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o homem e o seu espaço O S espaços geográficos emanam de obras humanas. Testemunham mesmo os modos de existência das sociedades, e nenhuma destas existe sem um espaço que ela produz e que orga- niza por meio de sinais visíveis, corno as vias de comunicação ou as zonas urbanas, mas também por sinais invisíveis corno os fluxos que são reve- lados pela análise geográfica: fluxos migratórios, fluxos de ideias veiculados por meios de infor- mação regionais... Nestas condições, constrangi- mentos naturais e modelados são unicamente elementos inertes do espaço que é, por outro lado, dinâmico porque animado pelo homem. Constrangimentos naturais e actividades humanas Os factores físicos, climáticos, biogeográficos influem, em menor ou maior escala, sobre as sociedades humanas, segundo o seu grau de

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o homem e o seu espaço

OS espaços geográficos emanam de obrashumanas. Testemunham mesmo os modos

de existência das sociedades, e nenhuma destasexiste sem um espaço que ela produz e que orga-niza por meio de sinais visíveis, corno as vias decomunicação ou as zonas urbanas, mas tambémpor sinais invisíveis corno os fluxos que são reve-lados pela análise geográfica: fluxos migratórios,fluxos de ideias veiculados por meios de infor-mação regionais ... Nestas condições, constrangi-mentos naturais e modelados são unicamenteelementos inertes do espaço que é, por outrolado, dinâmico porque animado pelo homem.

Constrangimentos naturaise actividades humanas

Os factores físicos, climáticos, biogeográficosinfluem, em menor ou maior escala, sobreas sociedades humanas, segundo o seu grau de

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desenvolvimento económico e social. Estassociedades humanas ocupam um lugar queengloba elementos de categorias naturais esociais em simbiose ou em conflito. Tomemosdois exemplos.

No piemonte do Alto Atlas de Marrakech, odir" é um espaço geográfico instalado sobre osaluviões, repartidos, em declive suave, pelaságuas dos rios, das torrentes e das ravinas. Ossolos são variados, bem drenados, irrigados porengenhosos sistemas de canais. As habitações,nas saídas dos vales, estão anichadas dentro dosjardins e dos olivais. Neste caso, a sociedadecampesina está em harmonia com os dadosdo meio natural: o clima mediterrâneo, mastambém os modelados, os solos e o sistemahidrológico do piemonte.

Em compensação, noutras situações, as socie-dades humanas consideram como sendo hostil oespaço geográfico onde vivem. Os camponesessedentários do Marrocos atlântico cultivam osplanaltos e as covas interdunares, de solos ricos,e beneficiam de um clima temperado, mas omeio litoral e oceânico é-lhes estranho devido àondulação da barra, às poderosas correntes dederiva e às falésias batidas incessantemente pelomar, e isto apesar da riqueza ictiológica dos fun-dos marinhos.

Todavia, parece fútil continuar a falar demeios naturais. Tomaram-se tão raros que é con-veniente, daqui para diante, citá-los para quefiquem registados e deixar o seu estudo paraalguns especialistas; trata-se de certos grandes

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ergs* sarianos, das ilhas e dos arquipélagos dooceano Árctico tais como o arquipélago QueenElizabeth, dos meios oceânicos e de alguns sec-tores da montanha de grande altitude. Os mode-lados fazem, pois, parte dos meios geográficosmais ou menos humanizados conforme asregiões e as sociedades a que dizem respeito.Este esclarecimento suprime a distinção entremeios naturais e ecos sistemas e deixa aos eco-logistas o cuidado de estudar os ecossistemasde onde o homem está ausente. A difícil questãoque consiste em saber em que momento a influên-cia das intervenções humanas é suficiente paraque se deixe de falar de meios naturais deixa deinteressar, e o verdadeiro assunto da geografiacontinua a ser o dos meios geográficos. Nestesentido, os modelados não são mais que umelemento constituinte dos meios geográficos.

-Os modelados, integrados, portanto, nosmeios geográficos, têm aí um lugar definido pelasua escala e pela marca da influência humana. Sea sociedade que explora o meio geográfico emquestão está suficientemente organizada, osmodelados serão um elemento não contornáveldo meio ou serão obliterados, utilizados ou apa-gados pelas actividades dos homens. À volta deGuilin, na província de Guangxi, na China meri-dional, os camponeses cultivam todos os poljescoalescentes dominados pelo carso em torreões(cf. p. 84). A cidade instalou-se, também ela,neste sítio prestigioso e altamente turístico comas suas actividades industriais e artesanais.Neste caso, o modelado cársico permanece o

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Carso em torreões na região de Guilin, China do Sul

Os carsos em torreões e os poljes coalescentes dão origema vastas planícies inundáveis.

© J. Riser

essencial do meio geográfico, se bem que aregião estejaprofundamente humanizada.

Em compensação, a influência geográfica daconurbação na região de Lyon é tal que os mode-lados dos terraços fluvio-glaciares do Ródanoestão em grande parte, sobretudo ria margemesquerda, ocultos pelas implantações e activida-des humanas que até destruíram parcialmenteexplorando-os sob a forma de saibreiras oupedreiras. No vinhedo borgonhês, as melhoreslavras são obtidas nos coluviões de base deencosta. Na Sabóia, perto de Chambéry, nosvinhedos dos Abymes de Myans e de Apremont,

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a vinha é cultivada sobre os depósitos em bossasprovenientes do desmoronamento das escarpasdo monte Granier em 1248. Os cones de dejecção*,a saída dos vales, nas regiões áridas, conservamum lençol freático que permite a instalação dosoásis,· como o de EI Guettar, no sopé do jbelOrbata, no Sul tunisino.

Certos modelados ou conjuntos de modela-dos estruturam bastante bem o meio geográfico.Num piemonte, o afastamento dos vales condi-ciona o número de cones de dejecção, logo dezonas irrigáveis, e consequentemente de oásis.Num planalto cársico, as únicas áreas cultiváveissão as dolinas, e o parcelamento depende simul-taneamente do esboroamento da situação dasmesmas.

A expansão urbana pode também desenvol-ver erosão e modelados. Nos bairros popularesdecertas cidades do Terceiro Mundo, a ausênciade serviços de limpeza provoca violentos escoa-douros nas ruelas que rapidamente escavamravinas. As casas precárias construídas em decli-ves muito inclinados e em rochas macias, comono Rio de Janeiro ou em Bogotá, favorecem, porocasião de chuvas fortes, o desequilíbrio das ver-tentes e a solifluxão.

O homem, explorando o meio geográfico,cria modelados antrópicos que perturbam bru-talmente, de forma isolada, a topografia: escava-ções de pedreiras, saibreiras no leito dos rios,minas a céu aberto, escórias de minas ou alui-mentos de terreno causados por exploraçõesmineiras subterrâneas.

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EROSÃO E PAISAGENS NATURAIS I JEAN RISER; TRAD. ANTÓNIO VIEGAS

AUTOR(ES):

PUBLICAÇÃO:

DESCR. FfSICA:

COLECÇÃO:

NOTAS:

ISBN:

Riser, Jean; Viegas, António, trad.

Lisboa: Instituto Piaget, 1999

127 p. : il. ; 21 cm

Biblioteca básica de ciência e cultura; 64

Tít. orig.: Érosion et paysages naturels

972-771-135-9