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ISSN 2177-8892 2089 O TRABALHO DE OFÍCIO NA MEMÓRIA COLETIVA DA CIDADE DE CONQUISTA (1891 1930) Célio Augusto de Oliveira Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) Edlene Santos Oliveira Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) O presente Artigo apresenta tópicos de um estudo sobre o trabalho de ofício como uma estratégia de sobrevivência, na Cidade de Conquista, 1 entre 1891 e 1930. A nossa análise relaciona o oficio de alfaiate ao processo de educação não-escolar. Quando pesquisamos os ofícios ocupados por homens e mulheres no sertão baiano, nos reportamos às transformações estruturais e sociais ocorridas a partir do final do século XIX e inicio do século XX, quando tínhamos uma população constituída, em sua maioria, por ex-escravos e livres (homens brancos e mestiços que não passaram pela escravidão), que foi assolada por inúmeras dificuldades e teve que sobreviver a partir do que sabia fazer”, ou seja, trabalhar usando os saberes aprendidos com a tradição familiar ou comunitária, visto que o acesso à educação escolar era um privilégio, atrelado à situação econômica e social. Continuando nas profissões de seus pais ou avós e, muitas vezes, reinventando ou criando meios próprios para inserção no mundo do trabalho, a criatividade foi, para muitos, uma estratégia para sobreviver. Ofícios como ferreiro, seleiro, alfaiates, quitandeiras, pedreiros e carpinteiros, em meio às ocupações domésticas e de pequenos comerciantes nas feiras livres, perpassaram a história e continuam sendo uma realidade no presente. O trabalho de ofício é aquele exercido por profissionais (também chamados de artistas) que se especializaram num tipo de atividade, profissão, emprego e meio de vida. 2 Para E. P. Thompson (1987), esse é o trabalho manual e artesanal do artífice. Historicamente, Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Bolsista da Fundação de Ampara à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB). Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). 1 Quando falamos em “Cidade de Conquista”, nos referimos ao nome oficial do atual município de Vitória da Conquista, entre 1891 e 1945. Município situado no sertão baiano, localizado na Região Centro Sul do Estado. Depois da emancipação política, a então Imperial Vila da Vitória passou a se chamar Conquista, até 1945, quando foi chamada de Vitória da Conquista (SOUSA, 2001). 2 Conforme o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 2001, p. 496), ofício é trabalho, ocupação, função, mister.

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O TRABALHO DE OFÍCIO NA MEMÓRIA COLETIVA DA CIDADE DE

CONQUISTA (1891 – 1930)

Célio Augusto de Oliveira

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)

Edlene Santos Oliveira

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

O presente Artigo apresenta tópicos de um estudo sobre o trabalho de ofício como uma

estratégia de sobrevivência, na Cidade de Conquista,1 entre 1891 e 1930. A nossa análise

relaciona o oficio de alfaiate ao processo de educação não-escolar.

Quando pesquisamos os ofícios ocupados por homens e mulheres no sertão baiano,

nos reportamos às transformações estruturais e sociais ocorridas a partir do final do século

XIX e inicio do século XX, quando tínhamos uma população constituída, em sua maioria, por

ex-escravos e livres (homens brancos e mestiços que não passaram pela escravidão), que foi

assolada por inúmeras dificuldades e teve que sobreviver a partir do que “sabia fazer”, ou

seja, trabalhar usando os saberes aprendidos com a tradição familiar ou comunitária, visto que

o acesso à educação escolar era um privilégio, atrelado à situação econômica e social.

Continuando nas profissões de seus pais ou avós e, muitas vezes, reinventando ou

criando meios próprios para inserção no mundo do trabalho, a criatividade foi, para muitos,

uma estratégia para sobreviver. Ofícios como ferreiro, seleiro, alfaiates, quitandeiras,

pedreiros e carpinteiros, em meio às ocupações domésticas e de pequenos comerciantes nas

feiras livres, perpassaram a história e continuam sendo uma realidade no presente.

O trabalho de ofício é aquele exercido por profissionais (também chamados de

artistas) que se especializaram num tipo de atividade, profissão, emprego e meio de vida.2

Para E. P. Thompson (1987), esse é o trabalho manual e artesanal do artífice. Historicamente,

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

(UESB). Bolsista da Fundação de Ampara à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB).

Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

1 Quando falamos em “Cidade de Conquista”, nos referimos ao nome oficial do atual município de Vitória da Conquista, entre 1891 e 1945.

Município situado no sertão baiano, localizado na Região Centro Sul do Estado. Depois da emancipação política, a então Imperial Vila da

Vitória passou a se chamar Conquista, até 1945, quando foi chamada de Vitória da Conquista (SOUSA, 2001).

2 Conforme o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 2001, p. 496), ofício é trabalho, ocupação, função, mister.

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ele se caracteriza pelo domínio da técnica, da utilização e, por vezes, da confecção das

ferramentas apropriadas para cada ofício, somados à habilidade pessoal do artista, fatores que

constituem o diferencial do profissional e do produto confeccionado, a exemplo da confecção

de um terno ou do doce vendido pela quituteira. De acordo com esse autor, o trabalho de

ofício, enquanto categoria se caracteriza pela sua formação processual, ou seja, nele, o

trabalhador é o sujeito da sua própria formação e organização.

Devemos mirar a trajetória desses trabalhadores no interior das suas próprias

conjunturas históricas e sociais, com suas variações. Nesse sentido, ela deve ser entendida na

relação sinuosa de fluxos e refluxos do processo de construção de identidades coletivas, que

nada têm a ver com causalidades teleológicas (THOMPSON, 1987). Primamos pela

abordagem qualitativa para a construção do estudo, e a micro-história se insere em tal

perspectiva de análise, com possibilidades e limites que podem proporcionar a reconstrução

de ações sociais individuais e grupais. Nesse sentido, os testemunhos – orais, escritos ou

iconográficos – do passado são vestígios reveladores que funcionam como um depoimento a

favor de sua existência. Esse é o suporte que o historiador precisa para uma interpretação dos

dados que podem comprovar a ocorrência real do que descreve.

Contamos com a micro-história3 para nos revelar parte da dinâmica da história social

da Cidade de Conquista, relacionada aos trabalhos de oficio, porque este método cria

condições para que, a partir do nível empírico do próprio universo de análise, seja realizado

um processo de generalizações analítico teórico, que permite reflexões sobre uma

problemática mais ampla que o próprio objeto.

Segundo Jacque Revel (1998) é possível traçar uma definição da micro-história e de

sua peculiaridade de abordagem, pois ela se apresenta no procedimento de mudança da escala

de análise. Ela se diferencia da usual abordagem adotada em diversas pesquisas das ciências

sociais, que trabalham a partir de estudos monográficos, inscritos em uma unidade delimitada

e concreta. Esta perspectiva monográfica de análise, concebida como um quadro prático ou

um espaço no qual se deve fornecer dados e provas, não considera tal procedimento de escala

3 A idéia de micro-história que defendemos se baseia na sua versão “francesa”, a partir do historiador Jacques Revel, que faz uma distinção

entre duas vertentes da micro-história: a primeira, a “americana”, proposta por Carlo Ginzburg e essencialmente baseada na idéia de

“paradigma indiciário”; e, a segunda, a versão “francesa”, que entende a micro-história como uma investigação acerca da história social e

sobre a construção dos seus objetos. REVEL, Jacques (Org.) Jogos de Escala: a experiência da micro análise. Rio de Janeiro. FGV, 1998.

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de observação como um problema central, mas se preocupa prioritariamente em mostrar a

representatividade de cada amostra.

A mudança de escala de observação, por parte dos micro-historiadores, escapa dos

modelos interpretativos rígidos e pode também ser operada pela História Oral, na qual a

entrevista é um instrumento que confere legitimidade aos documentos da pesquisa. Por esse

motivo, foi importante inseri-la na nossa análise, pois, por meio das entrevistas com os

trabalhadores de ofício pudemos entender como eles viveram as experiências trazidas pela

memória.

A reflexão thompsiana e as categorias da micro-história nos ajudam a refletir sobre a

arte dos ofícios na virada do século XIX para o século XX. Assim, nos perguntamos: o que

guarda a Memória Coletiva da Cidade de Conquista, sobre o trabalho de ofício, como uma

prática educativa e uma estratégia de sobrevivência, entre 1891 e 1930?

A fim de conhecermos o nosso objeto, além da pesquisa bibliográfica, recorreremos às

fontes primárias que, para fins didáticos, dividimos em dois grupos: a) jornais do acervo

particular do Professor Ruy Herman de Araújo Medeiros; b) fontes orais, entre as quais estão

os relatos de memória de pessoas com idade a partir de 70 anos, que ainda sobrevivem do

trabalho de ofício e que viveram a infância, a adolescência e a juventude na Cidade de

Conquista. Tratamos o material coletado como uma “memória coletiva”.

Ao pensar o conceito de memória, Maurice Halbwachs (2006) elaborou uma

“sociologia da memória coletiva”, cujo ponto central é a afirmação de que a memória

individual existe sempre a partir de uma memória coletiva, posto que todas as lembranças são

constituídas no interior de um grupo. A origem de várias idéias, reflexões e sentimentos, que

atribuímos a nós, são, na verdade, inspiradas pelo grupo. O que temos acerca da memória,

segundo Halbwachs, é uma inteligência que ele chamou de “intuição sensível”, ou seja, existe

na base de toda lembrança um estado de consciência puramente individual, mas, que inclui

elementos do pensamento social ou coletivo.

As lembranças podem ser simuladas e, a partir das vivências em grupo, podem criar

representações do passado assentadas na percepção de outras pessoas, no que imaginamos ter

acontecido ou na internalização de representações de uma memória histórica. A lembrança “é

uma imagem engajada em outras imagens” (HALBWACHS, 2006, p. 73).

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Nessa perspectiva, tratamos aqui de aspectos referentes ao caráter social e coletivo da

memória, considerando que as recordações de um indivíduo nunca são só suas e que nenhuma

lembrança pode existir apartada da sociedade. Como explica Halbwachs (2006), as memórias

são construções dos grupos sociais, são eles que determinam o que é memorável e os lugares

onde as memórias serão preservadas.

A educação, geralmente associada ao exercício escolar e institucional, aqui é

entendida no seu aspecto assistemático, não escolar, como parte do exercício laboral.

Defendemos que algumas práticas sociais são tão educativas quanto a relação que se

estabelece entre professor e aluno, no ambiente escolar. Como exemplo, temos as práticas do

trabalho de oficio, que estão imersas em ensinamentos, lições, exercícios, métodos e regras,

elementos pedagógicos comuns no processo formal de ensino-aprendizagem.

Nas entrevistas que realizamos,4 os trabalhadores de oficio, bem como os seus

descendentes, contam como e com o quê eles, seus pais e seus avôs trabalhavam, e

relembram, principalmente, como aprenderam o oficio. Ainda, eles tratam das dificuldades do

período ao qual eles se referem como “os primeiros tempos”.

Na reflexão que se segue, nos limitaremos aos relatos de memória de Antônio Almeida

Santos,5 de 87 anos de idade, que, ao relembrar do seu “tempo de criança”, fala do trabalho

exercido pelo seu pai e do processo de aprendizagem de um oficio, iniciado na infância:

Eu nasci em 1927. O nome do meu pai era Geraldo Lima Odorico dos

Santos, e minha mãe Maria Clemência dos Santos. Quanto à profissão de

alfaiate, eu aprendi com meu pai. Já meu avô era policial. Naquela época,

meu pai tinha um ferro que funcionava com carvão que a gente usava para

engomar o tecido. A gente acendia o carvão com querosene e usava um fole

para soprar as brasas. Quando o ferro esquentava, a gente usava um pedaço

de tecido para limpar o ferro por baixo. Usava-se parafina para limpar.

Somente depois a gente começava a trabalhar. Quando se tratava de roupa de

lã ou de tropicalha, o trato com o ferro de passar era outro. Para limpar as

roupas, às vezes era levada a roupa para uma lavanderia para lavar à seco.

Eram tempos difíceis. Não existia luz elétrica. A gente passou por muitas

dificuldades. Em 1952, eu já estava aprendendo a fazer paletó com meu pai.

Naquela época, para tudo o que as pessoas faziam, usava-se paletó. Eu passei

muito tempo aprendendo com meu pai. Eu já sabia fazer calça, mas não

sabia fazer o corte do paletó. Daí meu pai me ensinou a fazer os traços, as

medidas, os comprimentos, a cintura, a largura, a altura de capa e tudo mais.

4 Entre março e junho de 2013 entrevistamos onze trabalhadores, que se ocupam dos ofícios que foram de seus pais: costureiras,

quitandeiras, barbeiros, sapateiros e alfaiates.

5 Entrevista concedida no dia 11/03/2013.

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Tive que aprender por onde se faz os cortes. Existe um desenho, um mapa,

que são os detalhes, os espaços por onde passam os fios. Cada corte e cada

costura têm uma finalidade que só a gente é que sabe como fazer. Nós

fazemos parte dos alfaiates bem antigos. Meu pai começou como discípulo.

Os mestres faziam os cortes e os discípulos as costuras. Dessa forma, os

discípulos iam aprendendo as dicas. Naquele tempo, os mestres vinham de

Salvador, Manuel Vitorino e Maracás. Foi assim que ele aprendeu o ofício.

Os alfaiates sabiam fazer a calça, o paletó e o colete, e as costureiras faziam

as camisas. Tanto as pessoas ricas, quanto as pessoas pobres, usavam terno.

Às vezes, as pessoas mais ricas usavam ternos que vinham de São Paulo, da

antiga loja que se chamava Ducal. Foi a partir daí que surgiram outras

fábricas de fazer ternos. Meu pai sempre dizia: “vai chegar um tempo que

vão confeccionar os ternos em grandes fábricas”. Assim foi o que aconteceu.

A maioria dos antigos alfaiates morreram e as coisas continuam mudando e

acabando com a profissão de alfaiate. Hoje, quase não tem pedidos de ternos.

Somente as pessoas mais antigas ainda pedem para fazer ternos. Na maior

parte do tempo, fazemos consertos em calças e ternos, bainhas em calças e

paletós.

Por volta 1932, aos seis anos de idade, o nosso “memorioso” crescia e era educado por

seu pai, no ofício de alfaiate. Em meio a carretéis, tesouras, agulhas e sobras de tecidos,

Antônio Almeida ia tecendo o seu futuro. Na escola, aprendeu as primeiras letras e os

primeiros números, mas, não avançou nos estudos. Na sociedade de Antônio, a visão social do

trabalho, herança medieval, qualificava toda a atividade produtiva como vergonhosa, pois,

creditava à educação livresca as prerrogativas de importância e dignidade, em detrimento do

trabalho que, para a elite, não era educativo.

Como vemos, nas oficinas domésticas e nas pequenas fábricas, as crianças nasciam e

cresciam em meio aos objetos, utensílios e materiais de trabalho dos pais. As tarefas mais

simples eram confiadas aos iniciantes, que aprendiam com a observação e a prática, até que

passassem a dominar todas as etapas da produção, geralmente, na juventude e na idade adulta.

Nessas fases, a fim de especializarem-se, alguns buscavam a educação escolar

profissionalizante.

Na Cidade de Conquista e na circunvizinhança, escolas ou cursos de iniciativas

particulares ofereciam formação profissional para os interessados nas diversas artes laborais.

A imprensa local fazia os chamados. Por exemplo, o Jornal Estado Novo, de 24 de dezembro

de 1939, trouxe o anuncio da Academia Conquistense de Costura, de Arlinda Sampaio

Gonçalves; e da Academia de Cortes e Costuras S. Terezinha, de Lindaura Prates de Araújo,

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em Itambé.6 Jornal O Combate, de 15 de abril de 1943, anunciou vagas na Escola de Corte, de

Maria de Carvalho Lira.7 O aprendizado de casa e da escola poderia ser melhorado no

trabalho. Muitas oficinas ofereciam vagas de emprego. O Jornal A Palavra (42), de 14 de

dezembro de 1917, anuncia que Rocha e Lima “precisavam de oficiais para oficina de

calçados e arreios”.

O sistema social de produção artesanal, desenvolvido nas oficinas domésticas e

voltado para um mercado restrito, tem origem nas cidades medievais e adentrou a sociedade

moderna, convivendo e adaptando-se ao mundo manufatural e pré-industrial (THOMPSON,

1987). Aos poucos, as oficinas artesanais foram incorporando pessoas que não pertenciam ao

mesmo grupo familiar ou de convívio domésticos, empregando a mão-de-obra assalariada, e

reconfigurando a sua hierarquia, composta, inicialmente, por mestres, oficiais, jornaleiros e

aprendizes.

O mestre era o artesão, a quem pertenciam todas as ferramentas e materiais de

trabalho, bem como o conhecimento completo da arte. Geralmente, os aprendizes, que

trabalhavam em troca do conhecimento, passavam a ser remunerados quando se tornavam

jornaleiros (remunerado por jornada de trabalho, pois não tinham vinculo empregatício) ou

oficiais (empregados remunerados). Os aprendizes e jornaleiros, desprovidos de tudo, eram

treinados enquanto trabalhavam, auxiliando o mestre nas suas atividades. Os oficiais, após o

exercício do seu aprendizado, por um período determinado, e sendo aprovados numa

avaliação, tornavam-se mestres (FRANCO Jr., 2001).

Na sua infância, Antonio conheceu muitos alfaiates e testemunhou o exercício de

vários ofícios na cidade e na região. Nas suas narrativas, ele se refere aos diversos ofícios que

eram ocupados por homens e mulheres do “Sertão da Conquista”, muitos dos quais eram

destaque nas propagandas veiculadas nos jornais que circulavam na época, fato que sugere

que tais atividades componham, de maneira significativa, a dinâmica econômica da região.

Os ofícios daqueles que trabalhavam com sapatos, arreios, chapéus, selas, cortes

masculinos, ocupavam as páginas das gazetas, que davam destaque ao nome do artista, o que,

ao que parece, era uma garantia de qualidade:

6 Jornal Estado Novo, de 24 de dezembro de 1939. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo Medeiros. Dados da pesquisa feita em abril

de 2013.

7 Jornal O Combate, de 15 de abril de 1943. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo Medeiros. Dados da pesquisa feita em abril de

2013.

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Figura 01: Propaganda da Sellaria Nezinho,

de Manuel José Fernandes. Fonte: Jornal A

Palavra, de 07 de dezembro de 1917. In.

Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo

Medeiros. Dados da pesquisa feita em abril

de 2013.

Figura 02: Propagada da Sapataria Imperial,

de Pereira & Filho. Fonte: Jornal A Palavra,

de 25 de janeiro de 1918. In. Acervo

particular de Ruy Hermann de Araújo

Medeiros. Dados da pesquisa feita em abril

de 2013.

Figura 03: Propaganda do Salão Bahiano, de

Antonio Octacilio. Fonte: Jornal A Palavra,

de 07 de setembro de 1917. In. Acervo

particular de Ruy Hermann de Araújo

Medeiros. Dados da pesquisa feita em abril

de 2013.

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Figura 04: Propagandas de Martinho José Pereira e Manuel Candido Silva, dois profissionais do mesmo ramo:

selas, arreios, cabrestos, entre outros. Fonte: Jornal A Palavra, de 25 de janeiro de 1918. In. Acervo particular de

Ruy Hermann de Araújo Medeiros. Dados da pesquisa feita em abril de 2013.

Figura 05: Propaganda da Chapelaria

Esperança, de Guilhermino José Pereira.

Fonte: Jornal A Palavra, de 21 de fevereiro

de 1920. In. Acervo particular de Ruy

Hermann de Araújo Medeiros. Dados da

pesquisa feita em abril de 2013.

Dentre os inúmeros alfaiates do município e das vilas circunvizinhas, os mais

noticiados em três importantes jornais da região (A Notícia, A Palavra, O Combate) eram:

Bellarmino José de Almeida; Octavio Moreira de Souza e Francisco de Assis Santos. O

primeiro tem propagandas veiculadas nos jornais desde 1917. Em 1920, a Alfaiataria Almeida

teve destaque numa matéria, pelos quatro anos de trabalhos prestados para aquela freguesia. O

segundo, proprietário da Alfaiataria Moreira, fundada em 1908, transfere o seu comercio de

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Jequié para Conquista em 1919. E, o terceiro, alerta, em fins de 1918, que no ano seguinte

(1919) mudar-se-ia para Jequié. Os jornais de 1921 anunciam o retorno a Alfaiataria de

Francisco de Assis Santos para Conquista.

Portanto, nos anos 1920, essas três Alfaiatarias pareciam disputar a preferência dos

fregueses através dos textos das suas propagandas:

Figura 06: Propaganda da Alfaiataria Almeida,

de Bellarmino José de Almeida. Fonte: Jornal

A Noticia, de 12 de março de 1920. In. Acervo

particular de Ruy Hermann de Araújo

Medeiros. Dados da pesquisa feita em abril de

2013.

Figura 07: Propaganda da Alfaiataria Moreira,

de Octavio Moreira de Souza. Fonte: Jornal A

Noticia, de 12 de março de 1920. In. Acervo

particular de Ruy Hermann de Araújo

Medeiros. Dados da pesquisa feita em abril de

2013.

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Figura 08: Propaganda da Alfaiataria

Santos, de Francisco de Assis

Santos.Fonte: no Jornal A Noticia, de 23

de julho de 1921. In. Acervo particular de

Ruy Hermann de Araújo Medeiros. Dados

da pesquisa feita em abril de 2013.

A partir de 1929, encontramos propagandas da Alfaiataria Progresso,8 de Demócrito

Farias; da Alfaiataria Moderna,9 de Claudemiro Rodrigues Silva; no Jornal O Combate. No

mesmo Jornal, em 1939, Claudemiro aparece em sociedade com Francisco Assis Santos, em

propaganda da Alfaiataria Conquista.10

E, em 1952, propagandas da Alfaiataria Brasil, de

Edvaldo Correia dos Santos.11

8 Jornal O Combate, de 28 de setembro de 1929. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo Medeiros. Dados da pesquisa feita em abril

de 2013.

9 Jornal O Combate, de 02 de novembro de 1929. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo Medeiros. Dados da pesquisa feita em abril

de 2013.

10 Jornal O Combate, de 24 de dezembro de 1939. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo Medeiros. Dados da pesquisa feita em abril

de 2013.

11 Jornal O Combate, de 01 de abril de 1952. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo Medeiros. Dados da pesquisa feita em abril de

2013.

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Em geral, as matérias desses jornais não tratam das desigualdades sociais e demais

contradições do sistema capitalista que se firmava. As mazelas sociais estavam silenciadas e

quaisquer dos conflitos sociais noticiados eram tratados como “desordem”, “baderna”,

“bagunça” ou adjetivos afins. Os textos jornalísticos estavam na defesa da ordem, das

aparências, dos comerciantes e profissionais bem sucedidos, dos interesses da elite.

As principais atividades econômicas na Cidade de Conquista, até 1840, segundo Sousa

(2001), foram a criação extensiva de gado, a produção de algodão, a agricultura de

subsistência; enquanto na região sudeste imperava a produção e exportação de café. Ivo

(2001) explica que o poderio econômico e político dos latifundiários desse período,

vinculados, ainda, aos membros da família de João Gonçalves da Costa, evidenciava a

hegemonia do setor oligárquico refletido em âmbito nacional. Essa condição traz consigo a

implantação do aparato burocrático-administrativo constituído pelas câmaras municipais e

demais instâncias em poder dessa elite local.

Durante a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, a Cidade

de Conquista se afirma como grande produtora agropecuária e importante posto de mediação

comercial.

Entre fins do século XIX e início do século XX, o município já se projeta

como um importante espaço de produção agropecuária e de intermediação

comercial, estabelecendo relações econômicas com a região cacaueira e o

Sertão da Ressaca. Nos fins da década de 1920, as relações mercantis com

outros centros são dinamizadas, via rodovia e ferrovia Jequié- Nazaré,

aproximando os fluxos humanos e econômicos do Recôncavo Baiano, logo,

da capital do Estado que chegavam pelo Porto. Esta relação de mercado

entre o sertão e o litoral dá início a um intenso trânsito entre os dois pontos

da Bahia (...) dinamizando sobremaneira a economia baiana em troca de

couro, da manteiga, do requeijão, do café e das frutas que enviava a Ilhéus,

Conquista recebia as novidades (FONTES, 2009, p. 3).

Devido à posição geográfica que liga Conquista a outras regiões do entorno, e a

construção de estradas, o município passou a ser um importante entreposto comercial,

sobretudo, com a construção da rodovia federal BR 116 (Rio-Bahia), em 1940,

proporcionando o crescimento populacional, vinculado à migração de pessoas e entrepostos

comerciais vindo de todas as regiões do Brasil, o que ocasionou melhorias econômicas e

sociais.

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Contudo, nesse contexto, a população sofria as mazelas causadas pelo mandonismo

político, que agia em detrimento do desenvolvimento social. Segundo a memória coletiva, na

primeira metade do século XX, o município não oferecia grandes comodidades aos seus

moradores, sobretudo, àqueles pertencentes às camadas mais pobres:

Quando eu cheguei aqui em 1956, Vitória da Conquista era um município

pequeno, a energia funcionava com um gerador e poucas casas tinham

condições para ter essa energia. Quando uma peça do gerador quebrava,

levava-se até oito dias para vir a peça. As ruas não eram calçadas. As casas

eram feitas de adobe. A feira era aqui na Praça da Bandeira e quando chovia,

a enxurrada descia ladeira abaixo, carregando abacaxi, melancia e tudo que

encontrava pela frente. A rede de esgoto deu muito trabalho para ser feita.

Não existia água encanada. Existiam as cisternas e muita gente tinha que

pegar água no Poço Escuro e muitas pessoas apanhava água para vender nas

casas e no comércio.12

Se pensarmos na educação escolar, veremos a escassez de escolas públicas em

Conquista, pois, em consonância com a política de abertura de escolas no Brasil, desde o

século XIX, predominou ali a proposta oficial que delineava a política educacional do país,

marcada por uma educação dualista e elitista, destinada, por um lado, à formação da classe

dominante, política e economicamente e, por outro, à constituição da classe trabalhadora

(NUNES, 2000).

O alfaiate Antônio Almeida testemunha, em primeira pessoa, as configurações do

cenário de Conquista neste período e, ao mesmo tempo, fala de acontecimentos que não

testemunhou diretamente, mas, que compõem seus “quadros de memória”. Como vemos, ele

consegue formar uma opinião com base nos testemunhos de sua família e do tecido social,

demonstrando o espírito de coletividade da memória. Segundo Halbwachs (2006, p. 29), “é

como se tivéssemos diante de muitos testemunhos”.

Com uma ou outra variação, quando perguntamos às pessoas próximas do convívio

familiar de Antônio, elas confirmariam o seu relato. Nesse sentido, a sua afirmação se

aproxima à de outros sujeitos que fazem ou fizeram parte do seu núcleo, da sua convivência,

com quem partilhou ou de quem ouviu as experiências de que agora se lembra.

12 Relatos de Antônio Almeida.

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Nossa impressão pode se basear não apenas na nossa lembrança, mas

também na de outros, nossa confiança na exatidão de nossa recordação será

maior, como se uma mesma experiência fosse recomeçada não apenas pela

mesma pessoa, mas por muitas (Idem, p. 29).

No mesmo sentido, “[...] o funcionamento da memória individual não é possível sem

esses instrumentos que são as palavras e as idéias, que o indivíduo não inventou, mas toma

emprestado de seu ambiente” (HALBWACHS, 2006, p. 72).

A atividade do trabalho de oficio em Conquista está relacionado, também, com a

história sociocultural, política e econômica do período que compreende o fim da escravidão e

a transição do sistema imperial para o regime político republicano, até o fim da chamada

“República Velha” em 1930. A passagem do século XIX para o século XX foi marcada por

conflitos que envolveram as relações políticas entre o poder local e suas relações com o

Estado nacional.

O centralismo imperial enfraquecia muito os poderes do presidente de Província que,

podendo ser substituído a qualquer momento, não tinha condições de construir bases de poder

no território provincial ao qual era, muitas vezes, alheiro. Além do mais, as dificuldades de

comunicação por correspondências, aliada às distâncias da capital entre as vilas e os arraiais e

mais ainda, as dificuldades dos caminhos e das estradas, impediam uma maior proximidade

entre o poder local e a capital da Província. Restava então ao governador preparar sua própria

eleição para deputado ou para o senado.

Contrariamente, no sistema republicano o governador era eleito pelo pleito partidário,

que se constituía, na maioria das vezes, como únicos nos estados. Em torno dele, as

oligarquias locais davam suporte, e os coronéis eram os principais representantes.13

Dessa

forma, os setores urbanos foram se fortalecendo, enquanto os setores rurais iam perdendo

força nos ditames da na economia e na política nacional.

Na Cidade de Conquista imperava o mandonismo local, também conhecido com o

conceito de coronelismo, um sistema político mantido pela complexa rede de relações que ia

desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromissos recíprocos (LEAL,

1980). Na confluência de um fato político (passagem do Império para a República) com uma

13 Os governos da Primeira República atrelaram-se à política da elite cafeeira e à oligarquia financeira, juntamente com os produtores

comerciais na tentativa de cumprir às expectativas propagadas pelo forte sentimento nacionalista em forma de identidade cultural. Ver.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1994.

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nova conjuntura econômica (sistema escravista mercantil para sistema pré-capitalista e pré-

industrial com assalariamento), ocorreu a mudança no cenário do mundo rural para o mundo

urbano.

Conquista, entre 1891 e 1930, seguia lentamente um processo de modernização,

demonstrando que a cidade começava a acompanhar a tendência que se consolidava no

cenário nacional. Em paralelo ao crescimento urbano, crescia também as disparidades sociais.

Viam-se casas oponentes e muitos casebres; em meio aos ternos e vestidos, vagavam os

pedintes; e, entre fazendeiros e comerciante, estavam os biscateiros, os feirantes, as

quitandeiras, os pedreiros e carpinteiros, os seleiros, os barbeiros, os alfaiates, os sapateiros,

os ferreiros, as costureiras, entre outros, diversos homens e mulheres, ocupando-se desses

ofícios na luta pela sobrevivência. Atualmente, muitas pessoas ainda sobrevivem dessas artes

(ofícios) herdadas de seus pais, avós e bisavós.

Com a expansão das cidades, sobretudo das capitais, a concentração de fábricas e

outros serviços tornou mais evidente essa transformação. Era então o fim da Primeira

República, que se estendeu de 1889 até 1930, interrompida com o início da Era Vargas. Essa

alteração conjuntural que afetou todos os estados e municípios do país, segundo Leal (1980),

provocou a decadência ou enfraquecimento do poder político dos fazendeiros e dos chefes

políticos locais.

Em meio às mudanças econômicas e sociais em curso no país, um suposto

“isolamento” foi denunciado pela imprensa local conquistense. No jornal A Vanguarda, do

dia 3 de junho de 1927, o artigo de Yolando Fonseca tecia críticas ao abandono em que se

encontrava o arraial chamado “Verruga”: “Pois sim. Necessário se torna que Verruga num

brado elogiável de revolta, grite poderosamente não muito tarde a sua emancipação, pois só

assim poderá melhorar, sorrindo e brilhando no Zenith de seu outeiro a esperança fagueira de

outros melhores dias”.

Essa mesma matéria se refere ao município, dizendo:

E a Conquista... a nossa pobre Conquista, – que ainda não soube aproveitar

do suor dos seus escravos, agora se reduzindo a expressão mais simples, para

seu consolo, tornou-se condenada a vegetar pobremente, a custa do resto de

suas pobres escravas! E as escravas terão a sua redenção.

O “abandono” dos arraiás e dos povoados despertava a população para a necessidade

de emancipação que, supostamente, traria do Estado mais investimentos para a sua

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infraestrutura e ajudaria no fortalecimento local e do seu entorno. Com a Cidade de Conquista

não foi diferente. Portanto, Conquista foi se constituindo entre o espírito conservador e a

necessidade de desenvolvimento.

O fim da escravidão, não significou o fim da exploração de parcelas significativas da

população conquistense. As estratégias de sobrevivência dos “desempregados” ex-escravos e

da maioria de mestiços e brancos, no início do século XX, foram as mais diversas. Eles

tornaram-se desde pedintes, carregadores de pedras ou de água da mina do Poço Escuro; até

trabalhadores de ofício.

As casas mais antigas, com fachadas e placas, os instrumentos de trabalho, os objetos,

as indumentárias e os utensílios usados no trabalho, são os testemunhos materiais dos relatos

orais coletados. As memórias dos trabalhadores de ofício são os testemunhos de um passado-

presente, a demonstração de que a lembrança sobrevive nos lugares e exerce uma função

social.

Pensamos o estudo da memória como fenômeno social, de acordo com Ecléia Bosi

(2001, p.55), para quem “lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com

imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho”.

Para Bosi (2001), a memória como função social evoca a inteligência capaz de determinar

reflexões.

De fato, a memória trazida no presente de Antônio Almeida vem carregada de

reflexões e comparações. Como testemunha ocular de alguns episódios ocorridos em

Conquista, e tendo absorvido a história vivida por outros sujeitos da coletividade, a memória

de Antônio cumpre a função social em muitos aspectos. Na sua memória, vemos a menção de

alguns fatos que, quando lembrados, estão imbricados com juízos de valores, comparações,

críticas e reflexões que estão assentadas no presente e, muitas vezes, amparadas às condições

de pensamento da atualidade. As transformações que, atualmente, Antônio vê acontecendo,

faz com que ele atualize a sua memória a partir de si mesmo, como sujeito aberto para os

novos acontecimentos, sem perder a sua identidade de trabalhador de ofício:

Quando comecei aqui em Conquista, havia muitos alfaiates. Existiram, pelo

menos, 60 alfaiatarias. Hoje só existem alguns alfaiates vivos. Quase

ninguém se interessa mais pela profissão. Além da profissão de alfaiate,

havia também muitas profissões como a de sapateiro, de carpinteiro e de

barbeiro. Ferreiro, existiam apenas uns quatro por aqui. Eu nasci na

profissão, meu pai me criou nessa profissão. É uma vida sofrida, mas a gente

já se acostumou.

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Quando os entrevistados, a exemplo de Antônio, tratam de acontecimentos familiares,

como as dificuldades enfrentadas antes de se ocuparem de algum ofício, o fato de não ter

testemunhado os acontecimentos não impede que deles façam parte, afinal, essas histórias

compuseram as suas vidas através dos anos no convívio social. O mesmo acontece quando

lemos as histórias ou ouvimos fatos históricos que não conhecemos como uma testemunha

ocular. Podem ser “nomes próprios, datas, fórmulas que resumem uma longa seqüência de

detalhes, às vezes uma historinha ou uma citação” (HALBWACHS, 2006, p. 73).

Halbwachs afirma que a memória é pautada na continuidade e deve ser vista no plural

(memórias coletivas), porque a memória de um indivíduo ou de um país está na base da

formulação de uma identidade, diz ainda que a continuidade da lembrança é vista como

característica marcante. A História, por sua vez, é o lugar onde registramos por palavras,

documentos e objetos as nossas permanências, podendo ser intencional ou não. Mas, também,

podem ser as histórias contadas, guardadas na memória, tornando-se um celeiro inesgotável

de possibilidades.

Certamente, quando os trabalhadores de oficio entrevistados falam do passado e das

profissões de seus parentes, eles se enquadram nas representações que se referem aos fatos

que foram ou não vivenciados por eles, mas, que fizeram parte das suas histórias pessoais,

porque não existe lembrança estática, a multiplicidade está conectada ao rearranjo permanente

das emoções grupais, retirando do passado aquilo que ele tem na história; seu status

ontológico.

Ao pensarmos nas histórias dos ofícios, como aquelas que foram relatadas por

Antônio, percebemos como a vida está marcada por cenas, constituídas por palavras e gestos

designados pela memória. A importância dessas manifestações está numa dimensão que nós,

como ouvintes ou historiadores, não somos capazes de medir. A profundidade das emoções

presentes na pausa da fala, nas risadas ao contar um “causo”, na lembrança retraída no “não

dito”, é um componente da memória.

Neste cenário, apresentado em jornais e relatos orais, estão muitas pessoas anônimas

que merecem a atenção do olhar historiográfico, preocupado com a reconstituição da

memória, pois, por detrás de tantos ofícios (lembrados, esquecidos ou não observados) se

acomodam questões relevantes, como: os aspectos da educação informal, voltada para o

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mundo do trabalho; o objetivo de garantir uma educação diferenciada para os filhos das

famílias abastadas e para os filhos das famílias materialmente desfavorecidas; as

manifestações do pensamento social que contrapõe trabalho e educação; e, os sujeitos que,

com trabalho e criatividade, participaram da construção do município.

REFERÊNCIAS:

BOSE, Ecléia, Memória e sociedade. Lembranças dos velhos. Companhia das Letras, 2001.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1994.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio: o minidicionário da língua

portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

FONTES, José Raimundo. O novo Ciclo de Desenvolvimento de Vitória da Conquista. In.

SANTOS, Alexandre de Jesus e ALMEIDA, José Rubens Mascarenhas. Do Arraial a

Conquista: ruptura e continuidade na trajetória modernizante da Vitória da Conquista -

BA[online].Disponível em:<http://www.conquistadetodos.com.br/index.asp?site=artigos>.

Acesso: 30 de Março de 2009.

FRANCO Jr., Hilário. A Idade Média: Nascimento do Ocidente, 2ed. São Paulo:

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HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.

IVO, Isnara Pereira. Poder local e eleição na Imperial Vila da Vitória durante o século

XIX. Politéia: história e sociedade, Vitória da Conquista, v. 1, n. 1, p. 201-223, 2001.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. Rio de Janeiro, Forense, 1980

NUNES, Clarice. O “velho” e “bom” ensino secundário: Momentos Decisivos. In. Revista

Brasileira de Educação. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. São

Paulo: Autores Associados. nº4. mai/ago, p. 35-60, 2000.

REVEL, Jacques (Org.). Jogos de Escala: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro.

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SOUSA, Maria Aparecida Silva. A Conquista do Sertão da Ressaca: povoamento e posse

da terra no interior da Bahia. Vitória da Conquista: UESB, 2001.

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Terra, 2002, v. 2.

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Fontes impressas:

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Medeiros.

Jornal A Palavra, 14 de dezembro de 1917. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo

Medeiros.

Jornal A Palavra, 07 de setembro de 1917. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo

Medeiros.

Jornal A Palavra, 07 de dezembro de 1917. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo

Medeiros.

Jornal A Palavra, 25 de janeiro de 1918. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo

Medeiros.

Jornal A Vanguada, 3 de junho de 1927. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo

Medeiros.

Jornal Estado Novo, 24 de dezembro de 1939. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo

Medeiros.

Jornal O Combate, 28 de setembro de 1929. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo

Medeiros.

Jornal O Combate, 02 de novembro de 1929. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo

Medeiros.

Jornal O Combate, 24 de dezembro de 1939. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo

Medeiros.

Jornal O Combate, 15 de abril de 1943. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo

Medeiros.

Jornal O Combate, 01 de abril de 1952. Acervo particular de Ruy Hermann de Araújo

Medeiros.

Fonte Oral:

Relatos de Antônio Almeida. Entrevista em 11 de Março de 2013.