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1 O Procedimento Administrativo de Concessão de Direito de Asilo: Uma Perspectiva Comparativa entre os Sistemas Angolano e Norueguês Riveraldo Adolfo 1 Sumário: Introdução. I – Generalidades II – O sistema angolano de concessão de direito de asilo III –O sistema norueguês de concessão de direito de asilo IV – Optimização da comparação entre os dois sistemas V – Considerações finais Bibliografia 1 Assistente estagiário da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, pesquisador convidado no ILPI.

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O Procedimento Administrativo de Concessão de Direito de Asilo:

Uma Perspectiva Comparativa entre os Sistemas Angolano e Norueguês

Riveraldo Adolfo1

Sumário:

Introdução.

I – Generalidades

II – O sistema angolano de concessão de direito de asilo

III –O sistema norueguês de concessão de direito de asilo

IV – Optimização da comparação entre os dois sistemas

V – Considerações finais

Bibliografia

1Assistente estagiário da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, pesquisador convidado no ILPI.

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Resumo O presente artigo aborda o procedimento administrativo de concessão de asilo em Angola e na

Noruega. Aborda-o numa perspectiva descritiva comparativa, explanando as características de

cada um dos sistemas para encontrar os elementos diferenciadores entre um e outro. Para o

efeito, parte das previsões normativas dos principais documentos reitores do processo de

concessão de direito de asilo dos dois países, isto é, a Lei n.º 10/15 de 17 de Junho, Lei sobre o

Direito de Asilo e o Estatuto do Refugiado de Angola, e a Lei da Imigração Norueguesa

(Norwegian Immigration Act) de 15 de Maio de 2008.

Palavras-chave: Direito de Asilo, Angola, Noruega e Processo

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Abstract

This article addresses the issue of the asylum process in Angola and Norway, in a comparative

descriptive perspective, explaining the features of each system to find the differentiating

elements between them. To this end, it departs from the normative provisions of the main

guiding documents of the asylum granting process of the two countries, e.g., Law No. 10/15,

17 June, Law on the Right of Asylum and the Statute of refugees from Angola and the

Norwegian Immigration Act of 15 May 2008.

Keywords: Asylum, Angola, Norway and process

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Introdução

Pretende-se com este artigo compreender as diferenças entre o sistema angolano e

norueguês de concessão de direito de asilo, à luz da Lei n.º 10/15 de 17 de Junho, Lei sobre o

Direito de Asilo e o Estatuto do Refugiado de Angola, e a Lei da Imigração Norueguesa

(Norwegian Immigration Act) de 15 de Maio de 2008.

Os direitos humanos são uma realidade que reclama protecção por parte de todos os

Estados, de tal modo que, em caso de violação ou fortes ameaças de violação de direitos dos

indivíduos, estes poderão procurar protecção noutros países por forma a assegurar ou garantir

a respeitabilidade dos seus direitos que se encontram em perigo de violação. Os indivíduos

forçados a fugir dos seus países por aí não encontrarem protecção ou segurança contra a

perseguição ou violência, denominam-se refugiados. Esta protecção efectiva-se mediante

procedimento destinado a determinar se em determinadas circunstâncias o requerente de asilo

deve beneficiar de protecção, em atenção aos fundamentos estabelecidos na legislação interna

de cada Estado. Cada Estado define procedimentos de concessão de asilo ao abrigo da sua

soberania, através de padrões distintos, nomeadamente definidos pelas respectivas

constituições, bem como pelos respectivos contextos sócio-políticos.

O objecto da nossa apreciação restringe-se à análise da instância administrativa do

procedimento de concessão de direito de asilo, estando, o presente artigo, estruturado em cinco

partes. A primeira aborda questões gerais sobre os refugiados, bem como o direito de asilo; a

segunda destina-se ao sistema angolano de concessão de direito de asilo; a terceira é sobre o

sistema norueguês de concessão de direito de asilo; seguidamente a optimização da comparação

e por último uma conclusão.

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I. GENERALIDADES

O direito ao asilo é um direito humano, cuja fundamentação está intrinsecamente ligada

à ideia de segurança do indivíduo em relação a situações de violação ou fortes possibilidades

de violação dos seus direitos humanos. Nesta perspectiva, os indivíduos cuja segurança esteja

em risco, não querendo ou não podendo encontrar protecção nos respectivos países de origem

ou residência, são forçados a abandoná-lo e procurar protecção noutros países.2

Conforme referem Moreira, Vital e outros, “a convenção de Genebra relativa ao estatuto

dos refugiados define o refugiado como a pessoa que, se encontrando fora do país da sua

nacionalidade ou da sua residência habitual, tem o receio fundado de ser perseguido em razão

da sua etnia, religião, nacionalidade, filiação em determinado grupo social ou das suas opiniões

políticas, e que não pode ou não quer a protecção deste país, assim como aí regressar, devido

ao medo de perseguição”3.

As questões atinentes aos refugiados são objecto de protecção e regulação, quer no

plano interno dos diferentes países, quer no plano internacional, sendo que os principais

instrumentos de regulação no panorama internacional são, entre outros, a Declaração Universal

dos Direitos Humanos de 1948, a Convenção de Genebra Relativa ao Estatuto dos Refugiados

de 19514, o Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados de 1967, e a Declaração das Nações

Unidas sobre os Direitos Humanos dos Indivíduos que Não São Nacionais dos países em que

vivem, de 1985.

Tais instrumentos, constituem, na generalidade, a base para a construção dos regimes

jurídicos internos dos Estados, em matéria de refugiados, que têm como função a criação de

normas jurídicas procedimentais que assegurem a efectiva aplicação destes diplomas

internacionais, assim como reafirmar as disposições materiais estabelecidas nos instrumentos

internacionais de que sejam partes5.

2Nesta perspectiva, os indivíduos cuja segurança esteja em risco, que, entretanto, podem encontrar protecção dentro do respectivo país, e por isso se movimentam de um lugar para outro dentro das suas fronteiras são considerados deslocados internos e não refugiados. Neste sentido, vide Vital Moreira e outros, em Compreender os Direitos Humanos – Manual de Educação para os Direitos Humanos, Coimbra Editora, 2014, p. 506 3Obra citada, p. 505. 4Adiante também mencionada apenas como convenção de Genebra. 5O mencionado resulta do disposto nos artigos 36.º e 40.º da Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951.

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Internamente, nos Estados objecto da nossa apreciação, as matérias sobre refugiados e

concessão de direito de asilo são reguladas nas respectivas constituições6 e legislação

específica7.

6No caso de Angola, a Constituição de 2010, contém, nos artigos 70.º e 71.º, previsões normativas que visam a concessão de direito de asilo e a protecção de cidadãos estrangeiros ou apátridas que residam legalmente no país. 7No caso de Angola, a Lei n.º 10/15 de 17 de Junho, Lei sobre o Direito de Asilo e Estatuto do refugiado; e no caso da Noruega, a Lei da Imigração Norueguesa e os respectivos regulamentos.

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II. O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ANGOLANO DE CONCESSÃO DE DIREITO DE ASILO

a) Generalidades

As normas angolanas reguladoras dos direitos dos asilados e processo de concessão de

direito de asilo decorrem, conforme referido no ponto anterior, dos tratados internacionais sobre

a matéria, de que Angola é parte.

Internamente, a Constituição da República de Angola de 20108, no seu artigo 71.º,

garante aos estrangeiros e apátridas o direito de asilo em caso de perseguição por motivos

políticos, nos termos estabelecidos na Lei e nos instrumentos internacionais reguladores da

matéria. Ademais, é proibida a expulsão de estrangeiros que residam legalmente em Angola ou

que tenham pedido asilo, a não ser por decisão judicial ou revogação fundamentada da

autorização nos termos da lei, como se prevê no n.º 4 do artigo 70.º da Constituição. Noutros

termos, a expulsão de estrangeiros residentes ou requerentes de asilo em Angola está subtraída

do poder discricionário dos Órgãos da Administração Pública, que apenas poderão fazê-lo nos

casos estritamente determinados por lei, ou mediante decisão prévia dos Tribunais.

b) Fundamentos para a Concessão do Direito de Asilo

Para efeitos do presente artigo, consideram-se fundamentos para a concessão do direito

de asilo as condições que o Requerente de asilo deverá reunir para que lhe seja concedido o

direito de asilo. Neste particular, a legislação angolana transporta para o regime interno as

disposições da Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados de 19519, isto é, no seu

artigo 1.º, e da Convenção da Organização de Unidade Africana que rege os aspectos

específicos dos problemas dos refugiados em África de 1969, isto é, no seu artigo I.

Assim sendo, nos termos do disposto no artigo 5.º da Lei n.º 10/15, de 17 de Junho,

sobre o Direito de Asilo e Estatuto do Refugiado10, podem beneficiar do direito de asilo as

8Adiante designada apenas por CRA. 9Adiante designada apenas por Convenção de Genebra. 10Adiante também designada apenas por Lei.

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pessoas que tenham abandonado e não queiram ou não possam regressar ao seu país de

nacionalidade ou residência habitual, em função de:

i. Perseguição ou grave ameaça de perseguição em consequência de actividades

desenvolvidas no estado de nacionalidade ou residência habitual, em prol da

democracia, paz, liberdade ou dos direitos humanos;

ii. Perseguição ou receio fundado de perseguição em razão da sua raça, nacionalidade,

religião, opinião política ou pertença a determinado grupo social;

iii. Ocorrência de agressões, ocupações ou dominações externas ou acontecimentos que

perturbem a ordem pública na totalidade ou parte do país de nacionalidade ou residência

habitual;

iv. Ocorrência de violência indiscriminada em situação de conflitos armados ou violações

generalizadas e indiscriminadas de direitos humanos;

v. Ocorrência de calamidades naturais11.

Nos termos do diploma normativo angolano em análise, podem também ser atribuídos direitos

de asilo a pessoas sob mandato12 do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

(ACNUR).

Entretanto, em determinados casos, apesar de o requerente reunir os

requisitos/fundamentos supra, não lhe será concedido o direito de asilo, nos casos em que se

verificar contra si algum factor impeditivo previsto no artigo 6.º da Lei13.

c) Direitos e Limitações dos Requerentes de Asilo

Nos termos da legislação angolana sobre o estatuto dos refugiados, os requerentes de asilo

dispõem de determinados direitos, tais como o direito à informação sobre os seus direitos e

deveres14, permanência temporária no território nacional de Angola, intérprete, assistência

11Vide n.º 1 do artigo 32.º da Lei. 12São todas aquelas que estando em situação de insegurança quanto aos seus direitos, estão sob vanguarda do ACNUR. 13Nos termos deste preceito, são factores impeditivos para a concessão do direito de asilo em Angola:

a) Ter praticado actos graves contra a independência e soberania de Angola; b) Ter praticado crimes contra a paz, democracia, de guerra, contra a humanidade, nos termos dos

instrumentos internacionais; c) Ter cometido crimes de delito comum fora de Angola; d) Ter praticado actos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas ou da União Africana.

14 A obrigação de realização do direito à informação impende sobre a Autoridade Migratória, que deverá fazê-lo no acto de apresentação do pedido de asilo, nos termos do artigo 22.º da Lei. A fortiori, tal obrigação impenderá

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judiciária, preservação da unidade familiar, saúde, alojamento e alimentação, previstos nos

artigos 22.º a 28.º da Lei n.º 10/15 de 17 de Junho, sobre o Direito de Asilo e o Estatuto do

Refugiado.

Entretanto, apesar de disporem dos direitos supra referidos, impendem sobre os

requerentes de asilo, as obrigações gerais de respeito pela legislação e autoridades do Estado

Angolano15, bem como obrigações e limitações específicas relativas à sua condição de

requerente de asilo, as quais consistem em não se ausentar dos Centros de Acolhimento de

Refugiados e Requerentes de Asilo, para aqueles que nele residam, sem a prévia autorização do

administrador, o que constitui uma limitação ao direito de circulação16, bem como informar

sobre a respectiva residência em caso de os mesmos não pretenderem residir nos Centros de

Acolhimento de Refugiados e Requerentes de Asilo17.

Outrossim, os requerentes de asilo não podem exercer actividade profissional

remunerada, excepto se por altura da apresentação do pedido de asilo já beneficiarem de

autorização de residência à luz do regime jurídico geral dos estrangeiros18.

d) Entidades Administrativas Intervenientes no Procedimento de

Concessão de Direito de Asilo

A instância administrativa do processo de concessão do direito de asilo reserva a

intervenção de essencialmente dois órgãos, o Ministério do Interior, enquanto autoridade

migratória, e a Conselho Nacional para os Refugiados (abreviadamente CNR).

i. O Ministério do Interior é a autoridade migratória de Angola e intervém no processo

quer na fase de instrução19, quer na fase de decisão, uma vez que, nos termos da lei,

é a entidade com competência para deferir ou indeferir os pedidos de asilo20.

também sobre qualquer outra entidade a quem seja deferida a competência para proceder à recepção do pedido de direito de asilo. 15Vide artigo 29.º da Lei n.º 10/15 de 17 de Junho, sobre o Direito de Asilo e o Estatuto do Refugiado. 16Vide artigo 31.º da citada lei. 17Vide artigo 30.º da Lei n.º 10/15 de 17 de Junho, sobre o Direito de Asilo e o Estatuto do Refugiado. 18Vide n.ºs 2 e 3 do artigo 12.º da Lei em análise. 19Por meio de Serviço de Migração e Estrangeiros. 20Vide al. e) do art. 3.º e art. 19.º da lei supra.

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ii. O Conselho Nacional para os Refugiados é um órgão multissectorial de natureza

consultiva, a quem incumbe apreciar todos os processos de aquisição ou perda do

direito de asilo, devendo emitir propostas fundamentadas para a concessão ou recusa

de concessão de direito de asilo, que são remetidas à autoridade migratória para

efeitos de decisão21.

e) Linhas Gerais sobre o Processo Angolano de Concessão de Direito de

Asilo

Da análise que se faz à lei n.º 10/15 de 17 de Junho, sobre o Direito de Asilo e Estatuto dos

Refugiados, podemos surpreender quatro tipos de processo, dos quais dois gerais e dois

especiais.

e.1. Processos de Natureza Geral

Os processos de natureza geral são os aplicáveis à generalidade das solicitações de asilo, sendo

compostos por quatro fases:

i. Fase da iniciativa

Esta fase tem início com a chegada do requerente de asilo à fronteira ou território

angolano e a apresentação verbal ou escrita, às autoridades angolanas, do pedido de asilo22. A

apresentação do pedido de asilo produz a suspensão de qualquer procedimento administrativo

ou criminal decorrente de infracções migratórias, bem como habilita o requerente a permanecer

temporariamente no território angolano23.

Depois de registados à entrada, os requerentes de asilo são encaminhados para os

centros de acolhimento de refugiados e requerentes de asilo24.

21Vide al. g) do artigo 3.º e artigo 18.º da Lei em análise. 22Vide artigos 7.º e 8.º da Lei. 23Os referidos efeitos resultam do disposto nos artigos 9.º e 12.º da Lei. 24Vide art. 13.º da Lei.

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ii. Fase da instrução

Nesta, a autoridade migratória desencadeia um conjunto de actividades ou diligências

conducentes à comprovação da veracidade dos factos essenciais à decisão de concessão ou

recusa do direito de asilo. A instrução integra a entrevista25, bem como outras diligências que

se afigurem necessárias para averiguação dos factos relevantes para a decisão, devendo ter uma

duração de 30 dias nos processos ordinários e 15 dias nos processos de tramitação célere26.27 Da

actividade instrutória lavrar-se-á relatório, que é remetido com o processo para efeitos de

análise.

iii. Fase da análise

Efectuadas as diligências probatórias, o processo é remetido para o CNR para efeitos de

análise e elaboração de uma proposta de decisão que é remetida para a entidade competente, no

caso a autoridade migratória, para os devidos efeitos28.

iv. Fase da decisão

Nesta, o órgão administrativo competente, no caso, a autoridade migratória, profere uma

decisão de deferimento ou indeferimento do pedido de asilo29, a qual deverá ser notificada ao

destinatário no prazo de 72 horas.

e.2. Processos de Natureza Especial

Os processos de natureza especial, contrariamente aos processos de natureza geral, são

aplicáveis a situações concretamente determinadas na lei. Nesta perspectiva, encontramos dois

25Vide artigo 10.º da Lei. 26Neste sentido conferir o artigo 15.º e 16.º da Lei. 27Esta constitui a principal diferença entre os procedimentos ordinários e os processos de tramitação célere, sendo que, nos termos do art.º 16.º, pode aferir-se que, este tipo de processo deve ser aplicado nos casos de solicitações inicialmente tidas como infundadas ou passíveis de rejeição. 28Vide artigo 19.º da Lei. 29Conforme se vê do artigo 20.º da Lei.

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processos especiais, nomeadamente, concessão de estatutos de refugiados em larga escala e o

procedimento de reinstalação de refugiados sob mandato do ACNUR.

O processo de concessão de estatutos de refugiados em larga escala30, é aquele em que,

verificadas determinadas condições estabelecidas na lei, o Titular do Poder Executivo poderá

conceder protecção temporária a cidadãos de países fronteiriços em relação à Angola.

Outrossim, a lei prevê igualmente o processo de reinstalação de refugiados sob mandato

do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), o qual consiste no

reconhecimento do direito de asilo na República de Angola a refugiados sob a vanguarda do

ACNUR, por decisão da Entidade Migratória de Angola, mediante solicitação do ACNUR31.

30Entre nós previsto no artigo 32.º da Lei. 31Vide artigo 34.º da Lei.

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III. O SISTEMA NORUEGUÊS DE CONCESSÃO DE DIREITO DE

ASILO

a) Generalidades

O sistema norueguês de concessão de direito de asilo tem as suas linhas orientadoras na

Constituição que, apesar de não fazer uma menção expressa de garantia do direito de asilo a

cidadãos estrangeiros, fá-lo genericamente no âmbito das garantias dos direitos humanos em

geral, previstos na Constituição e nos tratados internacionais de que a Noruega é parte32.

O regime básico do processo de concessão do direito de asilo vem estabelecido na Lei

de Imigração Norueguesa de 15 de maio de 2008 (the Norwegian Immigration Act)33, que mais

especificamente prevê os fundamentos para a concessão do direito de asilo, os direitos

reservados aos requerentes de asilo, as entidades intervenientes no processo de concessão do

direito de asilo, bem como estabelece as linhas gerais de desenvolvimento dos procedimentos

de concessão de direito de asilo, aspectos que serão descritos no presente capítulo.

b) Fundamentos para a concessão de direito de asilo

O sistema norueguês de concessão de direito de asilo, fruto da sua derivação das

convenções internacionais de que a Noruega é parte, transporta o regime aí estabelecido para o

ordenamento jurídico interno.

Neste particular, o NIA prevê não apenas a possibilidade de concessão de direito de

asilo com fundamento na perseguição por motivos étnicos, de origem, cor da pele, religião,

nacionalidade, a pertença a determinado grupo social ou devido à opinião política34, bem assim

no risco que determinada pessoa enfrenta de ser sujeita à pena de morte, tortura ou outros

tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, caso regressem aos países de origem ou

residência35.

32Vide artigos 92.º e 93.º da Constituição norueguesa. 33Adiante designado por NIA 34 Vide secção 28 (a) do NIA. 35 Vide secção 28 (b) do NIA.

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Ademais, o ordenamento jurídico norueguês prevê a atribuição do direito de asilo com

fundamento em fortes razões humanitárias ou numa particular ligação entre o requerente de

asilo e a Noruega36. As razões humanitárias referidas referem-se ao melhor interesse do menor

desacompanhado, circunstâncias de saúde, ter sido vítima de tráfico humano ou outras

circunstâncias humanitárias a que o requerente pode vir a ser submetido caso retorne ao país de

origem ou residência.

Outrossim, a protecção aos estrangeiros poderá ser atribuída em virtude de violações de

direitos humanos nos termos referidos supra, quando os autores dos actos sejam outras

entidades diferentes do Estado, desde que, em face de tais actos, o estado seja incapaz ou não

queira adoptar medidas razoáveis para prevenir ou suster as violações37.

c) Direitos e Restrições dos Requerentes de Asilo

Os requerentes de asilo, no âmbito da tramitação processual, dispõem de direitos a

acomodação e assistência38, direito à informação e orientação3940, assistência jurídica41 e o

direito a ser-lhe nomeado um representante legal, caso o requerente de asilo seja um menor não

acompanhado.

Entretanto e sem prejuízo das demais obrigações previstas no ordenamento jurídico

norueguês e instrumentos internacionais de que a Noruega é parte, os requerentes de asilo estão

expostos a determinadas limitações referentes ao direito ao trabalho42, o acesso à assistência

jurídica43,bem como lhes poderá ser imposta a obrigação de permanecer em determinado local44.

36Neste sentido, vide Secção 38 do NIA. 37 Vide Secção 29 do NIA. 38Vide secção 95 do NIA. 39Vide secção 82 do NIA. 40 No contexto norueguês, a prestação das informações relativas aos direitos e obrigações dos requerentes de asilo, com vista à sua preparação para a entrevista é feita por uma entidade independente, no caso a Organização norueguesa para os requerentes de asilo, que é uma organização não governamental vocacionada à prestação de informação. O principal objectivo é a garantia da isenção na prestação de informação. 41 Vide secção 92 42Nos termos da secção 94 do NIA, os requerentes de asilo não podem candidatar-se ou exercer trabalho remunerado antes de ser entrevistado pelo UDI, mediante prévia autorização daquele órgão. O UDI apenas autoriza que os requerentes de asilo se candidatem a empregos mediante a verificação de determinados requisitos dispostos naquele preceito. 43Que é concretamente determinada em 5 horas, nos termos da secção 92 do NIA. 44 Vide secção 105 do NIA.

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d) Entidades Administrativas Intervenientes no Processo de Concessão

de Direito de Asilo

O ordenamento jurídico norueguês prevê, para efeitos de procedimento administrativo

de concessão de direito de asilo, a intervenção de três entidades públicas, com competência

para a prática de determinados actos:

i. Direcção Nacional de Migração da Noruega (Utlendingsdirektoratet ou

abreviadamente UDI) – é a entidade com competência para decidir sobre todas as

questões relativas às autorizações de residência, quer temporárias quer

permanentes45. No âmbito do processo de concessão do direito de asilo, cabe a este

órgão a instrução dos processos, com vista a obter as informações e evidências

necessárias para uma correcta decisão46. As decisões do UDI não são definitivas e

executórias, não sendo, por isso, directamente sindicáveis contenciosamente.

ii. Conselho de Recurso em Matéria de Imigração (UNE) – é um órgão administrativo

independente, de composição plural, a quem compete reapreciar as decisões

negativas do UDI, em matéria de migração47. O UNE é uma instância de recurso,

cujas decisões são definitivas e executórias e judicialmente sindicáveis.

iii. Unidade de Polícia de Imigração (PU)–no âmbito do processo de concessão do

direito de asilo, a PU é a entidade que procede à recepção dos pedidos e registo dos

requerentes de asilo48.

e) Linhas Gerais Sobre o Processo de Concessão do Direito de Asilo

O procedimento de concessão de direito de asilo no ordenamento jurídico norueguês,

sob o ponto de vista genérico, pode ser compartimentado em três partes49:

A primeira, a fase da aplicação, tem início com actos da competência da PU, que

consistem, nomeadamente, na recepção dos requerentes de asilo e dos respectivos pedidos. A

45Vide secção 65 do NIA. 46Neste sentido, vide parágrafo 4.º da secção 93 do NIA. 47Vide secção 77 do NIA. 48Vide, entre outros, o previsto na secção 93, primeiro parágrafo. 49 A presente afirmação tem como fonte a apresentação feita na UDI, em sede do Oslo Diploma Course de Setembro de 2016. Vide pag. 4 e seguintes da referida apresentação.

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PU procede, igualmente, ao registo e recolha dos dados biométricos dos requerentes de asilo,

para efeitos de verificação nas diversas bases de dados, com vista à verificação de ocorrências

migratórias prévias em relação a cada um dos requerentes de asilo.

Ainda nesta fase, o requerente é informado sobre os seus direitos e deveres à luz da

legislação em vigor na Noruega50, sendo depois submetidos à uma entrevista, conduzida pela

UDI, com vista a perceber as razões pelas quais o requerente solicita o asilo e, por parte da

UDI, colher elementos de prova que confirmem a veracidade ou não dos factos narrados pelos

requerentes de asilo.

A segunda, a fase da decisão, é completamente reservada à UDI que, depois da

instrução, deve proferir uma decisão de primeira instância sobre o deferimento ou

indeferimento do pedido do requerente de asilo. Caso a decisão seja positiva, o procedimento

termina nesta fase.

Caso contrário, segue-se a fase de recurso, precedida de um aconselhamento jurídico

prévio ao requerente de asilo. A fase de recurso compreende um recurso administrativo para

uma entidade independente, no caso o UNE, e um recurso contencioso para um tribunal de

primeira instância, que apenas tem lugar no caso de a decisão do UNE ser negativa.

Sob o ponto de vista específico, isto é, visto caso a caso, os processos podem

diferenciar-se quanto às fases a observar e quanto aos prazos para o completamento do

procedimento, tendo em conta aspectos específicos de cada caso, tais como a origem do

requerente de asilo e a respectiva idade. Nesta perspectiva, a título exemplificativo, podemos

encontrar um procedimento de 48 horas, aplicável aos cidadãos provenientes de países

considerados como seguros51; procedimento para menores desacompanhados e o procedimento

ordinário, aplicável aos casos que não caibam em qualquer dos procedimentos especiais.

Outrossim, para efeitos de concessão de direito de asilo, o Rei poderá decidir em

conselho a atribuição de uma protecção em massa a determinado grupo de cidadãos52. O estatuto

de refugiado, poderá igualmente ser atribuído a grupos de pessoas sob mandato do ACNUR,

mediante processo de reassentamento de refugiados53, que é decidido pela UDI.

50Conforme referido supra, a informação sobre os direitos e responsabilidades do requerente de asilo é realizada por uma entidade externa às autoridades norueguesas, no caso a NOAS. 51Por exemplo, os provenientes de países da união europeia. 52Vide secção 34 do NIA. 53Neste sentido, vide secção 35 do NIA.

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IV. OPTIMIZAÇÃO DA COMPARAÇÃO Apesar de brotarem das mesmas fontes a nível internacional, os sistemas locais de

concessão de direito de asilo variam de país para país. Entretanto, os países signatários da

Convenção de Genebra de 1951, no âmbito da aplicação territorial da referida convenção, não

poderão adoptar medidas restritivas dos direitos previstos naquele documento54. A Convenção

de Genebra, garante sim uma margem de progressão praeter lege, permitindo aos Estados a

adopção de medidas mais favoráveis aos refugiados do que as previstas na convenção55. Nesta

perspectiva, o que se pretende é que os Estados adoptem processos céleres e que permitam a

realização dos direitos dos refugiados previstos na referida convenção ou a sua maximização.

Neste ponto do presente artigo, procederemos à análise comparativa entre os processos

angolano e norueguês de concessão de direito de asilo de acordo com os critérios de descrição

supra mencionados nos pontos II e III, bem como teceremos algumas considerações sobre o

assunto.

a) Fundamentos para a Concessão de Direito de Asilo

Quanto aos fundamentos, os dois sistemas de Concessão de direito de Asilo em análise são

similares em determinados aspectos, isto é, no que concerne às previsões do artigo 5.º da Lei

angolana e secção 28 (a) do NIA, que, em suma, aplicam nos respectivos territórios as

disposições do artigo 1.º da Convenção de Genebra.

Entretanto, os mesmos diferenciam-se noutros aspectos, como abaixo se mencionam:

i. As normas angolanas preveem a possibilidade de concessão de direito de asilo

fundado na ocorrência de calamidades naturais, nomeadamente, para o caso de

refugiados em grande escala56. Não surpreendemos no NIA qualquer disposição

normativa que preveja especificamente a concessão de direito de asilo com

fundamento em causas naturais. Trata-se de um sistema em que a concessão do

referido direito é essencialmente fundamentada na protecção dos direitos dos

indivíduos contra actos humanos voluntários lesivos destes direitos.

54Nos termos do artigo 40.º da Convenção de Genebra. 55Vide artigo 5.º da convenção de Genebra. 56Neste sentido, vide o disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Lei.

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ii. Entretanto, quanto à protecção do indivíduo contra actos humanos violadores dos

seus direitos, o sistema norueguês é mais abrangente, uma vez que estende a

protecção em relação a pessoas sujeitas à pena de morte ao abrigo da legislação do

país de origem, tortura ou outros tratamentos desumanos ou degradantes57.

Outrossim, o ordenamento norueguês especifica os actores da perseguição atendível

para efeitos de concessão do direito de asilo, que incluem o Estado, organizações ou

grupos que controlem o Estado ou uma parte substancial do território do estado, e

ainda organizações não estatais quando o Estado ou outras organizações não possam

ou não queiram tomar medidas razoáveis para prevenir ou suster a perseguição58.

iii. Outro aspecto que não podemos deixar de referir é que, quanto às causas de exclusão

da aplicação do estatuto de refugiados, a legislação angolana refere-se à

inaplicabilidade do estatuto com fundamento na prática, pelo requerente de asilo, de

crimes do fórum comum fora do território angolano59. Ora, da interpretação que se

faz do estabelecido na Convenção de Genebra60 e do espírito a ele subjacente,

verifica-se que a prática de crimes comuns obstará à aplicação do estatuto de

refugiados nos casos em que os referidos crimes sejam graves, sendo que, em

determinados ordenamentos jurídicos, é necessário que os referidos crimes graves

estejam ligados às razões pelas quais o requerente de asilo se tenha ausentado e não

possa voltar no referido país, sendo que, em determinados ordenamentos jurídicos,

esta norma só se aplica nos casos em que a referida prática seja igualmente prevista

como crime no país de acolhimento61.

b) Direitos e Limitações dos Requerentes de asilo

Quanto aos direitos, os dois ordenamentos jurídicos apresentam uma previsão similar,

garantindo os direitos básicos do requerente de asilo, nomeadamente, alojamento e alimentação,

informação, assistência jurídica, etc.

57Neste sentido vide secção 28 (b) do NIA. 58Neste sentido vide o 3.º parágrafo da secção 29 do NIA. 59Vide alínea c) do artigo 6.º da Lei. 60Nomeadamente o previsto na alínea b) do ponto f. do n.º 6 do artigo 1.º. 61Este assunto poderá levantar determinados problemas de aplicação na prática, visto que, todos estamos sujeitos à prática de crimes comuns, ainda que negligentes, e que por este facto não se nos aplicará o regime do estatuto dos refugiados. Neste sentido, interpretada à risca a previsão normativa da lei angolana, um indivíduo que tenha praticado, por exemplo, um crime de furto não poderá beneficiar de asilo em Angola.

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Entretanto, em determinados casos, o conteúdo dos referidos direitos é diferenciado. Tal

é o caso, por exemplo, do direito à assistência jurídica que, no direito norueguês é limitada a

cinco horas, mas que no direito angolano não observa tal limitação. Neste particular, a lei

angolana remete para a legislação geral sobre a assistência judiciária62, que, em termos gerais,

garante a assistência jurídica e judiciária durante todo o processo.

Ademais, quanto ao direito à informação, em Angola a informação é prestada pela

entidade migratória63, enquanto que na Noruega, a informação é prestada por uma entidade

externa e independente, o que, do nosso ponto de vista, garante maior imparcialidade e isenção,

bem como pode concorrer para prevenir a formação de uma convicção decisória antecipada em

relação ao pedido do requerente de asilo.

Outrossim, quanto às limitações, ambos ordenamentos jurídicos preveem, por exemplo,

uma limitação de exercício de actividade laboral remunerada por parte do requerente de asilo,

entretanto diferenciam-se, uma vez que, no sistema angolano o requerente de asilo não tem

direito a exercer uma actividade laboral remunerada64, e no sistema norueguês o requerente de

asilo poderá exercer actividade laboral remunerada, mediante autorização da entidade

migratória, desde que, dentre outros requisitos, tenha feito a entrevista65.

c) Entidades Intervenientes no Procedimento Administrativo de

Concessão de Direito de Asilo

Aqui chegados, analisaremos as diferenças entre os dois regimes jurídicos na perspectiva da

intervenção dos órgãos no processo decisório. Nesta perspectiva, no ordenamento jurídico

angolano, o processo instrutivo e decisório está confinado a uma entidade, no caso a Entidade

Migratória, sendo que, os seus actos são definitivos e executórios, e como tal, passíveis de

impugnação contenciosa directa66.

Já no sistema norueguês, o processo decisório reserva a intervenção de dois órgãos, a

UDI, que profere a decisão em primeira instância67, sendo que, em caso de uma decisão

62Vide n.º 2 do artigo 24.º da Lei. 63Conforme previsto no artigo 22.º da Lei. 64Nos termos combinados das disposições do artigo 39.º e n.º 2 do 12.º, ambos da lei. 65Vide secção 94, primeiro parágrafo do NIA. 66 Este sistema suprime o duplo grau de apreciação do objecto do processo, entretanto, permite ao requerente de asilo um acesso imediato a uma garantia mais forte, os tribunais. 67Que não é uma decisão definitiva nem executória.

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negativa, o processo poderá ser reapreciado perante o UNE, que é uma instância independente68

de recurso administrativo em matéria de migração69.

d) Procedimento de Concessão do Direito de Asilo

Quanto ao procedimento administrativo de concessão do direito de asilo, existem,

igualmente, diferenças entre os sistemas angolano e norueguês de concessão de direito de asilo.

Neste particular, os Estados têm a liberdade de adoptar as medidas que julguem convenientes,

desde que não violem ou restrinjam os direitos dos refugiados consagrados nos instrumentos

internacionais de que sejam parte.

Assim, assume particular relevância a análise comparativa que se cinge nas tipologias

de procedimentos adoptados pelos dois países para a concessão de direito de asilo, assim como

as consequências que possivelmente advêm para os requerentes de asilo.

Ora, quanto à tipologia de procedimentos, o ordenamento jurídico angolano preferiu a

concepção de regimes de base generalizada, que não atendem a determinadas especificidades

dos requerentes de asilo, ou seja, qualquer que seja a pessoa do requerente de asilo, o seu pedido

será averiguado ou em sede de um processo ordinário ou de um processo de tramitação célere.

Este facto pode, em concreto, deixar de proteger os interesses específicos de determinadas

pessoas ou grupos de pessoas. Tal é o caso das crianças, em que a ausência de um mecanismo

específico de processamento dos seus pedidos poderá funcionar contra o princípio da protecção

do melhor interesse da criança.

Contrariamente, o sistema norueguês adopta procedimentos específicos para

determinado grupo de pessoas, tal é o caso, por exemplo, do procedimento relativo a menores

desacompanhados, o qual, em função das especificidades do menor, nomeadamente a

incapacidade de agir, prevê, na sua tramitação, uma fase destinada ao suprimento daquela

incapacidade, por meio da nomeação de um tutor, cuja finalidade é a de acompanhar o menor

durante o procedimento de concessão de direito de asilo70. Ademais, as decisões finais sobre a

68Que, entretanto, pode receber instruções do Ministério da Justiça. 69Este sistema pode representar uma mais valia para o requerente de asilo, uma vez permitir uma dupla apreciação administrativa da sua pretensão, sendo por isso um reforço das suas garantias. Porém, conforme se referiu anteriormente, o UNE apesar de ser reputado como independente, recebe instruções do Ministério da Justiça, departamento ministerial de que depende a UDI. Nesta perspectiva, a coordenação da acção administrativa exercida por aquele órgão poderá originar um alinhamento da acção dos dois órgãos (o de primeira instância e o de recurso), que inviabilizaria o sentido garantístico que se pretende da acção do UNE. Nesta perspectiva, o sistema actuaria como um meio para protelar ou mesmo dissuadir o requerente a recorrer contenciosamente, deixando assim de fazer uso da garantia mais forte que teria à sua disposição. 70Vide secção 98 do NIA

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concessão ou recusa do direito de asilo são sempre tomadas em atenção ao melhor interesse do

menor71.

Entretanto, no âmbito da diferenciação de tratamento que o sistema dá aos requerentes

de asilo em função das suas especificidades, há, por exemplo, no sistema norueguês a

diferenciação entre os processos de 48 (quarenta e oito) horas, processo de 3 (três) semanas e

processo ordinário.

Esta diferenciação baseia-se em pré-concepções de uma ideia generalizada sobre o país

de origem e a pessoa do requerente de asilo, facto que poderá representar uma limitação ao

direito de asilo, sem uma análise ponderada dos motivos pelos quais o requerente solicita asilo.

A título exemplificativo, os requerentes de asilo provenientes de países da União

Europeia72 são submetidos ao processo de 48 horas, do qual resulta, quase sempre, uma decisão

de indeferimento. Ora, esta decisão é, claramente, baseada numa convicção decisória

previamente formada, no sentido de que os cidadãos daqueles países não carecem de protecção

no exterior, uma vez que, nos seus países impera o princípio do Estado de direito e, em

consequência, os cidadãos dispõem de mecanismos internos de garantia dos seus direitos.

Porém, as democracias não são perfeitas e poderão existir países considerados democráticos

que, entretanto, observam situações de violações de direitos humanos por parte do Estado.

71Vide secção 98 do NIA 72Que são considerados países seguros pelo Estado norueguês.

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Considerações finais

Os procedimentos administrativos de concessão de direito de asilo são uma emanação

soberana dos Estados, como forma de concretização das emanações internacionais a que estão

vinculados, não podendo, entretanto, limitar os direitos conferidos aos requerentes de asilo em

tais normas.

As construções normativas dos Estados variam de acordo com os seus valores,

nomeadamente a vontade política dos governos, bem como os contextos sociais vividos em

cada um dos países. Os aspectos citados originam a que sistemas com uma mesma base ou

origem comum tenham desenvolvimentos diferenciados na aplicação interna. É o caso dos

sistemas angolano e norueguês de concessão de direito de asilo que, apesar de partirem de uma

base comum, isto é, a Convenção de Genebra, tiveram um desenvolvimento diferenciado, pese

embora apresentem pontos comuns.

Nesta perspectiva, a análise efectuada aos principais diplomas reguladores dos

processos de concessão de direito de asilo resulta que os sistemas angolano e norueguês

apresentam pontos de contacto que decorrem dos instrumentos internacionais de que os dois

países são parte. Contudo, os dois sistemas são diferentes quanto aos fundamentos para a

concessão do direito de asilo, quanto aos direitos reconhecidos aos requerentes de asilo, bem

como em relação às entidades intervenientes no processo decisório. Os dois sistemas diferem,

igualmente, quanto aos procedimentos adoptados para a concessão do direito de asilo, em que

um é mais generalista e o outro mais específico.

As diferenças entre os dois sistemas representam, reciprocamente, pontos fortes ou

fracos de um e outro em relação à realização dos direitos dos requerentes de asilo. Entretanto,

nenhum sistema é perfeito, todos são susceptíveis de crítica, devendo estar todos numa luta

contínua pelo melhoramento dos sistemas de concessão de protecção73.

73Neste sentido vide Hostmælingen, Njål, Direitos Humanos num Relance, Edições Sílabo, 2016, versão em português, p. 166.

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Bibliografia

1. Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951

2. Convenção da Organização de Unidade Africana que rege os aspectos específicos dos

problemas dos refugiados em África de 1969

3. Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1950

4. Angola, Constituição da República, 2010

5. Angola, Lei N.º 10/15 de 17 de Junho

6. Noruega, Constituição de 17 de Maio de 1814;

7. Noruega, Lei de Imigração de 15 de Maio de 2008;

8. Moreira, Vital e Outros, Compreender os Direitos Humanos – Manual dos Direitos

Humanos, Coimbra Editora, 2014;

9. Hostmælingen, Njål, Direitos Humanos Num Relance, Edições Sílabo, 2016;

10. Mekonen, Daniel R., Refugeesand IDP, apresentação feita em sede do ODC, 2016

11. www.une.no

12. www.udi.no

13. www.noas.org