O surgimento da creche

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V ENCONTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO E MARXISMO MARXISMO, EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO HUMANA 11, 12, 13 E 14 de abril de 2011 – UFSC – Florianópolis – SC - Brasil O SURGIMENTO DA CRECHE: UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL E HISTÓRICA Jucilene de Souza Ruiz UNIDERP ANHANGUERA RESUMO Este estudo tem como objetivo analisar o surgimento da creche, enquanto construção social e histórica, destacando o papel que essa instituição veio e vem desempenhando na sociedade capitalista. Para seu desenvolvimento realizou-se pesquisa bibliográfica a respeito do tema. A Creche surge no Brasil, no final do século XIX e, desde seu surgimento, vem respondendo às necessidades sociais produzidas por um sistema econômico, que se demonstra incapaz de atingir suas metas sem, por outro lado, provocar profundas crises. Durante o final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, o Brasil torna-se palco de reivindicações, entre elas: o direito à creche. A Constituição Federal de 1988 reconheceu como dever do Estado a garantia de creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade. A creche é uma instituição de Educação Infantil, que se propõe a cuidar e educar a criança de zero a três anos de idade, primeira etapa da Educação Básica, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394/96. Ao analisar o seu papel na sociedade capitalista, nota-se que sua função está intrinsecamente atrelada aos seus interesses de lucro e de subordinação. A Creche foi umas das instituições criadas, na busca constante de amenizar, mesmo de forma paliativa, as necessidades que o próprio sistema capitalista produziu, mantendo certo equilíbrio social e, ao mesmo tempo, revertendo aos seus interesses econômicos. Se por um lado o atendimento à criança pequena está atrelado aos interesses burgueses, historicamente só se torna constitucionalmente direito da criança e da família, após muita pressão por parte da classe trabalhadora. As políticas sociais não existem somente como uma imposição de cima, mas também como resultado dessas contradições, presente na relação de classes. Palavras-chave: Creche. Sociedade Capitalista. Educação Pública. INTRODUÇÃO Este artigo tem como proposta analisar o surgimento da creche numa perspectiva histórica, apontando o papel que essa instituição veio e vem desempenhando na sociedade capitalista. Teve como instrumento metodológico a pesquisa bibliográfica. A Creche se apresenta hoje como uma instituição destinada aos cuidados e educação da criança de 0 a 3 anos de idade, uma opção da família e um direito da criança, firmado com a Constituição Federal de 1988. Creche e Pré-escola são integrantes da Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, definidas dessa forma com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96. Para

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O surgimento da creche: Uma construção social e histórica

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11, 12, 13 E 14 de abril de 2011 – UFSC – Florianópolis – SC - Brasil

O SURGIMENTO DA CRECHE: UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL E HISTÓRICA

Jucilene de Souza Ruiz UNIDERP ANHANGUERA

RESUMO Este estudo tem como objetivo analisar o surgimento da creche, enquanto construção social e histórica, destacando o papel que essa instituição veio e vem desempenhando na sociedade capitalista. Para seu desenvolvimento realizou-se pesquisa bibliográfica a respeito do tema. A Creche surge no Brasil, no final do século XIX e, desde seu surgimento, vem respondendo às necessidades sociais produzidas por um sistema econômico, que se demonstra incapaz de atingir suas metas sem, por outro lado, provocar profundas crises. Durante o final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, o Brasil torna-se palco de reivindicações, entre elas: o direito à creche. A Constituição Federal de 1988 reconheceu como dever do Estado a garantia de creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade. A creche é uma instituição de Educação Infantil, que se propõe a cuidar e educar a criança de zero a três anos de idade, primeira etapa da Educação Básica, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394/96. Ao analisar o seu papel na sociedade capitalista, nota-se que sua função está intrinsecamente atrelada aos seus interesses de lucro e de subordinação. A Creche foi umas das instituições criadas, na busca constante de amenizar, mesmo de forma paliativa, as necessidades que o próprio sistema capitalista produziu, mantendo certo equilíbrio social e, ao mesmo tempo, revertendo aos seus interesses econômicos. Se por um lado o atendimento à criança pequena está atrelado aos interesses burgueses, historicamente só se torna constitucionalmente direito da criança e da família, após muita pressão por parte da classe trabalhadora. As políticas sociais não existem somente como uma imposição de cima, mas também como resultado dessas contradições, presente na relação de classes. Palavras-chave: Creche. Sociedade Capitalista. Educação Pública. INTRODUÇÃO

Este artigo tem como proposta analisar o surgimento da creche numa perspectiva

histórica, apontando o papel que essa instituição veio e vem desempenhando na

sociedade capitalista. Teve como instrumento metodológico a pesquisa bibliográfica.

A Creche se apresenta hoje como uma instituição destinada aos cuidados e

educação da criança de 0 a 3 anos de idade, uma opção da família e um direito da

criança, firmado com a Constituição Federal de 1988. Creche e Pré-escola são

integrantes da Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, definidas dessa

forma com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96. Para

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11, 12, 13 E 14 de abril de 2011 – UFSC – Florianópolis – SC - Brasil entendermos sua atual configuração é fundamental analisarmos os aspectos da sua

história, no contexto do movimento da sociedade.

Fundamentos Históricos do Surgimento da Creche

As mudanças trazidas com o capitalismo, em que houve a passagem do modo de

produção doméstico para o fabril, provocaram toda uma reorganização da sociedade

para atender as novas exigências de produção, passa neste contexto a ser exigido

também uma nova organização familiar.

Antes as necessidades da família eram supridas por seus próprios membros,

predominava a fabricação domiciliar, pois tinham em suas mãos os meios de trabalho.

Com o novo modo de produção, o trabalhador foi separado dos meios de produção e só

pode ter acesso a eles vendendo sua força de trabalho a outros; a venda dessa força que

garante o mínimo necessário para a sua reprodução.

Segundo Braverman (1981), esse novo sistema de produção destrói as condições

sob as quais é possível levar a vida antiga, impedindo as antigas práticas de auto-

abastecimento das famílias, a renda proporcionada pelo trabalho é induzida ao consumo

dos meios de subsistências, fabricados pela própria indústria; terminando, dessa forma,

a função da família como uma empresa cooperativa. Por outro lado, a família teve que

se reorganizar frente às novas exigências do mundo do trabalho, principalmente no que

se refere aos cuidados com seus filhos, aqueles que ainda não eram inseridos como

força de trabalho.

Tozoni-Reis (2002) destacou que a unidade de trabalho deixou de ser a família

para ser o indivíduo, o contrato de trabalho já não abrangia mais o trabalho do grupo

familiar, e, com isso, a família foi se transformando. Entre as estratégias de

sobrevivência das famílias era o trabalho de todos os membros.

Porém foi na era do monopólio, que teve início nas últimas duas ou três décadas

do século XIX, que o modo capitalista de produção passou a receber a totalidade do

indivíduo, da família e das necessidades sociais. O capital monopolista abrange o

aumento de organizações monopolistas no seio de cada país, as empresas se aglomeram

em imensas unidades, a internacionalização do capital, a divisão internacional do

trabalho, o imperialismo, o mercado mundial e o movimento mundial do capital, bem

como as mudanças do poder estatal.

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Por força da simplificação do trabalho na indústria; da modernização dos

instrumentos de trabalho “mecanização e automação” e das formas de organização do

processo de produção, constroem-se as condições materiais para a entrada do trabalho

de mulheres e crianças nas fábricas, contingente bastante atrativo para um mercado que

pretende diminuir ao máximo os custos da produção.

A não necessidade de tanta força física para manusear as máquinas produziu

uma grande massa de força de trabalho masculina, que passou a ser dispensada pelas

indústrias e constituir-se em exército de reserva, além do mais a automação também

significou a diminuição do número de trabalhadores, que antes era necessário para se

realizar uma determinada tarefa.

O trabalho das crianças nas fábricas não perdurou por muito tempo, devido a

intensa pressão da classe trabalhadora, sobre a exploração do trabalho infantil. Com as

conquistas sociais dessa classe, o trabalho das crianças tornou-se, com o tempo, muito

caro e insatisfatório, para os objetivos capitalistas.

As crianças da fábrica são as primeiras a serem expulsas da produção. Como

seus pais estavam ocupados no trabalho fora do lar, muitas crianças vão para as ruas,

surgem, nesse momento, a condição material para o incentivo e criação de escolas, com

a função de ocupar essas crianças, mantendo certo equilíbrio social. “E como os seus

pais trabalhavam, poderia parecer que estavam sendo criadas as condições materiais

para a produção das crianças de rua” (ALVES, 2004, p.149).

Já o trabalho das mulheres perdurou principalmente por seu valor ser mais baixo,

em relação ao dos homens ou devido a sua concentração em ocupações inferiores. De

acordo com Braverman (1991), as escalas de pagamento inferior são reforçadas pelo

vasto número em que estão disponíveis para o capital. As mulheres passam a constituir

a reserva ideal de trabalho para as novas ocupações maciças.

Para Antunes (1999), o trabalho das mulheres era restrito às áreas mais

rotinizadas, onde é maior a intensidade e que exigem menores índices de qualificação e

onde são mais constantes as formas de trabalho temporário.

Com a entrada de toda a família no mercado de trabalho, principalmente a

mulher, a quem era destinada o cuidado dos filhos, cria-se uma nova necessidade

produzida pelo processo de acumulação capitalista: o provimento dos cuidados

necessários à sobrevivência das crianças pequenas.

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O nascimento da indústria moderna alterou profundamente a estrutura social vigente, modificando os hábitos e costumes das famílias. As mães operárias que não tinham com quem deixar seus filhos utilizavam o trabalho das conhecidas mães mercenárias. Essas, ao optarem pelo não trabalho nas fábricas, vendiam seus serviços para abrigarem e cuidarem dos filhos de outras mulheres (PASCHOAL e MACHADO, 2009, p.3).

Ainda de acordo com PASCHOAL e MACHADO (2009), a revolução industrial

fez com que toda a classe operária se submetesse ao regime da fábrica e das máquinas.

Desse modo, essa revolução possibilitou a entrada em massa da mulher no mercado de

trabalho, alterando a forma da família cuidar e educar seus filhos.

O ideal de mulher e mãe, totalmente disponível para responsabilizar-se pelos

cuidados com o lar e com a família, era característico das classes mais favorecidas,

numa época em a sociedade fechava as possibilidades de estudo e trabalho às mulheres.

Porém, deve ser levando em consideração que as mulheres das classes abastadas

destinavam-se, na maioria, a maternidade e as pobres, há muito tempo, ao trabalho.

“A preocupação com as crianças, filhas das mulheres inseridas na esfera produtiva, remete-se ao final do século XIX, quando a creche começou a ser pensada como uma instituição feita somente para as mulheres que precisavam trabalhar e não tinham condições de dedicar-se, em tempo integral, aos cuidados com a prole no ambiente doméstico”(CIVILLETTI, 1991 apud BARBOSA, 2006, p.27).

Quando se criam condições materiais para a entrada de mulheres no mercado de

trabalho, cria-se também a necessidade de locais para a guarda e cuidados das crianças

pequenas. Essa necessidade historicamente não é respondida de imediato, o que

contribui para o aumento da taxa de mortalidade infantil, numa etapa da vida em que a

criança está mais vulnerável.

Paschoal e Machado (2009) apontam que as primeiras instituições na Europa e

Estados Unidos tinham como objetivos cuidar e proteger as crianças enquanto às mães

saíam para o trabalho. Desta maneira, sua origem e expansão como instituição de

cuidados à criança estão associadas à transformação da família, de extensa para nuclear.

A creche é um termo francês crèche equivale a manjedoura, presépio, foi uma

das designações usadas para referir-se ao atendimento de guarda e educação fora da

família a crianças pequenas.

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Século XVIII, no contexto da Revolução Industrial, registra-se as primeiras

iniciativas de atendimento à infância, em instituições de caráter filantrópico, arranjos

alternativos foram sendo culturalmente construídos ao longo da história.

A responsabilidade por esse atendimento ficava a cargo de entidades religiosas.

As idéias de abandono, pobreza, favor e caridade impregnam, assim, as formas precárias

de atendimento nesse período.

História da Creche no Brasil

No Brasil, a creche surge, no final do século XIX, decorrente do intenso

processo de industrialização e urbanização que o país estava vivendo.

Para Faria (1997), no Brasil a creche é constituída de forma peculiar, pois nos

países europeus ela foi proposta em função do trabalho industrial feminino. Assim, as

creches populares foram criadas com o objetivo de não só de atender as operárias

industriais, mas também os filhos das escravas que trabalhavam como empregadas

domésticas.

De acordo com Haddad (1993), durante muito tempo, a creche serviu à função

de combate à pobreza e à mortalidade infantil. Nas creches desenvolvia-se um trabalho

de cunho assistencial, pois a preocupação era apenas com a alimentação, higiene e

segurança física. No entanto, Kuhlmann Jr. (2004) afirmou que o assistencialismo foi

configurado como uma proposta educacional específica para as crianças das classes

populares.

Merisse (1997) destacou que a história do atendimento à infância corresponde

a uma fase exclusivamente filantrópica; uma segunda acrescenta-se uma preocupação e

uma orientação higiênico-sanitária e uma terceira de caráter marcadamente assistencial

e, finalmente, uma fase em que aparece uma dimensão educacional.

A filantropia surge como reposta do momento, iniciativas privadas como de

grupo religiosos e de voluntários promovem o atendimento aos filhos de mulheres

trabalhadoras e as crianças abandonadas; a orientação higiênico-sanitário na década de

1870, buscando diminuir os altos índices de mortalidade infantil; o assistencialismo

enfim é uma prática na qual a creche se manteve prisioneira durante muito tempo, as

ações no contexto das políticas públicas para a creche partem principalmente das áreas

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11, 12, 13 E 14 de abril de 2011 – UFSC – Florianópolis – SC - Brasil da assistência e da saúde, destinadas principalmente para atender as crianças

abandonadas e necessitadas.

Para Kramer (2006) as primeiras iniciativas no Brasil destinadas à criança

pequena partiram de higienistas e se dirigiram contra a alarmante taxa de mortalidade

infantil. Em sua maioria se preocupavam com questões de alimentação, higiene e

segurança física das crianças. Esse atendimento partia de grupos privados, como:

médicos, associações de damas beneficentes, etc.

Ressalta-se que o higienismo constitui-se num forte movimento ao longo do

século XIX e início do século XX. Diante dos altos índices de mortalidade infantil e das

precárias condições de saúde dos adultos, e tendo em vista a disseminação de novos

conhecimento e técnicas provenientes do avanço da ciência.

Iniciativas privadas apareceram no intuito de minimizar o índice de mortalidade

infantil, até mesmo recebiam auxílio do Estado e ofereciam um atendimento voltado às

questões de higiene, cuidados físicos e alimentação. Dessa forma, se pretendia com esse

atendimento amenizar as tensões e crises sociais, provocadas pelo próprio sistema

econômico.

A responsabilidade pela criação e manutenção de locais para os cuidados com as

crianças não era vista como uma questão social; culpa-se, literalmente, o indivíduo por

sua própria condição de vida e por sua incapacidade em prover os cuidados necessários

a sua prole.

Os interesses do capital são sustentavas por determinadas ideologias, no sentido

de sustentar e organizar estes interesses, em todos os campos da vida social: economia,

política, cultura, educação, entre outros. “No caso de crianças, é responsabilidade dos

pais, ou dos parentes, não do Estado, prover esses meios de subsistência até que as

crianças possam provê-los por si próprios [...]” (CHAVES, 2007, p.17).

Na dificuldade em obter ajuda familiar ou comunitária, as mães passaram a

pressionar o Estado e as empresas privadas para organizar e manter creches. A

intervenção do Estado, durante o governo Vargas, não significou ainda a

responsabilidade de prover esse atendimento; este criou uma resolução na Constituição

das Leis Trabalhistas (CLT), obrigando as empresas a manter berçários, no local de

trabalho.

Segundo Rosemberg (1989, p.128), as poucas conquistas trabalhistas expressas

na CLT obrigavam as empresas em que trabalhassem pelo menos trinta mulheres, com

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11, 12, 13 E 14 de abril de 2011 – UFSC – Florianópolis – SC - Brasil mais de dezesseis anos de idade, um local apropriado onde fosse permitido às

empregadas guardar sob vigilância e assistência, os seus filhos no período de

amamentação. Mesmo assim, em geral não eram cumpridos, devido os insuficientes

mecanismos de fiscalização. A punição para os faltosos era ridiculamente pequena. Essa

lei trabalhista protegia apenas a amamentação do bebê, não tendo qualquer conotação de

uma instituição voltada à educação da criança pequena.

É a partir de 1920 que a criança pobre passa a ser tutelada pelo Estado, através

da criação de dois códigos de menores de 1927 e 1979 e da criação de diversos órgãos

de amparo assistencial e jurídico: do Juizado de Menores em 1923, Departamento

Nacional da Criança e do Serviço de Assistência ao Menor (SAM) em 1941, Fundo das

Nações Unidades para a Infância (UNICEF) em 1946, Organização Mundial de

Educação Pré-escolar (OMEP) em 1953, Fundação Nacional do Bem Estar do Menor

(FUNABEM) em 1964.

Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde, que só foi

desmembrado em 1953. Este Ministério criou em 1940 o Departamento Nacional da

Criança (DNCr), destinado a proteção materno-infantil, incluindo o atendimento ao pré-

escolar e, além de outras atribuições, regulamentava o atendimento de crianças em

creche, através do estabelecimento de normas e funcionamento para essa instituição, ou

seja, exercia funções normativas.

Destaca-se que as iniciativas privadas continuaram, principalmente em 1941,

com a criação da Legião Brasileira de Assistência Social (LBA), para coordenar

diferentes serviços sociais, a qual se voltou a partir de 1946 para o atendimento da

maternidade e da infância, constituiu-se em um órgão de consulta do Estado.

Começaram a surgir centros de proteção à criança e às mães, como: creches, postos de

puericultura, hospitais infantis e maternidades, alguns criados e mantidos pela LBA.

A LBA foi transformada em Fundação destinada a prestar assistência à

maternidade, à infância e à adolescência. As ações da LBA eram voltadas para as

condições de vida da população carente, entre seus programas figuravam os de

complementação alimentar e a organização de creches.

“Cerca de vinte anos, a LBA se constituiu no órgão central de ação assistencial

dos governos que se sucederam, além de fornecer auxílio financeiro às entidades”

(MERISSE, 1997, p. 42). De acordo com Oliveira (2007), a LBA foi extinta

oficialmente em 1995, através da medida provisória promulgada no primeiro dia da

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11, 12, 13 E 14 de abril de 2011 – UFSC – Florianópolis – SC - Brasil gestão do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Com a extinção da LBA, as

suas ações passaram a ser assumidas pela Secretaria de Assistência Social (SAS).

A expansão da rede de creches públicas no Brasil ocorreu de forma

intensificada, somente a partir de 1980, e esteve ligada a pressão dos movimentos

populares mais fortes em determinadas regiões da periferia, entre os movimentos

destacam-se: movimento Luta por Creches, a Pastoral do Menor, além das Sociedades

Amigos de Bairros. Rosemberg (1989) assinalou que era período pré-eleitoral, quando

se estabeleciam as eleições diretas para o governador, a promessa de construção de

Creches fazia-se presente na pauta das promessas eleitorais.

O discurso muito presente em relação à criação de Creches era o de que sua

instalação era muita cara, os custos de manutenção eram altos, por isso afirmava-se que

o melhor era incentivar a participação de setores privados, o Estado iria contribuir

apenas indiretamente através de convênios.

No final dos anos 1970 surgem as creches comunitárias, como uma forma de

organização popular; que lutavam pelo direito de creche. Essa idéia é apropriada pelo

Estado por ser uma alternativa de baixo custo, no intuito de aumentar o número de

crianças atendidas em creches.

A criação das chamadas creches comunitárias, creches domiciliares, mãe

crecheira, creche familiar, entre outras denominações, ambos referem-se a um mesmo

modo de guarda da criança pequena: uma mulher toma conta em sua própria casa,

mediante o pagamento, de filhos de outras famílias, enquanto os pais trabalham fora.

Porém, pela falta de estrutura das residências, do grande número de crianças atendidas e

a precariedade das condições higiênicas e materiais, muitas das crianças morriam nesses

ambientes.

As mulheres participavam intensamente de movimentos, a partir de 1975, com a

decretação pela ONU (Organização das Nações Unidas) do Ano Internacional da

mulher, vão surgindo também no país núcleos de organizações feministas, cujos

participantes provêm principalmente dos extratos médios da população.

No Brasil, o Movimento de Luta por Creches foi oficialmente criado em 1979,

como resolução do primeiro Congresso da Mulher Paulista. De acordo com Rosemberg

(1989), a base de sustentação desse movimento eram mulheres operárias, que

reivindicavam creches, para trabalharem fora por razões concretas, como o de aumentar

a renda familiar.

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11, 12, 13 E 14 de abril de 2011 – UFSC – Florianópolis – SC - Brasil Depois de muita pressão, o Estado começou a responder através da construção

de creches, cujas vagas eram destinadas às camadas da população de mais baixa renda,

para mulheres que trabalhavam. Criando-se, assim, um equipamento que tinha por

finalidade combater a miséria, e ao mesmo tempo liberar a força de trabalho.

Em decorrência da mobilização popular e política do final dos anos 70 e durante

os anos de 1980, em prol da mudança da ordem repressora para a institucionalização

democrática, que se possibilitou a conquista na Constituição de 1988, do

reconhecimento à educação em creches e pré-escolas, como direito da criança e dever

do Estado.

Nota-se que até meados do final dos anos setenta em termos de legislação pouco

se fez para que se garantisse o direito de acesso à creche, o Estado começa a responder à

necessidade de atendimento a creche, através de ações paliativas e provisórias.

A Creche e a Legislação Brasileira

Já na década de oitenta diferentes setores da sociedade uniram forças no sentido

de sensibilizar a sociedade sobre o direito da criança a uma educação de qualidade

desde o nascimento. A pressão desses setores sociais na Assembléia Constituinte

possibilitou incluir creche e pré-escola no sistema educativo.

A década de 1990 foi um período bastante rico para o aprofundamento das

discussões em torno da construção de uma política de educação infantil e de uma

proposta pedagógica para o trabalho educativo em creches e pré-escolas brasileiras.

Após a Constituição Federal de 1988 ter afirmado como dever o Estado garantir

a oferta de creche e a pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. Tomou-se por

orientação que as instituições deveriam não apenas cuidar das crianças, mas desenvolver

um trabalho educacional.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) lei n. 9.396/96

caracteriza a Educação Infantil (creche e pré-escola) como primeira etapa da Educação

Básica. Segundo essa legislação, a creche deve atender as crianças de zero até três anos

de idade e a pré-escola, as crianças de 4 a 6 anos de idade.

Atualmente novas definições foram postas para a faixa etária da criança a ser

atendida pela pré-escola, regulamentadas através da lei n. 11.114/2005, que altera o

artigo 6º da LDB de 1996, estabelecendo o “Dever dos pais ou responsáveis efetuar a

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11, 12, 13 E 14 de abril de 2011 – UFSC – Florianópolis – SC - Brasil matrícula dos menores, a partir dos seis anos de idade, no Ensino Fundamental”, e da lei

n. 11.2274/2006, que altera o artigo 32 da LDB, determinando “O Ensino Fundamental

obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6

(seis) anos de idade [...].” Desse modo, a creche continua a atender crianças de até 3

anos de idade e a pré-escola de 4 e 5 anos de idade.

Cabe ressaltarmos que a creche ainda era oferecida pelas secretarias de

Assistência Social e só passa a fazer parte do setor da Educação, com a promulgação da

LDBEN. Esta lei passa a reconhecer a creche como uma instituição também educativa,

essa concepção opõe-se à tradicional visão da creche destinada ao atendimento da

criança pobre com funções assistencialista, presente desde o seu surgimento.

A Constituição federal de 1988 e a LDBEN atribuem a educação infantil à

responsabilidade aos municípios, que, por sua vez, devem aplicar pelo menos 25% da

receita de impostos na manutenção e desenvolvimento de ensino.

A partir da Constituição Federal de 1988 e, após a aprovação da LDBEN muitos

documentos foram criados como, por exemplo: “Subsídios para o credenciamento e

funcionamento das instituições de educação infantil” (BRASIL, 1998), “Referencial

Curricular Nacional para a Educação Infantil” (BRASIL, 1998), no sentindo de regular

o funcionamento das instituições de educação infantil e com a proposta de garantir

qualidade no interior dos centros de educação infantil.

Verifica-se um grande avanço no que diz respeito aos direitos da criança

pequena, ao observarmos essas legislações, mesmo a educação infantil não sendo uma

etapa obrigatória, é um direito da criança e tem o objetivo de proporcionar condições

para o seu desenvolvimento infantil.

Para Harvey (1992), a intervenção do Estado é necessária para compensar as

falhas do mercado, tais como os danos ao ambiente natural e social. Para Mészáros

(2003), o envolvimento direto ou indireto do Estado corresponde em Salvaguardar a

continuidade do modo de reprodução do metabolismo social do capital.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Ao analisar a creche numa perspectiva história, nota-se que seu surgimento

esteve atrelado à mudança do processo produtivo, consequentemente gerando mudanças

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11, 12, 13 E 14 de abril de 2011 – UFSC – Florianópolis – SC - Brasil sociais, que por sua vez, exigiam a criação de uma instituição que atendesse às crianças

pequenas.

Dessa forma, a creche tornou-se um mecanismo para amenizar, mesmo de forma

paliativa, as necessidades produzidas por surgimento de uma nova organização familiar,

impulsionada pelo estabelecimento de uma nova organização econômica, social e

política.

O papel do Estado é fundamental na sociedade capitalista, ao mesmo tempo em

que o viabiliza, cria políticas para amenizar as crises sociais, pois sabemos a

incapacidade do sistema de se reproduzir, sem destruir o ambiente natural e as

condições de vida do ser humano.

Mesmo sabendo que o atendimento à criança pequena está atrelado aos

interesses burgueses, historicamente só se afirmou enquanto direito da criança e da

família, após muita pressão por parte da classe trabalhadora, e volto a afirmar que as

políticas sociais não existem somente como uma imposição de cima, mas também como

resultado desse jogo de forças, presente na relação de classes.

Esse estudo de forma alguma pretende finalizar a discussão aqui proposta, mas

espero ter contribuído para a construção desse objeto na sua historicidade.

REFERÊNCIAS ALVES, Gilberto Luis. A produção da escola pública contemporânea. 2. ed. Campo Grande, MS: Editora da UFMS; Campinas/SP: Editora Autores Associados, 2004. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999. ANTUNES, Ricardo. A Desertificação Neoliberal no Brasil: (COLLOR, FHC E LULA). 2. ed. São Paulo: Autores associados, 2005. BARBOSA, Ana Paula Tatabiba. O que os olhos não vêem...Práticas e Política em Educação Infantil no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal Fluminense, RJ, 2006. BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista. A degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federal do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Imprensa Oficial. Brasília, DF, 1988.

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