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Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: reconhecer os tipos de variedades linguísticas; perceber que a variedade linguística nos permite compreender um dos muitos “modos de falar” uma língua; diferenciar variedades de variações linguísticas. 3 aula Objetivos VARIEDADES LINGUÍSTICAS: TIPOS

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Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

• reconhecer os tipos de variedades linguísticas;• perceber que a variedade linguística nos

permite compreender um dos muitos “modos de falar” uma língua;

• diferenciar variedades de variações linguísticas.

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VARIEDADES LINGUÍSTICAS: TIPOS

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AULA 3VARIEDADES LINGUÍSTICAS: TIPOS

1 INTRODUÇÃO

Nesta aula, você estudará os tipos de variedades linguísticas,

elementos estes também considerados importantes no âmbito da

Sociolinguística. É necessário compreendê-los para diferenciá-los

da variação linguística. Esta, que você estudou na aula anterior,

corresponde aos modos diferentes de falar uma língua. Já variedade se

refere a um dos muitos modos de falá-la. Como verá, cada variedade

tem suas características próprias, podendo ser descritas e explicadas.

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Linguística II: sociolinguística

78 Módulo 2 I Volume 5 EAD

Variedades linguísticas: tipos

2 TIPOS DE VARIEDADES LINGUÍSTICAS

Assim como a variação, a variedade linguística também é

classificada em tipos. São eles: dialeto, socioleto, cronoleto e idioleto.

Como você pode perceber, em todas essas palavras está presente

o item “leto”, que significa “ação de falar”. Como verá, essa ação é

caracterizada por diferentes aspectos.

2.1 Dialeto

Certamente, você já ouviu um gaúcho ou mineiro falando.

Já? E um carioca? E um paulista? E um pernambucano? Vamos nos

referir a indivíduos mais próximos, aqui na Bahia. Certamente, você

já ouviu baianos de diferentes lugares falando. Por exemplo: um

legítimo soteropolitano, um falante do sertão da Bahia, do litoral, da

região sul, da sua cidade... Pois é, cada um fala com características

próprias, o que nos permite identificá-los de acordo com a região,

com a cidade, com o estado... Esses diferentes falares caracterizam o

chamado “dialeto”.

Naturalmente, você pode questionar: “dialeto” e “sotaque”

não seriam a mesma coisa? Realmente há confusão entre os dois

termos. Mas é importante que saiba que não. “Dialeto”, além de ser

caracterizado pela pronúncia, pode também apresentar diferenças de

gramática e de vocabulário. Já o sotaque é restrito a variedades de

pronúncia.

Conforme Lyons (1987, p. 249), “aquilo que é um dialeto

uniforme em sua essência, tanto do ponto de vista da gramática quanto

do vocabulário, pode ser associado a vários sistemas fonológicos mais

ou menos diferentes”. É esta a situação do português do Brasil em

vários estados.

Para exemplificar, vamos considerar um estado em particular:

Minas Gerais. Quem é do Norte de Minas, muitas vezes é confundido

com baiano; quem é do Sul de Minas, é confundido com o paulista

do interior; quem é da Zona da Mata Mineira, região de Juiz de Fora,

é confundido com carioca. São vários falares, dentro de um mesmo

estado, que se caracterizam pelas diferenças de sotaque. No entanto,

a gramática, em particular as estruturas, não são tão diferentes.

O que torna a noção de sotaque importante no universo da

Sociolinguística é que os membros de uma comunidade linguística

reagem com frequência às diferenças de pronúncias. É bem provável

que você já tenha ouvido alguém criticar um outro por falar diferente.

PARA CONHECER

Pelo Brasil, há vários di-cionários que registram as variações linguísticas regionais. Destaco, aqui, o Dicionário de Baianês, de Nivaldo Lariú, onde você encontra inúmeras expressões e gírias que ca-racterizam o falar baiano.

Fonte: http://www.ibonfim.com/portal/site/conteudo/dicionarios/

dicionarioBaianes.php

VOCÊ SABIA?

Na Universidade Federal da Bahia, desenvolve-se o Pro-jeto Vertentes do Português Rural do Estado da Bahia, ou simplesmente Projeto Vertentes, coordenado pelo Prof. Dr. Dante Lucchesi, com o objetivo de estudar a realidade atual dos fa-lares rurais do Estado da Bahia, buscando lançar lu-zes sobre os processos que constituem a história socio-linguística desses falares, particularmente os proces-sos derivados do contato da língua portuguesa com as línguas indígenas e africa-nas, que marcam a forma-ção da realidade linguística brasileira. Para saber mais sobre esse projeto, acesse o site http://www.verten-tes.ufba.br

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Inclusive muitos falares brasileiros são “caricaturados” e, por isso,

transmite-se uma imagem distorcida da realidade

linguística regional.

Vamos a um exemplo: o falante do

Nordeste do Brasil. Qual é a imagem projetada,

por exemplo, no Sudeste/Sul do Brasil, de

um falante nordestino? Ou melhor, de um

baiano? É aquela reproduzida pelos grandes

meios de comunicação, particularmente a

televisão. Isso se aplica não só aos programas

humorísticos, mas também às novelas. Aliás,

você bem sabe como elas reproduzem esse

falante, não sabe?

Que o dialeto e o sotaque são estereotipados, é uma

verdade, pois projetam imagens sociais! Não é estranho que

se julgue “feia” a fala de um indivíduo de origem rural, de

classe social baixa, sem escolaridade... Não é estranho que se

julgue “desagradável” a pronúncia de determinados segmentos

fonéticos. Essas avaliações sociais, ou melhor, atitudes sociais,

se baseiam em critérios não-linguísticos: de natureza política e

social. Com isso, “julgamos não a fala, mas o falante, e o fazemos

em função de sua inserção na estrutura social” (ALKMIM, 2001,

p. 42).

Cabe a você entender que, mesmo com as variações

produzidas, o falante tem consciência de que o sistema

gramatical usado por ele é organizado e coerente de regras.

É preciso reconhecer que um falante aprende as variedades

linguísticas em circulação no meio social; logo, não há nada de

errado com essas variedades.

2.1.1 A importância dos estudos dos dialetos

Foram os estudos dessa variedade que contribuíram para o

surgimento da Dialetologia, disciplina precursora da Sociolinguística.

Com ela, vários estudiosos procuraram descrever diversos falares,

sobretudo “os falares rurais isolados, considerados na época como

mais ‘puros’ e ‘autênticos’, não influenciados pelas modas e corrupções

da vida urbana moderna” (BAGNO, 2007, p. 48).

Com o estudo dos dialetos, elaboravam-se os chamados

atlas linguísticos, cujo objetivo principal era traçar, nos mapas, as

isoglossas. Com isso, podiam observar as áreas em que a língua era

SAIBA MAIS

A propósito da caricatura, Ilari e Basso (2006, p. 162) afirmam que é próprio dela “’carregar’ em alguns traços da pessoa que retrata, produzindo assim uma imagem propositalmente distorcida. Uma caricatura é, por definição, uma representação infiel (e nesse sentido desrespeitosa) do objeto retratado”. Portanto, é importante que se tenha consciência de que as imagens projetadas, muitas vezes, pela mídia, não correspondem à verdadeira realidade linguística. Há muito mais riqueza e variedade nas falas nordestinas do que imagina a maioria das pessoas que vivem, em particular, no sudeste/sul do Brasil.

Conforme o Dicionário Aurélio, isoglossa [de is(o) = glossa], é uma linha imaginária que, num mapa, une os pontos de ocorrência de traços e fenômenos linguísticos idênticos.

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Linguística II: sociolinguística

80 Módulo 2 I Volume 5 EAD

Variedades linguísticas: tipos

uniforme com relação a um determinado

fenômeno linguístico. Todavia, o estudo

dos dialetos mostrava que eles não

eram uniformes, nem havia fronteiras

dialetais precisas entre eles, mas um

entrecruzamento de influências diversas.

Independentemente dessa constatação, é

preciso destacar a importância dos atlas

para a compreensão do que seja uma

geografia linguística, para visualizarmos a

distribuição regional de muitos fenômenos

linguísticos. De 1960 até 2002, vários

atlas regionais foram publicados. Entre

eles, estão:

• Atlas prévio dos falares bahianos, Nelson Rossi;

• Esboço de um atlas linguístico de Minas Gerais, Mário Zágari;

• Atlas linguístico da Paraíba, Maria do Socorro Aragão;

• Atlas linguístico do Sergipe, Carlota Ferreira;

• Atlas linguístico do Paraná, Vanderci de Andrade Aguilera;

• Atlas linguístico e etnológico da Região Sul, Walter Koch;

• Atlas linguístico do Ceará, José Rogério Bessa;

• Atlas linguístico do Estado de São Paulo, Pedro Caruso;

• Atlas etnolinguístico dos pescadores do Estado do Rio de Janeiro,

Sílvia de Figueiredo Brandão;

• Atlas etnolinguístico do Acre, Luísa Galvão Lessa.

SAIBA MAIS

Um dos trabalhos pioneiros foi o de Jules Gilliéron (1897 e 1901), que, a partir de inquéritos dialetológicos realizados em 639 localidades, elaborou o primeiro atlas linguístico da França (ALF). No Brasil, a ideia de um primeiro atlas de abrangência nacional foi de Antenor Nascentes, em 1922, quando lançou o livro o linguajar carioca. Na época, o filólogo separou, no Brasil, dois grandes grupos de falares: os do Norte, compreendendo o amazônico e o nordestino, e os dos sul, compreendendo o baiano, o mineiro, o fluminense e o “sulista” (ILARI; BASSO, 2006). Para saber mais sobre a história dos atlas no Brasil, recomendo a leitura de dois artigos: Os estudos dialetais no Nordeste Brasileiro, de Maria do Socorro Silva de Aragão, em http://www.filologia.org.br/revista/artigo/4(10)28-41.html; e De AntenorNascentesaoProjetoAtlasLingüísticodoBrasil-ALIB: conquistas da geolingüística no Brasil, de Adriana C. Cristianini; Márcia R. Teixeira da Encarnação, em http://www.letramagna.com/geolinguistica.pdf

SAIBA MAIS

Certamente, muitos projetos, nessa perspectiva, já foram executados. Destaco aqui um do qual fiz parte, nos tempos de graduação em Letras, na Universidade Federal de Viçosa-MG (1991-1994). O objetivo do projeto era elaborar um Glossário Popular-Técnico e Técnico-Popular com nomes rurais de doenças de criações e culturas agrícolas, com o propósito de estreitar o fosso existente entre o saber técnico-científico e o conhecimento popular rural. Veja uma pequena amostra do trabalho feito:

ESBOÇO DO GLOSSÁRIO POPULAR-TÉCNICO E TÉCNICO-POPULAR

Ácaro (sm), (dp) 1- é um bichinho que dá numa época do ano e ataca desde a florada (162). 2- a foia inrola e quema a flôzinha (278). (Dt): [do lat. acarus]: designação geral dos aracnídeos da ordem acarina, na qual se inclui também os carrapatos e os micuins.

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Atualmente, no Brasil, está em desenvolvimento o

Projeto ALIB (Atlas Linguístico do Brasil), coordenado por vários

pesquisadores de vários estados: Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul,

Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul. Tem como principal

objetivo descrever a realidade linguística do Brasil, particularmente

no que diz respeito às diferenças diatópicas.

Aftosa (sf), (dp): 1- Ataca na unha e cumeça a babá (274). 2. Dá febre nas unhas e o gado cumeça a mancá (241). 3- Baba aos monte e si a febre fô muita ranca os casco da unha (240). 4- Dá uma febre alta e o boi cumeça a babá (271). Var: afetosa, afitose, aftose, aftosa, fetosa, fitosa, fitose. (Dt): febre aftosa – doença infecciosa dos animais, que também ataca o homem.

Berne (sf), (dp): 1- Ela parece um microbe qui dá na foia, o oco pega na criação e mata (241). 2- Infraqueci, chupa o sangue do gado (166). Var: berno, berne. (Dt): 1- larva de inseto díptero da família dos oestrídeos. 2- Mosca da região neatrópica, a qual põe ovos em pleno vôo em dípteros hematófagos.

Fumagina (sf), (dp): 1 – Preteia a folha. É de pouca aceitação (168). 2- Preteia a laranja, dá uma espécie de mofo na laranja e na folha (277). (DT) [do francês fumagine], induto fugilinoso, espesso, formado por fungos na superfície dos órgãos aéreos das plantas.

Mal-de-ano (sm), (dt): 1 – Dá em bizerro e eles morre em 24 horas se não for vacinado (235). 2- Di um dia pro outro mata. Cumeça mancá. Ataca mais o bizerro forte. 3- O animal disarreia e morre de repente. Var. Maldiano, mardiano. (Dt): carbúnculo symptomático.

Raiva (sf), (dp): 1- O boi fica zangado, baba, às vezes morre (176). 2- Cumeça a babá. Para de cumê e apresenta muito nervoso com as outras. Tem caso qui o animal fica doido mesmo (163). (Dt) [do lat. rabia]. Doença infecciosa própria do cão e doutros mamíferos. É transmissível ao homem.

Como você pode ver, há dois tipos de descrição: a popular, transcrita exatamente da forma que o indivíduo falava (recolhida através de gravações e anotações tomadas diretamente dos próprios informantes do meio rural), e a técnica, que caracteriza o problema de forma científica. Com as duas descrições, o esperado é que, realmente, haja entrosamento e maior interação entre o técnico especialista em ciências agrárias e o homem do campo, detentor de um conhecimento baseado na vida prática e de uma linguagem própria. Para saber um pouquinho mais sobre a natureza do projeto em destaque, recomendo ler, no endereço http://www.filologia.org.br/revista/artigo/4(10)9-21.html, o artigo Atlas lingüístico rural da zona da mata de Minas Gerais – Brasil: nomes de doenças agropecuárias e hortaliças, de Joseph Ildefonso de Araujo, coordenador do projeto.

LEITURA RECOMENDADA

Para saber mais sobre o Projeto ALIB, acesse o site http://www.alib.ufba.br/

Fonte: http://www.alib.ufba.br/images/Jovens%20

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Variedades linguísticas: tipos

2.2 Socioleto

É a variedade linguística de um grupo de falantes que

compartilham as mesmas características socioculturais. Pode ser um

grupo de uma mesma classe socioeconômica, de um mesmo nível

cultural, de uma mesma profissão etc. Para entender sobre esse tipo

de variedade, veja as ilustrações abaixo:

Você, certamente, tem condições de identificar os grupos

sociais que fazem usos dessas palavras, não tem? Assim como

os internautas e os surfistas, muitos outros grupos sociais são

caracterizados pelo seu modo próprio de falar. Pense nas profissões: um professor, um médico, um policial, um linguista, um jornalista, um

cozinheiro, um advogado, um jogador de futebol... enfim, cada uma

delas também se caracteriza por fazer uso de termos e expressões

específicas. Existem tantas variedades quantas forem as profissões,

quantos forem os grupos fechados.

E as gírias? Você já deve ter ouvido: acertar na mosca; acabar

em pizza; amigo da onça; aos trancos e barrancos; armar um barraco;

bater um baba; chegar junto; será o Benedito? Enfim, são muitos os

tipos de gírias que vivem nas falas de diferentes grupos. Veja como

essa variedade está presente nos textos a seguir (apresentados por

MARTINS; ZILBERKNOP, 1995, p. 36):

Texto I:

Pôxa, tô numa pior! Queria descolar uma grana pra comprar um refri pr’aquela gata que pintou no pedaço e que eu tô tri a fim, mas não deu. Minha velha tá dura, cara, e o velho foi pra Sampa.

Texto II:

“Meus camaradinhas:Não entendi bulufas dessa jogada de fazerem o papai aqui

VOCÊ SABIA?

Para as profissões, o ter-mo mais conhecido é “jar-gão profissional”, caracteri-zado pela utilização própria de um grupo profissional, ou seja, um conjunto de pessoas que partilham a mesma profissão.

Figura: UAB/UESC

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apresentar o seu Antenor Nascentes, um cara tão crânio, cheio de mumunhas, que é manjado até na Europa. Estou meio cabrero até achando que foi crocodilagem do diretor do curso... para eu entrar pelo cano. O seu Antenor Nascentes é um chapa legal, é bárbaro e, em Filologia, bota banca. Escreveu um dicionário etimológico que é uma lenha. Dois volumes que vou te contar. Um deles é desta idade... mais grosso que trocador de ônibus. O homem é o Pelé da Gramática, está mais por dentro que bicho de goiaba. Manda brasa, professor Nascentes!”

Percebeu a quantidade de palavras que caracteriza a fala dessas

pessoas que produziram os dois textos? São palavras ou expressões

denominadas de gírias, uma linguagem peculiar que permite identificar

a classe social do falante. Isso também é perceptível na letra da

música abaixo, de “Patativa do Assaré”:

Seu dotô, só me pareceQue o Sinhô não me conhece,Nunca sôbe quem sou euNunca viu minha paioça,Minha muié, minha roçaE os fio que Deus me deu. Se não sabe, escute agoraQue eu vou contá minha históriaTenha a bondade de uvi:Eu sou da crasse matutaDa crasse que não desfrutaDas riqueza do Brasi. Sou aquele que conheceAs privação que padeceO mais pobre camponês;Tenho passado na vidaDe cinco mês em seguidaSem cumê carne uma vez. Sou o que durante a semanaCumprindo a sina tirana,Na grande labutaçãoPrá sustentá a famia,Só tem direito a dois dia,O resto é para o patrão. Sou sertanejo que cansaDe votá com esperançaDo Brasil ficá mió;Mas o Brasil continuaNa cantiga da perua:

PARA CONHECER

Antônio Gonçalves da Sil-va, mais conhecido como Patativa do Assaré, ce-arense (1909 – 2002), foi um poeta popular, compo-sitor, cantor e improvisador brasileiro. É considerado uma das principais figuras da música nordestina do século XX. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Pata-tiva_do_Assar%C3%A9

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Variedades linguísticas: tipos

Que é – pió, pió, pió... Sofrendo a merma sentençaTô quage perdendo a crençaE prá ninguém se enganáVou dexá meu nome aqui:Eu sou fio do Brasi,E meu nome é Ceará.

Que classe social está sendo representada nessa música?

Com certeza, você não terá dificuldade de associar a fala à imagem

do caipira, aquele indivíduo que vive no campo, que não teve

escolarização suficiente, que tem um jeito próprio de falar.

2.3 Cronoleto

É a variedade específica e própria de uma determinada faixa

etária, de uma geração de falantes. Com certeza, você sabe reconhecer

a fala de uma criança, de um adolescente, de um idoso. Estou certa?

Cada uma delas pode ser identificada através de particularidades

linguísticas, como, por exemplo, no que tange à pronuncia, ao estilo,

à colocação dos termos nas frases, às inovações. Vamos ver alguns

casos!

Em se tratando da ordem indireta, aquela em que o sujeito

aparece posposto ao verbo, como em “entrava uma pessoa idosa”,

“quem manda é o patrão”, “não chegou a dar nada pro Inter o

Taffarel”, Zilles (1997) revela que, apesar de ser pouco frequente na

fala das pessoas de modo geral, ela ainda é favorecida pelos falantes

mais velhos da região de Porto Alegre.

No que se refere à vocalização do /l/ pós-vocálico, em palavras

como, mal, sal, mel, papel, em que o /l/ pode ser representado

como [l] ou [w], Dal Mago (2000) constatou que, na região sul do

país, os falantes mais jovens tendem a vocalizar mais o /l/, ou seja,

pronunciam mais como [w] do que como [l], forma esta mais comum

na fala de pessoas mais velhas, confirmando o que outras pesquisas

já haviam revelado.

Quanto à alternância do nós e do a gente, Lopes (1998)

confirma: falantes mais jovens empregam a forma a gente, enquanto

os mais velhos utilizam, preferencialmente, a forma nós, aquela

que faz parte do paradigma pronominal descrito pelas gramáticas

tradicionais.

SAIBA MAIS

Para complementar o as-sunto desta seção, reco-mendo a leitura do artigo Falar rural: é possível al-terar uma tradição (?), de ALMEIDA BARONAS, em http://www.abralin.org/revista/RV6N1/03-Joyce.pdf

Para saber detalhes do comportamento variável do nós e do a gente, recomendo ler, na íntegra, o texto de Célia R. dos S. Lopes, em:

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-44501998

000200006&script=sci_arttext

SAIBA MAIS

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Essas pesquisas, assim como diversas outras, revelam que a

idade é um fator que contribui significativamente para as mudanças

que se processam nas línguas. Mais adiante, você estudará melhor

essa questão.

2.4 Idioleto

Para entender o que caracteriza essa variedade, responda:

você acha que um grupo de uma mesma classe social, por exemplo,

pais e filhos, se comunicam da mesma forma? Se respondeu que sim,

errou!

Embora seja de uma mesma classe, cada um tem um modo

específico de falar, tem as suas preferências quanto ao léxico, quanto

às estruturas gramaticais, quanto à forma de pronunciar: homens têm

voz mais grave, enquanto as mulheres, voz aguda; um adolescente

do sexo masculino fala diferente de quando era criança; um falante

mais velho não fala da mesma forma quando era mais jovem... É esse

tipo de falar que caracteriza o idioleto, ou seja, é o conjunto dos usos

de uma língua própria de um indivíduo, num determinado momento.

É o seu estilo próprio de falar a língua.

Compreendendo melhor: quando está triste, você fala da

mesma forma quando está alegre? quando está diante de uma

situação séria, você fala da mesma forma de quando está numa

situação descontraída? Certamente, não. Em cada um dos momentos,

você fala de uma maneira específica. Ou seja, você, individualmente,

se expressa de acordo com a situação (psicológica, física, social) em

que se encontra.

Conforme Lyons (1987), uma pessoa pode ter diversas

variantes dialetais em seu repertório e mudar de uma para outra

quando lhe for conveniente. Do ponto de vista sociolinguístico, é

importante reconhecer a competência linguística do falante para os

usos diferenciados que pode fazer da língua,

A propósito do idioleto, Dubois et al (1997, p. 329-330)

pontuam:

A noção de idioleto acentua certos caracteres particulares dos problemas da geografia lingüística: todo ‘corpus’ de falares, dialetos ou línguas só é representativo na medida em que emana de locutores suficientemente diversificados; mas é, pelo menos no início, sobre bases não lingüísticas que são escolhidos esses locutores e os enunciados que eles produzem. Mesmo se o pesquisador levanta, para

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Variedades linguísticas: tipos

um dado falar, enunciados em número suficiente de todos os locutores encontrados na área estudada, ele postula implicitamente que esses locutores têm o mesmo falar. A noção de idioleto implica, ao contrário, que há variação não somente de um país a outro, de uma região a outra, de uma aldeia a outra, de uma classe social a outra, mas também de uma pessoa a outra.

Nas palavras desses autores, o idioleto é, na verdade, a única

realidade que encontra o estudioso. No entanto, é preciso ter cautela

ao ouvir um determinado falante, pois, a depender da situação, ele

poderá se expressar de uma forma ou de outra.

Enfim, compreendeu os tipos de variedades linguísticas? Sabe

diferenciar variação de variedades? Então, vamos às atividades!

ATIVIDADES

1 Para sistematizar o que viu nesta aula, procure definir cada um dos tipos de variedades estudados. Feito isso, procure conceituar variação e variedades linguísticas. Para isso, recorra ao que foi estudado na aula anterior.

2 Das palavras abaixo, aponte qual delas lhe é mais familiar. Depois procure conferir com os seus colegas. Se você conhece as duas, mas com significados distintos, explique-as:

a. Abichornado/aborrecidob. Arribar/subirc. Bengala/cacetinho (tipos de pão)d. Boi ralado/carne moídae. Bolinho barrigudo/bolinho de chuvaf. Farpinha/palitog. Lapiseira/apontadorh. Micuim/terçoli. Munguzá/canjicadaj. Pebolim/Totók. Pingado/café com leitel. Pipa/papagaio/arraiam. Bombeiro/encanadorn. Monturo/aterro de lixo

3 Os nomes das variedades de frutas e verduras apresentam, pelo Brasil afora, uma grande variação regional. Às vezes, a diferença de nomes não tem razão aparente; outras vezes, ela corresponde a uma diferença de variedades das frutas e verduras. São os casos de: batata-salsa/batata-baroa; abóbora/jerimum; couve-chinesa/acelga.

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Procure apresentar cinco casos que ilustram esse tipo de variação.

4 Na década de 1960, liderado pelo cantor Roberto Carlos, então jovem, o movimento musical jovem Guarda, por meio da televisão, popularizou uma série de gírias que hoje, em sua grande maioria, estão em desuso. Se você não é dessa geração, fale com alguém que seja e procure saber o que significavam as gírias:

a. É uma brasa, mora!b. Morou?c. Pode vir quente que eu estou fervendo...d. Papo firme.e. Bicho!

5 Procure fazer um levantamento de algumas palavras ou expressões, dez, por exemplo, que caracterizam algum grupo social em particular. Pode ser: internautas da EAD; policiais; surfistas; políticos; rezadeiras/benzedeiras; feirantes; skatistas... Enfim, são vários! Procure comparar com os levantamentos feitos pelos colegas com o objetivo de ampliar o seu repertório linguístico no tocante aos usos sociais da língua portuguesa.

6 Há várias composições musicais que retratam falares sociais diversos. Busque, pelo menos, um exemplo e apresente aos seus colegas.

RESUMINDO

Nesta aula, você viu que:

• A variedade linguística se manifesta por meio de ações diferenciadas por parte do falante.

• Os tipos de variedade são: dialeto, socioleto, cronoleto e idioleto.• Cada um dos tipos nos permite compreender “os modos particulares de

falar” uma língua.• Cada variedade linguística tem suas características próprias, que servem

para diferenciá-la das outras variedades.• Todas as variedades linguísticas têm sua lógica de funcionamento, todas

obedecem regras gramaticais que podem ser descritas e explicadas.

Para complementar esta nossa aula, recomendo a leitura do artigo em anexo: Variaçãosemântico-lexical em atlas lingüísticos nordestinos, de Maria do Socorro Silva de Aragão. Além deste, recomendo também a leitura do texto de Edson Ferreira Martins, Atlas lingüístico do estado de Minas Gerais: o princípio da uniformidade da mudança lingüística nas características fonéticas do português mineiro, em: http://www.revel.inf.br/site2007/_pdf/7/artigos/revel_7_atlas_linguistico_do_estado_de_minas_gerais.pdf

LEITURA RECOMENDADA

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Linguística II: sociolinguística

88 Módulo 2 I Volume 5 EAD

Variedades linguísticas: tipos

ALKMIM, T. Sociolingüística. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001, p. 21- 47.

ARAGÃO, M. do S. de. Variação semântico-lexical em atlas lingüísticos nordestinos. In: Anais da XX Jornada do GELNE. João Pessoa, 2004, p. 1709-1718. Disponível em CD.

BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação lingüística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

CAMACHO. R. G. Sociolingüística. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001, p.49-75.

DAL MAGO, D. Uma análise da variável /l/ na fala da região sul do país. In: Anais do II Congresso Nacional da ABRALIN. Florianópolis: UFSC, 2000. Disponível em CD.

DUBOIS, J. et al. Dicionário de lingüística. Tradução de. Barros et al. São Paulo: Cultrix, 1997.

ELIA, S. Sociolingüística. Rio de Janeiro: Padrão, 1987.

FERREIRA, A. B. de H. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

ILARI, R. Introdução à semântica: brincando com a gramática. São Paulo: Contexto, 2001.

ILARI, R.; BASSO, R. O português da gente: a língua que estudamos, a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2006.

LETRAS de Hoje: A variação no sistema. Porto Alegre: EDIPUCRS. V. 35, nº1, 2000.

LOPES, C. R. dos S. Nós e A Gente no português falado culto do Brasil. In: DELTA. V. 14, n° 2, 1998, p. 405-422.

LYONS, John. Lingua(gem) e lingüística. Tradução de Marilda Winkler Averbug, Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

MARTINS, D. S.; ZILBERKNOP, L. S. Português Instrumental. Porto Alegre, 1995. PRETTI, D. Sociolingüística: os níveis da fala. São Paulo: USP, 2003.

ZILLES, A. M. S. A posposição do sujeito ao verbo no português falado no Rio Grande do Sul. In: Anais do II Encontro do CELSUL. Florianópolis: UFSC, 1997, Disponível em CD.

RE

FE

NC

IAS

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ANEXO III

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Suas anotações

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