O AUTOCONHECIMENTO E AS TRANSFORMAÇOES CORPORATIVAS

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102 ARTIGO Encarar o desafio de ajudar uma organização a transformar-se vai muito além de pensar em estratégias, condicionantes de mercado, indicadores. Pode não parecer à primeira vista, mas a enorme dificuldade que muitas empresas enfrentam na condução de grandes e complexos processos de transformação corporativa tem muito a ver com o ego. Pelo menos é isso o que eu tenho visto ao longo de minha trajetória executiva. Talvez a única ferramenta capaz de amenizar a má influência que o ego tende a ter numa situação como esta é o auto- conhecimento. Deixando claro que a visão aqui exposta não serve como pana- ceia para todos os problemas ligados a um processo de transfor- mação empresarial, gostaria de trazer a perspectiva de alguém que está passando por um processo de autodesenvolvimento há pelo menos três anos e que tem aprendido, ao longo desta jornada, a entender a natureza humana através da influência que o ego tem no comportamento das pessoas. Encarar o desafio de ajudar uma organização a transformar-se vai muito além de pensar em estratégias, condicionantes de mercado, indicadores. É preciso trabalhar o engajamento, o comportamento das pessoas. Ou seja: ter dinheiro é importante, contar com uma estratégia é fundamental, mas é preciso comprometimento do ser humano, enga- jamento. E na medida em que a sua empresa conta com lideranças “egocêntricas”, que deixam de considerar as variáveis humanas (frus- trações, medos, desejos, os “personagens” que vivemos), a probabili- dade de que as coisas não deem certo é muito grande. Quando digo que o autoconhecimento é a ferramenta que pode suavizar esse desafio é porque realmente acredito que não seja pos- sível conduzir grandes processos de mudança nas organizações sem que, primeiramente, o líder se conheça profundamente. Ora, você vai colocar em marcha uma transformação empresarial, mudar a orien- tação de uma empresa, trabalhar um mercado mais voltado ao varejo, por exemplo, buscar ter mais capilaridade de vendas em determinada região. Isso requer um novo perfil de liderança, tomar medidas, muitas vezes, impopulares. E requer o autodomínio para não cair na “tentação” da arrogância, da soberba, de achar que efetivamente as pessoas são manipuláveis. Quanto maior o autoconhecimento, maior a credibilidade e melhor o exercício do “bom julgamento”, sendo desprovido da necessidade de autoafirmação, do status. Cada vez mais tenho visto que as pessoas da base da organiza- ção olham para cima e esperam coerência entre o que está sendo dito e o que está sendo percebido nas várias áreas da organização. Se você anuncia uma medida impopular (porque vai mexer, eventual- O autoconhecimento e as transformações corporativas

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Encarar o desafio de ajudar uma organização a transformar-se vai muito alémde pensar em estratégias, condicionantes de mercado, indicadores.

Pode não parecer à primeira vista, mas a enorme dificuldade quemuitas empresas enfrentam na condução de grandes e complexosprocessos de transformação corporativa tem muito a ver com o ego.Pelo menos é isso o que eu tenho visto ao longo de minha trajetóriaexecutiva. Talvez a única ferramenta capaz de amenizar a máinfluência que o ego tende a ter numa situação como esta é o auto-conhecimento.

Deixando claro que a visão aqui exposta não serve como pana-ceia para todos os problemas ligados a um processo de transfor-mação empresarial, gostaria de trazer a perspectiva de alguém queestá passando por um processo de autodesenvolvimento há pelomenos três anos e que tem aprendido, ao longo desta jornada, aentender a natureza humana através da influência que o ego tem nocomportamento das pessoas.

Encarar o desafio de ajudar uma organização a transformar-se vaimuito além de pensar em estratégias, condicionantes de mercado,indicadores. É preciso trabalhar o engajamento, o comportamento daspessoas. Ou seja: ter dinheiro é importante, contar com uma estratégiaé fundamental, mas é preciso comprometimento do ser humano, enga-jamento. E na medida em que a sua empresa conta com lideranças

“egocêntricas”, que deixam de considerar as variáveis humanas (frus-trações, medos, desejos, os “personagens” que vivemos), a probabili-dade de que as coisas não deem certo é muito grande.

Quando digo que o autoconhecimento é a ferramenta que podesuavizar esse desafio é porque realmente acredito que não seja pos-sível conduzir grandes processos de mudança nas organizações semque, primeiramente, o líder se conheça profundamente. Ora, você vaicolocar em marcha uma transformação empresarial, mudar a orien-tação de uma empresa, trabalhar um mercado mais voltado ao varejo,por exemplo, buscar ter mais capilaridade de vendas em determinadaregião. Isso requer um novo perfil de liderança, tomar medidas,muitas vezes, impopulares. E requer o autodomínio para não cair na“tentação” da arrogância, da soberba, de achar que efetivamente aspessoas são manipuláveis. Quanto maior o autoconhecimento, maiora credibilidade e melhor o exercício do “bom julgamento”, sendodesprovido da necessidade de autoafirmação, do status.

Cada vez mais tenho visto que as pessoas da base da organiza-ção olham para cima e esperam coerência entre o que está sendo ditoe o que está sendo percebido nas várias áreas da organização. Sevocê anuncia uma medida impopular (porque vai mexer, eventual-

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mente, no plano de benefícios), mas o colaborador sabe que você(líder) continua a usufruir das mesmas benesses corporativas, não hácomo engajar esse profissional.

Estamos vivendo um momento em que o cenário empresarialbrasileiro tem sido brutalmente desafiado. Refiro-me aos modelostradicionais de negócios, que estão dando alguns sinais de esgotamen-to. Nessa esteira, sempre digo que para liderar grandes transformaçõesnão adianta ter apenas uma boa consultoria ao seu lado para tratar daestratégia. Se você não tem líderes que sejam capazes de conectar aspessoas em torno dessa agenda de transformação e criar as condiçõespara que as pessoas se sintam à vontade para conversar e perceber oser humano por trás daquele líder, as coisas ficam muito difíceis.

Não podemos esquecer: as vulnerabilidades constroem pontesde relacionamento. Executivos não são super-homens, a perfeiçãoencarnada, mas pessoas normais, com medos, ansiedade, sonhos,desejos e frustrações. Eles não são as máscaras que o ego quer quesejam percebidas. Nessa jornada, tenho investido no exercício daterapia, das constelações sistêmicas, e quanto mais eu investigo araiz dos problemas que aflige os seres humanos, mais percebo aimportância de que nós, efetivamente, nos desapeguemos dessasmáscaras que o ego nos coloca.

Se quisermos conectar o coração e a mente das pessoas em tornode uma causa relevante, é fundamental que mostremos quem, de

AMÉRICO FIGUEIREDO é vice-presidente de Recursos Humanosda Nextel e Diretor Voluntário do Instituto Nextel/Ser +.

fato, somos. É por meio dessa “desconstrução” do ego que con-seguiremos, penso, aumentar as chances de se trabalhar o engaja-mento de maneira sustentável e de forma mais verdadeira nas orga-nizações. A partir daí, a condução de um processo profundo de trans-formação corporativa passa a ter boas chances de sucesso.

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