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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM DIDÁTICA ALTERNATIVA EM

QUÍMICA ORGANICA PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL

Maria Aparecida do Prado Torres1 Marcelo Maia Cirino2

RESUMO

Este artigo teve por objetivo utilizar abordagens didáticas diferenciadas para possibilitar a inclusão do aluno com deficiência visual. A proposta é melhorar a qualidade das aulas de Química nesse contexto, pois a maioria dos professores não traz esse preparo em sua formação acadêmica, praticamente inexiste o apoio de profissionais especializados e, além disso, constata-se uma ausência quase que absoluta de material didático para essa finalidade. A implementação da pesquisa deu-se no primeiro semestre de 2014, no Colégio Estadual Carlos Gomes, em Ubiratã (PR). A aplicação deste projeto ocorreu ao longo de 32 horas/aula, com alunos da 3ª série do Ensino Médio, tendo como conteúdo a descoberta do petróleo e seus derivados, nomenclatura dos hidrocarbonetos e as fontes energéticas. Os instrumentos de coletas de dados foram: diário da professora pesquisadora, questionários respondidos pelos alunos, elaboração e aplicação do caderno pedagógico com atividades diversas e observação. Os resultados apontam para a importância de se desenvolver um trabalho direcionado a alunos com deficiência visual, respeitando suas limitações, suas necessidades e especificidades, contribuindo assim para seu pleno desenvolvimento e para aprendizagem individual dos conteúdos da disciplina.

Palavra chave: Deficiência visual, inclusão, Química Orgânica.

1 INTRODUÇÃO

O estudo desta temática é decorrente das dificuldades enfrentadas pelos

docentes na inclusão de alunos com deficiência visual, na Educação Básica do

Ensino Escolar Regular.

As dificuldades relacionadas ao ensino específico envolvendo alunos com

necessidades especiais derivam do despreparo na formação acadêmica, da falta de

apoio de professores especializados e da ausência de materiais de apoio e/ou

opções metodológicas que propiciem aos alunos uma aprendizagem mais

significativa. Esses obstáculos são encontrados, de maneira amplificada, no ensino

da disciplina de Química.

1 Professora da Rede Pública do Estado do Paraná. Especialista em Educação, Planejamento e

Gerenciamento do Meio Ambiente (FECILCAM) e Educação Especial: Atendimento às Necessidades Especiais (IGUAÇU). Graduada em Ciências com Licenciatura Plena em Química pela UNOESTE/Presidente Prudente, atua no Colégio Estadual Carlos Gomes de Ubiratã. 2 Professor adjunto do Departamento de Química da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e

Orientador no Programa PDE.

Diante deste contexto, fica explícita a necessidade de se desenvolver um

trabalho direcionado às especificidades dos alunos com deficiência visual, avaliando

as possibilidades de se utilizar metodologias e abordagens diversificadas, mirando

sua inclusão.

Pensando numa educação de qualidade para alunos com deficiência visual e

consciente das dificuldades a serem superadas, elaboramos esta proposta didático-

pedagógica a ser desenvolvida com alunos do 3º Ano do Ensino Médio. Buscamos

responder ao questionamento que norteou a pesquisa durante o PDE: “A utilização

de estratégias didáticas alternativas, ou pouco convencionais, possibilitaria

experiências concretas aos alunos com deficiência visual?”

O ensino de Química está comumente relacionado às experiências visuais

concretas e utilitaristas. Utilizam-se representações abstratas, fórmulas, equações

químicas, símbolos e, durante as aulas experimentais, nos apoiamos fortemente em

observações de fenômenos diversos. Obviamente que este proceder é

extremamente complicado e de difícil envolvimento para os alunos com deficiência

visual. Isso ocorre também, em virtude da falta de contextualização dos conteúdos,

da ausência de modelos palpáveis e da inexistência de materiais apropriados.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Aspectos Históricos da Deficiência Visual

Em relação à educação de cegos, Vygotsky (1994) aponta, através de uma

retrospectiva histórica, como a cegueira era compreendida. Na visão popular era

entendida como um castigo dos céus ou uma dádiva divina. Ao mesmo tempo

existia um certo misticismo, acreditava–se que o cego tinha poderes espirituais

desenvolvidos, sendo pessoas iluminadas. Na Idade Média, com o advento do

cristianismo, a cegueira fez parte de doutrinas espirituais, ou seja, quanto maior o

sofrimento, mais próximo o indivíduo estaria de Deus. No século XVIII, o misticismo

dá lugar à Ciência, num período conhecido como “ingênuo, biológico”; a cegueira era

equilibrada no desenvolvimento de um outro membro ou parte do corpo.

Posteriormente, vem o período sócio-psicológico, do qual fazem parte os métodos

científicos. Nesse período, houve um cuidado especial com a educação na qual V.

Hauy fundou a educação para cegos e também foi desenvolvido o método Braille.

No conhecimento e no trabalho, Hauy encontrou uma solução para a tragédia do cego e apontou o caminho ao longo do qual nos encontramos agora andando. A era de Hauy deu a educação para o cego: nossa era deve dar-lhes o trabalho (Vygotsky, 1994, p. 04).

Vygotsky (1994), ao analisar o processo de educação, compreende a

cegueira como uma dificuldade sócio-psicológica e assinala três tipos de armas para

lutar contra a cegueira e seus efeitos. Essas armas são apresentadas como sendo a

fiscalização preventiva para que não haja o isolamento social, a educação social de

modo a incluir o deficiente visual no sistema escolar e o trabalho social dando a ele

dignidade e acabando com sua invalidez.

[...] A educação de uma criança deve ser realmente organizada sobre os mesmos termos como a educação de qualquer criança capaz de um desenvolvimento normal. A educação deve de fato fazer uma criança cega torna-se uma criança normal, um adulto socialmente aceito e deve eliminar o rotulo e noção de “defeituoso”, fixado ao cego (Vygotsky,1994, p.07).

O avanço da Ciência criou condições para o trabalho social de um deficiente

visual, sendo este um fator indispensável para dignidade de um sujeito.

2.2 Política de Educação inclusiva

A presença de alunos com necessidades educacionais especiais na rede

regular de ensino está regulamentada por diversas Leis, porém ainda encontramos

diversas barreiras. Sob a influência da declaração de Salamanca, em dezembro de

1996, foi publicada a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (BRASIL,

1996). Essa lei institui a educação especial inserida como modalidade de educação,

sendo ofertada dando preferências às redes regulares de ensino e contando com

apoio dos serviços e centros especializados quando necessário.

Em 2001, foi elaborado um parecer complementar: a Lei das Diretrizes

Nacionais da Educação Especial na Educação Básica determinando que “o

atendimento educacional especializado pode ser realizado em escolas especiais,

classes especiais, classes hospitalares e ambiente domiciliar” (BRASIL, 2001). E os

serviços de apoio pedagógico especializado poderão ocorrer no âmbito escolar em

classes comuns, em salas de recursos. Além disso, contam com apoio de

profissionais da área especializada, ensino itinerante e com professores intérpretes.

Para o atendimento de pessoas com deficiência visual, é oferecido o CAP (centro de

apoio pedagógico para atendimento às pessoas com deficiência visual).

A Lei n. 10.172/01 estabelece “ações preventivas nas áreas visuais e

auditivas até a generalização do atendimento aos alunos na educação infantil e

ensino fundamental” (BRASIL, 2001).

A Educação Especial está presente nos diversos níveis da educação escolar,

abrangendo todas as modalidades de ensino, e a inclusão de alunos com

necessidades educacionais especiais não consiste em uma integração, mas em

desenvolver suas potencialidades atendendo seus anseios e respeitando suas

individualidades. Para isso, a escola deve ter um projeto político pedagógico que

venha de encontro com seus anseios proporcionando um ensino de qualidade.

2.3 Ensino de Química e inclusão de alunos deficientes visuais

A escola inclusiva garante que o aluno deficiente visual frequente a rede

regular de ensino, a qual é direito de igualdade, porém ainda há muitos desafios a

serem enfrentados.

Com relação ao papel da escola, historicamente construído, sabemos que o mesmo tem sido cada vez mais diluído e difuso, tornado-se difícil apreensão, particularmente em relação à educação básica. Quanto à inclusão escolar, há muitos que a interpretam como ação implacável. Para tantos outros trata-se de medida a ser imposta a todos, em quaisquer circunstâncias individuais ou institucionais (MAZZOTTA, 2008, p.167).

Segundo Nascimento e colaboradores (2010), para ocorrer inclusão de alunos

com deficiência visual é necessário desenvolver-se um trabalho em equipe, com

preparo técnico por parte de professores e equipe pedagógica e uma infraestrutura

adequada. Em relação aos conteúdos de Química é completamente possível, desde

que haja apoio para produção de materiais adaptados a essas pessoas

(NASCIMENTO, 2010).

Para Levy e Facion (2009) só haverá uma educação de qualidade para todos

no processo de inclusão se houver participação ativa do educador. Para tanto se faz

necessário ter boas condições de trabalho, formação, competência pedagógica e

habilidades, dentre outros. A formação dos professores ainda é carente, pois estes

profissionais aplicam muito pouco do que aprenderam em seus cursos de formação,

devido em parte à dupla jornada de trabalho e da falta de recursos e materiais

pedagógicos adequados.

Conforme Lopes e Medeiros (2012) há três fatores que viabilizam a inclusão

de alunos com deficiência visual no sistema regular de ensino:

a) estrutura física;

b) formação de professores;

c) metodologias de ensino.

É necessário, portanto, uma formação continuada dos educadores, visando

desenvolver métodos de ensino e técnicas, que garantam um ensino de qualidade.

Para Cerqueira Ferreira (1996) a adequação de materiais didáticos é

essencial para a educação de deficientes visuais, levando em conta que:

Um dos problemas básicos do deficiente visual, em especial o cego, é a dificuldade de contato com o ambiente físico; a carência de materiais adequados pode conduzir a aprendizagem da criança deficiente visual a um mero verbalismo, desvinculando da realidade; a formação de conceitos depende do intimo contato da criança com as coisas do mundo; tal como [...] a criança tem visão normal, a deficiência visual necessita de motivação para a aprendizagem; alguns recursos podem suprir lacunas na aquisição de informações pela criança deficiente visual; o manuseio de diferentes materiais possibilita o treinamento da percepção tátil, facilitando a discriminação de detalhes e suscitando a realização de movimentos delicados com os dedos (CERQUEIRA e FERREIRA,1996, p. 01).

Ainda de acordo com Nascimento e colaboradores (2010), o ensino de

Química deveria apresentar uma inter-relação entre a informação química e o

contexto social, sendo isso uma condição básica e necessária para participação no

meio social, o que por sua vez propiciaria as condições necessárias para se fazer

uma melhor avaliação e transformar sua realidade.

A abordagem de temas sociais permite uma contextualização dos conteúdos e explicitam o papel social da química, suas aplicações, e possibilitam o individuo analisar como aplicar o conhecimento no cotidiano. É evidente que a abordagem de temas sociais tem de ser

fundamentada na integração entre conceitos químicos e a discussão de aspectos sociais (NASCIMENTO, 2010, p. 05).

Com relação às aulas de Química, Nascimento (2010) afirma que o

aprendizado encontra-se desvinculado das ações realizadas no cotidiano. Isso

significa que são dadas ênfases às teorias, às repetições e posta de lado a

necessária contextualização de conteúdos. E este é um fator importantíssimo para

despertar o interesse e a curiosidade do educando.

Creppe (2009) destaca a importância de se trabalhar com modelos

moleculares para maior compressão da geometria das moléculas orgânicas, optando

assim pelos modelos moleculares comercializados, visto que os modelos

moleculares construídos com materiais alternativos como bolas de isopor, palitos e

arame dificultam o manuseio, o ajuste e o posicionamento dos ângulos e encaixes,

apresentam pouca sensibilidade tátil e podem ainda causar acidentes.

Para Aragão (2012), vários conteúdos de Química se utilizam de

representações e modelos que isolam e afastam o aluno com deficiência visual dos

conceitos abordados, fazendo-se necessário priorizar a formação do cidadão para

que ele tenha acesso igualitário a todas as informações.

3 METODOLOGIA E ANALISE DOS DADOS

Para atender aos objetivos da pesquisa, foi realizado um estudo de caso.

Procuramos explorar o campo do conhecimento e da prática, o que, segundo

Chizzotti,

[...] é a pesquisa para coleta e registro de dados de um ou vários casos, para organizar um relatório ordenado e crítico ou avaliar analiticamente a experiência com o objetivo de tomar decisões ou propor ação transformadora (CHIZZOTTI, p. 102, 1995).

O projeto de intervenção pedagógica foi realizado no Colégio Estadual Carlos

Gomes, localizado em de Ubiratã (PR), que aceita matrículas de alunos com

deficiência visual e cegos. Foi escolhida para desenvolvimento desse projeto uma

classe do terceiro ano do Ensino Médio, com vinte alunos, sendo que uma das

alunas é cega.

As discussões a seguir são baseadas nos dados coletados durante a

implementação da produção didático-pedagógico, realizada durante o primeiro

semestre de 2014. Todo o material utilizado neste projeto foi impresso normalmente

para os alunos regulares e transcrito em braille para a aluna cega.

A implementação do projeto teve início com a avaliação, para todos os

alunos, a respeito do petróleo e de seus derivados, com objetivo de se obter

informações acerca do conhecimento prévio dos estudantes sobre o tema. As

informações obtidas contribuíram para o desenvolvimento do projeto que é

composto por três etapas de atividades, contemplando: I- descoberta do petróleo e

seus derivados, II- nomenclatura dos hidrocarbonetos e III- fontes energéticas.

Na primeira etapa, foi desenvolvida a história do petróleo, com uma

abordagem da problematização sobre a utilização do mesmo nos dias atuais, com o

objetivo de verificar o conhecimento prévio dos alunos acerca deste conteúdo. Esta

atividade foi realizada com quatro grupos de cinco alunos. Para isso, foram

disponibilizadas revistas para recortes, cartolina e pincéis. Deste modo esperava-se

que os alunos apresentassem suas análises sobre o petróleo e seus derivados. Em

contrapartida, as principais respostas apresentadas pelos alunos demonstraram que

o petróleo está relacionado apenas a função como “fonte” de combustíveis. Apenas

um grupo citou além de combustíveis, fontes de energia para aquecimento de casas

e medicamentos. A aluna cega participou da atividade através de discussões, numa

abordagem essencialmente dialógica, apresentando visão idêntica à dos demais

alunos.

Ainda nesta etapa, foi introduzida a história do petróleo, desenvolvida a partir

da retomada dos conceitos explorados na aula anterior, cujo tema foi petróleo e seus

derivados. Em seguida foi mostrado o vídeo “A história do petróleo no Mundo”3 e

“História do petróleo no Brasil”4, ambos disponíveis na internet, no site do “Youtube”

(www.youtube.com). Com esta metodologia, pretendemos demonstrar a importância

do petróleo em diferentes épocas e promover uma reflexão analítica sobre a sua

evolução tecnológica. Em seguida, foram realizadas discussões sobre os vídeos, as

quais relacionaram alguns fatos atuais, como investimentos, preços e a crise atual

da Petrobrás. Ao final da aula, baseando-nos nas respostas às discussões em

classe, os alunos conseguiram compreender bem a importância do petróleo para a

nossa sociedade e como ele vem sendo utilizado através dos tempos. A aluna cega

participou efetivamente das atividades. Como traz uma audição bastante aguçada,

3 Disponível em: http://youtu.be/CAaCCrgiaPc>. Acesso em: 20 set.2013 4 Disponível em: http://youtu.be/oixPbC8A850> Acesso em 21 set. 2013.

presta atenção em todos os detalhes e têm maior habilidade para correlacionar os

fatos sobre aquilo que ouve. Sua capacidade auditiva faz com que consiga absorver

muito bem o conteúdo, transformando sua aprendizagem em construção ativa do

conhecimento. Neste caso os benefícios do diálogo favorecem sua audição

contemplando os conteúdos e adaptando-os às suas realidades. Em seguida, os

alunos foram orientados a realizar uma pesquisa (em grupo), fora do horário das

aulas, sobre combustíveis para carros, para posterior apresentação na forma de

seminários.

Os alunos foram encaminhados ao laboratório de informática, para uso do

simulador, “Petróleo: do mar à refinaria”5, que disponibiliza, através de recursos

tecnológicos de simulação, o funcionamento completo de uma plataforma de

petróleo e o processo de refino do mesmo. A atividade foi realizada em duplas e o

professor pesquisador (PP) acompanhou a dupla em que estava inserida a aluna

cega. Uma aluna visual realizou a leitura das telas, e quando a aluna cega não

compreendia, o PP explicava e tentava auxiliá-la, sanando assim suas dúvidas. Ao

final da aula os alunos elaboraram suas respostas com base nos conhecimentos

adquiridos através do simulador. A maioria das duplas concluiu as atividades com

êxito, inclusive a aluna cega. Alguns alunos apresentaram dificuldades para

responder às questões, necessitando retornar ao aplicativo e contar com o auxilio do

professor. Neste caso a aluna cega, mesmo com todas as suas limitações,

apresentou um melhor resultado, sendo que suas explicações foram colhidas na

forma dialogada (não escrita).

Posteriormente, com objetivo de discutir sobre os problemas ambientais

ocasionados por derramamento de petróleo, foi apresentado um vídeo “As aventuras

de Sammy”6. Os alunos foram orientados a realizar uma pesquisa sobre as formas

de poluição causadas pelo petróleo, as consequências ambientais dos acidentes e

quais atitudes são possíveis de utilização para evitar um desastre ambiental ou

recuperar o meio ambiente. Na aula seguinte foi feito um debate envolvendo essas

temáticas e também outras formas de poluição impostas ao meio ambiente. Como

os alunos haviam assistido ao vídeo e realizado a pesquisa foi possível promover

um debate bastante rico em opiniões, que ampliou consideravelmente seus

5 Disponível em: http://www.quimica.seed.pr.gov.br/modules/galeria/detalhe.php?foto=1904&evento=5

Acesso em 16 set. 2013. 6 Disponível em: http://educadores.diaadia.pr.gov.br/modules/debaser/singlefile.php?id=21578

Acesso em 30 set. 2013.

horizontes conceituais. Nesta atividade a aluna cega teve um pouco de dificuldade

para compreender o vídeo, foi necessário narrar várias das cenas para auxiliá-la,

visto que o vídeo não prioriza totalmente a audição, mas participou ativamente das

discussões durante o debate. Para iniciar a segunda etapa, nomenclatura dos

hidrocarbonetos, foram confeccionados modelos moleculares através dos kits

moleculares Atomling 77 e Orbit Molecular Building System. Isso foi feito com o

proposito de facilitar o contato dos alunos com as representações propostas nas

estruturas das cadeias carbônicas. A escolha deste material foi baseada no trabalho

de Creppe (2009), no qual são apresentados alguns modelos para o ensino de

Química Orgânica, uma análise dos mesmos e a identificação do material mais

apropriado para se trabalhar com alunos com deficiência visual. No entanto o

material indicado foi o kit molecular Visions. Como não foi possível obtê-lo, optamos

pela segunda indicação, o Atomling 77 e o Orbit Molecular Building System, por

serem bastante semelhante ao Visions.

Figura 01: Modelo molecular da estrutura do etano empregando o modelo atômico Atomling 77 e Building System

FONTE: Maria A. P. Torres/ arquivo próprio, 2013.

Para introduzir o conteúdo foi apresentado o vídeo “Aí tem Química! Química

do Carbono - Química Orgânica”7 de modo a despertar o interesse dos alunos. As

moléculas citadas no vídeo foram apresentadas à aluna cega na forma de estruturas

moleculares. Conforme apresentávamos a cadeia carbônica no vídeo para a aluna

cega, disponibilizávamos o acompanhamento através da percepção tátil, permitindo

assim melhor compreensão do conteúdo. Em seguida foram apresentadas as

subdivisões dos hidrocarbonetos e a nomenclatura dos hidrocarbonetos de cadeia

normal.

Os modelos moleculares foram utilizados pelos alunos, de modo dinâmico

durante as aulas, quando puderam construir as cadeias carbônicas e nomeá-las. A 7 Disponível em : http: http://youtu.be/1q-PAI93C80 > Acesso em 05 out.2013

aluna cega utilizou o material juntamente com os demais alunos, assimilando muito

bem o conteúdo e relacionando o composto por meio da nomenclatura ao tipo de

hidrocarboneto, as vezes sem mesmo ter tido a explicação correspondente.

Para introduzir a nomenclatura dos hidrocarbonetos de cadeia ramificada

foram introduzidas as estruturas do isoctano e do n-heptano, hidrocarbonetos

presentes na gasolina, com o objetivo de compreender como se relacionam as

normas à estrutura da cadeia.

Figura 02: Fórmula estrutural do isoctano e n-heptano

FONTE: SEED PR, 2013.

Figura 03: Uso de modelos para representação de cadeias carbônicas

FONTE: Maria A.P.Torres/ arquivo próprio, 2014

Os alunos foram questionados sobre as diferenças existentes na estrutura

das moléculas e se estas diferenças interferem na qualidade do combustível. A

maioria das respostas se relacionou à presença do isoctano, cuja presença

implicaria numa gasolina de melhor qualidade. Questionados sobre essa resposta, a

justificativa foi devida às propagandas divulgadas nos meios de comunicação, mas

eles, no entanto, não sabiam o motivo. Em seguida foram orientados a fazer uma

pesquisa sobre a expressão “octanagem da gasolina” e os fatores que a referendam.

Após a pesquisa, foi feito um debate para discutir o tema, utilizando os índices de

octanagem, a capacidade antidetonante, a combustão completa e a temperatura de

ebulição. Desta forma foram inseridos os grupos funcionais e introduzida a

nomenclatura dos hidrocarbonetos de cadeia ramificada, associada à aplicação de

algumas atividades presentes no caderno pedagógico. As atividades de

nomenclatura foram aplicadas à aluna cega no formato Braille e através das

moléculas construídas a com palitos, sendo possível adquirir as habilidades

necessárias à aprendizagem por meio tátil. Para isso, entretanto, a aluna cega

encontrou maiores dificuldades na compreensão da leitura da molécula em Braille,

pois suas representações são feitas de formas diferentes. No entanto, para que ela

pudesse entender as fórmulas transcritas em Braille, recorremos ao livro “Grafia

Química em Braille para uso no Brasil”, sendo possível, a partir daí, observar

progressos na compreensão do conteúdo.

Figura 04: Fórmula estrutural

FONTE: Maria A. P. Torres/ arquivo próprio, 2013.

Para introduzir os hidrocarbonetos aromáticos, foi realizada a leitura de um

texto “Os hidrocarbonetos aromáticos e a ocorrência de câncer de pulmão entre

fumantes”8, com o objetivo de identificar os compostos aromáticos presentes em

nosso cotidiano. Nesta atividade foi solicitado ainda, aos alunos, que trouxessem

embalagens de produtos ou bulas de medicamentos que contivessem fórmulas de

compostos aromáticos. Eles conseguiram identificar que várias das substâncias

utilizadas em seu cotidiano contem estes compostos. Aproveitando a curiosidade

dos alunos, foi discutido se todas as substâncias que possuem anel benzênico

causam riscos à saúde humana. Ocorreram divergências nas respostas, alguns

alunos disseram que sim, devido à leitura do texto e também pela influencia dos

rótulos de alguns agrotóxicos e pesticidas. Outros afirmaram que não, pois alguns

medicamentos contêm este composto. Deste modo, foram apresentadas as fórmulas

estruturais de algumas vitaminas, como as vitaminas E e K, que estão presentes em

alguns vegetais e atuam como “antioxidantes” no organismo e interferem no

processo da coagulação sanguínea, que são essenciais à saúde humana.

8 MORTIMER, Eduardo Fleury; MACHADO, Andréa Horta. Química. São Paulo: Scipione, 2011. 3 v.

Na terceira etapa, o objetivo foi estabelecer discussão sobre as principais

fontes energéticas. Para isso, foi realizada uma reflexão em torno da seguinte

colocação: “A escolha das fontes energéticas é uma opção individual, mas na

escolha de um combustível é necessário levar em conta alguns fatores como

propriedades físicas e químicas, volatilidade, eficiência energética, etc.” (SANTOS e

MOL, 2010).

Deste modo o questionamento que se apresentou foi: gasolina ou álcool?

Qual a melhor opção de combustível? Como os alunos já tinham algum

conhecimento sobre o assunto foi possível gerar discussões em torno da questão,

porém ainda longe de um consenso. Em seguida, ocorreu o seminário com a

apresentação das pesquisas sobre os combustíveis utilizados nos automóveis. A

aluna cega trouxe o trabalho sobre álcool automotivo, com uma excelente

apresentação, tanto no conteúdo quanto na forma de se expressar (oralidade).

Através da leitura do texto “Políticas Energéticas”9 realizamos uma discussão

a respeito dos fatores que devem ser levados em conta na hora da escolha de um

combustível. Como atividade extraclasse os alunos fizeram uma pesquisa nos

postos de combustíveis, a fim de coletar informações sobre o combustível mais

comercializado na região. Como a cidade se localiza em uma região essencialmente

agrícola, os alunos foram orientados a realizar a pesquisa em pontos estratégicos,

localizados no centro da cidade e em bairros mais afastados e próximos às

cooperativas agroindustriais.

Na semana seguinte, cada grupo apresentou seus trabalhos, alimentando as

discussões, pois os grupos apresentaram resultados bastante diferentes.

Posteriormente fomos ao laboratório para determinar o teor de álcool presente na

gasolina. A gasolina comercializada no Brasil contém cerca de 25% de álcool etílico,

conforme normas da ANP (Agencia Nacional do Petróleo). Para determinar o volume

de álcool presente na gasolina utilizamos algumas amostras coletadas em postos de

combustíveis da cidade. Foram realizadas algumas discussões prévias antes do

experimento, para instigar os alunos a refletir sobre uma prática cotidiana que muitas

vezes passa despercebido, por exemplo, ao abastecer o carro é possível identificar

se o combustível esta adulterado?

9 SANTOS, W.; MÓL, G. S. Química Cidadã. São Paulo: Nova Geração, vol. 02, 2010.

Provetas de 100 ml com tampa;

Amostras de gasolina;

Solução saturada de cloreto de sódio;

Luvas e óculos de proteção;

Elástico.

Os grupos receberam as amostras do combustível, algumas adulteradas

previamente por nós, com o objetivo de apresentar resultados fora dos limites

permitidos por lei. No grupo da aluna cega havia, entre os materiais disponíveis, um

elástico para se utilizar na proveta (como marcador em alto relevo) com a função

especifica de verificar o deslocamento do volume da gasolina presente na proveta.

Após realização do experimento os grupos calcularam a porcentagem do

álcool presente na gasolina. Como algumas das amostras estavam adulteradas os

alunos ficaram indignados, querendo saber sua origem. Com isso foi possível gerar

as discussões a respeito do tema e os problemas causados pelo mesmo. Para

finalizar, em grupos, os alunos responderam às questões interpretando os

resultados do experimento e relacionando-os às outras propriedades físico-químicas.

A aluna cega realizou a atividade com auxilio dos demais alunos, participando

ativamente de todos os momentos da aula. Ela pode acompanhar a realização do

experimento por meio da movimentação do elástico na proveta, conforme a variação

do volume dos líquidos, e depois disso elaborar o cálculo da porcentagem do álcool

presente na gasolina.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho se propôs a utilizar diversas estratégias didáticas para

possibilitar a inclusão ao aluno com deficiência visual e melhorar a qualidade das

aulas de Química e, assim, entendemos que a elaboração de materiais didáticos

para propiciar experiências táteis, auditivas e atividades que desenvolvam o espírito

de coletividade facilitou bastante a integração entre os alunos visuais e deficientes

visuais.

A realização desta pesquisa possibilitou ainda a reflexão sobre nossa função

como educador e sobre alternativas didáticas à prática pedagógica comum, com

intuito de promover a inclusão de alunos com necessidades especiais. Observamos

ainda o quanto se faz necessário buscar novas abordagens que auxiliem no

processo de ensino e aprendizagem para alunos com necessidades especiais

(surdez e outros tipos de carências). Muitas vezes uma simples adaptação e/ou

modificação de um material didático torna utilíssima uma ferramenta instrucional. A

Química, ao ser apresentada a bordo de estratégias didáticas alternativas, propicia

maior interesse e disponibiliza ao aluno deficiente visual experiências concretas que

o levam a analisar, compreender e questionar fenômenos que ocorrem à sua volta.

Assim, destacamos a importância de se desenvolver um trabalho direcionado a

estes sujeitos, respeitando suas características, necessidades, especificidades e

contribuindo para seu pleno desenvolvimento.

No entanto, pensando sobre as dificuldades encontradas no decorrer da

aplicação da produção didático-pedagógico ficou claro que é necessário se fazer

muito mais para que realmente haja inclusão. É imprescindível mudanças na

formação inicial, na formação continuada, na elaboração de materiais apropriados, e

que sejam disponibilizados profissionais especialistas para auxiliar no processo de

ensino e aprendizagem.

Como resultado final fica a sensação de que falta muito ainda, mas também

de que, de nossa parte, houve uma sincera reflexão sobre o papel do educador e do

poder transformador relacionado à prática pedagógica. Esta visão é embasada nas

opiniões de Mazzotta (2008) e Nascimento (2010) e têm como referência a prática

educacional como ponto de partida para a qualificação do ensino, capaz de enfrentar

os desafios e lidar com as dificuldades enfrentadas pelos profissionais da educação

no preparo de lidar com as especificidades contemporâneas da inclusão, em

especial do aluno cego.

5 REFERÊNCIAS

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