O Primeiro Passo - Tron

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    EMOES INTERACTIVAS. DO CINEMA PARA OS VIDEOJOGOS

    imagens grficas computorizadas (CGI) vem dar relevo a uma informaoque aparentemente se poderia apenas encontrar mediante mapas comple-xos de acesso. Desta representao do ciberespao, a realidade virtual foi a

    que mais contribuiu verdadeiramente para o desenvolvimento dessa cons-truo psicolgica colectiva.A convergncia de meios na representao do ciberespao entre o cinema

    e a RV total, uma vez que essa representao completamente depen-dente do CGI. Nesse sentido, o CGI cinematogrfico pode ser interpretadocomo uma espcie de extenso da representao do ciberespao. Esta exten-so faz de certa forma do cinema um verdadeiro portal de acesso aos mun-dos do ciberespao. Apesar das discrepncias existentes entre a formalidadedo que o ciberespao pretende representar e a narrativa cinematogrfica, deum ponto de vista social, e acima de tudo da criao do imaginrio colectivo,

    esta transforma-se num real consentido. Para Baudrillard (1981) entramosno terceiro estdio da virtualidade, no qual o virtual se sobrepe ao realdando lugar a uma hiperrealidade da qual a alucinao consensual de Gib-son faz parte.

    Um cinema tecnolgico que passou de fundaes qumicas a fundaesmatemticas,convertido de digital em virtual e que se aproxima fortementedos ambientes de ciberespao assim como dos ambientes de representaode realidade virtual. Assim, a primeira convergncia tecnolgica do cinemapara a realidade virtual um caso consumado. Falta perceber at que ponto

    esta convergncia se d, nas ordens da percepo e representao e paraisso que vamos realizar o estudo filmogrfico sobre Tron, 1982 The Matrix,1999,eXistenZ, 1999 e Artificial Intelligence: AI, 2001.

    4.3 O primeiro passo Tron

    Interessa iniciar pela anlise da representao do ciberespao e da reali-dade virtual que feita pelo cinema de entretenimento e estudar como sotratados tanto na forma como no contedo. Destacar o impacto que as tec-nologias possuram sobre a elaborao das narrativas, assim como sobre acapacidade de caracterizao desses conceitos de uma forma visual. No pri-meiro filme a analisar, Tron, vamos destacar, acima de tudo, o seu posicio-namento histrico, a sua contribuio para o desenvolvimento da temtica eda insero de novas tecnologias na cinematografia tradicional

    Tron estreia em 1982, dois anos antes de Gibson lanar Neuromancer(1984). data, apesar de ciberespao no existir como termo ou definio, orealizador Steven Lisberger diz ter pensado no termo mas que no o ter uti-lizado e ter mesmo evitado, porque o sufixo cyber estava demasiado conec-tado a correntes intelectuais para funcionar num filme de entretenimento

    para as massas (Lisberger, 2002). Para perceber de que forma que este

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    mundo dentro do computador foi recebido pelas audincias, necessrioenquadrar o ano de 1982 ao nvel da tecnologia informtica. Tron estreia-senos EUA aproximadamente um ano aps o lanamento do primeiroPersonal

    Computer (PC) da IBM74

    , lanado em Agosto de 1981. Apesar de este no sero primeiro computador da histria, foi sem dvida o que maior sucesso alcan-ou junto dos consumidores, a provar o seu sucesso foi o seu lugar de desta-que como Man of the Year na capa da Time de 198275 (ver Fig. 43).

    Isto demonstra que, data de sada dofilme a grande maioria da audincia nuncateria estado sequer na mesma sala com umcomputador pessoal. Passados 25 anos fcilnos dias que correm falar no mundo dentrodo computador. O computador pessoal (PC)

    como o conhecemos hoje uma referncia empraticamente todos os lares do mundo oci-dental, possuindo interfaces grficas a servi-rem de janelas (Windows) directas paraesse mundo, delineando representaesmetaforizadas do mundo real, acessveis grande parte das pessoas.Em 1982, as inter-faces existentes regiam-se por comandos delinha representados em ecrs monocrom-

    ticos, nos quais o fundo do ecr em preto eraa cor e a rea dominantes. Apesar de Engel-bart ter desenvolvido em 1963 a primeira interface grfica com dispositivosapontadores como o rato, o processamento necessrio para a sua implemen-tao era ainda inexistente para a sua massificao em 1982.

    A anlise dos desenvolvimentos informticos justifica em parte a m reac-o do pblico ao filme, assim como justificam tambm a razo pela qualtodos os estdios se mostraram to relutantes em investir numa produodeste gnero (Lisberger, 2002). Apenas a Disney foi capaz de ver mais alme perceber que estava diante de um projecto que viria a marcar o incio daintroduo da computao grfica no cinema, assim como da primeira repre-sentao do ciberespao. Walt Disney sempre foi reconhecido como umamante de novas tecnologias capazes de proporcionar novas vises a exem-plo disso podemos invocar Fantasia (1940). No entanto, existe algo mais pordetrs desta aceitao do projecto Tron e que passar, sem dvida, pelo factode data a tecnologia da computao grfica a aplicar ao cinema ser vista

    Fig. 43: O Computador, Man ofthe Year, 1982 (Time, 2006)

    74Ver a pgina da histria da IBM no site da IBM em http://www-03.ibm.com/ibm/history/history/year_1981.html

    75 Informao obtida a partir do site da revista TIME em http://www.time.com/time/

    personoftheyear/ archive/covers/1982.html

    CINEMA E TECNOLOGIA

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    acima de tudo como uma tecnologia produtora de um novo tipo de animao.Realmente, as tecnologias utilizadas viriam a revelar-se ferramentas de ani-mao extremamente rentveis mesmo capazes de superar a animao tra-

    dicional. No entanto isto s viria a acontecer verdadeiramente passadosquase 20 anos com as produes dos estdios de animao da Pixar e Dream-works, j no final dos anos 90 com filmes inteiramente 3d, comoA Bugs Life(1998),Antz (1998) ou Toy Story 2 (1999).

    As propriedades matemticas utilizadas em Tron em 1982 partem dosprincpios da computao grfica desenvolvidos, em 1963 nos trabalhos de

    investigao de Sutherland. O seuSketchpad foi a primeira workstationgrfica, com monitor de visualizao,dispositivo de entrada de dados (light-

    pen) e uma ferramenta informticainteractiva de design (ver Fig. 44).

    Apesar de quase vintes anos pas-sados, para conseguir o nvel de rea-lismo grfico de Tron em 1982, osanimadores escreviam numa folha depapel as coordenadas dos movimen-tos dos objectos no espao, depoisestes nmeros eram enviados para osprogramadores que inseriam os

    nmeros todos a mo. (Burnet, 2002). Ou seja, nada era visualizado gra-ficamente no momento, os animadores apenas viam nmeros e frmulasde geometria tentando criar mentalmente o efeito que possivelmente viriaa ser visto no final. Desta forma, podemos dizer que o fascnio da espec-tacularidade das imagens criadas ocorria tanto sobre a audincia comosobre os seus autores, criando assim uma verdadeira sensao de repre-sentao do nunca antes visto.

    Fig. 44: Ivan Sutherland e o sistemaSketchpad no MIT, 1963

    Fig. 45: Sequncia do Solar Sailer (img. esquerda), completamente modelada com recurso

    a uma mesh de polgonos (img. direita) (Time-Life, 1986)

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    A ter em conta, que nos videojogos falamos de renderizao 3d em tempo-real

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    Centrando-nos sobre todo este contexto informtico, fcil perceber queTron, mais do que qualquer outro filme na histria de Hollywood, estavacompletamente imbudo, dependente e dramaticamente conectado tecno-

    logia. Seja pela narrativa, representao ou estilo tudo teve apenas umobjectivo, criar uma obra que desse vida tecnologia e a transformasse emalgo visualmente belo e facilmente inteligvel pelas audincias.Numa entre-vista revista Shift, Lisberger (2002) diz que a narrativa de Tron surge apartir do clebre videojogo Pong (1972) sendo da que surge o conceito dosguerreiros electrnicos. Desta forma, Lisberger parte com o conceito parao jogo de gladiadores no interior do mundo do computador, restava-lhe ape-nas criar uma histria que, de algum modo, sustentasse o seu desejo pelasvisualizaes grficas das tecnologias. Numa outra entrevista, Lisbergerchega mesmo a dizer,

    Na minha cabea houve sempre algo de crucial no filme. Uma vez que

    estvamos a cozinhar esta fantasia a partir do nada, basevamo-nos

    no aspecto visual para contar a histria. Se algum fizesse um esboo

    para um personagem ou ambiente que funcionasse do ponto de vista do

    design, entrava no guio(Time-Life, 1986).

    Lisberger estava a criar nada mais nada menos que a primeira repre-sentao de um mundo virtual, o ciberespao ou como ele lhe chamou uma

    arena electrnica. Tron simboliza o primeiro passo dado na tentativa decriar convergncias entre o cinema e a realidade virtual dos videojogos. Aantropomorfizao dos smbolos grficos o verdadeiro passo dessa con-vergncia e aquele que mais efeitos far surtir, uma vez que representauma clara tentativa de dramatizao dos ambiente virtuais, criando novosconceitos visuais a seguir tanto pelo cinema como pelos videojogos. Se nocinema precismos de mais uma dcada para ver o T1000 assumir formashumanas em Terminator 2: Judgment Day (1991), nos videojogos estas che-garam apenas com o aparecimento das plataformas de 128 bits, Playstation

    2 e Xbox no ano 200076

    . A antropomorfizao gerada atravs de computa-dor, por oposio aos tradicionais efeitos especiais estava de tal modo forado seu tempo que Tron, semelhana de quem usa uma calculadora numteste de matemtica, foi colocado de lado para uma nomeao ao Best

    Visual Effects, porque a Academia viu o seu processo de utilizao doscomputadores como uma batota (Burner, 2002). No existia conveno ouintertextualidade possvel, no existia qualquer referente visual ou ideol-gico, no existia nada onde nos pudssemos sustentar para perceber o queera Tron. Para alm de falarmos de uma realidade alternativa ou paralela

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    Estamos perante um verdadeiro caso de aliana entre criatividade e tec-nologia, sendo as duas interdependentes. A interdependncia manifesta-se no sentido em que precisamos da tecnologia para recriar de forma maisrealista possvel as fantasias impossveis. Por isso, surge o paradoxo do rea-lismo versus fantasia. O CGI permite-nos criar o inexistente, aquilo queexiste apenas dentro das nossas mentes; por outro lado, para podermos par-tilhar essas fantasias subjectivas, precisamos de recorrer a valores da cul-

    tura convencionados que nos permitam de algum modo comunicar essafantasia. Essa conveno comunicativa surge, assim, atravs do realismo. semelhana das extenses dos media desenvolvidas por Mcluhan (1964) emque o telefone funciona como uma extenso da nossa voz e a TV como umaextenso dos nossos olhos e ouvidos, podemos ver o medium da RV comouma extenso da nossa imaginao.

    4.4. Conflito media/mensagem The Matrix

    The Matrix insere-se num conjunto de filmes estreados no ano de 1999que visam trazer para a cultura popular as discusses em torno da argu-mentao ps-moderna sobre o desaparecimento das fronteiras do real.DarkCity, 1999 de Alex Proyas, Thirteen Floor, 1999 de Josef Rusnak, eXistenz,1999 de Cronenberg eFight Club, 1999 de David Fincher cinco filmes gera-dos na Amrica do Norte no mesmo ano de 1999, o ltimo do milnio retra-tando a questo do que o real?. Parece-nos que encontraram nestaargumentao, signos e smbolos suficientes para de uma certa forma darresposta s necessidades mticas e rituais das audincias ocidentais nas

    suas preparaes do fim de milnio.

    Fig. 46: Sequncia Light Cycles (Tron, 1982)

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    aqui to perto, a textura do CGI era to lmpida, perfeita e plstica que sedesprendia visualmente de qualquer possvel tentativa de assimilao.

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