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1 Ocupação Lanceiros Negros de Porto Alegre: a busca por visibilidade por meio das redes sociais Caroline de Mendonça Musskopf Gabriela M. Ramos de Almeida Palavras-chave: Ocupação Lanceiros Negros; Movimentos sociais; Comunicação alternativa; Redes sociais. RESUMO EXPANDIDO Este trabalho se propõe a analisar o uso das redes sociais por movimentos sociais a partir de um estudo de caso da página mantida pela Ocupação Lanceiros Negros, de Porto Alegre, no Facebook. Foram catalogados e observados ao longo dos três meses todos os conteúdos publicados na fanpage chamada Ocupação Lanceiros Negros MLB RS e mantida por integrantes do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). A pesquisa se baseia no conceito de comunicação alternativa (ATTON, 2001; PERUZZO, 2006; GIMÉNEZ, 1979) e visa fomentar a discussão a respeito da necessidade de existência da comunicação alternativa para a afirmação do direito constitucional à comunicação e para a criação de um lugar de fala (BRAGA, 2000) para grupos sociais historicamente marginalizados e criminalizados. O trabalho também se baseia nas contribuições de Manuel Castells (1999; 2001; 2013) para fundamentar a reflexão sobre o desenvolvimento das redes de movimentos sociais na internet. A coleta de dados ocorreu de forma quantitativa e qualitativa. Como etapa metodológica da pesquisa, as postagens da página Ocupação Lanceiros Negros MLB - RS foram separadas em “resumo do primeiro mês de funcionamento”, “resumo do segundo mês de funcionamento” e “resumo do terceiro mês de funcionamento”, nos quais seus conteúdos foram classificados em seis categorias, a partir do teor percebido no processo de análise. São elas: 1) Divulgação da ocupação; 2) Pedido de doações; 3) Divulgação de ato público; 4) Divulgação de atividade cultural; 5) Reivindicação e denúncia; e 6) Divulgação de outros movimentos sociais. Em seguida, foi escolhida uma publicação de cada mês à qual foi dedicada uma análise de conteúdo específica. O critério para a escolha foi a repercussão do post, considerando o número de curtidas, somado ao número de compartilhamentos e ao de

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Ocupação Lanceiros Negros de Porto Alegre: a busca por

visibilidade por meio das redes sociais

Caroline de Mendonça Musskopf

Gabriela M. Ramos de Almeida

Palavras-chave: Ocupação Lanceiros Negros; Movimentos sociais; Comunicação

alternativa; Redes sociais.

RESUMO EXPANDIDO

Este trabalho se propõe a analisar o uso das redes sociais por movimentos sociais

a partir de um estudo de caso da página mantida pela Ocupação Lanceiros Negros, de

Porto Alegre, no Facebook. Foram catalogados e observados ao longo dos três meses

todos os conteúdos publicados na fanpage chamada Ocupação Lanceiros Negros MLB –

RS e mantida por integrantes do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).

A pesquisa se baseia no conceito de comunicação alternativa (ATTON, 2001;

PERUZZO, 2006; GIMÉNEZ, 1979) e visa fomentar a discussão a respeito da

necessidade de existência da comunicação alternativa para a afirmação do direito

constitucional à comunicação e para a criação de um lugar de fala (BRAGA, 2000) para

grupos sociais historicamente marginalizados e criminalizados. O trabalho também se

baseia nas contribuições de Manuel Castells (1999; 2001; 2013) para fundamentar a

reflexão sobre o desenvolvimento das redes de movimentos sociais na internet.

A coleta de dados ocorreu de forma quantitativa e qualitativa. Como etapa

metodológica da pesquisa, as postagens da página Ocupação Lanceiros Negros MLB -

RS foram separadas em “resumo do primeiro mês de funcionamento”, “resumo do

segundo mês de funcionamento” e “resumo do terceiro mês de funcionamento”, nos quais

seus conteúdos foram classificados em seis categorias, a partir do teor percebido no

processo de análise. São elas: 1) Divulgação da ocupação; 2) Pedido de doações; 3)

Divulgação de ato público; 4) Divulgação de atividade cultural; 5) Reivindicação e

denúncia; e 6) Divulgação de outros movimentos sociais.

Em seguida, foi escolhida uma publicação de cada mês à qual foi dedicada uma

análise de conteúdo específica. O critério para a escolha foi a repercussão do post,

considerando o número de curtidas, somado ao número de compartilhamentos e ao de

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comentários. A tabulação e análise dos dados levantados permitiu perceber que, nos três

primeiros meses analisados, a quantidade de conteúdos com o intuito de divulgação da

ocupação e, indiretamente, do MLB, foi consideravelmente maior que todas as outras

categorias de conteúdos, sugerindo fortemente que essa foi a finalidade da criação da

página.

Contudo, os posts que mais repercutiram - tendo em vista o número de

compartilhamentos, somado ao número de curtidas e ao de comentários - foram aqueles

que possuíam um viés de reivindicação e denúncia, localizando o público leitor em

determinada situação.

Durante a análise da página da Ocupação Lanceiros Negros, outro ponto levantado

foi a categoria que obteve especificamente o maior número de compartilhamentos. Dentre

as opções de escolha para a análise - curtidas, comentários ou compartilhamentos - a

última recebeu essa atenção específica pois implica no aparecimento da respectiva

postagem no perfil do Facebook do indivíduo que o faz. Isso gera, portanto, uma carga

de significado maior para ele que uma postagem que ele apenas curtiu ou comentou.

Apesar da intenção estratégica para a criação da página ter sido a de divulgação da

ocupação, esta intencionalidade não foi o que definiu qual das categorias de análise

obteve um número maior de compartilhamentos. Novamente, obtivemos "reivindicação

e denúncia" no local de destaque.

Tendo em vista o conceito de comunicação alternativa e o objetivo de

desenvolvimento de um lugar ativo de fala na vida dos moradores da Ocupação Lanceiros

Negros, entende-se porque a categoria “Reivindicação e denúncia” ficou em uma posição

de repercussão consideravelmente superior à de todos os outros grupos. Afinal, se essa é

uma possibilidade de dar voz própria para pessoas que não se sentem devidamente

representadas pela mídia tradicional, é natural que o público atingido pelas postagens se

sinta no dever de compartilhar, para os seus próprios amigos e para o mundo, quando

alguma reivindicação direta é divulgada.

O Facebook, mesmo não sendo uma mídia livre, por se tratar de uma instituição

privada e, portanto, suscetível a censuras, tem sido uma alternativa para a narrativa de si

proposta pela Ocupação Lanceiros Negros. As redes sociais, portanto, possibilitam um

espaço para a produção de conteúdo autônoma dos movimentos e grupos sociais que, fora

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delas, não teriam um lugar de fala representativo, bem como uma contingência nas

relações de poder da comunicação de massa no Brasil.

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Harry Potter em tempos de midiatização: uma experiência

interacional no aplicativo Snapchat Felipe Jailson Souza Oliveira Florêncio

Universidade Federal do Pará, Belém, PA

Palavras-chave: Harry Potter; midiatização; interação; Snapchat.

RESUMO EXPANDIDO

1. Introdução

Este trabalho visa apresentar o resultado de uma análise exploratória a respeito de

dois recursos do aplicativo para smartphones Snapchat (as Live Stories e os filtros) que

utilizaram a temática “Harry Potter” em 31 de julho de 2016, considerando o lançamento,

neste dia, da versão em inglês do livro com o roteiro da peça teatral Harry Potter and the

Cursed Child1, vista como a oitava história da saga. Para desenvolver a análise,

iniciaremos com uma breve revisão das nossas perspectivas teóricas do conceito de

midiatização, trabalhado por Muniz Sodré (2012) e por José Luiz Braga (2011), que toma

como objeto dos estudos comunicacionais as interações humanas e considera

midiatização como nosso processo interacional de referência. Dialogamos também com

Dominique Wolton (2004), que considera que toda comunicação prescinde da interação,

tanto na concepção de comunicação funcional quanto na normativa. Em seguida, fazemos

uma contextualização a respeito da série Harry Potter e do aplicativo Snapchat,

finalizando com a análise, a partir dos conceitos, de duas amostras, uma de 27

printscreens2 do recurso das Live Stories e outra de 51 printscreens do recurso dos filtros.

A partir dessa reflexão, percebemos a série Harry Potter como objeto midiatizado e

vetorizador de processos interacionais.

2. Referencial teórico

Segundo Sodré (2012), a midiatização seria um conjunto de mediações baseadas

na comunicação como processo informacional a reboque do sistema capitalista e no que

ele chama de tecnointeração, ou seja, interações caracterizadas pela presença de uma

1 “Harry Potter e a Criança Amaldiçoada”, em português. Tradução adotada pela editora Rocco ao anunciar,

para outubro de 2016, a publicação da versão em português, no Brasil. 2 Captura de tela.

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prótese tecnológica denominada medium: um fluxo comunicacional acoplado a um

dispositivo técnico.

A midiatização implica um novo modo de estar e se relacionar no/com o mundo.

É o que ele denomina como bios midiático (SODRÉ, 2012). Ao tratar de midiatização

nessa perspectiva, o autor não se fecha na visão de como a mídia influenciaria a sociedade,

mas em como o processo de midiatização significa uma nova maneira de existir e se

comunicar.

Nesse sentido, aproximamos o pensamento de Sodré (2012) ao de Braga (2011),

que compreende midiatização como processo comunicacional da sociedade

contemporânea. Para Braga (2011), as mídias teriam destaque entre as interações na

sociedade e o midiático estaria presente em todos os espaços da vida. Entretanto, o autor

vê os meios de comunicação apenas como fenômeno empírico. O que se deve enxergar

neles é seu caráter proporcionador da “interação social comunicacional” (BRAGA, 2011,

p. 69) que seriam os processos simbólicos e práticos que organizam as trocas entre os

seres humanos. Braga (2011) trabalha para superar a disjunção entre “mídia” e

“interações”. Para ele, existe uma continuidade entre os processos comunicacionais da

midiatização e os processos interacionais mais distantes do “midiatizado”. A midiatização

faz parte da vida social em todos os seus aspectos.

Isso nos leva à perspectiva de Wolton (2004): é a interação que define a

comunicação, processo que possui três sentidos principais. Primeiramente, de

compartilhar com o outro. Em segundo, de conjunto de técnicas. E por último, de

necessidade social funcional, indispensável para a manutenção e desenvolvimento dos

sistemas globais.

Por funcional, o autor entende as necessidades que as economias e sociedades

abertas possuem de se comunicar. Atrelada à essa concepção, está a dimensão normativa,

relacionada ao que ele considera o ideal da comunicação: estar em contato com o outro,

compartilhar o comum, compreender-se. O autor nos mostra que essas dimensões não

existem desaliadas (WOLTON, 2004).

3. Harry Potter e o Snapchat

Percebendo a sociedade contemporânea tecida por interações midiatizadas,

selecionamos um exemplo empírico de experiência midiatizada para este exercício

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teórico-experimental. Escolhemos Harry Potter, uma das sagas ficcionais mais bem-

sucedidas da contemporaneidade (PERES, GOMES, 2008)3. Além de livros, deu origem

a filmes, jogos eletrônicos, RPG's e se proliferou na internet com blogs e fanfics (PERES,

GOMES, 2008; BORELLI, 2007).

Em 2016, a série migrou para o teatro. A autora J. K. Rowling, em parceria com

o diretor teatral Jack Thorne e o roteirista John Tiffany, desenvolveu o roteiro de uma

peça teatral, continuando o enredo da série original. A peça “Harry Potter and the Cursed

Child” estreou no dia 30 de julho de 2016, em Londres. No dia seguinte, ocorreu o

lançamento do seu roteiro em formato de livro, que, segundo o site Potterish4, bateu

recordes desde a pré-venda.

Este lançamento repercutiu nas redes sociais, entre elas, o Snapchat, aplicativo

para compartilhar fotos, vídeos e trocar mensagens. O seu diferencial é que esses

conteúdos, aos serem trocados entre usuários, têm a proposta de ficarem disponíveis

somente entre 1 e 10 segundos.

Um dos recursos do Snapchat são as “Live Stories”, uma reunião de snaps5

postados por usuários e selecionados pelo aplicativo para compor uma história a respeito

de determinado tema. O usuário envia seu snap para compor Live Stories. Esses snaps

são avaliados pela equipe de funcionários do aplicativo, que montam uma narrativa

composta por uma média de 20 a 50 snaps recebidos e a disponibiliza para todos os

usuários do aplicativo. Esse recurso tem sido utilizado para coberturas de eventos

culturais (MONTEIRO, MAZZILLI, 2016)6.

No dia 31 de julho de 2016, o Snapchat utilizou uma Live Story para a cobertura

do lançamento do livro com o roteiro da peça. A narrativa foi composta por um total de

27 snaps disponibilizados em sequência. Ao percebermos essa movimentação, realizamos

em nossa conta pessoal a coleta desses conteúdos através de printscreens.

3 Os livros foram traduzidos para 77 idiomas (Disponível em:

<http://www.jkrowling.com/pt_BR/#/works/os-livros>. Acesso em: 16 ago. 2016). De acordo com

Henriques (2015), os títulos da série venderam mais de 450 milhões de exemplares mundialmente. Somente

no Brasil, a estimativa é de cerca de 3 milhões de exemplares. 4, Potterish é o maior site de Harry Potter do Brasil e um dos cinco maiores do mundo, premiado pela

própria autora J.K. Rowling. Disponível em: <http://potterish.com>. Acesso em: 16 ago. 2016. 5 É assim que se chama os conteúdos compartilhados pelos usuários do Snapchat. 6 O usuário do Snapchat, ao clicar na Live Story assiste aos snaps em sequência, como se fosse um vídeo

formado por várias partes de vídeos menores.

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Além disso, o Snapchat forneceu outro recurso com o tema “Harry Potter” neste

dia: um filtro temático, com o qual os usuários podiam filmar/fotografar a si mesmos com

elementos que caracterizam o personagem título da saga: olhos verdes, cicatriz em forma

de raio na testa, cachecol vermelho e dourado e uma varinha. Neste caso, além de coletar

printscreens dos nossos contatos pessoais que utilizaram o filtro, solicitamos, via

WhatsApp, que 20 amigos procurassem, entre seus contatos do Snapchat, pessoas que

utilizaram o filtro, pedissem autorização para uso da imagem e, fornecida a autorização,

realizassem printscreens para compor nossa amostra. Durante aproximadamente 24h

foram coletados 51 printscreens. É a partir dessas duas experiências no Snapchat (o Live

Stories do lançamento do livro e o filtro temático) que construímos nossa análise

exploratória.

4. Análise exploratória

A análise trabalhou a construção de uma Live Story a partir da nossa perspectiva

teórica-conceitual. Na sociedade midiatizada, linguagens das tecnologias da comunicação

se hibridizam e são acionadas para promover interações. Montar uma narrativa coerente

com usuários de diversas partes do mundo evidencia que as tecnologias introduzem os

elementos do tempo real no espaço virtual, possibilitando outros regimes de visibilidade

e convivência de diferentes mundos (SODRÉ, 2012).

Braga (2011) propõe as interações como “ângulo de entrada” promissor para

análises comunicacionais, e a midiatização é o meio pelo qual a sociedade contemporânea

aciona suas interações. A partir desse recurso, foi possível considerar Harry Potter como

um objeto midiatizado que funciona como um ponto em comum na vida dos fãs e que

vetoriza interações entre os usuários do Snapchat escolhidos para a Live Story. Um

processo que pode ser analisado também a partir do que Sodré (2012) denomina como

tecnointeração.

Para Wolton (2004), a questão das técnicas é apenas a parte visível da vontade

humana de entrar em relação com o outro. Considerando o equilíbrio entre as dimensões

normativa e funcional (WOLTON, 2014), vemos o envio de snaps para compor uma Live

Story como um exemplo de tentativa de aproximação ao outro, ambição de todo processo

de comunicação, mesmo que ligado a objetivos funcionais.

Essas reflexões também são pertinentes para analisar a utilização do filtro

temático. A utilização desse filtro e a própria reunião dos printscreens também são

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exemplos de tecnointeração, que apesar de baseada em uma oferta midiática, não impede

diferentes apropriações da parte dos usuários. Fato que evidencia um sintoma da expansão

do capital, característica da midiatização. Mas, como vimos em Wolton (2004), o caráter

funcional da comunicação de forma alguma anula o normativo. Um filtro como esse, no

Snapchat, é uma manifestação, tecnointeracional, que visibiliza um ponto em comum

entre esses diferentes usuários, a presença da série Harry Potter em suas vidas. Para nós,

é esse comum que pode promover processos interacionais.

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Analítica da midiatização esportiva: estratégias discursivas

das colunas/istas Juca Kfouri e Tostão sobre a Copa do

Mundo de 2014 na Folha de S. Paulo

Gilson Luiz Piber da Silva

Centro Universitário Franciscano, UNIFRA e

Universidade Federal de Santa Maria, UFSM

Palavras-chave: Estratégias discursivas. Analítica. Colunas/colunistas. Midiatização.

Copa 2014.

RESUMO EXPANDIDO

Consideramos a coluna jornalística, de modo geral, e as colunas esportivas de Juca

Kfouri e Tostão publicadas no jornal Folha de S. Paulo, eleitas por nós como objeto de

pesquisa de uma tese de doutorado no PPGCom da Unisinos, espaços singulares e

recortados, com autoria, regularidade, temática, regras e enunciação próprias. São lugares

de mediação, associados a práticas que se estruturam e se desenvolvem a partir de

operações de sentido engendradas no âmbito enunciativo da cultura midiática. Também

nos chamou atenção o fato de os dois colunistas não falarem só sobre futebol, com seus

aspectos físico, técnico e tático, mas de outros assuntos - economia, política, cultura,

sociedade. Os indícios e os primeiros observáveis das colunas nos levaram a formular o

nosso problema de pesquisa nos seguintes termos: como se manifesta uma analítica da

midiatização na esfera do jornalismo, a partir das estratégias discursivas e enunciativas

das colunas de Juca Kfouri e Tostão sobre a Copa do Mundo de 2014, publicadas no

Jornal Folha de S. Paulo?

Juca Kfouri e Tostão, atores sociais reconhecidos no jornalismo esportivo

brasileiro, ao assinarem colunas para a Folha de S. Paulo, oferecem agendas singulares

aos leitores na formação de suas ideias e de seus comportamentos. Ambos os colunistas

adotam estratégias discursivas e enunciativas, segundo operações enunciativas que dão,

às narrativas de suas colunas, singularidade, ao tratarem a temática da Copa em três

momentos específicos, o antes, durante e após o certame. Assim, nossa motivação foi

estudar as marcas e operações que emergiam dessa processualidade, algo que nos levou

a formular a hipótese estudada, segundo a qual Juca Kfouri e Tostão faziam uma analítica

singular da Copa de 2014 como acontecimento esportivo.

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Tais elementos nos ensejaram, então, a formular o objetivo geral da pesquisa, que

foi o de compreender as estratégias discursivas e enunciativas das colunas jornalísticas

esportivas escritas por Juca Kfouri e Tostão, na Folha de S. Paulo, sobre a cobertura da

Copa do Mundo de Futebol de 2014 no Brasil, a fim de descrever o funcionamento de

uma analítica diferenciada sobre a midiatização da Copa de 2014.

Os objetivos específicos visaram a identificar as marcas das operações

enunciativas utilizadas pelos dois colunistas, tendo em vista as temáticas abordadas nos

textos; descrever como as duas colunas implicavam o atravessamento de práticas sociais

em função dos episódios externos ao jogo em si; e apontar como se manifestava a

produção discursiva dos dois colunistas, visando à produção de uma analítica da

midiatização do acontecimento esportivo.

Para fins de entendimento do leitor sobre midiatização, nos valemos de uma

definição de Fausto Neto (2008):

A midiatização resulta da evolução de processos midiáticos que se instauram

nas sociedades industriais, tema eleito em reflexões analíticas de autores feitas

nas últimas décadas e que chamam atenção para os modos de estruturação e

funcionamento dos meios nas dinâmicas sociais e simbólicas (FAUSTO

NETO, 2008, p. 90).

A midiatização funciona, afeta e é afetada pelas práticas sociais diversas. Tal

processo amplia a complexidade da sociedade. Por exemplo, a questão não é o que

determinado jornal diz, mas que tipo de ação tenta fazer ou faz para dizer algo ao seu

leitor.

A Copa do Mundo de Futebol é um macro acontecimento, de caráter mundial, que

é construído por meio de intervenções de estratégias de diferentes campos sociais. Pode

ser considerado um fenômeno cultural diverso porque seu desenvolvimento se dá através

de uma complexa construção, envolvendo muitas operações, agenciamentos, transações

etc. Tais fatores levam o jornalismo a lidar com esse acontecimento, segundo variadas

motivações e perspectivas interpretativas. No caso dos colunistas, eles trabalham em

termos de enunciação com uma analítica que se engendra nas discursividades que se

manifestam em suas colunas durante os momentos da Copa – antes, durante e depois.

O argentino Eliseo Verón é o pioneiro na construção conceitual de midiatização

no contexto latino-americano. Suas pesquisas servem de base para outros estudos,

particularmente, os desenvolvidos no PPGCOM da Unisinos, ao qual nos filiamos.

Segundo ele mesmo formula, da perspectiva histórica de longo prazo.

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A midiatização certamente não é um processo universal que caracteriza todas

as sociedades humanas, do passado e do presente, mas é, mesmo assim, um

resultado operacional de uma dimensão nuclear de nossa espécie biológica,

mais precisamente, sua capacidade de semiose. Essa capacidade foi

progressivamente ativada, por diversas razões, em uma variedade de contextos

históricos e tem, portanto, tomado diferentes formas. Entretanto, algumas das

consequências estiveram presentes em nossa história evolucionária desde o

início e afetaram profundamente a organização das sociedades ocidentais

muito antes da modernidade (VERÓN, 2014, p. 14).

Verón (2012, p. 18) trata de deixar claro que a midiatização é a exteriorização de

processos cognitivos que teria iniciado com a indústria da pedra e de “maneira plena na

famosa revolução neolítica”. Para ele, a midiatização tem características particulares nos

últimos tempos e implica a materialização de processos cognitivos. A partir do raciocínio

do autor, o processo de midiatização ainda está incompleto. Verón destaca que o desafio

atual é compreender o papel dos dispositivos, pois sobre eles está calcado o conceito de

midiatização. Para refletir sobre esse processo, o autor propõe o conceito de espaços

mentais que se agrupariam e se aglutinariam graças aos dispositivos técnicos, o que seria

uma consequência histórica.

Verón (2004) enfatiza que a midiatização não é um fenômeno abstrato, mas que

afeta o funcionamento da sociedade e de todas as práticas sociais, ainda que de modo não

uniforme.

Mata (1999) aproxima-se, de alguma forma, da perspectiva veroniana, ao destacar

que o que acontece é algo mais amplo, uma mudança de paradigma, um novo modelo no

desenho das interações sociais. A midiatização, nesse contexto, suscita o processo

fundamental de compreender a transformação na qual uma ordem social se comunica, se

reproduz e se transforma.

A midiatização, na ótica de Gomes (2015), é um conceito que descreve o processo

de expansão dos diferentes meios técnicos e considera as inter-relações entre a mudança

comunicativa dos meios e a mudança sociocultural. Grosso modo, midiatização significa

ação de midiatizar, dar visibilidade, colocar na mídia. Porém, Gomes (2015, p. 33) destaca

mais que isso, dizendo que “cada um lhe dá o significado (midiatização) que melhor lhe

agrada... e o conceito de midiatização é tratado através de múltiplas vozes”. Isso significa

que existe uma atividade intensa de elaboração sobre tal conceito no mundo acadêmico,

em termos recentes.

Braga (2012) percebe hoje a midiatização da sociedade como uma criação e

recriação contínua de circuitos, nos quais, articulados com processos de oralidade e

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processos do mundo da escrita, os processos que exigem ou exercem intermediação

tecnológica se tornam particularmente caracterizadores da interação. Diz que, na

sociedade em midiatização, não são “os meios”, ou “as tecnologias”, ou “as indústrias

culturais” que produzem os processos – mas sim todos os participantes sociais, grupos

ad-hoc, sujeitos e instituições que acionam tais processos e conforme os acionam (Braga

2012). O envolvimento vai além dos meios técnicos e coloca sujeitos e instituições no

centro da processualidade, com ênfase para os circuitos e as interações estabelecidos entre

as partes envolvidas.

Fausto Neto (2008) aborda a midiatização da perspectiva das práticas e dos ofícios

jornalísticos. A midiatização, como possibilidade de ação tecno-discursiva-interpretativa

que se institucionaliza crescentemente na sociedade, implica levar em conta dois

aspectos: o processo crescente de autonomia e de transformação do campo midiático e

que se manifesta na própria singularização das estratégias deste universo, enquanto um

novo; e a compreensão que o próprio trabalho teórico tem sobre esses processos de

autonomização e de transformação do campo midiático, sobretudo, dos seus efeitos, ao

refletir sobre as transformações da sociedade dos meios na sociedade midiatizada

(FAUSTO NETO, 2008). Ocorre a migração dos processos referenciais da realidade para

outras práticas sociais, com atravessamento e afastamento por operações significantes,

cujo emprego é condição para que as mesmas passem a ser reconhecidas.

Já Ferreira e Folquening (2010, p. 11) destacam o valor dos processos de

midiatização, agrupados em três níveis: de comunicação, os dispositivos e os processos

sociais. Para eles, “a midiatização são as relações e intersecções entre esses três níveis

definidos a partir de aportes teóricos e epistemológicos”.

Antes disso, Ferreira (2007b) desenvolveu um conceito de midiatização articulado

a partir de três polos em relação de mútua determinação, formando uma matriz, que busca

definir a midiatização por meio das relações e intersecções entre dispositivos (DISP),

processos sociais (PS) e processos de comunicação (PC). Na visão de Ferreira (2007b, p.

2), “essa matriz primária indica um conjunto de relações possíveis de interpretação da

midiatização”, com a adoção do método histórico-dialético. Mesmo considerando tratar-

se de um conjunto teórico (abstrato), o pesquisador comentou que, somente por uma

abstração, é possível separar as três dimensões, que devem, num segundo movimento de

análise, ser reintegradas para que possamos falar de midiatização.

No nosso entender, a analítica é uma atividade de leitura e de interpretação do

mundo, conforme práticas que envolvem objetos vários, mas no caso, os dispositivos

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tecno-discursivos midiáticos. E, nestas condições, cada colunista, no caso em estudo,

elege modelos e estratégias de leitura para ver a cena esportiva, ainda mais numa Copa

do Mundo, acontecimento complexo cuja processualidade existe, pois o certame

estrutura-se em torno de um calendário que envolve três fases - um antes, um durante e

um depois, segundo a mobilização de processos narrativos.

O período estudado da nossa pesquisa foi de 1º de janeiro de 2014 a 14 de agosto

de 2014, com ênfase em três momentos da Copa do Mundo, o antes (de 1º de janeiro a 11

de junho), o durante (de 12 de junho a 13 de julho) e o depois do acontecimento esportivo

(de 14 de julho a 14 de agosto). Nesta fase, foram publicadas cerca de 300 colunas de

Juca Kfouri e Tostão. Deste total, elegemos um corpus de 178 colunas, levando em conta

a extração de textos que abordavam a temática Copa do Mundo de 2014. Das 178,

inicialmente, selecionamos 53 colunas. Na sequência, esse número caiu para 41 em

virtude de marcas repetidas dentre as colunas escolhidas. O corpus final fechou em 30

colunas. A partir daí, definimos quatro categorias para análise: 1) operações alusivas à

midiatização 2) tematização explícita, 3) operações comparativas e 4) marcas

interpretativas (avaliativas), que foram identificadas nos materiais pré-observáveis.

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A (re)ordenação do Sistema Moda em dois momentos da

sociedade: a sociedade dos meios e a sociedade em vias de

midiatização

Juliana Bortholuzzi

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Palavras-chave: moda; midiatização; indústria criativa.

RESUMO EXPANDIDO

O presente artigo traz as reflexões propostas no projeto de tese da autora, cuja

temática central discute as articulações entre a moda e os processos sócio-midiáticos na

contemporaneidade, mais especificamente, a compreensão de como a aceleração do

consumo e as novas formas de consumir, foram, aos poucos, alterando as configurações

do sistema moda, antes formatado nos moldes da indústria cultural e aos poucos, se

adaptando aos da criativa. O cenário em que tais alterações ocorrem se desenha em dois

momentos da sociedade, o sistema moda na sociedade dos meios e na sociedade em vias

de midiatização.

O sistema moda vive num contexto em que todos os mercados estão interligados

economicamente, as fast fashions despejam coleções a cada quinze dias, a produção em

escala possibilita que os preços sejam acessíveis, o marketing cria desejos, a

intensificação das tecnologias possibilita a comunicação dessas informações de forma

imediata, e todos esses fatores juntos aceleram o consumo de moda. Em contra partida,

temos o despertar da consciência de que nosso planeta tem recursos finitos, uma geração

de consumidores mais conscientes, o slow fashion, o retorno do artesanal, do local e várias

marcas tentando entrar ou se manter no mercado através com negócios cuja força motriz

é a criatividade, e não reprodução.

Considerando o momento de transição vivido pelo sistema moda, impactado pelos

fatores acima descritos, o problema de pesquisa do projeto busca entender de que forma

o sistema moda se articula e se reorganiza? Qual a relação da comunicação midiática

com as (re)ordenações desse sistema? Uma hipótese levantada é a de que as marcas de

moda criadas na lógica da indústria criativa constroem sua imagem de marca junto com

a imagem do produto, através da comunicação midiática, e utilizam ela para todas as

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formas de comunicação de seus produtos, ações, lançamentos, entre outras coisas, para

com os seus consumidores.

Nesse sentido e tendo como ponto de partida a discussão das relações da moda

com a indústria cultural e a criativa, o objetivo geral da pesquisa é compreender como o

processo de midiatização afeta as formas de consumir, e por consequência, a construção

de novas marcas, e reordena o sistema moda? Que espaços midiáticos são ocupados por

estas marcas quando da construção de suas identidades? Como todas essas reordenações

impactam o sistema moda? Nesse sentido, e para que possamos resolver tal problemática,

serão investigadas, num estudo de casos múltiplos, três marcas criadas e sediadas em

Porto Alegre, a Insecta Shoes, a Helen Hödel e a Oh Studio.

Para dar conta do objetivo central proposto, foram traçados alguns objetivos

específicos, quais sejam: compreender o funcionamento do sistema moda na sociedade

dos meios e sua ordenação sob a lógica da indústria cultural, bem como as alterações

sofridas no seu funcionamento, quando na sociedade em vias de midiatização e sua

reordenação para a lógica da indústria criativa.

O sistema moda é o reflexo do contexto sociocultural em que ele é produzido,

estando diretamente relacionado a fatores econômicos, sociais, culturais, históricos,

comportamentais, estéticos, identitários e tecnológicos desse cenário. A moda é norteada

por um fenômeno sociológico que determina seu contexto estético e está relacionado ao

surgimento da sociedade de consumo, transformando-se numa das instituições mais

características do ocidente, e porque não dizer, da própria contemporaneidade.

O sociólogo alemão George Simmel trabalha com a ideia de imitação social, que

se configura como um sistema original de regulação e de pressões sociais relacionando o

indivíduo com o seu contexto, e complementa que esse modelo leva à disputa geral por

símbolos superficiais e instáveis de status, onde a elite inicia uma moda e quando as

classes mais baixas a imitam, num esforço de eliminar as barreiras externas de classe, ela

a abandona esta por outra moda nova e assim sucessivamente; gênese do princípio da

obsolescência, constituinte central do sistema moda (SIMMEL, 1961).

No sistema da moda, a forma de produção foi regida pela alta costura até 1960,

onde as peças eram feitas à mão num processo lento e individual, apenas a partir da

segunda metade do século xx, ela começou a tomar outro rumo, onde novos setores e

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formas de produção do vestuário começaram a surgir e surgiu o pret-à-porter, que

culminou no processo de a industrialização da moda (GRUMBACH, 2009).

A mesma indústria que viabiliza o prêt-à-porter evolui mais ainda e com ela, a

forma de uma geração consumir e pensar, que obriga ao sistema moda se reordenar

novamente, passando a um nível ainda mais rápido, com ainda mais apelo para o

consumidor, com ainda mais provocação de desejo e de necessidade de comprar,

passamos para a moda rápida, a chamada fast fashion, utilizada por grandes magazines

para produção rápida e contínua de novidades, e com preço bem abaixo dos formatos até

então explanados.

Nesse sentido, faz-se necessário analisar que o sistema moda se dá em dois

momentos da sociedade: a sociedade midiática ou dos meios, e a sociedade em vias de

midiatização. Na primeira delas, são os meios que exercem a centralidade na atividade de

divulgação dos bens societários, eles fazem a mediação entre as instituições produtoras

de bens materiais, e os consumidores. Para Fausto Neto (2006b, p.23), na “sociedade

midiática os meios se constituem em setores estratégicos, no âmago da vida e da dinâmica

tensional dos campos sociais”.

O sistema moda regido pela lógica do consumo desenfreado, pela busca do novo

e do exógeno está relacionado com a indústria cultural, já que esta visa exclusivamente

gerar um consumo padronizado e orquestrar os gostos dos consumidores, sem, é claro,

que estes percebam que estão sendo fisgados pela isca de uma ideologia interessada em

sua reprodução. O conceito de indústria cultural foi criado por Adorno e Horkheimer, em

meados dos anos 1940, onde era analisada a produção industrial dos bens culturais como

movimento de produção da cultura e mercadoria passível de consumo. Dessa maneira, o

termo “indústria cultural” foi associado à produção industrial de bens e serviços culturais

para sua difusão e comercialização para as massas (ADORNO e HORKHEIMER, 1991).

Com a evolução produtiva, a mercantilização da cultura e o surgimento da

imprensa, lançaram-se no mercado inúmeras novidades, as quais intensificaram cada vez

mais o consumo de massa. Assim, entre marcas, butiques, grifes e confecções, prevalecerá

a ordem de criar, produzir e vender, e quem se encarregará desta última função será a

publicidade – parceira essencial da indústria cultural, que irá comunicar os bens criados

para os consumidores, cuja mediação será exercida pelos meios.

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Neste momento, se faz necessário falarmos do segundo momento da sociedade em

que o sistema moda se insere, a sociedade em vias de midiatiazação, que, de acordo com

Braga, neste momento da sociedade não são os meios, ou as tecnologias, ou as indústrias

culturais que produzem processos, mas todos os participantes sociais, sujeitos e

instituições que acionam os processos e de acordo como eles são acionados, e que a

midiatização atravessa todos os processos sociais (BRAGA, 2012).

Nas palavras de Maldonado, o processo de midiatização “possui a característica

de atravessar todos os campos, condicioná-los e adequá-los às formas expressivas e

representativas da mídia” (MALDONADO, 2002, p. 4).

Neste momento da sociedade, todo o processo societário que envolve desde as

instituições das mais diversas ordens, inclusive a moda, até os seus usuários, são afetados

por operações de mídias. Podemos aqui falar dos consumidores, que são atores sociais

que também participam das atividades produtivas, pois manejam os bens técnicos como

a internet, por exemplo, não estando mais passivos.

O atravessamento midiático no consumo de moda é facilitado porque a mídia

ocupa um lugar central na dinâmica de informação de tendências de moda para grande

parte das leitoras que por sua vez, recebem estes conteúdos não só pela internet, mas

também através das novelas, das revistas, jornais e cinema, entre outros.

Desse modo, Schmitz nos ensina que, enquanto a moda se vale da mídia para ter

alcance de massa e adapta-se aos protocolos midiáticos para ser “publicizada”, a mídia

atua a partir de algumas características inicialmente atribuídas ao sistema de moda,

principalmente a partir do prêt-à-porter, que é quando a moda passa a operar dentro de

um sistema industrial (SCHMITZ, 2007); em que o tempo entre uma coleção e outra é

cada vez menor, para alinhar-se as três lógicas desta relação: a da moda, a midiática e a

do receptor- sujeito da sociedade midiatizada.

Como consequência da configuração do novo sistema, as grandes marcas

sobrevivem tranquilamente, pois conseguem ter rapidez e preço para competir, pois

trabalham com volume grande de produção e buscam os mercados onde a mão de obra é

mais barata para fabricar seus produtos. Diante desse contexto, e na contramão desse

cenário, as marcas menores ou marcas/designers que estão iniciando seus negócios, para

entrar e sobreviver no mercado, optaram por ter a criatividade como aliada para criar

produtos/serviços inovadores e criativos, para poder se destacar nesse mercado pela

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diferença não mais pela reprodução e padronização, alavancada pelo mercado global

midiatizado.

À medida que isso foi sendo constatado, começaram a surgir no mundo todo

modelos de negócios e setores completamente novos, fomentando a geração de empregos

e riqueza, todos gerados a partir de ideias criativas: as indústrias criativas, que, de acordo

com Howkins, são aquelas que desenvolvem produtos criativos vinculados à propriedade

intelectual, já a economia criativa é formada pela transação destes produtos, dotados de

valores intangíveis. Ela é o conjunto de atividades que resultam em indivíduos

exercitando a sua imaginação e explorando seu valor econômico. Pode também ser

definida como processos que envolvam criação, produção e distribuição de produtos e

serviços, usando o conhecimento, a criatividade e o capital intelectual como principais

recursos produtivos (HOWKINS, 2013).

O protagonista da economia criativa é o ser humano, ele será o produtor criativo

deste tipo de indústria, e a criatividade e o conhecimento humano serão seus insumos

inesgotáveis, o que de imediato difere das empresas cujos recursos não são renováveis e

são finitos. Neste contexto, a moda, enquanto indústria criativa é considerada um setor da

economia criativa, e, portanto, da indústria criativa.

É este cenário, entre esses dois momentos da sociedade, entre esses dois tipos de

indústria, que o sistema moda se ordena e reordena, sempre compreendendo as

especificidades de cada um, e tendo a mídia como papel fundamental para o sistema se

(re)organizar.

Referências:

ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. The Culture industry: elighetenment as

mass deception. Nova Iorque: The Seabury Press, 1991.

BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais, 2012. In: MATOS, Maria Ângela;

JANOTTI JUNIOR, Jeder; JACKS, Nilda Aparecida. Mediação e Midiatização: Livro

Compós 2012. Salvador/Brasília: UFBA/COMPÓS.

GRUMBRACH, Didier. História da Moda. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

FAUSTO NETO, Antônio. UM PROGRAMA EM TEMPOS DE MIDIATIZAÇÃO.

REVISTA ANIMUS, SANTA MARIA: UFSM, V. 5, P. 9-26, JUN, 2006B.

HOWKINS, John. Economia Criativa. São Paulo: M Books do Brasil , 2013.

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MALDONADO, Efendy, 2002. Produtos midiáticos, estratégias, recepção: a perspectiva

transmetodológica. Ciberlegenda, Rio de Janeiro, n.9, p. 1-23. Disponível em:

<http://www.uff.br/mestcii/efendy2.htm> Acesso em junho 2015

SCHMITZ, Daniela Maria, 2007. Mulher na moda: recepção e identidade feminina nos

editoriais de moda da revista Elle. Dissertação de Mestrado. Universidade do Vale do Rio

dos Sinos. UNISINOS, São Leopoldo.

SIMMEL, G. Filosofia de la moda. In:______. Cultura feminina e outros ensaios.

México: Espasa Calpe, 1961.

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“O carimbó não morreu. Está de volta outra vez: o ritmo

amazônico e processos de mediação das narrativas sobre as

matrizes culturais amazônicas paraenses”.

Juliana de Nazaré Alvares Brito

Joyce Priscila Ferreira da Silva

Keyla de Nazaré Gusmão Negrão

Estácio de Sá – FAP – Polo Belém-PA

RESUMO EXPANDIDO

Resumo: Esse artigo pretende lançar pistas de análise de uma problemática cultural sobre o

carimbó, ritmo amazônico paraense, a partir de uma plataforma de estratégias de narrativas de

vários campos sociais que se apropriam do ritmo para comunicar sentidos de cultura num contexto

de demarcação de políticas culturais na Amazônia.

Palavras-chave: Carimbó, Amazônia, Cultura, Mediação e Midiatização.

O carimbó não morreu,

está de volta outra vez

O carimbó nunca morre,

quem canta o carimbó sou eu.7

É considerado uma manifestação cultural tradicional paraense, o carimbó foi

instituído enquanto patrimônio imaterial cultural brasileiro no ano de 2014, após

iniciativa pública dos movimentos sociais e culturais com apoio do Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Dentro desse ritmo é possível observar

algumas características fundamentais, tais como o uso de instrumentos como: curimbó,

banjo, milheiros, maracas, reco-reco, paus, triângulo, rufo e tambor de onça. Nas letras

aspectos lúdicos são ressaltados, com assuntos do cotidiano dos ribeirinhos, exaltando

ainda a fauna e a flora amazônicas. E entre um rodopio e outro da dança, ora se dança

sozinho, ora se dança em par, sempre imitando as danças de roda, tradicional entre os

povos indígenas. Já na batida das palmas das mãos vê-se resquícios das danças

portuguesas. Enquanto o rebolado remete à sensualidade presente na dança de povos

negros. Segundo definição do Iphan:

historicamente, o carimbó se apresenta como uma manifestação cultural que

congrega um conjunto de práticas sociais festivas seculares, mas também

religiosas incorporadas no cotidiano das populações interioranas do Pará. Estas

práticas estão dispostas em torno da elaboração musicada, cantada e dançada

7 Trecho da música o carimbó não morreu, composta pelo Mestre Verequete – um dos principais nomes

do carimbó.

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dos conjuntos de carimbó produzidas nos contextos de trabalho e lazer dos seus

reprodutores. (Dossiê IPHAN, 2013: p.14)

Nosso objeto busca perceber, no processo de legitimação dessa manifestação no

marco das políticas culturais brasileiras, as vozes que comunicam cultura e as

problemáticas que motivam sobre a Amazônia Cultural. As políticas culturais aqui

entendidas como esforços conjuntos de intervenção simbólica que tornassem o carimbó

uma manifestação cultural brasileira, nos termos que García-Canclini define políticas

culturais:

Los estudios tienden a incluir hoje bajo este concepto al conjunto de

intervenciones realizadas por el estado, las instituiciones civiles y los

comunitários organizados a fin El desarrollo simbólico, satisfacer lãs

necesidades culturales de La población y obtener consenso para um tipo de

orden o transformación social. Pero esta manera de caracterizar el âmbito de

lãs políticas culturales necesitam ampliada teniendo em cuenta El carácter

transnecional de los procesos simbólicos y materiales em la actualidade.

(GARCÍA-CANCLINI, 2005: p.78)

É objetivo de nossa contribuição, então, observar e propor uma mirada sobre as

várias formas de intervenção simbólica, comunicacional – mediações - que concorreram

para que o carimbó conquistasse esse título de manifestação nacional, no marco das

políticas de cultura. Nossa intenção é propor um olhar para comunicação dos sentimentos

latentes – vibrantes e mornos- das matrizes periféricas que originaram o carimbó e se

estenderam pelas terras da faixa norte do Pará, que expressam as lutas de uma parte

insular do Brasil: a Amazônia.

Albino Rubim (2012) faz um mapeamento dessas políticas, desde a década de 30

até os anos 90 do século passado. Destaca que nos registros das ações andradianas na

década de 30 já se via sinalizações dos ritmos da Amazônia como um “sintoma” de

manifestações culturais vibrantes e jamais registradas, narradas, das regiões Nordeste e

Amazônia:

(...) patrocinar duas missões etnográficas às regiões amazônica e nordestina

para pesquisar suas populações deslocadas do eixo dinâmico do país e de sua

jurisdição administrativa, mas possuidoras de significados, acervos culturais,

modos de vida, e de produção, valores sociais, histórias, religiões, lendas,

mitos, narrativas, literaturas, músicas, danças, etc. (RUBIM, 2012: p.15)

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Que vozes movimentam o carimbó

Durante esse processo – desde a concepção até a intensificação da campanha de

incentivo na transformação do carimbó como patrimônio imaterial cultural – houve um

interesse massivo dos veículos de comunicação em toda a capital paraense, bem como a

sociedade em geral: “dentro desse processo você tem uma efervescência, porque tem a

sua notoriedade principalmente na mídia, mas também se passou a ver programas de

governo, que facilitaram o deslocamento dos grupos de carimbó”, afirma Edgar Chagas8,

coordenador técnico da pesquisa que passou por 39 municípios no Pará, mapeando os

mais diversos núcleos da manifestação do carimbó.

García-Canclini em “Culturas Híbridas” (2003) cita a obra magna de Martín-

Barbero “Dos às Mediações” (2009), lembrando que aquele autor afirma como os

processos e dinâmicas de legitimação da cultura envolvem várias interações, inclusive

das comunicações e tecnologias:

Martín-Barbero chega a dizer que os projetos nacionais se consolidaram graças

ao encontro dos estados com as massas promovidos pelas tecnologias da

comunicacionais. Se fazer um país não é apenas conseguir que o que se produz

numa região chegue a outra sequer um projeto político cultural unificado, um

consumo simbólico compartilhado que favoreça o desenvolvimento do

mercado, a integração propiciada pelos meios de comunicação não contribui

casualmente com os populismos nacionalistas. Para que cada país deixe de ser

um país em países foi decisivo que o rádio retomasse de forma solidária as

culturas orais de diversas regiões e incorporasse as vulgaridades proliferantes

nos centros urbanos. Como o cinema e como em parte a televisão fez em

seguida e traduziu-se a ideia de nação em sentimento de cotidianidade.

(GARCÍA-CANCLINI, 1998: p.256)

Em relação ao carimbó, nossa questão toca esse problema da articulação que as

mídias fazem com vários campos sociais nesse contexto de reconhecimento do ritmo

como patrimônio imaterial cultural brasileiro. Algo que parece estranho, estrangeiro ao

resto do Brasil, passa estar na pauta das políticas nacionais e motiva a efervescência de

um tema e um sentimento que é latente, cotidiano na região, como afirma Luís Arnaldo

Campos, cineasta e documentarista, autor do curta metragem Chama Verequete9:

2 Atualmente Edgar é professor universitário da Universidade da Amazônia, licenciado em Geografia e

doutor em antropologia e sociologia pela Universidade Federal do Pará. 3 Chama Verequete é um documentário poético sobre o vodun da música paraense, Mestre Verequete.

Chama Verequete é um filme conduzido pelas histórias e canções do Mestre, intercalado por invenções

ficcionais que documentam a luta do carimbó contra o preconceito e a discriminação, até a sua vitória final,

com o reconhecimento público de sua condição de ritmo raiz do Pará.

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O título de certa forma ajudou, ele fortalece o reconhecimento por parte

daquela população que é, digamos que originária ou população que deveria se

apropriar desse patrimônio, às vezes deixa passar batido, e quando essa

comunidade assume, reconhece, se orgulha, isso fortalece a manifestação

cultural. (CAMPOS: Entrevista em 22/09/2016)

Essa pauta do carimbó ganhava destaque não só nos veículos de comunicação

locais, mas também na agenda política, como afirma a vereadora autora do projeto de Lei

municipal do carimbó:

Quando estive no senado, em 2011, acompanhei de perto o trabalho que o

Iphan estava fazendo desde meados de 2008 para que o carimbó (e os bens

culturais a ele associados) fosse reconhecido como patrimônio imaterial

nacional. Isso hoje é uma realidade. Mas, o que me chamou a atenção foi a

relação do conjunto desses bens que estão presentes nas práticas de lazer,

religiosidade, manifestações artísticas, brincadeiras, festas comunitárias e

familiares paraenses que envolvem, delimitam e estabelecem relações

complexas são o que entendemos por carimbó. Lembro, que nos 11 meses que

estive no senado federal, não houve uma atuação organizada do campo político

do nosso estado formado por 17 deputados federais e 3 senadores. (BRITO

RODRIGUES. Entrevista em 22/09/2016)

Quando as mídias ocupam a roda?

Após a mobilização para o título, porém, fomentou-se uma discussão sobre a

fragilidade do carimbó enquanto pauta social contínua. Esperança Bessa – Editora-Chefe

do caderno Cultura do Jornal Diário do Pará10, em entrevista no dia 21 de setembro de

2016 fala sobre essa regularidade do tema:

Uma matéria de jornal ela não sobrevive se não tiver alguns elementos, e um

deles é o critério da factualidade e da organização, ter porta-vozes que falem

sobre isso. Não adianta eu querer fazer uma matéria sobre o carimbó e não

saber por onde começar, qual é o gancho, qual é o sentido. Eu preciso que este

movimento esteja organizado. E o carimbó sempre rende por mais que os

grupos não sejam organizados, mas a maioria das pautas que emplacam é sobre

divulgação (...) os movimentos têm uma organização para fazer eventos e

shows. E isso é sempre uma dualidade, eles reclamam que não têm uma

visibilidade ao mesmo tempo em que não têm organização; não se tem uma

assessoria de imprensa, um canal aberto com a imprensa. (BESSA. Entrevista

em 21/09/2016)

4 Jornal local que traz notícias de todo o estado do Pará.

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Desta forma, chegamos ao nosso problema, quando nos dispomos a observar e

investigar como as mídias se tornaram uma instância de mediação das culturas que se

deslocam do eixo central do país, e como dessa Amazônia periférica se constrói a ideia e

noção de uma cultura local e popular midiatizada. Como se sustenta a ideia de uma

manifestação cultural, a partir de debates locais midiatizados, de pautas organizadas por

entes sociais que protagonizaram a luta pelo título dado ao carimbó em 2014. Desejamos

pensar a sociedade amazônica, a partir dessa problemática cultural e suas interações

midiáticas no interior desse debate, e sobretudo, perceber isso como uma estrutura, uma

narrativa de poder encampada por diversos campos. Que sentidos articulam a experiência

cotidiana do fenômeno do carimbó nesse contexto do movimento pela aquisição do título

de patrimônio nacional?

Como afirma Adriano Duarte Rodrigues (1990), a narrativa que se tem sobre os

objetos orienta instâncias de legitimação de determinados fenômenos e suas relações com

os campos da experiência entre si. Isso, talvez, minimize o risco de adensarmos mais a

cultura que a experiência comunicacional, como nos ajuda a elaborar esse percurso

Adriano Duarte Rodrigues afirma:

(...) o objetivo dos estudos de comunicação consiste na averiguação da

especificidade da comunicação entre esses mundos que se ignoram e que, no

entanto, de certa maneira à distância estão em constante relação e se acenam

em permanência, tanto nas relações com o mundo natural, como nas relações

intra-subjetivas e intersubjetivas e nas relações sociais. (DUARTE

RODRIGUES, 1992: p.102)

De modo que, objetivamos entender esse fenômeno cultural, nos ancorando no

problema comunicacional, quando desejamos entender esse fenômeno nas suas ordens de

relações de comunicação entre vários campos. Efetivamente, desejamos pensar em

resultados de um mapa que aponte consensos e contradições tal como é a dinâmica da

própria da cultura e da comunicação.

Referências

GARCÍA CANCLINI, Nestor. Culturas híbridas: Estratégias para entrar e sair da

modernidade. Trad. Heloísa Cintrão e Ana Lessa. São Paulo: EdUSP, 2003.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: Comunicação, cultura e

hegemonia. Trad. Ronald Polito e Sérgio Alcides. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 2009.

RODRIGUES, Adriano Duarte. Comunicação e cultura: A experiência cultural na era

da informação. Lisboa: Editorial presença, 1993.

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_________________________. . Estratégias da comunicação: Questão

comunicacional e formas de sociabilidade. Lisboa: Editorial Presença, 1990.

ALBINO RUBIM E ALEXANDRE BARBALHO (orgs). Políticas culturais no Brasil.

Salvador/ BA: Coleção Cult Edufba, 2012.

INVENTÁRIO NACIONAL DE REFERÊNCIAS CULTURAIS. Dossiê IPHAN

{Carimbó}. Belém – Pará, 2013.

Entrevistas:

BESSA, Esperança. Entrevista em 21/09/2016. Belém-PA

CAMPOS, Arnaldo. Entrevista em 22/09/2016. Belém-PA

BRITO RODRIGUES, Marinor. Entrevista em 22/09/2016. Belém-PA

CHAGAS, Edgar. Entrevista em 26/09/2016. Belém-PA

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Culturas Underground Midiatizadas e Dispositivos Midiáticos

Articuladores no Processo de Circulação Comunicacional Luísa Schenato Staldoni

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Palavras-chave: Midiatização. Dispositivos. Circulação. Veganismo.

RESUMO EXPANDIDO

Ao pensarmos a comunicação na atualidade, em contexto de midiatização, é

notório que vivemos em um momento de expansão da utilização da internet para cobertura

e divulgação dos mais diversos tipos de movimentos sociais e culturas underground11. Os

discursos feministas, LGBTs, veganos e artísticos fora dos espaços mainstream12 tem

conseguindo circular mais facilmente pelo tecido social, assim vemos emergido daí

algum tipo de “ massificação” desses grupos, mas o que isso estaria mudando de

fato? Estaria acontecendo um verdadeiro empoderando desses setores mais

marginalizados na sociedade? Ao mesmo tempo em que a midiatização, aparentemente,

contribui ou facilita a circulação desses conteúdos, coloca-os em choque com

agrupamentos antagônicos e gera disputas internas e externas. Entendemos que, ao

investigar e problematizar estes espaços, onde encontram-se tensionamentos e

construções de campos polêmicos, seremos capazes de compreender melhor a

problemática da midiatização na atualidade.

Diante dessa premissa, nossa proposta é analisar parte do processo de circulação

comunicacional (na perspectiva intra e intermidiática (FERREIRA, 2007; 2013 e ROSA;

2012) de um ambiente não vinculado, diretamente, a cultura de massa, sob a ótica dos

conceitos: dispositivo midiático (BRAGA, 2015 e FERREIRA, 2006; 2015) e circuitos

comunicacionais (BRAGA, 2012). Para tal, selecionamos o Portal Vista-se13, que destina-

se a divulgação e discussão de assuntos relacionados ao veganismo. Foi criando em 2007,

pelo publicitário Fábio Chaves, que hoje é o maior site relacionado ao tema no Brasil.

Partindo dessas concepções teóricas, entendemos o Portal Vista-se como um

dispositivo midiático interacional, uma vez que envolve processos interacionais com seus

participantes, seguidores e simples leitores (o que inclui suas matérias, suas posições,

11 Em tradução literal significa subterrâneo, aqui refere-se às culturas que fogem dos padrões normais e

conhecidos pela sociedade, que geralmente não são veiculadas nos espaços midiáticos mais tradicionais. 12 Antônimo de underground, expressa a ideia de algo hegemônico, dominante, popular. 13 https://vista-se.com.br/

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seus objetivos, os participantes de todos os tipos, os processos e táticas segundo os quais

relaciona esses elementos) e que está inserido em uma cultura underground mais ampla

(veganismo). Dessa forma, buscamos compreender o processo de circulação vinculado

ao Portal a fim de verificar as relações que este estabelece com o que está “dentro” e

“fora” do veganismo, pois entendemos que as afetações da midiatização manifestadas nos

circuitos comunicacionais (BRAGA, 2012) e nos dispositivos midiáticos (Braga, 2015 e

Ferreira, 2006; 2013), fazem com que indivíduos, instituições e culturas permaneçam em

constante interação entre si, criando zonas de indeterminação (FAUSTO NETO, 2013)

onde ocorrem embates e disputas, que podem afetar profundamente o âmago desses

indivíduos, instituições e culturas.

Para delimitar o corpus a ser analisado acionamos o conceito de episódio

comunicacional (BRAGA, 2015), analisando um episódio singular (e seus

desdobramentos) envolvendo o Portal Vista-se. O episódio comunicacional escolhido se

desenvolveu da seguinte forma: no dia 25/09/2015 uma carreta que transportava porcos

para um abatedouro tombou próximo a um pedágio no trecho da rodovia Rodoanel,

em Barueri, na Grande São Paulo14. Essa notícia foi vinculada primeiro no Bom Dia SP

e no Portal G1. Devido a gravidade do acidente muitos animais ficaram presos às

ferragens e os funcionários do abatedouro e do concessionário do pedágio não

conseguiam remover a carreta da pista, fazendo com que os animais ficassem ali por 7

horas. Um grupo de ativistas (um coletivo vegano) se dirigiu ao local para dar

medicamentos, água e comida aos animais feridos. Quando chegaram lá foram

informados que esses animais não poderiam mais ser batidos para consumo humano, pois

a lei brasileira não permite, portanto se quisessem poderia ficar com os 120 animais.

Então, o grupo decidiu que faria o resgate dos animais. Fábio Chaves (criador do Vista-

se) foi contato e, apesar de não estar geograficamente próximo do local do acidente,

“tomou a dianteira” e iniciou uma cobertura e mobilização nacional para o resgate.

Através de sua conta pessoal no facebook e do Portal Vista-se ele convocou ativistas para

ajudar no local do acidente, criou um hot site para cobertura ao vivo do ocorrido, contatou

um santuário de animais que aceitou abrigar os animais e criou uma campanha de

financiamento coletivo para ajudar com as despesas. Os animais foram resgatados e uma

semana depois, o G1 e R7 fizeram matérias para mostram como estavam vivendo os

porcos sobreviventes do acidente. Mais recentemente, descobriu-se que todos os animais

14 http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/08/carreta-que-transportava-porcos-tomba-no-trecho-oeste-

do-rodoanel.html

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eram fêmeas e algumas das porcas deram cria, aumentando exponencialmente o número

de animais no santuário. O que gerou uma nova movimentação dos ativistas e da própria

mídia15, fato que reforça a noção de fluxo contínuo (BRAGA, 2012). No episódio descrito

nos parece evidente que o Portal Vista-se fez a “mediação” ou a articulação entre o

veganismo brasileiro e a mídia tradicional, e é a partir dessa proposição que

desenvolvemos nossa observação e análise.

Referências Bibliográficas

BRAGA, José Luiz . “Dispositivos interacionais”. Versão em progresso de capítulo de

livro em elaboração (“Uma heurística para a Comunicação” – título provisório).

2015.

______________. Circuitos versus campos sociais. In: MATTOS, Maria Ângela;

JANOTTI JUNIOR, Jeder; JACKS, Nilda (Org.) Mediação & midiatização. 1.

ed. Salvador/Brasília: EDUFBA/COMPÓS, 2012.

FAUSTO NETO, Antonio. Como as linguagens afetam e são afetadas na circulação?.

In: Braga, José Luiz; Ferreira, Jairo; Fausto Neto, Antônio; Gomes, Pedro

Gilberto. (Org.). 10 Perguntas para a produção de conhecimento em

comunicação. 1ed. São Leopoldo: Unisinos, 2013, v. I, p. 38 - 58

FERREIRA, Jairo. A Pólis que se Faz em Processos Midiáticos: proposições sobre a

política na perspectiva da midiatização. Livro da Compós, 2016. No prelo.

______________. ANALOGIAS: operações para construção de casos sobre a

midiatização e circulação como objetos de pesquisa. In: XXIV Encontro Nacional

da Compós, 2015, Brasilia. 2015 - XXIV COMPOS: BRASÍLIA/DF. BRASILIA:

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instituições?. In: Braga, José Luiz; Ferreira, Jairo; Fausto Neto, Antônio; Gomes,

Pedro Gilberto. (Org.). 10 Perguntas para a produção de conhecimento em

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______________. Uma abordagem triádica dos dispositivos midiáticos. In: Libero, São

Paulo, Faculdade Cásper Libero, n. 17, p. 137-145, jun. 2006. Disponível em:

<http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/libero/article/view/6112/5572

>. Acessado em: 01 de maio de 2015.

15 http://g1.globo.com/sao-paulo/sorocaba-jundiai/noticia/2015/12/porcas-do-rodoanel-dao-cria-e-deixam-

ativista-em-panico-falta-verba-diz.html

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______________; ROSA, Ana Paula da. Midiatização e poder: a construção das imagens

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ROSA, Ana Paula da. Imagens-totens: a fixação de símbolos nos processos de

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Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, 2012.

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TAL TV e a série Mi país, Nuestro Mundo:

protagonismo juvenil frente às questões ambientais Priscilla Teixeira Lamy Diniz

Resumo:

Este trabalho foca a série de vídeos documentários denominada Mi País, Nuestro Mundo,

produzida e veiculada pela TAL TV em parceria com produtoras de 9 (nove) países da América

Latina, sendo 4 (quatro) episódios por país, totalizando, portanto, 36 episódios. O objetivo é

discutir as decisões de produção que definiram como eixos comuns a temática ambiental e a

entrega da câmera e roteiro a jovens de 14 a 18 anos. A proposta, assim, é problematizar o

protagonismo juvenil em uma produção audiovisual focada em problemas ambientais locais, mas

sempre em articulação às temáticas globais da preservação do meio ambiente.

Palavras-chave

Juventude; Meio Ambiente; América Latina; TV TAL; Documentário

RESUMO EXPANDIDO

“Uma Jornada através dos problemas e desafios de preservação ambiental (...). A

série acompanha protagonistas que investigam problemas ambientais, realizam ações e

buscam possíveis soluções”. É assim que a TAL TV descreve Mi país, Nuestro Mundo,

que compreende 36 curtas, com duração entre 12 e 15 minutos cada. São histórias

produzidas por jovens com diferentes idades, de regiões e biomas diversos, e oriundos de

nove países da América Latina: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, México,

Paraguai, Uruguai e Venezuela. Suas produções trazem temáticas ligadas ao meio

ambiente desses países com “abordagem jovem” para a discussão dos problemas

apontados por eles nas regiões onde residem. Essa série é uma produção da Rede TAL

TV, criada em 2003 com o objetivo de promover a união latino-americana e valorização

da cultura regional.

Na série, cada país foi responsável pela realização de quatro documentários de

curta metragem, abordando, cada um, os problemas ambientais de uma região diferente,

bem como a relação dos jovens com esses problemas e projetos pela preservação dessas

localidades. Os tipos de biomas escolhidos, as questões abordadas e a forma que foram

tratadas são, portanto, bem diversos. Tal abordagem tem como pressuposto construir

material para reflexão e discussão das questões tratadas sob a ótica destes jovens, a

despeito de todos os vídeos terem um diretor e uma equipe de produção profissional.

Considerando este desenho de produção, a nossa proposta é problematizar tais decisões

mapeando nos 36 episódios as temáticas tratadas, problematizando as constantes e as

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específicas, em cotejo às demandas dos problemas ambientais considerados fundamentais

destas regiões. Interessa-nos, também, discutir a questão do protagonismo juvenil,

recuperando, brevemente, a própria ideia de construção do conceito de juventude,

destacando alguns marcos que permitem uma compreensão deste processo. Para tal

percurso, julgamos fundamentais o trabalho e os conceitos de Catani e Gilioli (2004),

Hall (1997), Margulis e Urresti (2000), Dayrell (2008) e Borelli, Rocha e Oliveira (2007).

Por último, consideramos importante debater os perfis dos protagonistas jovens e suas

propostas, valorizando, em especial, o discurso comum e, ainda, demarcar, de forma

macro – em função do limite de tempo – as principais estratégias narrativas dos

documentários, tendo como base autores como Bill Nichols, Silvio Da-Rin, Fernão

Ramos, Guy Gauthier, entre outros.

O foco neste corpus implica, também, uma localização da principal produtora da

série, a TAL TV. Segundo Viana (2013), a Rede Tal trabalha há mais de dez anos com a

cultura de cooperação entre emissoras de televisão pública de toda a América Latina,

sendo responsável por intermediar o intercâmbio, o compartilhamento e solidariedade

entre essas emissoras, além de promover interação entre artistas, técnicos, produtores e

pensadores do audiovisual latino-americano. A TAL é uma rede sem fins lucrativos que

reúne centenas de associados de toda a região. São canais públicos e instituições culturais

e educativas que compartilham suas produções (documentários, séries e curtas) sempre

como contribuição e de forma solidária – gratuita. A TAL TV também é um banco de

armazenamento de conteúdo audiovisual, uma web TV e uma produtora de conteúdos

especiais, com um acervo de mais de 800 programas feitos por instituições e profissionais

do continente. Esse material circula de forma gratuita por toda a América Latina,

projetando, também, a região para outras partes do mundo por meio de parcerias com

grupos e televisões de outros continentes. Também é objetivo da TAL divulgar a cultura

e a identidade latino-americana para além das fronteiras regionais.

As coproduções da Rede TAL têm como objetivo viabilizar séries que abordem

histórias relevantes para a região, que valorizem a complexidade e diversidade estética e

narrativa de cada país. Os projetos seguem a dinâmica de cooperação em que cada canal

produz os próprios episódios e recebe os demais gratuitamente, a partir da coordenação

geral e da distribuição da TAL. As séries produzidas até aqui tiveram uma média de 20

episódios, com mais de sete países envolvidos por projeto. Um exemplo desse tipo de

produção é a série que focamos, Mi país, Nuestro Mundo, que estreou em 2012. Vale

ressaltar que esta concepção de rede tem como inspiração, inclusive no sentido de rever,

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o que ocorria nos anos 1960/1970 na América Latina, quando diversos grupos de

cineastas discutiam projetos que, grosso modo falando, articulavam cinematografias

sustentadas pela ótica do investimento na cultura nacional, no ideário de romper as

desigualdades sócio-econômicas da região latino-americana e na fabulação de uma

estética própria, desvencilhada do modelo hegemônico do cinema norte-americano. Entre

estes cineastas, estava Orlando Senna, que foi Secretário do Audiovisual do primeiro

governo Lula (2003-2006) e que integra a TAL TV desde 2007. Senna, de certo modo,

traduz um movimento de revisão por parte da chamada esquerda latino-americana da

crítica à televisão como mídia exclusivamente alienante. Esta nova visão da TV gerou,

entre outros movimentos, no investimento de governos eleitos após o fim das ditaduras

nos países da América do Sul (em especial) e também em países da América Central e

México, em criação de televisão e redes públicas. São estas, como já colocamos, as que

mais têm permitido a existência da web TAL TV, na medida que fornecem material

gratuito para esta.

A maior parte deste acervo é composta de documentários. Como coloca Da-Rin,

“se o documentário coubesse dentro de fronteiras fáceis de estabelecer, certamente não

seria tão rico e fascinante em suas múltiplas manifestações” (2004, p.15). Nesse sentido,

buscamos compreender como os jovens se apropriam da linguagem do documentário para

mostrar seus esforços em mudar a realidade ambiental de suas comunidades ou ainda de

preservá-la. Também: como eles concebem o que querem discutir e mostrar às câmeras?

Outras questões que mobilizam esta comunicação são essas relações dos jovens com o

meio ambiente ou, em outras palavras, sobre os discursos que estão sendo construídos por

esses jovens sobre as questões que focam e que elegem como “problemas” da América

Latina retratada na série. E, quem são estes jovens, afinal, se nós o observarmos a partir

de uma certa tipologia que foi construída ao longo do tempo sobre juventude e,

particularmente, juventude latino-americana.

Neste sentido, é importante frisar a diversidade encontrada no perfil dos jovens

protagonistas de Mi país, Nuestro Mundo, bem como no tema que cada um aborda. Entre

os 36 filmes temos protagonistas de ambos os gêneros e diferentes idades, incluindo

crianças, adolescentes e jovens adultos, formações e culturas distintas. Suas origens

também são distintas, o que confere à série um painel multifacetado bastante significativo.

Também a forma como vivem e suas origens são fortemente indicadas em cada episódio.

Estes indicadores, somados ao próprio título da série, constituem, a nosso ver, um material

suficiente para impulsionar reflexões e digressões que nos permitem compreender o papel

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da comunicação – particularmente o do audiovisual – tanto na construção do imaginário

como na tradução e expressão de um dado momento histórico, cultural e geográfico, em

sintonia com os propósitos deste Seminário centrado nas Midiatizações e Processos

Sociais.

Referências Bibliográficas:

CACCIA-BAVA, Augusto (et. all.) Jovens na América Latina. São Paulo: Escrituras,

2004.

CATANI, Afrânio Mendes; GILIOLI, Renato de Sousa Porto. Culturas juvenis:

múltiplos olhares. São Paulo: Editora UNESP, 2008.

DA-RIN, Silvio. Espelho Partido: tradição e transformação do documentário

cinematográfico. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2004.

DAYRELL, J. Escola e culturas juvenis. In: FREITAS, M. V.; PAPA, F. de C. (Orgs.).

Políticas Públicas: a juventude em pauta. 2ª Ed. Ação Educativa. Fundação Friedrich

Ebert. São Paulo: Cortez, 2008.

HALL, Stuart. A Questão Multicultural. In Da diáspora: identidade e mediações

culturais. Organização Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

MARGULIS, M.; URRESTI, M. La juventud es más que una palabra. In: ARIOVICH,

L. et al. La juventud es más que una palabra: ensayos sobre cultura y juventud.

Buenos Aires: Biblos, 2000

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CUBIDES, H. J.; TOSCANO, M. C. L. & VALDERRAMA, C. E. H. (orgs.). Viviendo

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Hombre/DIUC, 1998.

NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. Campinas, SP: Papirus, 2005.

RAMOS, Fernão. Mas afinal... O que é mesmo documentário? São Paulo: Editora

Senac, 2008.

ROCHA, Rose de Melo; BORELLI, Silvia Helena Simões. “Juventudes, midiatizações e

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VIANA, Malu et al. Tal 10 Anos. São Paulo: Pacto das Letras, 2013.

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OS NOVOS BAIANOS EM REDE: Mídia, Cultura e

Mestiçagem

Therence Santiago Alves Feitosa

Departamento de Pós Graduação em Comunicação e Semiótica da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Palavras-chave: Novos Baianos; comunicação; semiótica da cultura.

RESUMO EXPANDIDO

Resumo

O artigo pretende mostrar partindo de algumas canções dos Novos Baianos

elementos da mestiçagem. A ideia é evidenciar a partir de paisagens

poéticas/sonoras/sensoriais os múltiplos elementos culturais em relações miniaturais

sintáticas filigrânicas. Isso pensando a comunicação segundo Barbero (2013) em

constante “processo”. Comunicação a qual apresenta elementos como aponta Canclini

(1997) hibridizantes em seus inúmeros e inconstantes processos metonímicos. Para isso

foi utilizado enquanto natureza de pesquisa qualitativa o método dedutivo amparado por

referenciais teóricos da comunicação, antropologia e semiótica da cultura. O que

interessou aqui foi identificar os diversos elementos semióticos interagindo nas mais

variadas semiosferas, dentro do que Lótman (1978) chama de “continuum semiótico”.

Tendo como atenção maior os processos tradutórios, intuiu-se desenvolver certa

cartografia do período (anos de 1970) a partir da produção sonoro/poética/cultural dos

Novos Baianos.

Partindo de intenções atreladas a análises culturais (no sentido pleno do termo

cultura) é possível/desejado aqui, articular reflexões as quais se direcionem para o

pensamento do meio, pensamento o qual se concentra em transitar na complexidade do

meio e não na cristalização das pontas. Pretende-se nesse artigo fugir do que Pinheiro

(2013) chama de “binarismos/dicotômicos”. É fato que sofremos desde longa data uma

enorme influência centro-europeia no que tange as produções de conhecimentos. A

chamada era da “razão” ainda ecoa forte por aqui (Brasil). Sofremos o que Pinheiro

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(2013) chama de “reflexos da razão ocidental”, fato esse que diversas vezes engessa

nossas percepções estéticas analíticas a víeis de mãos únicas quando o assunto é cultura.

Seguindo nessa direção pode-se pensar que até na comunicação reducionismos

epistêmicos ocorrem, pois segundo Barbero (2013) uma vez que se pensa a comunicação

simplesmente nas esferas das teorias das mídias, a mesma (comunicação) é empobrecida

enquanto área do conhecimento. Nesse artigo, tentarei escapar desse beco sem saída, para

isso, vou abordar/olhar a comunicação como algo maior, algo gerador de vínculos

afetivos, os quais se conectam (no caso das canções dos Novos Baianos se conectaram

em rede) a partir de experiências sensíveis estéticas (pensando aqui esse conceito partindo

da ideia dos gregos como sendo os modos de sentir) que essas canções provocaram e

ainda provocam nas cenas musicais da cultura pop brasileira.

É interessante pensar que dentro das semiosferas segundo Lotman (1996) os

choques e conflitos culturais se dão em relações combinatórias de múltiplos elementos

variáveis que se formam e se (de) formam a partir de processos tradutórios. Isso acaba

sendo na visão desse autor a argamassa do que ele chama de sistemas modelizantes,

fenômeno esse que ajuda consideravelmente a produção e fluxo dos sentidos produzidos

pelos sujeitos da cultura (no caso aqui os músicos da banda e seu público). A partir das

inúmeras e intermináveis séries da cultura, a música (enquanto texto possível) trabalha

consideravelmente na construção de imagens/paisagens (sonoras, visuais, táteis, etc.) que

servem de registro cartográfico de um tempo histórico especifico.

As canções nessa direção servem para o desenrolar do que Pinheiro (2013) chama

de “proximidades barroco-antropofágica e sintático-metonímica”, as quais dão um ritmo

não ortogonal, as tramas transversalizadas expostas nessas canções. Canções as quais se

movimentam em trajetos tessiturais curvilíneos (em constante movimentos/fluxos

sensíveis/comunicacionais). Ai, nesse espaço semiótico, onde os processos tradutórios

atuam freneticamente que ocorre a produção/construção dos vínculos comunicacionais.

Percebeu-se que tais canções apresentavam em suas narrativas performances sonoras

potentes. Partindo aqui da ideia de performance de Zumthor (2005), é possível presumir

que tais canções provocaram tessituras semióticas que resultaram em indumentárias

comunicacionais entrelaçadas no que tange as relações entre cultura/sujeito/natureza.

Tendo em vista que tais fenômenos aconteceram dentro da efervescente cena musical

brasileira da referente época.

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