O REGIONALISMO PÓS-LIBERAL E O RESGATE DA AGENDA … · 2015-07-04 · As iniciativas de...

20
O REGIONALISMO PÓS-LIBERAL E O RESGATE DA AGENDA DO DESENVOLVIMENTO Guilherme Augusto Guimarães Ferreira 1 RESUMO: O fim da Guerra Fria iniciou o processo de acentuação do que chamamos de globalização que, em nível mundial, possibilitou que temas ligado ao âmbito econômico e social passassem a dividir a agenda internacional com os tradicionais estudos de defesa e segurança, predominantes antes de 1989. Nesse contexto, tendo por marco as experiências europeias na segunda metade do século XX, evidenciou-se o fortalecimento dos processos de regionalismo como opção ao desenvolvimento. Fenômeno esse que, na atualidade, opera sob a lógica que Sanahuja denomina regionalismo pós-liberal, caracterizado pelo resgate das preocupações com a promoção do desenvolvimento, com um maior papel dos atores estatais, com ênfase na criação de instituições e políticas comuns e uma abertura da agenda às dimensões sociais da integração, sobretudo às questões ligadas à redução da pobreza e da desigualdade e a promoção da justiça social. Dessa forma, o objetivo deste é apresentar o regionalismo pós-liberal na América latina e como esse fenômeno resgata as preocupações com um projeto de desenvolvimento independente e autônomo para a região. PALAVRAS-CHAVE: Regionalismo Pós-liberal. Desenvolvimento. América Latina. INTRODUÇÃO No existe una única forma de hacer integración. Como constelación de políticas públicas, la integración regional, sus objetivos, su estructura institucional y la definición de quiénes participan en su concepción e implementación son objeto de lucha política. Asimismo, determinadas políticas públicas de integración regional plasman en medidas concretas la opción por un modelo determinado. (VAZQUEZ, 2011, p.166). Os processos de integração regional, enquanto objeto de estudo, surgem das análises acadêmicas, nos anos 1950, da criação da Comunidade Econômica do Carvão e do Aço (CECA), na Europa pós-Segunda Guerra, que tinha por característica fundamental a união, sob uma autoridade comum, da produção de carvão e aço dos países que se enfrentaram nas grandes guerras, notadamente, França e Alemanha. 1 Mestrando pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Bacharel em Relações Internacionais pela UNESP Franca. E-mail: [email protected].

Transcript of O REGIONALISMO PÓS-LIBERAL E O RESGATE DA AGENDA … · 2015-07-04 · As iniciativas de...

O REGIONALISMO PÓS-LIBERAL E O RESGATE DA AGENDA DO

DESENVOLVIMENTO

Guilherme Augusto Guimarães Ferreira1

RESUMO: O fim da Guerra Fria iniciou o processo de acentuação do que chamamos de

globalização que, em nível mundial, possibilitou que temas ligado ao âmbito econômico e

social passassem a dividir a agenda internacional com os tradicionais estudos de defesa e

segurança, predominantes antes de 1989. Nesse contexto, tendo por marco as experiências

europeias na segunda metade do século XX, evidenciou-se o fortalecimento dos processos de

regionalismo como opção ao desenvolvimento. Fenômeno esse que, na atualidade, opera sob a

lógica que Sanahuja denomina regionalismo pós-liberal, caracterizado pelo resgate das

preocupações com a promoção do desenvolvimento, com um maior papel dos atores estatais,

com ênfase na criação de instituições e políticas comuns e uma abertura da agenda às

dimensões sociais da integração, sobretudo às questões ligadas à redução da pobreza e da

desigualdade e a promoção da justiça social. Dessa forma, o objetivo deste é apresentar o

regionalismo pós-liberal na América latina e como esse fenômeno resgata as preocupações

com um projeto de desenvolvimento independente e autônomo para a região.

PALAVRAS-CHAVE: Regionalismo Pós-liberal. Desenvolvimento. América Latina.

INTRODUÇÃO

No existe una única forma de hacer integración. Como constelación de políticas

públicas, la integración regional, sus objetivos, su estructura institucional y la

definición de quiénes participan en su concepción e implementación son objeto de

lucha política. Asimismo, determinadas políticas públicas de integración regional

plasman en medidas concretas la opción por un modelo determinado. (VAZQUEZ,

2011, p.166).

Os processos de integração regional, enquanto objeto de estudo, surgem das análises

acadêmicas, nos anos 1950, da criação da Comunidade Econômica do Carvão e do Aço

(CECA), na Europa pós-Segunda Guerra, que tinha por característica fundamental a união,

sob uma autoridade comum, da produção de carvão e aço dos países que se enfrentaram nas

grandes guerras, notadamente, França e Alemanha.

1Mestrando pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Bacharel em Relações

Internacionais pela UNESP – Franca. E-mail: [email protected].

As histórias dos processos de integração, tanto na Europa quanto na América Latina,

entretanto, datam de períodos anteriores. As iniciativas de unificação do continente europeu

remontam à experiência do Sacro Império Romano-Germânico, enquanto que o projeto

integracionista na América Latina começa a ser desenhado por volta do séc. XVIII, com os

movimentos independentistas. É com Bolívar e José Martin que a unidade da região,

sobretudo da América espanhola, passa a ser entendida como uma estratégia de emancipação

política frente à coroa da Espanha.

Desde então, esse processo passou por diversas transformações, assumindo um caráter

desenvolvimentista nos anos pós-II Guerra, incorporando os preceitos neoliberais a partir dos

anos 1990 e da nova ordem mundial instaurada no pós-1989 e, por fim, dando sinais de uma

ressignificação do processo de integração, em que as demandas sociais passaram a

protagonizar a agenda.

Tendo isso em vista, o argumento aqui apresentado é que esse processo de

ressignificação pelo qual a integração regional passou, sobretudo a partir dos anos 2000,

fenômeno denominado por Sanahuja (2010) de regionalismo pós-liberal, resgatou as

preocupações com a agenda do desenvolvimento, tendo por marca um maior papel dos atores

estatais, a ênfase na criação de instituições e políticas comuns e uma abertura da agenda às

dimensões sociais da integração, sobretudo às questões ligadas à redução da pobreza e da

desigualdade e a promoção da justiça social.

O Trabalho se estrutura em quatro principais seções. Na primeira, o objetivo é

apresentar o desenvolvimento da integração regional nos anos 1950 sob a lógica do

regionalismo autônomo, em que predominaram as idéias da CEPAL e as políticas de

industrialização via substituição de importação.

Na segunda seção, faz-se a apresentação do regionalismo na América latina durante os

anos 1990, sob a égide do regionalismo aberto e do neoliberalismo. A intenção é mostrar

como os governos liberais e as políticas propostas pelo “Consenso de Washington” moldaram

os processos de integração, dotando-os de um caráter exclusivamente comercial, onde o

Estado e as demandas sociais tinham pouco, ou quase nenhum espaço.

Após, apresentamos as reflexões sobre o regionalismo pós-liberal. Quer-se, nessa

seção, mostrar a ressignificação pela qual passou o regionalismo na América Latina,

majoritariamente com os governos progressistas, e suas conseqüências para os processos de

integração regional.

Pro fim, faz-se uma breve leitura do MERCOSUL a partir dessa óptica, mostrando

suas principais transformações, numa tentativa de ilustrar o argumento de que o regionalismo

pós-liberal resgatou a agenda do desenvolvimento nos processos de integração regional na

América latina.

O REGIONALISMO AUTÔNOMO DOS ANOS 1950

Os processos de integração regional desenvolvidos na América Latina sob a lógica do

regionalismo autônomo2 trataram-se, sobretudo, de projetos com características

desenvolvimentistas. Foi motivado, sobremaneira, pela nova ordem econômica mundial

instalada no pós-II Guerra Mundial, majoritariamente pelas políticas de reconstrução das

economias centrais. (BRICEÑO RUIZ, 2007).

Os Estados centrais conduziram políticas, com o fim da Guerra, de caráter

protecionistas, numa estratégia de salvaguardar os mercados nacionais e reconstruir suas

economias devastadas pelo conflito. Essas políticas geraram uma enorme defasagem entre os

preços nacionais e os internacionais, forçando os países centrais, historicamente importadores

de produtos agrícolas, a apoiarem a sua produção nacional, e aos países periféricos,

importadores de produtos manufaturados, a industrialização.

A integração regional foi motivada, para além da conjuntura comercial exposta acima,

pelo discurso de fortalecimento da América Latina propagado pelos governos nacional-

desenvolvimentistas da época, que almejavam uma maior inserção no sistema internacional

estratificado da Guerra Fria, e pelo aprofundamento da integração européia com a assinatura

dos Tratados de Roma, em 1957, que impuseram a urgência da criação de uma alternativa

para as economias latino-americanas, já que a criação da Comunidade Econômica Europeia

2 Na literatura, o regionalismo dos anos 1950 é também chamado de “Velho Regionalismo” e “Regionalismo

Fechado”. No entanto, neste trabalho optou-se pela nomenclatura “Regionalismo Autônomo”, conforme

proposta do professor Briceño Ruiz, por ter como locus específico a América latina: “La calificación de

‘autonómica’ parece explicar de manera más clara las convicciones y las metas de los gobiernos que

impulsaban la integración. La expresíon regionalismo cerrado, en cambio, es inexata porque la propuesta

cepalista no excluía de forma absoluta a apertura a los mercados mundiales, circunstancia que se consideraba

uma etapa por la que la región tendría que transitar uma vez que sus bienes lograran ser competitivos em los

mercados latinoamericanos”. (BRICEÑO RUIZ, 2007, p.21).

(CEE) significava um bloqueio às importações dos produtos latino-americanos. (BRICEÑO

RUIZ, 2007).

O núcleo central da idealização dos processos de integração foi baseado pelas teorias

desenvolvidas pela Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), que via a integração

regional como mecanismo para a promoção do desenvolvimento na região. O professor

Marcio Bobik Braga apresenta-nos três principais argumentos dos cepalinos na defesa da

integração regional:

[...] i) a necessidade de se estabelecer maior racionalidade econômica ao processo de

substituição de importações; ii) a necessidade de um planejamento regional cujo

objetivo fosse a criação de mecanismos que possibilitavam um desenvolvimento

comercial e industrial com equidade e iii) a adoção de estratégias para o

estabelecimento de uma política comercial no contexto das novas relações

econômicas e políticas internacionais que se consolidavam na época. (BRAGA,

2007, p.55).

Os cepalinos entendiam que as dificuldades encontradas pelas exportações eram

conseqüências das políticas protecionistas postas em prática nos países centrais, sobretudo

ligadas aos produtos agrícolas, protagonista na pauta de exportações da região. Dessa forma, a

alternativa para superar essa estrutura dependente da demanda internacional por produtos

primários era de promover uma política de industrialização baseada na substituição de

importações, em que os recursos arrecadados com a venda dos bens primários deveriam ser

utilizados na aquisição de bens de capital para fomento da indústria. Nessa lógica, os blocos

econômicos assumiriam protagonismo, na medida em que possibilitariam a exploração das

economias de escala, compensariam as demandas internacionais de importações e

diversificariam a pauta de exportações da região:

(...) o mercado comum corresponde ao empenho em criar uma nova modalidade para

intercâmbio latino-americano adequado a duas grandes exigências: a da

industrialização e a de atenuar a vulnerabilidade externa desses países. (...) A

realização progressiva do mercado comum permitirá que ele vá sendo

gradativamente transformado, com as grandes vantagens que poderão advir de uma

organização mais racional do sistema produtivo, mediante a qual se aproveite com

maior eficácia a potencialidade da terra e na qual a indústria, rompendo os limites

estreitos do mercado nacional, adquira dimensões mais econômicas e, por sua maior

produtividade, possa aumentar sua já ponderável contribuição atual para o padrão de

vida latino-americano. (CEPAL, 2000, p.352 apud OLIVEIRA, 2014, p.11)

A industrialização da região pensada na dinâmica do bloco econômico possibilitaria,

ainda, uma especialização industrial de cada Estado participante, aumentando a

competitividade dos produtos no mercado internacional. No entanto, tal especialização

deveria ser operacionalizada a partir de um planejamento regional, na medida em que era

preciso evitar a concentração industrial em áreas focalizadas, fator que ampliaria as

desigualdades entre os participantes do processo integracionista. Nas palavras de Alessandra

Oliveira:

Desta maneira, com a implantação da integração, estas nações poderiam beneficiar-

se com a intensificação das trocas comerciais recíprocas e dar um impulso ao

processo de industrialização. Com o mercado comum, os países, ao invés de

implantar indústrias substitutivas a toda sorte, poderiam cada um deles se

especializar naquelas que considerassem mais convenientes, de acordo com suas

possibilidades de mercado. E, em contrapartida, importariam de outros países latino-

americanos, os demais produtos industrializados, que não conseguissem adquirir do

resto do mundo por conta do crescimento lento das exportações primárias.

(OLIVEIRA, 2014, p.11).

Podemos destacar duas iniciativas integracionistas pensadas nessa lógica: O Pacto

Andino, de 1969, e a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), de 1980. Não

cabe aqui desenvolver um estudo detalhado de cada iniciativa, mas vale ressaltar que ambas

foram estratégias de integração com o objetivo claro de conquistar elevados graus de

autonomia e de promover suas próprias políticas de desenvolvimento. Daniela Perrota nos

aponta suas características fundamentais:

El Estado mantiene el rol de conducción de la política de integración,

regula y articula las relaciones sociales y mercantiles;

El esquema de integración comercial al que se aspira llegar es, en la

mayoría de los casos, el de un mercado común: esto es, lograr La libertad de

movimiento de bienes, personas y capitales;

La integración regional se basa en un esquema gradual y que tenga en

cuenta situaciones de asimetría;

Los arreglos institucionales presentan rasgos de supranacionalidad, em

concordancia con los objetivos de los diferentes acuerdos. (PERROTA, 2010, p.09).

Esse modelo, no entanto, apresentou sinais de fracasso. Embora alguns autores o

atribuam às limitações do modelo de industrialização por substituição de importações pensado

pela CEPAL, Briceño Ruiz argumenta ao contrário, que o fracasso deveu-se à não

implantação do projeto cepalino na sua totalidade. (BRICEÑO RUIZ, 2007). Esbarrou,

segundo o autor, na tentativa de conciliação, por parte dos governos participantes, de um

projeto de industrialização nacional e um regional, contraditórios por natureza.

A integração foi debilitada, ainda, pela ausência de políticas de infraestrutura que

dessem suporte à industrialização, pela instabilidade macroeconômica que afetou os mercados

financeiros e os preços das commodities, principal fonte de recursos para o financiamento da

política industrial e por ter ido de encontro aos interesses dos empresariados nacionais que,

diante da situação, acionaram seus governos e articularam entraves à continuidade do

processo integracionista. Vásquez resume:

Predominó una combinación de las ideas cepalistas y las tendencias comercialistas,

que pudieron ser en cierta medida compatibles hasta que pusieron en cuestión la

continuidad de los procesos nacionales de industrialización. En tanto éstos entraron

en contradicción con la industrialización concebida regionalmente por la CEPAL,

los gobiernos optaron por priorizar los primeros, a partir de una perspectiva

fuertemente centrada en las demandas domésticas y en el corto plazo. (VAZQUEZ,

2011, p.168).

Percebe-se, portanto, que os projetos de integração do regionalismo autônomo tinham

em sua centralidade a agenda do desenvolvimento e o Estado, responsável primeiro por

cumpri-la. Não se concebeu a integração regional como um mecanismo puramente de

liberalização e imposição da lógica do mercado, como o regionalismo aberto, apresentado a

seguir. Mas sim, de uma concepção integracionista que tinha no Estado seu principal ator e o

desenvolvimento autônomo, focalizado nas políticas de industrialização, como seu objetivo

central.

O REGIONALISMO ABERTO DOS ANOS 1990

Se fossemos resumir a atividade política e econômica dos anos 1990 na América

Latina em um termo, este seria neoliberalismo. O neoliberalismo teve sua origem na

Inglaterra em 1944, com as publicações de Friedrich Hayek3, mas ganhou materialidade

política a partir dos governos de Margaret Thatcher, no Reino Unido e de Ronald Reagan, nos

EUA, assim como nos de Helmut Khol e Poul Schluter, na Alemanha e Dinamarca,

respectivamente.

3 VER: HAYEK, Friedrich. A. O caminho para a servidão. Lisboa: Edições 70, 2009.

De maneira geral, esses governos adotaram políticas de contração da emissão

monetária, de elevação das taxas de juros, de redução os impostos sobre os altos rendimentos,

de abolição dos controles do mercado financeiro, de criação de índices de desemprego

massivos, de corte dos gastos sociais e de implementação de um amplo programa de

privatizações. Conforme sintetizado por Perry Anderson, “Trata-se de um ataque apaixonado

contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas

como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política”.

(ANDERSON, 1998, p.9).

Na América latina, esse modelo passou a ser implementado por Pinochet, Menem,

Perez e Fujimori nos governos de Chile, Argentina, Venezuela e Peru, respectivamente, numa

resposta ao agravamento das dívidas internacionais dos anos 1980, contraídas nas décadas

anteriores. Cenário este em que os governos supracitados recorreram ao Banco Mundial e ao

Fundo Monetário Internacional (FMI) que, em troca de financiamentos, exigiam políticas que

garantissem o controle das contas públicas e a abertura das economias aos mercados

internacionais, ancoradas no Consenso de Washington4. Embora essas políticas não tenham

sido implementadas de maneira homogênea em toda a América latina, variando em sua

temporalidade e intensidade, eles apresentaram elementos comuns, como aponta Soares:

Numerosos países da região trataram de introduzir maiores elementos de ortodoxia

em suas políticas econômicas, mas o fizeram com distintos graus de intensidade. No

entanto, quase todas elas colocaram como objetivos comuns os seguintes: a)

aumentar o grau de abertura da economia para o exterior, a fim de lograr um maior

grau de competitividade de suas atividades produtivas; b) racionalizar a participação

do Estado na economia, liberalizar os mercados, os preços e as atividades

produtivas; c) estabilizar o comportamento dos preços e de outras variáveis

macroeconômicas. (SOARES, 2009, p.24.)

É neste cenário, portanto, que o regionalismo aberto vai se desenhar, no marco da

ordem econômica pós 1989, onde os processos de integração se constituíram como

instrumento para enfrentar a globalização econômica e financeira. Tratava-se de um

trampolim para integrar as economias participantes ao mercado mundial.

4 Conceito utilizado para sintetizar as políticas liberalizantes propostas pelas Instituições de Bretton Woods. Em

síntese, a proposta é a de que o desenvolvimento seria alcançado por meio de privatizações, controle das contas

públicas, desregulamentação e abertura da economia aos mercados internacionais.

Operou-se, dessa forma, ações de liberalização comercial, flexibilização e

desregulamentação da economia e retirada de barreiras tarifárias, em complementaridade com

a experiência de abertura liberal no âmbito do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT),

posteriormente Organização Mundial do Comércio (OMC). Como afirma o Banco

Interamericano de Desenvolvimento: “se inserta en um marco de reforma de políticas que

fondamentaba la economia de mercado en un ambiente institucional democrático y

moderno.” ( BID, 2012, p.37 apud PERROTA, 2013, p.227).

Consolidou-se sob um discurso de que o debate da industrialização por substituição de

importações, tal qual proposto pela CEPAL nos anos 1950, estava superado. Era preciso,

segundo as concepções dos governos, promover a competitividade internacional e a

modernização tecnológica:

Esta nueva etapa de la integración latinoamericana contrasta com la fase anterior

por el extraordinario crecimiento del intercambio y el éxito em cumplir las metas de

alcanzar zonas de libre comercio y uniones aduaneiras. El nuevo ímpetu em la

integración regional suele atribuirse a la adopción de programas neoliberales por

parte de la mayoría de los países de la región, que habrían operado como “um

factor endógeno propicio para el proceso de integración”. La liberalización

comercial y desregulación econômica, parte integral de los programas de reforma

estructural aplicados em la región, habrían permitido superar las dificultades

experimentadas por los esquemas de integración debido a posturas nacionalistas y

ultraproteccionistas. Así, la nueva estrategia de integración abandona los objetivos

autonomistas de un crecimiento económico hacia adentro y la meta de reducir la

dependencia de la región, para optar por una estrategia ofensiva de inserción em la

economia mundial. (BRICEÑO RUIZ, 2007, p.110).

Segundo Briceño Ruiz (2007), o regionalismo aberto ocorreu devido a dois grupos de

causas: endógenas e exógenas. As causas endógenas foram a democratização e o apoio que os

grupos sociais, sobretudo o empresariado, deram aos projetos integracionistas. A

democratização possibilitou a superação dos discursos de segurança nacional das ditaduras

militares, criando um consenso de que era preciso operar medidas de abertura dos mercados.

O empresariado, ao contrário do período de 1950, demonstrou apoio à abertura econômica e à

criação de zonas de livre comércio, pois viram a integração como uma estratégia de adaptar o

setor privado às novas exigências dos mercados e passar a competir em escala global.

Os principais fatores exógenos, por sua vez, foram as transformações na economia

mundial e um sentimento de marginalização da região nos assuntos internacionais, que

colocaram o regionalismo como estratégia de inserção global:

La conclusión de la Guerra Fría y la disolución de la Union Soviética redujeron la

preponderância de los temas militares y de seguridad em la agenda global. En el

mundo de la post Guerra Fría se há producido um proceso de comercialización de

las relaciones internacionales como resultado de la globalización de la produucción

y las finazas mundiales. De igual manera, se há ampliado el concepto de comercio

internacional, que no solo incluye el intercambio de mercancias sino también los

servicios, las inversiones y aspectos relacionados com el trabajo y el medio

ambiente. Finalmente, se há producido uma politización de las relaciones

comerciales debido a la creciente incidencia de consideraciones de poder em la

administración del comercio exterior.

De forma paralela, se observa el renacer del regionalismo em todas as partes del

planeta, lo que crea expectativasde uma división de la economía mundial en

grandes bloques econômicos, y estos câmbios incrementan el temos de uma possible

marginalización de América Latina y Caribe em el orden mundial naciente. Como

en épocas anteriores, la integración aparece de nuevo como una opción para

enfrentar de manera conjunta los peligros externos. La integración se concibe como

un medio para lograr uma inserción más eficiente em la economía mundial

globalizada y para fortalecer el poder de negociación de la región frente el resto del

mundo. (BRICEÑO RUIZ, 2007, p.110).

Muitas foram as iniciativas criadas sob a lógica do regionalismo aberto na América

Latina. Podemos destacar: o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), firmado

entre Canadá, México e Estados Unidos em 1994; a proposta estadunidense de criação de uma

Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), também em 1994; a experiência do Mercado

Comum Centro-Americano (MCCA); o então Mercado Comum do Caribe, hoje Comunidade

do Caribe (CARICOM); e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), de 1991.

Para além das especificidades de cada projeto, foi ponto comum um discurso que

enfatizava a integração combinada com a abertura comercial, com o objetivo claro de uma

inserção rápida, e com menor custo, na economia internacional. Evidenciou-se, assim, que as

estratégias se limitaram a um projeto comercial, onde a desoneração tarifária e a abertura

indiscriminada dos mercados protagonizavam.

Demonstra-se o exposto acima no exemplo do MERCOSUL. Ao analisarmos o Artigo

1º do Tratado de Assunção, marco legal de criação do bloco de integração sul-americano, que

seus mecanismo limitaram-se às questões relacionadas à livre circulação de mercadorias, bens

e serviços e coordenação de políticas macroeconômicas que visem apenas as condições de

concorrência:

TRATADO DE ASSUNÇÃO

Artigo 1º - Os Estados Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá

estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará "Mercado

Comum do Sul" (MERCOSUL).

Este Mercado Comum implica:

A livre circulação de bens serviços e fatores produtivos entre os países, através,

entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários restrições não tarifárias à

circulação de mercado de qualquer outra medida de efeito equivalente;

O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política

comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a

coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais;

A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes – de

comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de

serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem -, a

fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes; e

O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas

pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração. (MERCOSUL,

1991)

O mesmo é exposto na proposta da ALCA, cujas recomendações contidas no projeto

Briceño Ruiz nos apresenta:

Eliminacíon de subsídios a las exportaciones.

Reciprocidad em el acceso a los mercados.

Membresía em la Organización Mundial del Comercio.

Discipina fiscal.

Progreso em la protección de la propriedad intelectual.

Abolición de las barreras al comercio de bienes y servicios.

Trato nacional a las inversiones extranjeras.

Convergencia de objetivos comerciales com Estados Unidos. (BRICEÑO

RUIZ, 2007, p.146).

Nos anos 2000, contudo, ocorreram algumas transformações no quadro político latino-

americano e mundial ameaçando, em alguns casos extinguindo, as iniciativas de integração

regional baseadas no regionalismo aberto. Em nível regional, devido às crises brasileira e

argentina, de 1998 e 2001, respectivamente, houve o desaparecimento de um aparente

consenso em apoiar a integração nos mecanismo de mercado e, simultaneamente, governos de

esquerda foram eleitos na região. Em nível internacional, os atentados aos EUA em 11 de

setembro de 2001, a guerra ao terror e a paralisação das negociações liberalizantes na OMC,

deslocaram o foco da diplomacia estadunidense, relaxando as pressões nas negociações da

ALCA, principal competidora dos projetos latino-americanos.

Somado a esses fatores, a IV Cúpula das Américas, realizada em 2005, na Argentina,

consolidou o rechaço ao projeto da ALCA, reafirmando um novo momento do regionalismo

na América Latina, que abordaremos a seguir.

O REGIONALISMO PÓS-LIBERAL

O início do Séc. XXI marca um fenômeno impar na América Latina, o que alguns

especialistas chamam de “Onda Rosa”. Fabrício Silva a descreve:

A “onda rosa” se iniciou ainda na década de 1990, com a eleição de Hugo Chávez

em 1998. Chávez, fundador do personalista Movimento V República (MVR),

chegou ao poder em meio ao colapso das instituições e partidos “tradicionais”. Na

sequência, Ricardo Lagos, oriundo do Partido Socialista do Chile (PSCh), foi eleito

em 2000, representando uma inflexão à esquerda na Concertação, aliança que

governava o país desde o retorno à democracia em 1990. Em 2002, Luiz Inácio Lula

da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), foi eleito no Brasil. Na Argentina,

Néstor Kirchner foi eleito presidente em 2003, e procurou governar como parte

integrante desse giro à esquerda – apesar das evidentes dificuldades em se

considerar de esquerda um governante oriundo do peronismo. Tabaré Vázquez, da

Frente Ampla (FA), venceu as eleições uruguaias em 2004. Em 2005, Evo Morales,

do Movimento ao Socialismo (MAS) da Bolívia, venceu as segundas eleições que

disputou, como culminância da crise político-social vivenciada pelo país nos anos

anteriores. No ano seguinte, Rafael Correa chegou ao poder no Equador, após fundar

um movimento com o intuito de concorrer às eleições presidenciais, o Pátria Altiva e

Soberana (PAÍS na sigla em espanhol), também em meio a um colapso de

instituições e partidos “tradicionais”. No mesmo ano, Daniel Ortega e sua Frente

Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) regressaram ao poder na Nicarágua,

dessa vez por meios eleitorais. O ativista social Fernando Lugo chegou ao poder no

Paraguai em 2008 encabeçando uma frente de movimentos sociais, sindicatos e

partidos de oposição, encerrando uma hegemonia de seis décadas dos colorados. Por

fim, no ano seguinte Mauricio Funes, da Frente Farabundo Martí para a Libertação

Nacional (FMLN), chegou ao poder em El Salvador. (SILVA, 2010, p.03).

O autor considera que esse fenômeno foi possibilitado por dois principais fatores: o

fim da Guerra Fria e a redemocratização. O pós-1989 representou o fim de um modelo de

esquerda universal, inspirada na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), dando

espaço para que os partidos do continente, ainda que de origem marxista, pudessem se adaptar

às especificidades nacionais. Da mesma forma, a redemocratização da América Latina,

operada a partir dos anos 1980, possibilitou que essa esquerda, agora organizada em partidos,

já apta ao jogo democrático, competisse pelo poder político na região:

Além disso, num sentido “mínimo”, essas esquerdas se afirmaram democratas e

aceitaram participar do “jogo democrático” – mais do que alguns analistas e/ou

adversários políticos gostariam de admitir. Com isso, se afastaram da imagem

comumente associada a esquerdas de todos os quadrantes, em especial as do

subcontinente. As esquerdas latino-americanas atuais aceitaram a democracia em

seus aspectos representativos, entraram na disputa democrática, e foram aceitas

como adversários pelos seus contendores (algo difícil até pouco tempo na região).

Assim, essas esquerdas se adaptaram à (re)democratização vivenciada no

subcontinente, podendo aproveitar-se de suas possibilidades – que se mostraram, ao

fim e ao cabo, mais frutíferas do que alguns setores críticos mais recalcitrantes

tendem a admitir. (SILVA, 2010, p.07).

Para além das especificidades do fenômeno, o fato é que os então novos governos de

esquerda impuseram uma ressignificação à integração regional, que passou a ser encarada

como instrumento do Estado para o desenvolvimento, dotada de uma agenda em que as

dimensões sociais protagonizavam, entendida enquanto uma estratégia para ampliar a

autonomia da região frente o sistema internacional:

Emerge así una agenda que da más peso a las dimensiones sociales, políticas y de

seguridad, y a políticas comunes en campos como la energía o la infraestructura,

frente al énfasis en la liberalización comercial del regionalismo

abierto.(SANAHUJA, 2010, p.88).

Produto de uma conjuntura marcada pela falência do modelo neoliberal, pela extinção

do consenso de apoiar a integração nos mecanismos de mercado, pela crença no Estado como

regulador da economia e promotor do desenvolvimento por meio de políticas ativas de gastos

públicos e geração de emprego, esse novo regionalismo é chamado por José Sanahuja de

Regionalismo Pós-Liberal (SANAHUJA, 2010).

Desenha-se, sobretudo, como um instrumento para a construção de um espaço

comercial e como um mecanismo para construir e aplicar uma política social regional. Os

processos de integração regional passam, assim, a ser caracterizados por:

a) La primacía de la agenda política, y una menor atención a la agenda económica y comercial, lo que no es ajeno a la llegada al poder de distintos gobiernos de izquierda, al tono marcadamente nacionalista de esos gobiernos, y a los intentos de ejercer un mayor liderazgo en la región por parte de algunos países, en particular Venezuela y Brasil. b) El retorno de la «agenda de desarrollo», en el marco de las agendas económicas del «pos-Consenso de Washington», con políticas que pretenden distanciarse de las estrategias del regionalismo abierto, centradas en la liberalización comercial. c) Un mayor papel de los actores estatales, frente al protagonismo de los actores privados y las fuerzas del mercado del modelo anterior. d) Un énfasis mayor en la agenda «positiva» de la integración, centrada en la creación de instituciones y políticas comunes y en una cooperación más intensa en ámbitos no comerciales, lo que, como se indicará, ha dado lugar a la ampliación de los mecanismos de cooperación «sur-sur», o la aparición de una agenda renovada de paz y seguridad. e) Mayor preocupación por las dimensiones sociales y las asimetrías en cuanto a niveles de desarrollo, y la vinculación entre la integración regional y la reducción de la pobreza y la desigualdad, en un contexto político en el que la justicia social ha adquirido mayor peso en la agenda política de la región. f) Mayor preocupación por los «cuellos de botella» y las carencias de la infraestructura regional, con el objeto de mejorar la articulación de los mercados regionales y, al tiempo, facilitar el acceso a mercados externos. g) Más énfasis en la seguridad energética y la búsqueda de complementariedades en este campo. h) La búsqueda de fórmulas para promover una mayor participación y la legitimación social de los procesos de integración. (SANAHUJA, 2010, p.95).

Em resumo, o regionalismo pós-liberal vai se distinguir por apresentar uma agenda

positiva para a integração, onde as demandas políticas tem primazia sobre as comerciais, o

Estado exerce maior papel frente os atores privados (protagonistas nos anos 1990) e existe

uma preocupação com a participação e legitimação social. Vale destacar, também, a exclusão

dos Estados Unidos e do Canadá nas iniciativas de integração.

O regionalismo pós-liberal traz consigo, ainda, uma forte influência dos projetos

bolivarianos, em que, por meio do resgate da valorização da América Latina, busca-se a

defesa da soberania, iniciativas de integração que trabalhem efetivamente na promoção do

desenvolvimento e que possibilite uma maior autonomia, tanto regional, quanto nacional, no

sistema internacional. E, ainda que em princípio pareça contraditório ter objetivos que reúnam

o nacional e o regional, Sanahuja (2012) alerta para uma das características do regionalismo

pós-liberal: ser resultado e mecanismo de fortalecimento do nacional.

Dentre as iniciativas de integração regional que operaram nessa nova lógica, tem

destaque a União de Nações Sul-americanas (UNASUL), a Aliança Bolivariana para as

Américas (ALBA) e os movimentos de reforma do MERCOSUL, apresentado a seguir.

UMA ANÁLISE DO MERCADO COMUM DO SUL

O MERCOSUL tem sua origem em 1991, quando na América Latina as iniciativas de

integração regional eram pensadas sob a lógica do regionalismo aberto, tendo por

característica central a liberalização comercial, onde a necessidade de conformação com o

mundo pós-1989, em que o comércio era a dinâmica central, impôs um projeto que limitou a

concepção de desenvolvimento ao crescimento econômico, conforme já apresentado.

Os anos 2000 e o fenômeno o regionalismo pós-liberal, descrito acima, inaugurou um

período de transição e de reformas do projeto de integração mercosulino, onde uma

concepção de desenvolvimento mais ampla tem dado espaço a iniciativas que se propõem

pensar mecanismos de construção de uma integração que não se limite ao âmbito comercial.

No entanto, não há um modelo a ser seguido, o que acarreta numa maior politização das

agendas, por um lado, mas por outro, dificulta a geração de consensos. (SANAHUJA, 2010).

O marco primeiro dessas mudanças foi, em alguma medida, o lançamento do

“Consenso de Buenos Aires” por Brasil e Argentina, em contraponto ao “Consenso de

Washington”, em 2003. De maneira geral, trata-se de um manifesto que rompe com as

propostas de políticas neoliberais, propondo uma agenda de defesa de políticas

macroeconômicas e microeconômicas que tenham centralidade na geração de emprego e nas

questões sociais. Gardini resume que “El documento afirmo el derecho de los pueblos al

desarrollo y la centralidade del Estado em las políticas públicas, y enfatizo los valores de

integración así como la necessidad de participación de la sociedad civil.” (GARDINI, 2011,

p.75).

De toda forma, no que diz respeito especificamente ao MERCOSUL, as principais

mudanças se centraram: na criação do Instituto Social do MERCOSUL; na criação do Fundo

para Convergência Estrutural do MERCOSUL; na abertura do Parlamento do MERCOSUL; e

na criação das Reuniões Especializadas.

O Instituto Social do MERCOSUL (ISM) foi criado em 2007 mediante a demanda de

hierarquizar a dimensão social da integração regional apresentada pela Reunião de Ministros

de Autoridades de Desenvolvimento Social do MERCOSUL (RMADS). Em efeito, a

instauração do Instituto como instrumento técnico-político que apoiasse os tais propósitos da

RMADS, exigiu não só definições na ordem programática e normativa, mas também

comprometeu a explicitação do marco conceitual que orienta a tarefa do orgão na área social.

A declaração abaixo, oriunda de uma das reuniões do RMADS, explicita a importância do

ISM:

Assumir a dimensão social da integração baseada em um desenvolvimento

econômico da distribuição equitativa, tendente a garantir o desenvolvimento humano

integral, que reconhece o indivíduo como cidadão sujeito de direitos civis, políticos,

sociais, culturais e econômicos. Desta maneira, a Dimensão Social da integração

regional se configura como um espaço inclusivo que fortalece os direitos cidadãos e

a democracia. (RMDS, 2006).

O Fundo para Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM), criado em 2004, é

um instrumento financeiro que tem por finalidade aprofundar o processo de integração

regional no Cone Sul, por meio da redução das assimetrias, do incentivo à competitividade e

do estímulo à coesão social entre os países-membros do bloco, diante da necessidade de maior

integração das economias da região e de maior investimento nas economias menores

participantes do projeto de integração regional.

. O FOCEM apresenta características redistributivas entre as economias do bloco que,

em momentos passados, seriam imponderáveis, fortalecendo vínculos institucionais

complementares e profundos entre agentes estatais e policy makers dos Estados Parte.

(PINTO, 2012).

O projeto de criação do Parlamento do MERCOSUL (Parlasul) foi apresentado pelos

governos Kirchner e Lula, no início dos anos 200. Trata-se de uma iniciativa que tem por

objetivo fortalecer a participação e a legitimidade social no processo de integração, nos

moldes do modelo europeu, a partir da transformação da Comissão Parlamentar Conjunta

(CPC), órgão consultivo criado pelo Protocolo de Ouro Preto, em um parlamento com

eleições diretas e competência decisória. Existem, no entanto, divergências no que tange seu

funcionamento, seu regime de representação, suas competências e seu papel institucional,

discordâncias estas que atrasaram o projeto e postergara as primeiras eleições diretas,

inicialmente previstas para 2011.

As Reuniões Especializadas são órgãos consultivos, criados ao longo dos anos 2000,

vinculados ao Grupo Mercado Comum (CMC), que tem por objetivo discutir as implicações

da integração e propor políticas públicas comuns para as mais diversas áreas da integração,

sobretudo, àquelas que ficaram à margem da agenda comercial. Temos a titulo de exemplo: a

Reunião Especializada da Mulher (REM); Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar

(REAF); a Reunião Especializada de Autoridades de Aplicação em Matéria de drogas,

prevenção de seu uso indevido e reabilitação de dependentes de drogas; a Reunião

Especializada de Cooperativas; a Reunião Especializada sobre Infraestrutura; entre outras.

Para além das particularidades de cada reunião e de cada área temática, as Reuniões

Especializadas representam o reconhecimento, por parte do MERCOSUL, de que a integração

regional não se limita aos aspectos comerciais e, de que é preciso pensar políticas públicas

comuns para a promoção do desenvolvimento da região, considerando as mais variadas

demandas das sociedades.

Nota-se, assim, que o MERCOSUL passou por uma transformação drástica, ao menos

em termos de discurso. Embora, como já nos alerta Gardini (2011), existem inúmeras

diferenças entre os discursos e as práticas nos processos de integração na América latina,

essas transformações foram materializadas nas iniciativas mostradas acima, evidenciando que

existe um movimento de inclusão das questões do desenvolvimento na agenda do

MERCOSUL, superando o modelo baseado nas políticas de liberalização comercial, com o

horizonte em um projeto social de integração para a região.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho elucida importantes considerações acerca da dinâmica do regionalismo

na América Latina, sobretudo no tocante à agenda dos processos de integração. Nos anos

1950, conforme já apresentado, as iniciativas foram marcadas pelas políticas de

industrialização e pela utilização de instrumentos protecionistas comerciais. A nova ordem

econômica do pós-guerra, as políticas econômicas de reconstrução dos Estados centrais, o

aprofundamento da integração no continente europeu e a disseminação de um discurso de

fortalecimento e unificação da América Latina impuseram a urgência da integração, que tinha

nas políticas de industrialização por substituição de importação seu núcleo central, conforme

teorizado pela CEPAL.

Nota-se que durante o regionalismo autônomo o Estado teve papel fundamental na

condução da política de integração e a agenda foi composta pelas preocupações com a

industrialização, num projeto de criação de um complexo produtivo complementar na região,

a partir de um planejamento industrial comum, na tentativa de assegurar, se não a eliminação,

a diminuição das assimetrias entre os Estados participantes, e evitar a concentração dos

complexos industriais em áreas focalizadas.

Nos anos 1990, por sua vez, a integração regional na América Latina foi apoiada nos

mecanismos de mercado e nas políticas de liberalização comercial, entendendo a integração

como um instrumento para enfrentar a globalização econômica e financeira, um meio para

integrar os mercados mundiais.

Implantaram-se políticas de liberalização comercial e de desregulação da econômica,

ancoradas no “Consenso de Washington”. No tocante à agenda, as demandas econômicas

protagonizaram. O Estado, antes ator central, deu lugar ao mercado na condução da

integração:

No novo processo de integração, o Estado passa a desempenhar papel diferente

daquele que se ocupou no antigo regionalismo, quando era responsável pela

implementação das políticas para o desenvolvimento da América Latina. Nesta fase

atual, segundo o relatório da CEPAL, ele passa a exercer a função de gerar

estruturas flexíveis de coordenação empresarial, a fim de facilitar a intermediação da

transferência de tecnologia, a criação de redes de informação e abertura de canais ou

foros de intercâmbio. (OLIVEIRA, 2014, p.15).

Nos anos 2000 o regionalismo passa por uma redefinição. O Estado, ator coadjuvante

nos anos de regionalismo aberto, assumiu a liderança do processo integracionista, adotando-o

como mecanismo para a promoção do desenvolvimento.

Verificou-se, assim, uma nova caracterização do regionalismo. A agenda política

passou a ter prioridade sobre a econômica e comercial, ocorreu um distanciamento das

políticas propostas pelo “Consenso de Washington” e as dimensões sociais foram

incorporadas ao processo de integração:

A diferencia de la década precedente, signada por la narrativa neoliberal asociada al

llamado “consenso de Washington”, junto con la reducción del rol del Estado a

favor de un protagonismo de los actores del mercado, la década actual se ha

caracterizado, de acuerdo a algunos análisis, por tres “retornos” distintivos, el

“retorno” a un fortalecimiento del Estado; el “retorno” a la politización de las

relaciones regionales, y el “retorno” a una agenda desarrollista marcadamente

asociada a un nuevo impulso de una agenda social y de una serie de políticas

consecuentes por parte del Estado, tanto en el ámbito específicamente social como

en las esferas económica y política. (SERBIN, MARTÍNEZ e RAMANZINI

JÚNIOR, 2012, p.11).

O regionalismo pós-liberal realizou, portanto, o resgate da agenda do

desenvolvimento, ampliando sua concepção. Nos anos 1950, pensar desenvolvimento era,

sobremaneira, pensar políticas de industrialização. Nos anos 1990, por sua vez, o conceito de

desenvolvimento era associado à renda, e por isso a importância de vincular a integração à

liberalização comercial. Por fim, sob a égide do regionalismo pós-liberal, o conceito de

desenvolvimento ganha novas dimensões e passa a ser entendido como um processo que

envolve as dimensões sociais e econômicas de forma indissociável.

Essa nova concepção de desenvolvimento materializou-se nas novas iniciativas de

integração, como UNASUL, e no desenvolvimento de novas estratégias por parte de

processos de integração regionais antigos, como apresentado na breve análise do

MERCOSUL, realizada acima.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDERSON, Perry. 1998. Balanço do Neoliberalismo. In: SADER, E. e GENTILI, P.

(organizadores). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. Rio de

Janeiro: Paz e Terra.

BRAGA, Marcio Bobik. 2007. O “velho regionalismo” e o debate estruturalista sobre o

desenvolvimento da América Latina. Tese de Livre-docência. Universidade de São Paulo, São

Paulo.

BRICEÑO RUIZ, José. 2007. La integración regional en América Latina y el Caribe:

Processos históricos y realidades comparadas. Mérida: Universidad de los Andes.

______. 2011. Del regionalismo estratégico al regionalismo social y productivo. Las

transformaciones del modelo de integración del Mercosur. In: BRICEÑO RUIZ, José. (ed). El

Mercosur y las complejidades de la integración regional. Buenos Aires: Teseo.

GARDINI, Gian Luca. 2011. ¿ “Sur-realismo” o “Surrealismo”? 20 años del mercosur. In:

BRICEÑO RUIZ, José. (ed). El Mercosur y las complejidades de la integración regional.

Buenos Aires: Teseo.

MERCOSUL. 1991. Tratado de Assunção. Assunção.

OLIVEIRA, Alessandra Calvacante. 2014. Do velho ao novo regionalismo: evolução das

políticas conjuntas para o desenvolvimento planejado da América Latina. Santiago: CEPAL.

PERROTA, Daniela. 2010. La dialética entre la integración regional y las estrategias de

inserción internacional em El marco de proyetos de desarrollo nacional: algunas pistas para

La comprensión del MERCOSUR. Jornadas de Relaciones Internacionales “Poderes

emergentes: ¿ Hacia nuevas formas de concertación internacional? Buenos Aires: FLACSO.

______. 2013. La integración regional como objeto de estudio. De las teorías tradicionales a

los enfoques actuales. In LLENDERROZAS, E. (coord.), Relaciones Internacionales: Teorías

y debates. Buenos Aires: Eudeba.

PINTO, Rafael Cesar Ilha. 2012. O Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL

(FOCEM) e uma nova perspectiva da integração. Cuarto Congreso Uruguayo de Ciencia

Política: “La Ciencia Política desde el Sur”. Asociación Uruguaya de Ciencia Política, 1-15.

RMDS. 2006. Declaração de Buenos Aires: “Por um MERCOSUL com rosto humano e

perspectiva social”. Buenos Aires.

SANAHUJA, José Antônio. 2010. La construcción de uma région: Sudamérica y El

regionalismo posliberal. In CIENFUEGOS, M. e SANAHUJA, J. A. (eds.), Uma región em

construcción: UNASUR y La integración em América del Sur.Barcelona: Fundació CIDOB.

______.2012. Regionalismo post-liberal y multilateralismo em sudamérica: el caso de

UNASUR. Anuário de la integracion regional de América Latina y el grand Caribe, 09:19-

72.

SERBIN, Andrés; MARTÍNEZ, Laneydi; RAMANZINI JÚNIOR, Haroldo. 2012. El

regionalismo post-liberal em América Latina y el Caribe: Nuevos actores, nuevos temas,

nuevos desafios. Anuário de La integracion regional de América Latina y el grand Caribe,

09:07-16.

SILVA, Fabrício Pereira. 2010. Até onde vai a “onda rosa”? Análise de Conjuntura, 02: 02-

19.

SOARES, Laura T. 2009. Os custos do Ajuste Neoliberal na América Latina. São Paulo:

Cortez.

VAZQUEZ, Mariana. 2011. El MERCOSUR social. Cambio político y nueva identidad para

el processo de integración regional em América Del Sur. In CAETANO, G. (coord.)

MERCOSUR: 20 años. Montevideo: CEFIR.