O Jornalismo No Final Do Século XX

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Sobre o jornalismo no final do século XX

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O jornalismo no final do sculo XX

O jornalismo no final do sculo XXSebastio Breguez *"O que chama a ateno que o jornalismo mudou, mas as escolas de jornalismo ainda no se deram conta e ainda ensinam o jornalismo ultrapassado" fim-de-ano. Renova-se mais uma vez a dialtica da "morte" de um ano e "nascimento" de outro. Agora com mais emoo e expectativa, pois, mudamos de sculo e, em 2001, de milnio. neste contexto que como professor de jornalismo avalio as mudanas do jornalismo no sculo XX, principalmente, as relacionadas com o Estilo Jornalstico - a Redao Jornalstica.O Estilo Jornalstico ou a forma com que o jornalista apresenta as informaes para o leitor no apareceu de repente na Histria do Jornalismo. Mas foi o resultado de lenta elaborao histrica que est intimamente relacionada com a evoluo do prprio conceito de jornalismo. Esta Histria, a partir dos meados do sculo XIX, apresenta perfeita relao com o desenvolvimento total da sociedade. Podemos dividi-la em trs fases: Jornalismo Ideolgico e Opinativo, Jornalismo Informativo e Jornalismo Interpretativo.PRIMEIRA FASE - 1900-1920 - O ESTILO OPINATIVO E IDEOLGICOO que caracteriza o Estilo Jornalstico, neste perodo, o excesso de adjetivismo no texto das reportagens, o uso do nariz de cera para comear a matria, as reportagens longas e a falta de preocupao com o leitor. Tambm a programao visual privilegiava o texto longo com pouca imagem.Jornalismo doutrinrio e moralizador feito com nimo proselitista a servio das idias polticas e lutas ideolgicas. Trata-se de imprensa pouco informativa e cheia de comentrios. SEGUNDA FASE (1920-1980)1 ETAPA 1920-1945 - O ESTILO INFORMATIVO E A ERA DOS MANUAIS 2 ETAPA 1945-1980 - A DITADURA DO LEAD IMPERA NAS REDAES A primeira etapa da segunda fase -Jornalismo Informativo- vai se definindo a partir do fim da I Grande Guerra. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, aparecem novas formas de redao das notcias, um novo estilo que se apoia de modo fundamental na narrao ou relato de fatos e acontecimentos. O novo estilo adapta formas de expresso literria desta poca para transmitir informaes e notcias com eficcia e economia de palavras. Ele aparece com fora e vigor que cria novas formas de expresso literria com regras prprias estabelecidas nos Manuais de Redao. o aparecimento da tcnica do lead (guia ou orientao para o leitor) em que o jornalista anuncia no primeiro pargrafo os cinco elementos da notcias: O QUE, QUEM, QUANDO, ONDE, COMO, POR QU. Este estilo chegou ao Brasil na dcada de 50 com os primeiros Manuais de Redao adotado por jornais como Dirio Carioca e Tribuna da Imprensa. O Estilo Informativo teve, desde o seu incio, trs objetivos bsicos em que buscava firmar-se: a naturalidade de expresses, a clareza e a conciso. fcil imaginar-se que o aprendizado coletivo destas geraes de jornalistas (pois os Cursos de Comunicao s aparecem na dcada de 1960 ) em busca de maior clareza acabou cristalizando-se nesta forma peculiar de expresso literria. Tambm o aparecimento do Rdio foi importante. O texto para o Rdio tem que ser menor do que o para o jornal impresso para no cansar o ouvinte. Ai aparecem os quesitos para o bom texto jornalstico : clareza, conciso, densidade, exatido, preciso, simplicidade, neutralidade, originalidade, brevidade, variedade, atrao, ritmo, cor, sonoridade, detalhismo, correo e propriedade. Destes, apenas trs so considerados os mais importantes: clareza, conciso e introduo que capte a ateno do leitor. O desenvolvimento da sociedade de consumo aps o fim da II Guerra aps 1945 imps novas formas de apresentao grfica, acompanhando o desenvolvimento da tecnologia e da indstria grfica. A concorrncia com a TV, a partir de 1950, tambm colocou novos desafios para o jornal. Tudo teve que mudar e se adaptar s inovaes, concorrncia e mudanas nos hbitos de leitura do consumidor. Na dcada de 60 e 70, por exemplo, no Jornal do Brasil, o reprter era obrigado a usar a tcnica do lead para introduzir a notcia para o leitor: "o uso do lead e da gravata eram fundamentais no JB", diz um veterano. De 1960 a 1980, a Ditadura do Lead predominou nas redaes, tolhendo, s vezes, a criatividade do reprter ao escrever sua matria. Mas com o aparecimento das revistas semanais de informao com Veja (1968) e a chamada Imprensa Alternativa ou Nanica com O Pasquim (1969) a tcnica do lead foi modificada aos poucos, cedendo criatividade e o desafio criador dos novos jornalistas. Ai apareceu o Estilo Interpretativo.TERCEIRA FASE - 1980 AOS NOSSOS DIAS - O ESTILO INTERPRETATIVOO jornalismo, diante da concorrncia com o Rdio e a TV, teve que mudar. Ele tem que apresentar a informao diferentemente dos veculos audiovisuais e busca mostrar mais- detalhes ao leitor. O jornalismo a reveste de profundidade - as reportagens longas das revistas semanais -Veja e Isto , alm dos jornais alternativos como Opinio, Movimento, Ex, Debate & Critica, etc- os grandes jornais mudam aos poucos seu estilo de redao formalista e tradicionalista. Aliviam o clima da Era da Ditadura do Lead, deixam o reprter usar um pouco mais de imaginao.J h alguns anos que os Manuais de Redao dos grandes jornais no definem o lead como resposta s perguntas O QUE, QUEM, QUANDO, ONDE, COMO , POR QUE.Definem lead como a forma de introduo da notcia em que o jornalista apresenta o aspecto mais interessante para o leitor (veja MANUAL DA FOLHA DE S. PAULO). O uso da imagem e da cor como recurso grfico imps-se no novo jornalismo.Texto curto, com adjetivos bem escolhidos para chamar a ateno do leitor e o uso de imagem (foto, ilustrao, grfico) na maioria das reportagens. Eis as novas modificaes da imprensa. O que chama a ateno que o jornalismo mudou, mas as escolas de jornalismo ainda no se deram conta e ainda ensinam o jornalismo ultrapassado. Os velhos livros bsicos como TECNICAS DE CODIFICAO EM JORNALISMO, de Mrio Erbolato, ou IDEOLOGIA E TCNICA DA NOTCIA, de Nilson Lage, tm que ser atualizados com a nova realidade. Seno nossos alunos iro chegar ao mercado de trabalho com modelos ultrapassados e tero que reaprender tudo. Vale a pena rever o assunto e atualizar tendo como base o mercado. ( Belo Horizonte, dez-99).

* Sebastio Breguez e jornalista. Doutor em Comunicao. Professor Titular de Jornalismo da UNIVALE (MG). Esta es su primera colaboracin para Sala de Prensahttp://www.saladeprensa.org/art135.htmReferncia:

GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirmide - para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre, Tch, 1987. pp. 137-152. [Ref.: T196]

CAPTULO VIJornalismo como ideologia:

o reducionismo como mtodo

Ao contrrio do que se poderia esperar, as tcnicas do "jornalismo burgus" - depois de algumas resistncias iniciais - comearam a se impor tambm nos pases ditos socialistas. Nas Normas operativas e de redao da imprensa latina, editada em Havana, em outubro de 1975, podemos ler:

"A redao de uma notcia consiste em assinalar no primeiro pargrafo o acontecimento que queremos narrar e organizar logo o relato com preciso, em ordem descendente, dos elementos que o seguem em importncia e conduziro a ele..."

O livro do cubano Ricardo Cardet - Manual de jornalismo - demonstra que as tcnicas propostas pelos jornalistas do "bloco socialista" no diferem das tcnicas ocidentais, que propugnam a "objetividade" e a "verdade dos fatos". O autor faz o elogio do lead, alegando aspectos prticos, no sentido de uma comunicabilidade eficaz. No h qualquer proposio terica para embasar os procedimentos tcnicos apresentados. Segundo Cardet, o lead tem dois mritos poderosos: "Primeiro, porque bastar ler esse primeiro pargrafo para que o leitor fique inteirado do acontecimento; segundo, porque mesmo que no haja tempo de ler os restantes, pargrafos fica sempre fixado o essencial da informao no primeiro".

A exigncia do lead como uma caracterstica do jornalismo moderno parece estar situada em outro campo, bem mais fundamental que essa alegada facilidade de leitura. O carter pontual do lead, sintetizando as informaes bsicas geralmente no comeo da notcia, situa o fenmeno como uma totalidade emprica que estivesse se manifestando diretamente aos sentidos do leitor, ouvinte ou telespectador. O relato constitudo pelo ngulo da singularidade dos eventos torna-se, a um s tempo, referencial e pleno de dinamismo. (Eventualmente, esse efeito pode ser obtido por outros meios, especialmente por tcnicas literrias ou estticas, mas essa no a regra para otimizar a informao jornalstica). Os fatos no aparecem decompostos analiticamente, pois isso produziria uma descontrao e at dissoluo do aspecto fenomnico e singular do evento.

A notcia jornalstica reproduz o fenmeno enquanto tal, resguardando sua aparncia e forma singular, ao mesmo tempo que insinua a essncia no prprio corpo da singularidade, enquanto particularidade delineada em maior ou menor grau e universalidade virtual. A informao jornalstica sugere os universais que a pressupem e que ela tende a projetar. na face aguda do singular e nas feies plidas do particular que o universal se mostra como aluses e imagens que se dissolvem antes de se formarem.

O lead permite que atravs da natureza lgica e abstrata da linguagem, constituda pela generalidade intrnseca dos conceitos, seja retomado o percurso que vai do abstrato ao concreto, no pela via da cincia, mas pela reproduo do real como singular-significativo. O real aparece, ento, no por meio da teoria, que vai apanhar o concreto pela sua reproduo lgica, mas recomposto pela abstrao e pelas tcnicas adequadas numa cristalizao singular e fenomnica plena de significao, para ento ser percebido como experincia vivida.

Conforme Ricardo Cardet, a principal condio do jornalismo a veracidade: "Por isso, a principal condio da informao jornalstica no nem a brevidade, nem a clareza, nem a simplicidade da linguagem, mas sim a veracidade dos dados. A essncia de qualquer notcia que o fato seja verdadeiro, mesmo que esteja redigido com erros de ortografia".

Pode-se perceber que, tambm para Cardet, a discusso tica sobre o jornalismo transforma-se numa deontologia vulgar, perfeitamente identificada com a tradio do jornalismo norte-americano, que exige dos profissionais apenas o relato neutro dos fatos. Como se os fatos fossem pr-existentes s notcias enquanto realidades factuais unitrias e j dotados integralmente de significao, antes de sua seleo, estruturao e reproduo pela conscincia tanto dos jornalistas (reprteres, editores, redatores, etc.) como dos receptores da informao. Dizer que os jornalistas no devem mentir, inventar, distorcer, caluniar, etc., como afirmar que as pessoas devem ser honestas. O problema, aqui, ultrapassar o bvio, obter um consenso sobre o conceito de honestidade. Quanto ao jornalismo, a dificuldade seria conseguir um acordo sobre o que a verdade, quais so os fatos que merecem ser relatados e sob que ngulo poltico, ideolgico e filosfico.

Uma anlise "cientfica" do jornalismo

A tentativa de uma anlise "cientfica" do jornalismo, considerado como manifestao essencialmente ideolgica, feita por Vladimir Hudec. A questo colocada corretamente: "qual a essncia do jornalismo, qual a lgica interna desse fenmeno social?" Em parte, diz Hudec, a resposta pode ser dada atravs da prtica das redaes, com base na experincia. "Mas s a pesquisa cientfica e a anlise terica das complexas leis internas que existem objetivamente no jornalismo, como em qualquer outro fenmeno social, que determinam a sua essncia, funcionamento, origem histrica, desenvolvimento e perspectivas, permitem explicar todos os problemas na sua globalidade." Este seria o objeto, segundo o autor, da "teoria geral do jornalismo".

Inicialmente os jornais traziam mais informaes sobre a produo e os negcios do que sobre a vida poltica. "0 objetivo principal dessas compilaes de notcias publicadas periodicamente era o de auxiliar vastos crculos de produtores a avaliarem corretamente as tendncias futuras da produo e os comerciantes a venderem com xito vrios gneros de mercadorias". "0 feudalismo foi incapaz de evitar o nascimento, no seu seio, das relaes de produo capitalistas, mas s mais tarde, quando o feudalismo j se tornara demasiadamente estreito para as relaes de produo capitalistas mais desenvolvidas, que a burguesia se lanou ao ataque no campo poltico, numa tentativa de ganhar poder tambm na vida poltica".

perfeitamente lgico que os primeiros jornais tratassem, principalmente, das questes mercantis, a oferta e a procura de produtos, preos, novas mercadorias e possveis mercados. Isso, no s em funo das necessidades prticas evidentes em si mesmas, mas tambm porque as relaes mercantis que se expandiam eram a forma elementar da universalizao e integrao da sociedade humana e dos indivduos que a constituam.

De fato, numa primeira etapa, o mundo se ampliou principalmente para os industriais e grandes negociantes. Foi para a burguesia ascendente, em funo de suas necessidades especficas, que se realizou objetivamente uma globalizao da existncia. No entanto, as relaes econmicas so a base de relaes sociais em sentido amplo. Por isso, a globalizao scio-poltica da existncia de todos os indivduos seria uma decorrncia natural do desenvolvimento das relaes mercantis e capitalistas.

O jornalismo opinativo, de combate poltico aberto, que teve seu apogeu na primeira metade do sculo XIX - indicado por Habermas como a segunda fase do jornalismo e a mais significativa entre as trs - exatamente o momento histrico no qual vem tona, de modo mais evidente, a dimenso particular do fenmeno, isto , seu carter de classe. claro que a teoria no pode deixar de lado essa dimenso, sob pena de no perceber ou no levar em conta a ideologia hegemnica na atividade jornalstica desde o seu surgimento. O erro, porm, tomar essa fase como a prpria essncia do jornalismo, tal como fazem Habermas e tantos outros seguidores.

A fase abertamente poltica do jornalismo, quando ele foi, sobretudo, um intrumento direto de combate ideolgico e poltico contra o poder feudal, a menos representativa de sua essncia como fenmeno universal. A mais representativa a terceira fase que se consubstancia na especificidade do jornalismo moderno a partir da metade do sculo passado. Na verdade, tanto a primeira fase do jornalismo (notcias mercantis) como a terceira (atual) expressam mais plenamente o contedo do conceito do que a segunda, que apenas indica com nitidez seu carter de classe, sua forma particular de existncia no modo de produo capitalista, num dado momento histrico. Isso no significa desprezar a necessidade poltica e ideolgica de jornais (e outros meios) de explcito combate antiburgus, como instrumentos de propaganda, denncia, educao, formao e organizao.

Quer dizer, veculos articulados estratgica ou taticamente a determinados objetivos poltico-ideolgicos ou tericos (tal como o foram os jornais burgueses na sua luta contra o feudalismo), que se utilizem - em maior ou menor grau - de tcnicas jornalsticas propriamente ditas. O que se pretende afirmar, to somente, que - numa perspectiva histrica mais ampla, que ultrapassa o prprio capitalismo -, no o modelo do "jornalismo opinativo" que deve suceder ou substituir o moderno jornalismo burgus. Na medida das possibilidades concretas da esquerda revolucionria e socialista, a luta deve ser travada, tambm, no terreno desse moderno jornalismo, que no abertamente propagandstico ou organizativo - assim como no o so os grandes jornais burgueses em perodo de relativa estabilidade poltica -, mas que patrocina uma forma especfica de conhecimento da realidade social. Essa batalha pode e deve ser travada dentro dos jornais e veculos sob controle da burguesia, a partir do escasso mas significativo espao individual dos reprteres e redatores em relao s editorias, e do espao igualmente importante das redaes no seu conjunto frente a diretores e proprietrios. Como pode e deve tambm ser travada, especialmente em momentos de transio revolucionria, mas no apenas nesses casos, em veculos de comunicao massiva sob o controle das foras operrias e populares.

Em qualquer caso, no entanto, preciso, em primeiro lugar, reconhecer que existe a possibilidade e a necessidade de um jornalismo informativo moderno, que no seja meramente propagandstico ou formalmente opinativo. Isto , reconhecer a possibilidade e a necessidade de um jornalismo informativo com outro carter de classe, elaborado a partir de outros pressupostos ideolgicos e tericos, mas cuja misso principal no seja apenas a de propagandear tais pressupostos. Em segundo lugar, preciso saber faz-lo, sendo que, para tanto, antes de mais nada imprescindvel comprend-lo do ponto de vista terico.

As trs fases e as trs dimenses do fenmeno

Hudec afirma que o jornalismo no surgiu de uma curiosidade ancestral de conhecer todos os fatos em todos os lugares, mas dentro de um contexto especfico e de uma necessidade social determinada. Mas ele entende que a essncia do fenmeno jornalstico fornecida exclusivamente por esse contexto especfico e por essa necessidade social determinada. No percebe que, historicamente, a ontologia de um fenmeno no se deduz integralmente de sua gnese. Alis, se fosse diferente no haveria nada de realmente novo sob o sol.

Por no compreend-lo, Vladimir Hudec diz que o jornalismo produto das "necessidades econmicas, polticas e ideolgicas completamente novas da burguesia", uma necessidade estritamente de classe, portanto. E assim, no consegue discutir a especificidade do jornalismo como forma de conhecimento e sua universalidade como fenmeno que ultrapassa as fronteiras da dominao burguesa.

A necessidade burguesa do jornalismo aparece mediada por relaes sociais novas, concretamente constitudas, que fundamentam o surgimento desse fenmeno social. a burguesia que implementa, segundo seus interesses e sua hegemonia, a satisfao dessa carncia de informaes de natureza jornalstica que nasceu das condies criadas pelo desenvolvimento capitalista e atravs dele. Mas isso no significa que a natureza do jornalismo se esgote nessa funo positiva que desempenha no capitalismo. Que as informaes predominantes na pr-histria do jornalismo sejam de carter estritamente mercantil e que, numa segunda etapa, os jornais assumam um papel destacado na luta poltico-ideolgica contra o poder feudal, para finalmente assumirem a funo predominantemente informativa que possuem hoje, no pode nos levar ao equvoco de acreditar que sua autencidade est contida apenas na segunda fase, em virtude do papel politicamente progressista que desempenhou.

Na verdade, as trs fases da histria do jornalismo nos permitem captar trs dimenses do fenmeno que compem sua essncia, ou seja, sua universalidade e especificidade concreta.

A primeira indica a composio historicamente particular de relaes econmicas que colocariam, mais tarde, a necessidade universal de informaes jornalsticas para toda a sociedade e no mais exclusivamente para os burgueses.

A segunda demonstra que, implcita ou explicitamente, o jornalismo tambm um instrumento utilizado segundo interesses de classe, um elemento importante da luta poltica.

A terceira fase supera as duas primeiras em funo de uma necessidade social emergente, a partir da segunda metade do sculo passado, tornando-se o jornalismo fundamentalmente informativo, sem anular suas caractersticas precedentes. As notcias no so mais, predominantemente, sobre assuntos mercantis, mas elas prprias transformam-se em mercadorias e, sobretudo, valorizam como mercadoria o espao publicitrio dos veculos nos quais a atividade jornalstica se desenvolve.

O valor de uso das informaes sobre os mais variados aspectos da vida social trans-forma-se em valor de troca em dois sentidos: como coisa vendvel em si mesma e, principalmente, como valorizao do veculo para a divulgao puramente mercantil. A propaganda comercial tem, em geral, pouco valor de uso. Por isso, a eficincia da publicidade comercial est intimamente ligada aos valores de uso que a ela so associados, ou seja, o acesso efetivo que o veculo proporciona cultura em geral, arte, ao lazer e, especialmente, s informaes de carter jornalstico.

No est em questo aqui a hegemonia ideolgica (burguesa) dessa cultura, dessa arte, desse lazer e das informaes veiculadas, mas sim o fato de que correspondem a certas necessidades e formam a condio bsica para que tenham eficcia tanto a publicidade comercial quanto o reforo ideolgico que se manifesta atravs delas. Se no houvesse essas necessidades, os donos de veculos jamais investiriam, por exemplo, em toda a infra-estrutura necessria informao. Uma dzia de lacaios ideolgicos seria suficiente, em cada veculo, para manipular a alienao da massa e torn-la receptiva propaganda comercial e poltico-ideolgica.

A separao feita pelos veculos de comunicao de massa entre a parte referente ao jornalismo, a parte referente opinio (editorial ou no) e aquela referente publicidade, por si s, simboliza as trs fases histricas do jornalismo e sua articulao na nova totalidade que caracteriza o jornalismo informativo.

A prpria ideologia do jornalismo burgus, que destaca a misso informativa como prioritria em relao s outras duas, demonstra que esse mito necessrio para a respeitabilidade do veculo e, em conseqncia, para sua valorizao publicitria. As informaes, obviamente, no so puramente objetivas, sequer imparciais ou neutras. Mas a necessidade universal e efetiva de informaes de natureza jornalstica que condiciona a possibilidade e a funcionalidade desse mito, quando, a partir da segunda metade do sculo XIX, as relaes sociais se globalizam e os indivduos de todos os recantos se tornam indivduos inseridos numa nica Humanidade.

A ideologia da objetividade e imparcialidade do jornalismo corresponde no ao fato ou possibilidade real da existncia desse tipo de informao, mas, ao contrrio, ao fato de que as necessidades sociais objetivas e universais de informao s podem ser supridas conforme uma viso de classe. a carncia objetiva da sociedade como um todo que fornece as bases para o mito ideolgico de que o jornalismo pode vincular-se direta e abstratamente a essas necessidades gerais, segundo um interesse poltico global da sociedade, que se revela como mesquinho interesse da manuteno da ordem burguesa. Ora, sabemos que, numa sociedade dividida em classes, a universalidade sempre se manifesta mediada por interesses particulares.

O jornalismo como ideologia:

a legitimidade da manipulao

Por no considerar, no caso do jornalismo, essa dialtica entre a particularidade e a universalidade, Hudec dissolve a especificidade do jornalismo no seu papel ideolgico em funo dos interesses de uma ou de outra classe. "O modo de produo capitalista em crescimento - afirma o autor - necessitava de uma nova organizao poltica da vida social". O jornalismo entendido apenas como meio para atingir um fim exterior, um instrumento de classe para que a burguesia possa atingir seus objetivos polticos e econmicos.

Essa viso terica da gnese e funo histrico-social do jornalismo tem muitas conseqncias. A mais importante delas a legitimao da manipulao informativa, desde que isso seja feito em consonncia com o que for julgado como "o interesse" das classes revolucionrias, segundo um indivduo, um partido ou o Estado. Assim, a conhecida opinio de Lnin no sentido de que a verdade revolucionria e que s a verdade interessa ao proletariado, adquire relatividade e passa a ser interpretada conforme os burocratas de planto.

No caso presente a manipulao no fica justificada teoricamente com a mera supresso do problema da verdade, como ocorre na aplicao da Teoria Geral dos Sistemas ao jornalismo, mas com a consagrao da verdade a partir de critrios puramente ideolgicos. O papel revolucionrio da classe operria est escrito em determinadas leis frreas do desenvolvimento histrico. Essas leis so objeto da cincia. Portanto, a vanguarda (real ou autodenominada) poltica e cientfica vai interpretar tais leis e definir a verdade dos fenmenos conforme o contexto histrico pr-determinado, fora da prxis e sem a participao real das massas.

Em certo momento, Hudec reconhece que o jornalismo surgiu de uma necessidade social. "Esta resultaria de todo um conjunto de fatores scio-econmicos e assim o jornalismo passou gradualmente a fazer parte da vida social". Porm, a partir de premissas que compreendem o jornalismo exclusivamente pela sua funo ideolgica, como necessidade da classe em ascenso de estabelecer uma nova organizao poltica da vida social - sem perceber que se inaugura uma complexidade e uma dinmica de ordem superior nas relaes sociais, que ultrapassa a lgica mercantil e capitalista -, o autor no consegue explicar de que maneira o jornalismo "passou a fazer parte da vida social".

Se a jornalismo apenas um instrumento de afirmao e hegemonia burguesa, no socialismo ser, to somente, "um instrumento proletrio" e, numa sociedade sem classes, no ter razo de existir. Sua concreticidade, para Hudec, est inevitavelmente ligada aos interesses de classe que ele representa: "O jornalismo no existe numa forma abstrata. sempre concreto, ligado a uma certa classe social cujos interesses expressa, defende e apia de um modo mais ou menos preciso".

Essa concluso do autor pode ser entendida em dois nveis. Se for tomada no sentido de que o jornalismo apenas um instrumento da luta de classes, teremos como conseqncia que ele ser estritamente um epifenmeno da ideologia. Seu estudo seria um captulo da discusso terica sobre a ideologia, uma das formas de manifestao e luta ideolgica. No haveria possibilidade de uma teoria do jornalismo propriamente dita, j que ele teria de ser explicado em funo da luta de classes.

Se tomarmos a concluso do autor no sentido de que o fenmeno do jornalismo est sempre vinculado a determinados interesses de classe, embora isso no esgote a sua essncia, teremos uma afirmao elementar o bvia. Uma assertiva que pode ser aplicada para o problema da cincia, da arte, da engenharia mecnica e da criao de galinhas. Numa sociedade dividida em classes tudo est, de uma forma ou de outra, "de modo mais ou menos preciso", vinculado a interesses de classe.

Entretanto, Hudec no recua diante de conseqncias paradoxais que possam ser extradas de suas teses e afirma: " jornalismo um fenmeno, prprio apenas da cultura moderna, de tipo expressamente ideolgico". (Grifo meu).

Quando o autor fala do jornalismo socialista, aparecem com maior nitidez as conseqncias manipulatrias de sua concepo terica: "Quanto ao jornalismo socialista, a viso cientfica do mundo que constitui sua espinha dorsal imprime-lhe a marca da veracidade e do otimismo histrico decorrentes do objetivo realista e cientificamente fundamentado de criar uma sociedade sem classes".

interessante verificar que a "veracidade" e o "otimismo" no decorrem de uma possibilidade contida nos prprios fatos, mas de qualidades que so consideradas, aprioristicamente, como inerentes ao "objetivo realista e cientificamente fundamentado de criar uma sociedade sem classes". Em outras palavras, os fatos serviro somente para ilustrar com otimismo uma espcie de veracidade que j foi estabelecida como premissa ideolgica e filosfica. Essa perspectiva reduz os fatos ao significado fechado que, de antemo, foi atribudo totalidade histrica. Desse modo, os fatos so apreendidos e relatados jornalisticamente como cenas de um filme do qual j se conhece o final e, portanto, portadores de um contedo integralmente constitudo e indiscutvel.

Os fatos, por si mesmos, no encerram um significado objetivo totalmente independente do sujeito que os percebe e elabora como mensagem codificada, ou completamente desligado das concepes e ideologias sobre a totalidade histrica. No obstante, temos que admitir que os momentos de um processo ou as partes de um todo so, efetivamente, constituintes desse processo e desse todo, em que pesem sejam igualmente produto da totalidade. Isso representa que, de algum modo, a dimenso objetiva dos fatos tem sempre algo a dizer. E o que mais importante, algo novo a dizer. Por exemplo, atribuir a um fracasso econmico ou poltico o carter de uma vitria - na medida em que as derrotas "sempre nos ensinam algo" -, uma evidente manipulao que despreza no s o bom senso como as evidncias objetivas de fato. No entanto, essa derrota econmica ou poltica, no caso de um governo supostamente socialista, pode ser tratada sob dois enfoques ideolgicos: como insinuao de que o socialismo inevitavelmente ineficiente ou invivel, ou como indicao de que necessrio maior competncia ou novos rumos para a construo do socialismo.

Ao invs de reconhecer a singularidade dos fatos e a relativa autonomia de significado que eles expressam, como configurao de possibilidades concretas em relao ao futuro, Hudec prefere indicar previamente uma classificao segundo um futuro pressuposto. "Tudo o que aponta para o futuro, isto , os rebentos do desenvolvimento futuro, merece a maior ateno entre todos os acontecimentos que ocorrem hoje". A seleo dos fatos jornalsticos obedece exclusivamente a um critrio exterior ao processo, a um critrio estritamente ideolgico que deve ser harmnico "com a importncia objetiva da informao decorrente das leis do desenvolvimento social".

De um lado, as "leis" do desenvolvimento social parecem ser puramente objetivas e exatas, de outro, os fatos apenas servem para confirm-las. Cabe ao jornalismo socialista, conforme o autor, demonstrar por intermdio dos fatos o curso geral da histria no sentido previsto. No h nenhuma abertura de sentido ou questionamento realmente novo colocado pelos fatos jornalsticos: "Toda a atividade jornalstica que tenha entrado em conflito com as leis objetivas do desenvolvimento social obrigada a esconder o seu carter reacionrio pela distoro dos fatos, pela demagogia e pela preferncia da influncia psicolgica e racional, com a inteno de manipular deliberadamente as massas".

A filiao stalinista dessa concepo notria medida que pressupe uma ontologia naturalista da histria como seu pano de fundo filosfico, um subjetivismo ideolgico na poltica - que pretende submeter a realidade e certos princpios - e uma epistemologia objetivista com ntidos traos do positivismo.

O "objetivismo" e o "cientificismo"

como renncia da crtica

O processo histrico-social apresenta um movimento contraditrio e um leque de possibilidades objetivas, sendo que o desdobramento efetivo da realidade vai depender da conscincia e ao dos sujeitos. Assim, a diversidade dos fenmenos que povoam esse processo expressam contradies e, inclusive, tendncias opostas ou diferentes da realidade. Portanto, cada fato tomado em sua singularidade e particularidade expressa a realidade em, pelo menos, trs nveis: 1) As possibilidades concretas encarnadas pela totalidade histrico-social na qual o fato est inserido. E uma escolha necessria entre os valores de tais possibilidades. 2) A tendncia especfica da particularidade que este fato expressa de modo predominante. 3) A contradio que, necessariamente, ele contm dentro de si, ainda que expresse uma tendncia dominante da particularidade e seja reproduzido conforme uma escolha ao nvel da totalidade.

No primeiro nvel, aceita a premissa de que existe mais de uma possibilidade objetiva em relao ao futuro, apesar de tais possibilidades no serem arbitrrias nem infinitas, coloca-se o problema da opo subjetiva ou, mais especificamente, da ideologia.

Em relao ao segundo e terceiro nveis, o processo de apreenso da realidade ser, principalmente, indutivo e no dedutivo. Nestes dois nveis, os fatos tero de ser tratados, basicamente, enquanto objetividade, ouvindo e respeitando aquilo que eles tm a dizer, o significado novo que eles inevitavelmente agregam realidade. Por exemplo: possvel relatar a derrota de uma determinada luta pela reforma agrria, assumindo implicitamente a perspectiva dos camponeses e dos operrios urbanos que lutam por ela. Mas no possvel nem desejvel deixar de reconhecer que se tratou de uma derrota (tendncia especfica da particularidade do fato). Alm disso, necessrio reconhecer a contradio apanhada em seu movimento vivo, ou seja, que uma derrota jamais algo absoluto (contradio inerente singularidade).

Essa contradio aparece porque, a partir das possibilidades globais da totalidade indicada no primeiro nvel, sobrevive, inevitavelmente, um aspecto secundrio mas importante: uma chama subordinada, mas real, que aponta no sentido oposto determinao dominante na particularidade. Assim, tambm as vitrias jamais podero ser absolutas porque sempre tero algo a ensinar, um elemento novo que no foi previsto.

H uma diferena importante entre a "ideologia da objetividade", que vigora no jornalismo burgus, e a "ideologia do jornalismo cientfico", que Hudec nos apresenta como a alternativa socialista. Na primeira, os fatos devem falar por si mesmos, contextualizados e hierarquizados subjetivamente com base no senso comum e na ideologia burguesa, para que sua apreenso e reproduo jornalstica atuem como reforo da ordem e do status quo positivamente existentes. Na segunda, os fatos tambm devem "falar por si mesmos", porm no mais atravs das evidncias percebidas pelo senso comum, mas como um boneco nas mos de um ventrloquo. Isto , os fatos devem revelar aquilo que j est previsto pelas leis objetivas do desenvolvimento social, devem ilustrar essas leis em cada momento conjuntural.

No primeiro caso, a objetividade imediata e alienada em sua positividade sempre vai reproduzir a ideologia burguesa que a pressupe. No segundo, uma ideologia normativa, pretensamente cientfica, vai selecionar, manipulatoriamente, aqueles aspectos e momentos da imediaticidade que confirmam a premissa ideolgica estabelecida. Esta ltima concepo, que no ultrapassa a perspectiva "funcional" da comunicao e do jornalismo, encontra sua melhor expresso terica no conceito de Althusser sobre os "aparelhos ideolgicos de Estado", que seriam como correias ideolgicas da reproduo social. Porm, tanto numa como noutra viso, perdem-se as melhores potencialidades epistemolgicas dessa forma de conhecimento. Precisamente aquelas potencialidades crticas e desalienadoras mais especficas do jornalismo.

o modelo de Jrgen Habermas, que distingue, na histria da imprensa mundial, trs fases, que ele caracteriza enquanto a) pr-capitalista, que se limita a organizar o trnsito de algumas informaes; b) a literria, quando, alm da informao, passa a se incorporar a opinio; e c), a empresarial, marcada pela industrializao.

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CAIU NA REDE NOTCIA: UMA ANLISE SOCIOLGICA DO WEBJORNALISMO Por Fernando Arteche Hamilton Jornalista Professor na Universidade do Vale do Itaja (Itaja-SC-Brasil) Mestre em Sociologia Poltica pela Universidade Federal de Santa Catarina (Florianpolis)

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INTRODUO O surgimento de um novo veculo de comunicao de massa sempre acompanhado de desconfiana e euforia. Enquanto alguns tericos e profissionais vislumbram possibilidades magnficas para o novo veculo, outros prevem retrocessos e problemas. O webjornalismo no foge regra. Seu estudo ainda mais problemtico pela relativa brevidade de sua prtica no mundo a partir da dcada de 80 e pela dificuldade de avaliao de uma srie de possibilidades sociais novas, trazidas pelo desenvolvimento da Informtica, pelo atual estgio do

modo de produo capitalista e pela radicalizao da mundializao da cultura. Inserido neste contexto dinmico, o webjornalismo sofre suas conseqncias: abrem-se novas possibilidades para o jornalismo realizado at agora,ao mesmo tempo em que se abre mo de aspectos que foram incorporados ao jornalismo ao longo de sua histria. Este trabalho tem como objetivo analisar as mudanas na prtica do

jornalismo e tambm na insero social desta atividade em sua nova forma: o webjornalismo. Consideramos o webjornalismo como a prtica do jornalismo na web, graas ao uso das novas possibilidades que esta oferece em todas as fases da atividade: produo, captao, edio e veiculao de notcias. Deve-se levar em conta ainda no webjornalismo a possibilidade de digitalizao e manipulao informtica de todos os recursos de comunicao: texto, udio, vdeo e interatividade. Consideramos ainda que webjornalismo hoje innimo de jornalismo on line. Esta foi a primeira modalidade de jornalismo na rede mundial de computadores, quando as empresas de comunicao passaram a disponibilizar o contedo de seus outros veculos na Internet, sem maiores modificaes. A partir de um certo momento (a dcada de 80), essas empresas passaram a incorporar os recursos do hipertexto e outros prprios da web na forma de eiculao e notcias na Internet. A partir de ento, pde-se chamar a essa atividade de webjornalismo, j que ela significava novas prticas e modos e fazer jornalismo. Atualmente, praticamente todo o contedo noticioso veiculado na web incorpora esses recursos. Portanto, so

termos sinnimos e assim sero utilizados neste trabalho. Para dar conta da complexidade que envolve a sociedade hodierna, em

relao sua apreenso terica, dividimos o estudo do webjornalismo e sua insero social a partir de trs pontos de vista: o econmico, mais especificamente o modo de produo capitalista; o tcnico, precisamente a informtica; e o cultural, este visto como o contedo das notcias e sua influncia nas discusses da sociedade moderna. Esses trs elementos serviram ainda para a discusso de uma das principais caractersticas do jornalismo on line: a velocidade na divulgao de notcias. Esta velocidade, crescente na histria do jornalismo, parece chegar a um ponto que pe em dificuldades o prprio trabalho jornalstico, conforme veremos na ltima parte do trabalho. Ressaltamos que essa diviso metodolgica foi aleatria, mas cumpriu a funo de auxiliar na percepo das mudanas que procuramos investigar.

Vale esclarecer desde j, nesta introduo, o que tratamos por jornalismo, apesar das diversas nuanas verificadas no decorrer das anlises tericas: uma atividade baseada na divulgao da singularidade dos fatos, mantidos os pressupostos das particularidades culturais e contextuais, e os da universalidade moral e filosfica. Para tanto, o jornalismo compreende as etapas de escolha e produo dos temas que sero transformados em notcia; a busca de informaes sobre os temas, que compreende tambm a investigao e a checagem dessas informaes; a seleo dos aspectos dos fatos que sero veiculados e sua formatao de acordo com o veculo; e a veiculao propriamente dita, que segue padres diferenciados de acordo com o veculo e com o pblico que se tem como alvo. Estas so as caractersticas efinidoras da atividade jornalstica. Foi com ela que abordamos as transformaes ocorridas no jornalismo com a prtica on line. As linhas gerais das pesquisas de newsmaking, que investigam justamente o jornalismo em suas diversas etapas, tambm serviram de suporte para a anlise da pesquisa de campo. O primeiro captulo do trabalho trata da histria do jornalismo, a partir dos fatores que levaram esta atividade a sofrer um aumento de velocidade no cumprimento de suas diversas etapas. Consideramos este ponto de vista mais adequado aos propsitos deste trabalho do que simplesmente recontarmos a histria da prtica jornalstica, tarefa j encetada por diversos autores, que sero citados ao longo do captulo. Utilizando os pressupostos tericos escolhidos, averiguamos de que forma o capitalismo, a tcnica e a demanda cultural promoveram, ou, ao menos, proporcionaram condies de acelerar o processo jornalstico. No segundo captulo, abordamos trs teorias que tratam do significado social do jornalismo (por vezes inserido na mdia de um modo geral; por outras, de forma

especfica). So trs pontos de vista diferenciados, mas que no se excluem. So formas de analisar o jornalismo que no se esgotaram em determinado perodo histrico, mas, ao contrrio, servem para essa anlise at hoje. Isso porque representam abordagens amplas da atividade jornalstica, concebendo esta como parte de um complexo jogo de foras econmicas e culturais, passando pela tcnica. Essas teorias serviram para a abordagem final do jornalismo on line. No terceiro captulo tratamos especificamente do webjornalismo. Para tanto, foram utilizadas algumas teorias que analisam a sociedade atual em seu estgio de desenvolvimento tcnico, econmico e cultural. Isto porque consideramos que o jornalismo on line faz parte de um contexto mais amplo de relacionamento desses fatores (dentre outros, que no sero abordados neste estudo). A partir dessas teorias, passamos para a considerao do webjornalismo em sua breve histria e em suas prticas mais comuns. No quarto e ltimo captulo, um estudo de caso, que envolveu a observao participante e a realizao de entrevistas com jornalistas que trabalham em veculo on line no caso, o ltimo Segundo, veculo jornalstico do portal iG - completa este

trabalho. Atravs do trabalho emprico, tentamos avaliar a percepo que os jornalistas tm do trabalho no webjornalismo, em relao s mudanas que este traz sobre o jornalismo em outros veculos e em relao insero do webjornalismo junto ao pblico.

A partir dessas consideraes, no quinto captulo apontamos tendncias do webjornalismo observadas durante o trabalho de campo e de pesquisa na Internet, bem como relacionamos a prtica do webjornalismo com o jornalismo na atualidade. Para uma melhor organizao do trabalho, teremos sempre em vista o jornalismo impresso, quando forem necessrias comparaes entre o webjornalismo e a prtica

anterior a este. Isso porque o jornalismo impresso foi a primeira modalidade de jornalismo na histria, porque as demais formas posteriores sempre levaram em conta o formato do jornalismo impresso e porque mesmo na modalidade on line, os veculos de jornalismo impresso foram os primeiros a entrar na rede. Com isso, procuraremos detectar em que medida o webjornalismo sofre influncias da tcnica, do capitalismo e da demanda cultural (ou da possibilidade de atendimento dessa demanda) e se essas influncias chegam a alterar a prtica do

jornalismo realizado em outros veculos. De que forma, por exemplo, a tcnica permite um aumento da velocidade da divulgao de informaes a ponto de impedir a investigao e a apurao das informaes? Como o capitalismo organiza a lucratividade e o trabalho jornalstico nas novas bases tecnolgicas e econmicas? Qual o sentido da fragmentao dos fatos comandada pela atualizao em tempo

real? So todas questes complexas e de difcil apreenso, mas cujo esclarecimento se torna importante enquanto se configura uma nova prtica jornalstica em novas condies sociais.

CAPTULO I JORNALISMO E VELOCIDADE Neste captulo so abordados os fatores que contriburam para o aumento da velocidade da atividade jornalstica atravs do tempo: a tcnica, o modo de produo capitalista e a cultura. Uma breve retrospectiva histrica permitir examinar com mais detalhes de

que forma a tcnica, o capitalismo e a demanda pela cultura (contedo) veiculada nos jornais influenciaram o jornalismo atravs do tempo. Auxiliar tambm na compreenso do estgio atual do jornalismo, onde a tcnica, a concorrncia no mercado e a mundializao da cultura so elementos integrantes de uma nova acelerao na busca e divulgao de informaes para o pblico. Tambm sero feitas consideraes sobre as possveis implicaes da velocidade na prtica do jornalismo.

1 Os Primrdios do Jornalismo A atividade jornalstica propriamente dita se desenvolveu a partir do sculo XVI. nesta poca que o jornalismo comea a incorporar de forma definitiva suas caractersticas bsicas, consolidadas durante o desenvolvimento histrico da atividade, desde seus primrdios na Idade Antiga at os dias de hoje - uma histria que no terminou. O jornalismo consiste na transmisso de informaes que a) promova a

divulgao de temas que representem novidade, atualidade, que no sejam de conhecimento pblico; b) apresente uma variedade temtica; c) permita a circulao dessas informaes entre as pessoas; e d) tenha uma periodicidade definida.

1A partir de sua caracterizao bsica (informaes novas, disponveis a um pblico amplo, com periodicidade definida), pode-se verificar a gnese do jornalismo atual no Imprio Romano. Foi o senador Jlio Csar, em 69 a.C., quem decidiu publicar diariamente os atos do povo e do Senado. As Acta diurna serviram inicialmente para divulgar os atos dos senadores, seus discursos e suas decises. Mais tarde, no entanto, comearam a incorporar maior variedade de temas cotidianos vulgares: nomeaes de funcionrios, ditos, discursos de tribunos, sucessos militares, nascimentos, casamentos, divrcios, bitos, rixas, incndios, bancarrotas, prodgios e espetculos.

2As Acta diurna foram publicadas durante 500 anos, afixadas no muro do Frum de Roma. Se j possuam as caractersticas da periodicidade e, depois, da variedade temtica, esses exemplares primitivos do jornal tinham uma circulao limitada s pessoas que pudessem ir at ao Senado para l-las e, de forma indireta, s que tinham acesso s narrativas dos leitores. Ainda no estava

disponvel na poca, um meio eficiente de circulao, que permitisse que as informaes das Acta chegassem a um pblico mais amplo. Tambm faltava uma maior disponibilidade de material para essa divulgao: o papiro e o pergaminho, utilizados ento, eram caros. Mesmo assim, as Acta diurna so consideradas precursoras do jornalismo atual pelos historiadores da atividade. Desaparecidos

1

Carlos RIZZINI, O jornalismo antes da tipografia, pp. 5-6. 2

Ibid., p. 5.

com a transferncia da capital do Imprio para Bizncio, s ao cabo de mil anos ressurgiam os diurnais nas epstolas-circulares e nas gazetas quinhentistas.

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O lapso de tempo entre a publicao das Acta diurna e outra modalidade de publicao de informaes atravs de meio escrito se deve decadncia desse tipo de prtica durante o incio da Idade Mdia. Nesse perodo predominaram formas verbais de transmisso de informaes, atravs dos trovadores e dos jograis. Utilizando a rima e as formas cantadas de mensagens, essas pessoas circulavam

em determinado territrio, levando a castelos e cidades as narrativas do que se passava em terras distantes. A periodicidade das novidades nessa poca ficou atrelada a vrios fatores, como as estaes do ano, as condies das estradas e a segurana nas viagens era, portanto, aleatria, indefinida. O isolamento dos indivduos nas grandes extenses de terras, a ordem estamental e a falta de estruturas que permitissem a circulao de informaes com regularidade peridica foram determinantes para que houvesse um retrocesso na transmisso pblica de informaes durante a Idade Mdia. A partir do sculo XVI, a informao transmitida atravs da escrita comea a

ganhar fora na Europa. Contribui para isso uma srie de inovaes tcnicas. A primeira delas a fabricao do papel, que substituiu os pergaminhos de couro e os papiros egpcios, feitos a partir das plantas das reas alagadas do rio Nilo. Mais barato e produzido de forma mais simples, o papel foi primeiramente utilizado pelos chineses, que o fabricavam a partir de pedaos de seda misturados em gua, em

213 a.C. A tcnica de fabricao do papel passou por mudanas ainda na China, com o acrscimo de pedaos de madeira e de outros tecidos misturados gua e se espalhou para a Europa atravs de migraes e da rota comercial explorada pelos rabes. A fabricao do papel era, nessa poca, totalmente artesanal e de baixa capacidade produtiva. Mas veio suprir a necessidade de um material abundante e

barato, em comparao com os instrumentos utilizados para a escrita anteriormente. Se o papel ofereceu o suporte para o desenvolvimento da informao escrita, o estabelecimento do correio foi o responsvel pela segurana e a periodicidade das correspondncias. Significou a superao das determinaes climticas, geogrficas Carlos RIZZINI, O jornalismo antes da tipografia, p. 7.

e de insegurana que prevaleceram na transmisso de informaes na Idade Mdia. Apesar de iniciativas espordicas anteriores, na Prsia e em Roma, a implantao de um sistema de correios regular teve lugar na Frana, no ano de 1464. A correspondncia regular entre Paris e outras cidades francesas, no entanto, j existia desde 1315, por iniciativa de universidades e casas comerciais e industriais. O papel e o correio propiciaram melhores condies para a correspondncia entre indivduos a partir do sculo XV, tendo ambos influncia decisiva no

desenvolvimento posterior do jornalismo. As cartas, com periodicidade garantida pelos correios, se tornaram um meio de troca de informaes entre pessoas privadas que acabou por extrapolar as paredes das casas aristocrticas para chegar aos cafs e s ruas. No sculo XVII, por exemplo, a periodicidade de posta a cada oito dias, transformou certas correspondncias em verdadeiros peridicos informativos. Isso em plena concorrncia com as j existentes gazetas manuscritas e impressas. As cartas particulares dos sculos XVI, XVII e XVIII possuam maior contedo jornalstico, no sentido informativo, do que a maioria das folhas mo e deixam a perder de vista as primeiras gazetas impressas sob a gide dos governos e, por isso, voltadas ao noticirio deformado e gratulatrio.

4A correspondncia trocada entre aristocratas passou a ser divulgada a um nmero crescente de pessoas: primeiro atravs da leitura em grupos; mais tarde, pela publicao mesmo das missivas. Um refinamento profissional dessa ltima prtica daria origem s gazetas manuscritas, no sculo XV. As primeiras informaes sobre essas gazetas vm de Veneza, segundo Rizzini. As gazetas no tinham periodicidade fixa e eram publicadas de acordo com o interesse e as possibilidades do editor. As gazetas manuscritas j contavam com o trabalho de reprteres e editores com funes semelhantes s dos profissionais de hoje. Os primeiros vasculhavam os recantos das cidades atrs da novidade. Os editores da poca ou copiavam as informaes de forma fiel ou eram responsveis pela opinio

aberta e a crtica dirigida a poderosos. Os assuntos eram os mais variados, desde a crnica poltica at os casos particulares, de acordo com o desprendimento dos reprteres. O noticirio internacional, garantido pelas informaes de correspondentes tambm chamava a ateno dos editores e do pblico, principalmente na seara poltica. Carlos RIZZINI. O jornalismo antes da tipografia, p. 60).

Exemplares de veculos de transmisso de informaes, com caractersticas de variedade, periodicidade, atualidade e circulao, as gazetas manuscritas foram parte da prtica artesanal do jornalismo. Seus instrumentos de trabalho eram o papel, o bico de pena, a tinta e a busca de informaes. A inteno de evitar a censura e o controle oficial deu s gazetas manuscritas uma capacidade de sobrevivncia mesmo com as tipografias j funcionando e anunciando a era da industrializao do jornalismo.

2 A acelerao da atividade As limitaes tcnicas da atividade jornalstica foram sendo superados ao longo do tempo, e permitiram que o jornalismo adquirisse sua feio caracterstica como atividade social. Com o passar do tempo, o jornalismo agrega sua tarefa bsica de divulgar fatos novos, periodicamente, a um grande nmero de pessoas, a meta de fazer essa divulgao o mais rpido possvel. Isso trouxe mudanas na sua

execuo e tambm no seu sentido.. Trs fatores nos parecem fundamentais para o aumento da velocidade no jornalismo atravs do tempo. O primeiro o desenvolvimento tcnico. O aperfeioamento das tcnicas de impresso, sintetizado no sculo XV pela inveno

da imprensa de tipos mveis, forneceu atividade jornalstica condies de trabalho mais geis e com custos mais baixos. Ao mesmo tempo, os novos meios de transporte e de comunicao, como o correio regular, o trem e o telgrafo, permitiram maior eficincia e rapidez na transmisso de notcias, principalmente das provenientes de locais mais distantes. O segundo fator que contribuiu decisivamente para o aumento da velocidade na atividade jornalstica foi a consolidao do modo de produo capitalista no Ocidente. A partir da Revoluo Industrial, na Inglaterra do sculo XVI, o capitalismo impe regras de mercado que atuam de forma definitiva sobre a sociedade e

tambm sobre o jornalismo. A organizao industrial nos moldes capitalistas das empresas jornalsticas e a valorizao da informao como mercadoria influenciaram a atividade de forma definitiva em sua prtica e em seu sentido.

Mas de nada serviriam uma maior possibilidade tcnica de produo e processamento de informaes e a influncia de um sistema de produo industrial do tipo capitalista na atividade jornalstica, se no houvesse uma demanda pelo contedo do jornalismo por parte do pblico. Esse contedo, formado basicamente por verses de fatos ao redor do planeta, capaz, hoje, de influenciar as percepes de mundo e de vida das pessoas. As experincias mediadas, afinal, passaram a disputar em nmero e intensidade com as experincias imediatas, a ateno das pessoas e a influenciar sua conformao ou contrariedade a respeito da realidade que as cerca.

A considerao mais detalhada de cada um desses fatores, em suas mltiplas interpretaes e em suas influncias sobre o campo do jornalismo, permite compreender melhor a atual realidade da atividade. Essa contextualizao, por sua vez, servir de parmetro para o estudo do jornalismo on line. A separao entre tcnica, capitalismo e cultura serve apenas como mtodo de abordagem do assunto,

j que os trs fatores agem intermitentemente na definio do jornalismo, tanto na atualidade, quanto no seu desenvolvimento histrico.

2.1 A tcnica e o jornalismo A tcnica tem recebido tratamento variado da sociologia. Da parte da crtica h, por exemplo, a ameaa da jaula de ferro, tal como expressa por Max Weber, onde a tcnica confundiria meios e fins da ao racional; o ocultamento do ser, denunciado por Heidegger, em que a tcnica desvelaria aspectos do ser, mas afastaria sua essncia; e a restrio ideolgica feita pela Teoria Crtica, principalmente por Marcuse, para quem a tcnica definiria as intenes da classe hegemnica em uma sociedade. De outro lado, um grupo de autores procura demonstrar que a tcnica sempre fez parte da sociedade, auxiliando os homens em sua vida e tambm definindo prticas sociais, a partir do surgimento de determinados artefatos. Aqui podemos citar o trabalho de Bruno Latour, que considera a sociedade como uma rede formada

no por objetos e homens, mas por estruturas hbridas que se influenciam mutuamente. Essas teorias negam, portanto, a noo de impacto tecnolgico. Pressuposto semelhante tem Pierre Lvy sobre o papel da tcnica no desenvolvimento da humanidade. Diz ele que ...no somente as tcnicas so imaginadas, fabricadas e reinterpretadas durante o seu uso pelos homens, como tambm o prprio uso intensivo de ferramentas que constitui a humanidade enquanto tal (junto com a linguagem e as instituies sociais complexas).

5Em nosso estudo, no trataremos a tcnica com uma perspectiva de valorizao, mas sim como estrutura dada sobre a qual desenvolvido o trabalho jornalstico. Partimos do pressuposto adotado por Marcondes Filho de que, ...as tecnologias esto a, invadem nosso cotidiano com velocidade espantosa e o que nos resta fazer mudar nossas formas arcaicas e obstinadas de pensar, abandonar velhas teorias e relacionarmo-nos com esses novos seres, buscando encontrar uma boa forma de convivncia e atuao crtica nessa nova sociedade.

6A mquina smbolo da palavra impressa (e do jornalismo) a tipografia, desenvolvida por Gutenberg, entre 1438 e 1440. Mas ela mesma um aperfeioamento de tcnicas anteriores e de um conjunto de processos. Assim, para que a imprensa fosse concebida foi necessrio, antes, o desenvolvimento da fabricao do papel, da prensa, dos caracteres mveis de chumbo e de tintas durveis. Com essas pr-condies, Gutenberg foi capaz de criar uma mquina que imprimia textos em papel, com a utilizao de tipos mveis. A inveno de

Gutenberg permitia, na poca em que foi posta para funcionar, a impresso de 300 pginas por dia. A partir dessa experincia pioneira, a impresso se espalha pela Europa. Ainda no sculo XV, j havia tipografias implantadas em 247 cidades. A mobilidade e o reaproveitamento das peas para a impresso de outros textos justamente o que diferencia a tipografia de processos anteriores de impresso, como a xilografia. Junto com a disseminao da tipografia vieram os aperfeioamentos da inveno. Depois de libertar-se das influncias do texto manuscrito, cujo estilo os tipgrafos procuravam imitar no incio, a tipografia encontra caracteres prprios e

uma diversidade de estilos. O desenvolvimento tcnico da tipografia se d em Pierre LVY, Cibercultura, p. 21.

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Ciro MARCONDES FILHO, Cenrios do novo mundo, p.14 grande parte influenciado, portanto, pela concorrncia. A partir dos aperfeioamentos da tipografia, a atividade, com a impresso de livros e peridicos, entra na era industrial. Trs caractersticas diferenciam a atividade tipogrfica nessas duas fases: o volume de produo, que cresce a ponto de inviabilizar o trabalho artesanal no atendimento da demanda dos produtos impressos; o maquinismo, situao em que o uso de mquinas torna o arteso manipulador de instrumentos em operrio/mecnico do processo de industrializao; e a organizao mercantil da atividade, com prioridade para o atendimento do mercado

e incremento da diviso do trabalho.7

O aperfeioamento tcnico das mquinas trouxe consigo a capacidade de aumentar a velocidade de produo dos impressos. Em 1814, as prensas, antes operadas pela fora humana, passam a ser mecnicas, aproveitando o vapor como fora motriz. A utilizao de cilindros nas mquinas de impresso tambm contribuiu para o aumento de velocidade da impresso. J nessa etapa, junto com a fabricao

de prensas de metal (mais resistentes que as de madeira), a capacidade de impresso passa de 300 folhas para 3.000 folhas por dia. Seguem-se, ento, as primeiras experincias com mquinas rotativas, em que um certo nmero de cilindros contendo papel entra em contato com um cilindro principal, que traz a frma da pgina a ser impressa. Em 1846, com dez cilindros de papel, a capacidade de

impresso da mquina j de 20 mil folhas por hora. Finalmente, chegou-se rotativa propriamente dita, considerada o auge da tecnologia mecnica de impresso dos jornais. A capacidade de impresso precisar ento de uma nova medida, diferente do nmero de pginas impressas por dia, devido ao aumento considervel da produtividade dessa mquina: so 20 mil exemplares de jornal por hora.

O prximo marco no aperfeioamento tcnico da impresso a criao do linotipo. Esse equipamento consiste na composio dos textos atravs de um teclado, que organiza os tipos mveis. o equipamento ancestral da mquina de escrever, adaptado s mquinas impressoras. O aperfeioamento tcnico da impresso, que permitiu um aumento de velocidade de 20.000 exemplares, em

1846, para 300.000 exemplares de jornal de oito pginas, em 1935, trouxe, claro, Wilson MARTINS, op. cit., pp.269-271

mudanas no trabalho jornalstico. Como resume Wilson Martins, ...basta dizer que a composio se tornou de trs a quatro vezes mais rpida por homem empregado e a impresso se tornou milhares de vezes mais rpida. Esses dois resultados conjugados provocaram maior volume de produo em menos tempo, o que bem o signo da indstria moderna.

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Junto com o desenvolvimento nos processos de composio e impresso de jornais, auxiliados, a partir do final do sculo XIX, pela eletricidade, outros processos de comunicao aumentam ainda mais a capacidade industrial da atividade jornalstica. O telgrafo, implantado em 1839, na Inglaterra, passa a ser utilizado para a transmisso de informaes das agncias de notcias, substituindo prticas

anteriores, como os pombos-correio. O telefone, que comea a ser explorado em 1877, nos Estados Unidos, torna ainda mais dinmica essa transmisso de informaes distncia e, no caso especfico do jornalismo, permite a incorporao de uma nova forma de composio: a ligao de aparelhos receptores de sinais telefnicos a linotipos, o que permite uma composio distncia, sem a interferncia de intermedirios humanos. A convergncia entre os sistemas de comunicao e os parques industriais dos veculos impressos deriva para novos aperfeioamentos, como a chamada impressora offset, conjunto de trs rotativas e o de quatro cores. Outra inovao a impresso a laser, possibilitando a impresso simultnea de jornais, em diferentes localidades geogrficas. Novas formas de captao de informaes, de recursos de edio e de veiculao de notcias peridica para um grande nmero de aparelhos fotoeletrnicos que, na

dcada de 1970, permite a impresso de 360 mil exemplares por hora, com a utiliza pessoas ou seja, de jornalismo surgiram ainda. Os recursos proporcionados pelo desenvolvimento da informtica, por exemplo, fornecem toda uma nova gama de possibilidades para a

atividade jornalstica, e sero abordados mais adiante. Wilson Martins, op., cit., p. 282.2.2 A Influncia do Capitalismo O modo de produo capitalista comeou a se desenvolver no Ocidente a partir da Revoluo Industrial na Inglaterra, em meados do sculo XVIII. Foi nessa poca que comearam a tomar forma os elementos do capitalismo: propriedade privada, capital e trabalho assalariado. O processo de cercamento transformou o regime de propriedade da terra na Inglaterra, tirando a possibilidade de explorao

da agricultura de um vasto contingente de indivduos que utilizavam as terras compartilhadas. Com o cercamento, firmou-se a propriedade privada da terra e liberou-se mo-de-obra para a indstria incipiente. Sem acesso a terra, restou aos indivduos afastados do campo o emprego nas fbricas txteis como trabalhadores assalariados. O capital surge dessa nova forma de organizao do trabalho. Segundo Marx, o uso do dinheiro como simples meio de troca no gera nenhum valor excedente nas transaes, isto , no transforma o dinheiro em capital. Para que isso acontea, necessria uma mercadoria que gere valor. Essa mercadoria a capacidade de trabalho. O tempo de trabalho despendido para a produo de uma mercadoria, com o respectivo custo da manuteno do trabalhador e dos meios de produo (e da reproduo da fora de trabalho), a frmula geradora de valor. O uso da capacidade de trabalho alm do tempo necessrio para a produo de uma mercadoria e a utilizao de mquinas capazes de otimizar esse uso geram a mais-valia. Esta , em ltima instncia, a forma como o capital se transforma em mais capital quando inserido numa equao de trocas do tipo dinheiro-mercadoria-dinheiro, onde o dinheiro utilizado para a compra de mercadoria com o objetivo de gerao de mais dinheiro, por parte do dono do capital. A ascenso do capitalismo significou uma mudana radical na sociedade da poca, desorganizando-a e reorganizando-a em outros parmetros. No lugar de uma regulao de inspirao divina da sociedade, passa a imperar a idia do estabelecimento de um mercado livre de interferncias. De acordo com essa tendncia, as regras do capital seriam capazes de regular a economia (e a sociedade). Polanyi afirma que, para a predominncia da idia de mercado como regulador da sociedade, preciso que o lucro, e no a subsistncia, seja a motivao social e individual principal. Todas as transaes se transformam em transaes monetrias e estas, por sua vez, exigem que seja introduzido um meio de intercmbio em cada articulao da vida industrial.

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O desenvolvimento do capitalismo est relacionado tambm com a industria. Foi a partir da organizao industrial num mercado livre que o trabalho, a terra e o dinheiro passaram a ser encarados como mercadorias para a venda, formando o que Polanyi chama de transformao desses fatores em fices do mercado.

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atividades econmicas no caso de esperar maiores lucros com a revoluo do que sem ela. A introduo de mquinas cada vez mais sofisticadas e dispendiosas, por sua vez, passa a exigir novas condies de mercado. Referindo-se s fices de mercado, Polanyi afirma que as mquinas s podem trabalhar sem prejuzos se a sada de mercadorias razoavelmente garantida, e se a produo no precisar ser

interrompida por falta de matrias-primas necessrias para alimentar as mquinas. Para o mercador, isso significa que todos os fatores envolvidos tm que estar venda, isto , eles precisam estar disponveis, nas quantidades necessrias, para quem quer que esteja em condies de pagar por eles. O capitalismo significou em sua origem, portanto, uma reformulao econmica da sociedade, que passou a ser considerada enquanto resultado da produo industrial com vistas ao mercado e ao lucro. Nessa mudana foi afetada a

relao do homem com a natureza e com os outros homens, com o trabalho e com as finalidades de vida. Apesar das resistncias polticas e sociais levadas cabo atravs dos tempos, o capitalismo passou a ser o modo de produo predominante no Ocidente, trazendo conseqncias para todas as esferas da vida.

9

Karl POLANYI, A grande transformao, p. 60.

10

Essas fices se referem aos significados originais desses fatores, que seriam a atividade

humana que acompanha a vida e no feita para a venda (trabalho), a natureza (terra) e um smbolo

do poder de compra, que s ganha significado atravs dos mecanismos dos bancos e das finanas

estatais (dinheiro). Ibid., p. 94.

O capitalismo no est, porm, livre de crises. Estas aparecem desde o incio da sua implantao. A primeira delas surge j na dcada de 1840, quando a indstria txtil se ressente da falta de mercados e da concorrncia que obrigava a investimentos pesados em maquinaria. Se a construo de ferrovias e o surgimento de um mercado consumidor em outras naes auxiliaram o capitalismo industrial da

Inglaterra a sair dessa primeira crise, outras foram as alternativas encontradas por este modo de produo para superar suas crises posteriores. David Harvey11

flexibilizao seria uma nova forma do capitalismo tentar superar suas crises peridicas, mais exatamente a crise que se abateu sobre esse sistema a partir do incio da dcada de 1970. De um modo geral, Harvey, baseado em Marx, ressalta que o capitalismo propenso a crises pela combinao de trs caractersticas: a orientao para o crescimento; o crescimento em valores reais apoiado na explorao do trabalho vivo na produo; e a necessidade constante de uma dinmica tecnolgica e organizacional. Nas palavras do prprio Harvey Marx foi

capaz de mostrar que essas trs condies necessrias do modo capitalista de produo eram inconsistentes e contraditrias, e que, por isso, a dinmica do capitalismo era necessariamente propensa a crises.

12A acumulao flexvel estudada por Harvey se contrape a uma estrutura organizacional rgida prpria do fordismo, sistema de produo, de organizao do trabalho e de consumo implantado no incio do sculo XX. Esse sistema tinha como pressuposto a linha de montagem, com a diviso do trabalho em tarefas e a separao entre a concepo e a execuo do trabalho. O que havia de especial em Ford (...) era a sua viso de que a produo de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reproduo da fora de trabalho, uma nova poltica de controle e gerncia do trabalho, uma nova esttica e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrtica, racionalizada, modernista e populista.

13 David HARVEY, A condio ps-moderna.

12

Ibid., pp. 169-170.

13

David HARVEY, op., cit., p. 122

Mas para que fosse consolidado, o fordismo precisou de uma estruturao rgida, envolvendo os sindicatos, as corporaes e o Estado nas diversas Naes em que estava implantado depois da Segunda Guerra Mundial. Os sindicatos trataram de garantir melhores condies de trabalho para seus filiados na perspectiva capitalista de produo, atravs da burocratizao de suas estruturas. As corporaes ficaram com o papel de investir em capital fixo de forma constante, garantir a capacidade administrativa e determinar uma economia de escala com

produtos padronizados. J o Estado ficou com o papel de fornecer a infra-estrutura em transportes e equipamentos pblicos, o controle das polticas financeira e monetria para a normalizao dos ciclos econmicos e um complemento de renda para os trabalhadores atravs da seguridade social. Em contraposio a essa rigidez de papis dos trs atores do capitalismo surge, a partir da dcada de 1970, o processo de acumulao flexvel. Esse processo veio em auxlio superao de mais uma crise do capitalismo: desta vez, uma crise de superacumulao. Tipo de crise recorrente, a superacumulao consiste na disponibilidade excessiva de produtos no mercado, provocando a queda dos preos e de consumo. uma condio em que podem existir ao mesmo tempo capital ocioso e trabalho ocioso sem nenhum modo aparente de se unirem esses recursos para o atingimento de tarefas socialmente teis.

14Harvey lista trs maneiras de superao da superacumulao pelo capitalismo: a desvalorizao (de mercadorias, de capacidade produtiva, do valor do dinheiro) talvez associada destruio direta; o controle macroeconmico, por meio da institucionalizao de algum sistema de regulao; e o deslocamento espacial e temporal. O autor se detm nesta ltima alternativa considerando-a a mais significativa (apesar de mais problemtica tambm) na superao da crise de superacumulao surgida em 1972. O deslocamento espacial da produo permite que o capital procure as melhores condies de produo no mundo, tanto em relao abundncia de materiais quanto existncia de mo-de-obra mais barata. O deslocamento temporal diz respeito principalmente acelerao dos processos produtivos. Ambos

os deslocamentos so favorecidos hoje pela existncia de redes de transporte e

14

Ibid, p. 170.

comunicao, que permitem a tomada de decises simultneas em diversas partes do mundo, bem como a coordenao precisa dessas decises. A acelerao do processo produtivo, alis, um componente importante para a sade do capitalismo, e complementado pelo planejamento espacial. Trata-se da compresso espao-tempo, tpica da condio atual do modo de produo capitalista. O tempo de produo, associado ao tempo de circulao da troca, forma o conceito de tempo de giro de capital. Este tambm uma magnitude de

importncia extrema. Quanto mais rpida a recuperao do capital posto em circulao, tanto maior o lucro obtido. As definies de organizao espacial eficiente e de tempo de giro socialmente necessrio so formas fundamentais que servem de medida busca do lucro e ambas esto sujeitas a mudana.

15A anlise de Harvey ainda oferece outra contribuio de interesse para este estudo. A superao de barreiras tanto espaciais quanto temporais enfrenta resistncias e traz conseqncias para a organizao econmica e social. Em relao remoo das barreiras espaciais, o capitalismo precisa enfrentar o fato de que isso s possvel com a criao de outros espaos (aeroportos, estradas de

ferro, auto-estradas), eles tambm dispendiosos em recursos. Por outro lado, as estruturas de produo existentes no podem ser abandonadas de uma hora para outra, j que exigiram investimentos e requerem cuidados para no representarem

prejuzos. As mesmas dificuldaes representadas pela infra-estrutura j existente para a derrubada das barreiras espaciais so obstculos a uma acelerao constante dos processos de produo e consumo. A implantao de novos sistemas tem de esperar a passagem do tempo da vida natural da fbrica e do trabalhador, ou empregar o processo de destruio criativa, que se baseia na desvalorizao ou destruio foradas de ativos antigos para abrir caminho aos novos.16Como efeitos imediatos da compresso espao-tempo, Harvey destaca a pressa das decises, o que pode provocar movimentos bruscos e desastrosos, principalmente no que diz respeito ao sistema financeiro mundial. E tambm a 15

David HARVEY, op. cit., p. 209.

16

Ibid. , p. 210.

predominncia de aspectos relativos a instantaneidade e a descartabilidade. Nas palavras do autor: A primeira conseqncia importante [da compresso espao-tempo] foi acentuar a volatilidade e efemeridade de modas, produtos, tcnicas de produo, processos de trabalho, idias e ideologias, valores e prticas estabelecidas... No domnio da produo de mercadorias, o efeito primrio foi a nfase nos valores e virtudes da instantaneidade (alimentos e refeies instantneos e rpidos e outras comodidades) e da descartabilidade (xcaras, pratos, talheres, embalagens, guardanapos, roupas, etc.). A dinmica de uma sociedade do descarte, como a apelidaram escritores como Alvin Toffler, comeou a ficar evidente durante os anos 60.

17

A histria do jornalismo anterior a do capitalismo, pelo menos em seus primrdios. Mas j no sculo XVI, as informaes econmicas sobre mercadorias, preos e transportes faziam parte dos veculos informativos. H autores, como Marcondes Filho, que afirmam que o jornalismo nasceu da necessidade de informao intrnseca ao modo de produo capitalista

18

no Captulo II), nem todos relacionados ao capitalismo. Apesar disso, reconhecemos que essa atividade sofreu - e sofre at hoje influncias decisivas desse sistema de produo.

Em relao a tcnica, a utilizao de instrumentos para o desenvolvimento do

jornalismo foi anterior organizao industrial da economia, iniciada na Revoluo

Industrial inglesa. A imprensa de Gutenberg serviu primeiramente para ampliar o

alcance dos veculos informativos j existentes antes dela, e que continuaram a

existir mesmo com a imprensa de tipos mveis. Alm disso, a imprensa tambm

ampliou o nmero de pessoas envolvidas com a atividade da informao

Com o incio da implementao do capitalismo, o jornalismo comea a

apresentar caractersticas de uma atividade industrial. Ainda mais que o grande

nmero de tipografias j gerava uma concorrncia entre os empreendedores. As

17

Ibid., p. 258.

18

Cf. Ciro Marcondes Filho, O Capital da Notcia.

Page 21

21

constantes inovaes em equipamentos, a necessidade de distino das tipografias

atravs de tipos prprios, por exemplo, exigiam investimentos e, portanto, receitas

que os suportassem.

A comercializao de notcias j era observada no sculo XVI, atravs de

assinaturas dos veculos informativos ou de correspondentes particulares que se

encarregavam de abastecer o pagante de novidades peridicas. No sculo XIX, a

atividade se desenvolve incorporando outros aspectos dentro dos parmetros

capitalistas. Alm das assinaturas, surgem empreendimentos que permitem a venda

de jornais a preos mdicos, garantindo um pblico maior de leitores e, mais tarde, a

venda de espao publicitrio nos veculos impressos (inicialmente com os anncios

classificados).

A busca de leitores passa a ser um dos principais objetivos das empresas

jornalsticas para fazer frente a seus custos de produo e proporcionar lucros. A

concorrncia se acirra. Na Gr-Bretanha, a tiragem dos jornais alcanava 25 milhes

de exemplares impressos em 1810. No Brasil, de acordo com Bahia, no final do

sculo XIX, os principais jornais concorrem em tiragem e circulao, instalam o

balco de classificados, estimulam escritrios e agncias de publicidade, ampliam a

cobertura com prioridade para a reportagem, reservam recursos no balano anual

para o reaparelhamento editorial.

19

A incorporao de metodologias produtivas como a fordista tambm influiu na

atividade jornalstica. Apesar de ser uma atividade que envolve uma grande poro

de trabalho intelectual, o jornalismo passou a incorporar a diviso especializada para

a execuo das diversas tarefas que fazem parte de sua execuo, da procura pelas

informaes at a veiculao das mesmas. Produtor, reprter, fotgrafo, redator,

editor, diagramador, chargista, diretor de redao, administrador, mecnico,

impressor so alguns dos postos em que a atividade foi dividida nas complexas

empresas de comunicao que se formaram a partir do final do sculo XIX.

Mais do que a especializao de profissionais para a execuo de funes,

diversos manuais surgiram no exterior e no Brasil, onde estavam prescritos padres

para a realizao das tarefas. O texto jornalstico recomendado, por exemplo,

deveria ter frases breves, palavras curtas, preferncia pelo vocabulrio usual, estilo

19

Juarez BAHIA, Jornal, histria e tcnica, p.173.

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22

direto, uso adequado de adjetivos, verbos vigorosos de ao, sempre na forma ativa

e positividade.

20

nos processos tcnicos, como tambm nas formas do fazer jornalstico.

2.3. O papel da cultura O aumento da capacidade de produo e veiculao de informaes

jornalsticas, atravs da tcnica e das necessidades intrnsecas ao capitalismo no

basta para explicar a grande penetrao dos veculos de comunicao de massa

informativos na sociedade atual. Admitir o contrrio seria presumir que tanto a

tcnica como a economia so capazes de definir toda uma estruturao da

sociedade, dirigindo as expectativas, as necessidades e os desejos dos indivduos e

grupos. Seria preciso tambm admitir que o sistema tcnico e o sistema de produo

capitalista seriam capazes de proporcionar uma dominao total da sociedade,

como, alis, j alertaram os intelectuais da escola de Frankfurt.21

No obstante uma provvel predominncia de um ou outro fator, tcnica ou

capitalismo, em determinado perodo histrico, tm-se observado na prtica

jornalstica aspectos que ultrapassam essas determinaes. O contedo dos jornais,

pela variedade e abrangncia dos temas, escapa do controle tcnico ou econmico

e tambm do controle poltico, nos casos de regimes pouco tolerantes com a

liberdade de imprensa -, seja em relao produo das notcias, seja em relao

forma como o pblico recebe e elabora a compreenso dessas notcias.

Desde as origens remotas do jornalismo, em Roma, o contedo se mostrou

varivel e escapou dos objetivos de seus promotores e das tentativas de censura.

Se o que Jlio Csar queria era tornar pblico o que se passava no Senado, por

nobres motivos de transparncia legislativa ou simples estratagema para indispor

seus adversrios com o pblico, atravs das Acta diurna, seu objetivo foi

20

Luiz AMARAL, Jornalismo: matria de primeira pgina.

21

Ver captulo II.

Page 23

23

ultrapassado no s pela durao da publicao, muito alm de sua morte, como

tambm pela incorporao de outros assuntos na pauta. Entre os sculos XVI e

XVIII, editores de gazetas manuscritas mantiveram sua prtica, como forma de

escapar censura governamental imposta sobre os proprietrios de tipografias,

mais fceis de controlar. Abstendo-se do uso da tcnica, os noticiaristas mo se

constituram em fontes importantes de informao no perodo.

Em relao direta com a economia, durante o que Polanyi descreve como a

tentativa de implantao de um mercado livre de regulamentaes, no sculo XIX, o

prprio autor reconhece que esta idia enfrentou resistncias violentas. A

resistncia inicial partiu da classe fundiria, que via seus interesses perderem fora

diante da indstria nascente, e da classe dos trabalhadores, que sofreram uma

radical mudana em seu estilo de vida e em sua posio na sociedade, passando a

necessitar de novas formas de organizao social. Enquanto os representantes da

classe fundiria queriam um retorno s condies econmicas e de vida tradicionais,

os trabalhadores buscavam alternativas de vida para fazer frente s suas novas

condies de fornecedores de mo-de-obra para a indstria nascente. Isso implicava

alteraes no s no aspecto do trabalho, mas tambm em uma nova traduo

cultural para as mudanas do cotidiano.

Uma das tentativas de estabelecer essas novas condies partiu de um

industrial, Robert Owen, que tratou de amenizar as dificuldades enfrentadas pelos

trabalhadores na transio da agricultura para a indstria. Owen organizou fbricas

que eram verdadeiras comunidades cooperativas, onde os trabalhadores tinham

subsdios para o consumo de artigos de primeira necessidade, garantia de emprego

atravs da associao de profissionais de diversas atividades e melhores

instalaes para moradia em New Lanark, do que as percebidas em outras cidades

industriais.

22

mercado autnomo, a poltica e a sociedade, representadas pelos diversos

interesses em jogo, reagiram de forma incisiva, tanto contra as determinaes

econmicas quanto contra a nova realidade tcnica de produo.

Isso quer dizer que os indivduos tiveram que se adaptar a novas condies

de vida e criar novas formas de compreenso do mundo, diferentes das que

estavam acostumados a levar em conta, a partir da predominncia do capitalismo

22

Cf. Polanyi, op., cit., captulos 9 e 14.

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24

sobre outras formas de organizao da produo. Mas, ao invs de ser uma

aceitao passiva dessas condies invasoras, a adaptao significou alternativas

de ao que no faziam parte da estruturao da vida anterior. a produo no

consumo, de que fala De Certeau. Diante de uma produo racionalizada,

expansionista, centralizada, espetacular e barulhenta, posta-se uma produo de

tipo totalmente diverso, (...) qualificada como consumo,... que no se faz notar por

produtos prprios, mas por uma arte de utilizar aqueles que lhe so impostos.

23

Certamente cada poca histrica trouxe uma nfase sobre determinados

temas para o contedo do jornalismo. Os preos de mercadorias e informaes

sobre o transporte quando o capitalismo comea a ganhar fora na Europa; a

opinio poltica durante a Revoluo Francesa; as informaes sobre a guerra

durante os grandes conflitos blicos mundiais; o consumo a partir de meados dos

anos 50 so exemplos dessas tendncias temticas em determinadas fases da

histria da humanidade. Como afirmam Albert e Terrou24

que diversos fatores contriburam para aumentar a sede de notcias no Ocidente.

Entre eles, o Renascimento, a Reforma, as grandes descobertas martimas, os

progressos nas trocas bancrias e comerciais e a formao dos novos Estados.

Todas essas temticas foram sendo incorporadas como assuntos do jornalismo e

sobreviveram s suas determinaes temporais.

a esse contedo crescente e periodicamente renovado em sua nfase que

designamos como a cultura divulgada e assimilada pelo jornalismo. Cultura porque

diz respeito crnica peridica dos fatos singulares do cotidiano, suas

interpretaes e opinies diversas a respeito. Porque a mdia, e o jornalismo em

particular, ganham uma penetrao cada vez mais incisiva na viso de mundo que

as pessoas formam da atualidade. Porque formada de elementos simblicos que

representam formas de interpretao do mundo e da vida e criam identidades entre

grupos de indivduos. Cultura porque tem uma dinmica prpria, apesar das

influncias da economia e da tcnica.

cultura porque traz aos indivduos elementos capazes de influenciar na

prpria noo de identidade. Por identidad, en lo referente a los actores sociales,

23

Michel DE CERTEAU, A inveno do cotidiano; artes de fazer. V.I., p. 94.

24

P. ALBERT e F. TERROU, Histria da imprensa, p. 4.

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25

entiendo el proceso de construccin del sentido atendiendo a un atributo cultural, o

un conjunto relacionado de atributos culturales, al qual se da prioridad sobre el resto

de las fuentes de sentido.

25

A definio de Castells leva em conta que as

identidades culturais esto em permanente construo, sendo bombardeadas a todo

momento por informaes que as reforam ou confrontam. Nesse jogo, a mdia

novamente vem contribuir com a variedade de consideraes a serem levadas em

conta na atribuio de sentido dado por um ator social a seus atos.

Esse contedo cultural do jornalismo tambm contribuiu para o aumento da

velocidade na produo e veiculao de informaes. Com as novas possibilidades

tcnicas de comunicao e transportes, um nmero cada vez maior de assuntos foi

incorporado ao noticirio. Esses mesmos sistemas de comunicao, aliados a

interesses capitalistas na mundializao da produo e comercializao de

mercadorias, aproximaram povos e culturas do planeta, tornando acontecimentos

distantes assuntos de conseqncias locais.

Isto no significa dizer que o comrcio mundial determine a formatao de

uma cultura mundial. Ou, como afirma Ortiz, hbitos alimentares, maneiras de

vestir, crenas, enfim, os costumes, fazem um contrapeso mobilidade mercantil,

confinada ao domnio das trocas internacionais. A correlao entre cultura e

economia no se faz de maneira imediata. Isso significa que a histria cultural das

sociedades capitalistas no se confunde com as estruturas permanentes do

capitalismo.26

No obstante, Ortiz27

dar-se-ia, hoje, no mercado consumidor e a criao de uma memria internacional-

popular dar-se-ia sob os auspcios da mdia e das empresas transnacionais. Essa

cultura seria capaz de criar um ambiente de orientao para os indivduos em

qualquer lugar que apresenta as estruturas prprias dela, como os espaos

padronizados dos aeroportos, hotis e shopping centers. Ao mesmo tempo, alguns

produtos da indstria cultural servem de suporte a essa cultura, fazendo com que as

pessoas, ao aderir fruio de determinado produto, criem identidade com outras

25

Manuel CASTELLS, La era de la informacin: economia, sociedad y cultura. V. 2., p.28.

26

Renato ORTIZ, A mundializao da cultura, p. 24),

27

Renato ORTIZ, op. cit., passim.

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26

que partilham dos mesmos gostos e expectativas. Neste caso, artistas de cinema e

gneros artsticos da literatura, do cinema e da televiso so exemplos.

Mesmo reconhecendo a acuidade da anlise de Ortiz, deve-se levar em conta

o fato de que a histria da humanidade se fez atravs de um intercmbio cultural

crescente, mais ou menos pacfico de acordo com as ciscunstncias prprias de

cada perodo histrico. o que Ianni chama de transculturao. A rigor, toda a

histria, moderna e contempornea, compreendendo o tribalismo e o nacionalismo ,

o mercantilismo e o colonialismo, o imperialismo e o globalismo, sem esquecer as

guerras e revolues, as lutas pela descolonizao, as tenses entre o islamismo e

o cristianismo, as polarizaes capitalismo e comunismo, as ideologias e as utopias,

toda essa histria uma histria de contatos, intercmbios, trocas, tenses, lutas,

conquistas, destruies, acomodaes, recriaes e transformaes.28

transculturao no a simples imposio de uma cultura sobre outras; mas envolve

processos dinmicos intermedirios. Assim, segundo Ianni, h tanto a perda de

alguns aspectos das culturas que entram em contato quanto o ganho de novas

modalidades interpretativas da realidade.

29

Especificamente em relao ao jornalismo, atravs da transculturao, no s

a temtica informativa foi aumentada nesse processo. Tambm o crescente

confronto entre as culturas diferentes postas em contato gerou um incremento de

temas a serem considerados para discusso, reflexo ou recusa, enriquecendo o

campo da informao jornalstica. Temas que, mesmo influenciados por questes de

consumo e de mercado, no se restringem a essas determinaes.

Um captulo fundamental da democracia eletrnica envolve a convergncia

e a mobilizao de mercado e marketing, mercadorias e idias, opinies e

comportamentos, inquietaes e convices. So dimenses psicossociais,

socioculturais e poltico-econmicas que podem polarizar-se em atividades e

imaginrios de indivduos e coletividades. Traduzem-se tambm em opes,

28

Octvio IANNI, Enigmas da modernidade-mundo, p. 96.

29

Essa noo de modificao cultural atravs do intercmbio de vivncias e experincias entre

diferentes povos tambm considerada por diversos autores em relao aos efeitos da modernidade

e da origem tnica dos indivduos que formaram uma nao. No caso do Brasil, remetemos aos

trabalhos de Jess Souza, A Modernizao seletiva, Jos de Souza Martins, A sociabilidade do homem simples, Roberto DaMatta, Carnavais, malandros e heris e Gilberto Freyre, Casa-grande e senzala.

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27

convices e aes polticas, em geral influenciadas pela mdia eletrnica e

impressa, destacando-se a televisiva.

30

A cultura, portanto, parece estar sendo definida, cada vez mais, na mdia,

atravs da propagao de sistemas simblicos. Com mais ou menos prejuzo para

a cultura, o desenvolvimento de novos meios de comunicao de massa, inseridos

num processo de produo industrial de informao, passou a ocupar um espao

cada vez maior na sociedade moderna ocidental. Os meios eletrnicos, como o rdio

e a televiso, atingiram pblicos cada vez mais amplos, levando s pessoas

informaes cada vez mais diversificadas no mbito geogrfico mundial. As

experincias mediadas se tornaram, assim, parte integrante do cotidiano, servindo

de referncia na concepo de mundo, junto com as experincias locais e imediatas.

A cultura mediada j no diz mais respeito apenas da burguesia ou a de um outro

estamento em especial. Intermediada pela mdia, essa c