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O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DO PROLETÁRIO SOB UM ENFOQUE CRÍTICO DA E À TEORIA MARXISTA. THE PRINCIPLE OF THE PROTECTION OF CRITICAL WORKERS FOCUS OF AN SOB AND MARXIST THEORY. Andre Vitorino Alencar Brayner RESUMO A análise protecionista do Direito do Trabalho face as constantes modificações da relação de trabalho no sentido de flexibilizar cada vez mais as relações empregatícias parece no mínimo fora de contexto. No entanto, neste breve ensaio tomaremos o caminho oposto. Trata-se de uma pesquisa para questionar a necessidade de ampliar o principio da proteção o compreendendo como passo para a materialização de uma equidade não só em relação à interpretação da norma e do fato, mas também na compreensão de uma sociedade em direção do progresso social tendo como fim a construção de uma sociedade estruturalmente igual, levando, assim, o sentido de equidade até suas ultimas conseqüências. O empregador é quem goza do poder diretivo. Ele controla os meios de produção, e tem uma relação de superioridade social quanto ao proletário. Cabe, então, ao principio da proteção corrigir essas desigualdades. O trabalhador não deveria ser atingido, em regra, pela equidade, no sentido de ser beneficiado por melhorias pontuais, mas deveria sim estar em igualdade de condições. Não se deve compreender a diferença de poder entre empregado e empregador, apenas na sua forma econômica, como fizeram muitos pensadores marxistas. No entanto, sendo esta uma das razões fundamentais para a existência de tal desigualdade, devemos compreender de onde surge tal diferença, de onde vem essa desigualdade. O problema da apropriação dos meios de produção é inegavelmente o grande fundamento do poder do empresário em face do proletário, mas não é o único. O principio da proteção tem de ser encarado como uma conquista historicamente alcançada pela classe trabalhadora e não como mera concessão da burguesia. Tem o intuito de amenizar os efeitos da opressão burguesa, em um estado social, em direção a construção de uma sociedade mais democrática. O principio da proteção, é, então, um avanço incomparável conquistado por muita luta ideológica e pragmática. À luz de uma teoria critica não pode ele ser entendido como solução para a questão da equidade. Ele é um meio fundamental para a construção de um modelo de igualdade que não se restinga a mera formalidade PALAVRAS-CHAVES: TRABALHO, MARX, MARXISMO, PROTECAO AO PROLETARIO ABSTRACT 7322

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O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DO PROLETÁRIO SOB UM ENFOQUE

CRÍTICO DA E À TEORIA MARXISTA.

THE PRINCIPLE OF THE PROTECTION OF CRITICAL WORKERS FOCUS OF AN SOB AND MARXIST THEORY.

Andre Vitorino Alencar Brayner

RESUMO

A análise protecionista do Direito do Trabalho face as constantes modificações da relação de trabalho no sentido de flexibilizar cada vez mais as relações empregatícias parece no mínimo fora de contexto. No entanto, neste breve ensaio tomaremos o caminho oposto. Trata-se de uma pesquisa para questionar a necessidade de ampliar o principio da proteção o compreendendo como passo para a materialização de uma equidade não só em relação à interpretação da norma e do fato, mas também na compreensão de uma sociedade em direção do progresso social tendo como fim a construção de uma sociedade estruturalmente igual, levando, assim, o sentido de equidade até suas ultimas conseqüências. O empregador é quem goza do poder diretivo. Ele controla os meios de produção, e tem uma relação de superioridade social quanto ao proletário. Cabe, então, ao principio da proteção corrigir essas desigualdades. O trabalhador não deveria ser atingido, em regra, pela equidade, no sentido de ser beneficiado por melhorias pontuais, mas deveria sim estar em igualdade de condições. Não se deve compreender a diferença de poder entre empregado e empregador, apenas na sua forma econômica, como fizeram muitos pensadores marxistas. No entanto, sendo esta uma das razões fundamentais para a existência de tal desigualdade, devemos compreender de onde surge tal diferença, de onde vem essa desigualdade. O problema da apropriação dos meios de produção é inegavelmente o grande fundamento do poder do empresário em face do proletário, mas não é o único. O principio da proteção tem de ser encarado como uma conquista historicamente alcançada pela classe trabalhadora e não como mera concessão da burguesia. Tem o intuito de amenizar os efeitos da opressão burguesa, em um estado social, em direção a construção de uma sociedade mais democrática. O principio da proteção, é, então, um avanço incomparável conquistado por muita luta ideológica e pragmática. À luz de uma teoria critica não pode ele ser entendido como solução para a questão da equidade. Ele é um meio fundamental para a construção de um modelo de igualdade que não se restinga a mera formalidade

PALAVRAS-CHAVES: TRABALHO, MARX, MARXISMO, PROTECAO AO PROLETARIO

ABSTRACT

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Analysis of the Labor Law protectionist face the constant changes of the employment relationship to increasingly flexible employment relations seems at least out of context. However, in this brief essay take the path opposite. This is a search for questioning the need to extend the principle of protection as a step towards understanding the materialization of a fairness not only for the interpretation of the standard and the fact, but also the understanding of a society toward social progress with a view to building a society structurally equal, leading thus the sense of fairness to its last consequences. The employer is who has the power steering. He controls the means of production, and has a social superiority on the proletariat. It is then the principle of protection to correct these inequalities. The worker should not be affected, usually the equity in order to be benefited by improvements spot, but should rather be on equal terms. One should not understand the difference in power between employee and employer, only in its economic, as did many Marxist thinkers. However, this being one of the fundamental reasons for the existence of such inequality, we must understand where that difference is, where is this inequality. The problem of ownership of the means of production is undeniably the foundation of the great entrepreneur in the face of the proletariat, but not the only one. The principle of protection must be viewed historically as a victory achieved by the working class and not as mere granting of the bourgeoisie. Has the purpose of alleviating the effects of bourgeois oppression in a social state, toward building a more democratic society. The principle of protection, is then achieved a breakthrough unmatched by very pragmatic and ideological struggle. In the light of a critical theory it can not be understood as a solution to the issue of fairness. He is a key means to build a model of equality that is not a mere formality restinga.

KEYWORDS: LABOR, MARX, MARXISM, THE PROLETARIAT PROTECTION

1. Introdução

A analise protecionista do Direito do Trabalho face as constantes modificações da relação de trabalho no sentido de flexibilizar cada vez mais as relações empregatícias parece para as corrente majoritárias fora de contexto e conservadoras. No entanto, neste breve ensaio tomaremos o caminho oposto. Trata-se de uma pesquisa para debruçar sobre a necessidade de ampliar o principio da proteção ao proletariado o compreendendo como passo para a materialização de uma equidade não só em relação à interpretação da norma e do fato, mas também na compreensão de uma sociedade em direção do progresso social tendo como fim a construção de uma sociedade estruturalmente igual, levando, assim, o sentido de equidade até suas ultimas conseqüências.

Para tanto, far-se-á uma análise à luz de teorias marxistas e às criticas em relação a esta. Não se trata de defender uma compreensão do direito do trabalho como a tradição marxista clássica o fazia – como mera concessão da burguesia - todavia de desmistificar certos preconceitos forjados numa disputa ideológica de sociedade tentando resgatar elementos imprescindíveis da teoria marxista na consolidação de uma sociedade mais democrática.

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A ciência não pode descartar seu cunho objetivo de servir à sociedade. Qual o sentido do Direito do Trabalho? Amenizar conflitos? O principio da proteção o que ele pode trazer e garantir? Deve ele limitar-se a dirimir conflitos ou tem ele de resolvê-los? Qual deve ser o papel da Ciência perante estes acontecimentos?

Este ensaio tem, assim, por finalidade, muito mais levantar elementos da teoria marxista que possam auxiliar para uma análise mais aprofundada da relação Direito do Trabalho, Princípio da Proteção e Equidade.

Não deve a ciência simplesmente assistir atônita quanto aos acontecimentos sociais. A ciência deve buscar soluções para os problemas sociais. A constante perda de direitos deve, neste intuito, ser combatida por uma ciência comprometida com o Estado Democrático de Direito. É, pois, neste intuito que esta pesquisa visa atentar por questões consideradas centrais na construção de um novo modelo de sociedade.

2. Metodologia

Para a consecução dos objetivos da pesquisa, foi adotado como principal método de trabalho a pesquisa bibliográfica em livros e periódicos, contando também com o suporte da Internet para obter material de informação necessário para a redação.

3. Principio da proteção ao proletário.

O empregador é quem goza do poder diretivo. Ele controla os meios de produção, e tem uma relação de superioridade social quanto ao proletário. O proletário precisa do empregador para sobreviver e por mais que o empregador precise de empregados quando não se trata de mão-de-obra especializada e qualificada não faz diferença que seja o trabalhador. Cabe ao patrão o direito de empregar quem lhe convir. Como Marx bem denuncia em o Capital[1] no sistema capitalista há sempre um excedente de mão-de-obra que garante que o proprietário sempre possa gozar de uma posição mais confortável, ficando, assim, em uma posição de hiperssuficiência. Sem adentrar na questão da analise propriamente dita sobre a estrutura do sistema capitalista, tem de se considerar que, na atualidade, a esmagadora maioria dos países capitalistas tem altos índices de desemprego. Principalmente os países ditos “subdesenvolvidos”, que através de dividas externas abusivas sustentam o glamour dos países de primeiro mundo É, pois no sentido de amenizar tais efeitos que se instaura o principio de proteção ao proletário. ”Seu propósito consiste em tentar corrigir as desigualdades, criando uma ‘superioridade jurídica’(grifo nosso) em favor do empregado, diante de sua condição de hipossuficiência. [2]” Este, então, é formado por alguns sub-princípios que o garantem na questão formal, no que atine as normas.

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‘In dúbio pro operário’: Quando uma norma do direito do trabalho estiver cercada de duvida interpretativa, devem-se adotar critérios que melhor favoreçam o empregado, deve-se interpretar de modo mais favorável ao empregado. Ou seja, na duvida quanto à aplicação da norma em função de possíveis interpretações, o juiz deve interpretá-la de modo a favorecer o empregado.

Não há duvida de que esta máxima do Direito trabalhista é oriunda do principio do Direito Penal: In dúbio pro réu. No campo do Direito Civil tem-se o favor debitoris com a finalidade de proteger o elo presumidamente mais fraco da relação credor/devedor, o devedor. Trata-se da aplicação do principio geral – proteção ao proletário – no caso especifico de duvida em relação a uma norma.

Sendo o Direito Social, em ultima analise, o sistema legal de proteção dos economicamente fracos (hipossuficientes), é claro que, em caso de duvida, a interpretação deve ser sempre a favor do economicamente mais fraco, que é o em empregado, sem em litígio com o empregador.[3]

Observa-se, por fim, que o limite deste principio é a própria duvida, ou seja, a existência de fato de duvida analisado sob um viés técnico-juridico e não sob cunho ideológico, como ocorre usualmente.

Aplicação de norma mais favorável: Na possibilidade de aplicação de mais de uma norma ao mesmo caso, opta-se pela norma que mais beneficie o trabalhador. O Direito do Trabalho é pluricêntrico e multinormativo, ou seja, existem varias normas disciplinando acerca do mesmo conteúdo, da mesma matéria em virtude de possuir diversos órgãos emissores de normas. A assertiva aqui tratada atinge aparentemente a hierarquia de normas, no entanto o que ocorre de fato é que O Direito do Trabalho protege a ascensão social do trabalhador, significando que não há conflito de normas trabalhistas, mas sim vigência paralela, uma complementando a outra, como bem compreende Amauri Nascimento[4]. Não há como haver uma contrariedade das normas hierárquicas, pois as normas trabalhistas conferem o que se pode chamar do mínimo de direitos, um mínimo de garantias. Caso haja alguma limitação quanto a um máximo, a lei teria que fazê-lo expressamente e, nessa situação, não caberia a aplicação deste principio.

Outra questão que se segue é a problemática de qual norma seria mais benéfica quando esbarrem interesses individuais e coletivos, por exemplo, dos empregados. Cabe observar o exposto por Marques de Lima:

“Resolve-se esse impasse através da hierarquia dos interesses: primeiro o social, que diz respeito a toda sociedade; segundo o coletivo, que alcança toda categoria profissional de um trabalhador em dissídio e, por fim, o individual. A norma mais favorável ao trabalhador individualmente não pode resultar desfavorável à sua categoria.” [5]

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Regra da condição mais benefícios: Em havendo modificações de clausulas contratuais, se elas trouxerem benefícios, passam, então a valer automaticamente. Há também a vedação quanto a um possível retrocesso das clausulas contratuais, ou seja, não é permitido que haja uma redução de benefícios. Há uma vedação de retrocesso social, de acordo com a sumula 51 do TST.

“Os trabalhadores que já estavam na empresa não podem sofrer retrocesso social. O novo contrato só vale para os futuros trabalhadores, caso não seja mais benéfico que o anterior. Acontece que pode ocorrer que um contrato seja melhor em alguns pontos e o outro seja melhor em outros pontos, nesse caso, deve haver harmonia capital e trabalho e, então, não haveria cumulação. O empregado pode optar pelo conglobamento que considere melhor e mais adequado para si. Ele tem de optar por um dos dois”.

Teoria da acumulação: acumulam-se apenas os benefícios. Não é utilizada.

Teoria do conglobamento: opta o trabalhador por um dos contratos.

Aos novos empregados não cabem a opção, em regra, mas será submetido ao novo regime, a não ser no caso de existirem os dois contratos concomitantemente.

“Este princípio importa na garantia da preservação, ao longo do contrato, da clausula contratual mais vantajosa ao trabalhador, que se reveste em caráter de direito adquirido (art.5º, XXXVI, CF/88).” [6]

4. Equidade

Parece que este princípio geral do Direito – equidade – é a expressão maior do principio de proteção ao proletário. Ou seja, a assertiva de proteção ao trabalhado hipossuficiente é a materialização do principio da equidade. Pois bem, antes de discutirmos a questão em si é de fundamental relevância trazer algumas explicações sobre o assunto.

A garantia de tratamento igual para os iguais e desigual para os desiguais surge da necessidade de garantia material, garantia real, garantia de fato em detrimento a garantias meramente formais. Equidade significa o respeito e a compreensão em relação a minorias desfavorecidas. É a garantia democrática de que não haverá impossibilidade de indivíduos em condições inferiores sobreviverem ,mas, pelo contrario, haverá uma busca de igualdade de condições. De certa maneira, a equidade tem por fim a busca da justiça, da igualdade de fato com respeito às peculiaridades individuais.

Aristóteles, sem duvida, é um dos primeiros autores a contribuir neste sentido de forma inequívoca, principalmente no que tange a importância da equidade ante uma possível injustiça legal.

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“...o eqüitativo, sendo justo, não é o justo legal, mas uma ditosa reretificacao da justiça rigorosamente legal...a característica do eqüitativo consiste precisamente em restabelecer a lei nos pontos em que se enganou, em virtude da formula geral que o serviu.” [7]

Marques de Lima[8] cita uma importante análise de Pacchioni, três exigências fundamentais da equidade, uma forma de sistematização deste princípio:

a) as coisas e as relações iguais sejam igualmente tratadas, e que não sejam assim tratadas as coisas e as relações desiguais e diversas; b) no julgar acerca de cada relação singular, se tenham em conta escrupulosamente todas as suas particularidades; c) entre varias soluções possíveis logicamente, sempre se dê, in concreto, a preferência àquela que se revele mais branda e humana.

Sobre a ultima exigência ressalta-se ser ela a mais vaga e a menos “técnica”, ao fala em analise mais “humana”, ingressa-se numa ceara muito complexa á qual talvez seja melhor deixar de lado.

Pois bem, dito isto retomemos a analise do principio da proteção. Este tem por fim corrigir a desigualdade proveniente de sua hipossuficiência. “Uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro –, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho.” [9] Com mais esta definição parece estar claro que o sentido do princípio da proteção é a materialização do princípio geral do Direito – equidade.

Faz-se mister, a partir de agora as primeiras analises, tendo em vista o trabalho ate agora praticamente só expôs a opinião da doutrina. Primeiro qual a diferença na definição a cima citada de atenuar e retificar?

Ora, esta diferença parece central na questão que este ensaio visa levantar. É possível um principio do Direito do Trabalho retificar uma diferença, uma desigualdade historicamente constituído? Com todos os problemas e limitações e, em especial, a desvalorização de vários princípios gerais do Direito por uma compreensão técnico-legalista moderna, é possível corrigir tais diferenças? Ou caberia ao estado, apenas a função de apaziguador dos conflitos sociais, concedendo meras melhorias?

Nenhuma destas questões parecem ser de fácil solução. Este ensaio pretende muito mais levantar alguns elementos para o debate do que propor, de forma audaciosa, alguma solução.

Para tanto, parece que a obra marxista, apesar de apresentar alguns problemas, é fundamental na compreensão dessa diferença. Cabe antes de expor algumas questões de forma mais aprofundada lembrar que a diferença da compreensão marxista, dentre

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outros pontos, se sustenta uma questão. A equidade tem que ser entendida na sua forma mais ampla.

Influenciado por Rousseau, Marx defende uma igualdade de fato e mecanismos que sejam capazes de alcançá-lo. No contexto em que Marx viveu o Estado era um mero garantidor da ordem vigente. Para os liberais a função do Estado é garantir a propriedade privada. Muitos comentários se fazem necessários ,mas retomaremos tal problema mais a frente. Para este ponto o que no interessa é uma compreensão mais atual de modelos alternativos ao sistema capitalismo. Através da democracia, o Estado pode passar a ser instrumento para a transformação social como acreditam muitos marxistas mais recentes, transformação que vise de fato retificar as relações desiguais sobre os questionamentos de por que seria o proletário o menos favorecido? Para a equidade deveríamos garantir as necessidades das minorias e as peculiaridades individuais e não dar a poucos o poder esmagador antes uma minoria. A diferença, então, reside em que a concepção marxista de equidade questiona as relações de desigualdades tentando na medida do possível saná-las.

O trabalhador não deveria ser atingido, em regra, pela equidade, no sentido de ser beneficiado por melhorias pontuais, mas deveria sim estar em igualdade de condições. Não se deve compreender a diferença de poder entre empregado e empregador, apenas na sua forma econômica, como fizeram muitos pensadores marxistas. No entanto, sendo esta uma das razões fundamentais para a existência de tal desigualdade, devemos compreender de onde surge tal diferença, de onde vem essa desigualdade.

5. Teoria Marxista da “mais-valia” e poder empresarial.

Apresentemos, pois, neste ponto, de forma sintética a noção marxista do surgimento da diferença de capital e de poder em relação ao empregado e o empregador. Lembrando ser isto uma síntese e, assim, não há como tecer todos os comentários necessários.

A “mais-valia” representa um dos principais pilares da teoria marxista e a luta pelo seu fim uma das principais bandeiras dos partidos comunistas, socialistas e marxistas. Ela representa o valor que o proprietário expropria do trabalhador por deter os meios de produção, representando, assim, de certa forma o lucro. “A ‘mais-valia’ é a parte do valor total das mercadorias em que se encontra incorporado o ‘trabalho excedente’, o ‘trabalho não pago’ do operário, constitui aquilo que se chama de lucro” [10]. Para o melhor esclarecimento desta questão trabalharemos com uma situação hipotética.

Um trabalhador precisa em media de 6h de trabalho para produzir o equivalente a 3”x”, onde “x” representa o preço, ou melhor, a expressão monetária do valor diário da força de trabalho desse homem[11]. Esta quantidade 3”x” seria suficiente para o individuo[12] sustentar de forma saudável a si e a sua família. Observa-se que o sustento não se limita as questões alimentícias, mas de suprimento das necessidades básicas, incluindo dessa forma, por exemplo, lazer.

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No sistema capitalista, no entanto, os meios de produção pertencem a uma pequena parcela da população – a burguesia. Esta , então, vende ao proletário o “direito” de utilizá-los desde que trabalhe 12h. Ou seja, o trabalhador passa, então, a produzir 6”x”. Metade dos frutos de seu trabalho, o que se chama de ‘trabalho excedente’, passam a pertencer ao patrão. Este trabalho excedente, que é desnecessário[13], realizado e produzido pelo proletário é também trabalho não pago, pois pertence ao proprietário do ou dos meios de produção. Ocorre o que se chama de expropriação do trabalho alheio – outrem se apropria do trabalho do proletário. A ‘mais-valia’, neste contexto é exatamente o valor obtido de forma não-paga.

Algumas observações são de extrema importância. Primeiro, após exposto de forma sintética tal teoria levanta-se a seguinte questão: Não teria o proprietário o direito de cobrar algum valor em cima do ganho do proletário já que este só o pode obter através de sua terra, por exemplo?

Tal debate é longo e não é objeto de nossa pesquisa, todavia, faz-se mister alguma elucidação quanto a essa questão. Primeiro poder-se-ia questionar a quantidade do trabalho expropriado. É justo um individuo ter o mesmo lucro de quem trabalha só por deter os meios de produção? No inicio da historia da humanidade todos os indivíduos tinham o mesmo direito natural com que direito uns se apropriaram de terras e a privatizaram? Como parecem estas serem questões de cunho mais teórico-ideologico, trataremos de apresentar questões mais concretas.

No período da revolução industrial, houve sérios crimes contra a humanidade. Em regra, ao tratar disso refere-se exclusivamente aos abusos cometidos aos trabalhadores quanto a sua condição de trabalho: jornada de trabalho de 16 horas, salários muito baixos, ambientes de trabalho propícios às doenças, etc.

É de fundamental importância para analisarmos qualquer questão pertinente a este período lembrar das diversas queimadas produzidas nos campos para que pudesse haver uma geração de desemprego e uma migração dos trabalhadores do campo para as grandes cidades. Este fenômeno foi, especialmente, avassalador na Inglaterra. A revolução industrial sem duvida é um dos grande exemplos de como se deu o processo de apropriação dos meios de produção. Este processo, todavia, não se limitou ao período de revolução industrial, ocorreu durante toda a historia da humanidade, por exemplo através das guerras. Nos períodos posteriores dos processos de colonização ocorreu semelhante feito, após pilhagem e roubo das terras indígenas, estes teriam que pagar para utilizar terras que já foram sua, quando não obrigados a ir trabalhar nos centros comerciais[14].

O problema da apropriação dos meios de produção é inegavelmente o grande fundamento do poder do empresário em face do proletário, mas não é o único. Outros se sucedem. Dentro de uma analise ainda marxista expõe-se, por exemplo o problema da alienação: o trabalhador não precisa sequer conhecer a mercadoria, muito menos é ela fruto direto de seu trabalho. O operário muitas vezes nem seria capaz de produzir aquela mercadoria, não tem o conhecimento técnico necessário o que por sua vez acaba implicando em subordinação ao empregador. No sistema capitalista tem ainda de se colocar o fato de o possuidor dos meios de trabalho intervir no processo produtivo como diretor técnico, definindo a afetação dos meios de produção e dos bens produzidos[15].

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Estes são alguns dos fatores estruturantes do poder empresarial, mas não há duvida que existem muitos outros. A começar que uma analise mais aprofundada soh seria possível a partir de analise weberiana a partir da concepção de dominação.

6. Análise Marxista – critica e analise da critica.

Reginaldo Melhado[16] organiza algumas das principais criticas feitas ao marxismo, em especial, a Garcia Pereira[17], as quais ele próprio tenta desmistificar:

a) análise ideológica ;b)limitação temporal: o poder disciplinar existe com trabalho subordinado, que é anterior ao capitalismo; e c) apresenta uma limitação de âmbito: o poder disciplinar ocorre também nas relações de trabalho não tipicamente capitalistas, como nas relações do empregador com o domestico.

Não há duvida de que uma antiga máxima continua ser verdade: Marx é um dos autores mais citados e menos lidos. Quanto ao primeiro argumento parece ser relevante lembrar que a ciência humana aos poucos vem superando a influencia cega do positivismo que acreditava ser possível uma analise da sociedade com regras estáticas, percepção da sociedade com um cunho de “verdade” e a abstenção absoluta do cientista. Durkheim[18] defendia tal tese que nos parece aos poucos ter sido superado. No campo do Direito as influencias do positivismo jurídico kelseniano ainda são mais presentes. Ainda há a crença do juiz imparcial. Não haverá espaço para discutir a fundo este problema ,mas vale lembrar a analise de Brian Barry[19] que, dentre outros, refruta tal tese tendo em vista que o juiz, o cientista jamais vai conseguir neutralizar de forma absoluta as influências do contexto histórico-social no qual está inserido. A própria posição de “não ter lado” parece inconstitucional frente ao principio de equidade e da progressão social. Por outro lado, a crença de que o juiz ou cientista não deve intervir na sociedade já é uma forma de ideologia tão bem explorada por Olavo de Carvalho[20]. Desta forma não se apresenta como razoável a critica que tacha os marxistas de ideólogos. Ademais Marx foi um cientista rigoroso que jamais se baseou em “estados de natureza” para explicar a humanidade, mas baseou-se na historia, no fato concreto.

O segundo argumento diz respeito a uma possível limitação temporal da analise marxista que haveria de se restringir a revolução industrial, argumentando que o poder disciplinar existe com o trabalho subordinado, ou seja, já em fase anterior ao capitalismo. Bem, esta indubitavelmente é de todas a critica mais infundada. Com a leitura mais básica de Marx, “o Manifesto Comunista”, percebe-se que para este cientista as relações de subordinação sempre existiram sob o titulo de exploração. Esta se deu na antiguidade com os donos e os escravos, na idade média com os camponeses e os senhores feudais, e assim por diante. O que ocorre na atualidade seria uma nova forma de exploração, mas em nenhuma hipótese a primeira.

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O terceiro argumento apresentado pode ser desmistificado sob o mesmo contra-argumento a cima apresentado. Marx não limita sua critica ao modo de produção capitalista, apenas defende que este o potencialize. Quanto ao exemplo parece ser de uma falta de conhecimento e de um anacronismo histórico sem precedentes. Ora, a relação com a doméstica é sim um modo de exploração capitalista. Pode não o ser aos moldes da ciência do direito do trabalho moderno que não a compreende como empregado, apenas como trabalhadora.

7. Principio da proteção como conquista histórica dos trabalhadores.

A maior critica que se faz ao marxismo é de que haveria uma incompatibilidade desta com o estado de Direito. Compreendendo Marx o estado como mero “comitê da burguesia” e o Direito do Trabalho como mera concessão do estado burguês em favor de um status quo, não haveria espaço para convergência entre as teorias marxistas o as doutrinas modernas. O principio da proteção é neste contexto uma mera concessão sem expressão social de fato.

A primeira questão que tem de ser colocada é a diferença entre uma analise marxista e uma marxiana. A primeira reflete os mais diversos pensamentos e correntes político-filosoficas de autores a partir das analises de Karl Marx. O pensamento “puro”, “genuíno”, deste autor reflete nas analises marxianas.

Pois bem, quando se fala em analises marxistas sem delimitar acaba-se atingindo tantos autores que seria difícil rotula-lo de uma só maneira sem cometer graves equívocos. Para citar alguns exemplos a compreensão de Estado em Lênin é diferente da de Gramsci. As vertentes socialistas mais modernas, por exemplo, já fazem uma nova analise quanto ao papel do Estado – tem-se o exemplo cubano.

O contexto no qual Marx estava inserido é completamente diferente do atual. Não se via possibilidade de o Direito ser instrumento para transformação social, na medida em que ele busca dirimir os conflitos. Marx no prefacio a edição russa de 1868 do Manifesto Comunista[21], publicada já após seu falecimento, assume de forma explicita que o contexto histórico se modificando muitas de suas analises não seriam tão compatíveis. Dessa forma acerca do Estado de Direito precisaria se fazer analises criticas do pensamento marxiano e não simplesmente ignora-lo, como ocorre, muitas vezes por ignorância ou ideologia.

O estado e o Direito , nesta perspectiva, devem ser compreendidos como instrumentos para uma construção de um outro modelo de sociedade. O Direito deve ter por função não a mera mediação dos conflitos, mas a resolução destes. É claro que em primeiro plano a diminuição para então de forma democrática e não violenta proceder uma revolução social.

O principio da proteção tem de ser encarado como uma conquista historicamente alcançada pela classe trabalhadora e não como mera concessão da burguesia. Tem o intuito de amenizar os efeitos da opressão burguesa, em um estado social, em direção a

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construção de uma sociedade mais democrática. O principio da proteção, é, então, um avanço incomparável conquistado por muita luta ideológica e pragmática. À luz de uma teoria critica não pode ele ser entendido como solução para a questão da equidade. Ele é um meio fundamental para a construção de um modelo de igualdade que não se restinga a mera formalidade.

8. Conclusão.

A teoria marxista do trabalho contém muitas inadequações e lacunas. É, porém, imprescindível para compreender as relações de trabalho. Ela não pode ser descartada. A teoria da “mais-valia” que explica de onde vem o lucro e parte considerável do poder do empregador e do empregado, é fundamental para começar a ter uma avaliação mais completa do Direito do Trabalho.

Outro ponto importante sob o qual se sustenta à dominação do proprietário dos meios de produção é o processo de alienação – “ao alienar sua capacidade de trabalho, o operário é subsumido materialmente ao modo de produção capitalista e o trabalho morto passa a exercer seu domínio sob o trabalho vivo” [22].

O fato de as teorias marxistas estarem sempre próximas às lutas políticas não significam que sejam meros panfletos, principalmente no que tange o próprio Marx, há muitos estudos científicos, que tem de ser encarada de forma seria e rigorosa.

O principio da proteção ao operário se situa num contexto de avanço social conquistado historicamente sob o qual as novas teorias marxistas têm de debruçar mais atenção. Não há espaço para compreendê-lo como mera concessão de um Estado Burguês. Neste momento, precisa-se ter mais atenção é no sentido de garanti-lo. Ora, numa sociedade onde impera o vulgo popular do “jeitinho brasileiro”[23] e onde as relações pessoais chegam ao imaginário inconsciente como “para os amigos tudo e para os inimigos a lei[24]”, a simples efetivação do principio da proteção nos casos concretos parece uma árdua tarefa.

Talvez os principais pilares de uma sociedade que almeje ser democrática de fato e não só de direito sejam liberdade e igualdade. O fim do Direito é a busca da justiça. Desta forma, o plano ideal tem que compreender as relações para alem do principio da proteção, afinal o principio da equidade é o norte para a materialização desta sociedade. “Certamente toda experiência histórica confirma a verdade – o homem nunca teria alcançado o possível se repetidas vezes não tivesse buscado o impossível”[25]

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WEBER, Max. "A Política Como Vocação", em H. H. Gerth e C. W. Mills, Ensaios de Sociologia, Rio de Janeiro: Zahar, 2002.

[1] MARX, K. O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004

[2] BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007

[3] “Princípios Fundamentais da Consolidação das leis do Trabalho” In./ Ver. LTr de Legislação do Trabalho, n.47,II, 1938, pág. 447

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[4] NASCIMENTO, Amauri M. “Curso de Direito do Trabalho” Ed. Saraiva: São Paulo, 1981.

[5] LIMA, F. Marques de. “Os princípios de Direito do Trabalho na Lei e na Jurisprudência.” Ed. LTR: São Paulo, 1996

[6] DELEGAO, M. Godinho,Curso de Direito do Trabalho. Ed. LTr: São Paulo, 2006. pág.202

[7] ARISTOTELES, “Ética a Nicomaco”, L. V., Capitulo X, pág. 4.

[8] [8] LIMA, F. Marques de. “Os princípios de Direito do Trabalho na Lei e na Jurisprudência.” Ed. LTR: São Paulo, 1996. Pág. 38

[9] DELEGAO, M. Godinho,Curso de Direito do Trabalho. Ed. LTr: São Paulo, 2006. pág 197

[10] MARX, K.: Salário, preço e lucro.

[11] MARX, K.: Salário, preço e lucro.

[12] Nota-se aqui o cuidado de não cometer o equivoco da teoria marxista clássica, que fala em quantidade necessária para sustentar o proletário, no entanto, com enfoque na própria teoria marxiana tem-se a noção de igualdade levada às últimas conseqüências e lembra-se que as necessidades de um trabalhador são as mesmas de um burguês, porquanto, fala-se em individuo.

[13] Desnecessário é compreendido aqui como não necessário para o sustento em situação hipotética. É, obvio, pois, que sem este trabalho, no sistema capitalista, provavelmente o empregado ficaria sem renda para garantir as necessidades mais básicas para si e sua família.

[14] SCHMIDT, M. Nova Historia Critica. Rio de Janeiro: Letras e Letras, 2001.

[15] PEREIRA, G. O poder disciplinar…. pag. 75

[16] MELHADO, R. Poder e Sujeição. Ed. LTr: São Paulo, 2003

[17] Garcia Pereira é um dos grandes juristas marxistas no campo do Direito do Trabalho.

[18] DURKHEIM, E. As regras do método sociológico.

[19] BARRY, Brian. Justice as impartiality.

[20] CARVALHO, Olavo de. O futuro do pensamento brasileiro.

[21] A edição do Manifesto Comunista publicada pela editora Lua nova traz este prefacio.

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[22] MELHADO, R. Poder e Sujeição

[23] O Estudo acerca do “jeitinho brasileiro” é proveniente da obra Raízes do Brasil – Sergio Buarque de Holanda.

[24] Jargão popular do período conhecido como “coronelismo” de autoria desconhecida.

[25] WEBER, Max. "A Política Como Vocação", em H. H. Gerth e C. W. Mills, Ensaios de Sociologia, Rio de Janeiro: Zahar, 2002, pág. 135

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