a sua história os alunos tem a chance de refletir sobre si mesmo

enquanto sujeitos sociais, levando-os a perceberem que o mundo mudou, eles

também. Dessa forma pode-se perceber que o aluno que partilha sua história de

vida, ele mergulha na memória, ou seja, revive sentimentos e situações que talvez

são intocados por muito tempo. Para isso os alunos foram divididos em grupos de

quatro pessoas e solicitado que cada um relatasse aos seus colegas de grupo a

história da sua vida, trocando sua história com o grupo, comparando os

acontecimentos e relacionando coisas em comum.

Sendo assim foi oportunizado um espaço para que as vivências fossem

compartilhadas, atividade realizada no ambiente escolar, por meio de oficinas, na

qual abriram espaços de aprendizagem buscando o diálogo entre os alunos. Através

das oficinas as histórias de vida foram compartilhadas propondo novos

questionamentos ou novas situações problemas dando aos alunos a oportunidade

de se utilizarem dos novos conhecimentos adquiridos, no instante em que foram

socializadas visões de mundo que se complementaram a partir dos autores

trabalhados. Levando-os a perceberem que cada um possui uma história de vida

única e exclusiva: a história da sua vida e da sua família. Percebendo também que

de certa forma todos compartilham de uma mesma história, o que pode ser

percebido pelas semelhanças entre as diferentes histórias particulares.

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Nesse sentido, perceberam, a partir das intervenções, que suas histórias de

vida são parte da história e do contexto, que são parte de uma história de exclusão,

de expulsão do meio rural, vítimas de processo de violência, tanto do Estado como

por grupos econômicos, que a dificuldade que possuíam por acesso a cultura,

trabalho e educação vai impactar na sua visão de mundo. Podendo, a partir desse

contato com diversas realidades, também refletirem sobre as questões sociais em

que estão inseridos hoje, vindo a ser um cidadão critico com capacidade de perceber

a realidade social e procurar mudanças na sua realidade. Entendendo que todos

nós fazemos a história.

5. EJA: RESSIGNIFICANDO CONCEITOS

Essa pesquisa iniciou-se com o projeto intitulado de Memória, História e

Cultura: Trabalhando a ressignificação dos conceitos Históricos, a partir do cotidiano,

experiência e cultura popular dos alunos da EJA de Cornélio Procópio – Uma

relação dialética entre a Teoria e a Prática. Primeiramente os alunos responderam

uma entrevista na qual tive a intenção de realizar uma avaliação diagnóstica com as

seguintes questões.

1. Qual a sua profissão?

2. Qual a série você está cursando hoje?

3. O que levou você no passado a parar de estudar?

4. Que motivos fizeram com que você retornasse para a escola?

5. O que você espera com os estudos?

6. O que você entende por História?

7. Você se considera um sujeito da História? Justifique

8. O que é memória pra você?

9. Você acha importante preservar a memória? Por quê?

10. O que é cultura para você?

11. Você acha que tem cultura? Justifique.

12. Conte um pouco de sua experiência de vida.

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Após a realização da entrevista pude observar que muitos alunos não

compreendiam de forma clara o que era História, Memória e Cultura. Observei

também em que muitos deles achavam que não possuíam cultura e que não eram

sujeitos da História, entendo até então que sujeitos históricos eram as grandes

personalidades, indivíduos que tiveram seus nomes em livros ou realizaram grandes

feitos. No trabalho com os conceitos acerca de História, Memória e Cultura, foi

trabalhado com o autor Thompson no qual destacou-se com um olhar sobre a

“história vista de baixo”. Proposta na qual inclui novas fontes para o estudo da

História, a qual buscava detectar a voz dos excluídos, uma vez que os documentos

oficiais privilegiavam, a priori, o olhar dos vencedores. Sendo assim, uma história

que antes se preocupava apenas com a visão das elites agora volta sua atenção

para as pessoas “comuns”. Onde homens e mulheres tinham suas histórias

ignoradas, passam a ser ouvidos e suas experiências consideradas importantes pela

historiografia.

Em seguida iniciei a coleta de dados resultado do questionário respondido

pelos alunos da EJA. Foram trabalhados com a maioria mulheres donas de casa que

relataram que seu retorno a escola se deu em busca de condições melhores de vida,

e poderem contribuir para ajudar na educação escolar de seus filhos. No momento

em que propus a cada um contar sua experiência de vida procurei trabalhar com

Thompson, no qual ele valorizou a história das pessoas ditas “comuns”, buscando

dar voz aos excluídos, uma vez que os documentos oficiais privilegiavam, a priori, o

olhar dos vencedores.

Pensando desta maneira achamos por bem demonstrar com a história de vida

de Luciana9, (nome fictício) uma mulher simples, determinada que voltou a estudar

depois de vinte e três anos fora da escola. Ao narrar a sua história, percebemos que

Luciana veio de uma família pobre e sofrida, onde seus pais perderam quatro filhos

em poucos anos restando apenas ela e uma irmã Ela conta que após nove anos da

perda de seus irmãos sua mãe engravidou novamente, ganhando um casal de

gêmeos. Diante de toda aquela pobreza em se tratando de uma família muito

humilde seu pai chegou diante dela e de sua irmã e disse que era hora de

9 Luciana, aluna do Ceebja de Cornélio Procópio, tem 40 anos nasceu em Santa Mariana, é aluna

desde 2010, participa desse projeto na qual compartilhou suas experiências e sua história de vida.

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abandonar a escola pois precisavam ajudar no sustento de casa. Pois se a muitos

desses “pobres” se negava o acesso à educação, ao que mais eles podiam recorrer

senão a transmissão oral. (Thompson,1998)

Após abandonar a sua vida escolar foi colher algodão, depois café, quebrar

milho e cortar cana.Com dezessete anos teve uma filha na qual abandonada pelo

pai da criança lutou e criou sozinha passando por muitas dificuldades. Aos vinte e

um ano conheceu seu companheiro e casou-se novamente, tendo após dois anos o

seu segundo filho.Luciana viveu, assim como todos nós, como pensou Bourdieu "em

estruturas históricas da ordem masculina"

Trabalhava de diarista e nas horas vagas descascava nozes pecan

para revender, ganhava pouco, mas já ajudava. Seu marido sempre controlador

recolhia o dinheiro e guardava no banco, lugar onde Luciana nunca entrou então não

sabia o que o marido fazia com o dinheiro de seu trabalho, se realmente estava

sendo guardado ou não, sendo que nunca podiam comprar nada nem para ela nem

para os filhos.

A população trabalhadora tem pouca possibilidade de prever o futuro: essas pessoas não planejam sua “carreira”, nem família; não veem sua vida como uma forma definida diante de si, não economizam os altos ganhos de algumas semanas para fazer poupança, não planejam a compra de uma choupana, e nunca tiram férias. (Thopson,1998)

Sendo assim aproveitam a oportunidade na medida que ela surge, refletindo

pouco sobre as consequências, e foi assim na vida de Luciana que narra que sua

sua vida começou a mudar quando seu pai lhe deu a ela a quantia de dez reais,

onde com esse dinheiro ela comprou vinte quilos de uva e decidiu que iria ficar na

BR entre Santa Mariana e Cornélio Procópio vendendo suas uvas.

A partir de então com a graça de Deus Luciana conta que suas vendas foram

aumentando cada vez mais. Juntou dinheiro e pensando em uma vida melhor para

seus filhos mudou-se para Cornélio Procópio onde consegui comprar uma pequena

casa muito precária prometendo a ela mesma que trabalharia duro para reforma-la.

Em dois de janeiro de 2010, sua casa foi demolida. Com sua ajuda iniciava –

se o processo de construção, onde trabalhou muito para ajudar erguer a sua casa.

Seu filho de apenas dez anos que observava tudo o que estava acontecendo chegou

até a sua mãe dizendo para que deixasse de ser boba e começasse a pensar nela

também, propondo que ela voltasse a estudar. Neste momento ela parou e pensou

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que um filho também sabe aconselhar uma mãe. Com muito medo retornou para

escola vindo se matricular na quinta série do ensino fundamental no Ceebja de

Cornélio Procópio. Seu marido como sempre dificultava a sua ida para a escola, e

em dias de chuva ela pedia para que ele a levasse de carro, mas ela tinha que

colocar a gasolina, ele complicava sempre com a intenção que ela desistisse.

Mas a cada dia Luciana se evoluía, ela muito tímida quase não conversava

com ninguém. Enquanto educadora procurava valorizar seu saber e sua história

mostrando a ela que sua experiência de vida tinha muito valor. E reconhecendo que

há interesses egoístas de classe, que o pobre tem sempre que continuar pobres no

qual Bernard Mandeville cita:

É impossível que uma sociedade possa subsistir por muito tempo tolerando que muitos de seus membros vivam no ócio e gozem de todos os confortos e prazeres que possam inventar sem que, ao mesmo tempo, haja multidões que, para esse fim, concordem em viver da maneira totalmente oposta, acostumando seus corpos pelo uso e pela paciência a trabalhar para os outros além de para si mesmos. (Thompson,1998)

Partindo deste princípio, sua história se faz de lutas e vitórias, pois hoje

conseguiu com muito esforço vender a sua casa e comprar uma chácara próximo a

cidade, com o suor de seu trabalho. Não trabalha mais para os outros, possui seu

pedaço de terra e nela produz quase tudo que necessita para o consumo e venda.

Hoje faltando apenas a disciplina de química para concluir seus estudos e ressalta

que sua vida mudou completamente. Se valoriza mais, se impõe ao seu marido

exigindo respeito, não passa por necessidades e planta para o seu sustento e de

sua família cria vacas e produz queijo para vender.

Conclui sua história com muita alegria dizendo que vale a pena correr atrás de

seus sonhos mesmo que seja difícil, e que hoje se sente realizada na vida. E que

graças a Deus e aos estudos ela conquistou tudo na sua vida principalmente a sua

dignidade. Que retornar aos estudos na EJA, não propiciou apenas melhoria de vida

e oportunidade de trabalho mas também conhecimento, além de estabelecer laços

de afeto na relação aluno/professor.

Baseando-se em Thompson ele nos mostra que a história deve ser contada

não somente para a consideração de grandes fatos da história oficial e seus heróis,

sobretudo com os fatos ocorridos com as pessoas comuns que fazem parte da

massa esquecida. Utilizando-se assim da história oral, que tenta dar vida e voz as

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pessoas comuns de todas as sociedades. Mostrando que a história oral contribui

para o resgate da memória e esta deve ser valorizada. Pois a memória de um pode

ser a memória muitos, sendo que estão inseridos em um contexto familiar e social.

Dessa maneira foram criados os espaços do grupo para as partilhas das

experiências de vida permitindo que os alunos, ao tomarem contato com seus

sofrimentos por meio do compartilhar de suas experiências, pudessem ressignificá-

los. Começando assumir o comando de sua própria vida e perceber a importância de

sua história como um meio de não repetir acontecimentos passados. Assim como a

história de Luciana, de lutas e sofrimentos permitiram que após compartilhada, ela

fosse reelaborada, pois ao descobrir-se como sujeito ativo na construção de sua

história, apropriou-se dos recursos internos existentes, tornando-se possível

ressignificar suas experiências transformando-as e criando novas possibilidades de

vida.

Para Nora a memória é vida, tudo que se considera memória para ele é

história. Memória é a representação do passado, um passado que não é apenas de

um indivíduo somente, mas de um indivíduo inserido num contexto familiar, social,

econômico e nacional. Por tanto, relembrar o passado é um meio de explorar

significados subjetivos das experiências vividas.

Foi revivendo momentos de sua experiência de vida que Luciana reorganizou

a sua história, passando a se enxergar como a principal personagem, percebendo

que sua história de vida não pode ser mudada, mas que cada fase que se passou

pode ser ressignificada por ela. Permitindo neste momento mudanças e uma nova

visão sobre si, sem apagar o que se passou.

Puderam também através desta metodologia, analisar que ao

relatar suas memórias, conseguiram estabelecer outras relações com a experiência

vivenciada no passado e significá-las de forma mais intensa. Dessa maneira ficou

muito claro que os alunos começaram a se sentir como sujeitos históricos,

construtores de sua própria história de vida e não apenas expectadores vindo a

entender que fazem parte da história como um todo.

Dessa maneira Raymond Williams pensava uma cultura em comum,

partindo da visão de que a cultura é de todos, que não existe uma classe especial,

ou um grupo de pessoas, cuja tarefa seja a criação de significados e valores, seja

em sentido geral, seja no sentido especifico das artes e do conhecimento.

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Mostrando a todos que cultura é construída através do diálogo no dia a dia,

afirmando que a cultura é de todos nós, em todas as sociedades e em todos os

modos de pensar. Dando condições para que todos sejam produtores de sua cultura,

e não apenas consumidores de uma visão escolhida por uma minoria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os trabalhos realizados por meio deste projeto propiciaram ao educando da

EJA entender o significado de cultura e compreendendo assim suas raízes.

Refletiram sobre sua própria cultura percebendo a importância de mantê-la viva na

memória, valorizando a cultura de forma a preservar a identidade. Assim, puderam

ressignificar sua história de vida, como a de Luciana, mudando sua visão de mundo

entendendo que é um sujeito da história capaz de modificar a sociedade em que

vive. Ao relatarem suas histórias puderam voltar no tempo e, já talhados pela vida,

fazer uma releitura de si mesmo.

Entenderam e reelaboraram também seus conceitos sobre História, Cultura

e Memória. Percebendo que não existe uma verdade histórica única, e sim que

verdades são produzidas a partir de evidências que organizam diferentes

problematizações fundamentadas em fontes diversas, promovendo a consciência da

necessidade de uma contextualização social, política e cultural em cada momento

histórico. E que somente conhecendo e compreendendo o mundo e a sociedade em

que vivem, eles podem buscar alternativas individuais e coletivas de melhorias e

condições sociais.

A partir de então perceberam como anteriormente eram pensados tais

conceitos e como eles foram reelaborados, ou seja, ressignificados a partir do

trabalho realizado com base nos autores onde os alunos passaram a perceber que

existe sim uma relação entre o saber popular e o conhecimento cientifico ao

ressignificar seus conceitos sobre o assunto, passando a ter um novo significado e

possibilitando uma nova visão de mundo.

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Assim com este estudo tiveram a oportunidade de construir a

percepção de que possui uma história de vida pessoal, ao mesmo tempo que

compartilha e participa coletivamente dos processos históricos que marcaram a sua

época. O resgate das histórias individuais, permitiram conexões com contextos

históricos mais abrangentes, com conjunturas econômicas, sociais e políticas do

passado e da atualidade. Levando os alunos refletirem e entenderem seu papel

dentro da História, na qual possibilitou que o educando da EJA tornasse sujeito na

construção do conhecimento, onde ele passa a se reconhecer como sujeito do

processo e a confirma saberes adquiridos para a própria vida.

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