O Trecheiro - Abril 2011

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O Trecheiro Notícias do Povo da Rua Ano XX Abril 2011 - Nº 196 IMPRESSO Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - [email protected] Alderon Costa e Renata Bessi Tendas: política do provisório Dados apresentados pela Prefeitura de São Paulo sobre a rede de serviços dirigida para pessoas que estão em situação de rua à primeira vista são otimistas. De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), nenhum serviço social fechou suas portas nos anos em que a pasta vem sendo comandada pela, também, vice-prefeita Alda Marco Antônio. Pelo contrário, nos últimos dois anos foram inaugurados dez novos Centros de Acolhida, locais em que as pessoas pernoitam. Segundo a Smads, são eles: Barra Funda I e II, São Martinho de Lima, Vila Prudente, Canindé e Jaçanã. E mais, para os idosos, a secretaria implantou os Centros de Acolhida Especial para Idosos: Jardim Umuarama, Morada Nova Luz e São João. Para as mulheres, foi aberto o Centro de Acolhida para Mulheres Brigadeiro. Mas esta contabilidade não é unânime. Organizações sociais afirmam que serviços foram, sim, desativados e outros correm o risco de fecharem as portas. De acordo com Alice Aparecida de Alencar, coordenadora de unidade, o Centro de Acolhida Cor-Ação foi fechado no dia 31 de março para abrigar a Central de Atendimento Permanente e Emergências (CAPE). Alice alerta para o possível fechamento do Centro de Acolhida Esperança no bairro de Pinheiros. O imóvel já foi solicitado e a entidade está com dificuldades de encontrar outro local. Outros dois serviços, a Moradia Provisória na Avenida Brigadeiro Luis Antônio e o Centro de Acolhida Capela do Socorro também foram fechados, como já foi noticiado pelo O Trecheiro (nº 187 e 194). Os novos serviços, segundo a Smads, somam 1.636 novas vagas. No total, fazem parte da rede de proteção 44 centros de acolhida somando 9.615 vagas. A questão é que existem em São Paulo, de acordo com pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) em 2010, cerca de 13.666 pessoas em situação de rua. Ou seja, há um déficit de quase 30% no atendimento. Outro projeto que vem sendo valorizado pela secretaria são os espaços de convivência em que as pessoas permanecem durante o dia – as chamadas tendas. Foram inauguradas cinco, sendo duas na região da Praça da Sé, além de Mooca, Santa Cecília e Bela Vista. ParaAnderson Lopes Miranda, do Movimento Nacional da População de Rua, a tenda é um serviço que não dá dignidade a esta população. “Nestes espaços são oferecidos apenas banho e comida e alguma atividade lúdica. Não muda a situação real das pessoas. Precisamos de políticas públicas de fato”. Indagada pela reportagem do O Trecheiro sobre quais ações a secretaria estaria desenvolvendo em relação à geração de trabalho e renda para estas pessoas, os números apresentados foram ínfimos diante da dimensão do problema. “Em agosto de 2010, a Smads firmou parceria com o Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Estado de São Paulo (SEAC), que permitiu a contratação de 96 usuários da rede de acolhida pelas empresas de limpeza filiadas ao sindicato. Além do piso salarial, todos recebem vale-transporte e refeição, bem como uma cesta básica”, segundo Smads.. Lopes é categórico quanto à falta de uma política definida que resolva a situação. “Não queremos uma política de tendas. Cadê o trabalho, a saúde e a moradia”? Para além de albergues e centros de convivência, O Trecheiro perguntou via assessoria de imprensa, por e-mail, qual é a política pública desenvolvida pela secretaria para resolver a questão das pessoas que estão nas ruas. A pergunta ficou sem resposta. (Cont. pág. 3 - O dia a dia nas tendas). Vitória dos movimentos: Gegê Livre !!! Lutar Não é Crime! Definitivamente! Ao final da tarde do dia 5 de abril, após decisão unânime dos jurados, a juíza Eva Lobo Chaib Dias Jorge do 1º Tribunal do Júri de São Paulo declarou a inocência de Gegê. Foram dois dias em que a angústia pairou sobre todos os companheiros que acompanhavam o julgamento, tanto dentro do plenário, sempre lotado, quanto daqueles que acompanhavam de longe. Após a juíza decretar definitivamente o fim do júri, o plenário irrompeu em palmas e vivas de alegria. Todos se abraçaram de alívio após tanta tensão, como se abraçassem o próprio Gegê, com sorrisos nos rostos e não raras vezes com as faces molhadas de lágrimas. A absolvição já se mostrava possível após a fala final do promotor de justiça, Roberto Tardelli. Quase ao final de sua longa arguição afirmou que, apesar da falta de provas ainda restava dúvida, e que por isso pedia que os jurados o absolvessem. Mas a decisão final caberia aos jurados. Em seguida, o advogado Dr. Guilherme Madi Rezende tomou a palavra para fazer a defesa de Gegê. Segundo ele, sua inocência era evidente diante das provas. Logo após, os jurados se retiraram para a votação secreta. Em poucos minutos voltavam para suas cadeiras e a juíza leu a decisão final. Foram oito anos de paralisação da vida política de Gegê. Foram meses de trabalho intenso por parte de seus apoiadores, principalmente do Comitê “Lutar Não é Crime”, que atuaram contra o risco de criminalização. Foram dois dias tensos de julgamento, em que estavam presentes representantes de diversos movimentos sociais, de entidades defensoras de direitos humanos, de senadores, deputados federais e estaduais, vereadores, amigos e familiares. Mesmo as testemunhas de defesa, após seus depoimentos, ali continuaram até o final, incluindo o irmão de Gegê, o cantor Chico Cesar. O senador Eduardo Suplicy, também testemunha, expôs o caso ao Senado, em Brasília. Dia 5 de abril não foi somente o dia da liberdade de Gegê, foi o dia em que os movimentos sociais de luta pela vida com plena dignidade humana tiveram a certeza de que a luta vale a pena. Esta data foi histórica para a luta dos movimentos. Por tal importância, foi protocolado na Câmara Municipal, pelo vereador Chico Macena, projeto de lei que institui o 5 de abril como dia municipal pela luta contra a criminalização dos movimentos sociais. A LUTA ONTINUA. LUTAR NÃO É CRIME!!! Mais informações: www. lutarnaoecrime.blogspot.com Fotos: Alderon Costa/Rede Rua Márcia Hirata pelo Comitê 196_O_Trecheiro_Abril_de_2011.indd 1 12.04.2011 23:25:14

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Jornal O Trecheiro de Abril de 2011, realização Associação Rede Rua

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O Trecheiro Notícias do Povo da Rua

Ano XX Abril 2011 - Nº 196

IMPRESSO

Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - [email protected]

Alderon Costa e Renata Bessi

Tendas: política do provisórioDados apresentados pela

Prefeitura de São Paulo sobre a rede de serviços dirigida para pessoas que estão em situação de rua à primeira vista são otimistas. De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), nenhum serviço social fechou suas portas nos anos em que a pasta vem sendo comandada pela, também, vice-prefeita Alda Marco Antônio. Pelo contrário, nos últimos dois anos foram inaugurados dez novos Centros de Acolhida, locais em que as pessoas pernoitam. Segundo a Smads, são eles: Barra Funda I e II, São Martinho de Lima, Vila Prudente, Canindé e Jaçanã. E mais, para os idosos, a secretaria implantou os Centros de Acolhida Especial para Idosos: Jardim Umuarama, Morada Nova Luz e São João. Para as mulheres, foi aberto o Centro de Acolhida para Mulheres Brigadeiro.

Mas esta contabilidade não é unânime. Organizações sociais afi rmam que serviços foram, sim, desativados e outros correm o risco de fecharem as portas. De acordo com Alice Aparecida de Alencar, coordenadora de unidade, o Centro de Acolhida Cor-Ação foi fechado no dia 31 de março para abrigar a Central de Atendimento Permanente e Emergências (CAPE). Alice alerta para o possível fechamento do Centro de Acolhida Esperança no bairro de Pinheiros. O imóvel já foi solicitado e a entidade está com difi culdades de encontrar outro local. Outros dois serviços, a Moradia Provisória na Avenida Brigadeiro Luis Antônio e o Centro de Acolhida Capela do Socorro também foram fechados, como já foi noticiado pelo O Trecheiro (nº 187 e 194).

Os novos serviços, segundo a Smads, somam 1.636 novas vagas. No total, fazem parte da rede de proteção 44 centros de acolhida somando 9.615 vagas. A questão é que existem em São Paulo, de acordo com pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE)

em 2010, cerca de 13.666 pessoas em situação de rua. Ou seja, há um défi cit de quase 30% no atendimento.

Outro projeto que vem sendo valorizado pela secretaria são os espaços de convivência em que as pessoas permanecem durante o dia – as chamadas tendas. Foram inauguradas cinco, sendo duas na região da Praça da Sé, além de Mooca, Santa Cecília e Bela Vista.

Para Anderson Lopes Miranda, do Movimento Nacional da População de Rua, a tenda é um serviço que não dá dignidade a esta população. “Nestes espaços são oferecidos apenas banho e comida e alguma atividade lúdica. Não muda a situação real das pessoas. Precisamos de políticas públicas de fato”.

Indagada pela reportagem do O Trecheiro sobre quais ações a secretaria estaria desenvolvendo em relação à geração de trabalho e renda para estas pessoas, os números apresentados foram ínfi mos diante da dimensão

do problema. “Em agosto de 2010, a Smads fi rmou parceria com o Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Estado de São Paulo (SEAC), que permitiu a contratação de 96 usuários da rede de acolhida pelas empresas de limpeza fi liadas ao sindicato. Além do piso salarial, todos recebem vale-transporte e refeição, bem como uma cesta básica”, segundo Smads..

Lopes é categórico quanto à falta de uma política defi nida que resolva a situação. “Não queremos uma política de tendas. Cadê o trabalho, a saúde e a moradia”?

Para além de albergues e centros de convivência, O Trecheiro perguntou via assessoria de imprensa, por e-mail, qual é a política pública desenvolvida pela secretaria para resolver a questão das pessoas que estão nas ruas. A pergunta fi cou sem resposta. (Cont. pág. 3 - O dia a dia nas tendas).

Vitória dos movimentos: Gegê Livre !!! Lutar Não é Crime!

Defi nitivamente! Ao fi nal da tarde do dia 5 de abril, após decisão unânime dos jurados, a juíza Eva Lobo Chaib Dias Jorge do 1º Tribunal do Júri de São Paulo declarou a inocência de Gegê. Foram dois dias em que a angústia pairou sobre todos os companheiros que acompanhavam o julgamento, tanto dentro do plenário, sempre lotado, quanto daqueles que acompanhavam de longe. Após a juíza decretar defi nitivamente o fi m do júri, o plenário irrompeu em palmas e vivas de alegria. Todos se abraçaram de alívio após tanta tensão, como se abraçassem o próprio Gegê, com sorrisos nos rostos e não raras vezes com as faces molhadas de lágrimas.

A absolvição já se mostrava possível após a fala fi nal do promotor de justiça, Roberto Tardelli. Quase ao fi nal de sua longa arguição afi rmou que, apesar da falta de provas ainda restava dúvida, e que por isso pedia que os jurados o absolvessem. Mas a decisão fi nal caberia aos jurados.

Em seguida, o advogado Dr. Guilherme Madi Rezende tomou a palavra para fazer a defesa de Gegê. Segundo ele, sua inocência era evidente diante das provas. Logo após, os jurados se retiraram para a votação secreta. Em poucos minutos voltavam para suas cadeiras e a juíza leu a decisão final.

Foram oito anos de paralisação da vida política de Gegê. Foram meses de trabalho intenso

por parte de seus apoiadores, principalmente do Comitê “Lutar Não é Crime”, que atuaram contra o risco de criminalização. Foram dois dias tensos de julgamento, em que estavam presentes representantes de diversos movimentos sociais,

de entidades defensoras de direitos humanos, de senadores, deputados federais e estaduais, vereadores, amigos e familiares. Mesmo as testemunhas de defesa, após seus depoimentos, ali continuaram até o fi nal, incluindo o irmão de Gegê, o

cantor Chico Cesar. O senador Eduardo Suplicy, também testemunha, expôs o caso ao Senado, em Brasília.

Dia 5 de abril não foi somente o dia da liberdade de Gegê, foi o dia em que os movimentos sociais de luta pela vida com plena dignidade humana tiveram a certeza de que a luta vale a pena. Esta data foi histórica para a luta dos movimentos. Por tal importância, foi protocolado na Câmara Municipal, pelo vereador Chico Macena, projeto de lei que institui o 5 de abril como dia municipal pela luta contra a criminalização dos movimentos sociais.

A LUTA ONTINUA. LUTAR NÃO É CRIME!!!

Mais informações: www.lutarnaoecrime.blogspot.com

Fotos: Alderon Costa/Rede Rua

Márcia hirata pelo Comitê

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página 2 O Trecheiro

O Trecheiro Notícias do Povo da Rua

Rua Sampaio Moreira,110 - Casa 9 - Brás - 03008-010 - São Paulo - SP - Fone: (11) 3227-8683 3311-6642 - Fax: 3313-5735 - www.rederua.org.br - E-mail: [email protected]

REDE RUA DE COMUNICAÇÃO

Conselho editorial:Arlindo Dias editorAlderon CostaMTB: 049861/0157

equipe de redação: Alderon CostaCleisa RosaDavi AmorimMaria Carolina FerroRenata Bessi

revisão:Cleisa Rosa

FotograFia: Alderon Costa diagramação: Fabiano Viana

ApoioArgemiro Almeida

Andreza do Carmo Karina C. AragãoVagner CarvalhoJoão M. de Oliveira

impressão: Forma Certa5 mil exemplares

Massa de manobraEDITORIAL

Esse processo de desigualdade não pode ser eliminado sem alterar de modo

fundamental os mecanismos do capitalismo. Não vale a pena, pois, dedicar

energias políticas para defender as políticas que se ocupam somente dos sintomas da desigualdade, sem atacar

as suas forças geradoras básicas. Richard Peet – geógrafo.

Um dia desses vamos ver uma placa: alugo imóvel sem morador de rua em minha rua! Pode se tornar usual, um comprador perguntar ao corretor se na rua ou bairro onde deseja comprar seu imóvel, têm morador de rua, albergue ou centro de acolhida. Isso não está longe, já acontece em alguns bairros da cidade de São Paulo.

No dia 7 de abril, participei de uma reunião no bairro da Santa Cecilia e pude perceber esse conflito. Infelizmente, não tinha ninguém da Prefeitura. Moradores do bairro, representantes de pessoas em situação de rua e do Ministério Público Estadual estavam presentes. Foi um momento único porque, ao contrario do que já presenciamos inúmeras vezes, todos estavam interessados na vida daquelas pessoas que em outro tempo, simplesmente pedia-se à polícia para retirá-las.

Nelson Barbosa, da Associação dos Moradores de Campos Elíseos, analisou o problema de forma objetiva. “O problema nosso não são os moradores de rua, mas, sim, a ausência do poder público. Eu não quero ver as pessoas tratadas com caridade, mas com dignidade e encontrar uma solução que atenda a todos”. Mesmo discordando de alguns pontos, Sr. Nelson tem alguma razão. Está na hora do poder público definir políticas públicas para essa população. Chega de sopa e cobertor. As pessoas precisam de saúde, habitação e trabalho.

A população em situação de rua, cada vez mais, torna-se um exército de reserva com o único mérito, o da desvalorização imobiliária. O que se percebe é que, onde o poder público quer desvalorizar o mercado imobiliário por conta de projetos futuros, “empurra” a população de rua para aquele lugar ou permite que ela ali permaneça. Onde não interessa ter essa desvalorização, há uma forte repressão para que a população deixe os locais. Isto é uma das explicações para justificar a falta de ação da Prefeitura em relação ao aumento do número e a degradação que vem sofrendo vários bairros. Os serviços implantados pelo poder público, longe de resolver o problema, vêm agravando cada vez mais a relação da sociedade com aqueles que já foram rejeitados pela família e pela sociedade.

Importante frisar que, ao contrário do que se pensa, a explicação para este fenômeno não está no fracasso pessoal das pessoas em situação de rua, mas num sistema injusto que produz essa situação e, ainda por cima, faz com que elas se sintam culpadas por estarem na situação em se encontram.

Karl Marx, no século XIX, já falava que o capitalismo gera a pobreza de um lado, mas gera uma grande riqueza do outro. Os pobres são necessários ao capitalismo e os moradores de rua estão se tornando, também, necessários a este sistema. Aqui está uma análise simplificada, somente para tentar explicar porque o poder público não consegue resolver ou, ao menos, minimizar o sofrimento das pessoas que são obrigadas a morar nas ruas ou daqueles que tem suas moradias compradas com esforço de salários apertados.

Tanto o morador de rua, como o cidadão que paga seus impostos estão cobertos de razão. O morador de rua vai morar onde pode sobreviver minimamente. Suas necessidades básicas precisam ser atendidas, mesmo que para isto apelem para a violência. O cidadão que trabalha, busca qualidade de vida, precisa descansar para reproduzir sua força de trabalho. O conflito está escancarado!

O que fazer? Onde está o poder público? Infelizmente, na maioria das vezes, as pessoas em situação de rua sofrem as consequências com a repressão policial e não no sentido de resolver o problema.

Isso não é fácil de resolver, pois estamos diante de um conflito que envolve pessoas e não coisas. De um lado, pessoas com graves problemas, na maioria das vezes, dependentes de álcool ou drogas e sem nenhuma retaguarda familiar. Do outro lado, o cidadão que, ainda, conta com os mecanismos de repressão do poder público. Os gestores se omitem ou no máximo inauguram prédios e serviços inadequados ou ineficientes para dar um encaminhamento minimamente adequado.

Alderon Costa Fotos: Alderon Costa/Rede Rua

VIDA NO TREChOSó se deixar passar batom!

Abril de 2011

Uma história de superação do crack na reconquista de si e de suas perdas.

“Eu vim aqui em São Paulo para conhecer a Cracolândia. Trabalhava. Sou operadora de empilhadeira. Tive um problema com minha mãe e não consegui viver com ela. Lá em Rio Claro, já tinha começado a usar crack. Vi pela televisão e fiquei curiosa de conhecer os ‘psico e os ‘nóias´. Eles com aquelas cobertas vagando pelas ruas me deu muita curiosidade. Conheci a Cracolândia, mas acabei conhecendo, também, o Centro de Acolhida Santa Cecília”.

Assim começou a conversa com Patrícia Muniz da Silva de 39 anos, natural de Rio Claro (SP) e que esteve em situação de rua por quatro meses e agora, com o trabalho do Centro de Acolhida está num processo de saída da rua e reestruturação de sua vida. “Já tem um mês que não estou usando droga. Mas, estou tendo um acompanhamento e não estou na rua. Moro num apartamento com um companheiro, estou fazendo entrevistas de emprego, pois quero trabalhar e estudar”, declarou Patrícia.

As causas de ela ter chegado aonde chegou podem ser várias, mas a que mais a incomoda está relacionada a conflitos

familiares, em particular, com sua mãe. Ela fala de seus três filhos com muito carinho, mas o pequeno de quatro anos ela o quer de volta. “Eu quero de volta o que é meu”!

Patrícia se sentiu acolhida no Centro e se lembra das conversas com os funcionários. “As meninas ajudam a gente. Elas não ajudam só a ter um espaço para você passar o dia para não ficar na chuva ou no frio. Se você precisa de um abraço, um conselho, elas dão. Meio que viram a família da gente. Quando precisa, também, elas deixam a gente de castigo. Não deixa tomar banho, entrar no espaço, tem umas normas aqui também”, lembrou Patrícia.

Quando perguntada o que a ajudou a sair dessa situação, a resposta vem fácil. “Para falar a verdade mesmo, foi a acolhida das meninas (funcionárias) aqui do Centro. Se você conversa com a família, eles não entendem isto. Aqui as pessoas estão preparadas para receber esses `loucos´, esses usuários de drogas, os ‘psico´, os ‘nóias´, os ‘radiados´ e os bêbados”. Insisti na pergunta e veio outra resposta para completar a primeira. “Quer saber de uma coisa, eu voltei a me amar. Eu preciso perdoar as pessoas e eu também”, concluiu Patrícia. Ao solicitar para tirar uma foto, ela reagiu: “Só se você deixar passar batom primeiro. Mulher é assim!”.

“Saúde, trabalho e habitação”

Nos dias 29 e 30 de março, aconteceu o II Seminário de População em Situação de Rua sobre “Saúde, trabalho e habitação” no Centro Arquidiocesano de Pastoral em Salvador. Participaram deste evento, representantes dos governos das três esferas, de organizações parceiras e do MNPR.

De início, foi apresentado o Caderno de Orientações para a Implantação e Funcionamento dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social para a População em Situação de Rua (Creas Pop Rua) que ainda receberá contribuições. Para Adauto Leite de Oliveira, membro do Fórum Permanente da Bahia, o mérito desse trabalho está no fato de ter sido realizado com a população de rua. Também foram apresentados os resultados da Pesquisa realizada em Salvador em 2010 pela Universidade Federal da Bahia e pelo Movimento da População em Situação de Rua de Salvador.

Para a profª. Renata Meira Veras, coordenadora da pesquisa chamou a atenção os problemas familiares como causa de estarem nas ruas, falaram do

desemprego, dos problemas de saúde e da questão da falta de documentos pessoais para conseguir emprego. “A partir desses resultados vamos elaborar um plano de atuação com a população de rua”, concluiu Renata.

Na discussão sobre trabalho, Anderson Lopes, da coordenação no MNPR, foi categórico em dizer que o trabalho traz dignidade para as pessoas em situação de rua. Damião Ferrari do MNPR/CE, destacou o problema da escolha do tipo de cursos de capacitação e as condições das pessoas que vão fazer esta capacitação. “Não perguntam qual é a nossa necessidade, pois não temos condições de morar, de transporte e de comer”, lembra Damião.

Na habitação, foram levantados vários programas, mas ainda precisa ser construído um programa de moradia que inclua a população em situação de rua. Segundo Marli Carrara, da União Por Moradia Popular da Bahia, não existe casa a custo zero. A população de rua tem que se inserir na luta por moradia. “Vem para luta de cabeça erguida e nunca diga eu, mas aprendam a dizer o nosso

movimento quer isto”, declarou Marli. Iveline Hardnan, diretoria de programas e projetos da Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Bahia, defendeu a criação pelo governo de um parque imobiliário próprio para o uso da locação social e defendeu a visibilidade dessa população. Thomas Melo, representante do MNPR/PR apresentou a experiência de Curitiba. Segundo ele, na cidade existe a possibilidade da população de rua conseguir entrar no programa de moradia. Na mesa da saúde, a questão é gravíssima. Segundo Henrique Peregrino, da Comunidade da Trindade, a pessoa de rua é barrada já na entrada do posto de saúde pelos vigilantes. “Tem também o problema da documentação, pois sem documentos não se pode tratar”, relata Henrique. O problema da alta hospitalar foi unânime que não existe uma retaguarda para o paciente continuar seu tratamento. Para a representante do Ministério da Saúde, dra. Jacinta de Fátima Senna da Silva, a saúde é um direito, mas só acontece mediante políticas públicas intersetoriais e articuladas.

A avaliação do seminário, segundo Maria Lúcia Santos, do MNPR local é que todos ficaram atentos, perceberam que várias vozes se uniram, mas, principalmente, porque provocou inquietação. “Foi interessante ver que o governo não imaginava que estávamos tão articulados e isto gerou essa inquietação e acho que agora é que o trabalho vai ser realizado, porque agora eles sabem que a população de rua tem voz”, finalizou Lúcia. (A pesquisa da UFBA sobre a população de rua de Salvador pode ser acessada no site www.rederua.org.br)

Alderon Costa

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Abril de 2011 página 3 O Trecheiro

O dia a dia nas tendasTrecheirinhas

“Movimento Coletivo” A cidade de São Paulo ganhou mais uma galeria de arte,

inaugurada no dia 30 de março com a exposição “Movimento Coletivo”, ensaios fotográfi cos da conclusão de curso da primeira turma do projeto Trecho 2.8.

Rua Oscar Freire, 791, Jardins, tel. 3062-0123.Período: 31 de março a 15 de maio. De segunda a sábado,

das 10 às 20 horas. Entrada grátis.

CNDDH Foi inaugurado em Belo Horizonte, no 7 de abril de 2011, o Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População de Rua e Catadores e Materiais Recicláveis (CNDDH), parceria com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Ministério Público de Minas Gerais por meio da Pastoral Nacional do Povo da Rua e Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social (Cimos), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis ( MNCR). Desejamos ao CNDDH vida longa, muita luta e esperança de conquistas sempre.

Direitos Humanos A Comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou, no

dia 7 de abril por unanimidade, o projeto de lei da Câmara (PLC 189/2010) referente ao Sistema Único de Assistência Social (Suas) que transforma em lei o Sistema Único de Assistência Social, criado em julho de 2005 e coordenado pelo MDS, em parceria com governos estaduais, municipais e do Distrito Federal.

Adiado julgamento O Tribunal do Júri de Brasília, remarcou o julgamento do servidor do Banco Central José Cândido do Amaral Filho, 50 anos, acusado de matar dois moradores de rua em 2009 para o dia 17 de maio. As vítimas, Paulo Francisco de Oliveira Filho, 35, e Raulhei Fernandes Mangabeiro, 26, dormiam no coreto da Praça do Índio, na 703/704 Sul, na manhã de 19 de janeiro,

quando o crime ocorreu. (Publicado UOL - 08/04/2011).

Cleisa Rosa com colaboração de Alderon Costa e Jacinto Mateus Oliveira.

O Trecheiro foi para as ruas saber como as pessoas passam seus dias nas tendas. A reportagem ouviu moradores em situação de rua e funcionários de serviços. Confi ra.

O primeiro ponto de parada da reportagem foi o Centro de Acolhida Santa Cecília. O serviço é oferecido pela Sociedade Amiga e Esportiva do Jardim Copacabana. A entidade administra o espaço com 29 funcionários e com um orçamento mensal de R$ 59.965,85, repassado pela Prefeitura. Em geral, as pessoas que fazem uso do espaço consideram a tenda melhor do que as ruas. “Meu dia é assistir uma tela, tomar um banho. O dia a dia fi co aqui e depois das 22 horas dormimos na frente do centro de acolhida, declarou Carlos Henrique Borges Moreira, 18 anos, enquanto cortava o cabelo no Centro. Ele faz parte das 309 pessoas em situação de rua que, segundo a última pesquisa da FIPE/2010, moram na região da Santa Cecília.

“Este espaço é uma benção na minha vida porque não fi co na rua”, declarou Gilson Roberto da Silva. Gilson, 40 anos, natural de Barretos (SP) está há dois anos em situação

Alderon Costa e Renata Besside rua por usar droga. Segundo ele, há mais de 26 anos que já tem contato com as drogas, mas somente há três anos caiu na rua por conta do crack.

Para Alessandra Gabriel, psicopedagoga, o Centro de Acolhida é um espaço de convivência que propicia um tempo para a pessoa saber o que quer. O objetivo fi nal é que a pessoa possa sair da situação de rua. Para isto, existe programação de ofi cinas, cursos, agenda de conversas e serviços de higiene pessoal.

Para Glenia Boschetti, da administração do espaço, a reclamação da comida é comum, mas não é a prioridade do Centro. “Já existem outros lugares que oferecem a alimentação.

O segundo ponto de parada da reportagem do O Trecheiro foi o projeto que deu origem aos outros centros, o Jardim da Vida Dom Luciano Mendes de Almeida, no Parque Dom Pedro. O espaço é administrado pela Associação Aliança de Misericórdia, com 39 funcionários e orçamento mensal de R$ 111.546,20, repassado pela Prefeitura. Segundo o gerente do centro, Felipe Faria de Paula, o objetivo é acolher, ser a porta de entrada para a rede social e por meio de muita conversa ajudar no resgate pessoal e familiar.

Mas, o espaço não faz jus ao nome. Logo na entrada a reportagem encontrou pessoas que lavavam suas roupas em frente ao portão de entrada. O espaço situa-se entre duas praças cortadas pela ponte da Avenida Rangel Pestana. Um grande espaço aberto com mesas, árvores e até um campo de futebol. Dentro das tendas, televisão ligada e mesas para jogos. Embaixo do viaduto, na passagem de uma tenda para outra, banheiros químicos em péssimo estado.

Elizama Luis Alves aprova o projeto, mas reclama: “Com a chuva tivemos alguns problemas dentro das tendas, os banheiros também não estão limpos, e queremos uma lavanderia como na Mooca”.

De acordo com a assessoria de imprensa da Smads, os banheiros antigos foram completamente substituídos por novos e não há condição para lavagem de roupa. A secretaria adiantou, ainda, que está trabalhando em um projeto de centro de convivência, embaixo do Viaduto Alcântara Machado, que comportará, além dos banheiros, tanques de lavar roupa e varais para a secagem.

Carlos Alberto Reis Pereira, 43, que foi morar na rua por perder o pai, a mãe e ser fi lho único, gosta do espaço, pois consegue dormir um pouco mais. “Eu uso aqui para dormir um pouco, pois trabalho à noite catando latinha e acordo cedo. Aproveito para tomar banho, assistir televisão, jogar bola e participar dos jogos de mesa”, declara Carlos.

Paulo Henrique da Silva reclama dos albergues, da tuberculose e da difi culdade em arrumar trabalho. “Essa tenda ajuda muitas pessoas, mas não ajuda muito, pois elas vêm e vão. Elas precisam de trabalho. Meu medo é de virar um vagabundo como muitos,” conclui Paulo.

Consultórios de Rua e Redução de Danos

Estar na rua, conviver, conversar, fazer um curativo, propor encaminhamentos pontuais, e ter escuta atenta são alguns dos objetivos do Consultório de Rua. Uma equipe profissional multidisciplinar formada por médicos, psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, educadores sociais, além de veículos, preservativos, cartilhas instruções e material para curativos, medicamentos de uso mais frequente em tais situações. O Consultório de Rua é uma parceria do município de Guarulhos (SP) com o Ministério da Saúde.

Ao aproximar-se, a equipe se esforça para criar um clima amigável. Alguns sentam no chão, improvisam banquinho, propõem atividades lúdicas e iniciam o trabalho individual

ou em grupos. Para Orlando Mesquita da Silva, morador de “calçada”, “o pessoal do consultório é legal tem uma atenção e quer ajudá-los”.

Segundo Cléia Martins Januário, coordenadora do Consultório de Rua, o principal objetivo é trabalhar com a redução de danos em álcool e em outras drogas. Para Sebastião Firmino do Nascimento Filho, 25 anos, com ensino médio concluído, egresso do sistema penitenciário e há três anos vive em situação de rua, afi rma que tem conseguido melhorar com a ajuda dos profi ssionais. “Eles entram em foco para não deixar agravar a doença dos moradores de rua e eles tentam tirar a gente da rua, mas o albergue é pior do que a rua”, afi rma Firmino.

Para a assistente social, Helena Luiza de Sá Almeida, do Consultório de Rua, o desafi o

está em todo o processo. “A conquista da confi ança, a criação de vínculos, o levantamento das necessidades deles e a difi culdade de convencê-los a começar o tratamento ou a ir para um equipamento é o nosso dia a dia”, afi rmou Helena. Ainda, segundo ela, as demandas são pela obtenção de documentos. “Após a documentação, passamos para outros encaminhamentos, pois tudo precisa de documentos” conclui Helena.

Para a dra. Julie Mustafa, a tentativa é diminuir a vulnerabilidade que as doenças próprias da rua podem estar agravando a vida das pessoas em situação de rua. “Em casos mais graves, levamos ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e depois fazemos o encaminhamento para especialistas e acompanhamos”, afi rma Julie.

O diferencial e o avanço do Consultório de Rua de Guarulhos estão na gestão compartilhada entre as secretarias municipais da Saúde e da Assistência Social. Mesmo assim, a equipe ainda sente falta de um espaço de acolhida. “Algumas pessoas já têm uma cultura de rua, já não aceitam a instituição como o trabalho, a família e até o albergue. Por isto, o espaço intermediário poderia ajudar a fazer essa passagem.

Túnel do tempo“Marcha da Esperança ocupa Brasília”

“Ex-moradores de rua ingressam no MST e marcham juntos para Brasília {...} Mais de 80 mil pessoas receberam os sem-terra depois de caminharem durante dois meses mais de 1000 km, consolidando o apoio da sociedade à Reforma Agrária. Porém, o que muita gente ali não sabia é que no meio daquela multidão 11 ex-moradores de rua também caminhavam com a Marcha da Esperança”. (O Trecheiro, Ano VII, nº 42, abril, 1997, pg.4)

Essa manifestação mostra a força política e de organização de um movimento social que luta pela terra e pela Reforma Agrária e em que estavam presentes pessoas em situação de rua que viram, no MST, a oportunidade de refazerem seus projetos de vida e de lutarem por uma sociedade justa e fraterna.

Foi em dezembro de 1994, a primeira experiência de ocupação em Itapeva (270 km de São Paulo) com a presença de 15 pessoas que moravam nas ruas e em albergues das cidades dentre as 200 famílias que se uniram rumo ao interior do estado. Apesar da aproximação da população de rua com o MST ter começado em 1994, foi somente nos anos de 1997 a 1998, que se intensifi caram reuniões semanais nos albergues e casas de convivência, encontros e seminários de formação e congressos dentro do projeto “Da Rua para a Terra”. Nos seus quatro anos de existência

Cleisa Rosa

(1994-1998), o Centro de Formação do MST em São Paulo estimava à época de que estiveram presentes às atividades por volta de 2.000 pessoas que viviam nas ruas e nos albergues.

Atualmente, as Comunas da Terra Dom Tomás Balduíno (Franco da Rocha), Irmã Alberta (km. 27 da Rodovia Anhangüera), Dom Pedro Casaldáliga (Ponunduva) e Comuna Urbana Dom Helder Câmara (Jandira) contam com pessoas em situação de rua vivendo nesses assentamentos.

Reportagens do jornal O Trecheiro* apontam que, com a adesão ao MST, as pessoas em situação de rua resgataram identidade de trabalhadores, vínculos de trabalho, amizade e convivência, capacidade de luta, juntando-se a outros em condições semelhantes dentro de um movimento considerado de grande expressão política.

em Itapeva (270 km de São Paulo) com a presença de 15 pessoas que moravam nas ruas e em albergues das cidades dentre as 200 famílias que se uniram rumo ao interior do estado. Apesar da aproximação da população de rua com o MST ter começado em 1994, foi somente nos anos de 1997 a 1998, que

seus quatro anos de existência

Fotos: Alderon Costa/Rede Rua

Alderon Costa

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Abril de 2011página 4 O Trecheiro

Terremoto, tsunami e vazamento nuclear

Comissão da Verdade

A ministra Maria do Rosário da Secretaria Especial dos Direitos Humanos reafi rmou durante ato na Câmara Municipal de São Paulo, dia 22/03, o compromisso do poder Executivo com a aprovação do projeto de lei que cria a Comissão Nacional da Verdade. O objetivo da Comissão é esclarecer os casos de violação de direitos humanos ocorridos no período da ditadura (1964-1985). “Enquanto não tivermos resposta aos desaparecimentos forçados, aos suicídios impostos e produzidos nós não estaremos vivendo a plenitude da democracia brasileira”, afi rmou a ministra. Os familiares dos mortos e desaparecidos e toda a sociedade brasileira têm o direito de saber o que ocorreu nos anos da ditadura, acrescenta. “É um nó a ser desatado, uma superação a ser feita”.

O projeto, há um ano parado no Congresso Nacional, enfrenta resistências, principalmente da área militar. O assessor especial da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Gilney Viana, mandou um recado aos

Sobre o ProjetoO Projeto de Lei 7376/10, que cria a Comissão Nacional da Verdade, foi enviado ao Congresso em maio do ano passado, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A criação da Comissão é um dos projetos previstos no Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), lançado em dezembro de 2009 pelo governo. O Brasil é o único país da América Latina que ainda não fez sua Comissão da Verdade.

Catadores lutam pela efetividade da lei

A geração de lixo sempre foi um grande problema para as cidades. Anos e anos os catadores de materiais recicláveis e moradores em situação de rua realizaram um serviço ambiental de limpeza pública e proteção do meio ambiente.

O Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) elegeu entre seus objetivos prioritários a construção de políticas públicas para o tratamento adequado do lixo com inclusão social dos catadores. Durante muitos anos, provocou a sociedade e o poder público para a necessidade de um marco regulatório para a produção e destinação fi nal de resíduos sólidos no Brasil. Antes mesmo de se ouvir falar em aquecimento global e mudanças climáticas, os catadores buscavam imprimir nessa nova lei um caráter social que atendesse às ansiedades dos trabalhadores que, desde sempre, fi zeram a destinação correta dos resíduos sólidos, gratuitamente, em condições precárias e, em muitas situações, sendo marginalizados pelo

Davi Amorim – Setor de comunicação MNCR

Renata Bessi

O terremoto de 11 de março no Japão, seguido de tsunami e vazamento nuclear colocaram o Japão em evidência na imprensa mundial. Vivi os efeitos dos abalos sísmicos no centro da cidade Nagoya (700 km do epicentro). Naquela tarde, eu andava pelas ruas da cidade e me contagiava pelo verde e amarelo das bandeiras que encontrava pelo caminho quando tive uma sensação de vertigem durante trinta segundos. Procurei um local onde pudesse me apoiar e “esperar que a tonteira passasse”. Após alguns minutos entrei em uma das lojas de produtos eletrônicos. Ao assistir o canal de TV que transmitia a tragédia ao vivo pude compreender o que acontecera comigo.

Viver em uma ilha cercada de água por todos os lados; correr riscos de ocupação por inimigos; estar ameaçada por catástrofes naturais; ter vivido a tragédia como Hiroshima e Nagasaki são fatores que fi zeram com que o Japão se tornasse a segunda economia mundial. “O povo japonês é como águia. Quando pensa estar sem asas para alçar vôo, consegue realizar um vôo mais alto ainda. Por ser disciplinado e organizado consegue superar diferentes situações”, explica Anselmo de Melo, missionário brasileiro há sete anos no país.

O projeto Como país desenvolvido,

o Japão, no entanto, não consegue esconder a contradição intrínseca do sistema capitalista, a exclusão de grande parte da

população das benesses do mercado. Nagoya, uma cidade com 2.215.000 habitantes, conta com, aproximadamente, 1.300 pessoas em situação de rua.

O padre Takea Motoi, missionário da Congregação do Verbo Divino é um dos fundadores do projeto Sasashima Kyousei-kai. Ele explica que Sasashima é o nome do bairro e a palavra Kyousei-kai signifi ca “viver juntos”. O projeto consiste em defender os direitos dos moradores de rua, resgatá-los das ruas e dar suporte para a sua inserção social.

Sopa na ruaAo lado da catedral de

Nagoya, um grupo voluntário de 10 pessoas prepara a sopa, que tem apoio da Second Harvest Nagoya, uma espécie de Banco de Alimentos que os recolhe e redistribui às organizações sociais. Às 18h30, três carros deixam o local. Os termômetros marcam cinco graus.

Representantes da ONG chegam e se instalam no local e, em poucos minutos, um grupo assiste aos vídeos ali disponíveis. Outro entra na fi la para um jogo de sorte que oferece uma barra de chocolate ao vencedor. Em outra barraca, as pessoas cantam “karaokê”. Num outro canto, profi ssionais da saúde atendem aos doentes. Após duas horas de convivência, o jantar é servido com os tradicionais “hashis” (palitinhos japoneses).

Realidade da ruaEdílson Shinozaki, nissei

conhecido por Dinho, nascido

no bairro da Liberdade em São Paulo e há 10 anos no Japão, foi nosso guia. Ele nos explica que “a maioria das pessoas em situação de rua em Nagoya são homens com mais de 50 anos e cerca de 20% têm menos de 50 anos. Não há informações sobre crianças e adolescentes. Uma boa parte tem família em situação econômica razoável. Apesar disso, não recorrem a ela. Eles são ignorados pela maior parte da sociedade e pelos órgãos públicos”.

Para Takea Motoi, a razão da existência dos moradores de rua é econômica: “A sociedade japonesa precisa de gente nestas condições para manter em funcionamento a sua estrutura econômica. Os contratos de trabalho são muito vulneráveis. Entre eles estão os de mulheres que fogem da violência doméstica e de pessoas com defi ciências”, acrescenta. Talvez por isso, Matsumoto os defi na como “refugiados econômicos”.

Em nossa visita pelo centro de Nagoya, uma senhora que não quis se identifi car, nos explicou que ela e o esposo são líderes de um movimento organizado e coordenado pelas pessoas em situação de rua em defesa dos seus direitos. “Foi o único modo de sermos atendidos e estabelecer um canal de diálogo com as autoridades”, ressaltou a senhora.

A matéria completa pode ser encontrada no site da Rede Rua (www.rederua.com.br). No próximo número, publicaremos uma entrevista com o senhor Matsumoto Hiroshi.

movimentos sociais e entidades. “Não vamos ganhar esta parada sem o apoio da sociedade. Os agentes do passado estão muito presentes”.

O assessor especial conclamou a sociedade a engrossar o coro pela Comissão da Verdade e a formar uma campanha pela sua implantação. Segundo ele, precisam proliferar pelo Brasil movimentos, grupos e até grupelhos que discutam o assunto e tenham capacidade de pressão.

A ministra chamou a atenção para a quantidade de entidades e movimentos sociais presentes no ato. Cerca de 30 foram anunciados pela organização do evento. “São militantes de diferentes causas, mas que entendem que Direito Humano não pode ser visto de forma fragmentada”.

Maria do Rosário participou no mesmo dia, no Cemitério de Vila Formosa, das buscas de Virgílio Gomes da Silva. Foi a primeira vez que um chefe da pasta de Direitos Humanos acompanhou buscas de desaparecidos políticos.

poder público. A Política Nacional

de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada pelo legislativo e regulamentada pelo Governo Federal (Lei 12.305 de 2 de agosto de 2010) é fruto de uma luta que durou 21 anos. Depois de muita

briga e reivindicação, a Lei prevê incentivo às organizações de catadores, assim como a participação delas na gestão integrada dos resíduos sólidos e na cadeia produtiva.

Segundo Roberto Laureano, catador da Coordenação Nacional do MNCR, a nova legislação traz para os catadores muitos desafi os, “temos os planos de resíduos sólidos que os municípios têm que elaborar, por isso estamos articulando para que todas as organizações discutam esses planos em seus municípios para garantir, de fato, a participação dos catadores no processo”, explica.

“Temos que fazer valer aquilo que está na lei, é importante que os municípios entendam que é preciso reduzir, reutilizar e reciclar, para em último caso pensar em processos de reciclagem energética”, esclarece Laureano, informando também que a recuperação energética não é apenas a incineração, mas há outras alternativas de recuperação que não a queima dos recicláveis. Para Laureano, “os municípios

estão pulando etapas e o movimento está buscando apoio jurídico para travar esses municípios que estão tentando implantar incineradores e excluir os catadores do processo. Estamos nos unindo a outros movimentos sociais para fazer barulho, para dizer não à incineração”, completa.

O andamento da PNRS sempre foi bloqueado pelo interesse das indústrias que preferiam não se responsabilizar por seus resíduos. São, na realidade, resíduos perigosos que afetam à saúde humana e à natureza de forma irreversível. A indústria tem uma dívida histórica com os catadores e deve pagar o trabalho realizado pelas cooperativas para recuperação de suas embalagens pós-consumo.

É preocupação do MNCR que se garanta a presença, também, dos catadores nas políticas públicas de gestão de resíduos sólidos no Brasil. “Nossa luta é para que estejamos juntos, presentes nesse processo. Não queremos que as indústrias nos vejam apenas como forma de ajuda ou assistência, queremos de fato sermos vistos como um braço de trabalho nesse processo e que esse trabalho tem que ser remunerado”, declara Laureano.

Íntegra da lei no site do MNCR: www.mncr.org.br/box_2/instrumentos-juridicos/leis-e-decretos-federais

Arlindo Dias (Japão)

O mundo das ruas nas ruas do mundo

Parte I - Os refugiados econômicos de Nagoya, JapãoArlindo Dias/Rede Rua

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Alderon Costa/Rede Rua

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