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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPECAMPUS ACADÊMICO DO AGRESTE – CAA

NÚCLEO DE DESIGN

Anna Paula da Silva

O MÓVELDEMOCRÁTICOUma Análise Acerca Das Propostas De Designers Brasileiros Adeptos

Aos Ideais Do “Design Para Todos”.

CARUARU - 2014

Anna Paula da Silva

CARUARU - 2014

Monografia apresentada à Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico do Agreste, como pré-requisito para conclusão do curso de bacharel em Design. Sob a orientação do Prof. Ms. Antônio de O. Filho.

O MÓVEL DEMOCRÁTICO:UMA ANáLISE ACERCA DAS PROPOSTAS DE DESIGNERS BRA-SILEIROS ADEPTOS AOS IDEAIS DO “DESIGN PARA TODOS”.

Catalogação na fonte: Bibliotecária – Paula Silva CRB/4-1223

S586m Silva, Anna Paula da.

O móvel democrático: uma análise acerca das propostas de designers brasileiros adeptos aos ideais do “design para todos”. / Anna Paula da Silva. – Caruaru, 2014.

118 f., il.; 30 cm. Orientador: Antônio de Oliveira Filho. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Universidade Federal de

Pernambuco, CAA, Design, 2014. Inclui referências. 1. Design - Móveis. 2. Designers - Brasil. 3. Mobiliário - Brasil. 4. Design social. I.

Oliveira Filho, Antônio de (Orientador). II. Título.

740 CDD (23. ed.) UFPE (CAA 2014-119)

AGRADECIMENTOS

Eu não poderia ter escrito essa monografia sem o auxílio e apoio de grandes pessoas. A primeira delas é Maria da Silva, minha mãe, com quem aprendi que não importam as circunstâncias em que você se encontra, sempre vale a pena lutar por um sonho. Dedico a ela toda a admiração que uma filha pode ter, diante de uma mulher forte, decidida e dedicada, que não mede esforços para que sua filha alcance seus objetivos e seja feliz. A mãe que largou tudo o que construiu, praticamente sozinha, para me acompanhar, guiar e apoiar em cada momento dessa etapa de vida.

Ao meu orientador, Antônio de Oliveira, que tive a sorte de ter como mentor neste processo, obrigada por toda paciência e dedicação. Por me mostrar os melhores ca-minhos para concretizar minhas ideias, nem sempre simples, diga-se de passagem. E por me ensinar a apreciar melhor e amar a profissão que escolhi. Talvez não consiga expressar em um texto toda minha admiração e carinho.

A todos os demais professores que me guiaram durante o curso, em especial aos amados Eduardo Romero e Luciana Lopes, que se fizeram sempre tão próximos e amigos. Tenho por vocês um enorme carinho, espero que saibam o quanto sentirei falta do nosso convívio semanal. Obrigada por todas as histórias compartilhadas e sorrisos que colocaram no meu rosto.

A minha querida madrinha Fabiana Júlia, que sempre me incentivou no caminho aca-dêmico. Obrigada por ser aquele tipo de professor inesquecível, cujo convívio cons-tante e as aulas fazem falta.

Aos meus queridos amigos e companheiros de jornada na UFPE/CAA. Aline, Aninha, Suelma, Débora e Iara por todo o incentivo. À Bianca, por esses meses trocando ideias e fortalecendo uma a outra. Ao pessoal do Fotolab e Usina, pelo companheiris-mo e compreensão nesse último semestre. Aos demais, levaria muitas páginas para agradecê-los um por um, mas me restringirei a descrever quão indispensáveis foram neste processo. Certamente, esta Universidade me trouxe amigos para a vida.

Por fim, o mais importante de todos, Deus. Parece clichê citá-lo em agradecimentos, mas nenhuma dessas pessoas teria entrado na minha vida se não fosse por intermé-dio Dele. É impossível não admitir que a cada segundo de impaciência, alguma força me manteve firme ao longo desses anos de curso, sempre me lembrando quais são os meus sonhos, e que Design foi a profissão que escolhi para amar. Então encerro agradecendo a Deus por toda compaixão comigo, por cada plano bem bolado no de-correr da minha vida e por cada pessoa que Ele escolheu para me acompanhar nessa jornada.

“Sem um elemento utópico, não será possível construir um mundo diferente e resta-ria apenas um desejo piedoso e etéreo sem maiores consequências.”

(Gui Bonsiepe)

Figura 1: Cadeira de cordas dos irmãos Campana.Divulgação - Editora Olhares A fotografia é capa do livro Design Brasileiro Contemporâneo – Cadeiras, Poltronas, Bancos, produzido por Marcelo Vasconcellos e Zanini de Zanine. A poltrona faz parte da coleção Edra de 1998 e é considerada um dos ícones do design de móveis brasileiro. [CASA.ABRIL.COM.BR]

RESUMO ABSTRACT

Partindo do pressuposto que atualmente móveis assinados por profissionais de de-sign no Brasil são, em sua maioria, con-sumidos por uma camada minoritária da população, financeiramente privilegiadas, o presente trabalho reúne uma amostra de designers e empresas do ramo, adep-tas ao ideal de “design para todos”, ou seja, acessível à população em massa, situados entre o período de 1940 à 2014. A pesquisa foi guiada com o objetivo de entender quais os processos usados por estes profissionais para tornar legítimos os seus discursos, observando os con-textos históricos, os métodos escolhidos para a produção das peças, a forma de implantação no mercado e sua receptivi-dade por parte do público almejado. Tais registros foram submetidos à uma análise comparativa e resultaram em um conjun-to de gráficos que ilustram as principais diretrizes projetuais usadas pela amostra escolhida, de modo que possa auxiliar futuras aplicações práticas em mobiliário com o tema proposto.

Palavras chave: Design brasileiro, mobiliário, design democrático.

Assuming that currently furniture’s de-signed by designers are mostly consumed by a minority segment of the population, financially privileged, this paper brings to-gether a sampling of designers and com-panies in the industry, adept at ideal of “design for all”, in other words, accessible to the population mass, situated between the period 1940 to 2014. The research was guided in order to understand what processes used by these professionals to legitimize his speeches, noting the his-torical contexts, the methods chosen for the production of parts, how to market de-ployment and its acceptability by the pub-lic desired. Those records were subjected to a comparative analysis and resulted in a set of graphics that illustrate the main guidelines used by the sample chosen, so that future can assist practices in furniture with the theme applications.

Keywords: Brazilian design, furniture, democratic design.

lISTA DE fIGURAS

Descrição Página

Figura 1: Cadeira de cordas dos irmãos Campana. 10Figura 2: Poltrona Mole de Sérgio Rodrigues 18Figura 3: O apresentador Zeca Camargo durante gravação do “Vídeo Show”. 19Figura 4: Catálogo da IKEA de 1951 26Figura 5: Poltrona SERIE UP 2000 de Gaetano Pesce. 28Figura 6: Um ato de equilíbrio com Thonet de 1920 32Figura 7: Mecanismo em um Sofá-cama em 1868. 33Figura 8: Fotografia de William Morris, 1884. 34Figura 9: Imagens do Catálogo de Móveis e Decoração de interiores da Morris and Company.

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Figura 10: Henry van de Velde, cerca de 1908. 35Figura 11: A Bauhaus Building em Dessau, Alemanha. 35Figura 12: Wilhelm Wagenfeld. 35Figura 13: Recipientes de vidro de Wilhelm Wagenfeld para a Lausitzer. 35Figura 14: Michael Thonet e seus produtos. 36Figura 15: Primeira formação da Gebrüder Thonet. 37Figura 16: Sala de jantar com cadeiras Thonet. 37Figura 17: Performance com a Thonet nº14 da cantora americana Beyonce. 37Figura 18: Pablo Picasso em sua cadeira de balanço Thonet. 37Figura 19: Resultados do grupo IKEA entre 2009 e 2013 em milhões de Euros. 38Figura 20: Catálogo da Ikea 2014. 38Figura 21: Fachada da Ikea na Europa. 38Figura 22: Ingvar Kamprad, fundador da IKEA. 38Figura 23: Obra “Sábio trabalhando em seu gabinete” (1827) de Jean-Baptiste Debret. 40Figura 24: Móvel tipo contador. 41Figura 25: Cama Patente. Croquis não assinado, datada de 1918. 42Figura 26: Publicidade da Cama Patente. 42Figura 27: Publicidade da Cama Patente. 42Figura 28: Cama Patente, de 1915. 42Figura 29: Campanha Torcida da Oppa no Facebook. 44Figura 30: Página da revista Casa Cláudia, maio 2013. 46Figura 31: Poltrona Pelicano. 48Figura 32: Michel Arnoult. 49

Figura 33: Stand da Mobília Contemporânea na Occa. 50Figura 34: Folheto da poltrona Peg Lev de 1972. 51Figura 35: Poltrona Ouro Preto, 1964. 53Figura 36: Ambiente com a estante UL MF 710. 54Figura 37 : Auto retrato de Geraldo de Barros,1965. 55Figura 38: Marca da Unilabor. 56Figura 39: Parte do grupo inicial da Unilabor. 56Figura 40: Oficina de usinagem e montagem de peças, c.1957. 56Figura 41: Estante MF 710. 56Figura 42: Configurações das estantes da Unilabor. 57Figura 43: Buffet modelo 4005. 58Figura 44: Anuncio da Hobjeto. 59Figura 45: Ambiente montado para anuncio da Hobjeto. 59Figura 46: Anuários de jornal da Hobjeto. 59Figura 47: Cadeira Bowl. 62Figura 48: Lina Bo Bard em Kamakura, no Japão, 1978. 63Figura 49: Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi, em 1947. 64Figura 50: Lina e suas cadeira empilháveis do MASP. 65Figura 51: Alguns de skeches de Lina. 65Figura 52: Bancos X. 66Figura 53: Zanine Caldas. 67Figura 54: Interior de residência com móveis de Zanine. 68Figura 55: mesa projetada por Zanine Caldas. 69Figura 56: Poltrona Z Bum. 69Figura 57: Poltrona N. 69Figura 58: Poltrona H 70Figura 59: Namoradeira Tête-à-Tête. 70Figura 60: Ambiente montando com móveis de Fernando Jaeger. 72Figura 61: Fernando Jaeger. 73Figura 62: Releitura da Cama Patente, 74Figura 64: Cadeira Iaiá. 75Figura 63: Cadeira Donna com Bracos. 75Figura 65: Parte da fachada da loja de Fernando Jaeger em Laranjeiras. 76Figura 66: Ambiente da loja de Fernando Jaeger em Laranjeiras. 76Figura 67: Imagem da loja de Fernando Jaeger em Vila Pompéia. 76

Figura 68: Loja de Fernando Jaeger em Moema. 76Figura 69: Sala bar de Marcella Bacellar e Renata Lemos. 78Figura 70: Logo do evento. 79Figura 71: Sabrina, Sandro e Lígia Schuback. 80Figura 72: Divulgação do evento em Curitiba (2011) 81Figura 73: O high low. 81Figura 74: Ambiente Morar Mais, Rio 2012 82Figura 75: Representação de brasilidade na Morar Mais. 82Figura 76: Max Reichel, criador e CEO da empresa Oppa, no showroom da Vila Madalena (SP)

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Figura 77: Logo da loja. 85Figura 78: Imagem do site em 26 de julho de 2014. 86Figura 79: Arara Nômade de André Pedrini e Ricardo Freisleben. 87Figura 80: Aba no site Como trabalhamos. 88Figura 81: Divulgação Oppa. 88Figura 82: Imagens de divulgação dos produtos Oppa. 88Figura 83: Poltrona Bump. 88Figura 84: Rack Masp. 88Figura 85: Ambiente com produtos da Oppa. 88Figura 86: Cadeira Uma, versão desenvolvida para a marca Farm. 91Figura 87: Cadeira Uma. 91Figura 88: Fabricação de parte da Cadeira Thonet nº 14. 92Figura 89: Cadeira Kraus. 101Figura 90: Cadeira Moneli preta. 101Figura 91: Cadeira Donna Escritório. 101

SUMÁRIO

182324262933414549556367737983939599

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Introdução

Metodologia

PARTE 2: Eles fizeram a diferença no Brasil

2.1 Michel Arnoult

2.2 Geraldo de Barros

2.3 lina Bo Barde

2.4 Zanine Caldas

2.5 fernando Jaeguer

2.6 Morar Mais

2.7 Oppa

Considerações Finais

Bibliografia

PARTE 3: Então, como nasce um móvel Democrático?

PARTE 1: Por um móvel Democrático

Objetivo Geral

3.1 Primeira Geração: 1940 à 1980

3.2 Segunda Geração: 1980 à 2014

3.3 Comparando Afinidades

1.1 Um Móvel Pop

1.2 Os Pioneiros do Design Democrático Pelo Mundo

1.3 O Móvel Democrático no Brasil Antes do Boom do Design

Figura 2: Poltrona Mole de Sérgio Rodrigues[bossame.com.br]

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INTRODUçãO

O presente trabalho propõe uma análise sobre algumas das iniciativas de profis-sionais que manifestaram o desejo de expandir o móvel de design para as mas-sas populacionais, ao longo da história do mobiliário no Brasil.

Os registros aqui apresentados demos-tram uma preocupação com a comer-cialização de um produto que expresse o valor do design como um propulsor de soluções inteligentes, ou seja, que agre-gue os valores simbólicos e funcionais, introduzindo-os em peças que possam ser acessíveis a população em relação a preços.

Esse tipo de atividade foi classificada como “Design democrático” ou “Design para todos” e pretende atender um públi-

co que, com passar das décadas, viu seu poder de consumo aumentar e, por con-sequência, se tornaram mais exigentes em termos de qualidade e estética.

São pessoas cuja renda familiar ainda os classifica como massas, mas que isso não elimina o fato que eles estão em bus-ca de mais do que simplesmente uma moradia, seus anseios passam também por um estilo de morar, onde os produtos em sua casa sejam reflexos de quem são e como vivem. Contudo as peças de mo-biliário apresentadas a elas nem sempre estão de acordo com essa realidade.

Para sanar tais necessidades, várias fo-ram as iniciativas ao longo da história que propuseram soluções voltadas para esse público, e algumas delas estão reunidas neste trabalho, principalmente as que se passaram no Brasil entre 1940 a 2014.

A pesquisa se deu em duas etapas: a fundamentação teórica e a análise com-parativa de dados, ambas estão divididas em três partes. A primeira delas, POR UM MÓVEL DEMOCRÁTICO, pretende mos-trar alguns exemplos históricos de mani-festações do tema. Para isso é subdividi-da em outras três partes: Em Um Móvel Pop, é proposto uma justificativa para o uso da expressão democracia em design, assim como uma breve imersão nos ar-quétipos implantados no que se classifica como “popular”; Logo após, Os Pionei-ros do Design Democrático Pelo Mun-do apresenta alguns nomes influentes, que demostraram seu interesse em tornar

Figura 3: O apresentador Zeca Camargo du-rante gravação do “Vídeo Show”.Ao fundo da imagen a Cadeira Mole de Sergio Rodriges compondo o senário do programa. Divulgação - Rede Globo[f5.folha.uol.com.br]

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o móvel de design acessível à população em massa; E, como o objetivo principal gira em torno do Brasil, a terceira subse-ção desta etapa, O Móvel Democrático no Brasil Antes do Boom do Design, mostra o que foi implantado do tema no país, antes mesmo de se propagar a figu-ra do designer.

Focando ainda nas iniciativas nacionais, a segunda parte do trabalho, ELES FIZE-RAM A DIFERENÇA NO BRASIL, se vol-ta para um grupo de cinco designers (Mi-chel Arnoult, Geraldo de Barros, Lina Bo Bardi, Zanine Caldas e Fernando Jaeger), um evento (Morar Mais) e uma empresa (Oppa), que surgiram durante o espaço de tempo escolhido. Eles são o objeto de estudo fundamental, cujos da-dos serviram de base para o resultado da pesquisa. A meta foi investigar o contex-

to de seus discursos em relação a este tema; quais os métodos que usaram para executá-lo, incluindo processos de produ-ção e implantação no mercado; e se con-seguiram atingir seus objetivos.

Finalmente essas informações foram con-frontadas em ENTÃO, COMO NASCE UM MÓVEL DEMOCRÁTICO? Trata-se de uma análise dividida em duas etapas: Primeira geração: 1940 à 1980 e Se-gunda geração: 1980 à 2014. Elas foram selecionadas de acordo com o momento histórico de onde os grupos eclodiram, e dessa subseção surgiram parâmetros ilustrados em um conjunto de gráficos que tem como finalidade auxiliar futuras aplicações projetuais em mobiliário “de-mocrático”. E eles estão expostos na sub-seção Comparando Afinidades.

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OBJETIVOS

GERAl

Comparar as afinidades entre os procedimentos projetuais de um grupo de designers e empresas adeptos ao discurso de “móvel democrático” durante o intervalo de tempo de 1940 à 2014.

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METODOlOGIA DA PESQUISA

Etapa Descrição Atividades

1

Pesquisa[Método de

procedimento histórico]

A – Pesquisa bibliográfica

B – Levantamento de dados

A1. Compreensão o uso do termo democracia no designA1.1. Procura de interpretações para a expressão popular, quando usada para móveis.A2. Levantamento de algumas iniciativas partindo do macro (mundo) para o micro(Brasil)

B1. Definição de amostra de designers e empresas no Brasil entre 1940 à 2014. Conteúdo pesquisado:_ Contexto histórico;_ Motivos que levaram o profissional a escolher se dedicar ao “móvel democrático”;_ Procedimentos projetuais aplicados nos móveis;_ Formas de implantação no mercado;_ Resultados obtidos.

2

Análise[Método de

procedimento comparativo]

C – Análise dos procedimentos da amostra com base na pesquisa bibliográfica

C1. Definição de critérios para a serem analisados;C2. Expor os dados comparando os procedimentos projetuais do grupo;C3. Interpretação da análiseC4. Distribuição dos dados em um gráfico, de acordo com os critérios da pesquisa

3 ConclusãoD – síntese dos resultados da pesquisa

D1. Contextualização do trabalhoD2. Revisão dos objetivosD3. Desdobramento da pesquisa

Tabela 1 - Tabela de metodologia da pesquisa

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METODOlOGIA

Este trabalho foi desenvolvido sob os critérios metodológicos estabelecidos por Mar-coni e Lakatos(1986). Seus elementos foram construídos com a finalidade de cumprir os requisitos do objetivo geral e estão distribuídos em 2 partes: fundamentação teóri-ca e análise dos dados.

Através do procedimento histórico, a etapa inicial tem como objetivo expor as prin-cipais iniciativas de design democrático através de uma pesquisa em livros, artigos, periódicos e sites de fontes seguras. Ela é composta por outras duas partes. Na pri-meira, o objetivo é compreender o sentido empregado no termo “democracia” para o design, assim como procurar interpretar os arquétipos empregados na expressão “móvel popular”. Em seguida apresenta algumas das principais manifestações do tema no mundo e no Brasil.

Na segunda parte do trabalho, o foco passa a ser o Brasil entre1940 à 2014. Ela é composta por uma amostra de cinco designers, uma empresa e um evento de deco-ração, que servirão de parâmetro para atender o objetivo geral. Essa etapa deverá conter informações como contexto histórico onde o designer ou a empresa está in-serido, os possíveis motivos que levou o membro da amostra a escolher o “design democrático”, os procedimentos empregados para tornar seu discurso real, a forma de implantação no mercado e a receptividade de seus produtos.

Os dados coletados neste grupo foram o material base para a segunda etapa do trabalho: a análise comparativa dos procedimentos. De acordo com o contexto his-tórico, os métodos escolhidos foram comparados, interpretados e resultaram em um conjunto de gráficos. Estes ilustram os principais critérios usados pela amostra para a fabricação de um móvel democrático. Por fim, foi apresentada a síntese dos resul-tados diante de uma contextualização do que compôs a pesquisa e quais são seus possíveis desdobramentos futuros. O quadro a seguir ilustra os passos metodológicos aqui descritos.

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Figura 4: Catálogo da IKEA de 1951“O Caminho para a boa compra.”

[hOME-DESIGNING.COM]

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PARTE 1POR UM DESIGN DEMOCRÁTICO

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Figura 5: Poltrona SERIE UP 2000 de Gaetano Pesce.Divulgação - B&B Itália

Um dos móveis característicos do movimento Pop Design. [www.BEBITALIA.COM]

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1.1 – UM MóVEl POP

Para uma melhor compreensão da ex-pressão “design democrático”, usaremos a interpretação de Bonsiepe (2011) sobre democracia em design. Ele a enxerga não como uma definição política, mas sim de forma substancial, no sentido de possibili-tar a participação dos “dominados” diante de um universo em que, agentes exter-nos ditam aquilo que se pode, ou não, ser consumido e classificado como popular ou de elite. Isso implica em projetos que incluam as massas, não apenas como di-recionamento específico, mas como um todo, para todos. O autor concorda que esta parece uma interpretação utópica, mas reconhece que não deve ser enca-rada como tal. Pelo contrário, ele defende que “é uma possível e incômoda questão fundamental que qualquer profissional, não somente os designers, deveria en-frentar” (BONSIEPE, 2011, p. 21)

Contudo, pode-se questionar: por que não usar a terminologia “móvel popular”? Para responder tal pergunta, encaremos então o móvel como cultura material, no intuito de compreender o sentido que foi agregado a essa expressão. De acordo com o dicionário Aurélio, “Popular” é aquilo “que pertence ao povo; que concerne ao povo. / Vulgar; plebeu. / Que desperta a simpatia, o afeto do povo” (FERREIRA, 2013).

Há também uma vertente, vinculada à cultura Pop, que a classifica como “cultu-ra de massa – algo produzido em série e industrialmente para o consumo de uma

grande quantidade de pessoas.” (VELAS-CO, 2010, p. 117). Essa afirmação está diretamente ligada ao movimento da dé-cada de 1950 denominado Pop Design (Figura 6), que por sua vez deriva da Pop Art. Acreditava-se que os produtos volta-dos para o povo deveriam conter um teor jovem e efêmero, além de contrariar as leis sóbrias do movimento moderno onde “Menos é Mais”. E por carregarem um valor provisório, eram produtos de baixa qualidade e, consequentemente, baratos.

Tais definições provocam uma interpreta-ção no uso da palavra popular como algo inferior, onde a qualidade – tanto visual, quanto material – do que é produzido para este público, torna-se duvidosa.

No campo do mobiliário, Folz (2002) acredita que os arquétipos empregados nestes móveis, não se adequaram às transformações sofridas pela sociedade moderna, não apenas no apelo estéti-co, mas também no que diz respeito às condições espaciais, visto que, muitos deles, não estão de acordo com os mí-nimos espaços, cada vez mais comuns na habitação popular. A autora ressalta também, que a prioridade na produção de um móvel popular, é que ele deve ser barato, muitas vezes negligenciando as demais necessidades dos consumidores. Ela aponta isso, quando descreve os ma-teriais adotados pelas indústrias:

as bordas são PVC (plástico) ou mesmo de papel, no lugar da lâmina de madeira ou fórmica. O assento da cadeira não terá

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os usuais 40 cm de diâmetro, mas sim, 35 cm. O roupeiro de 56 cm de profundidade encolhe para 46 cm do móvel popular. Os acessórios são outros. A corrediça metálica das gavetas são substituídas pelas de plás-tico ou mesmo por simples guias de madei-ra de pinus. Os puxadores são muito mais simples, porém, na tentativa de agregar um maior valor, muitos deles são produzidos em plástico recebendo posteriormente um acabamento dourado ou prateado para imi-tar o metal. (FOLZ, 2002, p. 108)

Essa prática causa um efeito de uso li-mitado. Aquele que opta por adquirir um produto classificado como “popular”, ten-de a escolhê-lo por estar dentro do seu orçamento familiar, sendo conveniente a curto prazo, causando um fenômeno que Löbach (2001) classifica como uso da fun-ção prática de um produto. Desta forma é possível perceber como o termo foi condi-cionado, ao longo do tempo, para móveis com aspectos e qualidades inferiores, o “vulgar e plebeu” descrito na definição do Aurélio.

É interessante ressaltar também, o ponto de vista que Chartier (1995, p. 179) de-senvolve sobre a concepção de popular, afirmando que “cultura popular é uma ca-tegoria erudita”. Não é pretensão deste trabalho entrar a fundo nesta discussão, mas mostrar o fato de que o conceito do termo em questão tende a ser proposto pela elite, como uma constituição de um mundo à parte, onde o estilo de vida das culturas populares contém características negativas, quando comparadas aos dos que “imperam”. Em relação ao mobiliário, é possível perceber uma maior preocupa-ção em inserir cargas estéticas naqueles direcionados à elite. Estes, ocasional-mente, podem ser vistos como “obras de arte”.

Outra questão se desenvolve quando este mesmo móvel é usado pelas indústrias como referência, sem maiores preocupa-ções com o fator inovação, deliberando uma cultura de cópias ou “semi-cópias”, isto é, móveis semelhantes aos da elite, mas com pequenas alterações estéticas e de materiais. Essa questão se torna

mais visível, quando a figura do designer é excluída do processo de produção de um “móvel popular”.

Estamos então, em busca de uma outra definição de mobiliário, onde, através da interferência do design, o panorama na condição de morar seja ampliado. Que te-nha os fatores de inovação e qualidade, dentro da possibilidade de compra para a população em massa, incluindo também a elite. Um design para qualquer pessoa gosta de ter em sua casa algo que a re-presente, que seja esteticamente agradá-vel e dure por gerações.

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Figura 6: Um ato de equilíbrio com Thonet de 1920[gg-MAgAZINE.COM]

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1.2 – OS PIONEIROS PElO MUNDO

Esclarecido o sentido empregado na ex-pressão “design democrático” e a neces-sidade de sua existência na sociedade, é possível reconhecê-la em algumas pro-postas ao longo da história, principalmen-te durante o final do século XIX, junto com o desenvolvimento industrial na Europa.

Trata-se de uma época marcada por fre-quentes migrações da população rural para as cidades. Eram trabalhadores em busca de novas oportunidades que con-tribuíram para a formação do que Folz (2002, p. 11) chamou de “as novas cama-das do proletariado urbano”. Esta mudan-ça de cenário, fez com que surgissem ne-cessidades habitacionais que os centros não estavam preparados para enfrentar. As pessoas se aglomeravam em peque-nos ambientes, enfrentando as péssimas condições de higiene e infraestrutura ofe-recidas nas cidades, sobrevivendo prati-camente no limite das condições huma-nas.

Diante dessa situação, as autoridades,

Figura 7: Mecanismo em um Sofá-cama em 1868.[FOLZ (2002), p 56]

empresas e ONGs se viram na obrigação de tomar uma atitude, que foram desde pesquisas para uma maior exatidão da natureza do problema, até leis que de-terminassem as condições de higiene e habitação urbana. Surgiram nesse perío-do propostas inovadoras, desenvolvidas também nos Estados Unidos, como por exemplo, móveis multifuncionais e ergo-nômicos, adaptados a ambientes peque-nos (figura 7). Tratava-se de produtos classificados como “de tipo”, ou seja, pe-ças passíveis de produção industrial que, gradativamente, tornar-se-iam acessíveis às massas. Pelo menos em tese, pois mesmo com preços mais baixos, a me-lhoria da qualidade de vida deste grupo permanecia muito inferior à que se alme-java, excluindo-os quase automaticamen-te desse consumo (FOLZ, 2002).

Uma característica particular também marcou a época, as máquinas passaram a substituir os postos de trabalho que an-tes usavam a força humana. havia duas realidades: uma com produções mais rápidas e precisas e outra com trabalha-dores desempregados que não podiam competir com as máquinas. Diante deste fato, surgiram idealistas como o britânico William Morris (1834 – 1896, figura 8), que acreditava ser conveniente ao operá-rio fazer-se artista, conhecer a arte e usar seus conhecimentos técnicos para con-vertê-los em produtos. Mas, segundo ele, a industrialização os privava disto.

Então, influenciado pelas ideias reformis-

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tas-sociais de John Ruskin (1819 – 1900), e almejando “fazer chegar às massas um bom design” (FIELL e FIELL, 2005, p. 489), fundou em 1861, a empresa Mor-ris, Marchall, Faulkner & Co, adotando as ideias do movimento “Arts and Crafts”, que também ajudou a fundar. Nela eram projetados desde ambientes inteiros até mobílias e artefatos de decoração (figu-ra 9). A produção seguia um formato que não incluía o uso de máquinas. Os pro-dutos eram feitos pelas mãos dos operá-

Figura 8: Fotografia de William Morris, 1884.Foto - Frederick hollyer. Victoria and Albert Museum. [VAM.AC.Uk]

rios, mesmo que se valendo de alguma flexibilidade. De acordo com a situação, se fabricava artesanalmente, com o auxí-lio de elementos mecânicos simples ou, quando necessário, através de terceiriza-ção (CARDOSO, 2008).

A parceria com seus sócios durou até 1875, quando Morris decide dirigir sua própria empresa, a Morris & Company, se dedicando ainda mais à autonomia de fa-bricação e comercialização. Sempre prio-rizando a qualidade do que era produzido.

No entanto, ainda que se valendo de ar-tigos com múltiplos preços, infelizmente, na prática, seu anseio por uma “utopia social” no design, não obteve sucesso. Os produtos que ele assinava eram tidos como caros e, consequentemente, con-sumidos apenas pela elite. Era o parado-xo de um discurso, onde o design viria a ser um meio de mudança social, através da simplicidade acima do luxo.

Em contrapartida, o conceito móvel “de tipo”, foi aprimorado pelo alemão Micha-el Thonet (1796 – 1871, figura 14), que usou da técnica de moldar e curvar va-ras de madeira na fabricação em série de cadeiras padronizadas e idealizadas para qualquer camada social (FOLZ, 2002). Elas eram simples, elegantes e eficien-tes, e facilmente conquistaram o merca-do, incluindo a corte, que convidou Tho-

Figura 9: Imagens do Catálogo de Móveis e Decoração de interiores da Morris and Company.[hASLAMANDwhITEwAy.COM]

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net para fabricar os móveis do Palácio de Liechtenstein. Esta parceria real lhe impulsionou a abrir sua primeira loja de móveis, junto com seus filhos, em 1849 (figura 15).

À medida que surgiam novas tecnologias, a empresa ia se provendo de melhores sistemas de produção. Em quatro anos a gebrüder Thonet já produzia cadeiras em massa, comercializadas a preços modes-tos. A modelo nº 14 por exemplo (figuras 16 e 17), “custava menos que uma gar-rafa de vinho” (FIELL e FIELL, 2005, p. 690). O sucesso de suas cadeiras, foi tão grande que chegou a vender, em 1891, a quantia de 7.300.000 exemplares. E mes-mo depois de décadas, elas ainda são fa-bricadas e comercializadas. Este mesmo modelo, tanto em sua forma original como customizada, é encontrado em interiores da população mundial, compondo os ce-nários inclusive de estrelas do cinema, da arte e da música (figuras 17 e 18).

No início do século XX, temos o exem-plo de um novo olhar para a produção industrial, com a instituição da Bauhaus. Dentre seus representantes e fundadores estava henry van de Velde (1863 – 1957, figura 10), grande defensor da unificação das artes e técnicas. A intenção da esco-

la era conectar estes dois elementos, e transformar numa nova unidade moderna de princípios sociais, onde, através de móveis simples, práticos e esteticamente “limpos”, as pessoas desenvolveriam um novo jeito de morar e de viver.

De início, as oficinas eram conduzidas por dois instrutores, um artista e um artesão. Uma configuração que tinha o intuito de desenvolver a capacidade artística e ma-nual dos estudantes. Mesmo que na prá-tica isso não tenha funcionado, surgiram nessa época as primeiras experiências com um novo conceito de produto. Os alunos eram direcionados para atender as necessidades da população em mas-sa. Bürdek (2010) relata que, na segunda fase da escola,

Foi desenvolvido o termo funcional em te-oria e prática. Isto continha continuamente uma orientação social: ‘o domínio das ne-cessidades de vida e do trabalho’ (Moholy Magy) e levar a sério as ‘questões do con-sumo de massa’. Função significava sem-pre a ligação de duas suposições: a de que é válido, no design, combinar harmonica-mente as condições da produção industrial (técnica, construção, material) com as con-dições sociais, o que significava condicio-nar as necessidades da população às exi-gências do planejamento social. (BÜRDEK, 2010, p. 31)

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Figura 10: Henry van de Velde, cerca de 1908.Foto: Louis Realizada © Klassik Stiftung Weimar Divulgação da exposição Henry van de Velde - Paixão Função Beleza, Museu Cinquentenário (henry van de Velde – Passion Function Beauty) na Alemanha. [PRESSCENTER.ORG]Figura 11: A Bauhaus Building em Dessau, Alemanha.Foto - Ligia Fascioni [LIGIAFASCIONI.COM.BR]Figura 12: Wilhelm Wagenfeld.Foto - Arquivo da Bauhaus em Berlin [LUCASTERRA.COM.BR]Figura 13: Recipientes de vidro de Wilhelm Wagenfeld para a Lausitzer.kubus, 1945. Museu de les Arts Decoratives de Barcelona-DhUB [DOMUSwEB.IT]

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Dessa forma, a Bauhaus, além de um marco na história do design no século XX, se tornou um modelo de escola, onde o design precisava servir ao povo. No en-tanto, na realidade, os produtos lá conce-bidos, não chegaram a ser consumidos por esse público. Assim como as criações de Morris, eles se restringiram ao consu-mo dos intelectuais, adeptos ao novo es-tilo oferecido pela instituição.

Contudo, é válido destacar o nome de um de seus membros: wilhelm wagenfeld (1900 – 1990, figura 12). Mesmo não pro-duzindo móveis, este designer conseguiu introduzir seus produtos na cultura diária da população de tal forma que, no final de

1930, os mesmos nem sabiam que esta-vam consumindo objetos assinados. Den-tre eles estavam os recipientes de vidro, moldados para a Lausitzer glaswerke (fi-gura 13).

Outro exemplo de iniciativa voltada para a comercialização de móveis à preços acessíveis, surgiu neste mesmo período, na Suécia, com a IKEA (figuras 19 à 21). O nome veio da união entre as iniciais de seu criador Ingvar Kamprad (1926, figura 22), com as da fazenda e da aldeia onde foi criado, Elmtaryd e Agunnaryd. Era um período em que o campo da arquitetura e design sueco trabalhavam por uma me-lhor qualidade de viver e de morar. O país passou a desenvolver novas formas de conviver em conjunto dentro de ambien-tes pequenos e multifuncionais, onde se cozinhava, dormia e trabalhava em um único lugar (BÜRDEK, 2010).

Foi diante dessa realidade que, em 1946, o Sr. kamprad iniciou sua trilha no mun-do do empreendedorismo. Seu primeiro passo foi comercializar diversos produtos para suprir as necessidades dos fazen-deiros locais, e com o tempo focou-se no setor mobiliário. A ideia era apresentar os móveis de fábricas da região em catálo-gos e enviá-los pelos correios. O primeiro surgiu em 1951 e, junto com ele, um dife-rencial característico na hora de comer-cializar e de fazer marketing.

Foi diante dessa realidade que, em 1946, o Sr. kamprad iniciou sua trilha no mun-do do empreendedorismo. Seu primeiro passo foi comercializar diversos produtos para suprir as necessidades dos fazen-deiros locais, e com o tempo focou-se no setor mobiliário. A ideia era apresentar os móveis de fábricas da região em catálo-gos e enviá-los pelos correios. O primeiro surgiu em 1951 (figura 4) e, junto com ele, um diferencial característico na hora de comercializar e de fazer marketing.

Eram produtos com preços atraentes e aceitação admirável por parte do públi-co. Consequentemente, significavam um

Figura 14: Michael Thonet e seus produtos.Respectivamente: Cadeira nº 18, Banqueta nº 132, Cabideiro nº 15, cadeira nº 14 e cadeira de balaço. [ThEChAIRFACTORy.COM]

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Figura 15: Primeira formação da Gebrüder Thonet.[ThONET. AGSOLUTIONS.DE]Figura 16: Sala de jantar com cadeiras Thonet.Foto - kristofer Johnsson [RUM21.SE] Figura 18: Pablo Picasso em sua cadeira de

balanço Thonet.[ChAIRBLOG.EU]

Figura 17: Performance com a Thonet nº14 da cantora americana Beyonce.Grammy 2014, em Los Angeles, Califórnia. Foto - Kevin Mazur [IAM.BEyONCE.COM]

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perigo iminente às outras empresas do ramo, que muito fizeram para eliminar a IkEA. Mas isso só estimulou o seu fun-dador. Ao perceber que os compradores se sentiram melhor conferindo de perto a qualidade do material exibido nos catálo-gos, juntou recursos para inaugurar seu primeiro showroom. Os clientes, por sua vez, apresentaram-se em massa.

A inacreditável repercussão alcançada, com centenas de pessoas aguardando pa-cientemente que se abrissem as portas, após uma viagem longa e difícil através dos bosques de Smoland, superou em muito as expectativas de Kamprad e se converteu em uma característica que se repetiria em cada um de seus novos estabelecimentos (BABINI, 2005, p. 3).

Em 1958, a IkEA se transformou em ca-nal de vendas e, graças ao sucesso, pas-sou a inaugurar várias filiais pela Europa. Atualmente, a empresa vive seu sonho. Segundo informações do site oficial, pos-sui 303 lojas em 26 países, cerca de 135 mil funcionários, aproximadamente 9.500 produtos e 1.046 fornecedores de deco-ração para a casa em 52 países, além de 212 milhões de catálogos impressos em 29 idiomas, 684 milhões de visitas a loja e 1.000 milhões ao site. Sua receita em agosto de 2013 fechou em 28,5 milhões de euros (figura 19) (IKEA, 2014).

Os métodos aplicados para fabricação dos produtos receberam o nome de “De-sign democrático”. E procede da seguinte forma:

• Anualmente são feitas visitas a consumi-dores para detectar suas necessidades e aspirações;

• Em seguida uma equipe de designers, técnicos, fabricantes e especialistas, en-tram em ação, procurando atender tais requisições, seguindo sempre a política da empresa: combinar forma, função, qualidade, sustentabilidade e preço bai-xo. Esta etapa do processo pode ser feita nos escritórios, mas na maioria das vezes ocorre na própria fábrica, para que os profissionais tenham uma melhor visu-

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Figura 19: Resultados do grupo IKEA entre 2009 e 2013 em milhões de Euros. [IkEA.COM]Figura 20: Catálogo da Ikea 2014.[hOME-DESIGNING.COM]Figura 21: Fachada da Ikea na Europa. [WORKy.BIZ]

Figura 22: Ingvar Kamprad, fundador da IKEA. [IKEA.COM]

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alização do que pode ser usado e quais são os limites de fabricação;

• Só então, todos os produtos idealizados são testados durante o desenvolvimento do projeto, fabricados e entregues aos distribuidores.

A indústria também aderiu ao conceito de sustentabilidade, e para isso procura usar materiais como o bambu, linho, ja-cinto-de-água, algodão, juta, plástico PET reciclado, compostos de madeira-plástica e madeira de florestas geridas de forma responsável. Usa também de madeira compensada para tornar o móvel mais barato.

Aparentemente, a IKEA se torna, hoje, um exemplo de sucesso para o tema tratado neste trabalho. Porém, convém inferir que todas as receitas usadas na amostra de iniciativas anteriores, revelam que é pos-sível uma inserção de design de qualida-de na vida da maioria da população. Claro que os ideais nem sempre foram atingi-dos na prática, mas todas as diretrizes usadas aqui, foram um ponto de partida para uma nova visão de mobiliário. Elas se tornaram setas que levaram a outras iniciativas pelo mundo, adaptando-se às diferentes realidades e dando ao design sua função mais lógica, a de fazer pro-jetos inteligentes para serem usufruídos pela maior parte da população.

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Figura 23: Obra “Sábio trabalhando em seu gabinete” (1827) de Jean-Baptiste Debret.[REVISTACARBONO.COM]

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1.3 – O MóVEl DEMOCRÁTICO NO BRASIl ANTES DO Boom DO DESIGN

Para conhecer a noção de “design demo-crático” no Brasil é necessária uma imer-são na própria história do mobiliário no país, visto que, as influências indígenas e europeias, foram os alicerces da nossa cultura material.

No início da colonização, as casas brasi-leiras não dispunham de muitos móveis, e os que existiam eram de origem portu-guesa ou cópias fiéis deles, considerados quase como artigos de luxo e restritos aos casarões de nobres e donatários. Os demais habitantes da colônia improvisa-vam móveis rudimentares. Canti (1999, p. 60) narra que esses objetos eram feitos para atender às primeiras necessidades habitacionais e que tal prática “vai perdu-rar durante todo o período das entradas e fixações do colonizador às glebas”.

Passariam pouco mais de quatro décadas do “descobrimento” e colonização do Bra-sil para que outros tipos de móveis come-çassem a circular pelo país, e isto ocorreu a partir de 1546 como o desenvolvimento da Capitania Pernambucana, dos enge-nhos de açúcar e das fazendas de gado. Porém tais artefatos ainda tinham uma forte influência do estilo europeu, mesmo que executados com madeira brasileira e estética, de certa forma, influenciada pe-los olhares locais.

Esse mesmo período, também foi marca-do por uma forte influência da cultura ma-terial indígena no cotidiano dos primeiros habitantes. Um exemplo disso é a rede (figura 23), adotada como cama no pri-

Figura 24: Móvel tipo contador.

Data-se de meiados dos séculos XVII e

XVIII. Composto de jacarandá preto.

Crédito: Museu de Cahoeira Reconcavo

Baiano

[CANTI (1999), p. 89]

meiro século de colonização, não apenas por algumas tribos indígenas, mas tam-bém por europeus. graças à sua estru-tura leve, simples e prática, ela se tornou um artefato comercializado, na maioria dos casos, a preços modestos. Trata-se de um dos primeiros exemplos de design democrático, encontrada ainda hoje em residências, hotéis, pousadas e casas de praia. De fato, ela cumpre a função prá-tica e simbólica, de forma simples e com gasto coerente de material.

No campo dos móveis luso-brasileiros, foram necessários cerca de três séculos, para que o cenário começasse a mudar. Apenas em 1808, fatores como a abertu-ra dos portos, a vinda da corte, a Missão Francesa e os tratados comerciais, trou-xeram outras influências para o mobiliário local, como as de ingleses, franceses e austríacos (SANTOS, 1995).

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Outro fato marcante no final do séc. XIX decorreu de um problema já conhecido na Europa, a explosão demográfica. No Rio de Janeiro, por exemplo, entre 1870 a 1920, a população quadruplicou, desa-fiando as autoridades a prover condições mínimas de sobrevivência para o povo (CARDOSO, 2008). A disparidade entre as classes sociais era bastante clara: En-quanto os interiores dos mais afortunados estavam repletos de luxo, o outro lado da população se aglomerava em pequenas habitações.

A guerra decorrente do início do sec. XX, forçou a suspensão das importações, as-sim como a migração de alguns profis-sionais responsáveis pelos projetos de

móveis no Brasil. Esses eventos exigiram mais criatividade daqueles que permane-ceram no país. Um deles foi Celso Martí-nez Carrera (1883-1955), que, inspirado nas camas tubulares dos hospitais da época, desenvolveu o projeto da consa-grada Cama Patente (figuras 25 à 28). Ela foi considerada um marco do mobiliá-rio brasileiro e frequentemente é associa-da às cadeiras de Thonet. Os primeiros exemplares surgiram graças à solicitação do Dr. Francisco Pedro Monteiro da Silva, em Araraquara, e seriam usadas com lei-tos em sua clínica.

A cama foi um grande sucesso comer-cial na época, tanto que os amigos do Sr. Carreira o aconselharam a patenteá-la,

Figura 25: Cama Patente. Croquis não assina-do, datada de 1918.Arquivo de Álvaro Martinez Carreira. Foto - Paulo Vanzolini. [SANTOS (1995), P. 32]

Figura 27: Publicidade da Cama Patente.álbum comemorativo de 33 anos da Cama Pa-tente. São Paulo. Sem data. [SANTOS (1995), p. 36]

Figura 26: Publicidade da Cama Patente.álbum comemorativo de 33 anos da Cama Pa-tente. São Paulo. Sem data. [SANTOS (1995), p. 34]

Figura 28: Cama Patente, de 1915.Acervo do Museu da Casa Brasileira. Exposição “Design Brasil – 101 anos de história” com curadoria de Pedro Ariel Santana. Foto - Gal Oppido [ABCDESIGN.COM.BR]

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mas ao seguir o conselho tomou um sus-to. Ocorreu que seu produto já havia sido patenteado, e ele deveria ser obrigado a parar de fabricá-lo (SANTOS, 1995). Tal situação mostra como a prática de apro-priação imprópria do desenho no Brasil é antiga.

Esta polêmica nos leva à outra versão da história, que envolve a Indústria Cama Patente L. Liscio S.A., cujo proprietário, o Sr. Luiz Liscio (1884-1974), buscava so-luções para sanar o problema das camas populares, que considerava desconfortá-veis e caras. Santos (1995, p.35) conta que seu objetivo era propor a existência de uma cama

simples e elegante, sólida e leve, resistente e portátil, ao alcance de todas as bolsas, capaz de ser fabricada industrialmente em grande escala, para atender todas as ne-cessidades, com o aproveitamento de ma-deira.

Foi assim que, em 1928, “surgiram” seis modelos de Cama Patente, conquistando o mercado com preços equivalentes a 11 cruzeiros.

Elas eram encontradas em feiras, lojas de departamento e armazéns, e dentre seus principais clientes estavam a classe mé-dia e operária. A concorrência passou a vê-las como um verdadeiro perigo. Numa tentativa de prejudicar as vendas da cama, passaram a alertar os comprado-res para risco em caso de incêndio, já que eram compostas de madeira, enquanto eles ofereciam camas “ininflamáveis”.

Sem dúvida, a Cama Patente foi outro exemplo de móvel democrático. Uma peça voltada para a população de baixa renda que conseguiu conquistar também, os mais afortunados, em várias gerações. Ainda segundo Santos (1995, p. 31), ela “desenvolveu uma nova visão do mobili-ário e antecipou a preocupação moderna com o despojamento das linhas”. Atu-almente há uma releitura dela, feita por Fernando Jaeger e revendida pela rede Tok&Stok (figura 62), mostrando que o

passar do tempo não apagou seu poder de comercialização.

As décadas seguintes foram marcadas por uma transição entre o móvel de estilo eclético e o ideal moderno, com ênfase na busca de uma identidade brasileira. Em contrapartida, vale ressaltar que, mesmo com o avanço tecnológico, a cultura de móveis populares de baixa qualidade não foi suprimida ao longo do tempo. Ocorria que, de um lado, havia, por parte das in-dustrias, toda uma preocupação voltada para os aspectos funcionais, assim como uma urgência de produção em larga es-cala a preços baixos; de outro, os móveis exclusivos, com expressivas cargas visu-ais e estilos ecléticos, para aqueles com melhores condições financeiras.

De forma geral, no decorrer das décadas, fatores sociais e políticos levaram os mó-veis que se intitulavam modernos e de-senhados por profissionais reconhecidos da arquitetura e do design, a permanecer em casas da elite burguesa que se iden-tificavam com os movimentos artísticos de vanguarda. Mas isso não impediu que profissionais dedicassem suas carreiras ao ideal de móvel democrático, estuda-dos no capítulo seguinte.

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Figura 29: Campanha Torcida da Oppa no Facebook.Divulgação Oppa

[FACEBOOk.COM/OPPADESIGN]

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PARTE 2ElES fIZERAM A DIfERENçA NO

BRASIl

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Figura 30: Página da revista Casa Cláudia, maio 2013.Matéria: Se jogue num sofá assim. De Olívia Canato.

Os preços dos móveis variam entre R$ 10.535,00 (nº2,) e R$ 1.490,00 (nº7).

Fotos - Divulgação de produtos[A AUTORA]

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Muitos foram os profissionais que se destacaram, e se destacam, na história do design brasileiro. Cada um com suas particularidades, influências e métodos de produção. Uns preferem investir em móveis quase artesanais, praticamente obras de arte, outros preferem um racio-nalismo industrial, outros ainda optam por explorar as duas vertentes. Eles levam o nome do Brasil cada dia mais longe, e atingem o gosto do público há várias ge-rações.

Atualmente é possível ver tais peças com mais frequência na mídia. Por exemplo, ligando a TV no horário nobre, a Poltro-na Mole de Sergio Rodrigues pode ser vista compondo a sala de entrevistas do programa Vídeo Show na Rede Globo de Televisão (figura 3). Nas revistas Minha Casa e Casa Claudia (figura 80), ambas da editora Abril, estão dispostos mensal-mente vários móveis assinados, matérias informam onde eles podem ser compra-dos e, algumas vezes, até seus preços. Ambos são meios de comunicação de massa, e servem de inspiração e influ-ência para a maioria da população. Po-rém, na hora de comprar alguns desses produtos, um consumidor com orçamento limitado se depara com um problema: mó-veis “de design”, quase sempre, são bem caros.

Folz (2002, p. 82) acredita que a distância gerada entre as “exigências da habitação” e os “meios de satisfazê-las” pode gerar frustações. Destaca também a importân-

cia de estudos nesse tema, no intuito de questionar qual o atual padrão de habi-tação, em termos de composição interna, propagado para as massas.

Uma forma de comprovar essa inferên-cia é o depoimento de uma moradora da cidade de Recife-PE, com renda familiar equivalente à R$ 4.200 por mês. Ela de-clara que, mesmo não gostando, se dirige às lojas populares, pois “sabe” que as de-mais têm preços acima de seu orçamento familiar:

Confesso que não tenho tendência de ir em loja de design, que tem lojas belíssimas mas não cabe no meu orçamento. Então para não ficar sonhando eu nem vou, prefiro ir na minha realidade, onde eu possa dividir e que eu possa comprar. [...] Mas Boa Viagem tem lojas belíssimas, vi numa loja lá em Boa Viagem uma cadeira linda, mas uma cadeirinha custando dois mil reais, um absurdo, só porque é design...Gosto da Casadecor, Officina Design, etc. Mas é de gosto, de você gostar, tem muita coisa linda, cara, mas que não faz meu gosto. (MATOSO e ARAÚJO, 2012, p. 11).

Mas consumidores como esta senhora não passaram despercebidos. Será dis-posto, a seguir, uma amostra dos princi-pais profissionais e empresas que decidi-ram dedicar-se a sanar essa necessidade de mercado através do design.

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Figura 31: Poltrona Pelicano.Divulgação do site europeu Made in Design

[MADEINDESIGN.CO.Uk]

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2.1 – MIChEl ARNOUlT

Este arquiteto francês foi um idealista durante toda sua vida, sempre tentando provar que um móvel com conotação de design não precisava ser caro nem exclu-sivo a poucos (SANTANA, 2010). Michel Arnoult (1922 - 2009, figura 32) se formou em 1948 na conceituada Escola Comon-do de Paris. Nesse mesmo período, teve a oportunidade de estagiar com Marcel Gascoin (1907-1986), de quem herdou uma grande carga de conhecimentos so-bre modulados, e que viria a ser de gran-de ajuda no seu objetivo de tornar o dese-nho de móveis acessível as massas.

Passaria três anos de sua formatura para que um desejo de trabalhar com Oscar Niemeyer o trouxesse para o Brasil. Aqui, ele encontrou um período de transição ur-bana, onde os lares dos grandes centros comerciais tomavam um rumo de vertica-lização. A predominância dos prédios ha-bitacionais desencadeou um novo estilo de vida entre os cidadãos, onde móveis robustos de madeira nobre, comprados geralmente em conjuntos e de acordo com o ambiente, não se encaixavam mais no que a arquitetura moderna propunha.

Arnoult decide então, ingressar na Facul-dade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro e se dedicar mais ao desenho de móveis flexíveis às novas exigências do mercado. A primeira tentativa de populari-zar seus projetos foi vendê-los para gran-des magazines, como a Cássio Muniz e a Móveis Drago, mas eles não aceitaram na mudança proposta pelo designer. Pa-

“michel foi um designer admirável porque tinha

seus ideais e não desistia deles.”

[RÉGIS DUBRELE]

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Figura 32: Michel Arnoult.Foto - Glastone Campos. [SANTANA (2010), p. 52]

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recia que a única solução era produzir por conta própria. Então, em 1954, junto com seus sócios Norman westwater e Abel de Barros Lima, “contratam uma pequena marcenaria em Curitiba, formada por ex-operários da Móveis Cimo, encarregada de produzir a primeira linha de móveis” (SANTOS, 1995, p. 137). E esses foram os primeiros passos para o nascimento posterior da Mobília Contemporânea, cuja primeira instalação foi no Paraná.

Em 1955, mudaram para São Paulo, e o sucesso das vendas trouxe a possibilida-de de instalar outras duas lojas na cidade e uma filial no Rio de Janeiro, em 1956. Em seu ápice, a marca era representada por uma fábrica de 4,5 mil m² e 11 lojas, cujo grande trunfo era a diversidade de configuração entre as peças e os mode-los de móveis, em relação aos ambientes. Além disso, todos os móveis eram total-mente desmontáveis e comercializados a preços moderados,

[...] permitiam a qualquer um criar seu pró-prio ambiente. A flexibilidade dessa mobília era devida à aplicação, em todos os ele-mentos, de uma medida comum de 45 cm, que permitiu a combinação e o encaixe en-tre si de vários elementos. Essa modulação abrangia uma família de moveis de grande amplitude: moveis de estar, dormitório, es-critório, biblioteca etc. (SANTOS, 1995, p. 137)

Era uma empresa totalmente voltada para a produção de móveis modulados em série, de fácil armazenamento e trans-porte. Para tanto, havia um sistema parti-cular de trabalho: as peças tiveram suas dimensões gradativamente reduzidas e padronizadas para compor arranjos, de forma que 100 delas resultavam em apro-ximadamente 53 móveis diferentes. Era uma fábrica consideravelmente simples. Iniciou com um sistema de posto de tra-balho que, com o tempo, foi substituído por uma produção automática com “uma linha contínua de operações sincroniza-das” (SANTOS, 1995, p. 139).

Figura 33: Stand da Mobília Contemporânea na Occa.

Foto - Gabriel Boieira [OCCA.COM.BR]

Quando se trata de questões estéticas, Santana (2010, p. 53) descreve que “além do desenho puro e de qualidade, os mó-veis da Mobília Contemporânea exibiam estruturas de madeira roliça (imbuia ou pau-marfim) e eram componíveis e encai-zaveis”.

Com um desejo de inovação sempre pre-sente, em 1970 Arnoult tenta aproximar seu trabalho da população, lançando a linha Peg Lev, móveis baratos e fáceis de montar, dispostos para comercialização em pontos inusitados, como supermerca-dos e bancas de revista. Infelizmente, o contexto do nascimento desta linha não era dos melhores. O Brasil estava prestes a viver uma crise econômica, e mesmo o projeto sendo um admirável sucesso em relação ao marketing, foi um fracasso no quesito vendas. A crise, aliada à forte con-corrência de mercado, obrigou a Mobília Contemporânea a fechar as portas em 1973. Michel relata que “Primeiro, nós sentimos a concorrência da Hobjeto, da Mobilínea e de todo mundo; o mercado não era mais nosso, estava dividido” (AR-NOULT, APUD SANTOS, 1995, p. 142).

Porém o “propulsor do móvel em série”1

não desanimou. Associou-se à Fábrica de Móveis Senta, em Taboão da Serra - SP, e conquistou o público com peças feitas em freijó e assentos coloridos. Foram 13

1Título empregado à Michel Arnoult por (SANTANA, 2010, p. 52)

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Figura 34: Folheto da poltrona Peg Lev de 1972.O móvel era vendido desmontado e entregue em caixas de papelão. [ARTEFACTOTUM.wORDPRESS.COM]

anos de parceria, em que se dedicou a aprimorar antigos projetos e novos co-nhecimentos sobre produção de assentos de móveis. Após o término de sua estadia na empresa, passou a trabalhar como de-signer freelance.

Arnoult acreditava que o ideal na fabrica-ção de um móvel é otimização de tempo e planejamento de sistema operacional. Para uma cadeira comum, por exemplo, o tempo de produção é de menos de uma hora. Na execução de seus proje-tos eram necessárias máquinas simples; o diferencial era o material e o desenho. Estes eram apreciados até mesmo em termos internacionais. Em 1995, entrevis-

tado pela Profª. Dra. yvonne Mautner, ele explica que não era necessário nenhum equipamento sofisticado para chegar a esse objetivo:

Isso não é nada de extraordinário! Eu vi na Alemanha uma fabriqueta com 30 ope-rários que fazia uma cadeira, e fazia 300 cadeiras por dia, quer dizer, 6 mil cadeiras por mês com 30 operários. Nas condições brasileiras, não tinha nenhuma máquina extraordinária, eram simplesmente postos de trabalho, sequentes, bem organizados.2 (ARNOULT,1995)

O designer francês sempre acreditou no potencial de compra da população de classes mais baixas, que tinham o desejo de comprar móveis de desenho diferen-

2 Depoimento de Michel Arnoult no vídeo “Michel Arnoult, design e industrialização de móveis” em entrevista à Prof.ª Dr.ª yvonne Mautner.

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ciado e não encontravam nos populares. Na sua opinião:

“O povo compra isso porque não tem es-colha, [...] gostam das coisas bem dese-nhadas, mas eles não tem possibilidade de comprar. Então vamos desenhar coisas que talvez sejam baratas”3 (ARNOULT,1995).

Relata também que, no tempo em que estava na Mobília Contemporânea, os operários desejavam comprar aquilo que fabricavam, mas não tinham como pagar por elas, então adquiriam os produtos com pequenas falhas.

Na década de 1990, foi um grande de-fensor do uso de madeira de refloresta-mento, principalmente do Eucalipto. Ele acreditava ser a madeira mais barata que existe, além de uma enorme vantagem brasileira, visto que é facilmente encon-trada no país. Em 1995, Arnoult já tinha o conhecimento que esta planta desenvol-ve 1 m cúbico em 6 anos, enquanto na Austrália ela leva 15 anos e na Europa 90 a 120 anos49.

Como precursor do móvel em série, usa-va de planejamento e otimização de ma-teriais para que o preço final de um mó-vel fosse acessível ao maior número de consumidores possível, não apenas em termos de estética e qualidade, mas tam-bém em custo.

O mais interessante em Michel Arnoult é que, mesmo sendo de nacionalidade francesa, ele enxergava o potencial brasileiro, e mesmo no fim da vida, decepcionado com os fabricantes locais, continuou a investir no Brasil e em seus ideais. Em 2003, aos 81 anos, viu sua poltrona Pelicano ser a grande vencedora do Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira. Um produto que, segundo ele, representa aquilo que havia batalhado em 40 anos de profissão: a existência de um móvel que em suas palavras, é “simples e barato. Podem comprar o proletário e o

rico que acharam a poltrona confortável” (ARNOULT, APUD SANTANA, 2010, p. 56). Porém mesmo depois de aclamado ainda, lutava para que seus produtos fossem fabricados.

Como Oscar Niemeyer, Arnoult esteve ati-vo até o fim da vida, perdendo a batalha contra o câncer em 2005. É indiscutível o valor de suas contribuições para o design de mobiliário, em termos de mercado, fabricação e identidade moderna. Assim como seu ideal de inclusão do design nas casas de todos, quebrando os muros das classe sociais.

8 Ibdem9 Ibdem

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Figura 35: Poltrona Ouro Preto, 1964.De Michel Arnoult e Norman westwester. Poltrona com estrutura de imbuia e fios de náilon no assento e encosto. Arquivo de Michel Arnoult [SANTOS (1995), p. 140]

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Figura 36: Ambiente com a estante UL MF 710.[LEGADOARTE.wORDPRESS.COM]

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2.2 – GERAlDO DE BARROS

“Ele passeou por diversos momentos da arte e do

design e foi genial em todos.”

[NáDIa SImoNELLI (2013)]

Dentre os muitos talentos desenvolvidos por este paulista, está o de desenhista de móveis. Geraldo de Barros (1923-1998, figura 37) iniciou sua carreira no design na década de 1950, quando viu a oportu-nidade de oferecer seu trabalho a causas socialistas na empresa Unilabor (figuras 38 à 40). Sua filha Lenora de Barros con-ta que, “como ele sentiu que era difícil so-cializar seus quadros, viu na produção de móveis uma forma de realizar esse ideal” (BARROS APUD SANTANA, 2010). Até então, a única experiência que o sr. Bar-ros tinha, nesta área, vinha da fabricação dos móveis para sua casa, logo após seu casamento.

Era um desafio para um homem de for-mação artística, porém os métodos de-senvolvidos neste novo ofício não aconte-ceram de forma empírica, eles se deram basicamente sob três pilares: O primeiro foi graças ao Movimento Concretista do qual fazia parte. Mauro Claro explica que,

Geraldo de Barros via seu trabalho de de-signer como intimamente relacionado com sua postura de artista concretista, num ra-cionalismo que abrange os funcionamentos da relação entre arte e indústria (CLARO, 2004, p. 163);

a segunda era voltada para o pensamento racionalista europeu, através de estudos das teorias da Gestalt, Bauhaus e Ulm; e a terceira influência surge diretamente de seu talento na arte, desenvolvido na con-vivência com yoshiya Takaoka, artista e mestre a quem sempre expressou imensa

37

Figura 37 : Auto retrato de Geraldo de Barros,1965.

[LARCOBALENO.COM]

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admiração. Provavelmente uma das justi-ficativas de sua escolha por desenho de móveis possa ter emergido nessa época, pois foi no ateliê de Takaoka que teve a oportunidade de lidar diretamente com ar-tesãos e marceneiros de origem humilde.

Na empresa, ele era “responsável pelo desenho de toda a produção e pelo nome Unilabor (união no trabalho), marca e pro-gramação visual da empresa” (SANTOS, 1995, p. 115). Participava também de um sistema de trabalho em que o andamento comercial e de produção eram acompa-nhados através de reuniões semanais. Buscava-se sempre a melhor forma de manufatura, para que fosse possível substituir o sistema artesanal, adotado no início da empresa, por uma fabricação ra-cional.

Isso se tornou realidade, graças a proje-tos que se valiam de uma metodologia in-dustrial, em que visava-se o uso de vários elementos interligados entre si, ou seja, as peças poderiam ser organizadas e en-caixadas por meio de medidas padrão a ponto de dar origem a diversos tipos de móveis. Um sistema que, em 1959, permi-tiu a fabricação de 77 artefatos de mobili-

Figura 41: Estante MF 710. Foto - German Lorca

Um móvel que permitia uma flexibilidade configuração de módulos de forma que o cliente

podia escolher os detalhes, na loja, na hora da encomenda. (CLARO,2002, p. 108)

[GERALDODEBARROS.COM]

Figura 40: Oficina de usinagem e montagem de peças, c.1957.

Foto - Geraldo de Barros (CLARO, 2002, p. 82)[GERALDODEBARROS.COM]

Figura 39: Parte do grupo inicial da Unilabor.Foto - German Lorca

Frei João Batista de branco, à esquerda Antônio Thereza e à direita geraldo de Barros. (CLARO,

2002, p. 63)[GERALDODEBARRO.COM]

Figura 38: Marca da Unilabor.Exposta na faixada do prédio onde funcionava a

fábrica.[MAUROCLARO.ARQ.BR]

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ário, dispostos em um catálogo oferecido na inauguração. Nascia assim o Padrão UL (Unilabor).

Eram basicamente módulos retangulares que podiam ser configurados de várias formas, responsáveis pela estabilização das peças, evitando futuras torções, e dando origem a móveis diferentes. Um exemplo claro é a estante MF 710 (figu-ras 41 e 42), que contem oito elementos principais, sendo eles: uma prancha de madeira compensada, um módulo com um lado de porta e outro aberto, outro módulo com um conjunto de gaveteiros e um compartimento aberto com opção de prancha móvel, quatro estruturas de fer-ro (que serviam de coluna), e uma grade/prancha, também de ferro. O revestimen-to era feito com laminado ou fórmica de

jacarandá (CLARO, 2004). Alguns mó-veis também eram compostos por “com-binações não convencionais como o ferro e a palhinha, ou ferro e as fibras trança-das, ou ainda o ferro e a napa” (SANTOS, 1995, p. 117).

A elaboração destas peças foi um mo-mento decisivo para Geraldo de Barros. Santos (1995, p. 117) aponta que é a par-tir desse know-how que ele passou a ela-borar “o processo de componentização do móvel, cuja evolução só foi amadure-cida mais tarde, com outra experiência significativa de geraldo na produção de móveis: a Hobjeto” (figuras 44 à 47).

Mesmo sustentando os ideais socialistas, é natural que a empresa visasse o lucro. Isso pode ser um tanto incoerente, já que

Figura 42: Configurações das

estantes da Unilabor.Projeto gráfico de

Alexandre Wollner. Foto - Mauro Claro [CLARO (2002), p.

112]

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tal pensamento pertence a lógica capita-lista. No entanto, o que se defendia na Unilabor era o uso racional do capitalis-mo, e não o descarte dele. E, para tanto, o uso do design era o ponto forte, no ob-jetivo de uma racionalidade que possibili-tasse a economia em termos de material e tempo de trabalho, diminuindo os cus-tos e aumentando o lucro.

Os trabalhadores também participavam de atividades como debates de temas di-versos. Em suma, ocorria

Que o papel da arte (do design) se aproxi-ma ao da catequese cristã, pois ambas ob-jetivam a mudança de hábitos e a obtenção de consciência crítica por seu intermédio (CLARO, 2004, p. 37).

É interessante lembrar que a empresa possuía uma clientela constituída por pessoas que aspiravam por soluções inovadoras, difundidas pelas vanguardas artísticas, o que leva à conclusão de que estes não pertenciam às massas da época. É aí que a proposta poética da empresa entra em contradição. As lojas da Unilabor, eram instaladas em lugares frequentados por consumidores de alta

Figura 43: Buffet modelo 4005.[LEGADOARTE.wORDPRESS.COM]

renda, e competiam com outras lojas de renome, como a Oca de Sergio Rodrigues e a Tenreiro de Joaquin Tenreiro. Isso porque havia uma rejeição, por parte das grandes magazines, ao estilo de móvel apresentado pela empresa. Eles precisavam de um público maior para sustentar os lucros da produção e estes deveriam aprovar a novidade oferecida, para que os padrões existentes no mercado fossem rompidos.

Aos que ofereciam este novo tipo de mó-vel, faltava um maior conhecimento do público que pretendia atingir, Claro (2004, p. 101) acredita que “era preciso, assim, fazer-se ouvir e conhecer por esse públi-co”.

O mais próximo de socialismo que a em-presa atingiu foi na administração inter-na. Sua formação não admitia distinções entre funcionários e patrões. havia uma participação igualitária, em que os marce-neiros também atuavam nas divisões dos lucros. Porém esse sistema de autoges-tão não durou muito tempo.

Em 1964, os próprios artesãos demitiram

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Figura 46: Anuários de jornal da Hobjeto.[CCSP.COM.BR]

Figura 45: Ambiente montado para anuncio da Hobjeto.[CASA.ABRIL.COM.BR]

Figura 44: Anuncio da Hobjeto.Imagem da Mostra sobre Geraldo de Barros em São Paulo.[UOL ENTRETENIMENTO]

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geraldo de Barros. Sua filha Leona comentou que o pai encarava com humor o ocorrido: “ele costumava brincar, dizendo que na hora de receber todo mundo queria ser operário, mas na hora de pagar ninguém queria ser patrão” (BARROS, apud SANTANA, 2010, p. 35). Naquele mesmo ano, junto com um antigo companheiro da UL, Aluísio Bione, fundou a Hobjeto. Esta foi marcada com um início repleto de obstáculos, um deles, e talvez o principal, foi a falta de encomendas, visto que ainda não possuíam uma loja, a escassez de vendas quase os levaram à falência. Para manter a empresa, Geraldo projetava produtos complementares, como mesinhas encaixáveis, que não necessitava combinar com a decoração, tanto quando uma cama devia combinar com um roupeiro na época.

A Hobjeto também tentou comercializar através de magazines, mas não obteve sucesso. E, mesmo à beira da falência, decidem inaugurar a primeira loja da mar-ca, próxima ao futuro Shopping Iguate-mi. Desde então, a empresa obteve um crescimento significativo, que pôde tornar a produção totalmente industrializada, empregando um sistema semelhante ao

usado na Unilabor, porém com a introdu-ção do acabamento laqueado. Abraçando a ideia de móveis modulados, eram pro-duzidas 150 módulos que fabricavam qui-nhentos modelos diferentes (SANTOS, 1995).

Em 1979, a crise econômica que pairava sobre o país atingiu a Hobjeto. Foi tam-bém neste ano que Geraldo sofreu a pri-meira de uma série de quatro isquemias cerebrais, obrigando o designer a aban-donar a profissão.

Seu objetivo no ramo foi uma produção de móveis racionais, tornando, desta for-ma, os custos e os preços finais meno-res para o consumidor. Já no fim da vida, seu apreço pelas artes falou mais alto, e ele voltou ao ofício de artista plástico. Sua contribuição no universo do design o caracterizou pelos ideais socialistas e suas obras o tornaram, segundo Santana (2010), um dos principais expoentes da arte concretista.

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Figura 47: Cadeira Bowl.Relançada pela empresa

Arper em 2013. Divulgação Arper Products

[ARChIPRODUCTS.COM]

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2.3 – lINA BO BARDI

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“Eu não nasci aqui, escolhi este lugar para

viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes.”

[LINa Bo BaRDI (1951)]

Essa arquiteta de nacionalidade Italiana viu o ápice de sua carreira se desenvolver no Brasil. Lina Bo Bardi (Archilina Bo Bardi, 1914 - 1992, figura 48) se formou na Faculdade de Arquitetura de Roma e naturalizou-se brasileira em 1951, quatro anos depois de sua chegada ao país. Aqui, sentiu-se à vontade junto ao grupo de grandes arquitetos, como Niemeyer e Lúcio Costa. Testemunhou a velocidade do desenvolvimento arquitetônico da década de 1940, mas percebeu que esta não foi acompanhada pelo mobiliário local.

Mesmo com a iniciativa de renovação no desenho de móveis proposta por Joaquim Tenreiro, encontrar uma peça moderna nas metrópoles era muito difícil. De certa forma, os interiores ainda estavam muito ligados à estética europeia do século an-terior, com móveis robustos de madeira de Lei. Santos (1995, p. 95) acredita que “este, talvez tenha sido o principal moti-vo que levou Lina a se lançar na busca de um tipo de móvel que se identificasse com as exigências da nova arquitetura e com as condições brasileiras”.

O primeiro móvel de grande repercussão no acervo da arquiteta e designer foi a cadeira desenvolvida para o auditório da primeira instalação do Museu de Arte de São Paulo (figura 50). Tratava-se de um espaço com pequenas dimensões que necessitava de um aproveitamento máxi-mo, isso “levou Lina Bo Bardi a planejar um auditório constituído por móveis sim-

Figura 48: Lina Bo Bard em Kamakura, no Japão, 1978.

Foto - Ioana Marinescu. [LARCOBALENO.COM]

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Figura 49: Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi, em 1947.Foto - Diário de São Paulo [BARDISBOwLChAIR.ARPET.COM]

ples, confortáveis e de remoção imediata” (SANTOS, 1995, p. 95). O resultado foi cadeiras dobráveis e empilháveis em ma-deira maciça e couro no acento e encosto. Porém havia um desafio a ser enfrentado: encontrar marceneiros que executassem o projeto. As cadeiras acabaram sendo fabricadas numa pequena garagem de um tapeceiro italiano para a inauguração do Museu.

Então, para atingir seus objetivos sem maiores percalços, em 1948, Lina e seu marido, Pietro Maria Bardi (figura 49), se associam à giancarlo Palanti e inaugu-ram o Studio de Arte Palma e a Fábrica de Móveis Pau Brasil. O espaço era com-posto por uma marcenaria com um rico maquinário proveniente da Itália, e duas oficinas: uma mecânica e outra de produ-ção.

Mesmo durando apenas dois anos, a maior contribuição deste período da car-reira de Lina, foi a exploração de novos conceitos de móveis, através de materiais inusitados para a época. Os principais fo-ram a madeira compensada, recortada em folhas paralelas, e as novas composi-ções propostas com lonas, chitas das Ca-sas Pernambucanas e couro, quebrando o uso dos tecidos tradicionais e diminuin-do o custo dos móveis. Suas preocupa-ções eram voltadas para os aspectos es-truturais e em mostrar a beleza dos veios e das cores da madeira brasileira.

Contudo, outros obstáculos, levariam Lina a perder o ânimo pela produção indus-trial de móveis. O principal deles se deu, ironicamente, graças ao sucesso de seu trabalho, com as inúmeras apropriações indevidas de seus desenhos por parte de fabricantes do ramo. Mesmo que a dife-rença entre os móveis feitos por ela e as cópias passassem despercebidas pelos consumidores inexperientes, o descaso estrutural era preocupante.

De repente os “móveis modernos” pas-saram a rasgar as saias das moças, des-cascar e enferrujar. Além disso, possuíam

proporções duvidosas, uns eram muito grandes ou largos, outros pequenos ou estreitos. Este tipo de produto falsificado fez “com que o bom pai de família, tenha saudade daquela cômoda cadeira [...], manufaturada pelo marceneiro da esqui-na” (SANTOS, 1995, p. 97). Já os pro-dutos de Lina se limitaram ao consumo daqueles com acesso à cultura do Movi-mento Moderno, em geral, pessoas privi-legiadas em termos de instrução escolar e, consequentemente para a época, de boas condições financeiras.

Então, tomada por um forte desestímu-lo, ela desistiu do desenho industrial e do Studio. E passa a acreditar que o ver-dadeiro móvel industrial decorria dos au-tores anônimos, com tradição popular e simplicidade máxima, feitos pelo povo e consumidos por ele. Contudo ela enxer-gava que não era bem aquilo que eles sonhavam, em depoimento para Santos

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Figura 50: Lina e suas cadeira empilháveis do MASP.

Feitas de madeira e couro projetada para o auditório da primeira instalação do Museu de Arte

de São Paulo [DwELL.COM]

(1995, p. 98), Lina declara que eles con-somem esses produtos por falta de alter-nativas, mas, “se pudessem, comprariam os móveis do Baú da Felicidade”.

Nesse período, sua presença foi mais for-te em projetos de arquitetura – experimen-tando uso de madeira maciça em móveis mais robustos – como para o Museu de Arte Moderna em São Paulo (1957), Mu-seu do Unhão, na Bahia (1963), a Fábrica da Pompéia, em parceria com o SESC, a recuperação do Centro histórico do Pelourinho em Salvador, dentre outras. Decide dedicar-se também ao setor cultu-ral, como professora da FAU-USP (1955-1959). E, no campo ecológico, ela atuou em uma pesquisa na Bahia recolhendo artefatos domésticos com a finalidade de associar esses objetos ao designer bra-sileiro.

Aparentemente, esta arquiteta não pos-suía um ideal claro de “design democráti-co”, mas sua obra é de grande valor para a causa. Seu diferencial com a introdução de novos materiais em projetos, baixam o custo final do produto, além de introduzir uma nova experiência de móveis, com es-tética diferenciada e eficaz para sua fina-lidade, de seguir a função e estar acessí-vel aos diversos gostos e bolsos. Além de alavancar experiências futuras de outros profissionais, que serviriam para a con-cretização do conceito apresentado neste trabalho.

Figura 51: Alguns de skeches de Lina.Os quatro primeiros para o Studio Art Palma; o

ultimo da poltrona Bwol em 1951. [ISTITUTOBARDI.COM.BR]

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Figura 52: Bancos X.[ESPASSO.COM]

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2.4 – ZANINE CAlDAS

Assim como os outros designers já apre-sentados nesta pesquisa, os primeiros passos da carreira de Zanine Caldas (1919 – 2001, figura 53) no design se deu no final da década de 1940, com uma particularidade; ele era um autodidata sem diploma universitário. Mas isso não o impediu de se tornar um ícone do móvel brasileiro. SANTANA (2010) o classifica como arquiteto, desenhista de publicida-de, paisagista, artista cerâmico, escultor, maquetista e um grande Mestre das Ma-deiras.

Foi trabalhando com maquetes que per-cebeu como a madeira compensada se tornava mais conveniente que o gesso, já que reproduzia com maior fidelidade suas ideias. Uma coisa levou a outra e, con-tando com o apoio do Instituto de Pesqui-sas Tecnológicas (IPT), ele passou a se dedicar a uma longa pesquisa com esse tipo de material. O resultado dessa fami-liarização com o compensado, inclusive tipos à prova d’água, foi a fábrica Móveis Artísticos Z. Ela nasceu em 1948 e con-tou com a parceria de Sebastião Pontes.

Zanine aplicou na fábrica exímias posturas de planejamento projetual. Ele acreditava que, em um país pobre como o Brasil, era necessário uma “consciência cultural da economia” (SANTOS, 1995, p. 107), usando o design para evitar todo e qualquer desperdício. Para que isso fosse possível, ele adaptou para a fábrica, um sistema de produção mecanizada, cuja mão-de-obra operária era necessária

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“Precisamos crescer para estar à altura da natureza

do Brasil.” [zaNINE caLDaS]

Figura 53: Zanine Caldas.[GALERIACOLECIONADOR.COM]

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Figura 54: Interior de residência com móveis de Zanine.Fotografado para a revista Casa & Jardim em 1950. [LEGADOARTE.wORDPRESS.COM]

apenas na etapa de montagem. Santos (1995, p. 107) descreve a produção como

orientada pelos princípios de modulação e pelo aproveitamento completo das chapas de compensado, através de um planeja-mento especial de madeira produzindo elementos componíveis que iam sendo co-locados e montados de acordo com a solici-tação comercial.

Eram propostos móveis forrados com tecidos “sem costura, em geral lona ou lonita listrada e materiais plásticos brilhantes, pregados, por baixo, com tachinhas e, por cima, com uma placa de compensado para dar um certo acabamento” (SANTOS, 1995, p. 107). Ao escolher estes materiais, o preço do produto caía consideravelmente. Quanto ao desenho, ele procurava harmonizar entre linhas retas e curvas, às vezes com formas ameboides e outras com o próprio Z. Mas, de acordo com Santos (1995, p.107 e 108), esse empenho em conseguir resolver o impasse de qualidade e barateamento dos custos pode ter criado

algumas limitações no ponto de vista estético. No entanto, a autora concorda que seu objetivo foi atingido, os móveis eram sólidos, práticos e baratos. A ela, Zanine admite que:

é lógico que o móvel do Tenreiro era mais sofisticado, tinha maior qualidade e era mais artesanal, porém era um móvel caro, feito sob encomenda. [...] Mas, também, o problema de beleza do móvel é uma ques-tão de equilíbrio; para o móvel ser bonito ele precisa ter o equilíbrio correto no espa-ço. (CALDAS, 1979, apud SANTOS, 1995, p. 110)

Mesmo diante dessa particularidade, os móveis eram perfeitamente aceitos, principalmente pela classe média, que crescia significativamente naquela época, ansiando por um diferencial em suas casas. Os produtos eram comercializados em grandes magazines, tornando-os, assim, mais próximos da maioria da população e cumprindo o principal objetivo de seu autor: “levar para todos o móvel despojado, com dignidade e bem executado” (SANTOS, 1995, p. 110).

O final da década de 1960, marcou a se-gunda fase do trabalho de Zanine carac-terizada pelo apelo ecológico. Ao se dar conta do descaso que a madeira brasilei-ra sofria ao ser descartada, ele se sentiu na obrigação de trabalhar contra essa re-alidade. Chegou a atear fogo nos próprios desenhos da Móveis Z, colocando um ponto final em sua participação na empre-sa. Passou a dedicar-se ao que chamava de “móvel de denúncia” (figura 59), pro-dutos de madeira bruta, em suas dimen-sões naturais, que mostravam a beleza daquilo que estava sendo visto como lixo. Se por um lado ele agia para sanar o pro-blema de descarte de madeira, por outro lado, seu público alvo mudara. As peças passaram a ser adquiridas por comprado-res de alto poder aquisitivo, visto que elas eram produzidas de forma puramente artesanal. Sobre este assunto, ele relata à Santos (1995) que é neste ponto que “peca”, já que abandona o público que se dedicou por tantos anos.

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Figura 57: Poltrona N.[ESPASSO.COM]

Figura 56: Poltrona Z Bum.Composta por compensado de pinho-riga e

assento revestido de algodão. [SANTANA (2010); p. 75]

Figura 55: mesa projetada por Zanine Caldas.É possível ver claramente as formas de Z característica de alguns de seus móveis.

[R20ThCENTURy.COM]

No fim da vida se passou a projetar casas e pousadas com estrutura de madeira, in-cluindo projetos de casas populares. As contribuições do Mestre das madeiras foi sem dúvida de suma importância para o “design democrático” brasileiro. Sua atitu-de, em se voltar para as massas, mostrou que soluções inovadoras podem fazer toda diferença no produto final e que é possível criar peças de madeira com qua-lidade a preço justo.

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Figura 59: Namoradeira Tête-à-Tête.Uma das peças emblemáticas dos “móveis de denúncia” de Zanine Caldas. [1STDIBS.COM]

Figura 58: Poltrona HImagem do apartamento de Arno Brandlhuber em Berlim.

Foto - Philipp Langenheim [FREUNDEVONFREUNDEN.COM]

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Figura 60: Ambiente montando com móveis de Fernando Jaeger.

Móveis: Armário Loft, Cadeira Maria branca, Cadeira Deliciosa amarela, Cadeira Iaiá assento

amarelo e Mesa Loft com Tampo em MDF laminado em madeira natural e base tubular.

[FERNANDOJAEGER.COM.BR]

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2.5 – fERNANDO JAEGER

Atualmente, Fernando Jaeger (1956, figu-ra 61) é um grande exemplo de profissio-nal que assina seus produtos na vertente do “design democrático”. Gaúcho, forma-do em desenho industrial pela Universi-dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na turma de 1980, cultivou seu talento no desenho de produtos antes mesmo de sa-ber o que era design, rabiscando ainda na adolescência, modelos de motos, carros e aviões. Como estudante universitário sempre procurava participar de projetos externos, como concursos e pequenos trabalhos de freelancer, e já nesta época despertou para a “necessidade de criar produtos mais acessíveis, em relação a preço” (OLIVEIRA FILhO, 2009, p. 197).

Sua jornada no ramo do design iniciou-se num período em que, segundo Santos (1995, p. 155), a produção no mercado mobiliário brasileiro estava distribuído em três grupos:

O móvel de autor, assinado, com canais de vendas e faixas de clientes próprios; o mó-vel de massa, que inundou o mercado para consumo popular, sem preocupação com design; o móvel reciclado, com um certo re-vival de mobília do passado, em que cópias e obras verdadeiras coexistem em antiquá-rios e lojas de móveis usados, em geral.

Quando se tratava de indústria moveleira, o campo para quem estava começando a carreira de designer era bem escasso. A maioria das fábricas preferiam investir em máquinas para produção do que em profissionais, afinal era mais fácil e bara-to simplesmente copiar modelos estran-

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“Ele é um criador que nunca se cansa.”

[SÉRGIo RoDRIGUES (2011)]

Figura 61: Fernando Jaeger.[FERNANDOJAEGER.COM.BR]

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geiros já aprovados pelo público, do que investir em design e inovação. Porém, a trajetória profissional de Jaeger quebrou este paradigma.

Logo após sua formatura veio a oportu-nidade de trabalhar num indústria de col-chões, que passara a se interessar por tubulares. Foi ali que ele adquiriu signi-ficativa experiência no ramo industrial. Aprendeu não apenas a projetar produ-tos, mas a lidar com fornecedores e en-tender a logística de uma fábrica. Nesse período, lançou no mercado um diferen-cial de pintura, o eletrostático a pó. Em depoimento à Santana (2012, p. 163) ele conta que aquela “era uma tecnologia avançada para a época e evitava descas-car a pintura. Hoje, todo mundo prefere essa pintura à líquida”.

Com um rico portfólio, dois anos depois, uma chance de trabalhar em uma reven-dedora de matérias-primas, o levou à São Paulo. Passou então a ter contato com ma-deiras de reflorestamento, compensado e aglomerado, além de um amplo leque de fabricantes e distribuidores. Dentre eles estava a Tok&Stok, com quem, teve uma parceria por cerca de 15 anos e 65 peças assinadas. Isto foi em 1985, após sair da empresa de matéria-prima e iniciar sua carreira como consultor autônomo. Essa foi uma época determinante para que, ao passar dos anos, ele criasse um tipo de autossuficiência profissional que o levou a abrir seu primeiro showroom em 1997.

A auto identificação foi um dos motivos que o incentivou a assinar produtos para pessoas, que assim como ele, tinham co-nhecimento de design, mas poucos re-cursos financeiros. Fernando pertencia à classe média e sempre batalhou muito para se manter. No período em que es-tava trabalhando por conta própria, sua família havia crescido, com a chegada de seu primeiro filho. E foi das próprias ne-

cessidades que surgiam as inspirações para seus móveis. Por exemplo, quando precisou comprar um berço para o bebê, “tudo o que podia pagar era feio ou pe-rigoso, então resolveu desenhar” (PIE-MONTE, 2011, p. 26).

Atualmente, quando questionado sobre o motivo de não instalar lojas em regiões de classes altas, responde que: “Não quero deixar de trabalhar para aquele público que tem informação e cultura e não tem grana, como eu não tive no começo da minha carreira, [...] já fui esse cara.” (JAE-GER, 2011, APUD PIEMONTE, 2011, p. 29)

Para tornar seu discurso realidade, ele reúne toda carga de conhecimentos ad-quirida ao longo de sua experiencia pro-fissional em projetos direcionados à pro-dução industrial em série. Em depoimento à alunos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ele confessa que não conse-gue pensar num móvel como uma peça única e artesanal: “eu sempre já penso no processo, que tipo de máquina vão ser empregadas”5(JAEgER, 2011), diz.

Figura 62: Releitura da Cama Patente, Feita por Fernando Jaeger. [TOkSTOk.COM.BR]

5 Depoimento em vídeo de Fernando Jaeger aos alunos de desenho industrial da Universidade Pres-biteriana Mackenzie, Mario Espinoza e Thiago golizia. Fonte: http://youtu.be/BnHaMpl3f30 realizada em 13/09/2011.

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Quando se trata de processo criativo, Jaeger não costuma usar computador e os desenhos, que ficam espalhados pelo seu escritório, seguem a linha racionalis-ta da Bauhaus, unindo desenho e função. Já a etapa de produção do móvel se dá por terceirização, visto que sua empresa não possui fábrica própria. Esse é um dos artifícios que usa para diminuir o custo da peça. Em cada projeto, uma situação es-pecífica, quando necessário distribui em mais de um fabricante.

Hoje em dia, existem 6 lojas em seu nome, sendo 3 delas de pronta entrega e 3 ateliês. Elas estão instaladas na Vila Pompéia - SP, em Moema - SP e Laranjei-ras - RJ. Ao todo, Fernando Jaeger pos-sui 50 funcionários diretos, 400 indiretos (estofadores, marceneiros, artistas plásti-cos e moveleiros), 210 peças produzidas e 1.200 vendidas por mês6.

Os consumidores se identificam com suas peças de estética moderna, prática e de

Figura 64: Cadeira Iaiá.Estrutura tubular com pintura a pó, assento estofado e encosto em compensado moldado. [FERNANDOJAEGER.COM.BR]

Figura 63: Cadeira Donna com Bracos Lateral.Estrutura em madeira maciça, braços em laminado curvo. [RADARDECORACAO.COM.BR]

6 Dados da Revista Folha de São Paulo em março de 20117 Dados Do Jornal Folha de São Paulo (segundo o Ibope) em 21 de agosto de 2011, relativo à grande São Paulo. Caderno E8 Ilustrada.

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ótima qualidade, dando a eles uma rela-ção satisfatória de custo benefício. Verda-deiros “objetos de desejo” antes restritos à elite. Em 2011, quatro de suas peças foram solicitadas para compor o cenário da novela “Insensato Coração”, da rede globo de televisão, que chegou a atingir um público de 2.426 telespectadores no horário nobre7.

Ao unir todo conhecimento de processo industrial ao design, o produto se torna um caso de sucesso, principalmente quando se fala em “design democrático”. O nome de Fernando Jaeger é citado sempre que esse assunto vem à tona. Nos dias atu-ais, ele põe em prática aquilo que Michel Arnoult sempre almejou, assinar produtos que podem estar na casa de “todos”.

Figura 68: Loja de Fernando Jaeger em Moema.São Paulo – SP [FERNANDOJAEGER.COM.BR]

Figura 67: Imagem da loja de Fernando Jaeger em Vila Pompéia.São Paulo – SP [FERNANDOJAEGER.COM.BR]

Figura 66: Ambiente da loja de Fernando Jaeger em Laranjeiras.Rio de Janeiro – RJ [FERNANDOJAEGER.COM.BR]

Figura 65: Parte da fachada da loja de Fernando Jaeger em Laranjeiras.Rio de Janeiro – RJ [FERNANDOJAEGER.COM.BR]

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Figura 69: Sala bar de Marcella Bacellar e Renata Lemos.

Morar Mais, Rio de Janeira, 2013. Detalhe para o sofá Chesterfield construído com

pilhas de caixas de ovos. Foto - MCA Estudio

[CASA.ABRIL.COM.BR]

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2.6 – MORAR MAIS

A Morar Mais é um caso peculiar neste trabalho. Não se trata de uma empresa ou fábrica, nem está presente no mer-cado industrial, mas propõe reunir estes segmentos à profissionais de arquitetura e design numa exposição de decoração que traga soluções, criativas e inéditas, de ambientes sofisticados com preços acessíveis.

O evento surgiu em 2004, de uma situ-ação cada dia mais comum. Sabrina Schuback estava para se casar e pos-suía uma verba limitada para decorar sua casa. Optou então, por contratar uma pro-fissional e amiga da família para resolver seu dilema, lançando o seguinte desafio:

olha, tenho X reais. Pelo que andei vendo por aí, sei que não é muito, mas conto com a sua experiência e criatividade para que o resultado final fique chique e elegante13 (SChUBACk, 2004)8.

O efeito obteve tanto sucesso que Sabrina propôs a mãe, a empreendedora Lígia Schuback, e ao irmão, o administrador de empresas Sandro Schuback (Figura 71), que esta experiência se transformasse em evento.

Desafio aceito, foram em busca de pro-fissionais e empresas que abraçassem a ideia. De início, sentiram uma certa resis-tência por parte deles. De acordo com o release do evento, eles “torceram o na-

“os projetos apresentados no evento dão conta de

que o melhor não tem que ser necessariamente o

mais caro. ” [SÉRGIo RoDRIGUES]

Figura 70: Logo do evento.

8 Depoimento de Sabrina Schuback cedido por Marcelo Guidine responsável pela L. Schuback Asses-soria de Imprensa.

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riz porque acreditavam tratar-se de uma amostra de decoração popular”9. No en-tanto, o passar dos anos provou que o conceito seria uma excelente oportuni-dade para expor produtos e ideias a um público maior e diferenciado.

A política principal da Morar Mais é pos-sibilitar o design acessível, com o melhor custo-benefício, unindo conforto e ele-gância. Para tanto, os profissionais são incentivados a apresentar soluções cria-tivas e inovadoras em ambientes, se va-lendo dos seguintes pilares:

1. Sustentabilidade: com o investimento em produtos de materiais alternativos, reciclados ou reaproveitados – como por exemplo, paredes revestidas com papel, móveis de papelão ou módulos com cai-xotes de madeira, populares em feiras livres, assim como a reforma de móveis antigos –. Outro foco é o de iniciativas para racionalização de gastos com ener-gia e água;

2. Inclusão social: uma alternativa de di-vulgar e incentivar o consumo de produ-tos fabricados em ONGs, cooperativas de artesãos e profissionais informais;

3 “Brasilidade”: a amostra valoriza produ-tos fabricados no Brasil e com natureza e estética regional. Na exposição são evi-

tados nomenclaturas estrangeiras, como living, closet e home theater, que são substituídas por sala de estar, quarto de vestir e sala de televisão.

4. O evento também traz novidades tec-nológicas para promover a modernidade nos espaços.

Outra característica comum é o uso de uma ferramenta normalmente utilizada para a moda: o Hi-low (figura 73), cuja tradução é alto-baixo. Trata-se de mistu-rar elementos caros e baratos no mesmo ambiente, ou seja, todos os produtos que se encaixam nos pilares citados acima, estão juntos daqueles de alto valor aqui-sitivo no mesmo recinto, inserindo nes-te, aquilo que a amostra classifica como “conceito de sofisticação”.

Para incentivar a participação dos pro-fissionais, a organização do evento ofe-rece um prêmio para os ambientes que se destacam no ano: um estande na feira anual de Milão, na Itália. Nos ambientes também estão dispostos os preços dos produtos e serviços ali expostos, e desta forma o cliente pode adquiri-los facilmen-te, além de estabelecer a relação custo x benefício proposto pelo expositor. Outra iniciativa da Morar Mais é a introdução de novos profissionais no mercado. Não há um critério para expor, e com isso, muitos iniciantes passam a ganhar projeção no mercado lançando suas ideias na expo-sição.

A primeira edição da Morar Mais ocorreu no Rio de Janeiro e, atualmente, 10 anos depois de sua estreia, está presente em outras 8 capitais: Belo Horizonte, Brasí-lia, Campo Grande, Cuiabá, Goiânia, São Luís e Vitória. As primeiras edições ti-veram a participação de um público com idade superior à 40 anos e pertencente as classes A e AA. Com o passar do tem-po ele ficou mais “jovem”. Atualmente já visitam a amostra pessoas na faixa dos

Figura 71: Sabrina, Sandro e Lígia Schuback.Fotos - Antônio kampffe [FACEBOOk.COM/MORARMAIS]

9 Informações do release enviado por Camila Campos responsável pelo Marketing da Morar Mais Pro-moções e Eventos.

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30 anos e com renda nos patamares das classes AB e B. As imagens dos eventos também estão dispostas na internet, atra-vés dos site oficial, blogs e redes sociais.

Mesmo com um público de renda ainda elevada, através esse tipo de iniciativa, as grandes massas tem acesso a novas sugestões para conceitos clássicos. Po-de-se citar como exemplo disso, as diver-sas soluções para reuso de materiais que aparentemente são descartáveis, como luminárias de garrafa de vinho, escadas que viram estantes ou prateleiras, carre-teis de fio que se transforam em mesa, etc. Também há uma valorização do ar-

Figura 72: Divulgação do evento em Curitiba (2011)[PROJETOBLOG COM BR]

tesanato em ambientes sofisticados. A importância de trazer boas ideias com artigos simples é o grande trunfo que o Morar Mais traz à sociedade em massa, possibilitando assim, o uso do design para soluções inovadoras e acessíveis.

Figura 73: O high low.A imagem ilustra o significado da expressão high-low em uma ambiente através de um dormitório com cabeceira rústica e lustre trabalhado. Foto - Heart Home Magazine [COLUNAS.REVISTAGLAMOUR.GLOBO.COM]

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Figura 74: Ambiente Morar Mais, Rio 2012Estúdio da Mulher de Dolores Marafelli, Juliana Bomgiovanni e Luciana Lage. “Projetado com materiais de baixo custo onde geralmente se recorre a matérias- primas nobres. As arquitetas encontraram melhor custo x benefício nos mobiliários utilizados. Saber otimizar o custo final do projeto é uma das premissas básicas do conceito Mais por menos.” [PORFÓLIO MORAR MAIS]

Figura 75: Representação de brasilidade na Morar Mais.[MORARMAIS.COM.BR]

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Figura 76: Max Reichel, criador e CEO da empresa Oppa, no showroom da Vila

Madalena (SP)Reportagem de Cleide Floresta sobre o

crescimento da nova geração de móveis on-line. Folha de São Paulo março de 2013.

Foto - Júlia Rodrigues/Folhapress [FOLhA DE SÃO PAULO]

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2.7 – OPPA

Na amostra escolhida para este trabalho, a Oppa é a única que representa uma empresa. Isto porque, o tema “design para todos” é seu slogan e sua principal essência. Ela é uma companhia muito jovem, tem apenas 3 anos e nasceu de um dilema pessoal de um alemão, recém formado em administração na renomada Universidade de harvard, que chegou ao Brasil com planos de montar um negócio online. Na hora de mobilhar sua casa, Max Reichel (1983, figura 76) sentiu na pele o que muitos brasileiros enfrentam: procurar móveis de design diferenciado, com qualidade e preços acessíveis a or-çamentos limitados. Passou, então, a se comunicar com alguns amigos para in-vestigar o porquê dessa situação e a res-posta foi imediata: falta de oportunidade! Muitos profissionais entram no mercado todo ano, com ótimas ideias mas com poucos recursos para investir nelas.

Foi dessa forma que Max percebeu como o mercado moveleiro ainda é tradicional, onde os opostos – de móveis assinados com alto custo versus os populares de qualidade inferior – vigoravam. Viu então, nessa lacuna, uma excelente oportunida-de de mercado, e investir em móveis se tornou seu plano principal no Brasil. En-tão, em 2011 o site oppa.com.br (figura 78) foi ao ar com o objetivo de

Ser uma plataforma que reúna uma gama de produtos, desde os mais práticos e sim-ples, até os mais inovadores com design assinado, sempre oferecendo qualidade e preço justo. (REICHEL APUD CASAGRAN-DE, 2012).

“DESIGN É PaRa ToDoS!” [SLoGaN Da oPPa]

Figura 77: Logo da loja.

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Para isso, procura-se trabalhar com um conceito que a empresa classifica como “smart design”, ou seja, projetar produtos que

Possam, dentro de uma proposta, atender a várias opções. Como a case para note-book que vira suporte para o aparelho, as televisões que juntam funções de computa-dor para internet, o sofá que vira uma cama beliche, as cadeiras que, juntas, tornam-se um banco único, ou a mesa de jantar que vira mesa de bilhar ou roleta. Tudo assim: bonito, simples e esperto. (OPPA, 2014)

Isso não significa que são móveis pura-mente multifuncionais, mas que são pro-jetados para um tipo de versatilidade em que o cliente fica à vontade para usá-los como lhe convém, e não apenas na forma convencional, que a natureza do produto determina.

Outra preocupação da empresa é inves-tir em jovens designers, acolhendo seus projetos direto no site, ou através do pro-grama anual de estágio. No site, cada proposta é analisada pela Equipe Oppa. Caso preencha os requisitos da empresa, o produto é produzido e comercializado na mesma plataforma. Ao criador, é cedi-do a assinatura e participação financeira no lucro das vendas de seu móvel. Dessa forma, qualquer profissional, em todo o país, tem a oportunidade de mostrar seu

Figura 78: Imagem do site em 26 de julho de 2014.[OPPA.COM.BR]

trabalho e adentrar no mercado de mobi-liário.

A metodologia adotada segue com uma produção completamente terceirizada, contabilizando atualmente cerca de 30 fabricantes parceiros. A Oppa também procura trabalhar com uma logística pro-jetual eficiente, com o mínimo de desper-dício possível e um planejamento geral das etapas em que o produto deve seguir até chegar ao usuário. É sugerido um es-tudo minucioso, de forma que toda a fase de produção seja clara e eficaz. Deve-se incluir, desde a fabricação da embalagem até o transporte e montagem do produ-to (este fica a cargo do cliente) e, assim como a compra, deve se tornar uma ex-periência fácil e tranquila para ele. De modo geral, o processo de criação de um móvel Oppa segue as seguintes etapas (figura 85):

1. A equipe de designers da Oppa ana-lisa as tendências do mercado, projetam e elegem novos produtos, ou o projeto é enviado para o site e avaliado pelo mes-mo grupo da empresa;

2. Estuda-se, então, quais serão os for-necedores parceiros responsáveis para fabricar o produto e como se dará a pro-dução, priorizando a qualidade e o não desperdício;

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3. Após fabricados, o grupo Oppa recebe e inspeciona o lote de produtos;

4. Ele então é lançado no site, por campa-nha ou na aba “lançamentos”;

5. O cliente acessa a plataforma e esco-lhe os produtos;

6. E, finalmente, o pedido é enviado para o comprador através de uma transporta-dora terceirizada. Em um prazo de 7 dias, podem ocorrer troca e devolução.

7. há também um incentivo por parte da empresa para a sustentabilidade de mó-veis em termos de reuso de peças usa-das. O sistema do site propões que os clientes doem seus móveis antigos para “entidade filantrópicas que doam móveis para famílias carentes ou vendem esses produtos para gerar fundos para custear projetos sociais.” 10

O uso da internet como forma de co-mercialização principal não foi à toa, ela funciona como um showroom virtual, dis-pensando gastos de manutenção que normalmente se tem em uma grande loja física. Além disso, essa ferramenta tem ganhado cada dia mais força no consumo mundial. Segundo o site Ebit Empresa, no primeiro semestre de 2012 esse formato faturou, no Brasil, R$ 10,2 bilhões.

Figura 79: Arara Nômade de André Pedrini e Ricardo Freisleben.Prateleira com estrutura em MDF laminado e madeira de pinus com acabamento em verniz de poliu-retano. Rodízios plásticos e hastes metálicas com acabamento de pintura epóxi. Na Oppa é vendida por R$ 899,00 à vista. [DORNOB.COM]

Outro recurso escolhido pela empresa é a configuração de armazenamento dos produtos. De acordo com seu fundador: “cortamos até 70% dos custos criando uma logística que tirasse o produto direto do depósito para a casa do consumidor” (REIChEL APUD AGUILhAR, 2012).

Atualmente a loja realiza entregas em 14 estados brasileiros, e a comodidade de comprar e receber os produtos sem sair de casa tem atraído uma camada signi-ficativa de consumidores e a Oppa tem recebido elogios de aproximadamente 68%11 dos que usam seus serviços. há também, um significativo reconhecimento pela mídia, que passou a considerá-la a “IkEA brasileira” .

Esse status alcançado pela empresa, trouxe grandes investidores, um deles foi o bilionário Peter Thiel – o primeiro a inserir capital no facebook e cofundador do sistema PayPal – que em 2012 apos-tou US$ 13 milhões na Oppa. Além dele, a empresa conta com o apoio de compa-nhias como a Monashees Capital, Kaszek Ventures, Thrive Capital e Micky Malka (DEMETRIO, 2012). Seus ideais conquis-tam o mercado, escolhendo o público em massa e levando a eles o que, até então, era restrito a parte da elite: o amor pelo design dentro de suas casas.

1 0 Site Oppa Design. http://www.oppa.com.br/doe-o-seu-movel11 Avaliação de consumidores segundo o site http://www.ebit.com.br/oppa-design acessado em 28 de abril de 2014.

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Figura 80: Aba no site Como trabalhamos.[OPPA.COM.BR]Figura 81: Divulgação Oppa.Imagem para divulgação dos produtos da empresa. [OPPA.COM.BR]Figura 82: Imagens de divulgação dos produtos Oppa.Campanha no Google + [plus.google.com]

Figura 83: Poltrona Bump.Foto - Manu Oristanio. [casa.abril.com.br]Figura 84: Rack Masp.Divulgação no Pinterest. [OPPA.COM.BR]Figura 85: Ambiente com produtos da Oppa.Sofá Ibirapuera, Mesa Lateral Celeste e Tapete Cavalcânti. [OPPA.COM.BR]

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Figura 87: Cadeira Uma.Premiada em 2012 com o Prêmio de Design IDEA/Brasil . Composta com pés e estrutura em madeira de eucalipto, laterais e assento em MDF. [OPPA.COM.BR]

Figura 86: Cadeira Uma, versão desenvolvida para a marca Farm.Divulgação. [MSN.LILIANPACCE.COM.BR]

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Figura 88: Fabricação de parte da Cadeira Thonet nº 14.[ThONET.AGSOLUTIONS.DE]

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PARTE 3ENTãO, COMO NASCE UM MóVEl

DEMOCRÁTICO?

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Uma vez conceituada a expressão “de-sign democrático” como aquele voltado para as necessidades e aspirações dos consumidores, torna-se necessário com-preender quais os processos adotados para sua concepção através de uma se-leção dos dados colhidos anteriormente, submetendo-os, simultaneamente, a uma análise comparativa. A finalidade é trazer à tona uma visão panorâmica das solu-ções encontradas por profissionais, que podem vir a definir critérios para o suces-so de fabricação e comercialização de móveis desta natureza.

Uma das primeiras impressões que pode ser observada nas iniciativas, é a determi-nante influência do contexto histórico para a receptividade dos produtos no merca-do. Partindo deste princípio, a investiga-ção dos dados será distribuída em dois momentos. O primeiro, reúne a amostra cujas propostas partiram da década de 1940, em que é possível encontrar um público que anseia por móveis que es-tejam de acordo com o novo modelo de arquitetura proposto pelo Movimento Mo-derno no Brasil. Em seguida, será verifi-cado o que foi proposto a partir de 1980, quando as massas populacionais passam por um processo de ascensão no poder de consumo e informação, encontrando, porém, um mobiliário pouco interessante, em termos de qualidade e estética, dire-cionados para eles. Por fim, estes dados serão apresentados num gráfico com o propósito de facilitar a interpretação e dis-tinguir claramente as relações entre eles para uma futura aplicação prática.

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3.1 – PRIMEIRA GERAçãO: 1940 à 1980

Ao contemplar o processo do mobiliário no Brasil é possível constatar uma lenta transição entre aqueles com influência europeia dos colonizadores e os vistos como genuinamente nacionais. O “gri-to de independência” da mobília no país ocorreu em meados do século XX e mui-tos foram os protagonistas que propuse-ram uma mudança na forma de compor os ambientes da população nacional. Dentre eles estavam os profissionais pio-neiros que, em determinado momento, decidiram focar sua carreira no “design democrático”. Mais precisamente a partir da década de 1940, surgiram os nomes de Lina Bo Bardi, Michel Arnoult, Geraldo de Barros e Zanine Caldas.

Numa sociedade que se encontrava em transformação em termos de habitação, para inserir no mercado produtos com o conceito proposto por Bonsiepe (2011), os designers estudados sentiram a ne-cessidade de encontrar novos posiciona-mentos projetuais. Um deles foi a escolha de materiais alternativos, embora a práti-ca de usar madeira como matéria prima principal permanecesse ativa.

O mestre das madeiras Zanine Caldas, o eclético artista Geraldo de Barros e a arquiteta Lina Bo Bardi optaram por ex-perimento com um elemento inovador na época, mas que atualmente é usado com frequência nas indústrias moveleiras, o compensado. Trata-se de um material re-lativamente leve que permite um melhor aproveitamento das chapas de madeira,

que podem ser encontradas no mercado em diversas espessuras. Além disso, gra-ças à sua resistência uniforme, dificulta o aparecimento de fendas ou empenamen-to.

Zanine Caldas usou da racionalização dessas chapas, através de cortes minu-ciosamente planejados, acreditando ser a melhor forma de aproveitar esse material. Nele, tanto Zanine quanto Lina Bo Bardi, procuravam usar acabamentos que des-tacassem o apelo estético da madeira ex-plorando as bordas do material.

No caso da Unilabor, eram usados lami-nados com cores ou texturas de outros tipos de madeira. Geraldo de Barros unia em suas peças madeira, ferro e metais. A opção por essa junção de materiais po-dia ser justificada pela própria configura-ção inicial de trabalhadores envolvidos no projeto: marceneiros, serralheiros e enge-nheiros.

Já Michel Arnoult preferiu apostar na ma-deira maciça, por acreditar que ela possui qualidade sempre superior com relação aos tipos de compensado ou aglomera-do. Além disso, previa a capacidade de sucesso daquelas provenientes de reflo-restamento.

O grupo citado ousou também na escolha de tecidos para compor as peças, como é o caso da lona e lonita, materiais que até então eram usados para proteção de car-gas, confecção de velas de navio, compo-sição de tendas ou alguns tipos de bolsas.

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Um terceiro caso, incomum para a época, é o uso da chita em móveis assinados. Pois trata-se de um tecido característico de vestimentas e festas populares, feito de algodão e composto de várias estam-pas orgânicas. Outro exemplo é o plás-tico, usado em alguns componentes dos móveis.

Outro momento decisivo para a concep-ção de uma peça de mobiliário é a esco-lha do processo de fabricação. Essa eta-pa pode ser compreendida antes e depois da Revolução Industrial. Uma vez que, de início, toda a produção era artesanal, foi após esse marco da história mundial que pôde-se fabricar mais peças com agilida-de e precisão. No Brasil, isso proporcio-nou aos protagonistas do móvel “demo-crático” a utilização de técnicas como a de modulação, um conceito que possibi-lita a criação de vários tipos de móveis com peças padronizadas.

Esse processo é algo comum na fabrica-ção dos móveis de Michel Arnoult e Ge-raldo de Barros, ambos optaram por uma diversificação de componentes padroni-zados que, configuradas entre si, davam origem às suas peças de mobiliário. E, atualmente, esta é a base de produção de muitos artefatos do setor, principalmente quando se trata da indústria de planeja-dos.

Além desta técnica, Michel Arnoult de-fendia um planejamento de móveis dire-cionados para facilitar a montagem e o transporte. Com a Peg Lev ele “lançou” a prática em que o comprador transporta e monta seu produto.

Na hora de escolher o método de implan-tação de seus móveis no mercado, esse período é marcado por uma tentativa de quebra no conceito de móveis sob enco-menda. A maioria dos designers da épo-ca, em algum momento de suas carrei-ras, optaram por uma loja especializada na venda de seus móveis. A Móveis Z, Mobília Contemporânea, o Studio de Arte Palma, a Unilabor e a Hobjeto foram “pal-

co” dos principais produtos desenvolvidos por esse grupo de profissionais. Alguns também foram comercializados em gran-des Magazines, supermercados e bancas de jornais – o os dois últimos idealizados para a venda do conceito de móveis Peg Lev.

Neste momento da história brasileira, o acesso a informação de design era res-trito. Fato decisivo para que esses produ-tos, nem sempre chegassem as casas da população em massa. Em depoimento a prof. yvonne Mautner (1995), Michel Ar-noult conta que na época em que era só-cio da Mobília Contemporânea, a produ-ção era direcionada para a classe média, mas os funcionários da fábrica costuma-vam comprar os produtos que possuíam algum problema de acabamento direto da fábrica e, consequentemente, mais bara-tos.

No caso da Unilabor, a escolha por lo-jas instaladas em lugares frequentados por consumidores de alta renda, ocorreu quando os magazines se recusaram a vender a proposta de mobiliário da empre-sa. Mas ela não foi a única, Michel Arnoult também sentiu essa rejeição. Caso que revela como os meios de comercialização de produtos direcionados as massas não estavam interessados nos novos olhares dos profissionais de design da época.

Em termos gerais, a classe média teve uma forte participação no consumo des-ses móveis. Santos (1995) destaca que esse público esteve presente principal-mente nas vendas da Móveis Z, porém, na maioria das vezes, mesmo com todo um planejamento voltado para a diminui-ção dos custos, os móveis desse grupo ainda ficaram restritos aos interiores do público favorável aos movimentos van-guardistas.

Em 2003, Michel Arnoult lançou a poltro-na Pelicano, com as características de um verdadeiro móvel democrático. Ela foi comercializada, por um tempo, pela rede de lojas Tok&Stok, mas hoje é uma peça

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rara, restrita aos ambientes de coleciona-dores. Atualmente, essa poltrona e outros móveis de Arnoult estão à venda em sites europeus por, em média, £ 477,0012, que equivale a R$ 1.799,8613 . Números que revelam um produto inacessível às mas-sas brasileiras, mesmo sabendo que, um dia, essas mesmas peças foram pensa-das para esse público.

Não há como negar a grande contribui-ção dos profissionais provenientes destas quatro décadas na forma que vemos o mobiliário industrial atual. Suas observa-ções e tentativas de implantar, no merca-do, produtos voltados para a maioria da população, formam a base para que as próximas gerações estabeleçam o forma-to de “democracia” no design atual.

As décadas entre 1960 à 1980 foram marcadas por um declínio de novas alter-nativas, por parte de outros profissionais, embora Michel Arnoult, Zanine Caldas e Geraldo de Barros estivessem ativos no mercado. Nas próximas gerações, as considerações herdadas foram aperfei-çoadas e se adaptaram as novas tecno-logias e meios de comunicação. A seguir será analisado os métodos implantados para essa realidade.

12 Poltrona Pelicano à venda no site europeu Made in Design, http://www.madeindesign.co.uk/d-michel-arnoult.html sobre distribuição da Objekto.

13 Cotação de acordo com o site do Banco Central do Brasil relativa à 22/07/2014.

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3.2 – SEGUNDA GERAçãO: 1980 à 2014

Para o presente trabalho, esse segundo momento na história do “design democrático” tem como personagens principais o designer Fernando Jaeger, a empresa Oppa Design e o evento Morar Mais. Coincidentemente, a inspiração para enveredar nesse tema veio graças as experiências e necessidades pessoais do designer e dos responsáveis por ambas as marcas.

O espaço de tempo escolhido parte de 1980 por marcar a quebra do hiato de iniciativas com o surgimento de Fernando Jaeger no mercado do design. Este, conseguiu vencer as barreiras das oportunidades limitadas para os iniciantes no universo do design brasileiro e se consolidou no mercado. Com o passar do tempo aprendeu a conhecer os melhores caminhos para desenhar e produzir móveis que atendessem um público do qual já fez parte. E, assim como os personagens da amostra anterior, precisou construir uma postura profissional de familiarização com os materiais e processos necessários para o sucesso de seus produtos.

Embora use diversas matérias-primas para compor seus móveis, a madeira ainda é a predominante entre aas outras. Assim como Michel Arnoult, Jaeger optou por trabalhar com aquelas provenientes de reflorestamento. A cadeira guache, por exemplo, é toda composta por esse tipo de material, já a Iaiá possui assento em estofado, encosto de compensado moldado e estrutura metálica.

Seguindo uma linha de características materiais semelhantes, na Oppa, a maior parte dos móveis são feitos com madeira, seja ela compensada, MDF ou maciça, porém investe também peças compostas de metal e plástico. A união de materiais é muito comum nos móveis comercializados na loja. Um exemplo disso é a Arara Nômade (figura 84) dos designers André Pedrini & Ricardo Freisleben, que possui as prateleiras em MDF, estrutura em Pinus, rodízios de plásticos e hastes metálicas.

Por fim, quando se trata de escolha de materiais, para o evento Morar Mais a proposta da vez é a reutilização, seja com a criação de novos produtos com base neste sistema, ou reformando os já existentes. É essa a prática mais utilizada nos projetos da mostra que defende o uso produto dessa natureza ao lado de um considerado “de luxo”, construindo, dessa forma, uma solução para sofisticação com baixo custo. Há também a valorização de composições regionais, estimulando o consumo de produtos artesanais. Dessa forma, o conceito de sustentabilidade instiga cada vez mais os participantes a procurar novas alternativas para produtos que, até então, são vistos como simplesmente descartáveis. Quebrando também, o paradigma de que um ambiente deve ser composto apenas por uma mobília tradicional. No entanto, vale salientar, que a Morar Mais ainda não conseguiu tornar seu discurso realidade, pois os ambientes propostos

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nas exposições não são compatíveis aos das massas.

Quando se trata de fabricação, há uma predominância por parte deste grupo em optar por terceirização. Para Oliveira Filho (2009, p.199), esta é

uma alternativa em que todos saíam ganhando – a indústria, que produzia sem riscos comerciais; o designer, que conseguia empreender seus desenhos em escala industrial; e o consumidor, que era agraciado com um produto de boa qualidade a preços módicos. (OLIVEIRA FILhO, 2009, p. 199)

Abastecidos de um leque de fornecedo-res, cada qual com uma ou mais especia-lidades, a produção pode ser distribuída de forma que muitos setores podem ser envolvidos sem a necessidade de uma in-dústria fixa e de maquinário extremamen-te sofisticado que deve ser mantida pelas vendas nas lojas.

O designer Fernando Jaeger procura adaptar seus desenhos às limitações dos colaboradores, assim como a empresa Oppa. Esse movimento de produção gera ainda centenas de empregos diretos e indiretos. Já num evento, como é o caso da Morar Mais, esse mesmo grupo de parceiros tem a oportunidade de mostrar seus serviços ao público.

Produto pronto, a próxima decisão a ser tomada é como implantá-lo no mercado. Algo marcante na comercialização des-sa geração é o surgimento do mercado e-commerce, onde os móveis podem ser expostos numa plataforma online.

A página fernandojaeger.com.br é com-posta por sessões, onde é possível ao comprador conhecer as coleções de mó-veis, tanto os do sistema de pronta entre-ga, quanto os comercializados direto no ateliê, assim como as dimensões, os ma-teriais usados nos móveis e algumas op-ções de uso. A página não disponibiliza

informações de preços, eles podem ser encontrados em um catálogo anual em versão online ou diretamente nas lojas.

JJá a Oppa optou por vender suas mer-cadorias exclusivamente na sua platafor-ma oppa.com.br, mas mantém showroons com a finalidade de proporcionar aos clientes um contato físico com os produ-tos, além de expor suas formas de uso em um determinado espaço. No site eles estão separados em sessões de acordo com os ambientes – sala, banheiro, cozi-nha, escritório, etc. – e os tipos de móveis – aparadores e buffets, araras, bancos, banquetas, baús, cabideiros, camas, ca-valetes, cômodas, criado-mudo, etc. –. Ao clicar no móvel o cliente será guiado para uma página com as informações de pre-ço, forma de pagamento, materiais que o compõe, dimensões e manual de monta-gem. Na mesma página está o nome do profissional ou grupo responsável pelo projeto e um texto breve sobre sua bio-grafia. Há também um blog com dicas de decoração e de uso dos produtos vendi-dos no site, o mesmo ocorre na página do Pinterest14 e nas redes sociais do grupo Oppa.

O terceiro caso, mesmo se tratando de um evento, também se tornou uma for-ma de comercialização de mobiliário. Os profissionais que expõem na Morar Mais disponibilizam os preços de suas peças e as informações de contato em etiquetas espalhadas pela amostra.

Quanto à receptividade do público, nos dois primeiros casos é possível perceber uma conquista predominante entre o pú-blico de classe média alta e baixa (conhe-cidos como Classe C).

Os preços variam de acordo com os pro-dutos. Num grupo de cadeiras da Oppa, por exemplo, custam entre R$ 49,00 (ca-deira Moneli, figura 90) e R$ 999,00 (ca-deira Kraus, figura 89), ambos produtos

14 Site para elaboração de painéis criativos, no caso da Oppa, de decoração em geral, produtos vendi-dos na loja virtual, mobiliário assinado em geral, etc.

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da linha Oppa Basic projetadas pela equi-pe da empresa. Já esse mesmo grupo de móveis para pronta entrega na loja de Fernando Jaeger de São Paulo – SP, tem custo entre R$ 315,00 (cadeira Iaiá, figura 64) e R$ 983,00 (cadeira Donna Escritó-rio, figura 91), de acordo com o catálogo com a coleção 2014.

Já, segundo o release da marca, o evento da família Schuback atinge hoje o público AB e B.

Atualmente a Oppa é vista como a IkEA brasileira , e o título de profissional com produtos com “design democrático” foi dado a Fernando Jaeger pela revista Folha de São Paulo em março de 2011. A primeira não vende apenas produtos, mas o amor por design e uma forma de ver a casa como uma extensão do próprio morador. E ambos demonstram claramente o desejo de incluir seus produtos as massas. São grandes exemplos de seguidores da geração de Michel Arnoult que erguem a bandeira de seus ideais e conseguem a cada dia levar seu sonho adiante.

Figura 90: Cadeira Moneli preta.Feita com base de metal, assento e encosto em polipropileno e acabamento em pintura epóxi. [OPPA.COM.BR]

Figura 89: Cadeira Kraus.Estrutura fabricada em alumínio e rodízios em Nylon. Regulagem de altura através de pistão à gás. Assento e encosto com espuma com densi-dade D65. Revestimento em malha. [OPPA.COM.BR]

Figura 91: Cadeira Donna Escritório.Estrutura em madeira maciça, braços em lamina-do curvo. Assento e encosto estofados. Revestimento em tecidos diversos. Base com altura regulável em nylon, com rodí-zios. [FERNANDOJAEGER.COM.BR]

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3.3 – COMPARANDO AfINIDADES

Pode-se compreender então, a etapa de construção e aplicação de um móvel “demo-crático” em 3 fases: a escolha de materiais, o processo de fabricação e a implantação no mercado, paralelamente com a forma pela qual o produto chega na casa do cliente. E os elementos da amostra apresentada neste trabalho procuraram direcionar os de-senhos de seus móveis à essa realidade projetual.

Diante dos dados colhidos nas sessões anteriores, é possível inferir que para cumprir tais etapas os designers, a Morar Mais e a Oppa desenvolveram caminhos comuns e característicos entre eles, e tais escolhas podem ser ilustradas em um conjunto de gráficos. Os critérios apresentados nesses quadros, foram escolhidos de acordo com os pontos mais característicos dos projetos de cada membro da amostra, de forma que, os caminhos trilhados por eles possam servir de inspiração para projetos de de-sign com o ideal proposto nesta pesquisa.

O resultado final está sujeito a teste, ou seja, os gráficos propõem exemplos de pro-cedimentos baseados nas escolhas dos profissionais e sua eficácia pode ser compro-vada em aplicações práticas futuras.

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MADEIRAMACIçA

REflORESTAMENTO

Michel Arnoult

fernando Jaeger

Oppa

Apostou no Eucalipto, acreditando ser uma espécie de madeira de baixo custo e grande qualidade.

Boa parte de seus móveis são compostos por Pinus ou Eucalipto. Esses frequentemente são usados como elementos estruturais das peças.

COMPENSADO

Geraldo de Barros

lina Bo Bardi

Zanine Caldas

fernando Jaeger

Oppa

Na Unilabor, usava módulos compostos pro pranchas de

compensado e revestimento de fórmica ou laminado de Jacarandá.

Na hobjeto ainda usava métodos semelhantes, mas com o acréscimo de

acabamento laqueado.

fazia parte de um dos materiais inusitados que experimentou no

Studio de Arte Palma. O acabamento mostrava a estética da madeira, suas

cores e veios.

foi um grande estudioso desse material. Adaptou todos os desenhos

dos móveis ao aproveitamento completo das chapas de compensado,

afim de evitar todo e qualquer desperdício.

Costumam usar este material em tampos de mesa, alguns componentes

internos e frentes de porta e gavetas.

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MATERIAIsALTERnATIVOs

METAIS

Compunha a estrutura de boa parte dos móveis projetados na Unilabor e hobjeto.

Está presenta na estrutura de alguns bancos, cadeiras e mesas por eles projetados

TECIDOS

Destacou-se por usar tecidos com lonas, Chitas e Couro. Uma ousadia

para a época.

Usava lona e lonitas listradas ou tecidos compostos por plástico brilhante. Eram pregados por

tachinhas e encobertos por uma lâmina de madeira compensada.

REUTIlIZAçãO E RECIClAGEM DE MATERIAIS

Morar Mais

Um dos pilares do evento. Nos ambientes são proposto reusos para vários tipos de materiais e produtos.

MIx DE MATERIAIS

A estante Mf 710 é um bom exemplo de Mix de materiais. Nela há metal na estrutura e compensado nos módulos. O designer também usou ferro com: palhinha, fibras trançadas ou napa.

Em seus projetos, um único móveis podem ser compostos por madeira e ferro, plástico e ferro, ou madeira compensada e maciça.

Geraldo de Barros

fernando Jaeger

Oppalina Bo Bardi

Zanine Caldas

Geraldo de Barros

fernando Jaeger

Oppa

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MODuLAçãO

DIVERSIDADE DE CONfIGURAçãO DE PEçAS

GEOMETRIZAçãO E CONfIGURAçãO MINIMAlISTA

fACIlMENTE MONTÁVEl E DESMONTÁVEl

Michel Arnoult

Geraldo de Barros

Permita que o usuário criasse seu ambiente, através de uma flexibilidade projetual onde todos os elementos combinavam e se encaixavam entre si. 100 peças resultavam em aproximadamente 53 tipos de móveis. Acreditava também na organização dos postos de trabalho e otimização de tempo de produção.

Semelhante ao sistema de Arnoult, onde as peças possuíam medidas padronizadas e se encaixavam entre si.

Michel Arnoult

Geraldo de Barros

Zanine Caldas

Em seus móveis é possível ver peças compostas por módulos lineares e

retos.

Inspirado pelo Movimento Concretistas, suas peças eram

composta por estruturas em forma de linha e módulos retangulares.

Procurava uma harmonia entre linhas e curvas, de forma que os

módulos recortados na madeira não permitissem desperdícios.

Michel Arnoult

fernando Jaeger

Oppa

Acreditava numa política de vendas que dispensasse a figura do montador, ele passaria a ser o próprio Cliente. Este também seria responsável por transportar o produto para sua casa. Dessa forma os móveis devem ser estruturados para se acomodar em pacotes pequenos e práticos de transportar.

Trabalha com lojas de pronta estrega, ou seja, os móveis devem estar prontos para que o comprador leve para sua residência e o monte.

A prática de vendas por meio do E-commerce exige móveis de possam ser facilmente transportados em grandes quantidades. E como a empresa é online e abrange muitas cidades, mantem parcerias com transportadoras e oferece manuais de montagem para que o comprador seja responsável por essa etapa.

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TERCEIRIzAçãO

fernando Jaeger

Morar Mais

Oppa

Um de seus objetivos é expor produtos feitos por profissionais liberais e artesãos. Assim como mostrar o trabalhos de diversos fabricantes.

Sempre planeja uma peça pensando nos processo de fabricação e na

limitação de seus fabricantes. Se for necessário distribui a produção entre

eles.

Conta com parcerias para a produção dos móveis que são vendidos na loja virtual. E estes são projetados de acordo com as capacidades e limitações de seus aproximadamente 30 fabricantes.

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InTERnET

E COMMERCE

fERRAMENTA DE MARkETING

OppaUtiliza essa ferramenta como plataforma de venda. Economizando os encargos de uma loja física.

fernando Jaeger

Morar Mais

Através do site oficial divulga os produtos (seus materiais e manual de montagem) que vende nas lojas

físicas.

No site oficial e redes sociais divulga os eventos (locais e datas), os

ambientes e as ideias propostas na amostra.

109

O uso de materiais alternativos foi um grande diferencial na hora de reduzir os preços dos móveis da primeira geração. As estruturas de ferro unidos a compo-nentes de outros materiais, caracterís-ticos dos móveis da Unilabor e Hobjeto, hoje estão presentes em peças de Jaeger e da Oppa. Enquanto os tecidos ousados dos móveis de Lina e Zanine valorizaram a cultura popular, também preservam a qualidade visual e física dos produtos. Muitas dessas alternativas podem ser vis-tas na amostra de decoração Morar Mais, contudo o traço mais característico dessa iniciativa é o incentivo por ideias que reuti-lizem ou reciclem materiais de forma inte-ligente, evitando o descarte e valorizando essas peças, que podem ser encontradas no mercado a preços modestos.

No entanto, vale salientar que os mate-riais alternativos devem ser usados com cautela. Pois, como foi apresentado por Folz (2002), também são comuns no ramo de “móveis populares”, que, em al-guns casos, são usados com pouco pla-nejamento estrutural, comprometendo a qualidade da obra.

Já a escolha por modulação consolida a opção de fabricar industrialmente, visto que, facilita e otimiza o tempo de produ-ção, assim como a montagem e desmon-tagem dos produtos. Configurar elemen-tos que se encaixam e combinam entre si, além de desenha-los se valendo de ge-ometrização e minimalismo foram outros artifícios usados por Arnoult, Geraldo de Barros, Zanine, Jaeger e a Oppa.

A alternativa de terceirizar, como já foi defendida, além de gerar muitos empre-gos indiretos, garante a quem vende e/ou desenha os móveis, uma produção sem o compromisso de manter uma fábrica. O designer Fernando Jaeger e a empre-sa Oppa direciona os projetos as capa-cidades de seus fabricantes parceiros, e o evento Morar Mais dá a oportunidade para que eles se apresentem aos usuá-rios e possíveis investidores.

Por fim, as ferramentas online são de grande valia no setor de vendas, tanto no uso exclusivo do E-commerce quanto para divulgação das atividades da Morar Mais e dos produtos de Jaeger. A internet dá chance de ampliar o público sem a li-mitação de fronteiras e provoca uma po-lítica de proximidade com o usuário que compra e gosta de seus produtos, esses podem conhecer e receber tais peças sem sair de casa.

Os caminhos aqui propostos mostram in-dicativos de materiais e técnicas que po-dem ser adaptados e inseridos em proje-tos de móveis industriais. Muitos deles já são utilizados no setor em questão, porém o grande diferencial é a atuação do desig-ner no direcionamento dos produtos para que possam ser usufruídas pelas massas como foi proposto nessa pesquisa.

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Considerações Finais

Esta pesquisa se desenvolveu num perí-odo onde o poder de consumo do que se condicionou chamar de “massas popula-cionais” alcançou um aumento significati-vo. São pessoas com acesso às revistas de decoração, que prestam atenção nos ambientes dos filmes, das novelas ou pro-gramas televisivos, e que já questionam o fato de consumir peças sem “personalida-de estética”, como as que veem nestes meios de comunicação, ou com materiais frágeis que se deterioram em pouco tem-po de uso. No momento em que procu-ram um mobiliário nos estabelecimentos que possuem o rótulo “design”, se depa-ram com preços fora de suas realidades financeiras. Este é o pressuposto de onde partiu o trabalho apresentado.

Muito se fala e escreve sobre a nova classe média. Os olhos do mercado de consumo se voltam para esses compra-dores, mas, aparentemente, a indústria de móveis tem prestado pouca atenção nas reais aspirações deste público. E o design que eles conhecem se tornou su-pérfluo e voltado para as classes de alta renda. Quando na verdade por trás de um produto desenvolvido por um profissional estão complexas inter-relações das quais dependem seu o sucesso a longo prazo. Sobre esta questão Bonsiepe demons-tra sua preocupação no que se entende como distorção do tema, quando o design é frequentemente associado à algo caro e efêmero e, na realidade, deveria ser visto como “solução inteligente de problemas” (BONSIEPE, 2011; p 18) e o profissio-

nal da área, o propulsor desta ideia. No campo do mobiliário, sua missão seria desenvolver produtos que possam ser apreciados pela população quebrando as barreiras das classes sociais.

Guiado por esse ponto de vista, o presen-te trabalho propôs, como objetivo geral, uma série de quadros gráficos com possí-veis caminhos projetuais para a produção de móveis, tomando como base aqueles implantados por profissionais ao longo da história destas peças no Brasil. O conceito apresentado recebeu o nome de “design para todos” ou “democrático”, seguindo a interpretação de Gui Bonsiepe sobre o tema democracia e design. Como se trata de uma pesquisa voltada para o público em massa, o ponto de partida foi um es-clarecimento do descarte da expressão “móvel popular”, buscando compreender o desgaste de sua interpretação ao longo do tempo.

É importante ressaltar que não foi inten-ção deste trabalho propor nenhum jul-gamento definitivo sobre peças classifi-cadas com esse termo. Na realidade, o que se pretendeu aqui foi elevar a figura do designer na participação do processo industrial no setor mobiliário através de suas contribuições práticas.

A pesquisa seguiu focando nos projetos que se voltaram para o tema principal, pois embora “design para todos” possa parecer um ideal utópico, muitas foram as propostas pelo mundo para torná-lo rea-lidade. Uma rápida imersão em algumas

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das quais ficaram marcadas na história, valida aquelas que se adaptaram à rea-lidade brasileira, cujas considerações se tornaram referências marcantes para as gerações de profissionais ao longo da história no país, e que serviram de alicer-ce para atender o objetivo geral.

A primeira parte do trabalho, POR UM DE-SIGN DEMOCRáTICO, abordou o tema democracia no design e suas primeiras iniciativas, partindo de uma abrangência externa e, em seguida, focando no Brasil.

Já em Um Móvel Pop, além de justificar a verdadeira natureza da palavra “democra-cia” na pesquisa, pode-se explorar algu-mas interpretações do termo “popular” no intuito de compreender os arquétipos im-plantados nos móveis populares e como o design pode interferir no mobiliário vol-tado para este e os demais públicos.

A próxima subdivisão, Os Pioneiros Pelo Mundo, traz à tona alguns registros de um “design para todos”, partindo das primei-ras comunidades industrializadas, aden-trando nos ideais de william Morris e a fórmula que escolheu para levar o design às massas, assim como as de Michael Thonet, com suas cadeiras revolucioná-rias, e henry Van de Velde na Bauhaus, até chegar ao sueco Ingvar kamprad com a IkEA, que equipa as casas da popula-ção em massa em 26 países até os dias atuais.

Na sequência, o foco passa a ser o Bra-sil. O Design Democrático No Brasil Antes Do Design mostrou peças que carregam o tema em questão antes mesmo de se falar em design nas “terras tupiniquins”. Primeiro com a rede, um artefato indíge-na que carrega uma carga cultural riquís-sima, apreciada por qualquer consumi-dor nos mais diversos ambientes. E em segundo lugar com a Cama Patente, um marco na indústria moveleira do país.

Para a segunda parte desta pesquisa, ELES FIZERAM A DIFERENÇA NO BRA-SIL, foi selecionado um grupo composto por cinco designers, uma empresa e uma

amostra de decoração que se voltaram para o “design democrático”, com a fina-lidade de compreender quais os passos escolhidos para produção de suas peças. Em cada caso, a investigação se voltou para as seguintes questões: Quais os motivos que os levaram a escolher este ideal? Que métodos foram adotados para tornar seu discurso realidade? Como seus produtos foram implantados no mercado? E, finalmente; eles conseguiram atingir o objetivo almejado?

O primeiro objeto de pesquisa foi o desig-ner Michel Arnoult, cujo discurso se trans-formou na alma do trabalho. Seus ideais são claros e seus métodos inspiradores. Mesmo que os resultados não tenham atingido 100% do público que aspirava, ele já previa o que seria implantado com sucesso nas gerações futuras. Como, por exemplo, a modulação, o uso de madeira de reflorestamento e a opção por fabrica-ção terceirizada.

Geraldo De Barros, também encontro na modulação o grande trunfo para diversifi-cação de seus produtos sem necessaria-mente produzir vários deles, a padroniza-ção que ele e Arnoult usaram na década de 1950 é a característica principal de di-versas indústrias de móveis atualmente.

Algo similar na escolha de materiais do designer da Unilabor e Hobjeto com Lina Bo Bardi e Zanine Caldas é a opção pelo uso da madeira compensada, unida a outros tipos de matérias primas, anteci-pando outra prática absorvida pelos res-ponsáveis pelos móveis das próximas ge-rações. O que o correu com esse grupo, em termos de aceitação dos produtos pe-las massas, foi decorrente da restrição de informação de design que se sucedia no país, diferente do que ocorre atualmente.

Entretanto, eles certamente inspiraram profissionais como Fernando Jaeger, que hoje é um representante vivo dos que lhe antecederam. Usando um pouco de cada metodologia, ele uniu técnica e estética, em móveis que conquistaram as jovens

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classes médias, chamando atenção para um público cada dia mais numeroso.

Os seguintes subcapítulos destacam ca-sos cuja experiência de sentir na pele o desejo de possuir uma casa equipada com móveis de qualidade unido à decep-ção de não possuir orçamento suficiente para realizá-lo, deu lugar a grandes atitu-des de mercado. Sabrina Schuback e Max Renchel não são profissionais de design ou arquitetura, eles foram consumidores que se esforçaram por um ideal.

Ao investir na Morar Mais, a família Schuback apresenta novas alternativas para equipar uma residência, com o au-xílio de profissionais da área sem neces-sariamente investir em peças luxuosas. Incentivam principalmente o reuso de ob-jetos e materiais, assim como o conceito de sustentabilidade. Mas aparentemente ainda não atingiram as massas mesmo incentivando uma política de decorar com bom gosto gastando pouco, é um caso a ser estudado particularmente, visto que mesmo dando margem a algumas infe-rências, os motivos desse fenômeno não são precisos.

Já as evidências que a Oppa realiza ven-das democráticas são estampadas em jornais e revistas. É uma empresa que conquistou principalmente o público jo-vem, com móveis versáteis que se des-tacam por uma estética diferencial, quase de personalidade própria, além de preços e condições de pagamento atraentes. Mas o grande trunfo dessa iniciativa é a introdução da ferramenta do mercado e-commerce, pois além de reduzir os custos das mercadorias, proporciona uma facili-dade de compra e constrói uma relação de proximidade com o público almejado.

Outra particularidade é a abertura de mercado para novos talentos de design e arquitetura que esses últimos exemplos oferecem. Auxiliando e incentivando a en-trada no setor de mais produtos democrá-ticos.

Além de registrar algumas formas de tra-

balho de um grupo de excelência do de-sign no Brasil, em primeira instância a ideia era direcionar as descobertas desta pesquisa em um projeto modelo. Porém infelizmente isso não foi possível, visto que a etapa de implantação no mercado, assim como a aceitação do móvel pelas massas, seria inviável para um modelo acadêmico em um espaço de tempo tão pequeno.

Contudo, este é um dos desdobramentos aspirados. Pretendemos também auxiliar nos primeiros passos de novos projetos de design, acadêmicos e/ou profissionais. Para que, a cada dia um maior número de pessoas possam consumir peças de de-sign e herdá-las, construindo uma política sustentável onde, soluções inteligentes de móveis sejam colocadas no mercado, consumidores se identifiquem com elas e estas possam passar por gerações sem perder o brilho e a qualidade.

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2.5 RODRIGUES, SÉRGIO apud PIEMONTE, M. Design Democrático. Folha de São Paulo, São Paulo, p. 22 à 29, março 2011.

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