OS DESAFIOS DA ESCOLA NA CONTEMPORANEIDADE: … · lógica excludente e linear da escola...

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OS DESAFIOS DA ESCOLA NA CONTEMPORANEIDADE: CONVERSAÇÕES... Joana Cecília Biss Silva (FURB) Diana Sueli Vasselai Simão (FURB) Orientadora: Gicele Maria Cervi (FURB) INTRODUÇÃO A existência da escola, embora pareça tão natural e óbvia, nem sempre existiu. Essa instituição de ensino foi inventada, pensada e construída para atender a um conjunto de demandas específicas de uma época, de um projeto histórico. Essa instituição de confinamento era compatível com os corpos e subjetividades da sociedade industrial, os sujeitos eram treinados para que funcionassem com eficiência. Na contemporaneidade exigem-se outras habilidades e competências para tornar cada um de nós mais produtivo e eficaz. A sociedade requer corpos compatíveis com o modo de ser e de estar no mundo contemporâneo, e a escola se vê interpelada por essas transformações. As mudanças impostas pela sociedade com o crescente uso das tecnologias digitais desafiam a forma de se fazer educação na escola regular e consequentemente causam perplexidade, insegurança e inquietação aos professores. A chamada escola ou (pedagogia) tradicional se fez presente no contexto escolar, de modo hegemônico, até o fim do século XIX. Neste âmbito é enfatizada a exposição dos conteúdos de forma verbal pelo professor, que é autoridade máxima, bem como a memorização por meio da repetição. O estudante deve se empenhar para atingir êxito pelo próprio esforço. Prevalece a transmissão de conhecimento, sendo a escola centrada em uma formação moral e intelectual. É hierarquizada com normas de disciplina (SAVIANI, 2007). A partir do fim do século XIX, na busca pela superação da concepção tradicional surgiram iniciativas visando à implantação de novas formas de ensino. Surge, então, a Escola Nova com uma proposta na qual o aluno passa a ser o centro do processo. O professor se torna facilitador da aprendizagem, priorizando o desenvolvimento psicológico e a autorrealização do educando, agora agente ativo, criativo e participativo no ensino-aprendizagem. Os conteúdos ganham significação, são expostos por meio de atividades variadas como trabalhos em grupo,

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OS DESAFIOS DA ESCOLA NA CONTEMPORANEIDADE: CONVERSAÇÕES...

Joana Cecília Biss Silva (FURB)

Diana Sueli Vasselai Simão (FURB)

Orientadora: Gicele Maria Cervi (FURB)

INTRODUÇÃO

A existência da escola, embora pareça tão natural e óbvia, nem sempre existiu. Essa

instituição de ensino foi inventada, pensada e construída para atender a um conjunto de

demandas específicas de uma época, de um projeto histórico. Essa instituição de confinamento

era compatível com os corpos e subjetividades da sociedade industrial, os sujeitos eram

treinados para que funcionassem com eficiência.

Na contemporaneidade exigem-se outras habilidades e competências para tornar cada

um de nós mais produtivo e eficaz. A sociedade requer corpos compatíveis com o modo de ser

e de estar no mundo contemporâneo, e a escola se vê interpelada por essas transformações. As

mudanças impostas pela sociedade com o crescente uso das tecnologias digitais desafiam a

forma de se fazer educação na escola regular e consequentemente causam perplexidade,

insegurança e inquietação aos professores.

A chamada escola ou (pedagogia) tradicional se fez presente no contexto escolar, de

modo hegemônico, até o fim do século XIX. Neste âmbito é enfatizada a exposição dos

conteúdos de forma verbal pelo professor, que é autoridade máxima, bem como a memorização

por meio da repetição. O estudante deve se empenhar para atingir êxito pelo próprio esforço.

Prevalece a transmissão de conhecimento, sendo a escola centrada em uma formação moral e

intelectual. É hierarquizada com normas de disciplina (SAVIANI, 2007).

A partir do fim do século XIX, na busca pela superação da concepção tradicional

surgiram iniciativas visando à implantação de novas formas de ensino. Surge, então, a Escola

Nova com uma proposta na qual o aluno passa a ser o centro do processo. O professor se torna

facilitador da aprendizagem, priorizando o desenvolvimento psicológico e a autorrealização do

educando, agora agente ativo, criativo e participativo no ensino-aprendizagem. Os conteúdos

ganham significação, são expostos por meio de atividades variadas como trabalhos em grupo,

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pesquisas, jogos, experiências, entre outros. Sua principal característica é “aprender a

aprender”.

De acordo com Teixeira (1971) o próprio ato de aprender, durante muito tempo

significou simples memorização; depois seu sentido passou a incluir a compreensão e a

expressão do que fora ensinado; por último, envolveu algo mais: ganhar um modo de agir. Só

se aprende quando se assimila uma coisa de tal forma que, chegado o momento oportuno, sabe-

se agir de acordo com o aprendido.

A Escola Nova no Brasil surgiu vinculada à necessidade de expandir o ensino elementar,

de superar a escola tradicional diante das exigências do mundo moderno e teve por base uma

nova filosofia da educação derivada do novo tipo de vida, de uma nova concepção das suas

funções sociais. “A escola é o retrato da sociedade a que serve” (TEIXEIRA, 1971).

Os intelectuais que se intitularam renovadores propõem um novo olhar sobre a função

da escola, sobre a criança e sua inserção na sociedade, por entender que a educação oferecida

não poderia estar alheia aos problemas sociais nem ao indivíduo partícipe do processo. Para

isso, Freire (1980), que a partir da década de oitenta, surge com a Tendência Progressista

Libertadora, utilizou-se do método dialógico e interdisciplinar. O professor é apresentado como

animador da discussão em grupo, inserindo o contexto sociopolítico do aprendiz na prática

didática, fazendo uma análise crítica da realidade, gerando conhecimento a partir da leitura do

contexto social no qual o aluno está inserido. Conforme Freire (1987, p. 30): “A educação é um

ato político, ideológico e emancipatório (ou doutrinador), que cria vínculos e compromissos

com o futuro, de maneira a contribuir como seres humanos, que vivem e realizam suas

atividades em sociedade”.

O presente artigo pretende discutir os desafios da escola na contemporaneidade

avaliando a prática da “concepção bancária”, tão duramente criticada por Paulo Freire como

metodologia de ensino, e avaliar, em diálogo aberto com os alunos do 9º ano A da E.B.M.

Professora Zulma Souza da Silva se na sala de aula os alunos percebem, na didática do

professor, elementos dessa postura libertadora defendida por Freire. Ao contextualizar a

concepção bancária e demonstrar algumas tentativas de reconceituação da escola, como a

implantação da escola em ciclos de formação e consequentemente o ensino por meio de

projetos, faz-se uma reflexão em relação aos desafios que a escola vem enfrentando na

contemporaneidade.

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Para orientar esse processo de discussão, os alunos escolhidos para participar do projeto

responderam com suas opiniões alguns direcionamentos capazes de esclarecer como eles

entendem o processo de ensino aprendizagem em sua rotina e de que forma eles conseguem

absorver melhor o conteúdo trazido pelo professor avaliando dois contextos distintos: o diálogo

e as mídias. Esclarecem também, ainda que indiretamente, algumas posturas e resquícios das

metodologias de ensino usadas no cotidiano da escola que apontam para a compreensão da

metodologia de aprendizagem vigente.

Não é pretensão desse artigo apresentar ou julgar métodos e posturas dos profissionais

que atuam na escola pesquisada, somente esclarecer, com o devido cuidado e sensibilidade

como o aprendiz entende e percebe o seu universo e como melhor compreende o processo de

aquisição do conhecimento.

É nesse sentido, que se estabelece o problema de pesquisa desse estudo: Os estudantes

do 9ºano A da escola pesquisada percebem na sala de aula e na didática dos professores

elementos da postura libertadora defendida por Paulo Freire?

A “Concepção Bancária” criticada por Paulo Freire e a Escola Libertadora

Freire (1987) define que no modelo tradicional de educação, os professores são os

agentes ativos na troca pedagógica, os únicos detentores de conhecimento legítimo, e depositam

esse saber na cabeça dos estudantes, considerados “depositários”, passivos da informação

externa, e que mais tarde recitarão ou escreverão mecanicamente os saberes recebidos. Na

chamada concepção bancária de educação, de acordo com Freire (2006, p. 69): “O educador é

aquele que age; os alunos, aqueles que têm a impressão de agir, através da ação do educador; o

educador escolhe o conteúdo do programa; os alunos, nunca são consultados sobre essa escolha

[...]”.

Além disso, se na educação bancária o docente é aquele que conhece e o aluno aquele

que não conhece nada, a tarefa do primeiro consistirá em trazer conhecimentos para o segundo,

e esses conhecimentos, segundo Freire, não serão aqueles da “experiência vivida”, mas os da

experiência narrada ou transmitida (FREIRE, 2006).

Contra o método tradicional, Freire (2006) propõe uma abordagem dialógica que faça

dos estudantes co-participantes do seu próprio crescimento intelectual, que procura envolver os

estudantes no processo de aprendizagem e levá-los a assumir a sua cultura e a sua experiência

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pessoal como pontos de referência; despertando-os para a consciência das forças sociopolíticas

que dão forma a essa realidade.

Freire (1987) salienta ainda, que essa realidade pode ser transformada por meio do

diálogo crítico, libertador que leva à reflexão crítica e à ação prática, dando às pessoas poder

sobre sua própria vida. Educar é um ato essencialmente político no qual os mais fracos

aprendem a obter o poder, pois a força encontra-se na coletividade. Freire (1987, p. 29) diz:

“Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, os homens se libertam em comunhão”.

Com a redemocratização do país na década de 1980 que encerrava um período de

autoritarismo; com as significativas mudanças políticas, econômicas e sociais que refletiram no

contexto geral do país; e diante da visão educativa de Freire, na qual se inscrevia em uma

perspectiva dialógica concebendo a educação como prática de liberdade, o Sistema Municipal

de Ensino de Blumenau propôs a implantação da Escola Sem Fronteiras.

Paulo Freire e a Escola Sem Fronteiras

Para escapar à alienação da educação bancária, a Escola Sem Fronteiras propôs a

reorganização temporal da escola em ciclos de formação, de acordo com a política de inclusão,

que acolhe a todos a partir de seus processos históricos, culturais em uma tentativa dialógica. E

diante desses processos avançam na aprendizagem de cada um e, por conseguinte, no pleno

desenvolvimento integral do ser humano. A proposta da Escola Sem Fronteiras atendeu ao que

preconiza a LDB em seu artigo 2º ao dizer que a educação “tem por finalidade o pleno

desenvolvimento do educando”.

A Escola Sem Fronteiras é o resultado da caminhada dos educadores da Rede Municipal

de Ensino de Blumenau no exercício reflexivo e na busca de práticas que pudessem superar a

lógica excludente e linear da escola convencional. Essa proposta foi organizada a partir do ano

de 1997, tendo como eixos norteadores o acesso, a permanência e sucesso de todos os sujeitos

envolvidos pela escola, a qualidade social da educação e a gestão democrática.

A Escola Sem Fronteira apoia-se nos pressupostos de um projeto de autonomia e

liberdade, defendidos por Freire (1987), e rompe com o processo restrito da escolarização que

reduz a aprendizagem ao que acontece dentro dos muros da escola. Acreditando que a educação

possa ser construída nos mais diversos espaços e tempos históricos, sociais e culturais. A

educação é vista como um processo de oportunização do desenvolvimento pleno das

potencialidades dos humanos. Segundo Arroyo (2000, p. 53): “Não nascemos humanos, nos

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fazemos humanos. Aprendemos a ser. [...] Se preferirmos, toda criança nasce humana, mas isso

não basta! Temos que aprender a sê-lo. Podemos acertar ou fracassar. Nessa aprendizagem

também há sucesso e fracasso”.

A utilização do conhecimento, a reflexão sobre as implicações de seu uso, por um lado,

e, por outro, a compreensão de como se efetua no ser humano a construção do conhecimento e

de como modifica os processos do pensamento e de memória passam a ser, nesta proposta,

elementos fundamentais da ação educativa.

O ciclo de formação é consequência da reconceituação da escola como espaço de

formação, não só de aprendizagem. A constituição do sujeito é a preocupação inicial, e a partir

daí se concebe uma educação em que as aprendizagens serão definidas em função deste objetivo

mais amplo. Não se trata, portanto, de justaposição de aprendizagens das várias áreas, mas do

conhecimento como parte integrante da formação humana, o que inclui certamente, a dimensão

ética do conhecimento. A noção de ciclos está ligada, a um projeto de educação que valoriza a

formação global humana.

De acordo com Miguel Arroyo (2000), ciclo não é um amontoado ou conglomerado de

séries, nem uma simples receita para facilitar o fluxo escolar, acabar com a reprovação e a

retenção, não é uma sequência de ritmos de aprendizagem. É mais do que isso. É uma procura,

nada fácil, de organizar o trabalho, os tempos e espaços, os saberes, as experiências de

socialização da maneira mais respeitosa para com as temporalidades do desenvolvimento

humano. As idades da vida, da formação humana passam a ser o eixo estruturante do pensar,

planejar, intervir e fazer educativos, da organização das atividades, dos conhecimentos, dos

valores, tempos e espaços. Trabalhar em um determinado tempo-ciclo da formação humana

passa a ser o eixo identitário dos profissionais da educação básica e de seu trabalho coletivo e

individual.

Diante desse entendimento, dessa nova maneira de trabalhar, há uma diferente

perspectiva educacional, com mais autonomia com relação aos tempos e espaços, fortalecendo

assim o ensino por projetos. Com eles, as disciplinas deixam de ser trabalhadas isoladamente

para serem entendidas como campos conceituais do conhecimento. Os referenciais curriculares

representam capacidades, domínios, habilidades, apropriações que se pretendem alcançar na

fase de formação. Os conteúdos deixam de ter finalidades em si mesmo e passam a ser vistos

como meios (desenvolvimento contextualizado). Entende-se que o conhecimento é construído

e reconstruído, processual e continuamente. Ele é resultado da história de vida, as experiências

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de cada um e sugere uma intervenção ativa do sujeito. Trabalhar com projetos motiva tal

intervenção.

Os projetos apontam para outra maneira de representar o conhecimento escolar

baseando-se na aprendizagem e intervenção da realidade, orientando o estabelecimento de

relações entre a vida dos alunos e professores e o conhecimento que as disciplinas e outros

saberes não disciplinares vão elaborando. Tudo isso para favorecer o desenvolvimento de

estratégias de indignação, interpretação e apresentação do processo percorrido ao estudar-se um

tema ou um problema que, por sua complexidade, favorece o melhor conhecimento dos alunos

e dos professores a respeito de si mesmos e do mundo em que vivem. No ponto de vista de

Hernandez (1998): “Os projetos de trabalho supõem, um enfoque no ensino que trata de

ressituar, repensar, recriar as concepções e as práticas educacionais na escola e não

simplesmente adaptar uma proposta do passado e atualizá-la”. Buscam uma escola voltada para

o que é mais significativo e significante na construção do ser humano, tendo conhecimentos

que lhe possibilitem construir uma sociedade justa, ética e feliz.

A Escola na Contemporaneidade

A escola que temos hoje não corresponde á mesma instituição que marcou a primeira

metade do século XX. Durante esse século fomos conhecendo escolas. A instituição escolar

sofreu mutações que podemos sintetizar em uma fórmula breve: a escola passou de um contexto

de certezas, para um contexto de promessas, inserindo-se, atualmente, em um contexto de

incertezas (CANÁRIO, 2006).

Segundo Canário (2006), a escola de certezas correspondeu à primeira metade do século

XX e funcionava como “fábrica de cidadãos”. A escola de promessas marcou a passagem de

uma escola elitista para uma escola de massas e a escola de incertezas marca um contexto de

acréscimo de qualificações, de desigualdades, desemprego e dos diplomas escolares.

Com a modernidade, as transformações físicas, sociais e culturais influenciam as escolas

e essas mudanças estão influenciando os corpos e as subjetividades, porém em pleno século

XXI a escola continua com a mesma estrutura e organização pedagógica. Muros altos, salas

fechadas, carteiras enfileiradas, quadro, mesa do professor à frente, continua com os mesmos

tempos e os mesmos espaços, fragmentação dos conteúdos e engavetamento das disciplinas.

Tais características permanecem presentes hoje em dia e servem como forma de

disciplinamento dos corpos. “A ordenação por fileiras no século XVIII começa a definir a

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grande forma de repartição dos indivíduos na ordem escolar: filas de alunos na sala; [...]

alinhamento das classes de idade umas depois das outras; sucessão dos assuntos ensinados [...]”

(FOUCAULT, 2012, p. 141).

De acordo com o autor supracitado, o corpo que pode ser submetido, utilizado,

transformado e/ou aperfeiçoado é dócil. E é esta uma das características da escola: “docilizar”

o aluno, torná-lo utilizável para a sociedade. Tanto seus componentes quanto seus modos de

funcionamento não estão em sintonia com os jovens do século XXI e de acordo com Sibília

(2012, p. 11):

[...] Ainda assim e apesar de tudo, insiste em acontecer todos os dias durante longas

horas, em quase todos os cantos do planeta -, as peças não se encaixam bem:

descobrem-se ressaltos imprevistos em suas engrenagens e os circuitos se obstruem

com frequência, ocasionando toda sorte de atritos, ruídos, transbordamentos e até

enormes desastres.

A estrutura continua a mesma, os tempos e espaço também, mas os sujeitos são outros.

Para Sibília (2012) por um lado há a escola, com todo o classicismo que ela carrega nas costas;

por outro, a presença cada vez mais incontestável desses “modos de ser” tipicamente

contemporâneos.

E isso, vivencia-se diariamente na escola, a criança não quer mais permanecer sentada

ouvindo um professor durante quatro horas. Antigamente o conhecimento era obtido por meio

da escola. Hoje o aluno é midiático. De acordo com Sibília (2012, p. 87), a velocidade do fluxo

de informação atual, bem como sua intensidade, conspira contra a coagulação dos significados.

O estudante atual, portanto, não seria mais um receptor, mas, sim, um usuário que “surfa

ininterruptamente no caos das informações”, reconstituindo e ordenando esse caos com

velocidades bem diferentes dos ritmos e tempos escolares.

Dessa forma, o professor que foi educado, formado, informado, concebido,

profissionalizado... como fruto de diferentes concepções (bancária, tradicionalista, libertadora,

sem fronteiras...) precisa atuar junto a um aluno contemporâneo totalmente digital, com pleno

acesso à informação, com meios mais atraentes, rápidos e conectados a diferentes universos de

ação. Por conseguinte, o docente precisa focar seu planejamento a formas diferenciadas de

chamar a atenção desse aluno aos contextos que são importantes para a sua formação. E, como

conseqüência, precisa estar em constante formação, para poder atingir de forma eficiente e

eficaz os resultados almejados. No entanto, é preciso perceber como os alunos avaliam esse

processo / espaço de ensino e aprendizagem.

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DISCUSSÕES

Com a pretensão de não julgar e sem o propósito de criticar posturas ou metodologias

adotadas pelos professores, em diálogo com um grupo de alunos que compõem o 9º ano de uma

escola da Rede Municipal de Ensino de Blumenau (E.B.M. Profª. Zulma Souza da Silva),

questionou-se, após explicar como historicamente foram compreendidas as concepções de

aprendizagem no Brasil, como eles viam e entendiam o processo de ensino e aprendizagem de

suas práticas escolares atuais.

Cabe ressaltar, que os indivíduos que compõem essa sala são questionadores e avessos

a obedecer a regras ou imposições sem muito discutir e por assim dizer, criar regras próprias

para burlar ou antepor-se ao que lhes é imposto. A criticidade do grupo os torna difíceis como

contexto de trabalho desfiando professores, gestores e coordenadores a assumir posturas

diferenciadas para lidar com os ensinamentos previstos ao grupo. Isso desafiou os profissionais

que atendem a esse grupo a traçar um planejamento diferenciado, e justamente por esse motivo,

chamou a atenção da pesquisadora, que se propôs a dirigir esse estudo a esse contexto

específico. Importou-se em apresentar como eles entendem os métodos usados no processo de

ensino / aprendizagem e como melhor compreendem o processo de aquisição do conhecimento

na atualidade e considerando-se a realidade de suas vivências no ‘chão da escola’. Por

conseguinte, foi feita uma avaliação de dois aspectos: a importância do diálogo entre professor

e estudante para a aquisição do conhecimento e a contribuição das mídias (sobretudo a internet)

na construção desse processo de ensino e aprendizagem, como apresenta o item a seguir.

Os Estudantes e a Relação Dialógica

Os estudantes foram questionados quanto à importância do diálogo, de se discutir, trocar

ideias, construir conceitos sobre os assuntos abordados em sala. Admitem que nem todos os

docentes utilizam esse método, mas, que aprendem mais quando podem se valer desses aspectos

de interatividade com os assuntos. Ao observar o depoimento de alguns estudantes percebe-se

claramente essa valorização:

Quanto mais conversamos com o professor, mais aprendemos. [...] Além de aprender

a aula fica mais interessante, diferente. [...] Há mais interação entre professor e aluno.

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[...] Relaciona a prática ao conteúdo. [...] Quando se discute, o assunto fica mais

detalhado (ESTUDANTES 9º ANO, 2014).

Os conteúdos apresentados pelo professor, a partir do planejamento coletivo escolar,

devem refletir as experiências vividas pelo estudante, servindo de ponto de partida para

conhecimentos mais elaborados dentro de cada disciplina. Devem-se considerar as diferenças

individuais, as necessidades e interesses dos alunos, a faixa etária e cultural do aprendiz. Por

isso, o papel do professor adquire grande importância não só na escolha da atividade

[interessante, adequada à idade, com objetivos e regras claras etc.], mas, sobretudo, ao exercer

seu papel de mediador do conhecimento (SORDI; LUDKE, 2009).

Para os discentes consultados, a aprendizagem se dá, sobretudo, pela forma com que o

professor interage e mostra a relação do que é estudado com a prática desse contexto nas suas

vidas. Questionados sobre a eficácia de aulas em que o professor expõe o conteúdo como

detentor do conhecimento, cobra exercícios e aplica provas sem discutir o contexto, algumas

abordagens foram apontadas pelos estudantes, como expressa o Gráfico 1.

Gráfico 1 – Avaliação dos alunos sobre a aula não dialogada e expositiva

Fonte: Dados da pesquisa.

Evidencia-se que a cópia de conteúdos não é significativa para a aprendizagem dos

estudantes quando não acompanhada por discussões. Na prática de sala de aula o professor

precisa ter um planejamento sequencial e organizado, coerente com os objetivos abordados pelo

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Projeto Político Pedagógico (PPP) e os objetivos estipulados para o ano letivo como norteadores

do processo de aprendizagem ao estudante, e constituintes do ato avaliativo, pois, como afirma

Luckesi (2013, p. 2): “Não há como praticar avaliação da aprendizagem, sem que essa

aprendizagem esteja configurada previamente (planejamento). Afinal, o que se deseja com a

ação de ensinar? [...] A avaliação, de modo subsidiário, servirá a esse desejo”. Dessa forma, o

contexto escolar, e seus diversos atores, são responsáveis por uma ação de qualidade, e,

portanto, um bom planejamento, construído coletivamente.

A utilização do conhecimento, a reflexão sobre as implicações de seu uso, por um lado,

e, por outro, a compreensão de como se efetua no ser humano a construção do conhecimento e

de como modifica os processos do pensamento e de memória passam a ser, nesta proposta,

elementos fundamentais da ação educativa.

Porém, ao observar, no entanto, a realidade de uma sala de aula, constata-se situações

em que a atividade escolar é de mera reprodução, tanto no que diz respeito ao estudante quanto

ao professor. A ação pedagógica acontece não por meio de uma relação interativa, mas

autoritária, diretiva, em que a ideia de construção do conhecimento está atrelada ao processo de

depositá-lo nos educandos, na reprodução do saber, como na concepção bancária. E isso foi

perceptível no depoimento dos estudantes. Alguns professores ainda entram em sala sem o

propósito de interagir, falando de cima de um pedestal que já ruiu quanto à aquisição do

conhecimento, evidenciando a reprodução de um discurso e uma metodologia que não abraçam

as concepções dirimidas por Paulo Freire (1980). No entanto, segundo os discentes, a maioria

dos professores já possui, pelo menos em uma parcela bem significativa de suas aulas, essa

interação com os alunos.

Isso oportuniza inferir que a metodologia vigente no contexto da escola pesquisada em

relação às práticas discentes possui resquícios (muitos) da concepção bancária, mas também

possui (muitos) aspectos inovadores e libertários, com claros métodos que apontam a

compreensão do entendimento educacional defendido por Paulo Freire. O pensamento de Freire

(1980, 1987, 2006) é contemporâneo e inspira a teoria e a prática da educação. Em suas

reflexões, evidencia cuidados, propondo a humanização das relações e libertação dos homens.

Uma pedagogia solidária, reflexiva e fundamentada na práxis, inserida em uma política de

esperança, de luta revolucionária, de amor e fé no ser humano. O diálogo é o elemento chave

possibilitador do processo de conscientização, e professor e aluno são sujeitos atuantes.

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Assim, responde-se ao problema de pesquisa desse estudo, apontando que os estudantes

do 9ºano A da escola pesquisada percebem na sala de aula e na didática dos professores

elementos da postura libertadora defendida por Paulo Freire. Salienta-se, no entanto, que há

muito a ser conquistado para a completa compreensão e prática das abordagens Freirianas.

O segundo aspecto avaliado pelos estudantes foi a presença das mídias no processo de

aprendizagem, como mostra o item a seguir.

As Mídias na Aprendizagem

Para avaliar, qual é, na concepção do estudante, a importância das mídias no processo

ensino / aprendizagem, considerando-se que a informação está acessível e na “palma da mão”

da maioria dos alunos (pois quase todos possuem celular com acesso à internet e o utilizam na

escola); questionou-se a importância do uso dessas mídias (sobretudo a internet) como

contribuinte do processo ensino / aprendizagem. Entre as respostas, obtiveram-se dados

conforme apresenta o Gráfico 2.

Gráfico 2 – Importância das mídias no processo ensino / aprendizagem

Fonte: Dados da pesquisa.

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Observa-se que os estudantes não citam o uso das mídias em sala de aula como um

processo contributivo na aquisição da aprendizagem. A informação das mídias é considerada

importante como complemento de estudo e conhecimento, sobretudo por sua praticidade.

Conforme diz uma aluna do 9º Ano pesquisado (2014): “Tudo que tem lá, [na internet], tem em

livros, lá é só um meio mais rápido de achar a informação”. Os estudantes também percebem

os riscos decorrentes do uso inconsequente da internet como fonte de consulta de dados, que é

mencionado associado à necessidade de seleção das informações. Reconhecem ainda que

embora seja um motivo de incentivo para a aprendizagem, também serve como distração

(tentação) para desviar a atenção da aula. Um dos estudantes escreveu (ESTUDANTE DO 9º

ANO, 2014): “Na maioria das vezes a internet não tem importância. Pode ajudar ou atrapalhar,

as músicas muitas vezes ajudam o aluno a fazer as atividades com calma, mas também

atrapalham pelo fato de ser um motivo de distração”.

Embora muitos docentes façam uso de diferentes mídias como recurso pedagógico na

escola pesquisada, e os próprios alunos reconheçam isso, o foco das aprendizagens não está

centrado no uso dessas alternativas. São instrumentos facilitadores, uma metodologia de

abordagem dos conteúdos. Ressalta-se, por exemplo, o uso da internet em traduções e pesquisas

orientadas, tanto na escola como em exercícios extraclasse em complementos de conteúdos.

No entanto, ainda é comum encontrar em pleno século XXI, na sociedade da

comunicação, um ambiente escolar em que os alunos assistem passivamente a aulas expositivas

como espectadores, protagonistas de um processo que não lhes permite agir como sujeitos. O

conteúdo estudado, muitas vezes, encontra-se desvinculado da realidade, sem nenhum elo com

as diferentes linguagens em circulação no mundo moderno. De acordo com Sibília (2012, p.

197): “Há uma divergência de época: um desajuste coletivo entre os colégios e seus alunos na

contemporaneidade”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Socialmente a escola, como instituição formal de educação, deve propor uma educação

voltada para o desenvolvimento integral do educando e do educador, fazê-los crescer no sentido

mental, social, emocional, e espiritual, capaz de modificar o comportamento do indivíduo de

forma global, por meio de uma ação significativa e consciente de todos os envolvidos no

processo ensino-aprendizagem.

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A escola pesquisada tem resquícios da formação conteudista e comportamentalista, mas,

já se vislumbra resultados da preocupação com o estabelecimento dos objetivos em termos de

aprendizagem dialógica. Segundo Perrenoud (2004, p. 52), é justamente esse o desafio: “fazer

emergir o novo em meio a um aparato escolar que tem grande poder de regulação [...], já que o

tempo de mudar no papel é muito diferente do tempo de transformar corações e mentes, e

daquele requerido para moldar a nova face da escola”.

Para Sibília (2012), um dos maiores desafios da educação moderna é fazer com que a

escola volte a ter consistência em sua finalidade social, política, ética e estética, que passe a ser

um espaço de diálogo, de encontro, que instigue a criança a produzir seus próprios pensamentos.

Não se deve considerar esse percurso como um processo que tenha fim. É um desafio

para continuar pensando o sentido da escola, do conhecimento, das relações com o saber

acumulado e em constante transformação das sociedades. É uma porta aberta para repensar a

função da escola no século XXI, o que constitui o desafio de mudar permanentemente e...

continuar aprendendo.

REFERÊNCIAS

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