O Plágio Na Pesquisa Acadêmica

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Resumo/ Abstract 06 O plágio na pesquisa acadêmica: a proliferação da desonestidade intelectual Rodrigo Moraes Advogado autoralista, mestrando em Direito pela UFBA, especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia, professor da Faculdade Social da Bahia. Resumo O presente estudo aborda a proliferação do plágio nas universidades brasileiras. Sem dúvida, existem falhas no sistema de avaliação do ensino superior. E o plágio configura um gravíssimo sintoma. Este artigo objetiva expor como fazer citações de acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e, sobretudo, por que citar. Não basta definir os meios (instrumentos) para uma correta citação sem antes analisar as razões desse ofício. A discussão, portanto, não é simplesmente técnica, mas fundamentalmente ética. O pesquisador acadêmico precisa ser íntegro, ou seja, inteiro, como significa a raiz latina dessa palavra. P alavras-chave: Direito Autoral, propriedade intelectual, plágio, ensino superior, metodologia da pesquisa, ABNT. Abstract The present study approaches the issue of the proliferation of plagiarism within Brazilian Universities. Undoubtedly, the system of assessment regarding superior education has failures, and plagiarism is a serious indication of this malfunction. This article aims to explain how to cite sources following the ABNT’s rules, but, especially, why to cite them. Indeed, for an accurate citation, it is essential to learn the reasons to cite before provide definitions of the means (instruments) to do it. Therefore, the discussion is not merely technical but, fundamentally, ethical. The academic researcher needs to be righteous, that is to say, he has to be upright. K eywords: Rights of the Author (copyright), intellectual property, plagiarism, superior education (university), methodology of research, ABNT.

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    06O plgio na pesquisa acadmica:a proliferao da desonestidadeintelectual

    Rodrigo MoraesAdvogado autoralista, mestrando em Direito pela UFBA, especialista em Direito Civil

    pela Fundao Faculdade de Direito da Bahia, professor da Faculdade Social da Bahia.

    Resumo O presente estudo aborda a proliferao do plgio nas universidades brasileiras.Sem dvida, existem falhas no sistema de avaliao do ensino superior. E o plgioconfigura um gravssimo sintoma. Este artigo objetiva expor como fazer citaes deacordo com a Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT) e, sobretudo, por quecitar. No basta definir os meios (instrumentos) para uma correta citao sem antesanalisar as razes desse ofcio. A discusso, portanto, no simplesmente tcnica,mas fundamentalmente tica. O pesquisador acadmico precisa ser ntegro, ou seja,inteiro, como significa a raiz latina dessa palavra.Palavras-chave: Direito Autoral, propriedade intelectual, plgio, ensino superior,metodologia da pesquisa, ABNT.

    AbstractThe present study approaches the issue of the proliferation of plagiarism within BrazilianUniversities. Undoubtedly, the system of assessment regarding superior educationhas failures, and plagiarism is a serious indication of this malfunction. This articleaims to explain how to cite sources following the ABNTs rules, but, especially, why tocite them. Indeed, for an accurate citation, it is essential to learn the reasons to citebefore provide definitions of the means (instruments) to do it. Therefore, the discussionis not merely technical but, fundamentally, ethical. The academic researcher needs tobe righteous, that is to say, he has to be upright.Keywords: Rights of the Author (copyright), intellectual property, plagiarism, superioreducation (university), methodology of research, ABNT.

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    Imprescindvel se faz o debate sobre a questo moral (e jurdica) existente no ato

    de citar, mencionar, dar o crdito ao verdadeiro autor. Memorizar todas as mincias

    formais impostas pela ABNT uma tarefa que exige constante atualizao. As normas

    mudam. Porm, sua essncia continua sempre a mesma.

    Ora, por que deveria um aluno se esforar para escrever um trabalho acadmico se

    j existem sites que vendem artigos prontos, alm de monografias, dissertaes e

    teses sobre qualquer tema encomendado? E mais: por que se preocupar com o plgio

    se o professor, muitas vezes negligente, sequer tem tempo para corrigir de forma

    criteriosa os trabalhos que lhe so apresentados? Por que evitar a cpia desonesta se

    algumas instituies particulares de ensino superior, verdadeiros caa-nqueis, fazem

    milagres (leia-se manobras) para no reprovar o aluno-cliente?

    Ao lado do corpo docente e discente, vem surgindo, nas universidades brasileiras,

    um novo e perigoso grupo, que denominamos de corpo indecente, formado por

    professores e alunos plagirios.

    Breve histrico do Direito Autoral

    Antes de explicar o significado jurdico de plgio, necessrio debruarmos um

    pouco a ateno sobre o Direito Autoral, disciplina ainda margem dos currculos da

    maioria das Faculdades de Direito do pas.

    A falta de informaes sobre esse ramo do Direito, de certo modo, potencializa o

    desrespeito ao criador intelectual. A desvalorizao curricular um reflexo do des-

    dm da sociedade brasileira em relao propriedade literria, artstica e cientfica,

    a mais sagrada e a mais pessoal de todas as propriedades, como proclamou a Lei

    francesa Chapelier, de 1791.

    A primeira lei especfica sobre Direito Autoral entrou em vigor em 1710, na Ingla-

    terra, no perodo da Rainha Ana (Statute of Anne), e visava proteger obras literrias.

    Foi denominada Copyright Act. Da ter surgido a expresso copyright, utilizada ainda

    hoje nos pases de lngua inglesa, embora com um sentido bem mais abrangente do

    que o simples direito cpia.

    Com a inveno da imprensa mecnica pelo alemo Johann Gutenberg (1398-1468),

    a pirataria de livros comeou a prejudicar os grupos editoriais da poca. Foi uma

    questo econmica o que impulsionou a entrada da matria autoral no direito positi-

    vo. O receio de perdas nos investimentos, portanto, foi o principal motivo da regulao.

    A conquista foi muito mais uma reivindicao dos editores do que da prpria classe

    autoral.

    Rodrigo Moraes

  • 93Dilogospossveis

    Antes da inveno da imprensa, que estimulou a concepo individualista da pro-

    priedade literria, o conhecimento era transmitido de forma oral, como afirma o

    pesquisador ingls Peter Burke (2003, p. 139-140) sobre a concepo coletivista que

    predominava at o advento da inveno de Gutenberg:

    Essa viso foi a predominante na Idade Mdia, como mostra a

    tradio das cpias. Os escribas que copiavam manuscritos apa-

    rentemente se sentiam livres para fazer acrscimos e alteraes.

    De modo anlogo, os estudiosos que escreviam obras novas se

    sentiam livres para incorporar passagens de seus predecessores. A

    tendncia a atitudes mais individualistas foi estimulada pela possi-

    bilidade da impresso, que ajudou ao mesmo tempo a fixar e a

    difundir textos. Mesmo assim, o processo de mudana no foi nem

    repentino nem suave, e exemplos da sobrevivncia de atitudes

    coletivistas nos sculos XVI e XVII no so difceis de encontrar,

    coexistindo com a ascenso de privilgios e patentes.

    Vale dizer, por outro lado, que, h tempos, a legitimidade dos direitos morais do

    autor j existe. Desde quando o ser humano se entende como criador intelectual,

    capaz de externar sua sensibilidade na criao de obras literrias e artsticas, j se

    tem notcia de aspectos morais visando proteg-lo. No de hoje a existncia de

    plagirios.

    O plgio tem uma histria que merece ser analisada. Desde a Antigidade greco-

    latina, j se tem conhecimento da existncia de sano moral aos plagiadores, que

    sofriam repdio pblico, desonra e desqualificao nos meios intelectuais. Plagirio

    vem do latim plagiarius. Era quem, na Antiga Roma, roubava escravos ou vendia como

    escravos indivduos livres. O vocbulo tem sua origem na Lex Fabia ex plagiariis.

    Escravo, na Antiga Roma, no era considerado pessoa, mas simples res (coisa), merca-

    doria. No era cidado, j que no possua o status libertatis. A expresso foi trazida

    para o campo literrio por causa de uma metfora criada pelo poeta Marcial, que, no

    sculo I, comparava seu poema, de que outro autor se havia apropriado, a uma

    criana que tivesse cado em mos de um seqestrador. (CHAVES,1995, p. 40). Da a

    explicao do desvio sofrido pelo vocbulo plagium na evoluo etimolgica. A ex-

    presso passou a significar, metaforicamente, essa apropriao fraudulenta. Plagi-

    rio, nos dias atuais, designa o seqestrador de uma criao intelectual.

    Daniel Rocha (2001, p. 15) afirma:

    Rodrigo Moraes

  • 94 Dilogospossveis

    Entre os plagiatores que o poeta Marcial inclui os que furtam

    o talento alheio, na clebre polmica com seu rival Fidentino

    (Epigrama 30, Livro I) que traduzimos adiante:

    Segundo consta, Fidentino, tu ls os meus trabalhos ao povo

    como se fossem teus. Se queres que os digam meus, mandar-te-ei

    de graa os meus poemas; se quiseres que os digam teus, compra-

    os, para que deixem de ser meus.

    o domnio do autor sobre sua obra num sentido total, a ponto

    de poder negociar at mesmo a sua autoria.

    Num quinto Epigrama a Fidentino (1-67), proclama:

    Quem busca a fama por meio de poesias alheias, que l como

    suas, deve comprar no o livro, mas o silncio do autor.

    V-se, nesta polmica entre Marcial e Fidentino, que existia a prtica de compra

    de autoria. Nos dias atuais isso proibido, tendo em vista que o direito moral

    paternidade da obra um direito intransfervel e inalienvel (LDA-98, art. 27). Ape-

    nas os direitos patrimoniais, que dizem respeito explorao econmica da obra,

    podem ser negociados.

    O autoralista portugus Luiz Francisco Rebello (1994, p. 29-30) afirma que, nos

    tempos antigos, poderiam existir outras punies alm da sano moral. In verbis:

    O mais remoto desses testemunhos (pelo menos no estado actual

    dos conhecimentos) encontra-se referido no Tratado de Arquitectura

    de Vitrvio e diz respeito a um concurso literrio realizado em

    Alexandria, no qual foi premiada uma obra reconhecidamente de

    menor valia por ter provado que todas as restantes eram cpias

    servis de obras preexistentes, o que levou punio dos seus auto-

    res pelo delito de furto com expulso, por ignomnia, da cidade.

    (grifo nosso)

    Observa-se, portanto, que:

    O direito moral do autor sobre a sua obra precedeu o reconhe-

    cimento do seu direito patrimonial. Na Grcia antiga, assim como

    em Roma, o plgio era considerado uma aco desonrosa e os gre-

    Rodrigo Moraes

  • 95Dilogospossveis

    gos contavam j com algumas formas de reprimir a pirataria liter-

    ria. (UNESCO, 1981, p. 13)

    Enquanto, na conscincia dos seus titulares, os direitos morais antecedem aos

    patrimoniais, estes antecedem queles no que se refere disciplina legal.

    Nos dias atuais, a Internet, nascida cerca de quinhentos anos aps a imprensa de

    Gutenberg, consiste num instrumento facilitador da cpia infinitamente mais podero-

    so. A rede mundial de computadores inaugura uma nova era no Direito. A chamada Era

    Digital inicia uma realidade ameaadora.

    Como proteger a propriedade intelectual, j que as obras podem ser distribudas

    gratuita e instantaneamente para milhes de internautas? O ciberespao traz enor-

    mes desafios. A tecnologia avana. As modalidades e os nmeros de violaes ao

    Direito Autoral aumentam. E o Direito, o ltimo vago no comboio das transforma-

    es sociais, tenta acompanhar essa evoluo tecnolgica.

    No Brasil, em sntese, a primeira lei contendo referncia matria autoral data de

    1827. Tal diploma se referia criao de dois cursos de Cincias Jurdicas e Sociais:

    um em So Paulo e outro em Olinda.

    Contudo, a primeira lei especfica em nosso pas sobre Direito Autoral foi a de n

    496, de 1898, denominada Medeiros e Albuquerque, em homenagem ao Deputado

    Federal relator do projeto. Em 1916, o Cdigo Civil trouxe a disciplina nos arts. 649-

    673 e 1.346-1.358. Em 1973, com o advento da lei n 5.988, o Direito Autoral saiu do

    Cdigo Civil, ganhando autonomia legislativa. Em 1998, entrou em vigor a atual Lei de

    Direito Autoral, lei n 9.610, que chamaremos simplesmente de LDA. O Cdigo Civil de

    2002 ratificou o entendimento de que o Direito Autoral um ramo autnomo, com

    normas prprias e princpios peculiares. No ousou novamente disciplinar a matria.

    Conceito de plgio

    Em que consiste exatamente o plgio? A atual LDA no traz o conceito, deixando

    tal tarefa para a doutrina. Alis, a LDA sequer menciona a terminologia plgio,

    repetindo a omisso das leis anteriores.

    Podemos dizer que plgio a imitao fraudulenta de uma obra, protegida pela lei

    autoral, ocorrendo verdadeiro atentado aos direitos morais do autor: tanto paterni-

    dade quanto integridade de sua criao. No exagero adjetivar o plagirio como

    malicioso, disfarado, astuto, hbil, dissimulado. O plagiador (ou plagirio) costuma

    no confessar o ilcito. Por isso, empenha-se em disfarar o assalto, evitando deixar

    Rodrigo Moraes

  • 96 Dilogospossveis

    vestgios. Seja movido por inveja, seja por mera preguia, o plagirio escamoteia e

    mente, desmoralizando o verdadeiro criador intelectual. Essa conduta tpica de

    nossa sociedade de aparncia, na qual o importante no ser, mas simplesmente

    parecer e aparecer.

    O plgio quase sempre de parte(s) de obra alheia, e no de sua ntegra, visto que

    a prova judicial de obra completamente igual a uma outra consiste em tarefa que,

    muitas vezes, no exige maiores esforos. O plgio grosseiro e total hiptese no

    muito comum, pelo simples fato de ser facilmente identificado o ilcito.

    O plagirio age com m-f, tentando ludibriar a sociedade e o autor-vtima. A

    ausncia de boa-f caracteriza-se quando h cpia literal e no mera semelhana

    temtica entre duas obras.

    O plgio representa o mais grave ilcito contra a propriedade intelectual. mais

    grave do que a contrafao (pirataria), pois envolve questes ticas que ultrapassam

    aspectos meramente econmicos, ligados a investimentos de grupos empresariais. O

    plgio uma violao dignidade da pessoa humana, princpio fundamental no Esta-

    do Democrtico de Direito (Constituio Federal de 1988, art. 1, III).

    Outra dvida merece ser enfrentada. H critrios objetivos para caracterizar o

    plgio? A resposta negativa. O legislador corretamente preferiu no fixar critrios

    objetivos para a caracterizao do ilcito. Portanto, a verificao casustica. O

    julgador apreciar, caso a caso, a existncia ou no de plgio diante de todo o con-

    junto probatrio que lhe apresentado nos autos do processo. Compete ao juiz,

    portanto, discernir e apreciar, em cada caso concreto, a incidncia ou no de plgio,

    levando em considerao todos os meios de prova admitidos em direito.

    Que fique bem claro: no existe um nmero mnimo de palavras, frases, notas ou

    compassos musicais para definir a incidncia de plgio. Ora, se a lei autoral fosse

    rgida nesse sentido, definindo o plgio atravs de critrios puramente objetivos, no

    seria incomum a ocorrncia de situaes de grave injustia. O conceito aberto de

    plgio, pois, impe ao intrprete uma tomada de posio.

    O magistrado h de levar em considerao todos os pormenores dos fatos do caso

    concreto que lhe apresentado. Por exemplo: a data de criao e da solicitao do

    registro (se houver) de cada uma das obras; os depoimentos das partes e das testemu-

    nhas a fim de verificar se o acusado teve ou no acesso obra supostamente plagia-

    da; a concluso do laudo pericial, que faz uma espcie de prova de contraste; a

    anlise de provas documentais, como os originais escritos a mo pelo verdadeiro

    autor, etc.

    H casos em que um plgio contm, at mesmo, erros gramaticais da obra plagia-

    Rodrigo Moraes

  • 97Dilogospossveis

    da. O escndalo envolvendo o premi britnico Tony Blair, que plagiou trechos intei-

    ros de uma tese acadmica do ento estudante americano Ibrahim al-Marashi, des-

    cendente de iraquianos, representa um inesquecvel exemplo. O forjado dossi de

    inteligncia sobre o Iraque, que chegou a ser exaltado por Colin Powell, Secretrio

    de Estado dos EUA, como magnfico relatrio, foi desmascarado pela imprensa bri-

    tnica, que apontou, inclusive, erros gramaticais copiados da tese acadmica de al-

    Marashi. Tony Blair mentiu opinio pblica mundial para tentar convencer a legiti-

    midade da absurda guerra contra o Iraque (MORAES, 2003, p. 6).

    A acusao h de ser muito bem fundamentada, evitando-se, assim, ao temer-

    ria, que autoriza o acusado, em determinadas hipteses, a pleitear danos morais.

    No existe plgio de idias

    Millr Fernandes, autor de frases antolgicas, diz com irreverncia: Todo homem

    nasce original e morre plgio. O Direito Autoral no exige novidade absoluta, mas

    apenas originalidade, visto que o criador recebe influncias do contexto histrico-

    social em que vive.

    J podemos afirmar com segurana: no existe plgio de idias, porque as idias

    em si no so objeto de proteo (LDA-98, art. 8, I). Elas so inapropriveis, tm

    trnsito-livre, pertencem a todos, so da coletividade. A forma dada s idias,

    contudo, pessoal. No se pode confundir, portanto, algo de todos com algo de cada

    um. Todo ato de criao, ao mesmo tempo em que se alimenta do acervo cultural de

    um povo, , antes de tudo, um ato eminentemente pessoal.

    O Direito Autoral protege a idia materializada, que adquire forma pelo trao

    caracterstico do autor, pela sua feio pessoal. Exemplificando: os manuais sobre

    Metodologia da Pesquisa trazem idias (contedos) semelhantes. O que a lei autoral

    protege a forma dada a essas idias. A roupa com que o criador veste as idias

    que digna de proteo. O molde dado s idias representa a personalidade do autor,

    o seu toque original, a sua maneira de dizer o contedo da disciplina. O Direito Auto-

    ral nasceu para estimular a criao, e no para engess-la. Obras semelhantes podem

    perfeitamente coexistir de forma harmnica, sem a incidncia de plgio. preciso

    estar atento queles que, em tudo e em todos, vem a caracterizao de plgio. O

    exagero existente na plagiofobia merece rechao. Ir alm do verdadeiro alcance da

    proteo autoral fere, inclusive, o direito de livre expresso da atividade intelectual,

    artstica, cientfica e de comunicao, independentemente de censura ou licena,

    previsto na Carta Magna (art. 5, IX).

    Rodrigo Moraes

  • 98 Dilogospossveis

    O plgio no pode ser tratado com parcimnia nem com exagero. Michel Schneider

    (1990, p. 35) alerta sobre esses dois extremos: H duas maneiras de dizer que o

    plgio no um problema: no perceb-lo em nenhum lugar; afirmar que ele est em

    todo lugar.

    A proliferao da desonestidade intelectual

    Existe uma clebre frase atribuda ao dramaturgo americano Wilson Mizner (1876-

    1933): Quando se rouba de um autor, chama-se plgio. Quando se rouba de muitos,

    chama-se pesquisa. bvio que no concordamos com a segunda frase de Mizner.

    Toda pesquisa sria contm citaes. E o ato de citar corretamente no se confunde

    com roubo.

    A Internet, sem dvida, potencializa a incidncia do plgio. Contudo, preciso

    advertir: a proliferao da desonestidade intelectual nas universidades brasileiras

    no culpa da Internet, poderosssima mquina facilitadora da cpia. Culp-la

    interpretar estreitamente o problema. O responsvel por essa grave crise tica ,

    obviamente, o prprio ser humano. No pode a rede mundial de computadores ser

    tachada como vil, at porque ela configura importante instrumento de pesquisa

    acadmica e tende a ser cada vez mais valorizada na Sociedade da Informao em

    que vivemos.

    O comrcio de monografias de graduao, dissertaes de mestrado e teses de

    doutorado um problema, fundamentalmente, de ordem tica. No somente com-

    prar, como tambm vender trabalhos acadmicos, configura conduta antitica.

    H professores universitrios que se transformaram em verdadeiros empresrios

    desse ofcio, como denuncia matria publicada na Folha de S. Paulo:

    Os empresrios das monografias, como so conhecidos, espa-

    lham seus anncios pela internet. Em apenas uma pesquisa em um

    site de busca da rede foram encontradas mais de 200 pginas fa-

    zendo ofertas para facilitar a vida do estudante que muito

    ocupado, que trabalha muito e que no quer se estressar

    com um trabalho acadmico, de acordo com os prprios anncios

    das pginas [...].

    Nas mensagens enviadas pela reportagem foram pedidos ora-

    mentos para a elaborao de uma dissertao de mestrado, com

    120 pginas, e para uma tese de doutorado, com 250 pginas. Para

    Rodrigo Moraes

  • 99Dilogospossveis

    fazer o trabalho de um futuro mestre, o valor ficou entre R$ 600 e

    R$ 1.200. O trabalho de um doutorando varia de R$ 1.000 a R$

    4.000.

    Os empresrios, que se identificam como ex-professores uni-

    versitrios, advogados experientes e at juzes aposentados, pro-

    pem-se a elaborar todas as fases do trabalho. O aluno no precisa

    se preocupar nem com a escolha de uma bibliografia. Caso o tema

    no esteja bem definido, tambm no h problema os donos do

    negcio fazem isso (MARQUES, 2002, p. C1).

    Inmeros sites oferecem esse servio, tais como www.monografiapronta.cjb.net

    e www.trabalhosprontos.com.

    Importante ressaltar um gravssimo plgio sofrido pelo jurista baiano Paulo de

    Souza Queiroz, Procurador da Repblica e Professor de Direito Penal. Tal episdio foi

    amplamente noticiado por jornais impressos de grande circulao do pas. O livro

    Teoria Constitucional do Direito Penal, de um penalista de So Paulo, continha cpia

    de cerca de trinta e oito pginas de um trabalho acadmico do autor baiano, que

    denunciou imprensa a fraude.

    O penalista-plagirio, ento coordenador editorial de uma das mais respeitadas

    editoras jurdicas do pas, recebeu, em 1998, originais de uma obra de Paulo Queiroz,

    a fim de apreci-los para uma eventual publicao. Esta no se efetivou, sob o argu-

    mento de que a obra era comercialmente invivel. A verdade que a obra era

    perfeitamente vivel sob o ponto de vista comercial, e de invejvel qualidade acad-

    mica.

    O plagirio, professor paulista de Direito Penal, teve todos os exemplares de sua

    obra fraudulenta retirados de circulao, e ainda pagou uma indenizao por danos

    morais e patrimoniais ao procurador baiano.

    Vale registrar outro caso de plgio sofrido por um professor baiano. Edivaldo M.

    Boaventura (2003, p. 10) relata j ter sido vtima dessa fraude. In verbis:

    Publicando Ordenamento de idias, na Bahia, encontrei a

    repetio exata de trechos e de exemplos em um livro de

    metodologia editado no Rio Grande do Sul. Talvez por ser Salvador

    distante, o autor pensou que no seria descoberta a cpia de um

    livro editado. No fez nenhuma referncia ao meu trabalho, con-

    tudo citou um dos autores mencionados na bibliografia, Jean

    Rodrigo Moraes

  • 100 Dilogospossveis

    Guitton, e assim deu-me a pista do plgio. Na segunda edio, re-

    tirou a parte reproduzida ilegalmente. Por sua vez, com as sucessi-

    vas edies de Como ordenar as idias, pela tica, nacionalizou-

    se o meu ensaio, dificultando o plgio. A edio por editora conhe-

    cida penso que dificulta a reproduo ilegal. mais uma defesa da

    autoria.

    As sanes civis ao plgio

    O art. 46, III, da LDA afirma que no constitui ofensa aos direitos autorais a

    citao em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicao, de qual-

    quer obra, para fins de estudo, crtica ou polmica, na medida justificada para o fim

    a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra (grifo nosso).

    Segundo o art. 24, II, da LDA, direito moral do autor o de ter seu nome, pseud-

    nimo ou sinal convencional indicado ou anunciado como sendo o do autor, na utiliza-

    o de sua obra. Esse direito inalienvel e irrenuncivel, ou seja, no pode ser

    vendido ou renunciado (LDA art. 27). O autor cuja obra seja plagiada poder requerer

    a apreenso dos exemplares reproduzidos, sem prejuzo da indenizao cabvel (LDA,

    art. 102).

    O art. 108, II, da LDA ainda prev as seguintes sanes para a hiptese de

    descumprimento do dever de citar:

    Art. 108. Quem na utilizao, por qualquer modalidade, de obra

    intelectual, deixar de indicar ou de anunciar, como tal o nome,

    pseudnimo ou sinal convencional do autor e do intrprete, alm

    de responder por danos morais, est obrigado a divulgar-lhes a

    identidade da seguinte forma:

    II - tratando-se de publicao grfica ou fonogrfica, mediante

    incluso de errata nos exemplares ainda no distribudos, sem

    prejuzo de comunicao, com destaque, por trs vezes consecuti-

    vas, em jornal de grande circulao, dos domiclios do autor, do

    intrprete e do editor ou produtor.

    Citar, portanto, no somente uma questo de ordem tica, mas um dever jurdi-

    co que gera sanes no caso de descumprimento.

    Rodrigo Moraes

  • 101Dilogospossveis

    Como se proteger dos plagirios: a importncia do registro

    Perante a lei autoral, seria o autor de um artigo, de uma monografia, dissertao

    ou tese sempre aquele que primeiro efetuou o registro? A resposta negativa, embo-

    ra muitos ainda acreditem no contrrio. O autor de uma obra literria, artstica ou

    cientfica aquele que realmente a concebeu. Portanto, o registro no tem natureza

    constitutiva, no atribui a autoria, no garante a paternidade. Tem efeito apenas

    declarativo.

    O criador intelectual no precisa, obrigatoriamente, registrar sua obra para ter os

    seus direitos morais e patrimoniais assegurados. O direito nasce com a criao e no

    com o registro, que consiste apenas em uma prova juris tantum, ou seja, estabelece

    uma presuno de anterioridade, mas que pode ser derrubada por outras provas. A

    autoria pertence, at que se prove o contrrio, a quem registrou a obra. Mas ela pode

    ser reivindicada a qualquer momento pelo seu verdadeiro criador.

    No Brasil, desde 1917, ou seja, desde a entrada em vigor do Cdigo Civil de 1916,

    o registro de obra facultativo. Vale dizer que, na vigncia da Lei n 496, de 1 de

    agosto de 1898, denominada Medeiros e Albuquerque, o registro era obrigatrio. A

    atual LDA, em seu artigo 18, confirmando a sistemtica de liberalidade do registro,

    afirma expressamente: Art. 18. A proteo aos direitos de que trata esta Lei independe

    de registro.

    importante observar que essa liberalidade nasceu para beneficiar o autor. Caso

    contrrio, nenhum compositor teria mais coragem de cantar uma msica indita (e

    no registrada) para algum desconhecido, com medo de v-lo registr-la logo em

    seguida, tornando-se, legalmente, o autor. Ainda assim, recomendvel que todos os

    artistas, acadmicos e demais criadores intelectuais registrem suas obras. Existe uma

    frase, atribuda a Sinh, que diz o seguinte: Samba como passarinho: de quem

    pegar. Na tcnica jurdica, essa frase est equivocada. Na prtica, contudo, o regis-

    tro de uma obra pode adquirir suma importncia numa ao judicial. Por isso, mesmo

    sendo o registro expressamente facultativo pela LDA, importante que os autores se

    articulem no sentido de protegerem suas obras dos plagiadores.

    No existe, no Direito Autoral, o exame de DNA com eficcia de 99,999%, utilizado

    no Direito de Famlia na Ao de Investigao de Paternidade. As provas, no campo

    autoral, para se averiguar quem o verdadeiro pai, so, muitas vezes, insuficientes

    e imprecisas. Certamente uma batalha judicial poder acarretar bastante desgaste

    para o verdadeiro autor. bom lembrar que o nosso Poder Judicirio ainda precrio

    e moroso. Prevenir, ou melhor, registrar, , sem dvida, a melhor opo. D segurana

    Rodrigo Moraes

  • 102 Dilogospossveis

    ao autor e contribui para preservar a memria da nao, a histria da criatividade do

    povo.

    Onde registrar?

    Facultativo, mas nem por isso desimportante, resta saber, finalmente, quais os

    rgos competentes para solicitar o registro. A LDA-98, conforme disposio do art.

    115, revogou a antiga (Lei n. 5.988, de 14 de dezembro de 1973), excetuando-se o art.

    17 e seus pargrafos 1 e 2, no mais especificando no prprio texto legal os rgos

    competentes para registrar uma obra. Pecou nesse particular.

    O art. 19 da nova LDA contm grave impreciso de tcnica legislativa quando

    simplesmente afirma que facultado ao autor registrar a sua obra no rgo pblico

    definido no caput e no 1o do art. 17 da Lei n. 5.988, de 14 de dezembro de 1973. No

    faz sentido algum a atual LDA remeter essa preciosa informao a uma lei j revogada.

    Por que a nova LDA tambm no elencou expressamente as entidades competentes

    para o registro? Essa falha legislativa vem rendendo ensejo desinformao. Qual-

    quer pessoa se v obrigada a consultar a Lei n. 5.988/73, revogada, e, portanto, de

    difcil acesso.

    O ideal seria a criao de uma espcie de Central de Registro, a unificao em um

    s rgo responsvel, visto o enorme interesse pblico que h na questo. A atual

    sistemtica, que comporta diversas entidades, alm de ser desorganizada, no ofere-

    ce uma fiscalizao eficaz, pois, por incrvel que parea, permite a possibilidade do

    registro em mais de uma delas. Conseqentemente, a fraude.

    Em se tratando do registro de monografias, dissertaes e teses, o rgo compe-

    tente, segundo a LDA, o Escritrio de Direitos Autorais da Fundao Biblioteca

    Nacional (EDA/BN). A cidade do Salvador possui uma representao desse escritrio,

    que est presente em quatorze capitais do pas.

    possvel usar a internet para detectar o plgio. O professor universitrio deve,

    logo no incio do semestre ou ano letivo, comentar sobre a gravidade da desonestidade

    intelectual, alertando (melhor que seja por escrito) sobre quais punies podem ocor-

    rer caso seja detectado algum tipo de plgio. De qualquer sorte, caso o professor

    suspeite de que algum trabalho apresentado seja fraude, uma consulta a sites como o

    www.google.com poder servir como eficiente antdoto contra a desonestidade inte-

    lectual. Se o professor ou orientador colocar, no campo de procura do site, frase ou

    pargrafo de um trabalho suspeito de plgio, possvel ser encontrada a origem da

    obra.

    Rodrigo Moraes

  • 103Dilogospossveis

    Universidades norte-americanas vm adotando sistemas de preveno ao plgio na

    Internet, a exemplo do Turnitin (www.turnitin.com). Vislumbramos que, dentro de

    poucos anos, este servio preventivo ser utilizado por universidades do mundo intei-

    ro. A desonestidade intelectual no pode ser tolerada, sob pena de triunfo da imora-

    lidade.

    A atual norma da ABNT referente a citaes (NBR 10.520: 2002)

    Expostas as razes ticas e jurdicas do ato de citar, o porqu de tal ofcio, resta

    saber quais os meios (instrumentos) corretos para sua efetivao. Vale ainda afirmar

    que existe uma funo social na atividade padronizadora da Associao Brasileira de

    Normas Tcnicas. Segundo Naomar de Almeida Filho, Reitor da UFBA, em sua apresen-

    tao ao Manual de Estilo Acadmico, de Ndia M. L. Lubisco e Snia Chagas Vieira

    (2003), no caso especfico dos sistemas de citao e referncia bibliogrfica, a pa-

    dronizao de regras facilita a identificao de autores e obras, viabilizando a locali-

    zao das fontes primrias. Um trabalho corretamente normalizado atende a esse

    propsito. Passemos, ento, a enfrentar, ainda que de forma breve, a recente norma

    da ABNT sobre citaes (NBR 10.520: 2002).

    A citao pode ser classificada como direta ou indireta. direta quando ocorre

    uma transcrio textual (ipis litteris) de uma informao extrada de outro autor.

    Oportuno advertir que a transcrio deve ser ao p da letra, fiel ao texto original,

    devendo, inclusive, respeitar seus eventuais erros gramaticais ou de informao. Nes-

    sa hiptese, coloca-se imediatamente aps o erro, entre colchetes, a expresso lati-

    na sic (que quer dizer assim mesmo, tal qual). Recomenda-se, depois de feita

    uma transcrio, que o pesquisador a confronte com o texto original, a fim de buscar

    eventuais falhas.

    A razo desse zelo pela fidelidade ao texto original deve-se ao fato de que todo

    autor possui o direito moral integridade de sua obra, disposto no art. 24, III, da

    atual LDA. direito moral do autor o de assegurar a integridade da obra, opondo-se

    a quaisquer modificaes ou prtica de atos que, de qualquer forma, possam

    prejudic-lo ou atingi-lo, como autor, em sua reputao ou honra.

    E se o texto que se pretende citar for bastante antigo e estiver desatualizado em

    relao s atuais regras ortogrficas? A transcrio deve ser fidedigna? A LDA brasilei-

    ra omite-se em relao a isso.

    Contudo, o atual Cdigo do Direito de Autor e dos Direitos Conexos de Portugal, em

    seu art. 93, afirma: Salvo por opo ortogrfica de carcter esttico do autor, no

    Rodrigo Moraes

  • 104 Dilogospossveis

    se considera modificao a actualizao ortogrfica do texto em harmonia com as

    regras oficiais vigentes. Em Portugal, portanto, no se considera modificao a atu-

    alizao ortogrfica do texto, salvo se o autor se opuser por opo esttica.

    Seguindo esse mesmo raciocnio, consideramos que uma editora, ao fazer as devi-

    das adaptaes de um texto s normas da ABNT, sem alterar em nada o seu contedo,

    no fere o direito moral do autor integridade da obra. As normas da ABNT represen-

    tam uma moldura. O contedo (a tela) que no pode ser modificado sem autoriza-

    o expressa do autor.

    Outro pertinente aspecto: um texto em lngua estrangeira deve ser citado com

    traduo? Os manuais de metodologia da pesquisa recomendam que sim. Mas, aps o

    texto traduzido, deve-se incluir, entre parnteses, a expresso traduo nossa. Os

    manuais recomendam que o texto original, em lngua estrangeira, seja tambm apre-

    sentado, para que o leitor possa fazer a sua prpria comparao.

    A citao direta, em se tratando do seu tamanho, pode ser curta ou longa.

    considerada curta quando tiver at trs linhas. Nesse caso, deve estar contida entre

    aspas duplas e inserida no mesmo pargrafo do texto. importante frisar: no se cria

    novo pargrafo em citaes curtas. A citao direta considerada longa quando tiver

    mais de trs linhas. Sendo assim, deve ser feita em pargrafo distinto, com recuo de

    4cm da margem esquerda e letra menor que a utilizada no texto, sem o uso de aspas.

    Se o texto estiver escrito em fonte Times New Roman, tamanho 12, a citao longa

    dever ocorrer em tamanho 10.

    A citao indireta quando ocorre transcrio livre (parfrase). Cita-se uma idia

    original de outro autor utilizando outras palavras, reestruturando o texto. Ou seja, o

    conceito original mantido, ainda que com nova roupagem fraseolgica. Da tambm

    se chamar esse tipo de citao de conceptual. Os manuais incentivam o uso da par-

    frase. Segundo Joo Bosco Medeiros (2003, p. 186), transcrever quando possvel

    parafrasear pode revelar incria, desleixo, negligncia da parte do pesquisador. O

    trabalho cientfico no pode reduzir-se a uma colcha de retalhos, a um amontoado de

    transcries diretas.

    Vale advertir que a citao da citao (representada pela expresso latina apud,

    que quer dizer citado por) deve ser evitada ao mximo. As fontes primrias (de

    primeira mo) devem ser priorizadas. Isso porque a informao, como a gua, mais

    pura quanto mais prxima estiver da fonte (BURKE, 2003, p. 185).

    Nesse sentido, adverte Edivaldo M. Boaventura (2004, p. 81) que o mais indicado

    ir ao original. Buscar sempre as fontes primrias, originais, coevas [contemporne-

    as] aos eventos histricos uma regra importante na metodologia da pesquisa capaz

    Rodrigo Moraes

  • 105Dilogospossveis

    de garantir cientificidade ao estudo desenvolvido. Fontes secundrias, de segunda

    mo, no possuem a mesma credibilidade, devendo ser evitadas ao mximo.

    Ao se buscar a fonte primria deve o pesquisador procurar a sua edio mais

    atualizada, tendo em vista que o autor pode ter mudado sua opinio a respeito do

    tema. Fazer uma citao utilizando edies no atualizadas correr srio risco de

    mencionar opinio j superada pelo autor, que, com base na LDA (art. 24, V), tem o

    direito moral de modificar a obra, antes ou depois de utilizada.

    Existem dois sistemas de chamada para citao de fontes: o sistema autor-data

    (citao no prprio texto) e o sistema numrico (citao em notas de rodap). Deve-

    se optar por um ou outro e utiliz-lo ao longo de todo o trabalho. No possvel,

    portanto, uma utilizao simultnea de ambos os sistemas.

    O presente artigo, como se observa, preferiu utilizar o sistema autor-data, tam-

    bm chamado alfabtico. A indicao feita pelo sobrenome de cada autor ou pelo

    nome de cada entidade responsvel at o primeiro sinal de pontuao, seguido(s) da

    data da publicao do documento e da(s) pgina(s) da citao, no caso de citao

    direta, separada por vrgula e entre parnteses (NBR 10520:2002). No caso de o

    nome do autor se encontrar no texto, indica-se, entre parnteses, apenas a data,

    seguida da indicao da pgina, se for o caso. Na citao indireta, por vezes, bastar

    a indicao do ano.

    Em se tratando do sistema numrico, importante regra que, na primeira citao

    de uma determinada obra, a nota de rodap deve conter sua referncia completa. Da

    segunda citao em diante, utilizamos, nas notas de rodap, as seguintes expresses

    em latim: a) Idem ou Id. (do mesmo autor); b) Ibidem ou Ibid. (da mesma obra); c)

    Opus citatum ou op. cit. (obra citada); d) Passim (aqui e ali, em diversas passagens);

    e) Loco citato ou loc. cit. (no lugar citado); f) Cf. (confira); g) Sequentia ou et seq.

    (seguinte ou que se segue); i) Apud (citado por).

    A expresso apud pode ser tambm utilizada no sistema autor-data, mas, como j

    dissemos, deve ser evitada ao mximo pelo pesquisador. As fontes primrias devem

    ser valorizadas.

    Por fim, seja a citao direta ou indireta, ela deve ser evitada na introduo e

    concluso de uma monografia, dissertao ou tese. E o bvio, ou seja, aquilo que de

    conhecimento geral de todos, no deve ser citado. Noes universalmente aceitas

    podem ser ditas sem referncia a um autor especfico. Os manuais de metodologia

    trazem essas recomendaes.

    Rodrigo Moraes

  • 106 Dilogospossveis

    O correto uso das parfrases

    Parafrasear significa dizer sua maneira um pensamento original de outro autor. A

    vigente LDA permite, com certa limitao, o uso de parfrases. In verbis: Art. 47.

    So livres as parfrases e pardias que no forem verdadeiras reprodues da obra

    originria nem lhe implicarem descrdito.

    Interpretando literalmente esse artigo, observa-se que a condio para que a pa-

    rfrase seja lcita que no haja verdadeira reproduo da obra original. Umberto

    Eco (2000, p. 128) faz uma precisa advertncia sobre o correto uso das parfrases.

    Segundo o autor italiano, preciso no confundir parfrase honesta com falsa par-

    frase (citao sem aspas), que constitui uma modalidade de plgio. In verbis:

    Essa forma de plgio assaz comum nas teses. O estudante fica

    com a conscincia tranqila porque informa, antes ou depois, em

    nota de rodap, que est se referindo quele autor. Mas o leitor

    que, por acaso, percebe na pgina no uma parfrase do texto

    original, mas uma verdadeira cpia sem aspas, pode tirar da uma

    pssima impresso. E isto no diz respeito apenas ao orientador,

    mas a quem quer que posteriormente estude a sua tese, para

    public-la ou para avaliar sua competncia.

    Como ter certeza de que uma parfrase no um plgio?

    Antes de tudo, se for muito mais curta do que o original, claro.

    Mas h casos em que o autor diz coisas de grande contedo numa

    frase ou perodo curtssimo, de sorte que a parfrase deve ser muito

    mais longa do que o trecho original. Neste caso, no se deve preo-

    cupar doentiamente em nunca colocar as mesmas palavras, pois s

    vezes inevitvel ou mesmo til que certos termos permaneam

    imutveis. A prova mais cabal dada quando conseguimos para-

    frasear o texto sem t-lo diante dos olhos, significando que no

    s o copiamos como o entendemos (grifos nossos).

    Joo Bosco Medeiros (2003, p. 184), por fim, pondera ainda sobre o correto uso da

    parfrase, que no pode se transformar num pasticho, numa mera substituio de

    vocbulos, que muito pouco contribui para o esclarecimento das idias originais. No

    se pode trocar seis por meia dzia e chamar isso de parfrase.

    Rodrigo Moraes

  • 107Dilogospossveis

    Concluses

    guisa de concluso, trazemos, de forma sistemtica, os dez principais pontos

    desenvolvidos no presente artigo:

    1) O Direito Autoral, infelizmente, ainda est margem dos currculos da esmaga-

    dora maioria das Faculdades de Direito do pas, o que potencializa a desinformao e

    o desrespeito propriedade intelectual.

    2) J se tem notcia de sanes morais ao plgio desde a Antigidade, mas a disci-

    plina legal da matria autoral surgiu visando proteo de interesses meramente

    econmicos de grupos editoriais. A questo econmica pesou mais do que a questo

    tica.

    3) O plgio a imitao fraudulenta de obras intelectuais, ocorrendo verdadeiro

    atentado aos direitos morais do autor: tanto paternidade quanto integridade de

    sua criao.

    4) No h critrios objetivos para se caracterizar o plgio, devendo o julgador

    decidir a incidncia a partir da casustica, ou seja, da anlise de cada caso concreto

    que lhe apresentado.

    5) No existe plgio de idias em si, tendo em vista que o Direito Autoral protege

    to-somente a forma que se d s idias.

    6) O comrcio de monografias de graduao, dissertaes de mestrado e teses de

    doutorado um problema, sobretudo, de ordem tica, que merece ser energicamen-

    te repelido pela sociedade em geral.

    7) O registro de uma obra protegida pelo Direito Autoral facultativo. No atribui

    a autoria, no garante a paternidade. apenas uma presuno juris tantum, que

    pode ser derrubada em juzo. Mesmo assim, vale a pena efetu-lo, para se prevenir de

    eventuais plagiadores.

    8) A norma padronizadora da ABNT referente a citaes (NBR 10.520:2002) possui

    tambm uma funo social: facilitar o preciso acesso s fontes primrias.

    Rodrigo Moraes

  • 108 Dilogospossveis

    9) A citao pode ser direta (literal) ou indireta (parfrase); no prprio texto (sis-

    tema autor-data) ou em notas de roda-p (sistema numrico). Deve-se evitar, ao

    mximo, a citao da citao (apud), devendo ser priorizadas as fontes primrias,

    que possuem maior credibilidade.

    10) preciso estar atento ao correto uso de uma parfrase. Para que ela seja lcita

    e no constitua modalidade de plgio, preciso que no haja verdadeira reproduo

    da obra original.

    Tolerar o plgio acadmico aniquilar o incentivo produo intelectual. Permitir

    o triunfo da fraude. Desincentivar a criatividade. Desestimular o autor. Destruir o

    sonho de o Brasil ocupar uma posio de destaque na produo artstica e cientfica

    mundial.

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    Rodrigo Moraes

  • 109Dilogospossveis

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    Rodrigo Moraes