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UNISAL Cláudia Ângela Grota O TELEFONE SEM FIO DA EDUCAÇÃO. Um questionamento sobre a formação contínua dos educadores de um município no interior de São Paulo. Americana 2012

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UNISAL

Cláudia Ângela Grota

O TELEFONE SEM FIO DA EDUCAÇÃO.

Um questionamento sobre a formação contínua dos

educadores de um município no interior de São Paulo.

Americana

2012

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Cláudia Ângela Grota

O TELEFONE SEM FIO DA EDUCAÇÃO.

Um questionamento sobre a formação contínua dos

educadores de um município do estado de São Paulo.

Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação à Comissão Julgadora do Centro Universitário Salesiano. Orientador: Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa

Americana

2012

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Grota, Cláudia Angela

G924t O telefone sem fio da educação: um questionamento sobre a formação contínua dos educadores de um município no interior de São Paulo / Cláudia Angela Grota. – Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2012.

113 f. Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – SP. Orientador: Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa. Inclui bibliografia. 1. Educação Contínua. 2. Formação de Educadores.

3. Autoria de Pensamento. 4. Subjetividade. – Brasil. I. Título.

CDD – 370.71

Catalogação elaborada por Maria Elisa Pickler Nicolino – CRB-8/8292 Bibliotecária Chefe do UNISAL – Unidade de Ensino de Americana.

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Autor: Cláudia Ângela Grota

Título: O telefone sem fio da educação - Um questionamento sobre a formação

contínua dos educadores de um município do estado de São Paulo.

Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de mestre ao Programa de Mestrado em Educação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa.

Dissertação de Mestrado defendida e aprovada em 29/06/2012, pela Comissão

Julgadora:

Membro Externo: Profa. Dra. Claudia Regina Alves Prado Fortuna

Membro Interno: Profa. Dra. Norma Silvia Trindade de Lima

Orientador: Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa

Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

Americana/ SP

2012

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Dedico ao meu encantador companheiro, que com sua nobreza permite-me o

deleite que os estudos proporcionam.

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Agradeço especialmente aos meus queridões, Gigante e Cuti, pela

compreensão nas horas de minha ausência. À minha ilustre matriarca, Dona Rosa,

pelo exemplo de sabedoria. À minha inigualável irmã, Andréa, pelo estímulo sempre

presente em forma de colaboração.

Agradeço a todos os amigos, que das mais variadas formas participaram

desta jornada.

Agradeço também, meu “Mestre”, Professor Severino, pelo brilho no olhar

ofertado em cada orientação.

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RESUMO

O eixo principal deste estudo é a investigação sobre o movimento de formação

contínua dos educadores das séries iniciais do ensino fundamental da rede de

educação de um município no interior do estado de São Paulo. A investigação

objetiva elaborar algumas reflexões sobre o tema e intenciona trazer ao diálogo a

problemática vivenciada na educação atual com relação à continuidade da formação

do docente em ofício, sendo impulsionado pela atuação da pesquisadora durante

doze anos como educadora nesta rede de ensino. Em cada formação contínua,

novos e antigos questionamentos latejavam: quais seriam as intenções dos

responsáveis pela educação naquele momento tão precioso, tão raro, em que se

dispensam alunos e se convocam todos os educadores? As formações contínuas

são momentos de desenvolvimento da autoria de pensamento e autonomia

profissional ou de massificação do sujeito educador? Ao educador como ser

pensante, que prazer pela educação está se preservando? Em que se transforma a

utopia da chegada à educação pública? Em realização, decepção ou acomodação?

Com as contribuições de pensadores contemporâneos, dentre os quais Nóvoa,

Kramer e Fernández e Guattari, e a escuta feita na pesquisa de campo e em textos

reflexivos sobre a formação contínua dos educadores, buscamos uma reflexão e

uma compreensão para que se possa pensar a formação contínua como uma

possibilidade de intervenção pedagógica e reflexiva, que fomente a ressignificação

da atuação docente para além de meras aparências.

Palavras-chave: educação contínua, formação de educadores, autoria de

pensamento, subjetividade.

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ABSTRACT

The main axis of this research is the investigation on the movement of

teacher´s continuous graduation. Such teachers deal with elementary school’s initial

grades within the whole education network of a municipality in the state of São Paulo.

The research aims to develop some thoughts on the subject and intends to bring to

the dialogue the problems experienced in the current educational environment

regarding the continuous graduation of teachers at work, being driven by the my

actions as a researcher, while an educator at this school system during twelve

years.In each continuous graduation meeting, new and old questions came along:

which would be the intentions of those responsible for education at such a precious

and rare moment in which classes were suspended and all educators are summoned

to that meeting? Are the continuous graduation meetings moments of thought

development and professional independence or an attempt to establish a standard

behavior to educators? Can the educator, as a thinking being, keep the pleasure of

educating? Which expectations would educators meet at the end of a continuous

graduation? Pleasure, disappointment or accommodation? With the contributions of

contemporary thinkers, among them Nóvoa, Kramer, Fernandez and Guattari, and

the listening done in the field research and in texts related to the subject, an

understanding was sought in a way we can think on continuous graduation as an

opportunity for educational intervention and critical thought, enhancing the

redefinition of teacher performance beyond appearances.

Keywords: continuous education, teacher graduation, development of thought,

subjectivity.

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SUMÁRIO

Introdução ....................................................................................................... 8

1. Quem está falando e o que está falando? - Conversando sobre a

aprendizagem e a formação contínua de educadores............................ 12

1.1 Os modelos de formação, com Demailly ........................................... 15

1.2 Quem ouve também quer falar – A questão da subjetividade dos

educadores, com Guattari .................................................................. 19

1.3 Falando consigo - O valor do autoconhecimento na formação

contínua, com Larrosa........................................................................ 27

1.4 Fazendo ligações entre o sujeito aprendente e ensinante, com

Fernández ......................................................................................... 30

2. A voz que chega e a voz que não chega: da intenção de formação

contínua à eficácia da ação formativa ..................................................... 35

2.1 O que há com esta ligação? Em teoria, com Nóvoa e Kramer .......... 38

2.2 Chamando a autoria dos educadores na formação contínua .............. 43

3. A hora da escuta no diálogo com os educadores ...................................... 48

3.1 Significados de uma linha ocupada: uma análise da pesquisa ......... 53

3.2 Viva voz: para que se ouça a voz dos educadores ............................. 61

Considerações finais: não se entende ou não se atende a ligação ? ........... 71

Anexos ............................................................................................................ 76

Referências bibliográficas ............................................................................... 94

Apêndice - Apresentação digital.................................................................... 97

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INTRODUÇÃO

O estudo em questão tem como foco principal a investigação do movimento

de formação contínua dos educadores das séries iniciais do ensino fundamental da

rede de educação de um município no interior do estado de São Paulo. O eixo

principal deste estudo sobre a formação contínua objetiva elaborar algumas

reflexões sobre o tema e intenciona trazer ao diálogo a problemática vivenciada na

educação atual deste município com relação à continuidade da formação do docente

em ofício.

Acreditando na intenção de uma formação contínua aos educadores visando

o aperfeiçoamento profissional e a colheita cada vez melhor de resultados

educacionais, o que há com a ligação entre o educador e seu formador? Em que

momento percebe-se essa ligação? A voz desejante do educador surge na indicação

de temas para palestras ou cursos? São momentos oportunizantes de reflexões

sobre a prática educativa e geradores de sentidos?

O impulso para os estudos sobre “Educação contínua” curiosamente surge

aos poucos, a cada nova formação ocorrida, na experiência de doze anos como

educadora da rede municipal de educação. Em cada palestra, oficina ou curso

vivenciado, novos e antigos questionamentos latejavam. Quais seriam as intenções

dos responsáveis pela educação naquele momento tão precioso, tão raro, em que

se dispensam alunos e se convocam todos os educadores?

Nem sempre é contemplada a construção do ser educador em momentos de

formação contínua oferecidos pelas redes de ensino, estando escrito o epitáfio da

paixão pela carreira docente ao educador que perdeu o desejo deste movimento de

enriquecimento pessoal e profissional, pois comumente observa-se o empenho do

próprio educador, criando condições para o saber e o saber fazer educativo, a busca

de conhecimentos e saberes que conduzam à autoria de pensamento e à autonomia

profissional.

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As formações contínuas são momentos de desenvolvimento da autoria de

pensamento e autonomia profissional ou de massificação do sujeito educador? Ao

educador como ser pensante, que prazer pela educação está se preservando? Em

que se transforma a utopia da chegada na educação pública? Em realização,

decepção ou acomodação?

O eixo principal deste estudo é a investigação sobre o movimento de

formação contínua dos educadores das séries iniciais do ensino fundamental da

rede de educação de um município no interior do estado de São Paulo.

O embasamento teórico se dá a partir de diálogos com pensadores

contemporâneos, de diferentes pertencimentos teóricos, pontuando semelhanças,

sem desconsiderar sua diversidade, dentre os quais António Nóvoa, Sonia Kramer,

Alícia Fernández e Félix Guattari, sobre a formação contínua de educadores.

Paralelamente aos estudos, as vivências e investigações e pesquisa de campo

ocorreram com educadores da referida rede de educação.

A reflexão teórica está apresentada em dois capítulos. Inicialmente são

trazidas à luz teorias sobre os modelos de formação por Demailly oferecidas aos

educadores; a subjetividade do educador e sua importância para a educação, por

Guattari; o valor do autoconhecimento na formação contínua, de acordo com

Larrosa; e as facetas do sujeito aprendente, por Fernández, constituindo o primeiro

capítulo - Quem está falando e o que está falando? - Conversando sobre a

aprendizagem e a formação contínua de educadores.

Dando continuidade às reflexões teóricas e fazendo ligações com a prática, o

segundo capítulo – A voz que chega e a voz que não chega: da intenção de

formação contínua à eficácia da ação formativa, apresenta reflexões sobre as

formações contínuas, por Nóvoa e Kramer, e as formações contínuas observadas e

vivenciadas pela pesquisadora ao longo de doze anos como educadora da rede de

educação de um município no interior do estado de São Paulo.

No terceiro capítulo, é apresentada a pesquisa de campo, uma observação

participante, dando ouvidos aos educadores através de diálogos realizados em

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momentos da formação contínua, questionários e a textos reflexivos em forma de

narrativas sobre a formação contínua e a atuação docente dos educadores da

referida rede de ensino, produzidos para que possamos pensar a formação contínua

como uma possibilidade de intervenção pedagógica e reflexiva, que fomente a

ressignificação da atuação docente para além de meras aparências.

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Cada sociedade, cada comunidade, deve encontrar sua própria solução,

que seja compatível com sua situação histórica. O que quer que ensinemos deve ser ministrado a partir de um foco

central de interesse, de um conhecimento pessoal de causa.

(Herbert Read)

O pensamento não se apropria de nada – é um trabalho de reflexão que se esforça para elevar uma experiência (não importa qual seja) à sua inteligibilidade, acolhendo a experiência como indeterminada,

como não-saber (e não como ignorância) que pede para ser determinado e pensado, isto é, compreendido.

Para que o trabalho do pensamento se realize é preciso que a experiência fale de si para poder voltar-se sobre si e compreender-se.

(Magda Soares)

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Capítulo 1 - Quem está falando e o que está falando? - Conversando

sobre a aprendizagem e a formação contínua de educadores

Discutiremos neste capítulo o processo de formação contínua, fazendo

referência às formas de socialização do conhecimento que comportam uma função

consciente de elaboração, construção e criação de saberes.

Entretanto, estes processos de socialização serão analisados como uma

ocorrência que se dá em razão da formação contínua oferecida atualmente na rede

de educação de um município no interior do estado de São Paulo.

Encontrando-se necessária a visão de educação a que se deseja atentar,

apresento as contribuições de Jean Piaget, às quais o texto fará referência:

O objetivo da educação intelectual não é saber repetir ou conservar

verdades acabadas, pois uma verdade que é reproduzida não passa

de uma semiverdade: é aprender por si próprio a conquista do

verdadeiro, correndo o risco de despender tempo nisso e de passar

por todos os rodeios que uma atividade real pressupõe. (1976, p.69)

Do mesmo modo, apresento o conceito primordial sobre formação contínua

discorrido por Fávero, ao qual serão feitas as reflexões ao longo dos capítulos:

Muito embora tenha se tornado um baluarte sobre a formação de

professores, a expressão “formação continuada” carrega um

significado ainda pouco problematizado. A palavra “formação” faz

referência ao “ato ou efeito de formar”, “maneira pela qual se constitui

uma mentalidade, um caráter”; “formar” corresponde a “instruir,

educar, dar a forma natural”; “forma”, por sua vez, se aproxima de

“configuração, feitio, feição exterior, modo particular de ser, modelo,

estado, maneira”. Assim “formação” diz respeito ao processo pelo

qual, mediante educação e instrução, se constitui a mentalidade e/ou

caráter de um sujeito com vistas a um modo e/ou maneira particular

de ser. A palavra “continuada” tem como sinônimos os termos e

expressões “não-interrompido”, seguido, prolongado, assíduo, que

não cessa”, que se referem a algo cuja construção é permanente.

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Formação continuada de professores, então, é o processo pelo qual

se busca dar continuidade à formação inicial da mentalidade e/ou do

caráter do profissional da educação. Ema acontece por meio da

inserção desse profissional no conjunto de conhecimentos que dizem

respeito ao seu campo de atuação e visa à construção permanente

do “ser professor”. (2010, p.56)

Da mesma forma e para melhor compreensão do tema em foco, analisaremos

as contribuições de Demailly (1997) quanto aos modelos que se oferecem de

formação contínua aos educadores e sua eficiência social.

Na colheita, proveniente das formações, em que são oferecidas informações

através de cursos, seminários, encontros pedagógicos, palestras e outros, parece

evidente a ineficácia do processo de reflexão da prática docente. Esse processo

tradicional de formação contínua, implantado há muitos anos e encontrado ainda

hoje, subestima o educador e o coloca no “lugar do morto”, como entendemos com

as palavras de Nóvoa:

Reforçaram-me na década de noventa uma série de processos de

exclusão de professores, no quadro de uma redefinição que tende a

modificar as funções sociais e os papéis profissionais que lhes

estavam tradicionalmente atribuídos. Parece-me útil explicar melhor

estes processos, pois eles constituirão uma referência obrigatória dos

debates sobre o futuro da profissão docente. Para tal, recorro à

imagem do bridge, em parte já utilizada por Jean Houssaye (Le

triangle pédagogique, 1988), na qual um dos parceiros ocupa o “lugar

do morto”, sendo obrigado a expor as suas cartas em cima da mesa:

nenhuma jogada pode ser feita sem atender às suas cartas, mas este

não pode interferir no desenrolar do jogo.

Imaginemos agora um triângulo no qual dois vértices criam

uma relação privilegiada, representando o terceiro vértice o “lugar do

morto”: está presente, tem de ser levado em consideração, mas a sua

voz não é essencial para fixar o desfecho dos acontecimentos.

(1999, p.7)

Analisamos nos textos de Kramer a visão social dada aos educadores e as

possibilidades infinitas de formação contínua baseadas nos indivíduos que são,

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chamando a atenção quanto à minimização do profissional professor e o encarando

como alguém que tem pouco a dar, mas que por outro lado tem muito a aprender,

perante os responsáveis pela educação.

Somos professores, mulheres, homens, mães, pais, filhos, guerreiros-

pela-sobrevivência; tantos papéis que por vezes nos arriscamos a

perder algo que temos de mais precioso: nossa humanidade. E

sabemos que não é nada fácil exercer essa humanidade num

contexto social que animaliza o homem, expropria bens materiais e

culturais, premia a corrupção e a falta de ética, exalta a impunidade,

dilacera as relações estabelecidas nas mais diversas dimensões da

vida de cada dia. Esse aspecto nenhuma política publica , nenhuma

proposta de formação de professores ou de mudança de cenário

educacional pode desconsiderar, sob pena de agravar a

desumanização crescente. (2007, p.11)

Participando da conversa sobre educação, Fernández nos apresenta a

aprendizagem como um vínculo envolvendo a inteligência e o desejo, dando

especial atenção aos processos de autoria e criatividade envolvidos:

A aprendizagem é um processo cuja matriz é vincular e lúdica e sua

raiz corporal; seu desdobramento criativo põe-se em jogo através da

articulação inteligência-desejo e do equilíbrio assimilação-

acomodação. No humano, a aprendizagem funciona como

equivalente funcional do instinto. Para dar conta das fraturas no

aprender, necessitamos atender aos processos (à dinâmica, ao

movimento, às tendências) e não aos resultados ou rendimentos.

(2008, p.48)

A insegurança referente a conhecimentos teóricos, conteúdos científicos e

práticas didáticas dos educadores é imensurável, ficando as formações contínuas

eternamente responsáveis pela atualização e aperfeiçoamento profissional na

educação. A estas formações que permeiam a carreira do educador deve-se dar real

importância uma vez que muitos educadores não retornam às universidades para

participarem de cursos de extensão universitária, pois além da jornada dupla de

docência, os cursos não são patrocinados pelas secretarias de educação dos

municípios. Aos educadores que possam se interessar pelo seu aperfeiçoamento

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profissional cabe programar-se em horários de descanso e custear os honorários

devidos.

1.1 Os modelos de formação, com Demailly.

Existem diferentes categorias interpretativas sobre a formação de

professores, de diversos referenciais teórico-metodológicos. Dentre elas

apresentaremos as enumerações feitas por Paim (2005) e Demailly (1997) na busca

de possibilidades de melhor interpretação e compreensão sobre nosso estudo.

Paim (2005) selecionou “alguns daqueles que considero os cânones

contemporâneos de formação de professores: racionalidade técnica, professor

reflexivo, professor intelectual transformador, professor pesquisador, professor

autônomo.”

Na perspectiva de formação do professor sob o cânone Racionalidade

Técnica, percebe-se a divisão entre produtores e consumidores de conhecimento,

em muitos casos, ocorre a mecanização do pensamento, a tentativa de negação do

mundo das experiências vividas e a redução da atuação do professor à técnica.

No processo de formação sob o cânone Professor Pesquisador, considera-se

a necessidade de compreender o próprio processo de construção e produção do

conhecimento escolar; entender as diferenças e semelhanças dos processos de

produção do saber científico e do saber escolar; conhecer as características da

cultura escolar; saber a história das ciências com que trabalham e em que pontos

elas se relacionam.

Considerando a necessidade de conhecer o processo de construção e

produção de conhecimento do saber científico e escolar, apresenta-se a formação

do professor sob o cânone Professor Pesquisador.

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Sob o cânone Professor Reflexivo, a formação vê a atuação do professor

como uma atividade mais prática e menos técnica. O professor deve elaborar

critérios racionais de compreensão e intervenção em situações complexas e

problemáticas do cotidiano escolar.

O professor formado sob o cânone Intelectual Transformador deve atuar

numa perspectiva de mudança e transformação da sociedade, para tanto deve ser

provido de formação teórica que o permita a análise do que vive e faz enquanto

sujeito político.

A Formação de professores sob o cânone Professor Autônomo reconhece o

professor como autor, entende a sala de aula como um espaço de produção e

autoria de conhecimento, não apenas de reprodução de conhecimentos, porém não

se pode perder a dimensão coletiva da atuação.

Buscando esclarecimentos sobre as formas que comumente ocorrem as

formações contínuas, suas fragilidades e suas possibilidades de sucesso também

nos apoiaremos nas análises de Demailly(1997).

Demailly (1997) nos apresenta quatro modelos de formação como modos de

socialização profissional de educadores, sendo: a forma universitária, a forma

escolar, a forma contratual, as quais serão analisadas e, com maior ênfase, a forma

interactiva-reflexiva, por sua melhor possibilidade de eficácia.

Segundo Demailly, quando um responsável administrativo pela educação

estipula a obrigatoriedade de participação dos educadores às formações contínuas,

de um modo geral pensada sob a forma escolar, ou seja, cujo programa, duração e

modalidades são previamente definidos. Essa ideia de formação é a transmissão de

um conjunto de saberes externamente definido.

Os professores (ou os formadores) têm de ensinar saberes que são

definidos exteriormente num programa oficial...

Os formadores não podem ser considerados como pessoalmente

responsáveis pelo programa que ensinam ou pelas posições que

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exprimem, pois ambos relevam de uma obrigação à qual, do mesmo

modo do que os seus alunos, estão sujeitos.

O referencial central da forma escolar é a escolaridade obrigatória,

isto é, uma relação institucional, que liga o que ensina, o que é

ensinado, o seu ambiente familiar e a legitimidade legal. (1997,

p.143)

Na forma contratual há uma negociação entre os envolvidos em relação ao

programa de educação pretendido, das modalidades materiais e pedagógicas da

aprendizagem, ou seja, a transmissão de saberes de natureza diversa, Demailly

define:

O modelo <formativo-contratual> como uma relação simbólica de tipo

contratual entre o formando e o formador e, eventualmente, com

outros parceiros. O contrato de formação é, com efeito, muitas vezes

um polígono: entre a estrutura de formação que emprega o formador

e a empresa cliente, entre a estrutura e uma instituição, entre o

formando e a organização que o emprega e o envia em formação

durante o seu horário de trabalho, etc. (1997, p.144)

Como modelo de formação, a forma universitária aparece com a finalidade

essencial de transmitir saberes e teorias construídas por mestres, em relação direta

com a investigação e não somente difusão de conhecimentos. Enfim, há a

valorização do caráter pessoal, das competências, do prestígio do formador.

Em prática, a formação de educadores do setor público tem se apresentado

através de palestras, oficinas e cursos que permitem o contato com pensamentos

novos e clássicos sobre educação. Estes momentos ocorrem periodicamente, porém

qual será a reflexão dos responsáveis pelo ensino em relação à formação contínua

do educador e sua práxis? Estarão enxergando a prática pedagógica e suas

pertinências ou somente repassando teorias? Estarão visualizando o educador como

indivíduo, com suas identidades, individualidades e necessidades educacionais

profissionais?

A forma interactiva-reflexiva, em que os educadores mobilizam apoios

técnicos para uma construção coletiva de saberes profissionais, abrangendo as

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iniciativas de formação ligadas à resolução de problemas da realidade cotidiana

escolar, com o apoio de formadores, através do saber, da ciência, da crítica e da

arte, esta forma permite gerar novas competências em atividades reflexivas sobre a

teoria e a prática, reconhecendo o educador como sujeito pertencente ao processo

pedagógico e não somente executante de projetos. Resumindo, Demailly nos diz

que:

A competência estimulada neste modelo é a capacidade de resolução

de problemas, isto é, um isto de saberes com estatutos muito

diversos, que são parcialmente produzidos e não transmitidos na

relação pedagógica que caracteriza a formação. Esta fabricação

colectiva de novos saberes (de saberes do ofício) durante a

formação, saberes que são postos em prática paralelamente ao

processo de formação, é a característica principal deste modelo.

(1997, p.145)

Entretanto, a formação contínua na referida rede municipal de educação tem

se apresentado por meio de palestras, raras oficinas pedagógicas e cursos pontuais

para implantação de materiais didáticos. Em sua maioria, as formações apresentam

características técnicas ou de motivação profissional, desconsiderando aspectos

relevantes para sua eficácia, tornando-se momentos estritamente informativos,

desconsiderando a importância da reflexão do educador quanto a sua prática, para

seu próprio processo de aprimoramento profissional.

Pensando coletivamente, Demailly considera que:

As formações mais eficazes são do tipo interactivo-reflexivo. Em

primeiro lugar, porque suscitam menos reflexos de resistência

perante a formação (num espaço de liberdade é possível a

explicitação da recusa do saber, do medo da mudança, do bloqueio

perante os discursos prescritivos) e permitem gozar o prazer da

fabricação autônoma das respostas aos problemas encontrados. Em

segundo lugar, porque abordam a prática de maneira global, não

encarando como mera aplicação de um somatório de saberes. Em

terceiro lugar, porque permitem inventar novos saberes profissionais,

o que é indispensável hoje em dia, uma vez que não há soluções pré-

elaboradas que respondam adequadamente à maior parte dos

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problemas educativos e didácticos com que os professores são

confrontados. (1997, p.157)

As formações contínuas, como processo que se dá coletivamente, como

prática que transcenda a mera transmissão de saberes e técnicas, sob a forma

interactiva-reflexiva configura-se como um espaço de construção de saber, permitem

a participação do educador tirando-o do “lugar do morto”, conforme Nóvoa(1999)

ilustra, sendo a posição do indivíduo impossibilitado de interferir no desenrolar da

situação, trazendo-o à reflexão de sua prática juntamente com as teorias que

possam permitir a verdadeira formação profissional contínua.

O processo de formação contínua configura-se no inacabado, na construção

permanente do educador, oportunizando a reflexão constante sobre sua prática e

aprimorando o modo de ser e agir em busca da constante formação do ser, pessoal

e profissionalmente.

1.2 Quem ouve também quer falar – A questão da subjetividade dos

educadores, com Guattari.

É imprescindível a atualização, a evolução, o aperfeiçoamento pedagógico, a

formação contínua dos educadores após a graduação, porém do modo como isso

tem sido oferecido, em vários casos, não se pode observar os benefícios objetivados

no seu planejamento, deixando de suprir as necessidades e curiosidades dos

educadores, subestimando a realidade enfrentada em salas de aula e ignorando a

identidade do profissional a que se pretende atingir.

Ao educador de hoje, qual prazer dinamizador do conhecimento lhe foi

oportunizado a respeito da continuidade de sua formação?

Os educadores públicos passam regularmente por palestras, oficinas e cursos

de atualizações pedagógicas, oportunizando-lhes o contato com clássicos e novos

pensamentos sobre educação. As oficinas e cursos são atualizações oferecidas a

todos os educadores para serem frequentados em horário inverso à docência,

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dificultando a participação da maioria dos educadores por terem uma jornada dupla

de trabalho. São momentos criados visando à formação contínua dos educadores,

porém quando são convocações e formações durante o período de trabalho,

atingindo a todos os educadores, acontecem em forma de grandes palestras, o que

segundo Guattari, pode ser um modo de subjetivação:

A subjetividade está em circulação nos conjuntos sociais de

diferentes tamanhos: ela é essencialmente social, e assumida e

vivida por indivíduos em suas existências particulares. O modo pelo

qual os indivíduos vivem essa subjetividade oscila entre dois

extremos: uma relação de alienação e opressão, na qual o indivíduo

se submete à subjetividade tal como a recebe, ou uma relação de

expressão e de criação, na qual o indivíduo se reapropria dos

componentes da subjetividade, produzindo um processo que eu

chamaria de singularização. (1993, p.33)

Da mesma maneira, a uniformidade e massificação de tratamento no que diz

respeito à construção da identidade e diferença do sujeito educador, se opõem ao

pensamento de Silva quando ressalta:

Além de serem interdependentes, identidade e diferença partilham

uma importante característica: elas são o resultado de atos de criação

linguística. Dizer que são o resultado de atos de criação significa

dizer que não são “elementos” da natureza, que não são essências,

que não são coisas que estejam simplesmente aí, a espera de serem

reveladas ou descobertas, respeitadas ou toleradas. A identidade e a

diferença têm que ser ativamente produzidas. Elas não são criaturas

do mundo natural ou de um mundo transcendental, mas do mundo

cultural e social. Somos nós que as fabricamos, no contexto de

relações culturais e sociais. A identidade e a diferença são criações

sociais e culturais. (2000, p.76)

Nesta perspectiva, qual a relação existente entre a oportunidade desta

formação profissional e as reais necessidades dos educadores? Houve o diálogo

com estes educadores, para que se organizassem oficinas coerentes com seus

desejos, suas incertezas, com suas diferenças?

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Podemos observar neste movimento em que os responsáveis pelo ensino,

considerando estar suprindo deficiências profissionais presentes nos educadores,

determinam o que deve ser informado nos encontros de formação, o que Guattari

considera uma:

...função da economia subjetiva capitalística, talvez a mais importante

de todas, é a infantilização. Pensam por nós, organizam por nós a

produção e a vida social.

A infantilização... consiste em que tudo o que se faz, se pensa ou se

possa vir a fazer ou pensar seja mediado pelo Estado. Qualquer tipo

de troca econômica, qualquer tipo de produção cultural ou social

tende a passar pela mediação do Estado. Essa relação de

dependência do Estado é um dos elementos essenciais da

subjetividade capitalística. (1993, p.41, 42)

Tratam a subjetividade do educador como “recipiente”. Guattari (1993) refere-

se à subjetividade como um terminal de ligação onde ocorrem ligações entre

comunicações, pois subjetivar não é interiorizar coisas essencialmente exteriores,

sem singularidade. Para ocorrer a subjetivação é necessário haver um significado ao

sujeito. Guattari considera a “produção da subjetividade como sendo a matéria-prima

da evolução das forças produtivas em suas formas mais desenvolvidas”, uma

espécie de vontade de potência produtiva capaz de revolucionar as mais variadas

áreas do conhecimento humano.

Com semelhanças e diferenças, mas de modo convergente com o discurso de

Guattari (1993), Antônio considera que:

O conhecimento não é extraído do meio exterior, não é uma

reprodução mecânica, nem uma réplica virtual. Também não é um

construto aleatório executado por um indivíduo dissociado das

relações intersubjetivas e objetivas, independente das relações

sociais e históricas, e das significações culturais. (2009, p. 113)

Nas palavras de Antônio (2009, p. 112), ”o sujeito é radicalmente singular e

irrepetível e, ao mesmo tempo, radicalmente histórico e social”. Naturalmente o

sujeito constrói sua existência através da autoria na aprendizagem e como Antônio

escreve:

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Nas relações de conhecimento e de educação, ele tem um papel

ativo, elabora e interpreta o conhecimento. Essa interpretação é feita

a partir dos seus olhos, de sua linguagem, de seu trabalho, de seus

desejos, de seus embates, de seu contexto de vida, de sua

historicidade. Não é neutra, nem amorfa. Não é determinista, nem

casual. (2009, p.112,113)

O frenesi da sociedade atual tem anulado as singularidades e devastado a

universalidade humana, está se perdendo o vivido, as origens, as histórias e o foco

nos objetivos comuns. Desse modo, Antônio comenta:

A perda da subjetividade, cada vez mais acentuada em nossos dias,

juntamente com a perda da universalidade, é uma das formas de

desfiguração da existência, da degradação da vida pessoal e coletiva.

Representa perda de conhecimento das coisas; perda de linguagem

própria e também de pensamento próprio; perda de diálogo e de

convivência; perda do gosto de interpretar e transformar a realidade.

(2009, p. 115,116)

Ao pensar em educar um educador, nem sempre se reflete sobre o prazer

que este movimento permitirá ao mesmo. Os desejos do educador também são

capazes de gerar prazer e consequentemente aprendizado. É preciso abrir espaço

para “o desejo legítimo de autocriação, próprio do espírito moderno”. (Hopenhayn:

2001, p.256)

A vontade de poder está no limite entre destino e caráter, é a própria geração

de sentidos de um indivíduo, dá lugar para se repensar positivamente o vínculo com

o outro e evidencia a própria incompletude. Segundo Hopenhayn:

Em sentido positivo, através desta diferença com o outro percebo-me

como potencialidade de diferenciação, posso retomar minha

existência como perspectiva-em-devir e não mais como totalidade

consagrada. A intensidade com que uma vontade pode se projetar

em suas perspectivas mantém, pois, uma correlação positiva com a

presença de outras vontades, as quais também concorrem para

projetar suas perspectivas. (2001, p.258)

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Tornamo-nos melhores pela educação, quando favorecemos o livre pensar e,

consequentemente, a consciência de estarmos num processo sempre inacabado de

construção pessoal. A formação contínua pode ser compreendida como momento

oportuno para o desenvolvimento e aprimoramento da prática docente, deve gerar

possibilidades de construção de sentidos para o professor, ser um momento de

desejo e satisfação a partir de seu cotidiano escolar e para seu cotidiano escolar;

porém, nas formações em forma de palestras, como observamos, há muitos anos,

na referida rede municipal de educação, temos construído um questionamento:

Em que momento houve a participação do professor? Na indicação do tema

ou do palestrante? Durante a palestra com exemplos baseados na prática docente?

Após o momento, denominado formação contínua, com discussões pertinentes

buscando a identificação e oportunizando reflexões formadoras e geradoras de

sentidos?

Percebemos uma falta de ligação entre o que o professor busca como

formação e o que é oportunizado para seu aprimoramento profissional. Não é

considerada relevante a subjetividade do educador nas ofertas de formação

contínua ou a possível mudança micropolítica ou macrossocial, a que os

responsáveis pela educação buscam, diz respeito também à questão da produção

da subjetividade do educador.

Na concepção de Guattari:

A subjetividade, através de chaves transversais, se instaura ao

mesmo tempo no mundo do meio ambiente, dos grandes

agenciamentos sociais e institucionais e, simetricamente, no seio das

paisagens e dos fantasmas que habitam as mais íntimas esferas do

indivíduo. A reconquista de um grau de autonomia criativa num

campo particular invoca outras reconquistas em outros campos.

(2001, p. 55)

A formação contínua é oferecida como forma de subjetivação, ou seja, a

capacidade de informar o que somos aos olhos dos outros, por meio do ponto de

vista dos responsáveis pela educação do município pesquisado, em relação aos

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desejos dos educadores, suas deficiências e sonhos. Não é fomentada a

participação dos educadores nesse processo de elaboração da formação contínua.

Os educadores participam da formação contínua em uma conduta de tolerância, não

questionam o que lhes é oferecido, produzindo a sensação de bem estar social a

todos os envolvidos.

Observa-se tal tolerância na apatia e desinteresse dos educadores durante as

palestras. Sem deixarem registradas participações e suas reflexões sobre o tema

abordado, se ausentam dos auditórios descrentes dos conhecimentos que lhes foi

ofertado durante o momento caracterizado por formação contínua.

Duschatzky e Skliar destacam que:

A tolerância pode materializar a morte de todo o diálogo e, portanto, a

morte do vínculo social sempre conflitivo. A tolerância, sem mais,

despoja os sujeitos da responsabilidade ética frente ao social e libera

o Estado da responsabilidade institucional de encarregar-se da

realização dos direitos sociais. O discurso da tolerância de mãos

dadas com as políticas públicas bem que poderia ser o discurso da

delegação das responsabilidades às disponibilidades das boas

vontades individuais ou locais. (2001, p.136)

Para substituir a tolerância por novos olhares, conforme nos explica

Hopenhayn (2001), é preciso haver o deslocamento de perspectivas e as propostas

de um cenário de transculturação, pois para tanto é necessário olhar-se com o olhar

do outro.

Nas palavras de Hopenhayn:

A relação entre vontades opõe à distinção sujeito-objeto um vínculo

construído por relações de contrastes e correspondências, sincronias

simpatias e também conflitos. Se a manipulação e o domínio do outro

pressupõem uma distancia objetivante, em que se configuram tais

relações de domínio, a vontade de poder, em troca, necessita de um

outro genuíno, que se afeta e que produz sentidos, para se pôr em

movimento. Que a vontade se defina como um querer-produtor-de-

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sentido, pressupõe inversamente um outro que lhe configura

sentidos.

Disto se deduz uma comunidade de vontades que se afetam; de

vontades que em seu processo de diferenciação geram

continuamente vínculos singularizantes entre si; de sujeitos que não

se restringem a ser semelhantes em direitos, mas que, além disso, se

conferem significações que os modificam. A vontade de poder

implica, em escala social, o poder de transfiguração de uns por

outros, colocados em metamorfose recíproca. (2001, p.259)

Por meio do reconhecimento da influência sobre o outro e pela produção de

sentidos que um vínculo proporciona, ocorre a reinterpretação do próprio vínculo

num sentido mais forte: como compenetração, permeabilidade e reconstrução

diferencial de identidade, pois “o conjunto de vontades não é só ausência de coação,

mas presença da diferença”, segundo Hopenhayn (2001, p.259).

Recordando uma bela imagem de Heráclito (1996, p. 92), “nos mesmos rios

entramos e não entramos, somos e não somos”, o tempo é como um rio, o rio é o

mesmo, mas nunca para de passar, suas águas nunca são as mesmas, nem

aqueles que se banham no rio são os mesmos. As escolhas sobre a formação

contínua, seja o tema ou o palestrante, são considerações de uma dimensão

subjetiva. Os responsáveis pela educação no município pesquisado, baseados em

suas vivências como educadores e nas dificuldades esbarradas, buscam sanar os

obstáculos enfrentados, porém esquecem-se de que a escola é como um rio, suas

águas não são as mesmas de outrem e o educador que se banha atualmente

também não é o mesmo.

Em uma ocasião vivenciada pelos educadores da referida rede de ensino, em

outubro de 2011, os profissionais da Secretaria Municipal da Educação foram

liberados do trabalho nas unidades de ensino e convocados para uma formação

contínua em forma de palestra. A palestra intitulava-se “A mágica na educação”.

Após dois relatos de vida emocionantes, de pessoas com deficiência visual que

passaram pela escola pública e hoje se tornaram pessoal e profissionalmente

realizadas, todos os educadores puderam assistir a uma apresentação de mágica,

neste momento com a participação de educadores convidados para serem

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coadjuvantes nos quadros de mágica, permeada por pensamentos do palestrante

que diziam respeito ao prejuízo que teríamos em todos os campos de nossas vidas

se algum destes campos não estivesse caminhando bem.

Parece evidente a preocupação dos responsáveis pela educação do

município referido, porém o objetivo desta formação contínua corresponde às

necessidades dos educadores?

Visando construir momentos de formação contínua para aprimoramento e

enriquecimento profissional docente, observamos a necessidade de questionar o

olhar que se tem dos docentes na escolha de temas e dar relevância aos modelos

de formações que levariam à resultados mais eficazes.

Parece significativa a importância da dimensão do sujeito educador para o

planejamento das formações profissionais, como escreve Bakhtin (apud Antônio,

2009, p.109) “o sujeito como tal não pode ser percebido nem estudado como coisa,

uma vez que sendo sujeito não pode, se quiser continuar a sê-lo, permanecer sem

voz; portanto, seu conhecimento só pode ter um caráter dialógico”.

Resgatando os questionamentos iniciais desta investigação, será que as

formações contínuas são momentos de desenvolvimento da autoria de pensamento

e autonomia profissional ou de massificação do sujeito educador? Que prazer pela

educação está se preservando no educador que chega à educação pública?

Pensando na criação e no devir humano, Lima nos desperta para a seguinte

reflexão:

A ausência de experiências grupais e cooperativas na vida escolar,

na formação e vida profissional prejudica a renovação de práticas e

relações sociais. Pois, conviver e trabalhar na perspectiva da

diferença implica em deslocamentos. Se não houver um

deslocamento de lugares, sentidos, relacionamentos e valores em

virtude de uma nova inteligibilidade e/ou subjetividade, nada muda de

fato. Permanece-se na perspectiva automatizada do Mesmo, na

linearidade e previsibilidade de identidades cristalizadas, obedientes

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e repetitivas, capturadas por normas e expectativas reguladoras que

embrutecem e impedem a criação e o devir humano. (2009, p.8)

À educação cabe educar na diferença, oportunizando a distinção através do

convívio plural e criativo, numa convivência saudável e não tolerável, com as

diferenças respeitadas eticamente e com o reconhecimento do educador como

sujeito participante do processo de formação contínua.

1.3 Falando consigo - O valor do autoconhecimento na formação

contínua, com Larrosa

Ampliando nossa compreensão em relação à construção e à transformação

da consciência de um sujeito, buscamos algumas contribuições no tocante à

identidade e subjetividade para, então, refletirmos sobre o autoconhecimento do

educador e a importância de se respeitá-lo nos momentos de formação contínua a

que é oportunizado.

O homem é um ser que pode se autointerpretar. O que viemos a ser, o que

fazemos e como somos tem a ver com o como interpretamos a nós mesmos, é algo

singular, provém da própria observação, narrativa, interpretação e julgamento, sua

constituição histórica.

O conhecimento de si e dos outros educadores é possível, como Larrosa

destaca:

A criança produz textos. Mas, ao mesmo tempo, os textos produzem

a criança. O dispositivo pedagógico produz e regula, ao mesmo

tempo, os textos de identidade e a identidade de seus autores. E

aprendem também uma certa imagem das pessoas e das relações

entre as pessoas: que cada um tem determinadas qualidades

pessoais, que é possível conhecê-las e avaliá-las segundo critérios,

que é possível mudar coisas em si mesmo para ser melhor e

conseguir o que a pessoa se propõe que as outras pessoas tem

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qualidades diferentes, que é possível comunicar o próprio modo de

ser... (1995, p.46,47)

A permissão para o autoconhecimento do educador, através de possibilidades

dele se relacionar com outros educadores, para descobrir-se e descobrir que há

diferenças entre as pessoas é um movimento necessário para a elaboração da

identidade pessoal e profissional do educador.

A subjetividade é constituída no tempo narrado, segundo Larrosa:

A construção e a transformação da consciência de si dependerá,

então, da participação em redes de comunicação onde se produzem,

se interpretam e se medeiam histórias. Dependerá desse processo

interminável de ouvir e ler histórias, de contar histórias, de mesclar

histórias, de contrapor algumas histórias e outras, de participar, em

suma, desse gigantesco e agitado conjunto de histórias que é a

cultura. A constituição narrativa de experiências de si não é algo que

se produza em um solilóquio, em um diálogo íntimo do eu consigo

mesmo, mas em um diálogo entre narrativas, entre textos. (1995,

p.70)

A formação de professores é um espaço pertinente para a ressignificação da

educação, onde o professor, através de reflexões, pode chegar a uma

transformação de sua prática pedagógica pela sua transformação pessoal. Para

tanto, é preciso que seja problematizada e explicitada a construção de uma

identidade pessoal em relação à vida profissional do professor.

Trata-se de transformar a própria subjetividade do professor, evidenciar e

fabricar seu próprio duplo, podendo ver-se, dizer-se e julgar-se, para que

profissionalmente ele possibilite, através de suas práticas pedagógicas,

transformações das experiências dos educandos em reelaboração de uma reflexão

do educando consigo mesmo, neste espaço de subjetivação, a escola.

Tudo o que se pensa para a massa não respeita as singularidades, devemos

atentar ao processo de educação do educador simultaneamente aos objetivos

estipulados para sua formação, pois o educador educa-se na prática, no convívio

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29

com outros educadores, nos diálogos com seus educandos, na reflexão de sua

própria prática, mas não se educa se não houver interesse pessoal, prazer,

satisfação e geração de sentidos.

Sobre o convívio e as interações sociais, Lima pensa que:

... uma rede torna-se restritiva e empobrecida, na medida em que

suas possibilidades de interação com componentes diferentes

estejam fixadas em padrões rígidos e preconcebidos de

relacionamentos. Diferente característica teria uma rede tecida a

partir da heterogeneidade de seus componentes, cujos

relacionamentos estabelecem-se na singularidade de cada interação,

isto é, cada circunstância evoca um tanto de improviso e criação.

Provavelmente, essa rede seria moldada por um feitio inusitado:

incompleta, infinitamente inacabada e, por isso mesmo, aberta a

novas interações. (2000, p.10)

De modo semelhante e como já apresentado, Larrosa (1995) nos desperta a

atenção para as qualidades pessoais, as possibilidades de conhecê-las, avaliá-las e

identificá-las como diferentes, fazendo-se autor de sua identidade e individualidade.

Os momentos de formação contínua deixam de cumprir o objetivo de

aperfeiçoamento a partir de seu próprio planejamento, quando são pensados

desconsiderando o sujeito em questão, o ser a ser formado, o educador como um

indivíduo.

Nas palavras de Guattari,“... é exatamente na articulação: da subjetividade em

estado nascente, do socius em estado mutante, do meio ambiente no ponto em que

pode ser reinventado, que estará em jogo a saída das crises maiores de nossa

época”. (2001, p.55)

A construção cultural do sujeito pressupõe a participação social do mesmo,

compreende, além da transmissão de experiências de si mesmo como sujeito, o

reconhecimento das outras pessoas como tal. O momento do reconhecimento do

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sujeito trará a construção da identidade pessoal e do grupo ao qual ele pertence,

neste caso à construção da identidade dos educadores.

1.4 Fazendo ligações entre o sujeito aprendente e ensinante, com

Fernández

Fernández (2001) discorre que “o sujeito aprendente é sempre ativo e autor e

nunca passivo da ação dos ensinantes”.

Devemos observar a ênfase dada por Fernández (2001, p.52) à autorização

que se dá para que alguém possa lhe ensinar efetivamente, pois “não aprendemos

de qualquer um, aprendemos daquele a quem outorgamos confiança e direito de

ensinar”.

As formações contínuas como momentos desprezíveis, na maioria das vezes,

assim se tornaram em razão da não observação ao processo, posto que o vínculo

faz-se um fator de extrema relevância na autorização que se dá ao ensinante,

provindo do reconhecimento que o educador faz de sua autoridade em relação à

aprendizagem a que se propõe. Sendo que

Sabemos que aprender é necessário um ensinante e um aprendente

que entrem em relação. Isto é algo indiscutível quando se fala de

métodos de ensino e de processos de aprendizagem normal; não

obstante, costuma-se esquecê-lo quando se trata de fracasso de

aprendizagem. Aqui pareceria, então, que só entra em jogo o

aprendente que fracassa. Como se não se pudesse falar de

ensinantes ou de vínculos que fracassam ou produzem sintomas...

Necessariamente, nas dificuldades de aprendizagem que apresenta

um sujeito, está envolvido também o ensinante. Portanto, o problema

de aprendizagem deve ser diagnosticado, prevenido e curado, a partir

dos dois personagens e no vínculo. (Fernández, 2001, p.32)

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Êxito ou fracasso? Fracasso ou processo? De aprendizagem ou de ensino?

A psicopedagoga argentina Silvia Iannantuoni escreve:

Como a escola pode propiciar o surgimento de sujeitos escritores,

representantes de suas idéias, gestores de atos criativos? ... talvez

possibilitando que os docentes possam mostrar-se como modelos de

autoria de pensamento e de palavra, como sujeitos que possam

desmontar seus “duendes e suas princesas”, porque, como pretende

que o aluno que vai à escola seja um sujeito construtor de suas

próprias aprendizagens, se não se outorga ao docente que, como

ensinante, se encontre com sua autoria?(apud Fernández 2001, p.29)

É preciso espaço de formação, mas é preciso, ainda mais, analisar esta

formação. É preciso espaço para que educadores possam se encontrar com suas

autorias, para que acreditem no que façam e façam-se autores de seus

pensamentos.

Analisando problemas de aprendizagem escolar, Fernández (2001) nos

esclarece quando o problema está na Modalidade de Ensino e não na Modalidade

de Aprendizagem, direcionando a interação entre o ato de aprender e o ato de

ensinar, por meio da comparação do conhecimento com o alimento:

O indivíduo não deseja o conhecimento X Quando falta o conhecimento

Problema de Aprendizagem Fracasso escolar

(anorexia – sintoma) (desnutrição - reação)

O problema de aprendizagem, caracterizado acima por sintoma, no qual o

indivíduo não deseja o conhecimento, afeta as articulações entre os níveis de

inteligência, desejo, organismo e corpo, resultando no aprisionamento da inteligência

e da corporeidade, inconscientemente.

O fracasso escolar, problema de aprendizagem caracterizado acima como

reação, no qual falta o conhecimento, afeta o aprender do sujeito em suas

manifestações, sem aprisionar a inteligência. Neste caso a Modalidade de

Aprendizagem não se torna patológica. O aluno mostra que não aprende, porém a

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patologia está nas Modalidades de Ensino, onde deve haver intervenção. Para tanto

é preciso abrir espaços objetivos e subjetivos de autoria do pensamento, que

permitam reverter o fracasso escolar através da intervenção do educador. Intervir,

no sentido de incluir outra versão.

Na concepção de Fernández, o conceito de Sujeito Aprendente constrói-se a

partir de sua relação com o Sujeito Ensinante, acontece nessa simultaneidade.

Situa-se na articulação da informação, do conhecer e do saber, nos entres. Os

entres são os lugares de produção de diferenças, são lugares transicionais

encontrados em nossas vivências, por exemplo, entre: Certeza e dúvida; alegria e

tristeza; brincar e trabalhar; Limites e transgressão; sujeito do desejo do outro e ser

autor de sua própria história.

Na Função ensinante, a imagem visual tem mais força de verdade que a

palavra. A exposição não deixa espaço para o pensar, para o questionar, causando

a perda da distância entre o Sujeito aprendente e ensinante.

A invasão excessiva de estímulos sensoriais e não conceituais tende a afetar

a atividade de representação, não enriquece a imaginação e enfraquece a

capacidade de autoria de pensamento do educador.

O Sujeito Autor constitui-se quando o Sujeito Ensinante e Aprendente, de

cada pessoa, pode entrar em um diálogo, se autoriza a interagir como outro. Para

tanto, são necessários espaços de reflexão que possam gerar mudanças de

posicionamento subjetivo e consequentemente pedagógico.

No educador, as mudanças podem recuperar o prazer de aprender, o que em

seguida modificará a modalidade de ensinar.

É fundamental olhar para o educador como sujeito epistêmico, desejante,

autor e social, sujeito presente no vínculo aprendente-ensinante. Olhar para o

educador como sujeito de autoria de pensamento.

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Aprender é ir do saber a apropriar-se de uma informação dada a partir da

construção de conhecimentos, processo no qual intervém inteligência e desejo. É

uma responsabilidade que o ato de conhecer exige e a energia desejante do

indivíduo, que surge do desconhecer, insiste.

O processo de aprendizagem é gerado na inquietude, em ter que pensar,

duvidar do pensado e verificá-lo. Não se pode aprender sem dialogar idéias do que

conhecemos com novos conhecimentos e saberes. O Sujeito Autor produz a

transformação nele e naqueles que o circundam, se potencializa quando deixa

aparecer o sujeito ensinante a partir de onde aprende.

Quem ensina precisa pôr em jogo esse saber, simultaneamente somos

sujeitos aprendentes-ensinantes, então Sujeito Autores.

Convergências de pensamentos sobre a autoria do sujeito, de Fernández

(2001), nos levam à Kramer (2007), quando considera os espaços de reflexão que

condicionam a construção social dos educadores.

Para que se eduque o educador, primordialmente devemos enxergá-lo como

aprendente, e a partir desta visão, considerá-lo como sujeito ativo e autor de seu

conhecimento, para que os saberes possam ressurgir e surgir de novos modos, para

que a formação contínua seja uma possibilidade de intervenção social que fomente

a ressignificação da atuação docente, para além de meras aparências.

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34

O mundo como experiência diz respeito à palavra-princípio EU-ISSO.

A palavra-princípio EU-TU fundamenta o mundo da relação. (Martin Buber)

Quando, seguindo nosso caminho, encontramos um homem que, seguindo o seu caminho, vem ao nosso encontro,

temos conhecimento somente de nossa parte do caminho, e não da sua, pois esta nós vivenciamos somente no encontro.

(Martin Buber)

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35

Capítulo 2 – A voz que chega e a voz que não chega: da intenção de

formação contínua à eficácia da ação formativa.

O motivo que impulsiona este capítulo é a tentativa de completar a ligação

entre o educador em serviço, ou seja, o educador que está atuando nas salas de

aula, e os responsáveis pela formação contínua destes.

A falta de espaços de coesão parece cada vez mais evidente na educação,

deixando de serem contemplados momentos democráticos em que se possa haver o

reconhecimento de diferenças entre grupos de educadores e seus formadores,

espaços de diálogo e de intercâmbio que possibilitem o saber de diferentes culturas

e valores.

Na concepção de Fávero (2010), é na relação dialógica e democrática entre

os sujeitos formadores dos grupos culturais que há a negação da aniquilação e a

afirmação do diálogo entre os sujeitos, substituindo a sobreposição de um grupo ao

outro, pelo reconhecimento de ambos e a aprendizagem mútua.

De acordo com Fávero,

É por isso que um projeto educativo intercultural deve constituir-se

mediante processos democráticos e dialógicos, que se opõem a um

modelo fechado e linear de compreensão dos processos culturais, em

que o reconhecimento de determinados grupos como superiores

justifica a anulação, a exclusão e a exploração dos grupos

considerados inferiores. (2010, p. 114)

A necessidade da formação contínua é percebida nas vozes dos educadores,

nos encontros pedagógicos e nas dificuldades encontradas no cotidiano escolar.

Quem ouve a voz que chega ou a voz que não chega dos educadores em formação

contínua? O Centro de Formação de Educadores Municipais (Cefems), responsável

pela formação contínua dos educadores da rede de ensino, fazem esta escuta?

Quando não se escuta, não há diálogo.

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Observo a demasiada desconexão no diálogo entre as necessidades da

prática docente e a oferta de oportunidades auxiliadoras nas formações contínuas,

sejam elas, palestras, oficinas pedagógicas ou cursos, que quase sempre tendem à

técnica, ao treino para o ofício, e não à reflexão sobre a ação docente, sobre a

prática cotidiana e seus objetivos educacionais quanto ao aprendente, o aluno.

Kramer nos desperta para a reflexão através de alguns questionamentos:

Mas não estará, assim, a educação sendo reduzida a uma parte do

saber humano e social (o dito científico), deixando uma lacuna ao

desconsiderar a cultura e a crítica da cultura? E que tipo de

experiência cultural têm vivido nossos professores e alunos antes,

depois, fora e dentro da escola? Nesse sentido, é preciso ampliar o

próprio espaço de interdisciplinaridade, tentando capturar

(compreender) a educação no bojo da cultura e sua ambivalência. É

nisso que consiste o outro olhar com que pretendo focalizar a

educação, conhecê-la e dela falar: abordando não só aspectos

relativos à construção do conhecimento, mas também à ética, à

paixão do conhecer, a afetividade e à criação. (2007, p.26)

Um exemplo de que a qualidade de um sistema educacional não pode

superar a de seus profissionais pode ser observado em Cingapura, país asiático

reconhecido pela construção de um dos sistemas educacionais mais eficientes do

mundo. Aos avanços da educação é creditada a ênfase trazida à valorização do

educador, através de reconhecimento do profissional, social e financeiramente,

igualando a remuneração do educador a profissões como engenheiro em início de

carreira, através da alegação da relevância social. Os educadores em exercício

devem cumprir cem horas de cursos, apesar de não haver uma garantir sobre a

eficiência destes, o governo investe na possibilidade de ter educadores que também

sejam pesquisadores e que reflitam sobre as diferentes situações das salas de aula.

Em certa circunstância, em um dos momentos reservados para formação

contínua dos educadores da rede municipal de educação, pareceu aparente a

decepção destes em relação à oportunidade que estavam recebendo. Foi convidada

uma palestrante de outra região a trazer ideias para o cotidiano escolar; porém,

estando o referido município localizado num centro de universidades, grande parte

dos educadores procura atualização em cursos de extensão universitária e de pós-

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graduação. Durante a palestra, houve muita desatenção e diálogos paralelos, pois

as ideias trazidas como novidades já eram efetivamente utilizadas. Desde o início da

palestra já era possível observar a falta de informações que a palestrante tinha

sobre o público que encontraria, apresentando uma falha de comunicação na

contratação da palestrante, pois apresentou o uso de folhetos em aulas

interdisciplinares de língua portuguesa e matemática como se aqueles educadores

jamais o tivessem efetuado.

A formação contínua deve visar o avanço dos educadores, juntamente com o

avanço do conhecimento e da tecnologia. O mundo atual exige do educador a

constante atualização, sob pena de tornar-se obsoleto e desinteressante.

Políticas de carreira com compatibilidade salarial em relação a profissões de

nível superior, permitindo aos educadores menos tempo em salas de aula e nos

transportes, visam maior comprometimento com os educandos. A promoção salarial,

não aliada a cargos administrativos, permite a educadores experientes que

permaneçam nas salas de aula satisfeitos e satisfazendo o sistema educacional.

O convite, remunerado, para educadores reconhecidos pelo grupo como

profissionais exemplares, para realizar formações contínuas a educadores da

mesma rede de educação, oferece confiança. O profissional faz parte da mesma

realidade e oferece uma formação que é prática e atual. A possibilidade,

provavelmente, ofereceria maior eficiência que palestras de profissionais que

deixaram as salas de aula e, por vezes, nem visitam escolas por longo tempo em

função de sua nova profissão, a de palestrante.

Analisando a reeducação do adulto, Read nos relata:

Toda tentativa de mudanças sociais efetivas através de métodos

educacionais está sujeita a uma dificuldade, já nos consideramos

educados. Somente em casos raros temos disposição para nos

submeter a um processo de reeducação. No entanto, mesmo

existindo realmente essa vontade, subsistem fatores psicológicos,

modos arraigados de responder, ou ocorre, mais provavelmente, a

petrificação dos próprios órgãos responsivos, que devem ser

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atingidos com medidas especiais, técnicas especiais de ensino.

(1986, p.100)

Somente na reconstrução do modo como é compreendida a formação

contínua, pelos educadores e pelos responsáveis pela educação, que haverá

possibilidades de mudança de comportamento em relação a este processo. Por

meio de reflexões e diálogos entre os envolvidos nesta relação, o professor estará

inserido num contexto que condicione o desejar continuar se formando.

2.1 O que há com esta ligação? Em teoria, com Nóvoa e Kramer.

Será que a linha de comunicação entre os representantes da educação,

responsáveis pela formação contínua e os educadores foi interrompida? Ou será

que ainda não houve linha para esta ligação?

Ignorar a riqueza da subjetividade dos educadores, suas experiências,

vivências, conhecimentos, saberes, valores e desejos não é algo novo, mas os

tempos são novos e os homens também, segundo Kramer:

E é imensa a defasagem entre o que – das universidades, das

secretarias de educação ou de diferentes órgãos públicos e

fundações – falamos ou escrevemos para professores e aquilo que

transparece da escola e das salas de aula na prática desses mesmos

professores. E brutal é a diferença entre o que deles ou para eles

falamos e o que – no acontecer diário – eles fazem e de si falam.

Para vencer esse fosso, para ultrapassar essa defasagem, para

diminuir a distância, muitas iniciativas têm sido recentemente

elaboradas por secretarias, por universidades, centros e equipes de

pesquisa. E são tais iniciativas que dão motivo ao meu trabalho, pois

o que me instiga são os processos de formação de professoras e

professores em serviço, os projetos de introdução de mudanças na

prática pedagógica. Aqui, os professores querem ser vistos como

sujeito social que são. Pois como professores temos diferentes

experiências, conhecimentos, valores, religiões, raízes culturais,

sexos, classes sociais, etnias e essa heterogeneidade oferece ao

trabalho pedagógico uma grande fertilidade. (2007, p.11)

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Numa busca insensata de metas, os educadores, como sujeitos sociais,

cidadãos ativos e construtores de saberes através da linguagem que os torna

humanizados, vêm a cada dia se desumanizando, deixando-se perder valores,

tradições, cultura e sonhos. O educador rejeita inconscientemente sua formação

contínua quando não participa da construção de sua profissão.

Nóvoa nos desperta à reflexão sobre o momento de crise vivenciado pelos

educadores, reportando:

A crise da profissão docente arrasta-se há longos anos e não se

vislumbram perspectivas de superação a curto prazo. As

consequências da situação de mal-estar que atinge o professorado

estão à visa de todos: desmotivação pessoal e elevados índices de

absenteísmo e de abandono, insatisfação profissional produzida

numa atitude de desinvestimento e de indisposição constante (face

ao Ministério, aos colegas, aos alunos, etc.) recurso sistemático a

discursos-alibi de desculpabilização e ausência de reflexão crítica

sobre a acção profissional. Esta espécie de autodepreciação é

acompanhada por um sentimento generalizado de desconfiança em

relação à competências e à qualidade do trabalho dos professores,

alimentado por círculos intelectuais e políticos que dispõem de um

importante poder simbólico nas actuais culturas de informação.

(1999, p.22)

Qual será o caminho para a superação de tal crise? No século XIX, a criação

de instituições de formação de professores ocupou um lugar central na produção e

reprodução de saberes e no sistema de normas da profissão docente. Tais

instituições desempenharam um papel crucial na elaboração de conhecimentos

pedagógicos e de uma ideologia comum, contribuindo para a gênese de uma cultura

profissional.

Os valores que sustentaram a formação dos educadores caíram em desuso,

em decorrência da evolução social e das transformações ocorridas nos sistemas

educativos, deixando a ação pedagógica e a profissão docente, desnorteadas.

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Nóvoa nos apresenta um norte possível:

A produção de uma cultura profissional dos professores é um trabalho

longo, realizado no interior e no exterior da profissão, que obriga a

intensas interacções e partilhas. O novo profissionalismo docente tem

de basear-se em regras éticas, nomeadamente no que diz respeito à

relação com os restantes actores educativos, e na prestação de

serviços de qualidade. A deontologia docente tem mesmo de integrar

uma componente pedagógica, na medida em que não é eticamente

aceitável a adopção de estratégias de discriminação ou de teorias de

consagração das desigualdades sociais.

É fundamental que a nova cultura profissional se paute por critérios

de grande exigência com relação à carreira docente (condições de

acesso, progressão, avaliação, etc.). Se os próprios professores não

se investirem neste projecto é evidente que outras instâncias (Estado,

Universidades, etc.) ocuparão o território deixado livre, reinvindicando

uma qualquer legitimidade de pilotagem da profissão docente. (1999,

p.29)

Muitos educadores tem se encontrado sem identidade. A ambiguidade em

relação á sua atuação docente e ao reconhecimento de sua atuação não os faz

sentir-se bem consigo mesmos. O encontro com sentidos na ação docente e o

reencontro com valores do idealismo escolar precisam edificar novos tempos à

educação.

Em tempos de tanta pressa e de tantos afazeres, o jovem educador que

ingressa na docência traz consigo uma formação técnica e teórica de seus três ou

quatro anos de formação inicial em Pedagogia, muitas vezes com estágios não

realizados, não vivenciados no cotidiano escolar, não refletidos ou correlacionados

com seus conhecimentos teóricos, fazendo com que as formações contínuas devam

receber um destaque fundamental na vida do educador.

Citando-me como exemplo, desde o início da carreira, a jovem docente sabia

que ou construiria o seu ser educador, com autoria e autonomia, buscando

conhecimentos e saberes da área, lendo e enriquecendo-se a cada dia,

aprofundando-se no mundo da cultura, produzindo condições para o saber e para o

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saber fazer em sua dia-a-dia escolar, ou deveria escrever o epitáfio de sua paixão

pela carreira.

A repetição de conhecimentos, observada no convívio de vários anos de

trabalho docente numa mesma unidade de ensino, permeada por “projetos” de que

as secretarias de educação exigem a execução, não compõe uma educação

baseada na formação do educador e nem na construção dos saberes do educando,

diferentemente do que sugerem todos os documentos anexados aos projetos como

justificativa para a implantação dos mesmos.

A perda da autenticidade cultural massifica e derrota o educador como ser

pensante. Kramer (2007) nos traz à reflexão a identificação da indústria cultural com

a dominação, nos faz perceber que a perda da aura como o barateamento da arte e

nos leva a reconhecer, que a massificação e a reificação, destroem as

subjetividades, então provoca a própria destruição da cultura.

Que prazer pela educação está se preservando no educador em exercício, ou

se desenvolvendo no educador ingressante? O que se faz com a utopia do educador

que chega à educação pública? Por que não se transforma utopia em realização, só

em decepção?

Nas palavras de Kramer encontramos empáticos questionamentos:

Que tipo de produtor é o professor? É autor do seu trabalho, ou

passou simplesmente a ocupar um lugar “na linha de montagem da

escola”, não só graças a divisão social do trabalho, mas também

devido à perda de sua experiência e de seus elos culturais com o

coletivo?

E, sobretudo, as diferentes estratégias de formação em serviço têm

favorecido que os professores relatem suas experiências e produzam

conhecimentos, ou eles tão-somente são reduzidos à condição de

audiência passiva de informações “acadêmicas” desvinculadas de

seu saber e de sua prática? (2007, p.54)

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Estando o educador exercendo a prática educativa e vivenciando a interação

social no cotidiano escolar, percebemos a construção de sua identidade profissional;

porém, em relação à construção subjetiva do educador, não se reconhece a

relevância do trabalho pedagógico.

Parece evidente, ser negado ao educador a participação na construção do

conhecimento, especialmente quando são apostiladas aulas e implantadas nas

unidades de ensino como projetos, sem participação alguma do educador em sua

construção; parece ser negado o pensá-lo como educador. Em diversos casos, sem

a formação específica para a aplicação dos projetos, os mesmos são fragilizados e

perdem a vitalidade que partiria dos valores culturalmente determinados pelas

histórias de vida, tanto de quem educa quanto de quem é educado neste processo.

Buscando um outro olhar e falar sobre a educação, Kramer coloca-se contra

as tipificações a que são submetidos os educadores e suas práticas didáticas,

discordando da minimização da heterogeneidade ocorrida neste movimento.

O que pretendo é buscar uma outra possibilidade de análise da

prática escolar. Quero um outro “falar” que, dirigido ao dia-a-dia da

escola, ao trabalho realizado por professores e alunos, dê conta de

captar “cores e formas” lá existentes e que, em geral, se apagam

quando observadas a partir de uma visão estereotipada e

reducionista. A fim de dirimir essa insatisfação com o tratamento

“pedagógico” que tem sido dado aos fazeres e deveres escolares,

penso ser necessário pensa-los no âmbito de uma crítica da cultura.

(2007, p.31)

Enquanto pensar em formação contínua for pensar em conteúdos e cursos

para implantação de projetos, não considerando os modelos de formação e suas

implicações tratadas no primeiro capítulo; desprezando a participação do educador

no processo de construção de cada projeto, minimizando-o a mero executor; à

educação não restará outro olhar de seus dirigentes senão o de fiscalização e

cobrança de resultados em avaliações externas à escola.

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2.2 Chamando a autoria dos educadores na formação contínua

O momento de formação contínua será apresentado neste capítulo como um

espaço de possibilidade de criação e autoria de pensamento, a partir do que nos

dizem os estudos de Fernández (2001) e Kramer (2007) e a partir das reflexões

sobre o dia-a-dia dos educadores.

Na concepção de Fernandez (2001), para sermos criativos, autores de nossa

aprendizagem, não bastam boas ideias, mas a possibilidade e a autorização de

mantê-las. A possibilidade como forma de acomodação da aprendizagem e a

autorização como assimilação, em termos piagetianos.

A possibilidade é o espaço em que ocorre a criação, espaço de transformação

do pensado, espaço em que seus conhecimentos prévios estarão se fundindo com

as novas ideias e gerando questionamentos para o próximo passo, a autorização

para o novo pensamento.

O Sujeito Autor, conceito apresentado anteriormente, é tratado por Fernández

num trabalho de formação contínua, que oferece aos educadores uma possibilidade

de mudança no modo de ensinar e visa à recuperação do desejo de aprender.

Consequentemente o trabalho permite aos educandos o reconhecimento como

sujeitos pensantes, a partir da permissão concedida à autoria de pensamento:

... nosso trabalho buscava abrir espaço de reflexão com os

professores para que eles pudessem realizar mudanças de

posicionamento subjetivo que redundaram no pedagógico. Essas

mudanças deveriam ocorrer em duas direções. Frente a si mesmos:

para recuperar o próprio prazer de aprender e, partindo disso,

modificar a modalidade de ensino. Frente a seus alunos: para investi-

los do caráter de sujeitos pensantes, capazes de aprender. (2001,

p.52)

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A inteligência necessita de um sujeito que se assuma autor. Necessitamos

revalorizar a autoria de pensamento, a capacidade de estarmos a sós para

refletirmos e permitirmos nossa criatividade desejante.

Os encontros de formação contínua, possibilitadores de autoria para a prática

docente, tendem à construção de uma cultura que ocorre dentro de cada unidade

escolar, decorrente da formação de cada grupo, do reconhecimento dos valores

individuais dos educadores e das atitudes cotidianas vivenciadas e observadas

simultaneamente pelos integrantes do grupo, os quais propiciarão a autorização das

novas ideias.

A autorização é o espaço em que ocorre a confirmação do vínculo entre o que

dizemos e as novas ideias.

Quando se pensa no dia-a-dia escolar como forma de confirmação das novas

ideias, ideias que tiveram a oportunidade de serem refletidas e discutidas com o

grupo de educadores, a partir de acontecimentos que surgiram nas salas de aula,

estando estes educadores presentes e com os atuais educandos, pensamos no que

nos disse Kramer (2007, p.12) sobre a declaração da professora Maria José, “... se

eles eram pedra, se eu queria trabalhar com eles, se eu queria falar com eles, eu

tinha que ser pedra e mais um pouquinho.”:

Entendendo que a função da escola é aprofundar a inserção dos

sujeitos – crianças e adultos – no mundo da cultura, o meu texto

prioriza os professores como construtores. De autoridade. De autoria.

De autonomia. De conhecimentos (que são sempre histórico-sociais),

de críticas, de afetos. Construtor coletivo que se faz e que faz a

história porque produz e é produzido como sujeito social na

linguagem. (2007, p. 11 e 12)

O espaço da possibilidade de criação e de autoria está vinculado às reflexões

da prática docente, podendo ocorrer nos encontros de formação contínua,

coletivamente, num espaço de “coesão”. O espaço de “coesão“ entendido como

espaço de convivência democrática, reconhecedor de diferenças, aberto ao diálogo

e ao intercâmbio de vivências, conhecimentos, sabedorias e valores diversos.

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As reflexões geradas neste espaço de “coesão” permitirão a consciência da

eterna construção do educador em relação ao seu sujeito. Fávero reflete sobre a

necessidade da formação contínua e seus objetivos:

Nenhum processo formativo inicial consegue dar conta da

complexidade das contingências que o futuro profissional da

educação encontrará em seu campo de atuação. É por esse motivo

que se torna necessária a formação continuada. Ao longo dela, ele

poderá compreender melhor os fenômenos que fazem parte da sua

vida como docente e projetar novos e aprimorados modos de ser e de

agir como professor. (2010, p.56, 57)

Os objetivos da formação contínua devem seguir para além das participações

em momentos destinados para tal, como palestras, seminários ou cursos, devem ser

momentos que possibilitem ao educador a reflexão sobre seu próprio conhecimento,

sua atuação e o contexto no qual está inserido.

Nas palavras de Nóvoa:

Grande parte do potencial cultural (e mesmo técnico e científico) das

sociedades contemporâneas está concentrado nas escolas. Não

podemos continua a desprezá-lo e a memorizar as capacidades de

desenvolvimento dos professores. O projecto de uma autonomia

profissional, exigente e responsável, pode recriar a profissão

professor e preparar um novo ciclo na história das escolas e dos seus

actores. (1999, p.31)

A escola pública, atualmente, talvez seja o lugar onde se concentra o maior

número de pessoas qualificadas e relativamente protegidas politicamente de

competições comerciais e de gestão, a quem possa pertencer o papel de pensar o

futuro da educação.

É preciso uma interpretação mais lúcida do educador e da escola, que leve à

superação de um pragmatismo equivocado, que vem substituindo a formação

contínua por treinamento, e o reconhecimento da capacidade de autoria dos

educadores, pois, como argumenta Antônio:

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Conhecer é criar-se e recriar-se, não isoladamente, mas em diálogos

com outros sujeitos, em convivências que vêm de sempre e de antes,

que não têm começo nem fim.

Este sujeito, de conhecimento e de existência, tem história e tem voz.

Tem corpo, tem desejos, tem memórias, tem projetos. Não pode ser

ignorado, nem neutralizado nas interações em que se elaboram os

saberes, nem nas interações em que se produzem as aprendizagens.

(2009, p.106)

Recordo-me de dois pensamentos. O primeiro, de Herbert Read em sua obra

A redenção do robô, no qual afirmava que para trabalhar com adultos, é preciso

reanimar nervos mortos e reabrir as portas da percepção, no caso da formação

contínua, a percepção dos educadores aprendentes e dos responsáveis pela

educação ensinantes. O segundo pensamento vem de Mikail Bakhtin (apud Antônio,

2009, p.109), que escreve, “a vida é dialógica por natureza. Viver significa participar

de um diálogo, interrogar, escutar, responder, concordar etc.”

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No momento em que uma civilização não tem mais como ponto central um fenômeno de relações, incessantemente

renovado, ela se enrijece, tornando-se um mundo de isso que é trespassado somente de quando em quando

por ações eruptivas e fulgurantes de espíritos solitários.

(Martin Buber)

Em qualquer momento do desenvolvimento do diálogo existem as massas enormes e ilimitadas de sentidos esquecidos,

porém nos momentos determinados do desenvolvimento posterior do diálogo, no processo, serão recordados

e reviverão em um contexto e num aspecto novo. Não existe nada morto de uma maneira absoluta:

cada sentido terá sua festa de ressurreição. Problema do grande tempo.

(Mikhail Bakhtin)

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Capítulo 3 - A hora da escuta no diálogo com os educadores

Na condição da pesquisadora como participante da realidade em questão, a

presente pesquisa se caracteriza como uma observação participante, construída por

meio de um relato etnográfico e da premissa de que para compreender as pessoas e

os fenômenos sociais, o pesquisador precisa mergulhar no ambiente da pesquisa e

partilhar do mundo de seus sujeitos. Segundo Moreira (2002, p.52) “a observação

participante pode ser conceituada como uma estratégia de campo que combina ao

mesmo tempo a participação ativa com os sujeitos, a observação intensiva em

ambientes naturais, entrevistas abertas informais e análise documental”.

A pesquisa tem como campo para a coleta de vozes, por meio de

questionários, um encontro de formação onde estavam presentes cerca de 600

profissionais da educação do município no interior do estado de São Paulo em

questão, e textos reflexivos colhidos em três unidades de ensino, sendo uma

localizada na periferia, uma na área central e uma na área rural do município em

questão.

A pesquisadora “possui familiaridade para observar suas perspectivas e

aprender os sentidos e símbolos que o grupo define como importante e real”

(Moreira, 2002, p.54), assume o papel de participante como observadora, pois

participa de atividades nos ambientes naturais dos sujeitos, que no caso em questão

são os momentos de formação contínua a cerca de doze anos e oferecidos pela

Secretaria de Educação do município referido.

A busca pela fidelidade das informações nos leva a uma pesquisa qualitativa,

que segundo Lüdke e André (1986), envolvem a obtenção de dados descritivos,

obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o

processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos

participantes. De acordo com as autoras, a pesquisa qualitativa supõe o contato

direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo

investigada, por meio do trabalho intensivo de campo e os problemas devem ser

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estudados no ambiente em que eles ocorrem naturalmente, sem qualquer

manipulação intencional do pesquisador.

Quanto aos problemas que envolvem a formação contínua dos educadores da

rede de educação deste município, no interior do estado de São Paulo, percebe-se a

necessidade de uma revisão quanto ao conteúdo e à forma do processo de

formação permanente desse profissional uma vez que o município possui um centro

específico para a formação contínua dos mesmos, o Centro de Formação de

Educadores Municipais – Cefems (anexo 1), e há uma disponibilidade de verba

financeira para tal fim.

Parece que o acúmulo de informações advindo de cursos, palestras, e

qualquer outra formação contínua não tem sido um meio eficaz para a reflexão do

educador, conseqüentemente não havendo reconstrução da prática pedagógica.

Kramer (2001) cita a existência de uma suposição em que a interferência na

formação prévia do educador garantirá, por si só, a atuação efetiva em sala de aula.

A formação contínua é pensada, geralmente, como uma série de cursos,

palestras, oficinas, que informam, em tópicos, teorias sobre projetos em implantação

na rede de ensino, sobre metodologias avaliativas, sobre índices de evolução em

educação no município analisados por provas nacionais do ensino básico,

instrumentos de avaliação sumativa externa que visam a classificação e certificação

da aprendizagem dos alunos no final do respectivo ciclo de estudos, como a

Provinha e a Prova Brasil.

Apesar dos investimentos realizados nos eventos de formação contínua,

cursos, palestras e outros, pouco se têm observado de significativo na reflexão

sobre a prática docente, impedindo ou dificultando o educador de alterar sua prática

através destes momentos. Em sua maioria estes momentos, apresentam

características de cursos de aperfeiçoamento, desconsiderando muitos aspectos

além dos estritamente informativos e referindo-se aos educadores como se sempre

estivessem em início de carreira, como Kramer (2001, p.82) muito bem expõe, com

pouco conhecimento a oferecer e muito a aprender. Podemos observar este aspecto

nos textos reflexivos das educadoras:

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Texto reflexivo Educadora A - PROFESSOR X FORMAÇÃO

Convenientemente escolhi este título porque é assim que me sinto

diante da maioria dos cursos, palestras ou qualquer que seja o nome

dado a intenção que os administradores do setor educacional de ...

têm em fornecer aos educadores ferramentas para seu trabalho em

sala de aula.

“Versus” porque o que é oferecido quase nunca contempla as

expectativas da maioria de nós, que esperamos algo contemporâneo

e que venha ao encontro com a necessidade, nos dias atuais, em

perceber o aluno de forma mais atuante no processo de ensino

aprendizagem.

Intriga-me o fato de insistirem com apostilas prontas (Ler e Escrever)

também adotadas pela rede estadual de ensino, que trazem modelos

e projetos prontos para que “soquemos” os conteúdos nos alunos de

forma que eles sairão craques em reprodução e não em produção.

Alguns conseguirão, no final, analisar um texto, mas não produzir.

Projeto, que ainda está bem claro em minha memória é aquele que

parte do interesse do aluno, o professor apenas direciona os meios

de pesquisa para contemplar mais de uma disciplina nas atividades

programadas.

Penso que esses cursos/palestras acontecem apenas para mostrar

que existe uma preocupação com a educação do município, pois o

último a ser oferecido contou com profissionais da área que

afirmaram terem trabalhado com essa apostila em sala de aula, mas

em 90% de três horas e meia, apenas fizeram uma leitura mais

compacta das instruções do manual.

Existem também cursos com carga horária maior, oferecidos em dias

e horários opostos aos das aulas. Estranhamente na única noite em

que é oferecido, a maioria das escolas tem Reunião de Coordenação

Pedagógica.

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Será que os administradores querem realmente que façamos esses

cursos? Ou será que esses “encontros” acontecem apenas para

justificar gastos com o setor?

Acredito também que FORMAÇÃO CONTINUADA remete a ideia de

tempo em dois sentidos: primeiro se referindo, como o próprio termo

sugere, à continuidade da formação, não impedindo que rupturas

possam existir durante o processo e nesses 12 anos de docência

nunca foram oferecidos pela PMS.

Essa interpretação do termo permite que o professor imprima o seu

ritmo para o desenvolvimento da sua formação e faça sua escolha

acerca daquilo que lhe falta ou daquilo que lhe intriga.

A liberdade de escolha em relação a qual curso realizar e quando

iniciar é fator exclusivo do formando. Esta característica da formação

continuada, de possibilitar que cada pessoa possa ser autônoma em

relação à temporalidade da continuidade de sua formação é um dos

componentes que singularizam as trajetórias docentes e uma

possibilidade inexistente em nossa rede.

Contudo, o tempo não deixa de ser compreendido e considerado por

aquilo que se faz ou se fez. Logo, a formação continuada expressa

início, mas nunca um fim.

O segundo sentido do termo é dependente de toda a estrutura na

qual a PMS, através da Secretaria de Educação está inserida. Assim,

de acordo tanto com os objetivos como também da elaboração da

proposta de formação ter-se-á a valorização ou não dos saberes que

cada participante deste processo traz na sua trajetória. A não

consideração dos saberes docentes é outra característica da

formação continuada que, na maioria das vezes não recebe a devida

atenção.

Irei mais longe ao dizer que a formação continuada oferecida pela

Prefeitura Municipal de ... desconsidera aqueles que produzem os

saberes.

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Texto reflexivo Educadora J - Formação de professores na rede

municipal.

Já participei de algumas formações realizadas pela rede municipal,

mas posso dizer que a maioria delas foi uma repetição da teoria que

a rede quer que esteja em prática.

As pessoas que aplicam a formação não se preocupam em inserir o

professor no tema, não levam em consideração a realidade de sala

de aula (seja esta por parte dos professores: de se desligar de um

método de ensino considerado seguro por parte deles, ou pelos

alunos: indisciplina, falta de educação no convívio social, falta de

infraestrutura).

Esses formadores apenas repetem a teoria desejada, como se fosse

o ideal, mas na prática, a realidade é outra. Não há um momento de o

professor relatar o que deu ou não certo, quando aplicou a tal teoria,

e muito menos uma adequação dessa teoria à realidade.

Em contrapartida, posso dizer que apesar dessa disseminação da

teoria, sempre tem uma coisinha aqui ou ali que se possa aproveitar,

mas a grande maioria dos professores, como não estão envolvidos no

processo de construção/formação, estão ali presentes apenas de

corpo, cumprindo as suas horas de trabalho.

Texto reflexivo Educadora R - A formação de professores

municipais de ... deixa a desejar.

Atualmente percebo que há um grupo de pensadores e outro de

executores.

Sendo assim, o caráter desta se torna mais burocrático e de certa

forma autoritário.

Temos que cumprir, executar projetos, propostas e prazos que na

maioria das vezes não foram escolhidos pelos professores. Percebe-

se que o que tem de ser feito ganha cada vez mais espaço no

cotidiano das escolas.

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Percebe-se que há pouca valorização do conhecimento e da trajetória

profissional, visto que a valorização está incutida nas ideologias do

estado, implantadas na rede com afinco.

Penso que a formação do professor deveria estar atrelada na busca

de conhecimentos que o levem a refletir, posicionar-se como ser

social em busca de melhorias, transformação de seu meio. Ele é um

formador, passam alunos e mais alunos, ano a ano em sua vida

profissional, mas na maioria das vezes, reproduzem, pois foram

engolidos pelo sistema.

Analisaremos duas formas de levantamento de informações sobre a formação

contínua em questão. Primeiramente baseados em uma pesquisa exploratória, com

a autorização do então diretor de educação do referido município, realizada por meio

de questionários distribuídos durante uma palestra, com o tema Bullying, ocorrida no

dia 27 de agosto de 2011, focalizando o Professor I, educadores do primeiro e

segundo ciclos do ensino fundamental, ou seja, do primeiro ao quinto ano (anexo 4).

Posteriormente, numa busca de fidelidade de sentidos, analisaremos e

interpretaremos oito texto reflexivos, como uma forma de expressão mais liberal à

respeito da formação contínua e o trabalho pedagógico desenvolvido pelos

educadores nas unidades de ensino, coletadas por meio de uma solicitação de

participação aos educadores de três unidades de ensino fundamental do mesmo

município, sendo uma localizada na área central, uma na periferia e uma na área

rural do município em questão, onde entramos em contato com cerca de cinquenta

educadores que se enquadram na referida pesquisa.

3.1 Significados de uma linha ocupada: uma análise da pesquisa

Por meio da escuta, buscaremos investigar as respostas provindas da

participação dos educadores em uma pesquisa, realizada no dia em 27 de agosto de

2011, em forma de questionários (anexo 4), quanto aos saberes individuais dos

educadores no que diz respeito à formação contínua oferecida pela Secretaria

Municipal de Educação de um município no interior do estado de São Paulo. Serão

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analisados pontos de vista em relação à forma como acontece a formação contínua,

as frustrações, desejos e reflexões envolvidos neste processo.

A pesquisa foi autorizada pelo então diretor de educação do município e

aplicada durante uma palestra de formação contínua para profissionais da educação

da referida rede de ensino.

Estavam presentes cerca de 600 profissionais ligados à educação, dentre

eles professores, recreacionistas, especialistas educacionais e demais servidores,

em um espaço improvisado para recebê-los.

Por meio de diálogo explicativo a respeito da pesquisa à pequenos grupos de

educadores, foram entregues cerca de 250 questionários conforme o modelo a

seguir. Foram devolvidos respondidos 27% deles, ou seja, 68 questionários, dos

quais ouviremos a conversa de somente 15 (anexo 4), por se tratarem dos

representantes docentes, Professores I, educadores do primeiro e segundo ciclos do

ensino fundamental, ou seja, do primeiro ao quinto ano, em atuação, contemplados

pelo tema desta dissertação.

Questionário:

Identificação necessária:

( ) Recreacionista

( ) Professor da Educação Infantil

( ) Professor das séries iniciais do EF - PI

( ) Professor das séries finais do EF ou do EM – PII

( ) Professor da EJA

( ) especialista

( ) Outro. Qual? ____________________________________

Tempo de docência ou de trabalho na área educacional: ______ anos.

Formação atual:

( ) Graduado/Superior ( ) Pós graduado/Especialização ( ) Mestre

( ) Outro. Qual? ____________________________________________

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A1. O que você entende por formação contínua ?

A2. Como desejaria que a formação contínua ocorresse ?

Assinale a alternativa que melhor lhe convier quanto ao tema/assunto da

palestra atual:

B1. Corresponde com minhas dúvidas e necessidades atuais.

( ) Discordo ( ) Concordo em partes ( ) Concordo

B2. É aplicável em meu dia-a-dia escolar.

( ) Discordo ( ) Concordo em partes ( ) Concordo

B3. É um assunto de meu interesse profissional atual.

( ) Discordo ( ) Concordo em partes ( ) Concordo

B4. Optaria por este tema/assunto se consultado.

( ) Discordo ( ) Concordo em partes ( ) Concordo

Assinale a alternativa que melhor lhe convier quanto explanação da palestra

atual:

C1. Esclareceu dúvidas que não havia consciência da existência.

( ) Discordo ( ) Concordo em partes ( ) Concordo

C2. Vai contribuir para meu dia-a-dia escolar.

( ) Discordo ( ) Concordo em partes ( ) Concordo

C3. Acrescentou conhecimentos profissionais sobre o tema/ assunto.

( ) Discordo ( ) Concordo em partes ( ) Concordo

C4. O público esteve envolvido.

( ) Discordo ( ) Concordo em partes ( ) Concordo

C5. A palestra gerou-me satisfação.

( ) Discordo ( ) Concordo em partes ( ) Concordo

C6. A formação atual contempla meu desenvolvimento profissional.

( ) Discordo ( ) Concordo em partes ( ) Concordo

C7. A formação atual contempla o desenvolvimento organizacional de minha

unidade escolar.

( ) Discordo ( ) Concordo em partes ( ) Concordo

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Assinale a alternativa que melhor lhe convier quanto a outras oportunidades

de formação contínua:

D1. Lembro-me dos temas das formações anteriores:

( ) 2010 ( ) 2009 ( ) Não me lembro

D2. Sinto necessidade da formação contínua.

( ) Discordo ( ) Concordo em partes ( ) Concordo

D3. Reconheço a importância da formação contínua.

( ) Discordo ( ) Concordo em partes ( ) Concordo

D4. Gostaria de ser consultado quanto ao tema/assunto para as formações.

( ) Discordo ( ) Concordo em partes ( ) Concordo

D5. Se fosse consultado optaria por:

( ) palestra

( ) oficina (com atividades práticas envolvidas)

( ) mini-curso (teoria em pequenos grupos)

( ) Nenhum

( ) Outro. Qual? ______________________________________

D6. Temas/assuntos que me interessam profissionalmente:

Desperta-nos uma primeira atenção a pequena participação dos educadores,

por se tratar de uma possibilidade de participação dialógica a respeito da sua

formação contínua.

Observamos que na totalidade dos pesquisados contemplados com o tema

desta dissertação, Professor I em atuação no primeiro e segundo ciclos do ensino

fundamental, ou seja, docente do primeiro ao quinto ano, os educadores são

graduados, sendo que dois terços destes possuem também alguma pós-graduação

lato sensu. O que nos leva a perceber o educador em questão como um sujeito

envolvido profissionalmente, pois na referida rede de ensino não há subsídios para

cursos que não sejam oferecidos pelo Cefems (anexo 1).

Uma observação relevante é o fato de 88% dos Professores I, contemplados

nesta pesquisa, reconhecerem a importância e sentirem a necessidade da formação

contínua, respondendo o questionamento: Como desejaria que a formação contínua

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ocorresse ? de uma forma muito clara, sugerindo frequência maior, quinzenalmente

ou mensalmente, “de forma mais continuada, ou seja, mais cursos, palestras, etc.”;

desejam a formação contínua nas unidades de ensino “com grupos menores de

educadores que possibilite a troca de experiências”; “durante o ano todo em

momentos próprios como: parada pedagógica, durante recesso de julho, uma

semana antes do início das aulas e pelo menos uma vez por semana em horários

estipulados”; “no decorrer do ano, na escola, com profissionais que embasassem

sobre os temas sugeridos pelos professores”.

Curiosamente, o único educador que concordou parcialmente com a

necessidade de formação contínua, e concordou com sua importância, não registrou

o que entende por formação contínua e não opinou sobre como desejaria que

ocorresse, mas assinalou que desejaria ser consultado quanto ao tema para as

formações.

Observamos que de forma semelhante ocorreu a participação de outro

educador, que não registrou seu conhecimento e sua opinião sobre formação

contínua, mas concordou com a necessidade e importância da formação contínua.

Nas questões com múltiplas escolhas assinalou que concordava em partes com o

tema oferecido neste dia, mas assinalou que concordava parcialmente como a

consulta sobre temas para outras formações contínuas.

Nestes dois casos percebemos certo distanciamento da pesquisa, uma vez

que os educadores se recusam a escrever e a se posicionarem sobre seus

conhecimentos em relação à formação contínua.

Analisando especialmente estas duas participações, constatamos uma

ausência de envolvimento dos educadores, talvez demonstrando a busca pela

singularidade enquanto sujeito, o que nos remete a declaração de Araújo, quando

nos afirma que:

Tais considerações sugerem que onde há relações de poder, há

possibilidades de resistência, há margens de liberdade, margens que

se propiciam inicialmente na relação que cada um mantém consigo,

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na conduta particular de cada um, no modo de pensar, de agir, de se

ter corpo, de falar etc., no modo como cada um regula suas

interações com o ambiente, como seleciona para si elementos de seu

meio e exclui outros, de que modo afirma sua singularidade – a

serviço dos valores em curso ou na busca de outras formas de

sociabilidade realmente democráticas. (2012, p. 10)

Quanto ao envolvimento do público e a satisfação profissional dos

educadores em questão, presentes na formação contínua ocorrida no dia da referida

coleta de participações, somente dois educadores concordaram – os mesmos dois

e um terceiro – concordaram com a geração de satisfação proporcionada pela

palestra.

O que nos desperta a atenção é o fato destes mesmos educadores citarem

como temas ou assuntos para próximas formações “como lidar com a indisciplina da

sala de aula” e “comportamento e indisciplina em sala de aula,” sugerindo que a

satisfação com a referida formação contínua coincidiu com uma necessidade atual

destes educadores.

Cabe uma observação quanto aos modelos de formação, tratados no primeiro

capítulo desta dissertação, por Demailly (1997), especialmente o modelo formativo-

contratual, em que a Secretaria Municipal de Educação envia o educador à

formação contínua durante o horário de trabalho, numa relação simbólica entre

formando e formador, ou seja, colocando o educador no “lugar do morto” segundo

Nóvoa (1999).

Todos os educadores sinalizaram quanto à sua opção para a formação

contínua. Somente dois educadores concordam com a formação contínua

unicamente em forma de palestra. Oficina (com atividades práticas envolvidas) ou

minicurso (teoria em pequenos grupos) são as formas sugeridas por dois terços dos

educadores, os quais discorrem sobre características desejadas para as formações

contínuas, “que ocorresse na unidade escolar”, “gostaria que ocorresse em

pequenos grupos”, “com grupos menores de educadores que possibilite a troca de

experiências”.

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Recorremos ao modelo interactivo-reflexivo, tratado por Demailly em nosso

primeiro capítulo para analisarmos estas sinalizações quanto às formas sugeridas

pelos educadores para sua formação contínua. Esta forma permite gerar reflexões e

construir coletivamente saberes que norteiam a prática pedagógica em cada unidade

de ensino, reconhece o educador como sujeito pertencente ao processo educacional

e gera competências ligadas à resolução de problemas confrontados no cotidiano

escolar.

As formações em modelo interactivo-reflexivo permitem ao educador ser

retirado do “lugar do morto”, uma necessidade urgente para a verdadeira formação

contínua possibilitadora de um processo de construção pessoal e profissional que

fomente a ressignificação do papel do educador atual.

Nenhum sujeito respondeu negativamente à necessidade de formação

contínua, o que segundo Hopenhayn (2001), parece ser a própria busca pela

geração de sentidos e evidencia a assumida incompletude do educador.

Quase a totalidade dos educadores considera relevante a consulta sobre o

tema para a formação, fato coerentemente observado quando foi perguntado se o

público da palestra esteve envolvido, com o que somente dois educadores

concordaram. Esse fato evidencia a busca pelo processo de singularização do

educador como podemos compreender na fala de Guattari :

A subjetividade está em circulação, e assumida e vivida por

indivíduos em suas existências particulares. O modo pelo qual os

indivíduos vivem essa subjetividade oscila entre dois extremos: uma

relação de alienação e opressão, na qual o indivíduo se submete à

subjetividade tal como a recebe, ou uma relação de expressão e de

criação, na qual o indivíduo se reapropria dos componentes da

subjetividade, produzindo um processo que eu chamaria de

singularização. (1986, p.33)

O educador deixa seu registro de inconformidade com o modo de

subjetivação, em que se esvazia o educador de singularidade, por meio do desejo

de participação nas decisões sobre temas para próximas oportunidades de formação

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contínua oferecida pela Secretaria Municipal de educação. O educador procura a

afirmação de valores individuais, num processo de singularização que segundo

Guattari é:

... um devir diferencial que recusa a subjetivação capitalística. Isso se

sente por um calor nas relações, por determinada maneira de

desejar, por uma afirmação positiva da criatividade, por uma vontade

de amar, por uma vontade de simplesmente viver ou sobreviver, pela

multiplicidade dessas vontades. É preciso abrir espaço para que isso

aconteça. O desejo só pode ser vivido em vetores de singularidade.

(1986, p. 47)

Nesta emergência de singularidade observamos dois tipos de respostas

micropolíticas tratadas por Guattari (1986, p.50), “a resposta normalizadora ou, ao

contrário, a resposta que busca a singularidade para a construção de um processo

que possa mudar a situação, e talvez não só local”.

A formação contínua em questão caminha pelas águas da subjetivação e

quando um educador destoa no agrupamento há duas opções: resistir ao processo,

tornando-se um ponto de singularidade por meio de sua estratificação, sendo

anulado completamente ou iniciar um processo de singularização por meio de uma

ação micropolítica.

Parece ser o início de um processo de singularização a participação

voluntária na referida pesquisa. O educador dá voz aos seus desejos e inquietações

quanto ao que se compreende por formação contínua discorrendo como “a

realização periódica, sistemática e organizada de palestras e cursos que visam o

aprimoramento profissional”; “momento em que professores podem estar em estudo

com seus amigos da mesma formação e profissão. Cursos, palestras para continuar

crescendo profissionalmente”; “palestras, oficinas e minicurso que vem de encontro

com as expectativas do professor e atendem as mudanças na educação e suas

necessidades”; “o trabalho com temas atuais e pertinentes ao nosso cotidiano

escolar, comunitário, familiar ou mesmo pessoal”; “formação que ocorre junto à

prática escolar e regularmente”; “é uma formação que deve vir de encontro para

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sanar qualquer dúvida/problema do cotidiano escolar” e “é discutir a prática

pedagógica, no decorrer do ano, embasados e voltados à teoria”.

Foram sugeridas diversas temáticas para futuras formações contínuas, dentre

elas disciplina/indisciplina; violência; inclusão; estresse do professor; drogas e

sexualidade, como trabalhar com crianças, adolescentes e jovens; projetos

pedagógicos; dificuldades pedagógicas; desenvolvimento infantil; tecnologias na

educação; jogos para alfabetização e matemática; mudanças na educação,

legislação e inclusive o tema Bullying.

A sugestão do tema Bullying chama nossa atenção uma vez que a formação

em questão trazia esta temática, porém fora oferecida no modelo formativo-

contratual pela Secretaria Municipal de Educação, trazendo como formador o

advogado do Sindicato dos Servidores Municipais e tendo discorrido sobre o aspecto

jurídico do tema.

Que geração de sentidos buscou-se nesta formação contínua ? Que

aprimoramento da prática pedagógica foi ofertado ? Onde estão as

dúvidas/problemas do cotidiano escolar no aspecto jurídico do Bullying ? Assim,

concordamos com sugestão do tema mesmo sendo sugerido durante a formação

contínua intitulada Bullying.

3.2 Viva voz: para que se ouça a voz dos educadores

Analisaremos e interpretaremos a participação consistente de educadoras da

rede de ensino de um município no interior do estado de São Paulo, por meio da voz

coletada em um texto reflexivo sobre a formação contínua oferecida pela Secretaria

Municipal de Educação e o trabalho pedagógico desenvolvido pelos educadores nas

escolas.

A caracterização profissional do grupo de oito educadoras pode ser

visualizada com a idade entre 35 e 55 anos, educadoras concursadas e efetivas na

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rede municipal de educação do referido município há mais de oito anos.

Profissionais que trabalharam ou trabalham em duas redes de ensino, buscando

suprir suas necessidades financeiras, superando obstáculos emocionais e sociais

para fortalecer seu profissionalismo. Todas possuem curso de graduação e de

especialização, participam das formações contínuas quando convocadas em horário

de trabalho; atualmente uma delas está participando de uma formação contínua em

horário inverso à sua atuação docente.

A partir da leitura dos textos parece-nos evidente a necessidade de se

abandonar o conceito de formação contínua unicamente como atualização científica

e didática do professor e adotar-se um conceito de construção baseada na prática.

Conforme podemos compreender nas palavras da Educadora R (p.54), quando nos

fala que “penso que a formação do professor deveria estar atrelada à busca de

conhecimentos que o levem a refletir, posicionar-se como ser social em busca de

melhorias. “

Entretanto, do modo como é oferecida aos educadores, essa formação se

configura em momentos pontuais, solitários e desvinculados de sua prática

pedagógica, como observamos nos questionamentos da educadora A (p.50):

Penso que esses cursos/palestras acontecem apenas para mostrar

que existe uma preocupação com a educação do município, pois o

último a ser oferecido contou com profissionais da área que

afirmaram terem trabalhado com essa apostila em sala de aula, mas

em 90% de três horas e meia, apenas fizeram uma leitura mais

compacta das instruções do manual.

Existem também cursos com carga horária maior, oferecidos em dias

e horários opostos aos das aulas. Estranhamente, na única noite em

que é oferecido, a maioria das escolas tem Reunião de Coordenação

Pedagógica. Será que os administradores querem realmente que

façamos esses cursos? Ou será que esses “encontros” acontecem

apenas para justificar gastos com o setor ?

Na fala da educadora A podemos observar que, da maneira como é

disponibilizada, a formação contínua, é um obstáculo para a maioria dos

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educadores, talvez passível de resolução através do diálogo, ainda inexistente, entre

o Centro de Formação de Educadores Municipais – Cefems (anexo 1)) e os

educadores da referida rede de ensino.

Por meio das reflexões da educadora M, podemos perceber que há uma

preocupação com a formação contínua e também momentos possíveis para que ela

ocorra, haja vista que todas possuem alguma especialização profissional

conquistada por mérito e investimento próprios, como observamos no terceiro

parágrafo :

Texto reflexivo Educadora M - A Importância da Formação

Continuada para os Profissionais da Educação.

Para o sistema educacional do nosso País avançar em qualidade é

necessário que ocorram constantes atualizações de conhecimentos

e metodologias para o educador, sejam em formações acadêmicas,

ou através de formações continuadas.

A Região Metropolitana de Campinas (RMC) privilegia os Educadores

que querem dar sequência aos estudos, pois nessa região

encontram-se dezenas de Faculdades, Universidades, inclusive a

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) que é uma das

referências Nacionais em pesquisa e educação.

Grande parte desses educadores investe tempo e recursos

financeiros próprios, em cursos de pós-graduação e especialização,

sendo que nem sempre o local em que trabalham lhe proporciona

retorno financeiro sobre estes investimentos. Por conseguinte

podemos entender que esses profissionais estudam para:

- Melhorarem sua formação profissional;

- Capacitação;

- Pelo Espírito de pesquisa;

- Pela crença na melhoria da qualidade educacional.

Entender o contexto educacional, social e político ao qual estamos

inseridos na RMC é a primeira etapa que deveria ser analisada

quando se trata de formação continuada aos professores de nosso

Município.

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Em nossa rede de ... , estamos estudando materiais e metodologias

que são utilizados e desenvolvidos pelo Estado há anos, sendo

sabido que muito desse material e metodologias não influenciam na

aprendizagem dos educandos como se é esperado.

Consequentemente os índices de evolução em Educação não

melhoram na mesma velocidade que avança nossa economia.

Mesmo assim nos vemos obrigados a utilizar essa metodologia e

participar das formações para isso.

O que mais ouvimos falar durante as formações, é que nada de novo

é acrescentado, que as formações são sempre para os professores

em início de carreira. Quase sempre existe uma expectativa frustrada

depois de um encontro ou formação em nossa rede de ensino.

Podemos concluir que precisamos de gestores capacitados na

condução da educação do município, dispostos a selecionar

competências com conhecimento de modelos de educação nacionais

e internacionais. Atrelados a realidade social, econômica e cultural de

nossa região.

Deveria haver por parte da Secretaria de Educação, escolha por

educadores, além de comprometidos, dispostos a fazerem parte de

um grupo de pesquisa que atrelasse o Município ao contexto global

em Educação, sem deixar de contemplar as especificidades da RMC.

Ainda sugiro que esses professores formadores da Secretaria de

Educação, possuam no mínimo grau de Mestre e vivência em sala de

aula, para juntar à teoria a prática pedagógica.

Para que haja formação dinâmica e de qualidade, voltada para o

contexto mundial atual em que vivemos, e assim os professores

possam avançar em conhecimentos, práticas e metodologias efetivas,

que realmente cheguem aos alunos.

O Cefems (anexo 1), espaço público do município “destinado ao

planejamento, sistematização e execução de projetos, programas, atividades, ações,

serviços e eventos voltados para a formação, qualificação e requalificação

continuada dos profissionais da educação”, parece necessitar da ampliação de sua

perspectiva sobre os educadores e o contexto educacional, social e político ao qual

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o município está inserido. Talvez essas devam ser premissas e mereçam atenção

como:

... a primeira etapa que deveria ser analisada quando se trata de

formação continuada aos professores de nosso Município. A Região

Metropolitana de Campinas (RMC) privilegia os educadores que

querem dar sequência aos estudos, pois nessa região encontram-se

dezenas de Faculdades, Universidades, inclusive a Universidade

Estadual de Campinas (UNICAMP) que é uma das referências

Nacionais em pesquisa e educação. (Educadora M, p.63)

De modo semelhante observamos essa necessidade de reconhecimento e

correspondência de vínculo nas reflexões das educadoras:

Texto reflexivo Educadora L

Os temas abordados nas formações são todos pertinentes, inclusive

quando nos são oferecidos momentos culturais (música, teatro...).

Às vezes os profissionais tentam nos passar algo que nem eles

mesmos acreditam e muitos nunca experienciaram aquela teoria ou

método.

Em minha opinião, os temas são jogados e não há uma sequencia

lógica e coerente para serem passados para nós ou para os

coordenadores, que também não estão muito ligados com a realidade

da sua unidade escolar e muito menos conosco, querem apenas

entregar no prazo os produtos finais dos projetos.

Já os projetos são muito bons, têm objetivos claros, pessoas

empenhadas no comando. Seria necessário que os coordenadores

dos projetos se comunicassem melhor para perceberem as datas de

entrega dos trabalhos, porque o papel aceita tudo e se esquecem que

no meio do caminho acontecem várias situações que faz necessário

mudar prazos e até mesmo o objetivo inicial daquele projeto.

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Texto reflexivo Educadora I

Impossível falar de qualidade de ensino, sem falar da formação do

professor, são as transformações sociais é que vão gerar

transformações no ensino. Há algumas décadas, acreditava-se que

ao terminar a sua graduação o profissional estaria apta para atuar na

sua área o resto da vida. Hoje, a interpretação é diferente,

principalmente para o profissional docente, ele deve estar consciente,

que sua formação é permanente e integrada no seu dia-a-dia nas

escolas e ou em formações oferecidas pela própria entidade

governamental, criando espaços onde a reflexão seja possível.

Porém essa formação só será completa quando esses profissionais

se auto produzirem, num processo de construção do saber.

A real valorização do magistério precisa ter três alicerces sólidos: a

formação inicial, boa formação continuada e boas condições de

trabalho, salário e carreira.

“A troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços

de formação mútua, nas quais cada professor é chamado a

desempenhar simultaneamente o papel de formador e de formando”

(Nóvoa, 1997, p.26)

Em algumas formações nos deparamos com situações conflitantes,

desafiantes, onde aplicações de técnicas convencionais não resolvem

problemas. Nesse sentido, freire afirma que: “É pensando

criticamente a prática de hoje ou de ontem é que se pode melhorar a

próxima prática” (1996, p.43).

Minha opinião, hoje, as formações que nos são oferecidas pela

instituição municipal de ... não seguem uma linha organizacional; não

oferece estrutura física e ambiente próprio para tal; Não é reflexiva e

organizada em grupos de trabalho; não se constrói um diálogo

formativo e reflexivo; pouca troca de experiência; não se fundamenta

nas exposições dos conteúdos e citações de educadores e

pensadores; sem linha pedagógica definida.

Onde o tumulto e desorganização se fazem presente, não é possível

uma reflexão didática, pedagógica e sim discussões aleatórias, de

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interesse político. Enfim, são completamente desconexas da

realidade docente.

Quando os educadores nos falam sobre seus sentimentos em relação à

formação contínua oferecida no município em questão percebemos a ausência do

vínculo genuíno, produtor de sentidos recíprocos, como Hopenhayn (2001) discorre:

O que mais ouvimos falar durante as formações, é que nada de novo

é acrescentado, que as formações são sempre para os professores

em início de carreira. Quase sempre existe uma expectativa frustrada

depois de um encontro ou formação em nossa rede de ensino.

(Educadora M, p.64)

O que é oferecido quase nunca contempla as expectativas da maioria

de nós, que esperamos algo contemporâneo e que venha ao

encontro com a necessidade, nos dias atuais, em perceber o aluno de

forma mais atuante no processo de ensino aprendizagem.

(Educadora A, p.50)

Às vezes os profissionais tentam nos passar algo que nem eles

mesmos acreditam e muitos nunca experienciaram aquela teoria ou

método. (Educadora L, p.65)

Já participei de algumas formações realizadas pela rede municipal,

mas posso dizer que a maioria delas foi uma repetição da teoria que

a rede quer que esteja em prática. (Educadora J, p.52)

Minha opinião, hoje, as formações que nos são oferecidas pela

instituição municipal de ... não seguem uma linha organizacional; não

oferece estrutura física e ambiente próprio para tal; Não é reflexiva e

organizada em grupos de trabalho; não se constrói um diálogo

formativo e reflexivo; pouca troca de experiência; não se fundamenta

nas exposições dos conteúdos e citações de educadores e

pensadores; sem linha pedagógica definida.

Onde o tumulto e desorganização se fazem presente, não é possível

uma reflexão didática, pedagógica e sim discussões aleatórias, de

interesse político. Enfim, são completamente desconexas da

realidade docente. (Educadora I, p.67)

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Podemos observar no primeiro parágrafo do texto reflexivo da Educadora E

uma violência simbólica perturbadora quando escreve:

Texto reflexivo Educadora E

Nestes últimos anos a Secretaria Municipal de Educação deste

município ofereceu de forma positiva o curso Letra e Vida, pois existe

um contexto intimamente ligado ao cotidiano escolar. Fora isso,

infelizmente, não houve nada de produtivo, pois todas as vezes que

fomos convocados pela SME, apenas nos ofereceram palestras, com

pessoas sem nenhuma relação com a educação.

... é uma cidade da região metropolitana que tem se destacado e

recebido prêmios de desenvolvimento, mas a educação está

estagnada. Cada escola desenvolve seu conteúdo de acordo com o

livro didático que existe na unidade, apesar de existir um

planejamento oferecido pelo Centro de formação (Cefems), a maioria

não utiliza. Todos são obrigados a usar o Ler e Escrever, projeto

desenvolvido pela Secretaria Estadual com formação contínua para

todos os professores, mesmo sem dominar as práticas pedagógicas

que o envolvem.

É lamentável que esta Secretaria entregue toda responsabilidade às

Unidades Escolares, num âmbito global não atenda as necessidades

e nem colabora para uma formação melhor do seu profissional.

Lembrando que o curso citado como positivo se refere apenas à

alfabetização em língua portuguesa, as demais séries ficam soltas; a

matemática, o mal do século, ninguém nem sabe o que está no

currículo e que professores anseiam por formação contínua.

Muitas vezes sem nenhuma ligação com a educação, as palestras já foram de

autoajuda, palestras proferidas por advogados, mágicos ou shows musicais,

palestras de intelectuais que desconhecem a realidade educacional do município e

trazem propostas que a tempos são executadas. O que, segundo a Educadora J

(p.53), observa-se que “As pessoas que aplicam a formação não se preocupam em

inserir o professor no tema, não levam em consideração a realidade de sala de

aula.”

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Num movimento constante, a educação exige atualização e os educadores

não se recusam a aceitarem este fato, o que podemos ler no primeiro parágrafo do

texto reflexivo da educadora C e nos trechos a seguir dos textos de outros

educadores:

Texto reflexivo Educadora C

Formação, algo necessário e que permite sustentação às ações

pedagógicas. Vivemos em um mundo globalizado, dinâmico, de

constantes mudanças, inovações, sendo assim necessário e de

extrema relevância a busca por formação contínua.

Permito-me dizer que o entrave surge quando a formação

proporcionada não atinge as expectativas do professor, uma vez que

as angústias do professor em sala de aula vão além das explanações

de conteúdo e técnicas.

Por outro lado, acredito que, mesmo que a formação seja repetitiva

possibilita um novo olhar, pois como já citado, estamos em

constantes mudanças. Permitir-se ter um novo olhar e romper com

conceitos enraizados causa desconforto interior, o que leva em

alguns casos à uma exaustão de críticas em relação à formação.

Educadora I (p.67)

Impossível falar de qualidade de ensino, sem falar da formação do

professor, são as transformações sociais é que vão gerar

transformações no ensino. Há algumas décadas, acreditava-se que

ao terminar a sua graduação o profissional estaria apta para atuar na

sua área o resto da vida. Hoje, a interpretação é diferente,

principalmente para o profissional docente, ele deve estar consciente,

que sua formação é permanente e integrada no seu dia-a-dia nas

escolas e ou em formações oferecidas pela própria entidade

governamental, criando espaços onde a reflexão seja possível.

Porém essa formação só será completa quando esses profissionais

se auto produzirem, num processo de construção do saber.

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Educadora E (p.69)

É lamentável que esta Secretaria entregue toda responsabilidade às

Unidades Escolares, num âmbito global não atenda as necessidades

e nem colabora para uma formação melhor do seu profissional.

Encontramos duas certezas contraditórias, a primeira em relação à

importância da formação como uma possibilidade de sempre proporcionar novos

olhares à educação, nas palavras da Educadora C, e a segunda em relação à falta

de importância dada pelo educador que não se sente envolvido no próprio processo

de formação contínua, no texto da Educadora J:

Por outro lado, acredito que, mesmo que a formação seja repetitiva

possibilita um novo olhar, pois como já citado estamos em constantes

mudanças. (Educadora C, p.70)

Em contrapartida, posso dizer que apesar dessa disseminação da

teoria, sempre tem uma coisinha aqui ou ali que se possa aproveitar,

mas a grande maioria dos professores, como não estão envolvidos no

processo de construção/formação, estão ali presentes apenas de

corpo, cumprindo as suas horas de trabalho. (Educadora J, p.53)

A formação contínua deve ser um processo planejado de reflexão

sistematizada, baseado no cotidiano do educador e em seus entraves. Os

momentos de formação contínua só serão transformadores se forem participativos,

proporcionarem também o autoconhecimento e autoformação dos educadores,

indivíduos singulares.

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Considerações finais: não se entende ou não se atende a ligação ?

A expressão Educação contínua visa assinalar o trabalho ininterrupto de

formação a ser realizado com os educadores após a graduação e faz referência com

a noção de contínuo, do latim continuum, no sentido de que “são contínuas as

coisas cujos limites se tocam e de cujo contato surge certa unidade” (Abbagnano,

2000, p. 201).

Formação contínua pressupõe sequencialidade, planejamento, situação em

que os limites entre um encontro e outros dialoguem e produzam uma unidade em

fortalecimento constante, considerando sempre o educador, o contexto social

inserido e sua prática pedagógica, reconstruindo-a a partir da possibilidade de

reflexão ocasionada neste momento com outras experiências e outras sabedorias.

A imagem que parece melhor representar o pensamento sobre a formação

contínua é a do desenvolvimento embrionário e fetal. Na fase inicial, na formação

embrionária, as mudanças são observáveis em pequenos espaços temporais. O

embrião se constrói momento a momento, num processo inesgotável de renovação

por meio de transformações, buscando a maturidade e a excelência de suas

funções. Num dado momento inicia-se a fase fetal, quando o embrião começa a

adquirir sua forma final; a partir desta fase também são observáveis diversas

transformações, a busca pela constituição que lhe dará a liberdade do nascimento,

mas o ritmo desacelera com base na complexidade em que já se encontra.

A natureza é sábia, cabe a nós aprendê-la. A formação contínua parece exigir

a ininterruptibilidade existencial, como a formação embrionário-fetal e suscita novas

transformações por e pelas necessidades advindas do trabalho dos educadores.

Em um de seus pensamentos, Jean-Paul Sartre (apud Pizzinga, 2009) refere-

se ao ato de tratar a implicação de um problema vivenciado por si como se fosse

outro ser à consciência sobre uma situação, trazendo sempre a reflexão sobre ser

vítima e cúmplice ao mesmo tempo. Todos os envolvidos no processo de formação

contínua merecem estas palavras, a começar pela Secretaria Municipal de

Educação:

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De acordo com a Secretaria Municipal de Educação, será da

competência do Cefems coordenar a elaboração e a execução da

proposta pedagógica da política pública municipal vigente, de acordo

com a atual legislação municipal, obedecendo às diretrizes e normas

governamentais, promover o desenvolvimento da formação

continuada a todos os profissionais da rede municipal de educação...

O Cefems terá também como responsabilidade atuar junto aos seus

responsáveis e das Unidades Escolares Municipais, orientando na

estruturação, implementação e desenvolvimento dos projetos ou sob

sua supervisão. (anexo 1).

Observamos ao longo destes estudos a fragilidade na sequencialidade do

processo de formação contínua, a fragilidade na estruturação e implementação

deste processo, a fragilidade da visão primeira sobre os envolvidos, os educadores.

Porém, se vítimas, também cúmplices. Os educadores apresentam uma

coexistência de alienação e resistência em suas atitudes como observamos em dois

encontros de formação contínua oferecidos pela rede municipal de educação em

diferentes circunstâncias, o curso Educando com a voz e a apresentação cultural.

Em abril deste ano foi oferecido um curso, Educando com a voz (anexo 2),

com a possibilidade de participação por todos os educadores da rede de ensino do

município, pelo fato de haver a opção de segunda, terça ou quarta-feira. A esta

formação, que ocorreria fora do horário de trabalho, haveria remuneração em forma

de reunião administrativa, atitude incomum da Secretaria Municipal de Educação,

porém de grande importância para o estudo em questão.

Contrariando as análises das pesquisas e as justificativas dos textos, a oficina

foi reestruturada (anexo 3), “devido ao pouco número de inscritos”, sendo realizada

somente na quarta-feira.

O que houve nesta formação que não contemplou a necessidade ou

possibilidade dos educadores de participarem? Ou o tema não obteve

reconhecimento como importante ao educador por ele mesmo?

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Parece que o telefone toca, mas na tela aparece a identificação sobre a

chamada. A decisão de atender ou não está nas mãos de quem a recebe. A verdade

é que tão pouco se chama o educador à reflexão que nos parece que ele tenha

perdido sua sensibilidade e sem sensibilidade não interpretamos o mundo e não

mudamos a história.

Outro exemplo foi o ocorrido numa apresentação musical no mês de maio,

com a referida rede de ensino. Talvez procurando a participação dos educadores,

uma vez que não foi atingido o objetivo com o curso Educando com a voz, a

Secretaria Municipal de Educação optou por substituir a coordenação pedagógica

semanal, obrigatória e de cumprimento na unidade de ensino, por uma apresentação

cultural na busca pela “implantação de novas iniciativas na área da formação

continuada” (anexo 1). Nesta noite, quebrou-se o encanto, talvez a falha não

estivesse só no planejamento da formação contínua, talvez estivesse também nos

modos de singularização dos educadores, pois a forma como se pensa cada

experiência revela a singularidade de cada sujeito.

A apresentação cultural trata-se de uma mostra de música erudita, num

espaço adequado para tal, dentro do horário de trabalho dos educadores, sendo

remunerado, do qual somente se cobraria o desfrute de uma ocasião incomum aos

educadores em questão. Durante a apresentação, uma atmosfera de revolta se

estabeleceu e os rumores dos diálogos e conversas grupais ensurdeciam os ouvidos

dos poucos que respeitavam os musicistas. Ao chegar o final do horário que se daria

a coordenação pedagógica, mesmo estando os musicistas ao palco durante a

execução de peças musicais escolhidas para o público a que se apresentariam, pois

trazia a infância como tema, os educadores se levantavam de suas confortáveis

poltronas e se ausentavam, sem nem sequer pouparem as despedidas aos colegas

de trabalho.

Como num conto de fadas, a magia aconteceu, o auditório silenciou e com um

terço dos educadores pode-se ouvir duas peças inteiras, seguidas pela despedida

do musicista pedindo desculpas por ter atrapalhado a conversa dos educadores

durante o encontro.

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Um aspecto desperta nossa atenção, a convocação. O comunicado sobre a

mudança de coordenação pedagogia para apresentação cultural chegou as

unidades de ensino em forma de convocação, impedindo o educador de decidir pela

participação ou não na formação contínua, contínua? Terá o Cefems (anexo 1)

“como princípios o respeito à cultura local, a educação pela cidadania, o pluralismo

de idéias e das concepções pedagógicas e a garantia do padrão de qualidade de

ensino” ?

Em um esforço para a compreensão do fato, chego à conclusão sobre a

forma como é organizada a formação contínua. Caso a sensibilidade aparecesse no

comunicado, dando a opção aos que desejassem desfrutar da apresentação cultural

e aos que não o desejassem de cumprir seu horário de trabalho na unidade de

ensino, fazendo o planejamento semanal como o esperado, o musicista

provavelmente seria poupado da indiscrição e aos educadores presentes

efetivamente teria sido ofertado um momento de subjetivação.

Estando no auditório por desejo e não convocação, muitos educadores que

não conseguiram respeitar a ocasião, o faria por ter optado e assim respeitando sua

decisão. Subjetivar não é depositar, é preciso que o sujeito participe e esteja

disponível para desfrutar do prazer lhe é proporcionado, não basta estar presente.

O convívio entre educadores insere um pensar coletivo a cada novo indivíduo

que chega à educação, passando o indivíduo a ser parte do controle, e quando isso

ocorre, já não há mais controle. Os encontros de formação tornam-se convocações

e mero cumprimento de horas de trabalho, independente da possibilidade de

reflexão trazida pela formação contínua.

Frente às representações legitimadas de saberes os educadores se calam,

talvez por estarem ou sentirem-se excluídos dos processos de formação, talvez por

somente não participarem do planejamento destes processos ou por não sentirem

que seus saberes são respeitados pela formação contínua legítima e assim não

outorgarem o direito de lhes ensinarem.

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A formação contínua se faz em lugares e horários não instituídos para a

produção de saberes, lugares onde os educadores sentem que têm voz, seu

território, pois se não há condições de reflexão sobre a prática oportunizada nos

encontros de educadores, há nos diálogos que ocorrem nos espaços de

transgressão, nas portas das salas de aula, nos corredores das unidades de ensino

ou nos intervalos de aulas, momentos de extraordinária riqueza, momentos de troca

de experiências, momentos de apoio pedagógico e emocional, momentos de

sabedoria às escondidas, algo ocorre fora dos lugares determinados.

Parece ser necessário abandonar-se o conceito de formação profissional

contínua unicamente como atualização científica e didática do educador para adotar-

se um conceito de formação contínua que consista em organizar, fundamentar,

descobrir, discutir, revisar e reconstruir a teoria de acordo com as necessidades

advindas da realidade do cotidiano escolar atual.

Assim como a elaboração de uma refeição, a formação contínua deveria ser

como o ato de preparar e temperar a educação, experimentando-a durante seu

processo para trazer o saber e o sabor sobre ela e aos poucos lhe proporcionar o

ponto ideal para uma degustação satisfatória e geradora de prazeres.

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Anexo 1 - Cefems

HOMENAGEM-10/08/2010-14:38 Centro de Formação de Educadores será inaugurado amanhã (11)

A Prefeitura de ..., por meio da Secretaria Municipal de Educação, realizará amanhã (11), às 8h30, entrega do Cefems - Centro de Formação de Educadores Municipais “Leovigildo Duarte Júnior”, em funcionamento na Rua Ipiranga, 316, região central, endereço do antigo Cefopes (Centro de Formação de Profissionais em Educação). Em dezembro de 2009, por meio da Lei 4919, o prefeito José Antonio Bacchim (PT) oficializou a justa homenagem ao educador, falecido no ano passado e tido como um dos principais educadores de ... e região.

A exemplo do Cefopes, o espaço público será destinado ao planejamento, sistematização e execução de projetos, programas, atividades, ações, serviços e eventos voltados para a formação, qualificação e requalificação continuada dos profissionais da educação. Segundo o Secretário Municipal de Educação, João José Haddad Araújo, o “Professor JJ”, o Cefems será espaço permanente de busca da excelência para os profissionais que se dedicam ao sacerdócio da Educação. “Sempre há ações para se implementar”, destacou “JJ”. Atualmente, a rede municipal de ensino conta com cerca de 800 professores e um total de 600 funcionários. “A proposta é contemplar não apenas o corpo docente, mas também os servidores”, concluiu o Secretário.

Homenagem

Referindo-se à homenagem ao professor Leovigildo Duarte Júnior, o Secretário de Educação de ... destacou sua atuação como educador no Município e, no passado, como combatente do regime militar. “É uma justa homenagem feita pelo prefeito Bacchim a um professor de nossa rede”, considerou o Secretário.

De acordo com a Secretaria Municipal de Educação, será da competência do Cefems coordenar a elaboração e a execução da proposta pedagógica da política pública municipal vigente, de acordo com a atual legislação municipal, obedecendo às diretrizes e normas governamentais, promover o desenvolvimento da formação continuada a todos os profissionais da rede municipal de educação, visando a ampla formação e desenvolvimento do educando em atendimento à legislação educacional vigente, articular a cooperação entre órgãos públicos municipais, estaduais, federais, ou entidades privadas na implantação de novas iniciativas na área da formação continuada.

O Cefems terá também como responsabilidade atuar junto aos seus responsáveis e das Unidades Escolares Municipais, orientando na estruturação, implementação e desenvolvimento dos projetos ou sob sua supervisão. O Centro de Formação dos Educadores Municipais Professor Leovigildo Duarte Júnior terá como princípios o respeito à cultura local, a educação pela cidadania, o pluralismo de idéias e das concepções pedagógicas e a garantia do padrão de qualidade de ensino.

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Anexo 2

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Anexo 3

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Anexo 4 – Questionários

Questionário 1

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Questionário 2

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Questionário 3

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Questionário 4

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Questionário 5

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Questionário 6

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Questionário 7

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Questionário 8

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Questionário 9

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Questionário 10

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Questionário 11

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Questionário 12

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Questionário 13

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Questionário 14

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Questionário 15

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APÊNDICE - Apresentação digital

O telefone

sem fio

da educação

Um questionamento sobre a formação contínua dos educadores de um município no interior de São Paulo.

Mestranda

Cláudia Ângela Grota

Orientador Professor Doutor

Severino Antônio Moreira Barbosa

Contribuições dos pensadores

Nóvoa Kramer

Fernández Guattari

Capítulo 2 Conversando de teoria na prática: da intenção de formação contínua à eficácia da ação formativa 2.1. Apresenta reflexões sobre as formações contínuas, por Nóvoa e

Kramer 2.2 Atenta à questão da autoria na profissão docente

Capítulo 1 Quem está falando e o que está falando?Conversando sobre a aprendizagem e a formação contínua de

educadores

1.1 Os modelos de formação, com Demailly;

1.2. A subjetividade do educador e sua importância para a educação,

com Guattari;

1.3. O valor do autoconhecimento na formação contínua, de acordo

com Larrosa;

1.4. As facetas do sujeito aprendente, por Fernández.

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Apresentaremos as vozes dos educadores em questão neste estudo (Professor I – 1º ao 5º ano, da rede municipal de educação /SP).

3.1 Significados de uma linha ocupada: uma análise da pesquisa.

Como é compreendido o momento de formação contínua por meio de depoimentos dos educadores em questão.

3.2 Viva voz: para que se ouça a voz dos educadores. Analise e interpretação de textos reflexivos produzidos

por educadores em questão.

“O objetivo da educação intelectual não é saber repetir

ou conservar verdades acabadas, pois uma verdade que é

reproduzida não passa de uma semiverdade: é aprender

por si próprio a conquista do verdadeiro, correndo o risco

de despender tempo nisso

e de passar por todos

os rodeios que uma

atividade real

pressupõe.”

(1976, p.69)

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Processo pelo qual se busca dar continuidade à

formação inicial da mentalidade e/ou do

caráter do profissional da educação, por meio

da inserção desse profissional no conjunto de

conhecimentos que dizem respeito

ao seu campo de atuação e visa

à construção permanente

do “ser professor” (2010, p.56)

A cigana (2008) Vik Muniz

“Imaginemos agora um triângulo

no qual dois vértices criam

uma relação privilegiada, representando o terceiro vértice o “lugar do morto”: está presente, tem de ser levado em consideração, mas a sua voz não é essencial para fixar o desfecho dos acontecimentos.” (1999, p.7)

EDUCADOR

FormadorSecretaria de

Educação

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Modos de socialização profissional de educadores: Universitária, contato com saberes e teorias construídas por

mestres, em relação direta com a investigação e não só difusão de conhecimentos;

Escolar, transmissão de um conjunto de saberes externamente definidos;

Contratual, a transmissão de saberes de natureza negociável;

Interactiva-reflexiva, “fabricação colectiva de novos saberes (de saberes do ofício) durante a formação, saberes que são postos em prática paralelamente ao processo de formação.” (1997, p.145)

Este modo permite gerar novas competências em atividadesreflexivas sobre a teoria e a prática, reconhecendo noeducador o sujeito pertencente ao processo pedagógico.

Formação contínua: desenvolvimento profissional ou massificação do sujeito educador?

As oficinas e cursos - horário inverso à docência.

Formações durante o período de trabalho - grandes palestras.

Os responsáveis pelo ensino, determinam o que deve ser informado nos encontros de formação, o que Guattari considera Infantilização.

Falta de ligação entre o que o professor busca e o que é oportunizado para seu aprimoramento profissional. Subjetividade do educador, recipiente?

Observa-se a tolerância na apatia e desinteresse dos educadores durante as palestras. Sem deixarem registradas participações e suas reflexões sobre o tema abordado, se ausentam dos auditórios descrentes dos conhecimentos que lhes foi ofertado.

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1. Observamos a preocupação dos responsáveis pela educação do município referido, porém o objetivo desta formação contínua corresponde às necessidades dos educadores?

2. Parece significativa a importância da dimensão do sujeito

educador para o planejamento das formações contínuas.

A escola é como um rio, suas águas não são as mesmas de outrem e o educador que se banha atualmente também não

é o mesmo.

Tudo o que se pensa para a massa não respeita as singularidades;

Atentar ao processo de educação do educador simultaneamente aos objetivos;

Considerar que:

1. O educador educa-se na prática, no convívio com outros educadores, nos diálogos com seus educandos, na reflexão de sua própria prática;

2. Se educa se houver interesse pessoal, prazer, satisfação e geração de sentidos.

Diferente característica teria uma rede tecida a partir daheterogeneidade de seus componentes, cujos relacionamentosestabelecem-se na singularidade de cada interação, isto é, cadacircunstância evoca um tanto de improviso e criação.

(Lima, 2000, p.10)

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O conceito de Sujeito Aprendente constrói-se a partir de sua relação com o Sujeito Ensinante, acontece nessa simultaneidade.

Situa-se na articulação da informação, do conhecer e do saber, nos entres de nossas vivências.

É fundamental olhar para o educador como sujeito epistêmico, desejante, autor e social, sujeito presente no vínculo aprendente-ensinante, sujeito de autoria.

“Como pretende que o aluno que vai à escola seja um sujeito construtor de suas próprias aprendizagens, se não se outorga ao docente que, como ensinante, se encontre com sua autoria? “ Silvia Iannantuoni

Quem ouve a voz que chega ou a voz que não chega dos educadores em formação contínua?

Os responsáveis pela formação contínua dos educadores fazem esta escuta?

Toda tentativa de mudanças sociais efetivas através demétodos educacionais está sujeita a uma dificuldade, já nosconsideramos educados. Somente em casos raros temosdisposição para nos submeter a um processo dereeducação.

(Read, 1986, p.100)

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Hoje: Muitos educadores tem se encontrado sem identidade.

Parece necessário:

O reencontro com sentidos na ação docente e com valores do idealismo escolar.

Edificar novos tempos à educação.

É fundamental que a nova cultura profissional sepaute por critérios de grande exigência com relaçãoà carreira docente (condições de acesso, progressão,avaliação, etc.). Se os próprios professores não seinvestirem neste projecto é evidente que outrasinstâncias (Estado, Universidades, etc.) ocuparão oterritório deixado livre.

(Nóvoa, 1999, p.29)

Enquanto pensar em formação contínua for pensar em conteúdos e cursos para implantação de projetos, desprezando a participação do educador no processo de construção de cada projeto, minimizando-o a mero executor; aos dirigentes da educação não restará outro olhar senão o de fiscalização.

As diferentes estratégias de formação em serviço têm favorecido que osprofessores relatem suas experiências e produzam conhecimentos, oueles tão-somente são reduzidos à condição de audiência passiva deinformações “acadêmicas” desvinculadas de seu saber e de sua prática?

(Kramer, 2007, p.54)

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Formação contínua como espaço da possibilidade de criaçãoe de autoria.

Vínculo com às reflexões sobre a prática docente.

Espaço de coesão entendido como espaço de convivênciademocrática, reconhecedor de diferenças, aberto ao diálogoe ao intercâmbio de vivências, conhecimentos, sabedorias evalores diversos. (anexo 1 – Cefems)

As reflexões geradas neste espaço

de coesão permitirão a consciência

da eterna construção do educador

em relação ao seu sujeito.

É preciso uma interpretação mais lúcida do educador e da escola.

É preciso superar o pragmatismo equivocado, que vem substituindo a formação contínua por treinamento.

É preciso o reconhecimento da capacidade de autoria dos educadores.

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Em sua maioria, os momentos de formação contínua apresentam características de cursos de aperfeiçoamento, desconsiderando muitos aspectos além dos estritamente informativos e referindo-se aos educadores como se sempre estivessem em início de carreira.

“Com pouco conhecimento a oferecer e muito a aprender. “ (Kramer,2001, p.82)

“O que mais ouvimos falar durante as formações, é que nada de novo é acrescentado, que as formações são sempre para os professores em início de carreira. Quase sempre existe uma expectativa frustrada depois de um encontro ou formação em nossa rede de ensino.” (Educadora M)

“A não consideração dos saberes docentes é outra característica da formação continuada que, na maioria das vezes não recebe a devida atenção. Irei mais longe ao dizer que a formação continuada oferecida pela prefeitura municipal de Sumaré desconsidera aqueles que produzem os saberes.” (Educadora A)

Investigação de respostas provindas da participação dos educadores em uma pesquisa, realizada no dia em 27 de agosto de 2011, em forma de questionário investigatório quanto aos saberes individuais dos educadores no que diz respeito à formação contínua oferecida pela Secretaria Municipal de Educação do município no interior do estado de São Paulo.

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1. Pequena participação dos educadores, por se tratar de uma possibilidade de participação dialógica a respeito da sua formação contínua;

2. Reconhecerem a importância e sentirem a necessidade da formação contínua;

3. Concordam com a consulta sobre o tema para a formação contínua;

“Tais considerações sugerem que onde há relações de poder, há possibilidades de resistência, há margens de liberdade, margens que se propiciam inicialmente na relação que cada um mantém consigo, na conduta particular de cada um, no modo de pensar, de agir, de se ter corpo, de falar etc., no modo como cada um regula suas interações com o ambiente, como seleciona para si elementos de seu meio e exclui outros, de que modo afirma sua singularidade – a serviço dos valores em curso ou na busca de outras formas de sociabilidade realmente democráticas.” (Araújo, 2012, p. 10)

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Oficina (com atividades práticas envolvidas) ou mini-curso (teoria em pequenos grupos) são as formas sugeridas pelos educadores, os quais discorrem sobre características desejadas para as formações contínuas:“que ocorresse na unidade escolar”“gostaria que ocorresse em pequenos grupos”“com grupos menores de educadores que possibilite a troca de experiências”

Modelo interactivo-reflexivo, conforme Demailly.Permite ao educador ser retirado do “lugar do morto”.Uma necessidade urgente para a verdadeira formação contínua possibilitadora de um processo de construção pessoal e profissional que fomente a ressignificação do papel do educador atual.

A sugestão do tema Bullying chama nossa atenção uma vez que a formação em questão trazia esta temática por meio de um advogado.

Que geração de sentidos buscou-se nesta formação contínua ?

Que aprimoramento da prática pedagógica foi ofertado ?

Onde estão as dúvidas/problemas do cotidiano escolar no aspecto jurídico do Bullying ?

Assim, concordamos com sugestão do tema mesmo sendo sugerido durante a formação contínua intitulada Bullying.

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“A subjetividade está em circulação, e assumida e vivida por indivíduos em suas existências particulares. O modo pelo qual os indivíduos vivem essa subjetividade oscila entre dois extremos: uma relação de alienação e opressão, na qual o indivíduo se submete à subjetividade tal como a recebe, ou uma relação de expressão e de criação, na qual o indivíduo se reapropria dos componentes da subjetividade, produzindo um processo que eu chamaria de singularização.” (1986, p.33)

Análise e interpretação da participação de educadores da referida rede de ensino, por meio da voz coletada em um texto reflexivo sobre a formação contínua.

Trata-se de educadoras concursadas e efetivas da rede municipal de educação do interior de SP.

Profissionais que trabalharam ou trabalham em duas redes de ensino, buscando suprir suas necessidades financeiras, superando obstáculos emocionais e sociais para fortalecer seu profissionalismo.

Todas possuem curso de graduação e de especialização. Participam das formações contínuas quando convocadas

em horário de trabalho e atualmente uma delas está participando de uma formação contínua, em forma de minicurso, em horário inverso à sua atuação docente.

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“Minha opinião, hoje, as formações que nos são oferecidas pela instituição municipal de Sumaré não seguem uma linha organizacional; não oferece estrutura física e ambiente próprio para tal; Não é reflexiva e organizada em grupos de trabalho; não se constrói um diálogo formativo e reflexivo; pouca troca de experiência; não se fundamenta nas exposições dos conteúdos e citações de educadores e pensadores; sem linha pedagógica definida. Onde o tumulto e desorganização se fazem presente, não é possível uma reflexão didática, pedagógica e sim discussões aleatórias, de interesse político.”

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“Nestes últimos anos a Secretaria Municipal de Educação deste município ofereceu de forma positiva o curso Letra e Vida, pois existe um contexto intimamente ligado ao cotidiano escolar. Fora isso, infelizmente, não houve nada de produtivo, pois todas as vezes que fomos convocados pela SME, apenas nos ofereceram palestras, com pessoas sem nenhuma relação com a educação.”

“Formação, algo necessário e que permite sustentação às ações pedagógicas. Vivemos em um mundo globalizado, dinâmico, de constantes mudanças, inovações, sendo assim necessário e de extrema relevância a busca por formação contínua.” (Educadora C)

“Hoje, a interpretação é diferente, principalmente para o profissional docente, ele deve estar consciente, que sua formação é permanente e integrada no seu dia-a-dia nas escolas e ou em formações oferecidas pela própria entidade governamental, criando espaços onde a reflexão seja possível.” (Educadora I)

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A primeira em relação à importância da formação como uma possibilidade de sempre proporcionar novos olhares ;A segunda em relação à falta de importância dada pelo educador processo de formação contínua.

“... acredito que, mesmo que a formação seja repetitivapossibilita um novo olhar, pois como já citado estamos em constantes mudanças.” (Educadora C)

“Em contrapartida, posso dizer que apesar dessa disseminação da teoria, sempre tem uma coisinha aqui ou ali que se possa aproveitar, mas a grande maioria dos professores, como não estão envolvidos no processo de construção/formação, estão ali presentes apenas de corpo, cumprindo as suas horas de trabalho.” (Educadora J)

A formação contínua parece exigir a ininterruptibilidade existencial, como a formação embrionário-fetal e suscita novas transformações por e pelas necessidades advindas do trabalho dos educadores.

Embrião (oitava semana) Feto (9 meses)

Na fase inicial, na formação embrionária,

as mudanças são observáveis em pequenos espaços temporais. O ritmo desacelera com base na complexidade em que já se encontra

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Educando com a voz:

Formação remunerada com poucos inscritos.

Apresentação musical:

Horário de Coordenação Pedagógica.

Sensibilidade = opção = momento de subjetivação.

Subjetivar não é depositar, é preciso que o sujeito participe e esteja disponível para desfrutar do prazer lhe é proporcionado, não basta estar presente.

Se não há condições de reflexão sobre a prática oportunizada nos encontros de educadores, há nos diálogos nas portas das salas de aula, momentos de extraordinária riqueza, momentos de troca de experiências, momentos de apoio pedagógico e emocional, momentos de sabedoria às escondidas.

Parece ser necessário abandonar-se o conceito de formação profissional contínua unicamente como atualização científica e didática do educador para adotar-se um conceito de formação contínua que consista em organizar, fundamentar, descobrir, discutir, revisar e reconstruir a teoria de acordo com as necessidades advindas da realidade do cotidiano escolar atual.

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Assim como a elaboração de uma refeição,

a formação contínua deveria ser como o ato

de preparar e temperar a educação,

experimentando-a durante seu processo para

trazer o saber e o sabor sobre ela e aos

poucos lhe proporcionar o ponto ideal para

uma degustação satisfatória e geradora de

prazeres.

Conhecer é criar-se e recriar-se, nãoisoladamente, mas em diálogos com outrossujeitos, em convivências que vêm de sempree de antes, que não têm começo nem fim.

Este sujeito, de conhecimento e de existência,tem história e tem voz. Tem corpo, temdesejos, tem memórias, tem projetos. Nãopode ser ignorado, nem neutralizado nasinterações em que se elaboram os saberes,nem nas interações em que se produzem asaprendizagens.

(Antônio, 2009, p.106)