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6 1 INTRODUÇÃO Os problemas associados à produção, tráfico e consumo de drogas são diversos. Desde políticas públicas para controle do consumo e tratamento para dependentes, a questões voltadas para o âmbito internacional precisam ser analisados. O narcotráfico hoje é vivenciado no cenário internacional e provoca conflitos nas relações políticas internacionais, desde sua fabricação, passando pelo consumo à lavagem de dinheiro. Sua dimensão é gigante tendo em vista a complexidade do fenômeno, sendo difícil a análise de todos os impactos de tal atividade econômica informal (SANTANA, 1999). De acordo com dados do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC) de 2004, 3% da população mundial consumiu algum tipo de droga ilícita dentro de um ano, o que corresponde a 185 milhões de pessoas. Dentro destes, 150 milhões consumiram cannabis, 13 milhões cocaína, 15 milhões ópio e 38 milhões anfetaminas. A Organização das Nações Unidas (ONU) chegou a estimar que, no final do milênio, a indústria das drogas chegou a movimentar cerca de 400 bilhões de dólares anuais, o que equivale ao dobro da indústria farmacêutica. Trata-se da maior atividade comercial do mundo, ficando à frente até mesmo do petróleo e perdendo somente para o comércio de armas (SANTANA, 1999). O Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) realizou uma pesquisa de opinião, em 2008, com 149 personalidades que formam a “comunidade brasileira de política externa” e tinha como objeto de estudo a agenda internacional do Brasil na atualidade, extraiu os seguintes números: 52% dos entrevistados considera o tráfico internacional de drogas uma ameaça externa aos interesses vitais do Brasil e 42% consideram o combate ao tráfico como um dos objetivos da política externa do país (SOUZA, 2001). O Brasil vem desenvolvendo políticas de repressão às drogas, prevenção do consumo e tratamento de dependentes. E é a partir do século XX que ele firma acordos internacionais no que tange o controle da fabricação, manipulação, tráfico e consumo de drogas ilícitas. Com o fim da Guerra Fria, o tráfico passou a ser

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6 1 INTRODUÇÃO

Os problemas associados à produção, tráfico e consumo de drogas são diversos.

Desde políticas públicas para controle do consumo e tratamento para dependentes,

a questões voltadas para o âmbito internacional precisam ser analisados. O

narcotráfico hoje é vivenciado no cenário internacional e provoca conflitos nas

relações políticas internacionais, desde sua fabricação, passando pelo consumo à

lavagem de dinheiro. Sua dimensão é gigante tendo em vista a complexidade do

fenômeno, sendo difícil a análise de todos os impactos de tal atividade econômica

informal (SANTANA, 1999).

De acordo com dados do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime

(UNODC) de 2004, 3% da população mundial consumiu algum tipo de droga ilícita

dentro de um ano, o que corresponde a 185 milhões de pessoas. Dentro destes, 150

milhões consumiram cannabis, 13 milhões cocaína, 15 milhões ópio e 38 milhões

anfetaminas. A Organização das Nações Unidas (ONU) chegou a estimar que, no

final do milênio, a indústria das drogas chegou a movimentar cerca de 400 bilhões

de dólares anuais, o que equivale ao dobro da indústria farmacêutica. Trata-se da

maior atividade comercial do mundo, ficando à frente até mesmo do petróleo e

perdendo somente para o comércio de armas (SANTANA, 1999).

O Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) realizou uma pesquisa de

opinião, em 2008, com 149 personalidades que formam a “comunidade brasileira de

política externa” e tinha como objeto de estudo a agenda internacional do Brasil na

atualidade, extraiu os seguintes números: 52% dos entrevistados considera o tráfico

internacional de drogas uma ameaça externa aos interesses vitais do Brasil e 42%

consideram o combate ao tráfico como um dos objetivos da política externa do país

(SOUZA, 2001).

O Brasil vem desenvolvendo políticas de repressão às drogas, prevenção do

consumo e tratamento de dependentes. E é a partir do século XX que ele firma

acordos internacionais no que tange o controle da fabricação, manipulação, tráfico e

consumo de drogas ilícitas. Com o fim da Guerra Fria, o tráfico passou a ser

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7 compreendido como uma ameaça para a segurança do Estado e entrou para a

agenda de segurança. Para ser mais preciso, a partir dos anos 1980, época em que

as ditaduras entraram em colapso e acabaram cedendo espaço para os governos

civis da América Latina (GEHRING, 2012).

Podemos perceber que os Estados Unidos da América (EUA) influenciaram de

maneira decisória o mundo na questão do tráfico internacional de drogas (FRAGA,

2007). Tal influência é claramente percebida nos dias atuais, mesmo após o tema ter

perdido força na agenda de segurança estadunidense, como veremos adiante.

Este trabalho propõe discutir como tal influência é percebida no cenário brasileiro e o

porquê de o tema ter perdido força no que tange à agenda de segurança dos EUA.

Justifica-se pela importância dada ao tráfico internacional de drogas, no âmbito da

política externa, já que o tema inevitavelmente está presente na agenda bilateral

brasileira com todos os países em que faz fronteira e também países europeus e

africanos ocidentais, que recebem a droga escoada pelo país (SILVA, 2013). A

pesquisa é de interesse histórico, pois analisa a atuação do país na questão do

tráfico e ainda demonstra a origem de tal atuação, notadamente devido à influência

americana. O tema ainda gera preocupações relativas à segurança externa e defesa

nacional. Cabe, primeiramente, delinear o surgimento do tema no cenário

internacional, enfatizando as Convenções firmadas no âmbito da ONU; demonstrar

como os EUA influenciaram o mundo, com seu discurso proibicionista; delinear

como o Brasil adere ao tema e como a questão é tratada nos dias atuais; explicar o

conceito de securitização, estabelecendo a relação do conceito com a influência

americana; evidenciar se o tema continua atual para a agenda dos EUA e finalizar

com o conceito de “policia do mundo” atribuído aos EUA e tendo relação direta com

o tema.

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8 2 HISTÓRICO DO CONTROLE INTERNACIONAL DE DROGAS

O controle internacional de drogas tem como marco histórico a Conferência de

Xangai, realizada em 1909 com representantes de 13 países1. O objetivo era se

discutir a limitação ao comércio de ópio e seus derivados. Na Conferência não foi

assinado nenhum instrumento internacional em forma de tratado, mas ela serviu de

base para a elaboração da primeira convenção sobre o tema, realizada em 1912,

sendo a Convenção Internacional do Ópio, ou de Haia, inaugurando uma série de

encontros diplomáticos para lidarem com o tema do controle de drogas (BOITEUX et

al, 2009).

A Convenção Internacional do Ópio consistia no primeiro documento stricto sensu de

controle internacional de drogas e englobava não somente a questão do ópio e da

morfina (que já estavam incluídos no debate internacional), como também discutia

sobre novas drogas como cocaína e heroína (que foram criadas em meados e fim do

século XIX, respectivamente). A Convenção foi também uma declaração oficial das

ameaças do consumo dessas substâncias. Os países signatários2 da Convenção

concordaram em criar um sistema de controle internacional sobre drogas ilícitas,

firmando a limitação da produção e venda de ópio, morfina e cocaína, podendo ser

permitido somente seu uso médico-científico (BOITEUX et al, 2009).

Em 1925, foi assinada a 2ª Convenção Internacional sobre Ópio, determinando aos

governos signatários a elaboração de relatórios anuais sobre a produção, consumo

e fabricação de drogas. Em 1931, foi estabelecida a 1ª Convenção de Genebra

tendo o objetivo a limitação mundial da fabricação de narcóticos para finalidade

médico-científica. Cinco anos depois, é assinada a 2ª Convenção de Genebra,

ratificada em 1939, que propunha a supressão do tráfico ilícito de drogas perigosas,

bem como comprometia os Estados signatários a desenvolver medidas para

prevenir a impunidade de traficantes, bem como facilitar sua extradição (BOITEUX et

al, 2009). 1 Dentre os 13 países, estão as potências coloniais da época: Inglaterra, Alemanha, França, Holanda e Portugal, e também o Império Chinês. 2Assinada por representantes do Reino Unido e territórios britânicos, Alemanha, França, Holanda, Portugal, China, Itália, Japão, Irã (então, Pérsia), Rússia e Tailândia, entrando em vigor três anos mais tarde.

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9 Com a criação da ONU, em 1945, foram estabelecidos acordos para o controle

internacional de drogas que vigoram até hoje. As convenções no âmbito da ONU

são: Convenção Única sobre Entorpecentes (1961), Convenção sobre Substâncias

Psicotrópicas (1971) e Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e

Substâncias Psicotrópicas (1987), que serão discutidas a seguir.

2.1 Convenção Única sobre Entorpecentes (1961)

Internalizada pelo Brasil por meio do Decreto nº 54.216, de 27 de agosto de 1964, a

Convenção trata da limitação do uso dos narcóticos para fins médicos e científicos e

estabelece um sistema de cooperação e fiscalização internacional. Desta forma,

cria-se uma lista de substâncias, estando os Estados sujeitos a todas as medidas de

fiscalização para controle de tais narcóticos. Os Estados-parte ficam obrigados a dar

cumprimento no previsto na Convenção e cooperar com os demais Estados. Pela

Convenção, prevê-se a criação de uma Comissão e uma Junta: a Junta assegura o

cumprimento das disposições da Convenção, com o exame das informações

apresentadas a ela, pelos Estados, por outras organizações intergovernamentais ou

governamentais internacionais, reconhecidas pelo Conselho Econômico e Social da

ONU. A partir disso, a Junta poderá pedir aos governos que tomem medidas

corretivas para se enquadrarem no proposto pela Convenção (BRASIL, 1964).

O artigo 49 da Convenção trata das “Reservas de Transição”. Ele estabelece que,

ao aderir à Convenção, o Estado poderia autorizar temporariamente em seu

território:

a) O uso quase-médico do ópio;

b) Fumar ópio;

c) Mascar folha de coca;

d) O uso de cannabis, cannabis resina, extratos e tinturas de cannabis para fins não médicos; e

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e) A produção, fabricação e o comércio dos narcóticos referidos na alínea a) a d) para os fins nele mencionados. (BRASIL, 1964)3

Mas estas reservas estariam submetidas a algumas limitações, entre elas:

d) O uso quase-médico do ópio deve ser abolido dentro de 15 anos a partir da entrada em vigor da presente Convenção, conforme previsto no parágrafo 1 do artigo 41.

e) A mastigação da folha de coca deve ser abolida dentro de vinte e cinco anos a partir da entrada em vigor da presente Convenção, tal como previsto no nº1 do artigo 41.

f) O uso de cannabis para fins não médicos e científicos deve ser interrompido logo que possível, mas em qualquer caso, dentro de vinte e cinco anos a partir da entrada em vigor da presente Convenção, conforme previsto no parágrafo 1 do artigo 41.

g) A produção, fabricação e comércio dos narcóticos que se refere o parágrafo 1, para qualquer um dos usos nele mencionados, devem ser reduzidas e eliminadas, em simultâneo com a redução e eliminação de tais substâncias (BRASIL, 1964).4

A Convenção estabelece um sistema de controle internacional dessas substâncias e

dá a responsabilidade aos Estados-parte de incorporarem medidas previstas no

texto da Convenção em suas legislações nacionais para tal controle sobre a

produção, distribuição e comércio das drogas, proibindo a ingestão e fumo de ópio e

3a) El uso del opio con fines casi médicos; b) El uso del opio para fumar; c) La masticación de la hoja de coca; d) El uso de la cannabis, de la resina de cannabis, de extractos y tinturas de cannabis con fines no médicos; y e) La producción, la fabricación y el comercio de los estupefacientes mencionados en los apartados a “a” a “d” para los fines en ellos especificados. (BRASIL, 1964, 1961) 4d) El uso del opio para fines casi médicos deberá ser abolido en un plazo de 15 años a partir de la entrada en vigor de la presente Convención conforme a lo dispuesto en el inciso 1 del artículo 41. e) La masticación de hoja de coca quedará prohibida dentro de los 25 años siguientes a la entrada en vigor de la presente Convención conforme a lo dispuesto en el inciso 1 del artículo 41. f) El uso de la cannabis para fines que no sean médicos y científicos deberá cesar lo antes posible, pero en todo caso dentro de un plazo de 25 años a partir de la entrada en vigor de la presente Convención conforme a lo dispuesto en el inciso 1 del artículo 41. g) La producción, la fabricación y el comercio de los estupefacientes de que trata el inciso 1, para cualquiera de los usos en él mencionados, se reducirán y suprimirán finalmente, a medida que se reduzcan y supriman dichos usos. (BRASIL, 1964)

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11 a mastigação da folha de coca. Estabelece ainda um prazo de 15 anos para o fim do

uso da coca e do ópio, e de 25 anos para a cannabis5 (BRASIL, 1964).

2.2 Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas (1971)

A Convenção foi internalizada pelo Brasil por meio do decreto n° 79.388, de 14 de

março de 1977. Tal Convenção determina a proibição do uso de substâncias

contidas em uma lista extensa, exceto para fins científicos e médicos muito limitados

e com uma severa vigilância de tais atividades. Estabeleceu-se também que os

Estados que ratificassem deveriam adotar medidas para prevenir o uso de tais

substâncias, assim como o tratamento para dependentes. O Artigo 21 da Convenção

trata da luta contra o tráfico ilícito e determina às partes que se ajudem mutuamente

neste combate e cooperem com os organismos internacionais competentes

(BRASIL, 1977). A novidade foi a inclusão de drogas psicotrópicas, como

estimulantes, anfetaminas e Dietilamida do Ácido Lisérgico (LSD). Até então, drogas

narcóticas que tinham em sua composição o ópio - além da cocaína e da cannabis -

estavam submetidas ao controle internacional (BOITEUX et al, 2009).

2.3 Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (1988)

A Convenção de 1988 é internalizada pelo Brasil por meio do Decreto n. 154, de 26

de junho de 1991 (BRASIL, 1991). Foi realizada em Viena a Conferência

Internacional sobre o Uso Indevido e o Tráfico Ilícito de Entorpecentes, em junho de

1987. Ela representa a internacionalização da política repressiva dos EUA para o

controle internacional das drogas, incorporando a Comunidade Europeia (atual

5Popularmente conhecida como Maconha, é o gênero da planta que dá origem a várias drogas psicoativas e medicamentos derivados dela.

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12 União Europeia) no debate. Um ano depois é aprovado o texto da Convenção das

Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias

Psicotrópicas, em vigor atualmente (BOITEUX et al, 2009).

A Convenção reconhece o vínculo entre o tráfico ilícito e as atividades criminosas

organizadas, que ameaçam a soberania do Estado; reconhece ser uma atividade

ilícita internacional que exige a urgente supressão; decide que deve haver uma

melhora na cooperação internacional para a eliminação do tráfico e reconhece que

essa erradicação é de responsabilidade de todos os Estados, dentre outros aspectos

(BRASIL, 1991).

O sistema da Convenção depende da participação do Estado para elaboração,

implementação e ratificação de tratados sob a predição da ONU, que dita os

modelos do controle das substâncias ilícitas. Ele é instrumento quase

exclusivamente voltado para a repressão do tráfico, com a incorporação, por

exemplo, de medidas contra a lavagem de dinheiro como meio de combate, sendo o

primeiro instrumento internacional que define juridicamente o delito da lavagem de

dinheiro. O sistema aborda também como objetivos principais a meta de erradicação

do cultivo de plantas narcóticas (que ainda não foi alcançado) e o aumento dos

esforços contra a produção ilícita de drogas. Tal repressão também se dá para o

usuário de drogas, já que a Convenção considera como tráfico ilícito também a

posse, compra ou cultivo para uso pessoal (BOITEUX et al, 2009).

O poder político-legislativo da Convenção fica a cargo da Assembleia Geral da ONU

e da CND (Comission Narcotic Drugs)6 , o poder judiciário pela agência INCB

(International Narcotic Control Board) 7 e o órgão executivo pelo Escritório das

Nações Unidas para Drogas e Crime (UNOCD)8 (BOITEUX et al, 2009).

De acordo com Boiteux et al (2009), o sistema de combate ao tráfico internacional

de drogas das Nações Unidas sustenta-se nos seguintes pontos:

6O órgão é vinculado ao Conselho Econômico e Social da ONU 7O órgão tem a autonomia de impor sanções aos países signatários. 8 Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime.

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i) é um modelo uniforme de controle que submete as substâncias proibidas a um regime internacional de interdição, sendo o seu uso terapêutico bastante restrito;

ii) defende-se a criminalização do uso e do comércio, com opção primordial pela pena de prisão;

iii) o tratamento e a prevenção ao uso de drogas ilícitas não é priorizado;

iv) rejeição de alternativas, dentre elas as medidas de redução de danos, como a troca de seringas;

v) não reconhecimento de direitos das comunidades e povos indígenas em relação ao uso de produtos tradicionais, como a folha de coca, diante da meta de erradicação das plantações e da cultura tradicional (BOITEUX et al, 2009).

A Convenção de Viena de 1988 representa o aprofundamento da política repressiva.

Ela nitidamente se inspira na política de “guerra às drogas” dos EUA que atinge

produtores, comerciantes e consumidores. A ideia de um “criminoso” – o

delinquente, mau, inimigo – é consolidada e serve para corroborar o controle social

exercido através do sistema penal. A política repressiva defendida pelos EUA expõe

as drogas como um “mal universal”, algo assustador que deveria ser combatido

(KARAM, 2013).

Do ponto de vista administrativo, as três Convenções criaram organismos com a

finalidade de controlar a evolução do tema no mundo e monitorar os países

signatários para que cumpram com o estabelecido nos acordos. O poder destes

órgãos é dividido em três: “poder político-legislativo” representado pela Assembleia

Geral da ONU e pela CND (Comission on Narcotic Drugs) (em desacordo com o que

foi proposto pra mim), “poder judiciário” que pode sancionar os Estados que não

cumprissem o estabelecido nos acordos, através do INCB (International Narcotic

Control Board) e o “órgão executivo”, representado pelo Escritório das Nações

Unidas para Drogas e Crime (Boiteux et all, 2009).

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14 3 INFLUÊNCIA AMERICANA DO CONTROLE DAS DROGAS NO MUNDO

A política de combate às drogas adotada pelos EUA influenciou de maneira

decisória o restante do mundo. Amparados na moral religiosa, buscavam a total

abstinência do uso de drogas (FRAGA, 2007). Tal discurso proibicionista, como

afirma Rodrigues (2003), tinha origem na tradição puritana do protestantismo que é

contrário à busca do prazer terreno.

Com a Conferência de Haia em 1912, o controle por meio da postura proibicionista

dos EUA assume o caráter internacional e, dois anos mais tarde, a lei Harrison

Narcotic Act proíbe qualquer uso de psicoativos sem finalidade médica, inaugurando

o mercado ilícito de drogas no país (RODRIGUES, 2003).

O desejo de afastar a população das drogas estava intimamente atrelado ao controle

social de minorias, criminalizando ações para tratar de questões sociais como a

imigração de mexicanos na década de 1920 e os recém libertos afro-descendentes

(RODRIGUES, 2003). Rodrigues ainda defende que havia uma associação entre

determinadas drogas e grupos sociais. O ópio era relacionado aos chineses, que

imigraram para o país para a construção das estradas de ferro e tinham o hábito do

fumo de tal substância. A maconha era relacionada aos mexicanos, que eram vistos

como agressivos e preguiçosos. A cocaína era atrelada ao negro, que ao utilizá-la

supostamente tornava-o sexualmente agressivo. Por fim, o álcool era associado aos

imigrantes irlandeses, que abusavam de tal substância. Em todos os casos, o uso de

tais substâncias era considerado moralmente reprovável, ameaçando valores

americanos, devendo ser combatido (RODRIGUES, 2003).

Fraga (2007) defende que a política global do tráfico de drogas é controlada e

guiada pelos EUA, tendo em vista seu poderio econômico, bélico e sua posição

hegemônica na política internacional, no pós-Guerra Fria. Com o fim da ameaça

comunista, a manutenção de seu discurso com princípios intervencionistas precisava

ser revisada, identificando novas ameaças à ordem mundial. É assim que a guerra

contra o comunismo cede espaço à guerra contra as drogas, assumindo o papel

prioritário na agenda de segurança norte-americana. Tais ameaças modificam a

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15 definição de importância de diferentes sub-regiões para o Estado. Sendo assim,

através da política de combate ao tráfico internacional de drogas que os EUA

promovem, regiões como a Andina adquirem maior importância estratégica. A guerra

na Colômbia, por exemplo, passa a ser um dos pontos focais dessa política. Tal

conflito envolve o tráfico de drogas e armas, a ausência de mecanismos

governamentais de controle do território e de implementação da lei e a presença de

grupos guerrilheiros de esquerda. A Colômbia é responsável pelo abastecimento de

80% da cocaína consumida em território americano e de grande quantidade de

heroína também (HERZ, 2002).

Em 1990, o Senado americano autoriza a incursão das forças armadas em território

Américo-latino para combater o novo inimigo, qual seja, o tráfico internacional de

drogas. No governo Reagan, o enfoque dado à questão assume um caráter

predominantemente militarista, com o aumento da repressão interna e o combate ao

plantio nos chamados países produtores. Notadamente, a partir do seu governo que

a influência das medidas adotadas nos EUA gera grande impacto nos demais

países, consolidando a Conferência Internacional sobre o Uso Indevido e o Tráfico

Ilícito de Entorpecentes, realizada em 1988 (FRAGA, 2007).

De acordo com Herz (2002), a política externa dos EUA no pós-guerra fria foi

redesenhada por um multilateralismo limitado às áreas de interesse do país. E a

tensão entre multilateralismo e unilateralismo é mantida, dando-se continuidade às

práticas de intervenção militar, de caráter unilateral, para se certificar os países que

colaborem com o combate ao narcotráfico. No início da administração Bush, a

chamada “guerra às drogas” foi declarada e os recursos do fundo antidrogas

aumentaram de $4,3 bilhões para $10,6 bilhões, entre 1989 e 1991. Na

administração de Clinton foi estabelecido um apoio militar e econômico com a

finalidade de erradicação do comércio ilícito de drogas e o possível levante de

insurgências, além da busca por desmontar a conexão entre o cultivo da cocaína e

pasta de coca (no Peru e Bolívia) e as refinarias e distribuidores na Colômbia.

Buscou-se também pressionar os governos do hemisfério sul para que o

cumprimento de legislações criminais fosse garantido.

Todo esse poder de influência dos EUA é percebido também no cenário brasileiro,

como apresentado no próximo capítulo. E é essa influência que faz com que o tema

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16 tome o rumo da securitização na atualidade, consolidando o domínio norte-

americano nas questões que envolvam o tráfico internacional de drogas.

4 O CONTROLE DE DROGAS NO BRASIL E A RELAÇÃO COM O CENÁRIO INTERNACIONAL

O Brasil está inserido no controle internacional de drogas no âmbito dos tratados e

vem desenvolvendo políticas de repressão às drogas, tratamento de dependentes e

prevenção ao consumo (GEHRING, 2012). Mostra-se relevante contextualizar o

combate interno da droga no Brasil e a relação do país no narcotráfico internacional.

Após o fim da Guerra Fria, diversos países e, notadamente, os Estados Unidos

inserem em sua agenda de segurança, a questão do tráfico ilícito de drogas

(GEHRING, 2012). Com o fim da ameaça comunista, era necessário desenvolver

novos discursos consistentes que validassem o princípio intervencionista já

desenvolvido pelos EUA (FRAGA, 2007). Karam (2013) defende que os “inimigos”

dos EUA são selecionados de acordo com suas preferências ideológicas e

necessidades. O proibicionismo é veiculado com um discurso de “esforço

humanitário” que precisa ser feito para solucionar os diversos problemas que as

drogas trazem. Tendo em vista o poder de influência dos EUA nos países da

América Latina e, por conseguinte, no Brasil (GEHRING, 2012), cabe analisar a

política de combate ao tráfico realizada pelo Brasil a partir da Convenção das

Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas

de 1988, que representa a consolidação da internacionalização da política de

repressão às drogas defendida pelos EUA (BOITEUX et al, 2009), é o “principal

instrumento de cooperação multilateral para o combate ao tráfico de drogas ilícitas”

(PROCOPIO FILHO e COSTA VAZ, 1997). Importante destacar também que o Brasil

desenvolve uma política governamental articulada e focada em diferentes

dimensões somente em meados da década de noventa, o que representa uma

mudança em sua política para as drogas até aquele momento, já que até então o

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17 foco brasileiro era notadamente a criminalização do consumo (PROCOPIO FILHO e

COSTA VAZ, 1997).

O Brasil internaliza a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de

Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 através do Decreto nº 154, de

26 de junho de 1991 e segue fielmente o modelo internacional de combate às

drogas imposto pelas Nações Unidas (BOITEUX et al, 2009).

De acordo com Procópio Filho e Costa Vaz (1997), há três razões para a maior

preocupação do narcotráfico no país. A primeira é a relevância em que o tema

assumiu no cenário internacional, sendo que as drogas afetam todos os países. A

segunda é que o narcotráfico adquiriu força no cenário interno, devido às

dificuldades já enfrentadas pelo Brasil, como o enfraquecimento do Estado, aumento

do desemprego, marginalização de segmentos sociais no processo de

desenvolvimento, deterioração econômica e social da população e crescimento dos

centros urbanos atrelando as drogas à criminalidade. A terceira razão, finalmente,

seria a incorporação de camadas menos favorecidas no mundo das drogas, já que

antes isso acontecia sobretudo nas classes média e alta.

Ademais, o Brasil detém posição “privilegiada” no cenário do narcotráfico. Além de

ser o vizinho dos principais centros produtores, tem infraestrutura de transporte e

comunicação e ainda mantém vínculo tanto com os países produtores quanto

consumidores da droga. Há também o vínculo entre narcotraficantes brasileiros e

internacionais, promovendo uma integração operativa. A crescente globalização,

liberalização do fluxo de bens, serviços e fatores de produção são fatores que

também incrementam o narcotráfico (PROCOPIO FILHO e COSTA VAZ, 1997). A

imagem a seguir demonstra a questão da posição “privilegiada” do país e seus

vizinhos:

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18

Figura 1 – Fronteiras do Brasil

Fonte: (SITE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2014)

Os autores ainda afirmam:

Tais fenômenos, quer pela proliferação de canais por onde tanto o tráfico como as operações de lavagem de dinheiro podem ocorrer, quer pela porosidade das fronteiras que deles decorrem, geram um ambiente propício para a intensificação de atividades econômicas e para os negócios internacionais, inclusive ilícitos, ao mesmo tempo em que dificultam as ações que visam o seu enfrentamento como, por exemplo, aquelas voltadas para o controle aduaneiro e policial. Este fato torna-se particularmente mais grave em países como o Brasil, onde, em virtude da extensão e dificuldade de acesso às áreas de fronteira, a própria presença do Estado é limitada (PROCÓPIO E FILHO e COSTA VAZ, 1997, p. 25-26).

O Brasil tradicionalmente era tido como apenas uma rota privilegiada do tráfico, mas,

hoje, processa, exporta e importa diferentes tipos de drogas. Além disso, ainda

fornece drogas alternativas para o mercado interno e externo. Sendo assim, ele é

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19 constantemente questionado pelo cenário internacional sobre seu papel para o

combate ao narcotráfico (PROCOPIO FILHO e COSTA VAZ, 1997).

Já em harmonia com a Convenção de Viena, a Constituição Federal de 1988,

equipara o tráfico de drogas aos crimes hediondos. E ainda no que se refere ao

“direito fundamental”, autoriza a extradição de brasileiros naturalizados se for

comprovado envolvimento com o tráfico. Além de atribuir à Polícia Federal a

prevenção e repressão do tráfico (SILVA, 2011).

Outra medida que auxiliaria o combate ao tráfico internacional de drogas foi o projeto

SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazonas), elaborado em 1990 que consistia em

um sistema de monitoramento da região Amazônica por meio de satélites e radares.

Tal projeto tinha como objetivo inspecionar o trânsito de produtos contrabandeados,

a extração ilegal de madeiras e de minerais, o tráfico de drogas na região das

fronteiras e também fazer o monitoramento de plantações de ilícitos. Tal projeto

começou a operar no ano de 2002, ficando aos cuidados do Ministério da Defesa

(RODRIGUES, 2003). Ainda em 1990 é editada a Lei 8.072/90, acrescentando ao

crime de tráfico de drogas a proibição da liberdade provisória, indulto e progressão

de regime (SILVA, 2011).

Em 1998, cria-se a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) com o objetivo de

coordenar ações de repressão e prevenção ao narcotráfico. A Secretaria cria

campanhas publicitárias e material didático (com foco na prevenção). Também

coordena operações (com foco na repressão) como a Mandacuru, realizada em

1999 com o objetivo de acabar com a produção de maconha em Pernambuco

(RODRIGUES, 2003).

No ano de 2004, o Decreto nº 5.144 regulamentou a “Lei do Abate”, fazendo com

que fosse possível a derrubada de aeronaves que entrassem no espaço aéreo

brasileiro sem autorização. Sendo assim, aeronaves consideradas suspeitas para o

narcotráfico poderiam ser derrubadas. Essa é uma das primeiras medidas utilizadas

pelo Brasil, com caráter militar, para coibir o tráfico (RODRIGUES, 2012).

Já em 2006 é sancionada a Lei nº 11.343, que:

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20

Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências (BRASIL, 2006, p.1).

Tal Lei aplica modelos de descriminalização do usuário de drogas e prevê a

aplicação de penas mais altas para os traficantes. Além disso, prescreve medidas

para a prevenção do uso e reinserção social dos dependentes, reafirma a

conformidade com os tratados sancionados no âmbito da ONU, além de prever a

colaboração nas áreas de intercâmbio de informação sobre produtores e traficantes

de drogas (SILVA, 2011).

Posteriormente, a Lei Complementar nº 136 de 2010 autorizou as Forças Armadas a

revistarem pessoas e veículos na região de fronteiras. Cabia também às Forças

Armadas o papel de resolver questões relacionadas à segurança pública (lê-se

combate às drogas, entre diversas outras questões) (RODRIGUES, 2012).

A última mudança legislativa até então, no âmbito do controle do tráfico de drogas,

refere-se ao Plano Estratégico de Fronteira, datado de 2011. Tal plano foi criado

para “o fortalecimento da prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos

transfronteiriços e dos delitos praticados na faixa de fronteira brasileira” e tem como

diretrizes a atuação em conjunta da Receita Federal, Forças Armadas e órgãos de

segurança pública, demandando uma parceria com países vizinhos (BRASIL, 2011).

Dentro dessa iniciativa destaca-se a Operação Ágata que foi uma ação das Forças

Armadas, em conjunto com agentes civis, que realizou missões táticas com o

objetivo de coibir o tráfico de drogas, armas e munições, contrabando, entre outros,

nas regiões de fronteiras do país. A operação abrangeu a inspeção de rios e

estradas, bem como a vigilância do espaço aéreo brasileiro. Ela contou também com

a participação de países vizinhos com o apoio de tropas e/ou observadores militares

(SITE DO MINISTÉRIO DA DEFESA, 2011).

A figura 2 demonstra a abrangência mencionada da operação, enquanto a figura 3

demonstra toda a extensão do território fronteiriço brasileiro, coberto pela mesma,

em suas sete edições, de 2011 a 2013.

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21

Figura 2 - Abrangência da Operação Ágata

Fonte: (SITE DO MINISTÉRIO DA DEFESA, 2011).

Figura 3 - Dados das edições da Operação Ágata

Fonte: (SITE DO MINISTÉRIO DA DEFESA, 2011).

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22 Desde a primeira edição até a sétima foram apreendidos 31.374 quilos de drogas,

inspecionados 25.441 embarcações e vistoriados 598.231 veículos (Ministério da

Defesa). De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Defesa, a última

operação - Ágata 8 - finalizada em maio de 2014 registrou recorde em apreensão de

drogas. Foram apreendidas cerca de 40 toneladas de entorpecentes (SITE DO

MINISTÉRIO DA DEFESA, 2011).

Desde 1993, o tráfico internacional de drogas vem sendo associado, no Brasil, a

questões como corrupção, sistema financeiro em geral, criminalidade e violência,

etc. Essa abrangência dá-se pela heterogeneidade da sociedade brasileira e

também pela mudança da abordagem do tema pelo governo. Tradicionalmente, o

tema era tratado no país somente como uma questão médica e de ordem legal.

Desta forma, por um longo período, somente a polícia, tribunais e campos

relacionados à saúde eram utilizados para tratar dos problemas das drogas, dando

enfoque somente na criminalização do consumo (PROCÓPIO FILHO e COSTA VAZ,

1997).

Enfim, o que se observa é a crescente ação militar no combate ao narcotráfico,

desde a criação do projeto SIVAM até a transição do governo de Lula para Dilma.

Tal militarização do tema no Brasil, transformando-o em uma questão de segurança,

coincidindo com o que é defendido pelos EUA desde a década de 1970. Tal

influência é percebida também em demais países da América Latina, como Peru,

Colômbia, Bolívia e México (RODRIGUES, 2012).

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23 5 A SECURITIZAÇÃO DO TEMA

De acordo com o que foi apresentado até então, percebemos que o tema “tráfico

internacional de drogas” foi ocupando maior espaço na agenda internacional e

influenciando o Brasil. Percebemos que, de acordo com os dados apresentados

sobre a última operação do país em vista de assegurar o controle do tráfico

internacional (Operação Ágata), a questão deixou de fazer parte somente do plano

político e entrou para o âmbito das questões de segurança. Para explicar esse

fenômeno, é preciso buscar como base teórica a Escola de Copenhague e o seu

conceito de securitização.

Com o fim da Guerra Fria, os impactos ao sistema internacional redundaram

também nos estudos acadêmicos, com a emergência de discussões sobre a

redefinição dos limites teóricos sobre a questão da segurança internacional. Nesse

contexto foi criada a Escola de Copenhague, em 1985, um instituto de estudos sobre

a paz cuja gênese se deve à insatisfação com a rigidez da teoria realista e com a

evolução dos estudos de segurança internacional, que não abrangeria somente o

setor militar, mas também o societal, econômico, político e ambiental. A análise do

conceito de segurança internacional demonstrava que sua utilização estava

fortemente influenciada pelas concepções realistas; relacionando segurança

somente ao Estado e aspectos militares e estratégicos (TANNO, 2003).

Conforme Tanno (2003) defende, com o trabalho de Buzan, Barry e Wilde, intitulado

“Security: a New Framework for Analysis” (1998) o conceito de segurança ganha

novos contornos:

“Segurança é o movimento que trata a política para além das regras do jogo estabelecidas e enquadra a questão, ou como um tipo particular de política, ou como algo que a transcende. Securitização pode então ser vista como uma versão extrema da politização [...] Segurança é, assim, uma prática auto-referida porque é no contexto desta prática que se torna uma questão de segurança – não necessariamente porque haja uma ameaça existencial real mas porque é apresentada como ameaça” (Wæver et all, p. 23-24. 1998 apud Tanno)

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24

A Escola de Copenhague propõe uma nova agenda de pesquisa de segurança

internacional, partindo da noção de que, ao ser levantada uma questão no cenário

internacional, ela pode ser securitizada (enquadramento de um determinado assunto

além das regras pré-estabelecidas por apresentar uma ameaça existencial,

requisitando medidas em caráter de urgência); politizada (enquadra um determinado

assunto como político, havendo a necessidade de decisão governamental); ou não

politizada, quando não há relação entre o Estado e a questão (TANNO, 2003). O

nível em que uma ameaça pode iniciar – securitizada, politizada e não politizada -

poderá ser qualquer um, dependendo do Estado; e os agentes securitizadores

agiriam como atores que defenderiam a securitização de determinado tema.

Os estudiosos de Copenhague defendem, ainda, que após a II Guerra Mundial

houve uma evolução no conceito de segurança, que deixou de lado um aspecto

estritamente militar, ganhando espaço para questões políticas e societais. No

mesmo sentido, o conceito de segurança tradicional não conseguia explicar o uso de

armas nucleares, fortalecendo também um caráter civil. Dessa forma, para atingir o

inimigo seria necessário mais do que armas; seria necessário perpassar, por

exemplo, questões econômicas (SILVA, 2013).

Sendo assim, torna-se perceptível que a lida do Estado brasileiro com a questão do

tráfico internacional de drogas iniciou-se politizada, notadamente com a

internalização de convenções internacionais; até tornar-se securitizada, com a

intervenção forte do Estado no tema, incorporando o âmbito militar. Pode-se dizer

que o processo de securitização tem início quando o Estado percebe que o tráfico

representa uma ameaça concreta à segurança. Conforme exposto, na Constituição

Federal de 1988 a prevenção e repressão são atribuídas à Polícia Federal (SILVA,

2011). Logo depois, buscam-se medidas de intervenção militar para resolução do

problema, como a já mencionada “Lei do Abate”, o projeto SIVAM e, recentemente,

o Plano Estratégico de Fronteira de 2011 que culmina na Operação Ágata,

envolvendo a Receita Federal, Forças Armadas e órgãos de segurança pública. O

Plano Estratégico pode ser visto como a consolidação da securitização do tema,

uma vez que define ações imediatas para o combate ao tráfico internacional, visto

como uma ameaça existencial. Como defende Rodrigues (2012), tal crescente

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25 militarização condiz com o que os EUA defendiam desde a década de 1970. Pode-

se perceber também que os EUA assumem o papel de agente securitizador,

defendendo o tema do tráfico internacional de drogas como uma questão urgente

por apresentar ameaça substancial.

A tabela a seguir, do trabalho intitulado “A Securitização do Narcotráfico no Estado

Brasileiro”, de Carolina Cordeiro Viana e Silva (2012), demonstra um resumo da

tratativa da legislação brasileira no que se refere ao tráfico internacional de drogas.

Ao longo dos anos, percebe-se a questão da securitização do tema, como exposto

abaixo:

Tabela 1 Breve Resumo da Legislação Brasileira no trato com o tráfico internacional de

drogas:

ANO LEGISLAÇÃO CONTEÚDO

1890 Código Penal, Art. 159°

Tipificou a conduta referente ao

uso de substâncias

psicotrópicas.

1936 Decreto 2953 Criou a Comissão Permanente

de Fiscalização.

1938 Decreto-Lei n°2848, Art 281° Criou a Comissão Nacional de

Fiscalização de Entorpecentes.

1938 Decreto-Lei n°891 Regulamentação de tóxicos.

1940 Decreto-Lei n°2848, Art 281°

Regulamentou a produção,

tráfico e consumo de

Entorpecentes.

1964 Decreto n°54,216 Instaurou Convenção Única

Sobre Entorpecentes.

1967 Decreto-Lei n°159

Equiparou substâncias capazes

de determinar dependência

física ou psíquica aos

entorpecentes.

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26

1968 Decreto-Lei n°385

Regulamentou o comércio,

posse ou facilitação destinadas

aos entorpecentes.

1971 Lei n° 5.726 Adequou a legislação brasileira

às orientações internacionais.

1976 Lei n°6.368 Criou figuras penais de posse,

tráfico e uso de entorpecentes.

1977 Decreto n°79.388 Instaurou a Convenção Sobre

Substâncias Psicotrópicas.

1986 Lei n°7.560

Criou o Fundo e Prevenção,

Recuperação e Combate às

Drogas de Abuso (FUNCAB).

1988 Constituição Federal, Artigos 5° e

144°

Regulamentação dos crimes

envolvendo entorpecentes.

1990 Lei n°8.072

Equiparou o tráfico de

entorpecentes aos crimes

hediondos.

1991 Decreto n°154

Instaurou a Convenção Contra o

Tráfico Ilícito de Entorpecentes

e Substâncias Psicotrópicas

1993 Lei n°8.764 Criou a Secretaria Nacional de

Entorpecentes.

1995 Lei n°9.017

Sobre o controle e fiscalização

sobre produtos e insumos

químicos que possam ser

usados na elaboração da

cocaína e seus derivados.

1998 Portaria n°344

Publicou o regulamento técnico

sobre substâncias e

medicamentos sujeitos a

controle especial.

2000 Decreto-Lei n°3.696 Dispões sobre o Sistema

Nacional Antidrogas.

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27

2001 Decreto-Lei n°3.887

Sobre o Emprego das Forças

Armadas na garantia daLei e da

Ordem

2002 Lei n°10.409

Sobre prevenção, fiscalização,

tratamento, controle e repressão

à produção, uso e tráfico.

2003 Resolução n°1 CONAD

Dispões sobre orientações

estratégicas e diretrizes para o

Sistema Nacional Antidrogas.

2004 Decreto n°5.144 Lei do Abate. Lei que permite a

destruição de aeronaves hostis

2005 Resolução n°3 CONAD Instaurou a Política Nacional

Sobre Drogas (PNAD).

2006 Lei n°11.343 Instaurou a nova Lei Antidrogas.

2006 Decreto-Lei n°5.912

Regulamentou a Lei n°11.343 e

regulamentou questões relativas

ao CONAD e SISNAD

2011 Decreto n°7.496 Instaura o Plano Estratégico de

Fronteira

Fonte: (CAROLINA CORDEIRO VIANA E SILVA, 2012)

Após análise da trajetória do tema no Brasil fica evidente a influência norte-

americana na questão da securitização, até os dias atuais. O último esforço

evidente, a operação Ágata 8, iniciou-se em maio de 2014 cobrindo toda a extensão

da fronteira brasileira, envolvendo dez países sul-americanos e 16.886 quilômetros

(SITE DO MINISTÉRIO DA DEFESA, OPERAÇÃO ÁGATA 8).

É interessante notar que o tema na agenda de segurança dos EUA perde força no

pós 11 de setembro de 2001, mas continua influenciando os países após esse

período, como exposto no capítulo que segue.

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28 6 “GUERRA ÀS DROGAS” NO PÓS 11 DE SETEMBRO

Os atentados terroristas de 11 de Setembro modificaram as relações internacionais

dos Estados Unidos. As prioridades e estratégias de defesas norte-americanas

foram alteradas e, com isso, houve repercussões na América Latina na luta contra o

narcotráfico, bem como na prioridade que a América Latina exercia no plano global

(MESSARI, 2004). Segundo Messari, tais repercussões foram diretas e indiretas.

Por diretas tem-se a pressão exercida pelos EUA para que Brasil, Argentina e

Paraguai controlassem rigorosamente a tríplice fronteira, uma vez que havia uma

suspeita de providências sendo encaminhadas para o grupo Al Qaeda através de

‘suporte financeiro e humano’. Ele ainda defende que houve o incentivo norte-

americano para que as autoridades colombianas tivessem uma postura mais rígida

com relação aos grupos de lutas armadas. Como repercussão indireta, Messari

(2004) cita o fato que o Fundo Monetário Internacional (FMI) começou a ser mais

benevolente com países como o Paquistão (aliado na guerra contra o Afeganistão)

do que com a Argentina (que estava em colapso), mostrando que o seu foco de

interesse era agora a chamada guerra ao terror.

Diante do exposto, é possível perceber que a postura adotada pelo EUA na ameaça

do terrorismo definiu sua política na Ásia, no Oriente Médio e também na América

Latina. Nesse sentido, é possível analisar que a segurança passa a ser o “principal

ponto da agenda bi e multilateral nas Américas” (MESSARI, p. 132, 2004)

Na agenda de segurança, o EUA passa a se envolver ainda mais com a America

Latina, no tocante ao combate ao narcotráfico. Messari ainda afirma que por meio da

pressão dos EUA:

Os exércitos nacionais na América Latina têm se envolvido crescentemente em questões domésticas de segurança, principalmente para lidar com o narcotráfico e os movimentos de insurreição. A relutância que alguns exércitos têm mostrado em se envolver em questões de segurança doméstica (o caso do exército brasileiro) não tem conseguido resistir às pressões dos EUA neste sentido. (MESSARI, p.142, 2004)

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29 O mesmo autor ainda afirma que após o 11 de setembro a pressão por parte dos

EUA tem sido mais forte e a perspectiva de segurança norte-americana começa a

ter mais consideração na América Latina. Defende também que há uma

característica norte-americana que vem sendo ‘adotada’: quanto se trata da

resolução de conflitos internos, é possível perceber que cada vez mais a opção

militar vem se sobressaindo frente às outras. Assim, a ameaça do narcotráfico não é

erradicada por meio de políticas, mas sim de guerras (MESSARI, 2004).

O envolvimento estadunidense neste período foi exercido por meio do treinamento

de militares, ajuda financeira e fornecimento de informações para países como Peru

e Colômbia. Nesta perspectiva, é possível ainda verificar que os EUA tentaram fazer

uma ligação entre guerrilha e terrorismo. Na Colômbia, por exemplo, os EUA criaram

uma ligação entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o

Exército de Liberação Nacional da Colômbia (ELN) dias após o atentado ao World

Trade Center. (MESSARI, 2004). Essa relação, que pode ser vista como uma

continuidade das estratégias anteriores ao atentado, faz com os EUA criem uma

espécie de justificativa para legitimar a ação militar. No caso colombiano, os EUA

vêm exercendo fortes pressões para que o país intensifique sua luta contra as

guerrilhas. Isso é possível de ser constatado ao se analisar o pedido de apoio ao

governo colombiano solicitado por Bush ao Congresso Americano, após o país

latino-americano romper as vias políticas de negociação com as FARC (MESSARI,

2004). Sobre esse posicionamento do Governo Bush com a Colômbia, Herz afirma

que:

Após 11 de setembro e o fim das negociações de paz entre o governo colombiano e a guerrilha em fevereiro de 2002 abrem as portas para um aumento da assistência militar norte-americana à Colômbia, e o apoio à contra-insurgência volta à agenda política. A ajuda ao controle do território por parte do Estado colombiano através de assistência, sem o envio de tropas, passa a receber atenção central da política americana. A percepção em Washington de que um Estado fraco, que não controla seu território e tem baixa legitimidade é uma ameaça à segurança regional, e foi potencializada pelos ataques de 11 de setembro e a "guerra antiterror" construída a seguir. (HERZ, 2002)

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30 É possível perceber que os EUA estavam envolvidos com a questão do narcotráfico.

Porém, como já mencionado, após o 11/09 o foco da agenda de segurança dos EUA

se torna a guerra ao terror. Neste sentindo, ao se analisar a expansão da agenda de

segurança dos EUA percebemos que houve a sensação de incerteza e do ‘medo’

das inúmeras ameaças possíveis. Com o atentado às Torres Gêmeas, esse

pensamento acerca das incertezas e ameaças foi confirmado (HERZ, 2002), e por

isso, seria necessário se precaver dessas ameaças, em especial o terrorismo.

Neste ponto, é possível perceber que os EUA acabariam por ‘deixar um pouco de

lado’ a questão do narcotráfico na América Latina. Com a mudança de foco para o

terrorismo, houve um relativo desinteresse pela questão latino-americana. Sobre

esse desinteresse, Messari discorre que:

O desinteresse relativo dos EUA pela América Latina não é de todo negativo. Por um lado, o fato da América Latina não ser atualmente uma área prioritária para os EUA na sua luta contra o terrorismo poupa a região das eventuais fortes pressões diretas daquele país e sua obsessão de incluir muitas questões dentro do prisma de segurança. (MESSARI, p.146, 2004)

Com os EUA recuando um pouco nesta questão é possível considerar a abertura de

uma brecha para novas articulações de segurança dentro da América Latina, ou

seja, os próprios países fronteiriços poderiam trabalhar para tentar solucionar a

questão do narcotráfico sem apenas ‘transferir’ o problema para além-fronteira. Para

isso, porém, seria preciso a criação de um mecanismo de segurança regional que

seja eficiente para tratar das questões de segurança na América Latina. Segundo

Messari, seria necessário primeiro redefinir quais são as prioridades de segurança

na América Latina para assim conseguir elaborar uma opção que pudesse funcionar

independentemente do envolvimento norte-americano, desvinculando assim este

problema da agenda estratégico-militar estadunidense.

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31 7 A “POLÍCIA DO MUNDO”

Os EUA, quanto a suas ações frente a outros Estados, tendem a tentar assumir uma

posição de “polícia do mundo”. Especialmente após os atentados de 11 de setembro

se pode perceber este tipo de comportamento na chamada guerra ao terror (ALVES,

2011). O significado da mencionada expressão pode ser compreendido nas palavras

de Alves:

A metáfora da “polícia do mundo” é entendida, assim, como uma comparação com a política interna. As ações policiais dos EUA seriam aquelas nas quais a grande potência age com os demais Estados assim como os Estados agem com seus súditos: disciplinando e punindo para garantir o cumprimento das regras e, idealmente, a obediência inconsciente. (ALVES, 2011, p. 143 e 144)

Alves (2011), ao analisar as intervenções dos EUA na sua tentativa de ser a “polícia

do mundo”, mostra que ela se faz similar em muitos momentos ao defender que:

Todas essas intervenções, assim como as que ocorreram em outros continentes possuem em comum o fato de visar o controle de um Estado por meio de uma política que, com algumas exceções, não pretende anexar territorialmente o Estado a ser controlado (ALVES, 2011, p. 143)

Com a eclosão da guerra às drogas, proclamada pelo governo dos Estados Unidos

na década de 70, tem-se uma modificação neste policiamento internacional. Nesse

período, agências como a Drug Enforcement Administration (DEA) e o Federal

Bureau of Investigation (FBI) atuaram no julgamento de indivíduos que eram presos

por agentes estadunidenses em território estrangeiro e levados para Corte nos EUA

por terem desrespeitado alguma legislação federal. Premissas legais do Office of

Legal Counsel (Conselho do Departamento de Justiça) bem como o parecer à

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32 Suprema Corte em 1992 sustentavam a legalidade deste tipo de ação (ALVES,

2011).

Segundo Alves (2011), “a prática de apreensão extraterritorial e o deslocamento de

prisioneiros entre diversos países teriam deixado de ser ocasionais e se tornado

política constante do Estado em 1995, quando se formou um programa da Central

Intelligence Agency (CIA) encarregado de sua realização” (ALVES, 2011, p. 146). O

autor ainda defende que o policiamento internacional dos EUA não se configura

como política de governo, mas sim de Estado uma vez que apesar das variações de

agressiva de em cada governo, a prática se mantêm constante. Essa prática, porém,

tem um grande peso nas relações político-sociais uma vez que “buscando

legitimidade no discurso da segurança, a política policial avança contra a sociedade

e contra o indivíduo, colocando o Estado como valor máximo” (ALVES, 2011, p.

154). E é a realização desse policiamento que foi vista na questão do narcotráfico e

agora vem sendo vista nas questões relacionadas ao terrorismo.

Podemos perceber também a questão da punição e tentativa de disciplina da “polícia

do mundo” com o Relatório Sobre Estratégia Internacional de Controle de

Narcóticos, em que os governos do mundo são avaliados em relação ao grau de

combate do tráfico internacional. Tal relatório é gerado pelos EUA e, caso o país

seja reprovado, perde-se o direito de colaboração, afetando por exemplo as

importações e exportações de determinado país (LISBOA, 2008).

8 CONCLUSÃO

A inserção do tema do narcotráfico e seu debate no cenário internacional tem como

marco a Conferência de Xangai, em 1909. Após esse marco, diversos tratados

foram sancionados para tentar resolver os problemas associados a essa indústria

ilegal, tais como a Convenção Internacional do Ópio, de 1912; a 2ª Convenção

Internacional do Ópio, de 1925; a 1ª e 2ª Convenção de Genebra, nos anos 1931 e

1939, respectivamente; e as Convenções no âmbito da ONU, que são a Convenção

Única Sobre Entorpecentes, de 1961, a Convenção sobre Substâncias

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33 Psicotrópicas, de 1971 e a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e

Substâncias Psicotrópicas, de 1987.

A Convenção mais importante dentre as apresentadas é a Convenção Contra o

Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, realizada em 1988 e

representa um novo marco histórico, pois internacionaliza a política de repressão

dos EUA para o mundo (BOITEUX et al, 2009). Tal influência é percebida já com a

incorporação dos tratados no âmbito interno e, sobretudo, com a questão da

securitização que já pode ser percebida na Constituição de 1988, com o projeto

SIVAM em 1990, a Lei do Abate em 2004 e, por fim, o Plano Estratégico de

Fronteira, iniciado em 2011. O mais recente projeto para o controle do tráfico

internacional de drogas, a Operação Ágata, fruto do Plano de Fronteira, representa a

consolidação dessa influência americana, que já apresentava forças desde a década

de 1970 (RODRIGUES, 2012).

Mesmo após o tema ter perdido força no cenário estadunidense após o 11 de

setembro, como mencionado, a influência estadunidense persiste no cenário latino

e, sobretudo, brasileiro. Percebemos que o tema continua atual na agenda de

segurança brasileira. O papel dos EUA como “polícia do mundo”, intervindo num

primeiro momento e influenciando num segundo momento, como percebido na

guerra da Colômbia (HERZ, 2002) e no governo Reagan, com o enfoque dado à

questão militar (FRAGA, 2007), assim como a questão da securitização do tema, é

percebido até nos dias de hoje na política para o controle do tráfico internacional de

drogas.