Lúdico, Represent Ado Pelo Jogo

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Universidade Internacional da Figueira da Foz Psicologia Clínica Objectivo: O objectivo deste trabalho é correlacionar o lúdico que pode ser representado pelo jogo, pelo brinquedo com a ludoterapia, e como estes podem contribuir para o desenvolvimento intelectual, motor e afectivo da criança. Pois a brincadeira infantil é um mecanismo importante para o desenvolvimento, entre outros, da aprendizagem. Um pouco de história… Na antiguidade, as crianças participavam das mesmas brincadeiras dos adultos. Toda a comunidade participava das festas e brincadeiras, com a finalidade de estreitar os laços afectivos. Estes jogos e brincadeiras eram vistos por um lado como meio de crescimento social mas por outro eram recriminados pois associavam-se aos prazeres carnais, ao vício e ao azar. Com o surgimento do cristianismo o jogo passa a ter uma conotação repressiva e controladora, pois tudo era considerado como pecado empobrecendo os ideais lúdicos do jogo e do brinquedo. O jogo é uma das actividades mais antigas da humanidade (pode-se situar na antiga Roma e na Grécia) e também uma das mais primordiais na vida de um ser humano. Para os gregos, romanos e astecas o jogo era tido como um espectáculo, um acto oferecido aos deuses como presente. Desde tempos imemoriais o Homem, joga, e através do jogo, comunica-se desde a sua mais tenra infância. O jogo, o brinquedo e o desenvolvimento da criança. 1

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Objectivo:

O objectivo deste trabalho é correlacionar o lúdico que pode ser representado pelo jogo, pelo

brinquedo com a ludoterapia, e como estes podem contribuir para o desenvolvimento intelectual,

motor e afectivo da criança. Pois a brincadeira infantil é um mecanismo importante para o

desenvolvimento, entre outros, da aprendizagem.

Um pouco de história…

Na antiguidade, as crianças participavam das mesmas brincadeiras dos adultos. Toda a

comunidade participava das festas e brincadeiras, com a finalidade de estreitar os laços afectivos.

Estes jogos e brincadeiras eram vistos por um lado como meio de crescimento social mas por

outro eram recriminados pois associavam-se aos prazeres carnais, ao vício e ao azar. Com o

surgimento do cristianismo o jogo passa a ter uma conotação repressiva e controladora, pois tudo

era considerado como pecado empobrecendo os ideais lúdicos do jogo e do brinquedo.

O jogo é uma das actividades mais antigas da humanidade (pode-se situar na antiga Roma e na

Grécia) e também uma das mais primordiais na vida de um ser humano. Para os gregos, romanos

e astecas o jogo era tido como um espectáculo, um acto oferecido aos deuses como presente.

Desde tempos imemoriais o Homem, joga, e através do jogo, comunica-se desde a sua mais tenra

infância.

A palavra jogo vem do latim jocus e tem como significado o acto de gracejar, zombar. É também

divertimento, brinquedo, passatempo. Jocus é sinónimo de lúdico.

Para Rabecq-Maillard (1969), o jogo educativo aparece no século XVI, e para Brougère (1998),

o jogo só passa a ser pensado como recurso educativo a partir do século XVIII, com o

romantismo.

Após a Revolução Francesa, o início do século XIX traz inovações pedagógicas. Há uma

preocupação para colocar em prática os princípios de Rousseau, Pestalozzi e Fröebel, através de

métodos próprios para a educação de acordo com a concepção da criança da época.

Kishimoto (1992), aponta algumas explicações que têm sido dadas ao acto de brincar, em

diferentes abordagens: excesso de energia (Spencer), descarga catártica de emoções (Freud,

Claparède e Erikson), entre outras. No campo da Psicologia, as interpretações de diversos

teóricos (Wallon, Vygotsky, Elkonin e Bruner) demonstram tendências sociais e perspectivas

biológicas (Piaget).

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Actualmente os estudiosos do assunto tentam equilibrar jogo, brinquedo e educação, para que o

contexto formativo não seja superado pelo lúdico, sem que este perca as suas características de

liberdade, prazer e diversão.

Para situar a psicoterapia infantil farei um breve histórico da sua origem. As primeiras

formulações propostas pela psicanálise (Freud), não consideravam possível o tratamento

psicanalítico com crianças, (a criança não poderia realizar uma relação transferencial para a

pessoa do analista, visto que esta relação era actual com os pais).

Somente a partir dos estudos realizados por Anna Freud (nos EUA) e Melanie Klein (na

Inglaterra) é que tiveram origem as novas propostas técnicas e revisões teóricas que viabilizaram

o tratamento de crianças. A introdução do uso do brinquedo foi fundamental para que isto se

pudesse dar, uma vez que as crianças não suportavam sustentar uma sessão apenas no discurso.

Mas é com Donald W. Winnicott que a psicanálise dá um passo importante na compreensão do

brincar, como uma forma de auto-regulação saudável vivida pela criança “o brincar é natural, a

psicanálise é que é uma construção conceitual”, segundo Winnicott.

Posteriormente, na França, a escola Lacaniana abre um vasto campo de pesquisa e trabalho

terapêutico com crianças e psicóticos. Sendo Maud Mannoni um elemento de destaque desta

corrente, pelo seu trabalho de sucesso com crianças psicóticas.

Fora da Psicanálise é a escola Existencial-Humanista de Rogers (terapia centrada no cliente) que

dará impulso à psicoterapia não-analítica com crianças, sendo a ludoterapia, um termo

inicialmente empregado por esta abordagem (Virginia Axline). Hoje este é um termo difundido

em diferentes linhas.

Algumas teorias do brincar…

Dinâmica Cognitiva: Piaget (1951) vê o brincar das crianças como um modo de aprender a

respeito de objectos, eventos novos e complexos, um modo de consolidar e ampliar conceitos e

habilidades, e um modo de integrar o pensamento com as acções. A maneira pela qual as

crianças brincam em dada ocasião depende do seu estágio de desenvolvimento cognitivo (no

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anexo I). As crianças sensório-motoras brincam de um modo concreto, movendo o seu corpo e

manipulando objectos tangíveis. Quando desenvolvem a função simbólica, podem fazer-de-

conta, imaginam que existe uma realidade que não existe, ou seja, podem brincar nas suas

mentes, ao invés de brincarem com a totalidade do seu corpo.

Em termos Piagetianos, "a actividade lúdica é caracterizada pela assimilação de elementos do

mundo real, sem a restrição equilibradora de aceitar as limitações de acomodação a eles" (Ellis,

1973, p.67). Noutras palavras, ao brincar, a criança não desenvolve novas estruturas cognitivas

(acomodação), mas tenta ajustar as suas experiências a estruturas preexistentes (assimilação).

Assim existem dois processos importantes para o desenvolvimento das estruturas cognitivas:

assimilação e acomodação. O jogo é considerado parte dos processos de assimilação e

acomodação que desencadeiam a relação e incorporação da criança no mundo, a imitação está

relacionada à acomodação, e o jogo à assimilação. Estes dois processos são importantes para o

desenvolvimento das estruturas mentais. O conhecimento deriva da interacção da criança com o

ambiente.

Teoria Psicanalítica: Freud (1924) e Erikson (1950), brincar auxilia as crianças no

fortalecimento do ego. Através do brincar podem resolver conflitos entre o id e o superego.

Motivada pelo princípio do prazer, a brincadeira é uma fonte de gratificação. É também uma

resposta catártica que diminui a tensão psíquica e dá a criança, domínio sobre experiências

avassaladoras, (quando uma menina dá uma injecção na sua boneca, isso auxilia a resolver os

sentimentos de medo e desamparo que ela própria sentiu da última vez que recebeu uma

injecção).

A interpretação psicanalítica, acentua a liberdade emocional obtida através da brincadeira. As

crianças brincam para diminuir, negar ou resolver temporariamente um conflito.

Brincar é, em larga medida, racionalização de um desejo e, como tal, ignora as leis da realidade,

passando por um substituto "barato" do pensamento.

Resolver um problema através de brincadeira parece o oposto de procurar uma solução através

do raciocínio. No entanto, ambos compartilham certas características além da ausência de

consequências directas e imediatas no mundo exterior. No pensamento, retemos elementos da

realidade e variamo-los, o mesmo é feito na brincadeira.

Ao brincar, a criança não se situa apenas no momento presente; mas, também, no seu passado e

no seu futuro. O brincar, como actividade terapêutica, possibilita que a criança supere a situação

traumática. É simbolizando, falando e representando os conteúdos que a perturbaram que ela

pode nomear e conhecer melhor as situações, ideias, pessoas e coisas.

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O brinquedo – da mesma forma que o brincar – não é um objecto neutro, pois condensa a história

da criança com outros objectos.

Para Freud o brinquedo e o brincar são os melhores representantes psíquicos dos processos

interiores da criança. Eles estão em significação, na procura do sentido dos actos da criança.

Um dos conceitos fundamentais da Psicanálise, na captura da realidade psíquica da criança, é o

Complexo de Édipo ou Fantasma. Ele revela como a criança se constitui, quais foram sentidos

foram dados às suas acções.

Por fantasma, tradicionalmente, a Psicanálise entende:

"Um roteiro imaginário em que o sujeito está presente, e que figura, de maneira mais ou

menos deformada pelos processos defensivos, a realização de um desejo inconsciente. O

fantasma constitui-se a partir das coisas vistas e ouvidas".

O fantasma da criança é produto do que ela viu, viveu e ouviu nas suas relações com os adultos.

Ela ocupa, geralmente, o lugar do objecto, sendo depósito para o desejo dos adultos.

Teoria Vygotskyana: Vygotsky (2000) admite a brincadeira como uma situação imaginária

criada pela criança no seu contacto com o mundo social. A brincadeira justifica-se tão somente

no processo de brincar e não nos resultados dessa acção. À medida que a brincadeira se

desenvolve, fornece uma estrutura básica para as mudanças relacionadas com o desenvolvimento

da criança, segundo as suas necessidades, criando uma nova possibilidade de actuar em relação

ao real. Nesta perspectiva, o jogo é entendido como um recurso que o professor ou terapeuta

dispõem para o desenvolvimento da criança.

O brincar comporta dois elementos importantes: a situação imaginária e as regras pois à medida

que a criança se desenvolve, as regras sofrem modificações.

Vygotsky também dá ênfase à acção e ao significado do brincar. Só na acção do brincar é que a

criança vai começar a atribuir um significado novo ao objecto. Na aprendizagem formal isso não

é possível, mas no brincar sim.

Para este o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal (capacidade que a criança

possui), pois na brincadeira a criança comporta-se num nível que ultrapassa o que está habituada

a fazer, funcionando como se fosse maior que é.

Do ponto de vista psicológico, Vygotsky atribui ao brinquedo um papel importante, pois

preenche uma actividade básica da criança, ou seja, ele é um motivo para a acção.

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Ludoterapia:

A ludoterapia é uma forma de intervenção psicológica com crianças que se baseia na brincadeira

como meio de auto-expressão. Do mesmo modo que os adultos expõe os seus problemas, na

terapia, através de fala, a criança fá-lo, na ludoterapia através da brincadeira, que para ela é uma

actividade sem importância como alguns adultos acreditam ser. Mais do que isso, é algo

essencial para o seu desenvolvimento físico, mental e social e permite-lhe experimentar o seu

mundo e descobrir mais sobre ele.

Durante o tratamento com o psicólogo, as crianças são levadas ao consultório para brincarem

livremente, de acordo com as suas necessidades, permitindo que elas demonstrem os seus

conflitos e desenvolvam-se através da interpretação do conteúdo dos seus jogos.

Enquanto a criança utiliza o brinquedo como instrumento o profissional consegue compreender

os seus sentimentos e preocupações. Brincando as crianças comunicam e mostram melhor os

seus sentimentos, como por exemplo, sentimentos acumulados de tensão, insegurança,

frustração, agressividade, medo e confusão (Rocha, 1999). O "brincar é movimento e

manifestação de uma força que faz com que a dinâmica criadora contida no corpo se projecte

também para fora" (Heydebrand, p.45). O psicólogo dirige a atenção para os motivos subjacentes

do comportamento da criança.

A criança utiliza a brincadeira como uma forma de linguagem, pois através dela pode expressar

sentimentos que não saberia através da fala. O brincar, desta forma, constitui-se num simbolismo

que substitui as palavras (Oaklander, 1992; Axline, 1984).

A técnica do brinquedo é organizada de modo que a criança brinque num lugar que está

equipado, habitualmente com brinquedos padronizados.

A análise infantil explora o mundo dos sentimentos e impulsos inconscientes, os “fantasmas

infantis” como origem de todas as acções e reacções observadas nos pequenos pacientes. Ao

exprimir-se ela exterioriza o que estava nas suas fantasias, revelando para o olhar atento do

terapeuta o que estava oculto até para a compreensão da própria criança. Exteriorizando o que

estava contido dentro de si, é possível tornar conhecido o desconhecido. Ao observar-se a si

mesma, a criança encontrará informações que, intencionalmente tomadas pela sua consciência,

poderão trazer novos significados, que poderão oferecer novas direcções, ou a descoberta de

recursos internos anteriormente inimagináveis, propiciando à criança um condição mais

construtiva do sentido da própria vida e do viver, e assim transformando a reorganização do que

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percebe e compreende de si mesma, e, consequentemente, da maneira que se relaciona consigo

mesma e com o mundo.

A eficiência do tratamento está no facto de que ao brincar as crianças expressam sentimentos

como ambição, desejo, amor, crueldade, ódio, necessidade de dominar e destruir. Esses

sentimentos existem em cada pessoa, mas nas crianças são libertados no brincar de uma forma

prazerosa para os pequenos indivíduos. O poder do lúdico na criança dá-lhe o prazer de adaptar a

realidade ao seu gosto.

Após a realização de entrevistas com os pais, o psicólogo terá o primeiro contacto com a criança,

situando-a dentro da queixa trazida pelos mesmos e dando-lhe objectivos claros do trabalho a ser

realizado com ela, pois assim terá maior oportunidade de colaborar na comunicação da sua

dificuldade e de ser ajudada pelo terapeuta. No entanto o problema apresentado, pela criança, em

terapia, não corresponde à queixa relatada pelos pais (Winnicott, 1975).

Durante o tratamento a criança é levada a brincar, de forma livre, de acordo com as suas

necessidades, permitindo com que ela elabore os seus conflitos e desenvolva-se através da

interpretação do conteúdo dos seus jogos.

Como já referi uma das funções do brincar é tornar visível, ou manifesto, aquilo que estava

oculto, ou latente, até mesmo para a própria criança. Cabe ao terapeuta construir acções, ou

intervenções, que integrem e esclareçam os possíveis significados das interconexões percebidas

por ele e vividas pela criança, com a intenção de tornar conhecido o desconhecido. Tudo é

relativo e reorganizável tal como os desenhos de um caleidoscópio (Axline, 1947, pág. 23), e o

terapeuta age como um transcodificador, ou um intérprete de múltiplas linguagens, a linguagem

motora, a linguagem falada, a linguagem lúdica, a linguagem pictórica, a linguagem dos

sentimentos... É como contemplar e vivenciar um amanhecer, em que mansamente a claridade do

sol vai iluminando o mundo, os contornos imprecisos devido à escuridão da noite, vão-se

tornando mais e mais nítidos, melhor delineados pela luz da compreensão... Até que o calor do

sol inunde o mundo, aquecendo com confiança corações amedrontados e entristecidos...

No anexo II encontra-se, segundo Arminda, o que brinca uma criança à medida que se

desenvolve e os brinquedos que utiliza.

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A SALA DE LUDO:

Segundo Axline: “Ainda que seja desejável ter uma sala mobilada e isolada para a ludoterapia,

tal coisa não é indispensável" (1947, p.69).

A sala de ludo deve ser uma sala aberta, não apenas porque os brinquedos estão visíveis aos

olhos físicos de qualquer observador, ou estão acessíveis ao tamanho físico de qualquer criança,

mas devido à crença de que os objectos, lúdicos ou não, estão no mundo e estão disponíveis para

a maioria das pessoas. Quando nos movimentamos em direcção a eles, usando a nossa energia

masculina, eles revelam-se. Ao acolhe-los e abrangê-los, usando a nossa energia feminina,

podemos manuseá-los construindo então a oportunidade de apreendê-los e de viver o

desvendamento dos seus significados, oriundos na própria experiência trazidos pela intenção de

se entrar em contacto com e se relacionar com os objectos. É um movimento oscilante entre o

apego feminino e o desapego masculino, é um contínuo buscar de recursos e sustentáculos, ora

no mundo externo, ora no mundo interno, tal como o movimento das ondas do mar, ou do

balançar de uma rede...

ABORDAGEM EXISTENCIAL:

Trabalhar com crianças é, sobretudo, estar em contacto com as suas emoções e, também, com as

de cada um ao mesmo tempo. Por isso o trabalho da psicoterapia infantil é um dos que mais

exige profissionalismo do terapeuta, pois estar com essa disponibilidade afectiva constantemente,

não é tarefa fácil.

Será tarefa do terapeuta auxiliar no processo de comunicação da criança consigo mesma,

restaurar as “pontes” que ligam a criança a ela mesma, através do reconhecimento e da aceitação

daquilo que sente, sem julgamentos, conceitos ou diagnósticos. Para que ela possa sentir-se

respeitada como ser que é e que pode vir a ser se quiser, e se responsabilizar por isso. A partir daí

a comunicação da criança com o mundo será um processo inevitável e natural.

Assim, quando a criança é trazida ao consultório por um comportamento inadequado, é preciso

estar atento para perceber que é a maneira da criança dizer-nos: "olha, esta é a maneira que eu

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arranjei para sobreviver neste mundo. É o melhor que eu posso fazer, neste momento, para

suportar as dificuldades que eu tenho tido na minha vida". Pode-se então perguntar: Será que se

pode dar algum rótulo para isso? Será que se pode dizer que a criança está doente? Será que se

pode dizer que esta criança é uma criança problema, uma criança agressiva, ou uma criança com

um distúrbio de comportamento...? Ou será que se pode crer que esta criança é muito corajosa de

estar, pelo menos, a tentar da sua maneira, ser alguém no mundo? Ver a criança tal como ela se

apresenta, tal como ela está diante de terapeuta, e auxiliá-la no processo de encontrar-se consigo

mesma, esta é a finalidade da ludoterapia infantil.

Mas continuando o assunto do sentir, temos aqui dois aspectos do sentir:

1º) O aspecto regressivo do sentimento: tem a ver com o passado, com as causas. O

terapeuta investiga a infância, a gestação, o desejo da família, a relação anterior da criança com o

mundo. São as razões pelas quais a criança hoje age desta ou daquela maneira. Nesse estágio, o

terapeuta investiga os porquês.

2º) O aspecto progressivo do sentimento: tem a ver com o futuro. São aspectos que se

iniciam no presente e apontam para o futuro. O terapeuta vai investigar aqui os propósitos pelos

quais a criança é no mundo desta ou daquela maneira. Nesse estágio, o terapeuta vai investigar o

para quê. É a indagação da finalidade.

No primeiro aspecto há um determinismo. No segundo aspecto lida-se com a possibilidade de

novas experiências, logo, com a liberdade do ser. É a visão existencialista. A liberdade com que

a criança precisa de entrar em contacto para que possa fazer transformações internas, através da

conscientização das suas escolhas e o consequente responsabilizar-se por elas. Ela precisa sentir-

se livre para escolher, para ser aquilo que é, para abrir mão dos sintomas e expressar-se de forma

natural e consciente. Readquirir o seu estado natural criativo e de auto-respeito por aquilo que

sente, pensa, intui e percebe.

Abordagem Winicottiana:

Para Winnicott, a brincadeira é universal própria da saúde: o brincar facilita o crescimento e,

portanto, a saúde. O brincar conduz aos relacionamentos grupais, podendo ser uma forma de

comunicação.

Segundo este autor qualquer técnica que o terapeuta esteja preparado para usar, a base é o

brincar. Na opinião deste autor a psicoterapia deve ser elaborada na sobreposição das duas áreas

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do brincar (a do paciente e a do terapeuta), ou, então, o tratamento tem de ser dirigido no sentido

de capacitar a criança a tornar-se capaz de brincar – isto é ter razões para confiar na provisão

ambiental. Tem de se presumir que o terapeuta possa brincar e tenha prazer em brincar.

Uma técnica utilizada por Winnicott foi denominada por “Jogo do Rabisco” ou Squiggle Game,

que é simplesmente um método para estabelecer contacto com um paciente infantil. É um jogo

que quaisquer duas pessoas podem jogar, mas geralmente, na vida social, o jogo rapidamente

deixa de ter significado. A razão por que este jogo pode ter valor para a consulta terapêutica é

que o terapeuta utiliza os resultados de acordo com o seu conhecimento sobre o que a criança

gostaria de comunicar. É a maneira pela qual o material produzido no acto de brincar ou jogar é

utilizado de maneira que mantêm a criança interessada.

O Jogo do Rabisco é uma técnica muito simples que não pode ser considerada como um

T.A.T. (Teste de Apercepção Temática) pois não se trata de um teste, e, segundo, que o terapeuta

contribui com a sua própria “engenhosidade” quase tanto quanto a criança o faz, ou seja, o “jogo

do rabisco” não corresponde, de modo algum, ao exame de um objecto por um perito, mas a uma

estratégia sofisticada de estabelecimento de comunicação emocional não-verbal.

Epistemologicamente, o conhecimento que esta clínica requer constrói-se de modo peculiar, isto

é, evita decididamente que a sua teorização se afaste do acontecer humano, tal como se dá na

vida em geral e na clínica em particular. Abstracções e formalizações são, assim, decididamente

evitadas.

Citando Winnicott: “Num momento apropriado após a chegada do paciente, com frequência

depois de solicitar aos pais que aguardem na sala de espera, digo à criança: ’Vamos brincar de

alguma coisa. Sei de que quero brincar e vou lhe mostrar. Existe uma mesa entre a criança e eu

onde há folhas de papel e dois lápis. Apanho primeiro algumas das folhas dividindo-as ao meio,

dando a impressão de que aquilo que estamos a fazer não possui qualquer importância, e logo

digo: “Este jogo de que eu gosto tanto não possui regras. É só pegar o lápis e fazer assim...” É

bem provável que eu feche os olhos e faço um rabisco cego. Dou continuidade ao meu

esclarecimento dizendo: ‘ Diz-me se isso se parece com algo ou se voc6e pode transformar isso

em alguma coisa. Depois irá fazer o mesmo comigo. Aí eu verei se posso fazer algo com o que

você me mostrar. (...) Esta é a técnica. Devo mencionar que sou absolutamente flexível mesmo

nesses estágios tão precoces, de modo que, se a criança escolhe desenhar, falar ou brincar com os

brinquedos, tocar uma música ou fazer bagunça, sinto-me à vontade para aceitar as suas

vontades. Geralmente o menino gostará de brincar com o que chama de ‘jogo que conta pontos;

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ou seja, algo onde pode vencer ou perder. Contudo, numa grande quantidade de entrevistas

iniciais, a criança ajusta-se suficientemente bem ao que proponho e ao que ofereço em termos de

brincar, para que algum progresso ocorra. Logo surgem alguns resultados, de modo que o jogo

tem continuidade. Em geral, fazemos numa hora vinte ou trinta desenhos juntos. A combinação

desses desenhos vai ganhando cada vez mais importância. A criança sente estar tomando parte da

comunicação dessa coisa tão importante. “ (Winnicott, 1968, pág. 301). No anexo III encontra-se

a descrição de uma sessão, onde Winnicott aplica a técnica do Jogo do Rabisco a uma menina de

7; 5 anos de idade e a respectiva interpretação dos desenhos para perceber a origem do seu

problema.

Considerando que o requisito fundamental, em termos de preparo profissional, é a apropriação

internalizada de conhecimentos relativos ao desenvolvimento emocional infantil e à importância

do meio ambiente humano como facilitador do crescimento psicológico, diz Winnicott (1971):

“Naturalmente não há nada de original no jogo de rabiscos e não seria correcto alguém aprender

como usá-lo e depois sentir-se preparado para fazer o que chamo consulta terapêutica. O jogo

dos rabiscos é simplesmente um meio de se conseguir entrar em contacto com a criança. O que

acontece no jogo e em toda a entrevista depende da utilização feita da experiência da criança,

incluindo o material que se apresenta. “ (Winnicott, 1971,pág. 11).

Deste modo, não há uma indevida valorização do procedimento, por si mesmo, mas o

reconhecimento do seu carácter mediador, no estabelecimento de uma situação propícia à

comunicação significativa entre a criança e o psicoterapeuta, pois o facto de o terapeuta jogar

livremente a sua parte na troca de desenhos, certamente tem grande importância para o sucesso

da técnica; um procedimento deste tipo não faz o paciente sentir-se inferior de forma alguma.

De acordo com Abram (1998), a consulta terapêutica, originalmente realizada através do “jogo

do rabisco”, estava fundamentalmente baseada na esperança e na confiança que a criança e a sua

família tinham no sentido de encontrar ajuda e amparo. O procedimento visava facilitar o brincar

e a aparição do elemento surpresa, que permitia que questões verdadeiramente importantes, do

ponto de vista emocional, pudessem vir à tona num curto espaço de tempo. Os rabiscos

revelaram-se, assim, como passíveis de ser facilmente associados aos sonhos que, como

sabemos, sempre trazem valiosas informações sobre a vida emocional do paciente. A expressão

“consulta psicoterapêutica” foi denominada com a intenção de diferenciá-la tanto da psicanálise

como da psicoterapia, tendo em vista enfatizar, inclusive, que a primeira consulta, eventualmente

única, poderia ter efeito terapêutico.

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A grande diferença entre a terapia do brinquedo do tipo da Srta. Axline e a psicanálise, é que a

terapia interrompe-se no ponto em que o terapeuta espelha a criança tal como ela realmente é, ou

seja, a complicação das interpretações psicanalíticas acha-se ausente.

Segundo a abordagem de Winnicott achei relevante expor um caso clínico (adaptado por mim)

relativo à actividade lúdica com o terapeuta que se encontra no anexo IV.

Breve referência das diferenças entre os terapeutas das várias correntes:

O que realmente vai diferenciar a ludoterapia, de uma para a outra, é a actividade do

terapeuta. Por exemplo:

Rogeriana: personalidade do terapeuta difere, ele é mais aberto, descarta as técnicas de

poder conduzir a terapia mais livremente (clarificação e técnica do espelho);

Behaviorista: pressupostos de comportamentos desejáveis (extinção dos indesejáveis) e

técnica de reforçadora;

Psicanálise: interpretações pré-fixas.

Diferença entre os brinquedos:

Abordagem Rogeriana: o material é colectivo, por isso o indivíduo que estiver a

usar os brinquedos deve respeitá-los. Caso parta algum brinquedo a criança deve

repor ou arrumar.

Abordagem Behaviorista: os bonecos são caracterizados, aspectos fixos, dada a

pré-condição existente.

Abordagem Psicanalítica: os bonecos são caracterizados (jovem, velho, bebé), a

caixa lúdica é individual e somente aquela criança irá mexer na sua caixa. Se um

brinquedo partir não é levado a repor ou a concertar, deixa-se como está.

Nota:

Em todas as abordagens os brinquedos não podem ser eléctricos, pois dificulta a liberdade.

A ludoterapia também pode ser usada na escola, num sentido educacional.

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Conclusão:

Posso concluir através deste trabalho que a Ludoterapia é uma técnica de extrema importância e

indispensável pois através desta é possível “chegar ao mundo da criança”, pois esta é levada

muitas vezes ao consultório como uma “criança problema” que tem de ser ajudada de alguma

maneira. E essa maneira é através do jogo, do brinquedo e da sua brincadeira que são a única

maneira da criança de tenra idade comunicar com o terapeuta, ou seja de ela poder transmitir os

seus medos, angústias, fantasias, preocupações…, pois para esta verbalizar o que sente é difícil e

também pode não saber exprimir-se da melhor maneira pois o seu vocabulário é, ainda, algo

escasso, porque está em desenvolvimento.

Na consulta o terapeuta “convida” a criança a brincar e então poder-lhe-á dizer, por exemplo,

“temos aqui uma mala com muitos brinquedos e vamos brincar com ela”. Esta mala lúdica

contêm materiais específicos para verificar diversos aspectos na criança e assim poder ajudá-la,

da melhor maneira. Estes materiais estão enunciados no anexo V, bem como a significado,

segundo o Modelo Relacional-Dialógico, de utilizar certos objectos na sua brincadeira.

Uma das técnicas que achei interessante referir foi a fantoterapia, que se designa pelo uso de

fantoches na consulta terapêutica, na qual as crianças podem falar com fantoches. Inserido,

também, neste artigo falei das peculiaridades do atendimento infantil (anexo VI), onde, no meu

ponto de vista, não se pode estabelecer um padrão de comportamentos a ter para com as crianças

pois estas são muito espontâneas e imprevisíveis, em diversos aspectos!

Para terminar decidi colocar um poema de J.L.Belas onde nos fala da relação terapêutica entre o

analisando e o analisado e como um brinquedo da infância pode mais tarde ser recordado de uma

maneira surpreendente e maravilhosa.

Gostei muito de elaborar este trabalho pois permitiu-me descobrir mais um pouco do fascinante,

e por vezes incompreendido, por muitos, mundo da criança, sobretudo quando esta brinca. Pois o

acto de brincar proporciona às crianças o relacionamento entre coisas, e ao relacioná-las é que

elas constroem o conhecimento. Esse conhecimento é adquirido pela criação de relações e não

por exposição a factos e conceitos isolados, e é justamente através da actividade lúdica que a

criança o faz. O brincar é o meio de expressão e crescimento da criança.

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ANEXOS

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Referências bibliográficas:

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