O LÚDICO E SUAS MÚLTIPLAS DERIVAÇÕES NA REALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL

5
101 Revista de divulgação técnico-científica do ICPG Vol. 3 n. 10 - jan.-jun./2007 ISSN 1807-2836 O LÚDICO E SUAS MÚLTIPLAS DERIVAÇÕES NA REALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL Sandra Regina Nardis de Oliveira 1 Renata Silva 2 Resumo Este artigo tem como objetivo a reflexão dos professores que trabalham nos centros de Educação Infantil, considerando a importância do brincar neste contexto educacional. A atividade lúdica não se reduz ao ato de brincar. O brinquedo, a brincadei- ra e o jogo são atividades diferenciadas e muitas vezes confundidas pelos educadores. Neste artigo, abordar-se-ão os conceitos destes instrumentos educativos de forma a auxiliar os educadores a reconhecer a diferença entre eles e sua importância no desenvolvimento das crianças que freqüentam a Educação Infantil. Utilizou-se como fundamentação estudos de Piaget, Vygotsky, Leontiev, Kishimoto e outros autores, que revelam, em suas obras, a importância da utilização da atividade lúdica como recurso pedagógico. Considerando as informações coletadas, percebe-se a necessidade de refletir sobre a prática pedagógica no cotidi- ano das instituições de Educação Infantil no que se refere ao ato de brincar e modificá-la. Palavras-chave : Brincar. Educação Infantil. Contexto. Aprendizagem. 1 INTRODUÇÃO Na infância, a imaginação, a fantasia e o brinquedo são ativi- dades que não podem se caracterizar apenas pelo prazer que proporcionam, mas também como agentes auxiliadores do pro- cesso ensino-aprendizagem. Compreender a importância da ati- vidade lúdica para o ser humano, principalmente para a criança que brinca, reconhecendo sua importância no processo de de- senvolvimento da mesma, implica levantar questões bastante pro- fundas no processo educativo, de modo especial da escola. Diante da necessidade de se apropriar do mundo, as crianças se motivam a jogar e a brincar. “A promoção de atividades que favorecem o envolvimento da criança em brincadeiras, principal- mente a criação de situações imaginárias, tem nítida função pe- dagógica.” (OLIVEIRA, 1995, p. 67). Poucas pessoas sabem da importância do lúdico no desenvolvimento das crianças e que é por meio dele que elas adquirem experiências e desenvolvem seu conceito sobre o mundo que as cerca. A cada dia, a aprendizagem com o lúdico ganha novas cono- tações e, aos poucos, evolui no sentido de significar um impor- tante mediador no desenvolvimento do ser humano, que possi- bilita torná-lo mais político, transformador e libertador. A criança adora imitar os adultos e participar de pequenas tarefas, devendo isto ser valorizado e estimulado pelas pessoas que a cercam. O brinquedo não se limita à simples ação de brin- car: contribui para a formação intelectual e social, principalmente quando se trata a espontaneidade da criança como algo inerente, próprio de cada um que busca caminhos para a construção do saber. A Educação Infantil é a primeira etapa da educação básica. Estabelece as bases da personalidade humana, da inteligência, da vida emocional e da socialização. As primeiras experiências da vida são as que marcam mais profundamente a pessoa. Quando positivas, tendem a reforçar, ao longo da vida, as atitudes de autoconfiança, de solidariedade e de responsabilidade. Entende- se a Educação Infantil como compromisso social e pedagógico por ser um espaço de produção de aprendizagens, pois se consi- dera a capacidade de construção de conhecimentos pela criança na sua interação com o meio físico e social, bem como nas trocas interativas com outros sujeitos e o mundo social. Sendo a atividade lúdica um instrumento pedagógico e de utilização freqüente por educadores da Educação Infantil e com- preendendo que a infância é a idade das brincadeiras e que o brinquedo tem papel fundamental no processo ensino-aprendi- zagem, procurou-se aprofundar os conhecimentos sobre o tema com o estudo da problemática: Qual a diferença entre brinquedo, brincadeira e jogo? A escolha deste tema fez-se basicamente pela necessidade de se aprofundar o conhecimento sobre as teorias que revelam os diferentes conceitos que permeiam o lúdico na Educação Infantil. Os objetivos levantados terão como base teórica os livros de diversos autores e de estudiosos da educação, como Piaget (1988), Vygotsky (1984), Leontiev (1988), Kishimoto (1996), entre ou- tros, sendo uma oportunidade para o educador refletir sobre a maneira como o lúdico interfere no desenvolvimento integral da criança. 2 CONCEITUANDO BRINQUEDO, BRINCADEIRA E JOGO Os termos brinquedo, brincadeira e jogo são palavras difíceis de definir, pois quando se faz referência a brinquedo, dá-se a idéia de objeto, enquanto que brincadeira é o ato do brincar e jogo, a brincadeira atribuída de regras. Cada contexto social constrói uma imagem de jogo conforme 1 Especialista em Supervisão, Orientação e Gestão Escolar e Interdisciplinaridade na Educação Básica. 2 Mestre em Turismo e Hotelaria. E-mail: [email protected]

Transcript of O LÚDICO E SUAS MÚLTIPLAS DERIVAÇÕES NA REALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Page 1: O LÚDICO E SUAS MÚLTIPLAS DERIVAÇÕES NA REALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL

101Revista de divulgaçãotécnico-científica do ICPG

Vol. 3 n. 10 - jan.-jun./2007ISSN 1807-2836

O LÚDICO E SUAS MÚLTIPLAS DERIVAÇÕES NAREALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Sandra Regina Nardis de Oliveira1

Renata Silva2

Resumo

Este artigo tem como objetivo a reflexão dos professores que trabalham nos centros de Educação Infantil, considerando aimportância do brincar neste contexto educacional. A atividade lúdica não se reduz ao ato de brincar. O brinquedo, a brincadei-ra e o jogo são atividades diferenciadas e muitas vezes confundidas pelos educadores. Neste artigo, abordar-se-ão os conceitosdestes instrumentos educativos de forma a auxiliar os educadores a reconhecer a diferença entre eles e sua importância nodesenvolvimento das crianças que freqüentam a Educação Infantil. Utilizou-se como fundamentação estudos de Piaget, Vygotsky,Leontiev, Kishimoto e outros autores, que revelam, em suas obras, a importância da utilização da atividade lúdica como recursopedagógico. Considerando as informações coletadas, percebe-se a necessidade de refletir sobre a prática pedagógica no cotidi-ano das instituições de Educação Infantil no que se refere ao ato de brincar e modificá-la.

Palavras-chave : Brincar. Educação Infantil. Contexto. Aprendizagem.

1 INTRODUÇÃO

Na infância, a imaginação, a fantasia e o brinquedo são ativi-dades que não podem se caracterizar apenas pelo prazer queproporcionam, mas também como agentes auxiliadores do pro-cesso ensino-aprendizagem. Compreender a importância da ati-vidade lúdica para o ser humano, principalmente para a criançaque brinca, reconhecendo sua importância no processo de de-senvolvimento da mesma, implica levantar questões bastante pro-fundas no processo educativo, de modo especial da escola.

Diante da necessidade de se apropriar do mundo, as criançasse motivam a jogar e a brincar. “A promoção de atividades quefavorecem o envolvimento da criança em brincadeiras, principal-mente a criação de situações imaginárias, tem nítida função pe-dagógica.” (OLIVEIRA, 1995, p. 67). Poucas pessoas sabem daimportância do lúdico no desenvolvimento das crianças e que épor meio dele que elas adquirem experiências e desenvolvem seuconceito sobre o mundo que as cerca.

A cada dia, a aprendizagem com o lúdico ganha novas cono-tações e, aos poucos, evolui no sentido de significar um impor-tante mediador no desenvolvimento do ser humano, que possi-bilita torná-lo mais político, transformador e libertador.

A criança adora imitar os adultos e participar de pequenastarefas, devendo isto ser valorizado e estimulado pelas pessoasque a cercam. O brinquedo não se limita à simples ação de brin-car: contribui para a formação intelectual e social, principalmentequando se trata a espontaneidade da criança como algo inerente,próprio de cada um que busca caminhos para a construção dosaber.

A Educação Infantil é a primeira etapa da educação básica.Estabelece as bases da personalidade humana, da inteligência,da vida emocional e da socialização. As primeiras experiências da

vida são as que marcam mais profundamente a pessoa. Quandopositivas, tendem a reforçar, ao longo da vida, as atitudes deautoconfiança, de solidariedade e de responsabilidade. Entende-se a Educação Infantil como compromisso social e pedagógicopor ser um espaço de produção de aprendizagens, pois se consi-dera a capacidade de construção de conhecimentos pela criançana sua interação com o meio físico e social, bem como nas trocasinterativas com outros sujeitos e o mundo social.

Sendo a atividade lúdica um instrumento pedagógico e deutilização freqüente por educadores da Educação Infantil e com-preendendo que a infância é a idade das brincadeiras e que obrinquedo tem papel fundamental no processo ensino-aprendi-zagem, procurou-se aprofundar os conhecimentos sobre o temacom o estudo da problemática: Qual a diferença entre brinquedo,brincadeira e jogo? A escolha deste tema fez-se basicamente pelanecessidade de se aprofundar o conhecimento sobre as teoriasque revelam os diferentes conceitos que permeiam o lúdico naEducação Infantil.

Os objetivos levantados terão como base teórica os livros dediversos autores e de estudiosos da educação, como Piaget (1988),Vygotsky (1984), Leontiev (1988), Kishimoto (1996), entre ou-tros, sendo uma oportunidade para o educador refletir sobre amaneira como o lúdico interfere no desenvolvimento integral dacriança.

2 CONCEITUANDO BRINQUEDO, BRINCADEIRA E JOGO

Os termos brinquedo, brincadeira e jogo são palavras difíceisde definir, pois quando se faz referência a brinquedo, dá-se aidéia de objeto, enquanto que brincadeira é o ato do brincar ejogo, a brincadeira atribuída de regras.

Cada contexto social constrói uma imagem de jogo conforme

1 Especialista em Supervisão, Orientação e Gestão Escolar e Interdisciplinaridade na Educação Básica.2 Mestre em Turismo e Hotelaria. E-mail: [email protected]

Page 2: O LÚDICO E SUAS MÚLTIPLAS DERIVAÇÕES NA REALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL

102 Vol. 3 n. 10 - jan.-jun./2007ISSN 1807-2836

Revista de divulgaçãotécnico-científica do ICPG

seus valores e modo de vida. No Brasil, termos como jogo, brin-quedo e brincadeira ainda são utilizados como sinônimos, de-monstrando a falta de conhecimento sobre tais definições, con-forme afirma Kishimoto (1996, p. 17): “termos como jogo, brin-quedo e brincadeira, são empregados de formas indistintas, de-monstrando um nível baixo de conceituação deste campo”. Abor-da-se, a seguir a visão de alguns estudiosos sobre estes concei-tos.

2.1 BRINQUEDO

Desde a sua origem, o brinquedo é um objeto do adulto paraa criança. Brinquedos antigos, como a bola, a pipa, e as rodas,permitiam o desenvolvimento das fantasias infantis. Os brinque-dos são, sempre, suporte das brincadeiras, colocam a criança napresença de reproduções e substituem objetivos reais para que acriança possa manuseá-los.

Segundo Kishimoto (1996, p.7):

O brinquedo é um suporte da brincadeira. Diferindo do jogo,o brinquedo supõe uma relação íntima com a criança, ouseja, a ausência de um sistema de regras que organizam suautilização. O brinquedo estimula a representação, a expres-são de imagens que enfocam aspectos da realidade.

O brinquedo preenche uma atividade básica, ou seja, é motivopara a ação. A criança possui uma grande necessidade de satisfa-zer seus desejos imediatamente. Durante a fase pré-escolar, as cri-anças não conseguem ter todos os seus desejos e tendênciasatendidos. Portanto, deveriam ser usadas as atividades lúdicas delivre exploração nas quais predomina somente brincar, e não abusca por resultados. Sendo assim, Souza (1982, p. 48) afirma:

O brinquedo é ação livre, sentida como fictícia, que écapaz de absorver a pessoa que brinca. É uma ação despo-jada de toda utilidade. É trabalho e interação que colocamem funcionamento a imaginação, desenvolvem a confi-ança, o autocontrole, a cooperação, aperfeiçoam o corpoe a mente, oferecem estabilidade emocional .

O brinquedo não serve apenas para passar o tempo ou diver-tir as crianças, porque o brincar representa esforço e conquista.Exerce grande influência no desenvolvimento de uma criança,sendo por meio dele que se passa a agir numa esfera cognitiva,dependendo das motivações e tendências internas. O brinquedodá à criança a oportunidade de dirigir seu comportamento emuma situação imaginária e de separar o significado da ação real.

Sendo assim, o brinquedo constitui um veículo educacionalmuito importante, pois oferece inúmeras possibilidades educaci-onais, favorece o desenvolvimento corporal e estimula a vidapsíquica e a inteligência. É a forma de expressão por meio da quala criança traduz informações, adquire conhecimentos, resolvesituações difíceis e dá vazão aos seus sentimentos.

Embora num exame superficial possa parecer que o brin-quedo tem pouca semelhança com atividades psicológicasmais complexas do ser humano, uma análise mais apro-fundada revela que as ações no brinquedo são subordinadasaos significados dos objetos, contribuindo claramente parao desenvolvimento infantil. (OLIVEIRA, 1995, p. 66).

Enfim, o brinquedo não é somente uma forma de gastar ener-gias. É um instrumento muito importante e necessário, que con-tribui para o desenvolvimento da criança, sendo um elo integra-dor entre os aspectos cognitivo, socioafetivo e psicomotor, por-que é brincando que a criança ordena o mundo a sua volta, assi-milando experiências e informações e, sobretudo, incorporandoatividades e valores.

Outras vertentes definem o brinquedo, segundo Beart (apudKISHIMOTO, 1996, p. 07), “como suporte da brincadeira, querseja concreto ou ideológico, concebido ou simplesmente utiliza-do como tal”. O sentido dessa definição mostra que não só obrinquedo criado pelo mundo dos adultos para brincadeiras in-fantis, mas também aqueles que a criança cria ou incorpora nassuas brincadeiras, como colheres, pratos, panelas, cabos de vas-soura, adquirem o sentido lúdico, como instrumentos musicais,cavalo, chapéu, etc.

Em outra dimensão, pode-se compreender, conforme afirmaForougere (apud KISHIMOTO, 1996, p. 08), que “é a função lúdi-ca que atribui o estatuto de brinquedo ao objeto fabricado pelasindústrias de brinquedos”. Se um brinquedo for colocado comoobjeto de decoração na sala de casa, funcionará como tal. Se estemesmo objeto for colocado em local apropriado de uma sala deaula, já será um objeto simbólico, estimulante de brincadeira paracrianças.

A palavra brinquedo não pode ser reduzida à pluralidade desentimentos dos jogos, pois, para as crianças, tem uma dimensãomaterial, cultural e técnica. Existem registros de brinquedos in-fantis provenientes de diversas culturas que remotam às épocaspré-históricas, demonstrando, assim, que é natural ao homembrincar, independente de sua origem e do seu tempo. Hoje, aimagem da infância é enriquecida, também, com o auxílio de con-cepções pedagógicas que reconhecem o papel do brinquedo nodesenvolvimento e na construção do conhecimento infantil.

2.2 BRINCADEIRA

Os termos jogo e brincadeira geralmente acabam se tornandosinônimos, embora o primeiro pareça se diferenciar do segundoem alguns aspectos. A brincadeira se apresenta mais livre, maisdeterminada a um fim próprio e se realiza apenas com um elemen-to, enquanto que o jogo possui regras, pode ser utilizado comomeio para chegar a um fim e geralmente envolve dois ou maisparticipantes.

Vygotsky (1984) afirma a importância da brincadeira do pontode vista cultural, social e, principalmente, pedagógico. Por meiodo brincar, a criança vê e constrói o seu mundo, bem como ex-pressa aquilo que tem dificuldade de colocar em palavras.

A brincadeira, como atividade dominante da infância, tendoem vista as condições concretas da vida da criança e olugar que ela ocupa na sociedade, é primordialmente aforma pela qual esta começa a aprender secundariamente,é onde tem início a formação de seus processos de imagi-nação ativa e, por último, onde ela se apropria das normasde comportamento que corresponde a certas pessoas.(WAJSKOP, 1995, p.34).

Nas brincadeiras, ao reproduzir situações da vida, a criançatenta compreender seu mundo. Quando imita, a criança está ten-

Page 3: O LÚDICO E SUAS MÚLTIPLAS DERIVAÇÕES NA REALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL

103Revista de divulgaçãotécnico-científica do ICPG

Vol. 3 n. 10 - jan.-jun./2007ISSN 1807-2836

tando compreender o mundo, ressignificá-lo e se apropriar dasnormas de comportamento de outras pessoas. Quando a criançabrinca, cria uma situação imaginária. Nesta situação, ao assumirum papel, a criança inicialmente imita o comportamento do adultotal qual ela observa em seu contexto.

No sentido apontado, as brincadeiras assumem um papel fun-damental no desenvolvimento da criança em geral, tendo em vis-ta que a mesma reproduz aquilo que viu outra pessoa fazendo.Mesmo desconhecendo o significado dessa ação, cria novaspossibilidades e combinações, transforma seu comportamento.A brincadeira não pode ser considerada como uma atividadequalquer, pois, ao brincar, a criança está construindo sua perso-nalidade.

A brincadeira é uma forma de atividade social infantil, cujascaracterísticas imaginativas são diversas do significado co-tidiano da vida, e fornece uma ocasião educativa única paraas crianças. Na brincadeira, as crianças podem pensar eexperimentar situações novas ou mesmo do seu cotidiano,isentas das pressões situacionais. No entanto, é importanteressaltar que, pelo caráter aleatório, a brincadeira tambémpode ser um espaço de reiteração de valores retrógrados econservadores, com os quais a maioria das crianças se con-fronta diariamente. (WAJSKOP, 1995, p. 30-31).

Percebe-se a contradição desta atividade que pode ser en-contrada e resolvida a partir de uma decisão pedagógica sobreos caminhos das crianças que se quer ampliar. É interessanteproporcionar brincadeiras que desenvolvam a função simbólica.

Geralmente, em suas brincadeiras, a criança se transforma emadulto, imitando situações já vivenciadas, reproduzindo o com-portamento dos pais, professores e irmãos. Nesses momentos,ela passa a repetir situações já vividas, às vezes à procura desoluções para algumas situações. Segundo Kishimoto (1996, p.39),“as idéias e ações adquiridas pelas crianças provêm do mundosocial, incluindo a família e o seu círculo de relacionamento”.

As brincadeiras, além de contribuírem e influenciarem a for-mação da criança, possibilitando um maior crescimento mental,integram-se ao mais alto espírito de uma prática pedagógica, poisinvestem na produção do conhecimento.

2.3 O JOGO

O jogo é a principal estratégia de conhecimento no períododa Educação Infantil. É sua atividade principal. O conceito doque realmente significa atividade principal é de fundamental im-portância no estudo do desenvolvimento da infância. O jogo éexplicado por Leontiev (1988, p.69) “como sendo uma atividadeque se caracteriza por ser aquela cujo desenvolvimento governaas mudanças mais importantes nos processos psíquicos e nostraços psicológicos da personalidade da criança em certo está-gio de seu desenvolvimento.”

Leontiev (1988) ainda define essa atividade como sendo aque-la em que ocorrem as mais importantes mudanças no desenvolvi-mento psíquico da criança, centro no qual se desenvolvem pro-cessos psíquicos que preparam o caminho da transição da crian-ça para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento.

Todo jogo envolve regras que se originam da própria situa-ção imaginária, mesmo que não sejam formalmente estabeleci-

das. Para Vygotsky:

Há regras, não as regras previamente formuladas e quemudam durante o jogo, mas aquela que tem origem naprópria situação imaginária. Portanto, a noção de queuma criança pode se comportar em uma situação imaginá-ria sem regras é simplesmente incorreta. (VYGOTSKY,1984, p.125).

Entre os autores que discutem a natureza do jogo e suascaracterísticas, pode-se descrever a concepção de Huizinga (apudKISHIMOTO, 1996, p. 23), que vê o jogo como uma produção domeio social e aponta as características de prazer, o caráter nãosério, a liberdade, a separação dos fenômenos do cotidiano, asregras, o caráter fictício e a sua limitação de tempo e espaço.Contrapondo essa afirmação, encontra-se em Vygostsky (apudKISHIMOTO, 1996, p.23) que, nem sempre, o jogo proporciona oprazer, pois, muitas vezes, exige esforço e desprazer na conquistado objetivo que deseja alcançar. Quanto ao caráter não sério,este não se refere ao fato da seriedade do jogo, e sim ao fato doriso, da alegria de jogar. Já a liberdade é a capacidade de livreescolha; a existência de regras é característico de todo jogo e,finalmente, a limitação de tempo e espaço é uma conseqüênciaprópria da brincadeira.

Mas recentemente, Christie ( apud KISHIMOTO, l996) carac-teriza diferentemente o jogo, mencionando outros tipos de com-portamento, como: a não-literalidade, em que a realidade internapredomina sobre a externa; a alegria de jogar, característica quetraz efeitos positivos aos aspectos corporal, moral e social dacriança; e a flexibilidade que faz a criança tornar-se flexível ebuscar alternativas de ação. Destaca, ainda, escolha e controleinterno.

Kishimoto (1996) defende a idéia de que o jogo utilizado comorecurso pedagógico passa a denominar-se jogo educativo: “Quan-do as situações lúdicas são intencionalmente criadas pelo adultocom vistas a estimular certos tipos de aprendizagens, surge adimensão educativa.” (KISHIMOTO, 1996, p. 37).

A utilização dos jogos educativos nas instituições de Educa-ção Infantil potencializa a aprendizagem e transporta para o cam-po do ensino-aprendizagem o prazer, a capacidade de iniciação ea ação ativa e motivadora.

3 AS ATIVIDADES LÚDICAS NA VISÃO DE PIAGET

Jean Piaget (1896-1980) nasceu na Suíça e iniciou seus estu-dos pela biologia e pela história natural. A partir das experiênciasrealizadas com moluscos, convenceu-se de que os atos biológi-cos são atos de organização e adaptação ao meio ambiente. Pro-curou estender essas perspectivas aos atos cognitivos, estabe-lecendo a inteligência como uma forma especial de adaptaçãobiológica. As estruturas psicológicas surgiram, assim, gradativa-mente, como resultados de fatores biológicos e empíricos. A teo-ria genética de Piaget estabelece três grandes períodos de de-senvolvimento, divididos conforme as aquisições que lhes sãocaracterísticos: período sensório-motor, período operatório eperíodo operatório-formal.

Na visão piagetiana, as brincadeiras e os jogos favorecem odesenvolvimento da criança a qual tem necessidade de brincarpara crescer em equilíbrio com o mundo. Sua maneira de assimilar

Page 4: O LÚDICO E SUAS MÚLTIPLAS DERIVAÇÕES NA REALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL

104 Vol. 3 n. 10 - jan.-jun./2007ISSN 1807-2836

Revista de divulgaçãotécnico-científica do ICPG

(transformar o meio para que este se adapte às necessidades) ede acomodar (mudar a si mesma para adaptar-se ao meio) deveráser sempre por meio do jogo. (PIAGET, 1988).

A utilização do brinquedo com objetivos se transforma emrecursos didáticos de grande aplicação no processo ensino-apren-dizagem, pois propiciam o desenvolvimento integral do educan-do. Segundo Piaget (1988, p. 59), “os métodos da educação dacriança exigem que se forneça à criança material conveniente, afim de que, jogando, ela possa assimilar as realidades intelectu-ais, que, sem isso, permanecem exteriores à inteligência infantil”.

Por meio das atividades lúdicas, a criança age ativamente,questiona, reflete, descobre, torna-se social, cria e respeita re-gras. Com isso, ela está, explícita ou explicitamente, buscandonovos conhecimentos. O jogo, o brinquedo e a brincadeira repre-sentam, na maioria das vezes, uma situação-problema a ser resol-vida pela criança, devendo a solução ser construída por ela mes-ma, de forma criadora e inteligente, pois não são apenas umaforma de entreter ou de lhe proporcionar desgaste físico e cansa-ço, mas de possibilitar seu desenvolvimento intelectual, confor-me esclarece Piaget (1988, p. 59): “Os jogos não são apenas umaforma de entretenimento para gastar energias da criança, masmeios que contribuem e enriquecem o desenvolvimento intelec-tual.”

Segundo a teoria de Piaget, o período infantil passa por trêssucessivos sistemas de jogos: a) jogo de exercício, que aparecenos primeiros dezoito meses de vida, por meio da repetição deações e manipulações realizadas com prazer derivado das ativi-dades motoras; b) o jogo simbólico, que aparece por volta dosdois anos de idade, juntamente com a representação da lingua-gem, quando a criança vai além da manipulação e assimila a rea-lidade externa do seu eu, ou seja, vai reconhecendo sua própriasubjetividade e fantasia para sua satisfação e superação de con-flitos, sendo que, quanto maior a idade, mais caminha para arealidade; e c) o jogo de regras, que marca a passagem da ativida-de individual para a socialização, não acontecendo antes de 4anos e predominando dos 7 aos 11 anos. Com o jogo de regras, acriança interage com as outras crianças e com o grupo social.(PIAGET, 1988).

Em síntese, pode-se concluir que a criança, ao nascer, já estáem contato com a ludicidade, a qual a acompanha ao longo deseu desenvolvimento psíquico e social.

4 AS ATIVIDADES LÚDICAS NA VISÃO DE VYGOTSTY

Para os sociointeracionistas, o brinquedo não pode ser con-ceituado só como uma atividade que proporciona prazer à crian-ça. Por meio do brinquedo, a criança satisfaz certas necessidadesde agir em relação não apenas ao mundo dos objetos, mas tam-bém em relação ao mundo mais amplo dos adultos.

O brinquedo torna-se o tipo principal de atividade devidoao fato de o mundo objetivo do qual a criança é conscien-te, estar continuamente expandindo-se. Este mundo in-clui não apenas os objetos que constituem o mundo ambi-ental próximo da criança, os objetos com os quais elapode operar e de fato opera, mas também os objetos comos quais a criança ainda não é capaz, por estar além de suacapacidade física. (LEONTIEV, 1988, p. 125).

Como no foco de uma lente de aumento, os brinquedos con-têm, de maneira condensada, todas as tendências do desenvol-vimento, sendo ele mesmo uma grande fonte de desenvolvimen-to. Para Vygotsky (1984, p. 134 – 135), “o brinquedo cria umazona de desenvolvimento proximal da criança. No brinquedo, acriança se comporta além do comportamento diária; no brinque-do, é como se ela fosse maior do que é na realidade”. A criançatransforma as atitudes do cotidiano em brincadeiras e, ao mesmotempo, aproxima-se de sua realidade para compreendê-la.

O brinquedo faz com que a criança aprenda a agir numa esferacognitiva, pois a criação de uma situação imaginária pode serconsiderada como um meio para desenvolver o pensamento abs-trato. É por meio da brincadeira que a criança aprende a se conhe-cer, a conhecer as pessoas que a cercam, a relação entre as pes-soas e os papéis que as pessoas assumem. Por meio do jogo, elaaprende sobre a natureza, os eventos sociais, a dinâmica internae a estrutura do seu grupo. Com o brinquedo, ela também conse-gue entender o funcionamento dos objetos e explorar suas ca-racterísticas físicas.

Os jogos de faz-de-conta e os brinquedos didáticos ou es-portivos, além de desenvolverem os movimentos amplos e finosdo corpo, levam a criança a vivenciar inúmeras funções intelec-tuais, tais como cálculo, posição, velocidade e equilíbrio, bemcomo normas de cooperação social determinadas pelas regras dojogo. Pelo jogo, o ser humano dá vazão ao seu impulso de criarformas ordenadas, pois o jogo é uma forma de ordenação, a co-meçar pela ordenação de tempo e espaço, tendo como origem asregras do coletivo que, por sua vez, também estão presentes nassituações imaginárias.

O que a criança aprende brincando é de grande valor para ela:suas necessidades são atendidas, seu relacionamento com o meiotorna-se melhor. Sendo assim, é de grande importância o brin-quedo na Educação Infantil.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como os educadores são os principais agentes pela inserçãode seus alunos no mundo do conhecimento, devem aproveitarao máximo a atividade lúdica durante o processo de ensino-apren-dizagem, pois facilitarão a compreensão e a disponibilidade men-tal para o aprendizado, possibilitando um ensino prazeroso e dequalidade.

A utilização do lúdico no cotidiano escolar sugere reflexões equestionamentos. Como o tema é abrangente, uma vez conscien-tes de sua importância, é necessário que os educadores constan-temente realizem estudos que lhes forneçam subsídios para autilização adequada desse instrumento em sua prática educativa.

O lúdico, no desenvolvimento infantil, ainda não encontrou,na prática das escolas, a repercussão que merece. Não se podenegar que muitas escolas têm o hábito da pintura, do desenho,da modelagem e do brincar, mas, nem sempre, essas práticas têma sua importância devidamente reconhecida. Portanto, é neces-sário que haja uma reformulação desse paradigma, uma maior emelhor utilização do lúdico para que ocorra um verdadeiro cresci-mento e desenvolvimento da criança por meio dessas atividades.

A elaboração deste artigo permitiu perceber a importância deo educador conhecer e fundamentar suas atividades lúdicas emsala de aula, modificar sua prática e trabalhar com a educação

Page 5: O LÚDICO E SUAS MÚLTIPLAS DERIVAÇÕES NA REALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL

105Revista de divulgaçãotécnico-científica do ICPG

Vol. 3 n. 10 - jan.-jun./2007ISSN 1807-2836

lúdica de maneira a alcançar resultados positivos para todos osenvolvidos no processo ensino e aprendizagem. Além disso,considerando a contribuição dos estudos de Piaget e de Vygotskysobre a importância da atividade lúdica para o desenvolvimentoe aprendizagem da criança, esta abordagem procurou incentivara reflexão dos educadores que atuam na Educação Infantil e autilização do brinquedo, da brincadeira e do jogo como recursospedagógicos em suas salas de aula.

6 REFERÊNCIAS

KISHIMOTO, Tizuko Morchita. Jogos, brinquedo, brincadeira eeducação. São Paulo: Ed. Cortez, 1996.

LEONTIEV, Aléxis. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Ed.Horizonte, 1988.

OLIVEIRA, Marta Kohn. Vygotsky: aprendizagem e desenvolvi-mento - um processo sócio-histórico. 3 ed. São Paulo: Ed. Scipio-ne, 1995.

PIAGET, Jean. Nascimento da inteligência na criança. Rio deJaneiro: Ed. Zahar, 1988.

SOUZA, Ronaldo Pagnocelli. A criança, a família e a escola.Porto Alegre: Ed. Globo, 1982.WAJSKOP, Gisela. O brincar na educação infantil. Caderno dePesquisa, São Paulo, n° 92, p. 62-69, fev. 1995.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente. SãoPaulo: Livraria Martins Fontes, Ed. Ltda, 1984.