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1 GADU LUMIERE O INICIADO NAS PROFUNDEZAS DA TERRA 1° edição Rio de Janeiro Wagner da Silva 2012

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GADU LUMIERE

O INICIADONAS PROFUNDEZAS DA TERRA

1° edição

Rio de JaneiroWagner da Silva

2012

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AGRADECIMENTOS

À minha esposa, EDINEA ROSA DE ALMEIDA, peladedicação, apoio moral e companheirismo, incondicionais,que sempre estiveram presentes ao meu lado, nas horas

mais difíceis de minha vida.

Ao meu padrinho, Fileto Mariano, que me direcionou,quando dos meus primeiros passos no caminho que iniciei.Que sua essência, cheia de luz, possa brilhar para sempredentro do universo de sabedoria em que se tornou sua vida.

Aos amigos que deixei no cárcere, que me ajudaram a

enxergar a verdade, como ela realmente é.·.

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INTRODUÇÃO

“O iniciado” fala sobre a passagem do autor por uma prisãomilitar, após este ter sido condenado de forma injusta pelopoder judiciário. A obra não trata, simplesmente, dosofrimento e desespero sob os quais vivem os detentos emuma prisão, nem pretende criticar o sistema social vigente.Mas aborda reflexões sobre a justiça, em seu sentido mais

amplo e sobre os preconceitos sociais que a leva, muita dasvezes, a cometer erros. Erros estes, que acabam destruindo,por vezes, a vida de uma pessoa e a de sua família. Alémdisso, as reflexões apresentadas aqui trazem a tona umadiscussão sobre religiosidade e esoterismo, suasinterligações e entendimentos.

A presente obra, não tem como intenção atacar, ou mesmo

macular a imagem de nenhuma pessoa, ou instituição.Apenas prima pela reflexão racional sobre a vida humana,assim como ela é.

Durante a história, a personagem experimenta a mudançade seus valores e vislumbra um novo objetivo a seralcançado em sua vida. Na estrutura textual, o autor buscou

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não cansar o leitor com coisas como: descriçõesexageradamente longas sobre lugares, fatos históricos sem

relevância, ou coisas do tipo. Planos existenciais,pensamentos místicos e nuances a respeito do desconhecido,também fazem parte da ficção, criada com muita imaginaçãoe arrojo.

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PRÓLOGO

Este livro foi escrito, baseado em fatos verídicos vividospelo autor. Porém, as personagens, os lugares e instituiçõesnarradas nesta história, foram alterados de acordo com asua imaginação. As pessoas que lerem esta obra encontrarãouma reflexão a respeito de diversos fatos relacionados com avida humana na terra e em outros planos de existência.

Mesmo os leitores que não têm nenhum conhecimento arespeito de assuntos místicos, poderão entender as nuancesfilosóficas apresentadas na leitura. O fato de o autor ser umpolicial e ainda o de pertencer a uma ordem esotérica, nãosignifica, em hipótese nenhuma, que esteja falando de si oudas instituições a que pertence.

A história fala sobre o cumprimento de pena de um policial

que foi condenado, injustamente, pelo sistema judiciário.Desiludido, ele abandona os valores da vida material e buscaa evolução do espirito, dentro da cadeia. O diretor da prisãoonde cumpre pena, o qual é também um membro da ordemesotérica a qual ele pertence, além de ser um homempossuidor de grande conhecimento e posição social, entraem conflito com o protagonista, desencadeando uma série de

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atitudes, cada vez mais distantes dos ideais de suainstituição. O livro fala também de peculiaridades vividas

pelos policiais militares, dentro e fora da prisão militar, aqual é destinada a acautelados pertencentes aos quadros daPM, dando foco ao preconceito sofrido por eles, advindo dasociedade a que servem.

Dentro da história, aparecem diversos conceitosrelacionados a religiões existentes em nosso meio social.Mas as considerações feitas, sobre qualquer uma delas, nãotraduzem a opinião pessoal do autor e nem os fatos reais queocorreram em sua estadia na prisão e foram usadas na obraapenas para ilustrá-la.

Tudo isso deve ser considerado fruto da sua imaginação.Os nomes de pessoas e lugares, foram trocados,deliberadamente e qualquer semelhança com fatos reais,

será mera coincidência.

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O INICI△DO

CAPÍTULO I

Ele abriu seus olhos, lentamente, quando suas narinascaptaram o cheiro incômodo que rodeava o ambiente onde seencontrava. Sua mente ainda não conseguia registrar osacontecimentos que haviam se desenrolado a momentos atrás,

antes que ele adormecesse naquele cubículo em que seencontrava. O calor era insuportável e causava uma sensaçãohorrível de impotência, misturada com desespero. Sua menteagora já podia catalogar a realidade que estava vivendo noplano material e que insistia em aprisioná-lo naquela situação.Começou a tentar controlar suas emoções, tentando relaxar amusculatura de seu corpo físico e esvaziando sua mente dequalquer pensamento que não fosse compatível com sua atitude

mental.

É claro que em situações de desconforto, sentia maiordificuldade de se concentrar em tudo aquilo. Pelo menos, eraassim que ele via aquele infortúnio, mas mesmo assim,continuou a se concentrar em seu intento, quase conseguindo umpequeno alívio que, posteriormente, entendeu ser advindo de seu

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eu psicológico. Após alguns momentos de mente esvaziada,pensamentos, quase automáticos, começaram a brotar em sua

mente. No início, eram apenas imagens de lembranças, maspouco a pouco, foram se transformando em “vídeos” depassagens que ainda não havia vivido, pelo menos, não em suavida material. A cada vez que fazia seus exercícios para esvaziara mente, sentia maior controle sobre ela, como se a caminhadapara seu objetivo estivesse cada vez mais perto.

William Shaw era um detento na prisão militar do BEP,Batalhão Especial Prisional, que podia ser classificado comoexemplar. Pelo menos para seus algozes, que nunca tiveram quese preocupar com aquele homem. Cada vez mais, parecia setornar passivo a tudo de ruim que existia na realidade de umapenado que se encontrasse naquela unidade prisional. Porvezes, tinham mesmo que abrir a pequena janela na porta, parase certificarem de que ele se encontrava realmente vivo na cela.

Quando saíam   para tomar seus “banhos de sol” na quadra dopresídio, os outros presos ficavam perplexos por vê-lo sentadoem algum canto da quadra, na posição de lótus e parecendototalmente alheio ao que se passava a sua volta. De vezenquando, brincadeiras maldosas o tiravam de seu estado“vegetal” e faziam com que seus companheiros de prisãotivessem um pouco de diversão para quebrar a rotina de suasvidas monótonas.

Foi depois de uma dessas brincadeiras, que isso o levou apedir para falar com o diretor Belchior, na manhã seguinte aoocorrido.

 –  Pô William, que tu tá querendo fazer, rapaz? – Perguntou oguarda da prisão ao solicitante.

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 – Nada “meu chefe”, só queria fazer-lhe um pedido simples,que inclusive, deverá trazer menos trabalho para vocês, disse

ele.

Ao ouvir aquilo, o guarda se apressou a falar o quanto antes,com seu chefe, contando-lhe o que havia ouvido do preso.Belchior era um homem vivido, que havia começado a trabalharno presídio ha vinte anos como guarda e pouco a pouco, foragalgando uma carreira meteórica, que o colocara como superiorhierárquico e especialista em gerenciar conflitos dentro dosistema prisional militar. Coçou a sua cabeça calva e depois,pondo a mão em cima de sua boca carnuda e pálida, começou ameditar no que seu subordinado havia lhe contado. Sabia detodos os “truques” que, por vezes, os detentos costumavam usarpara se beneficiarem em alguma coisa dentro de seu presídio. Seum dia tivesse que escrever um livro sobre como gerenciar umasituação qualquer em uma cadeia como aquela, começaria

escrevendo um capítulo gigantesco, sobre o comportamento deum militar apenado e suas nuances comportamentais, que,segundo acreditava, eram “as letras das frases” que formariam,com toda a exatidão, as histórias que aconteceriam no futurocom aquelas pessoas. Por isso mesmo, estava intrigado. Já haviareparado no comportamento daquele detento e nunca conseguiraver nada que trouxesse alguma informação, sobre qualquer coisade qualquer natureza que ele pudesse querer.

 – Traga-o até mim Olímpio! Disse ele ao guarda. Vamos vero que esse cara quer!

Esperou o homem sair de sua sala e olhou para o relógio.Vivia preocupado com o tempo. Sua vida era, quase sempre,cronometrada por ele mesmo, que fazia questão de ser pontual e

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compromissado com seus afazeres, como achava que um bommilitar deveria ser. Pelo menos, assim pensava. Imaginou que

iria gastar quinze minutos com aquela conversa, mais 10minutos que Olímpio levaria para trazê-lo até sua sala e talvez 5minutos para deliberar o pedido que o rapaz fizesse a ele, isso seassim Belchior achasse viável concedê-lo. Tudo isso o deixariaem uma situação cômoda, para atender a sua amante Taís, àsonze horas, quando a levaria para comer e depois, bem, faria umcálculo temporal, para saber o que iria fazer após o almoço.

Foi pensando naquela luxúria que se sobressaltou ao ouvirbaterem a porta de sua sala, anunciando que sua próxima agendateria início.

 – Entre, pode entrar!  – Disse ele, ajeitando seu uniforme.

Olímpio entrou primeiro e logo após o preso, um homem deseus 40 e poucos anos, magro, com braços e pescoço longos,

postura ereta e olhar profundo. Algo aconteceu de estranho aoBelchior encarar o olhar daquele detento. “Era como se, derepente, ele perdesse a capacidade de leitura de pensamentos”,que usava para ler “as frases” nas histórias do futuro dos presos.Aquele olhar não era malicioso, ou tendencioso, nem... Bem...,Aquele olhar , simplesmente, emitia uma coisa diferente de tudoque já havia visto, não só ali naquele lugar, mas em qualquer

lugar onde seus pés já haviam tocado. –  Sente-se William.  –  Disse, apontando a cadeira a sua

frente.

William sentou-se na cadeira de madeira acolchoada erevestida com couro vermelho, que estava frente à mesa deBelchior. Os móveis de seu escritório eram detalhadamente

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escolhidos por ele. Pois acreditava que a maneira comomobiliava e decorava seu local de trabalho, influenciava

diretamente no diálogo e consequentemente, na persuasão dequalquer pessoa, que ali viesse discutir algum assunto com ele,fosse ele um detento, ou não. Era uma sala revestida pormadeira, com quadros pendurados, simetricamente, nas paredesque exibiam sempre motivos de austeridade e força. Sua mesaparecia uma bancada de cirurgia em um hospital avançado, tudoobedecendo a um ritual de posicionamento que ele impunha a

sua secretária, todos os dias, quando ela a arrumava. Belchiorficou alguns instantes encarando os olhos daquele homem,tentando impressioná-lo, ou até intimidá-lo, antes de perguntar-lhe o que desejava dele.

 – Então... A que devo a honra desta entrevista?  – Disse ele,forçando um ar de solícito e preocupado.

William olhou para aquele homem, e depois de uma brevepausa, começou a falar-lhe.

 – Bom dia, senhor Belchior! Obrigado por me receber nestemomento. Quero que saiba, que o elogio de sua declaração nãoé, de maneira nenhuma, verdadeira!

Disse isso de uma maneira calma e fluente, sem nenhum traçode ironia, ou mesmo de sarcasmo, em sua voz.

 –  Mas, como...? Porque você está se comportando destamaneira deseducada, militar? Por acaso, pensa estar falando comalguém de sua família, ou íntimo seu?

Sem alterar nem um músculo de sua face, William, semdeixar de fitar seu interlocutor, retrucou com sua voz sempre

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serena.

 –  Sei que entende o que acabei de lhe dizer. Disse que arecíproca não era a mesma, pois o Senhor, de maneira alguma,se sente honrado em me receber, nem tão pouco, tem a intençãode me dar uma atenção privilegiada. Apesar de precisar de seuaval para o que vou lhe solicitar, não me permito ser umcoadjuvante em uma mentira, pois todas as ações quepraticamos, um simples piscar de olhos que seja, criarepercussões automáticas em nosso universo que, diga-se depassagem, já está com muitos problemas para comportar maisesse.

Belchior parecia ter sido acometido de um ataque cardíaco.Começou a suar e seu rosto estava vermelho como um tomate,quando bravejou.

 – Olha aqui, seu “babaca”, estava mesmo disposto a te ouvir

com respeito, mas vejo que me enganei sobre você. Você nãopassa de um desses criminosos que existem aqui dentro e quenão têm respeito por ninguém, nem mesmo por si próprio. Nãolhe darei benefício algum que você me pedir, nem hoje, nem emocasião alguma que você me peça de novo. Saiba que quemmanda aqui nesta prisão, sou eu. Eu decido o que pode e o quenão pode ser feito em suas vidas e você jogou fora toda e

qualquer possibilidade de conseguir, seja lá o que for, de mim.Ordenou ao guarda que retirasse o preso da sala e o levasse de

volta a sua cela. Ao ser puxado pelo braço, William, sempre semse alterar, balbuciou:

 – Espero que o seu tempo seja o suficiente, para aproveitarbem sua companhia no almoço!

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Belchior ficou atônito, mas não respondeu a declaraçãodaquele homem. Ao invés disso, olhou mecanicamente para seu

relógio e constatou que 45 minutos haviam passados, desde queo consultara anteriormente.

 – Impossível!  – Deixou escapar.

Não compreendia como tinha se descontrolado tanto, arespeito do tempo, a ponto de deixar passar vinte minutos, alémdo esperado. E nem mesmo, como havia gasto tanto tempo para

deliberar alguma decisão sobre o pedido do preso, quando antes,havia planejado em gastar cinco minutos. Acordou de seuespanto e olhou mais uma vez para seu relógio, pegando otelefone ao mesmo tempo e discando para Tais, sua amante háoito anos, que deveria estar louca de raiva, por esperar tanto pelocontato que, só agora, estava sendo feito.

.  – Taís?  – Falou com a voz sufocada.

 – Oi! Meu amor. Desculpe-me a demora, mas você sabe né?O trabalho aqui é totalmente atípico e nem sempre, podemosseguir o plano que fazemos sem esbarrarmos em algum óbice.

Acabou de combinar seu encontro com a moça e desligou otelefone. Sentou-se em sua cadeira e ficou olhando para o nada.Será que alguém sabia sobre seu caso amoroso, ali naquela

instituição? Pensou em sua secretária, mas ela, mesmo quesoubesse de algo, não seria capaz de revelar nada a ninguém,sobre tudo a um preso, ou mesmo a alguém que pudesse contar aele depois. Resolveu deixar suas preocupações com aquilo delado e se preparou para sair ao encontro da moça, com quemhavia combinado de se encontrar na esquina da Rua do mercado,com a santista. Saiu de sua sala e fez algumas recomendações a

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sua secretária, a qual reagiu impassível, aos seus olharesinvestigadores.

Dentro de sua cela William se dedicava, mais uma vez, a suabusca esotérica, procurando se lembrar dos ensinamentosadquiridos em um passado recente. Tentava agora, focalizar suaatenção em um pensamento em particular. Por vezes, as gotas desuor de seu corpo o tiravam de concentração, quando estasescorriam por alguma curva de seus músculos. Imaginou ouniverso contido em uma daquelas gotas. Começou a meditarsobre como o nascimento daquilo, que antes fazia parte de seucorpo, aconteceu. Na energia que havia sido empregada para queela se libertasse por seus poros. Nos elementos microscópicos,que existiam dentro daquela gota e mais ainda, se ali dentrodaquele universo, alguma existência similar a sua, estaria selibertando, naquele mesmo momento, de sua prisão, ou seja, doseu próprio corpo. E ele? Seria também como uma gota presa

em um corpo que, em um lapso temporal, iria se libertar? Queenergias seriam responsáveis por isso? Pensou então, que nocaso da gota de suor, o calor de seu corpo e a energia de seumetabolismo era, ou seriam, os responsáveis por aquelefenômeno. Lembrou que energias, que não entendia ainda,também interagiam com seu ser, no universo em que vivia. Ouseja, seu corpo poderia estar dentro de um outro corpo, que damesma forma que o seu, interagiria diretamente em seu ser, de

uma forma consciente, ou não. Tinha aprendido que o universoé um todo. Todas as coisas que faziam parte dele estavaminterligadas, por um determinado laço muito forte, mas aomesmo tempo, muito delgado, onde as energias circulavam deforma constante e vital. De ser para ser, de paralelo a paralelo,dando continuidade a um ciclo perfeito e providencial, que faziacom que a existência se perpetuasse. Foi assim que entrou no

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plano astral, quebrando a ligação com o mundo material em queestava e mergulhando, no mais profundo de sua mente. Que era

possuidora da chave que abria a porta de passagem. Já não eramais William, era simplesmente... Todo o universo.

Belchior havia acabado de acender um cigarro e se entregavanaquele momento, aos seus pensamentos. Sentado onde estava,podia contemplar o corpo desnudo daquela mulher, com quemmergulhara nos prazeres da luxúria e de quem obtiveramomentos de puro êxtase, minutos atrás. Sim! Ela era mesmouma linda mulher. Sua cor morena, que se contrastava com oscabelos claros, cor de mel. Suas pernas grossas e bem torneadas

que eram cobertas de uma “penugem” colorida por blondo, queacentuava ainda mais a marca de sol, deixada por seu biquíniminúsculo. Duas covinhas demarcavam seu corpo, logo acimade suas nádegas redondíssimas e mesmo depois de saciado deprazer, não conseguia evitar pensamentos de desejo que, naquelemomento, o assolava sobremaneira. Não a amava, era verdade,seu amor pertencia a sua esposa, Laura, que conhecera aindaadolescente e que o ajudara a chegar aonde chegou, tanto em suacarreira, como em sua vida social. Lembrou-se de quando viuTaís pela primeira vez. Ela fora visitar um irmão seu, que seencontrava preso e como seu visto de entrada estava expirado,pediu para falar com o diretor do presídio, para que esteautorizasse sua entrada, só naquele dia. Belchior assentiu emrecebê-la, muito a contragosto, mas quando se deparou com

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aquele monumento à beleza feminina em sua sala, sua firmeza edisciplina caíram ao chão. Percebendo o efeito que causara no

diretor, Taís resolveu se aproveitar do charme de seus encantos ecom um sorriso demolidor, marcou de vez, sua presença na vidadaquele homem, que desde então, se tornara escravo de seusdesejos e caprichos. Mas só começaram a sair juntos, depois queele se surpreendeu com ela, em uma festa, onde a encontroucomo garota de programa, contratada para divertir osconvidados. O tempo foi passando, eles continuaram a se verem

e aconteceu o que acontece com todos os amantes. Eles setornaram, pouco a pouco, um casal paralelo, com quase todos osdefeitos e virtudes que envolvem um casamento normal. Osciúmes, as declarações de amor, as promessas, a entrega, osentimento de posse... Chega a um ponto, que fica muito difícilviver, um sem o outro. Suas vidas estão entrelaçadas, seusdestinos interligados, suas almas fundidas. Em alguns casos,uma das pessoas se cansa e não consegue viver mais dividindo o

parceiro com seu cônjuge. Daí então, há o rompimento, sempretraumático e a vida, como sempre, volta ao seu normal. Mas háaqueles casos em que esse sentimento de posse resulta em umatragédia, vitimando uma das partes, ou mesmo seus filhos.Belchior considerava que a traição conjugal era coisa parahomens. Fora criado de uma maneira machista por seu pai, queacreditava que, homem que era homem, deveria ter pelo menosduas famílias. Belchior não era tão radical, mas as impressõesdeixadas por seu pai, em sua infância, eram muito fortes e elesabia que isso, associado a sua índole natural, era um dosprincipais motivadores de seu comportamento lascivo. Mas,como era um homem dedicado ao estudo, havia construído uma justificativa científica par seu desvio social. Em sua concepção,a natureza biológica do homem, onde ficou comprovada,

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cientificamente a condição masculina de que, diariamente, elepode produzir milhares de espermatozoides, se sobrepõe a da

mulher, que só produz um único óvulo por mês. Isso poderia,em seu julgamento, explicar a condição masculina de procurarvárias mulheres, e mais, para ele, teria sido essa a explicaçãopara avalizar a poligamia oriental, onde era legalmentepermitido o casamento do homem com várias mulheres. Sorriu,pensando que seu pai ficaria orgulhoso dele, se estivesse aindavivo e escutasse seus pensamentos.

A campainha de seu celular trouxe-o de volta a realidade.Olhou para seu display e constatou que era sua esposa, queestava ligando. Saiu rapidamente do quarto, para evitar que umpossível ruído vindo de Taís o delatasse e atendeu ao telefone, jáno banheiro do motel.

 – Oi, amor! Tudo bem?  – Disse ele, ao aparelho.

Uma voz falou- lhe do outro lado da linha e ele lhe respondeu:

 –  Sim, saí com alguns amigos para almoçar e a conversaestava tão boa, que acabamos nos esquecendo da hora. Mas, vouaproveitar que já está tarde e irei direto para casa, está bem?  –  Outra vez ele respondeu aquela voz, dizendo:

 – Tá bom, meu amor! Já chego aí! Te amo, beijos!

Desligou o telefone e acordou Taís no quarto, lhe pedindo quese arrumasse, enquanto ligava para a recepção e lhes pedia paraque fechassem a conta. A mulher se espreguiçou lentamente ealcançou o corpo do amante, pelas costas, sussurrando em seuouvido:

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 – Que tal a saideira, Hein? Será que eu mereço?

Belchior resmungou alguma coisa e ela desistiu de seu intento.Sabia que quando sua mulher lhe ligava ele largava tudo, comose fosse um desesperado, para correr para ela. Já havia seacostumado e nem tentava mais discutir com ele, pois sabia queisso só iria estragar o dia. Ela era paciente, sabia esperar.Arrumou-se e antes de ser deixada em casa, deu-lhe um beijoapaixonado, fazendo as juras de amor costumeiras.

 – Volta logo pra mim, amor!

O carro se afastou e ela suspirou, com um sorriso no rosto.“Ele ainda vai ser só meu”, pensou. Virou as costas e entrou emsua casa, onde passaria mais uma noite. Sozinha, triste eesperançosa.

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CAPÍTULO II

Uma luz branca invadia o ambiente. O nada parecia tomarconta do tudo. Não havia odores, temperatura, peso ouconsistência, só a luz. Os pensamentos também não brotavammais. Parecia que sua memória havia sido apagada. Esperava,pacientemente, que algo lhe desse uma referência de onde eleestava, como estava, ”quando” estava. O sentimento de querer 

andar, não fazia mais parte de seu ser. A noção de semovimentar, não estava mais ligada a equilibrar o corpo, ou aomexer de pernas. Não havia o piscar de olhos, aquela luz não lheincomodava a visão. Nem sabia se era pelos olhos que a via.Com certeza, não era. O peso de suas preocupações, já não ocastigava, teria morrido? Não sabia, não se importava. A pazque sentia era o suficiente para ele. O resto podia esperar.Conseguiu ver algumas formas de luz se condensando, ao longe.Algo parecia estar vindo em sua direção. Não conseguiadiscernir, ainda, se eram formas humanas ou não. Mas estavamvivas. Bem, pelo menos, possuíam movimento. Estavampróximas, agora. Sim, eram pessoas, com certeza. Pareciam serhomens, ou pelo menos, seres humanoides, altos e esguios.Apesar de possuírem pernas, não as movimentavam para se

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locomoverem. Apenas vinham, como se flutuassem. Sentiu umacoisa boa, quando ficou frente a frente com eles. Parecia que já

os conhecia, há vida toda. A “egrégora” estava formada, suasenergias começavam a se conectar com as deles. Começaram ase comunicar com ele, sem usar as palavras. No início, era umpouco estranho, acostumado que estava em articular ideias coma voz, teve um pouco de dificuldade para expressá-las, sem ouso do vocábulo. Começava a gostar daquele tipo derelacionamento. Tudo era espontâneo, verdadeiro, natural. Podia

sentir as emoções dos seus interlocutores, junto com suas ideias.Não se faziam gestos, como na maioria das vezes os humanoscostumavam fazer no plano material, ao conversar. Mas o corpopermanecia estável, sereno, impassível.

Um grande estrondo perturbou aquele encontro sublime. Eraum barulho poderoso, mas apesar disso, não se conseguialocalizar de onde vinha. Imediatamente, a egrégora se desfez. O

círculo perfeito foi rompido. Tentou, desesperadamente, fazercom que tudo retornasse, mas sua essência parecia sedesvanecer. Outro estrondo ecoou, desta vez, bem próximo dele.Sentiu um solavanco em seu ombro e uma voz gritante chamouseu nome.

 – Willian! William! Acorda logo, cara!

Abriu seus olhos e viu o guarda do presídio debruçado acimadele. Ficou aborrecido, por um momento, por ter entendido queaquela pessoa, sem ter a intenção, o havia tirado de um estadode espírito de extrema importância e de grande dificuldade paraser atingido. Como poderia chegar ao estado de espírito quedesejava se, ali onde estava, havia várias ocorrências que oimpediam de atingir seu intento, a sua busca? Virou seu rosto

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para o guarda e pacientemente perguntou-lhe:

 – Pois não, seu guarda!O guarda lhe respondeu, bafejando:

 –  Pô cara! Pensei que “tu tava” morto!  Não “tava” escutandoeu te chamar, batendo a porta, não?

William levantou-se, vagarosamente e se colocou de pé. Oguarda lhe disse que eles precisavam ir ver o diretor Belchior.William passou a sua frente e começou a caminhar em direção asala do militar. Já sabia o motivo da chamada, mas resolveu termais tato ao lhe falar desta vez, pois desejava muito que ele lheconcedesse seu pedido. Sabia que as coisas aconteciam deacordo com a vontade do Grande Arquiteto do Universo. Masestava disposto a arriscar uma investida mais sábia, com odiretor da prisão. Não, era melhor deixar as coisas acontecerem.

O fluxo e o refluxo do universo deveriam ser observados.Desceu as escadas e se pôs afrente da porta da sala de Belchior,aguardando a autorização para entrar.

Belchior acabara de fazer sua barba. Havia acordado de bomhumor naquela manhã e estava disposto a tirar o dia pararesolver assuntos pendentes, em seu ambiente de trabalho. Haviafeito uma lista de assuntos relevantes, a serem concluídos e

colocou em ordem de prioridade as medidas a serem tomadasnaquele dia. Voltou para sua mesa e começou a conferir a lista.William Shaw figurava entre os últimos assuntos a seremabordados. Mas por motivos que não entendia, foi impulsionadoa mandar buscá-lo primeiro. Alguma coisa naquele caso lheintrigava. Mas não conseguia discernir o que. Mandou o guardafazer o preso entrar e quando isto foi feito, pediu que o

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funcionário se retirasse. William sentou-se na cadeira e ficouaguardando que seu diretor iniciasse a conversa. Belchior

começara a arrumar alguns pertences em sua mesa, tentandodemostrar indiferença ao homem que estava sentado à suafrente.

 –  Pois bem, William! Vamos tentar recomeçar aquela, malsucedida entrevista, que tivemos semana passada. Quero quesaiba, que você tem o direito de pedir e eu o de negar, ou até deconsentir, independente do que você considera importante, ounão, pois as prioridades aqui são as da administração destecomplexo. Quero que a sociedade tenha a certeza de que umaconduta séria e ilibada esteja sendo empregada aqui, no tratocom as pessoas devedoras à justiça, que devem pagar sua dívidapara com as pessoas de bem, cumprindo suas penas da maneiraque a lei prediz e que nós conseguirmos providenciar.

William permanecia com seus olhos fixos nos de Belchior,como se estivesse alheio a sua condição de preso. Não de umamaneira desrespeitosa, mas com uma passividade de alguém quenão se importava se o mundo estivesse mergulhado em um caosfísico. Seu rosto irradiava tranquilidade e paz. A posição em queestava sentado era diversa, a do que a maioria dos presosassumia, quando ali estava. Quase todos eles, costumavamsentar-se: ou de maneira displicente, ou de maneira contraída,

dependendo do motivo que os levara até ali. William sentava-secomo um monge que meditava de maneira simples, masconcentrada. Em seu rosto podia se ver marcas de sua passagempela aquela prisão, como arranhões, manchas, irritações etc...Mas todo aquele conjunto de sinais, que tornava sua facemedonha, se contrastava com seu olhar manso e tranquilo.Parecia alguém usando uma “máscara de preso”, como se

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estivesse no carnaval. Mas qualquer um que o via, podiaadivinhar que, por trás daquela máscara, estava uma pessoa

muito diversa da aparência daquela fantasia.

 –  Espero que tenha entendido tudo o que lhe falei, da últimavez, disse Belchior.  – William baixou sua cabeça e depois deuma pequena reflexão, respondeu ao diretor.

 – Senhor, o pedido que tenho a lhe fazer é bem simples. Soubeque há muito tempo, ninguém é colocado na solitária do

presídio. Acredito que isso se deve ao seu excelentedesempenho, como diretor dessa instituição. Queria lhe pedirpara que eu pudesse me mudar, digo, ser transferido para lá.Acredito que isso não deva ser um pedido que cause dispêndiode verbas, ou mesmo, de força de trabalho. Ao contrário, pensoque minha permanência lá faria com que seus guardasdispendessem menos esforço e horas de vigilância, em seudesempenho. Pois, na solitária não se faz necessário umavigilância como nas de celas convencionais, tendo em vista suacaracterística.

Belchior ficou uns instantes em silêncio e por fim, perguntou:

 – Você está mesmo me pedindo para ser colocado na solitária?Mas o que é que você tem na cabeça? Está louco, por acaso?

 – Não diretor, isso não tem nada a ver com loucura e sim comsanidade e essa é realmente a minha vontade.

O militar ficou alguns segundos refletindo sobre o seu pedido epor fim, perguntou-lhe novamente:

 – Por acaso, está sendo ameaçado por alguém? Por acaso, sua

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vida corre perigo, de algum modo?

 – Não, diretor. Garanto-lhe que meu pedido não se fundamentaem nenhum destes motivos. Como deve saber, tenho uma vidapacífica dentro deste lugar. Tenho certeza, de que nunca lhechegou alguma informação sobre qualquer tipo de desavença,entre mim e qualquer dos outros detentos.

Belchior estava confuso. Podia esperar qualquer pedido, dequalquer preso daquele lugar, menos aquilo. A solitária era

destinada, sobretudo, a punir presos que cometiam desvios deconduta. Como agora esse homem pedia para ir para lá,gratuitamente? Não... Havia alguma coisa errada naquelaconversa. Determinou então, ao rapaz:

 – Pois bem! Se assim é, então deve entender que não possotomar tal atitude sem antes ter de você uma justificativa, muitobem fundamentada, para lhe conceder tal coisa. Vamos! Estou

esperando!

Desta vez, foi William que se deteve alguns instantes, antes deresponder-lhe. Baixou os olhos por uns segundos e por fim,respondeu:

 –  Está bem, já que insiste, aqui vai: Quero encontrar a paznecessária para atingir um estado de concentração,

suficientemente isolado, para ingressar em um mundo paralelo aeste. Tenho certeza de que já ouviu falar sobre este tipo de coisa.Os ruídos e os gritos que, por vezes, soam em meu corredor, nãome permitem fazê-lo. A solitária é um lugar ermo que, alémdisso, possui suas paredes com isolamento acústico, o que seriaperfeito para realizar meu projeto.

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Belchior não conseguia manter sua boca fechada, tamanho erao espanto que sofria, naquele momento. Ao final de contas,

quem era aquele homem? Sabia, de maneira genérica, a respeitodas fichas de seus detentos, mas, não se lembrava de ter vistonada que o arremetesse aquele assunto. Apesar disso, a voz e aclareza com que tinha dito tudo aquilo, lhe dava a nítidaimpressão de que falava a verdade.

 – Bem, então temos um “monge budista” em nosso presídio,não é? Disse caçoando de William, o qual, sem se alterar,retrucou:

 –  Não, senhor. Eu não pertenço a essa religião. Na verdade,não pertenço à religião alguma, mas assim como o senhor,pertenci a uma ordem secreta, onde aprendi algumas coisas quehoje vejo serem pertinentes e me pareceu o momento propíciopara colocá-las em prática.

Belchior não conseguia parar de se surpreender. Aquelehomem parecia saber coisas sobre ele que ninguém sabia, a nãoser, ele próprio. Realmente, pertencia a ordem secreta dosparçons, na qual havia atingido um grau muito elevado, masessa ordem era tão reservada, que pouquíssimas pessoas sabiamde sua participação nela. Seria possível, que aquele homemtivesse vindo ali para trazer algum recado dos seus irmãosparçons? Não, se assim fosse, teria sido avisado por Maurício,seu padrinho na ordem, ou seja, aquele que o havia levado a seriniciado na ordem dos parçons. Com certeza, ele não o deixariapassar por qualquer tipo de constrangimento. Mas então... O queestaria acontecendo ali? Havia estudado a ficha de informações

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daquele homem e não havia reparado nada de incomum em seusassentamentos. William Shall era um homem de 49 anos,

casado, pai de dois filhos, que já eram adultos. Ocupava agraduação de subtenente na polícia militar, possuía o mesmotempo de corporação que Belchior, ou seja, 26 anos de “casa”.Não havia em seu currículo o registro de nenhum curso quechamasse a atenção, de uma maneira que fosse gritante. Eraversado em direito, falava o inglês fluentemente, possuía umcurso de operações táticas, feito com um órgão renomado no

assunto e nada mais. Era uma boa qualificação, era verdade, masnada que pudesse colocá-lo em suspeita de ser alguém quepossuísse algum título importante. Demorou, pensando nisso umpouco e depois, resolveu fazer-lhe um sinal que só um membrode sua ordem poderia perceber e responder. William sorriu erespondeu-lhe corretamente, ao sinal feito. Ele então, não tevemais dúvidas. Ninguém, que não pertencesse a sua ordem,poderia responder aquele sinal. Sinais secretos não passavam de

gestos ou palavras, que eram emitidos para alguém que,provavelmente, pudesse ser um integrante da fraternidade e oqual deveria respondê-lo com um outro sinal resposta, para serreconhecido.

 – Desculpe-me, meu irmão! Disse Belchior

 –  Eu não sabia que você era um iniciado em nossa ordem.

Desde já, me coloco a sua disposição para prestar-lhe o auxílioque desejar.

 – Não há necessidade de fazer nada, que ache errado. – DisseWilliam.

 –  Só lhe peço que me conceda a solicitação que lhe fiz

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anteriormente, pedido que como já lhe disse, seria fundamentalpara que eu atinja meus objetivos.

Belchior permaneceu em silêncio por alguns segundos, até lheresponder.

 –  Peço-lhe que tenha só um pouco mais de paciência, poisvou avaliar as condições da cela requisitada, assim como ostrâmites legais que envolvem tal decisão, para ter certeza de quenão estaria mesmo fazendo algo, que poderia ser considerado

como “errado”. Está bem assim?

William assentiu com um gesto de cabeça e se levantou logoapós, intencionando sair da sala. Belchior se levantou também efreou-o com um gesto de suas mãos, dizendo:

 –  Antes que se retire, poderia me responder uma pergunta,meu irmão?

 – Sim! Como não?

 – Na ocasião em que esteve aqui, da última vez, me disse queesperava que eu pudesse ter tempo suficiente, para aproveitarmeu almoço, assim como minha companhia. O que quis dizercom aquilo?

William olhou profundamente em seus olhos e disse, com umanatureza impressionante:

 – Não preciso lhe responder essa pergunta, pois você já sabe aresposta. Vivemos em um universo, no qual todas as coisasestão conectadas. Onde tudo faz parte de uma única coisa... OTODO. Tenho certeza de que aprendeu isso em nossainstituição, talvez apenas..., ainda não tenha se apercebido

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disso. Não existe nada que esteja escondido. Tudo estáinterligado. Todos o estão.

Belchior baixou a cabeça e assentiu, mais uma vez. Eraverdade. O universo não era composto de milhares de coisasseparadas. Todos os seres, inanimados ou não, estavamconectados, como em um só corpo. Tudo é uno. E isso era umacoisa que ele havia aprendido na ordem onde ingressara, hámuitos anos e que naquele momento de sua vida deixara umpouco de lado, para tratar de assuntos de sua existência material.Tudo para buscar seus interesses, que nem sempre, estavam emacordo com os ensinamentos que havia aprendido. Na verdade,nunca havia levado tudo aquilo, muito á sério. Acreditava emtudo, é claro, mas não encarava aquilo como uma verdadesuprema, ou como uma coisa executável em sua vida, como porexemplo, a certeza de que se alguém deixar de respirar morrerá.Nunca se culpou por isso. Para ele, as limitações carnais

impediriam a grande maioria dos seres humanos, se não todos,de vivenciar experiências, da maneira que os ensinamentosesotéricos demostravam ser necessário.

William continuou encarando-o com sua expressão pacífica.Sabia que tudo aquilo que estava acontecendo não era por acaso.Nada acontece por acaso. Todos os fatos que ocorrem nouniverso fazem parte de um processo, de uma dinâmica, de um

rolar de engrenagens, que se movimentam para realizarem umaação precisa, objetiva. Isto, nunca iria cessar. Algumas correntescristãs, dizem sempre que Deus tem um plano para sua vida.Mas na verdade, Deus tem planos para todos. Todos estãoenvolvidos no processo da marcha do universo. Porque ouniverso é uno e como você está inserido nele, faz parte de suaunidade, você tem participação efetiva nesse processo. Havia

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um motivo para ter encontrado Belchior naquele lugar, naquelaposição. O ser humano acredita que a vida obedece aos padrões

que ele, através de sua ciência, concluiu que ela segue. Mas seengana redondamente quanto ao fato e não consegue entenderdepois, porque certas coisas acontecem fora dos padrões que julgava serrem os padrões corretos.

 –  Você é um iniciado, pelo menos, deveria ser, sabe muitobem por que lhe disse aquilo sobre o que me perguntou. O queme surpreende mesmo é ver que você ainda não se decidiu, arespeito de sua condição espiritual. Espero que isso possaacontecer logo. Sabe as consequências da demora de suaevolução, não sabe?

Belchior sabia do que ele estava falando. Há muito, renegava aresponsabilidade que sabia pousar em seus ombros, quanto aoseu destino. Deixara se levar pelas coisas que sua vida lheoferecia. Achava que estava esperando por algo que lhe fizessedecidir-se, mas o quê?

 –  Meu irmão, penso que isso não lhe diz respeito. Masquanto ao seu pedido, vou estudar a melhor maneira, paraatendê-lo. Se me der licença agora, tenho muitos afazeres querequerem minha atenção.

William inclinou a cabeça e assentiu, sem dizer nada. Belchiorchamou o guarda, que levou o preso para sua cela. Sentado emsua poltrona, começou a estudar de novo a pasta com asinformações sobre ele. Era um militar que tinha levado uma vidaativa, naquela corporação. Passou por três casamentos, dos quaisregistrou um filho de cada um. Em sua ficha, constava que eraprotestante, o que não queria dizer que essa seria sua inclinação

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religiosa. Havia também vários elogios sobre ações realizadaspor ele, ou por pessoas a seu comando. Passou no concurso para

sargento logo após ter sido admitido na corporação.Rapidamente, galgou aos acessos à promoção e em seus 26 anosde carreira, podiam ainda se ver vários cursos deaperfeiçoamento profissional, assim como também, algumaspoucas punições disciplinares. O motivo de se encontrarcumprindo pena judicial era o de ter sido condenado pelo crimede extorsão, o que não combinava muito bem com sua ficha,

pois entre seus elogios, havia alguns que lhe foram dados por terse destacado, ao não aceitar propina.

 – A ocasião faz o ladrão!

Sussurrou Belchior, ao ler o motivo da condenação deWilliam, pelo tribunal militar. Como podia um homem comuma ficha tão comum, querer fazer alguém acreditar em“evolução espiritual”? Hum! Esse é um farsante dos bons,Pensou. Naturalmente, teve uma passagem pela sua ordemesotérica, mas depois, foi excluído dela por não ter tidocondições morais, para continuar lá. Quanto ao fato das palavrasque ele disse sobre sua aventura no almoço com a amante,qualquer funcionário da prisão poderia ter-lhe dito algumafofoca sobre isso. Sim, Com certeza, este era só mais um bomfarsante, querendo conseguir algum benefício ilícito. De

qualquer maneira, iria vigiá-lo de perto, deixando-o acreditarque havia mordido a isca. Assim, ficaria mais fácil dedesmascará-lo. Fechou a pasta do preso com um gesto pitorescoe balançou a cabeça, satisfeito com sua decisão. Pediu a suasecretária que não permitisse mais audiências naquele dia epassou a se dedicar aos despachos administrativos, que eramnecessários serem enviados para seus chefes.

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CAPÍTULO III

A rotina da prisão não mudara muito, desde que foi criada.Não era uma prisão comum, como as prisões civis que existiamno Estado. Aquela instituição era destinada para acautelarapenas militares estaduais que haviam cometido crime. Ouestavam sendo processados por denúncia de ter praticado estesdelitos, Ou estavam presos por força de mandado de prisão,expedido pelo juiz. A grande maioria encontrava-se alicumprindo prisão preventiva, que é determinada pelo

magistrado da vara penal, onde o processo a que respondedenota a necessidade de acautelar o acusado, para que este nãopossa interagir com testemunhas ou provas e prejudicar comisso, o processo em questão. Mas havia casos ali de prisioneirosque já estavam acautelados há mais de três anos e ainda nãohaviam sido julgados. Muita das vezes, eles eram inocentadosapós o julgamento e aquele tempo que ficavam na cadeia caía no

esquecimento, como se fosse obrigação deles cooperar comaquele descaso absurdo. Os presos que lá estavam erammilitares estaduais, pertencentes ao quadro da polícia e variadoseram os motivos que os haviam levado para lá. A corrupção e ohomicídio, eram as principais acusações que confinavamaqueles homens naquele batalhão prisional. A lei previa que osmilitares estaduais não poderiam ser acautelados em local que

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não fosse uma instituição militar.

No passado, quando algum policial passava por uma situaçãosemelhante, ficava preso em sua própria unidade de origem, mascom o tempo, alguém decidiu que ficaria mais econômicoconcentrá-los em um único lugar. O prédio utilizado para issoera o de um antigo batalhão de polícia militar, que ficavapróximo ao centro da cidade e também de uma comunidadecarente, onde o tráfico de drogas ainda mantinha o domínio nasruas. Como em qualquer edifício antigo, aquela prisão possuíatambém, vários problemas de ordem estrutural, que fazia comque o lugar fosse um dos mais incômodos para abrigar alguém.Suas paredes eram cheias de mofo, umidade e animais parasitas.Sempre que chovia, o teto do último andar ficava com goteirashorríveis, que inundavam o chão de água. Quando era inverno, ofrio se tornava uma fonte de doenças, principalmenterespiratórias e no verão o calor fazia com que todos pensassem

estar no inferno, onde os demônios eram personificados pelomedo da discriminação, que se encarregava de assegurar apermanência daqueles infelizes ali. Nas celas havia muito poucoespaço para se fazer, seja lá o que fosse. O banho de sol era emuma minúscula quadra de areia, em que os presos insistiam emquerer jogar futebol todos os dias, chovesse, ou fizesse sol. Asinstalações que proporcionavam algum conforto, comobanheiros, chuveiros, bancos e camas, foram providenciadas

pelos próprios prisioneiros e também eram mantidas por eles,pois não houve preocupação com isso, ao ser criada aquelaunidade.

O relacionamento entre os presos também não era igual ao deuma prisão civil. Todos ali, um dia, atuaram como policiais nasruas antes de irem presos e muitos encontravam, quando iam

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parar lá, um amigo com quem haviam trabalhado no passado,em algum dos batalhões da PM espalhados pelo Estado. A

maioria ficava revoltada, quando se via naquele lugar. Afinal,estavam sendo punidos da mesma forma que eram os marginaisque, por várias vezes, eles retiraram das ruas. Sabiam que paratanto, fora preciso arriscar suas vidas em combates urbanosdurante as operações que realizavam, diuturnamente, na lutacontra o crime organizado. A sociedade os havia usado paralimpar a sujeira dela própria, mas não lhes dava nenhum

tratamento especial pelos serviços que prestaram, pelo risco quecorreram. Além do mais, ninguém percebia que os policiais quetanto eram discriminados por todos, não tinham vindo de umoutro país, ou de outro planeta. Pois a verdade, é que elesvinham para a polícia provenientes do seio daquela mesmasociedade, a qual lhes negava seus direitos de isonomia, previstoem nossa carta magna e que, ao final de contas, era aresponsável, indireta, ou diretamente, por toda a gama de

violência que havia naquela cidade. Pois quem sustentava otráfico de drogas eram os “cidadãos de bem”, que faziam filaspara comprar drogas nos morros infestados de criminososarmados. Eram eles que também compravam peças de carrosroubados e esses eram os mesmos que, uma vez pegos por umpolicial em uma infração de trânsito, mínima que fosse,ofereciam logo uma quantia para tentar comprá-los. O crime nãoconseguiria sobreviver, se não fosse alimentado pela sociedadeque se diz tão aflita por ele. É como reclamar de que você ficoucom ressaca, após ter ingerido uma quantidade enorme debebida alcoólica. Cada Real que é gasto com um simples cigarrode maconha financia as armas e as munições, que são usadastambém por assaltes, pois eles as alugam do tráfico de drogas,que mais uma vez se fortalece com essa “bola de neve” que

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movimenta milhões, em todo o mundo.

Aqueles homens que ali estavam, após terem arriscado suasvidas para defender aquela sociedade corrupta, eram jogados ali,no “calabouço”, sem nem mesmo o direito de terem uma pensãopara sustentar suas famílias, as quais ficavam entregues ao saborda sorte, quase sempre desfavorável. Isso ocorria, porque depoisque eles eram demitidos pelo fato em questão, suas famílias nãotinham direito a nada, para garantir sua sobrevivência. Qualquertrabalhador, por pior que seja o crime que tenha cometido, temdireito aos proventos, referentes ao seu trabalho. Mas para apolícia militar isso é covardemente vedado. No ExércitoBrasileiro, se um militar de carreira é expulso de suas fileiras,sua família continua recebendo o referente ao seu soldo. E omais grave, é que o risco que correm é minúsculo, em relação aodaqueles profissionais de segurança pública.

Havia uma série de homens diferentes, naquele lugar. Havia osbrutos, os passivos, os que realmente tinham cometido crimes, eaté mesmo os intelectuais. A maioria da população não supunhaque houvesse essa classe de policiais. Achavam que todopolicial é ignorante e talvez, não soubesse nem ler. Porém, esseé outro dos enganos que essa sociedade comete ao conceber aideia de polícia no país. Existem vários policiais militaresformados, em diversas cadeiras. E alguns, até com doutorado.

No Brasil, ha décadas a trás, houve um golpe militar quetomou o poder e desencadeou a maior cassação de direitos dohomem de que se teve notícia... A ditadura militar. Ela foiimposta por causa da guerra fria, que disputava o controlemundial pela hegemonia, ou dos Estados unidos, ou da Rússia.Como os EUA conseguiram firmar política de alinhamento com

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o Brasil antes dos russos, através do incentivo ganho com ofinanciamento da siderúrgica nacional, uma propaganda

anticomunista, aliada a repressão militar, foi estabelecida nopaís. A maioria dos direitos políticos foram cassados e váriosintelectuais e líderes sociais, que não aderiram ao regime, foramextraditados ou mortos. Apesar disso, nesta época aconteceu omilagre econômico, que veio á dissipar um pouco, a atenção dasociedade para os absurdos que aconteciam. Nesta fase, ospoliciais militares, juntamente com o Exército, protagonizaram

o papel de vilões, fazendo o que a cúpula do militarismo queria:Torturar, matar, perseguir e prender. Por conta disso é que,mesmo décadas depois, a sociedade nutria um sentimento nadafraternal pelos policiais militares que, como continuavamresponsáveis pela missão de controle da ordem e da segurançapública, continuavam em evidência. Só que dessa vez, sendomassacrados pela opinião pública, que tinha como propagandapolítica preferida, veicular os erros daquela instituição.

Ironicamente, os antes perseguidos, ganharam destaque social,após a queda da ditadura, vindo a ocupar lugares de destaquedentro de nossa sociedade como, por exemplo: Deputados,senadores e até presidente da república. E é claro que a antipatiapelas forças de segurança pública, por parte dessas pessoas, setornou também um complicador para a polícia, até hoje.

A grande maioria dos presos que estavam ali não participaram

dos eventos descritos acima, pois nesta época, ainda eramcrianças ou não haviam nem nascido, mas o povo não guardou aidentidade pessoal e sim a identidade funcional dos algozes queo torturaram. Isso era um dos problemas causadores dos víciosnos processos que envolviam aqueles homens que, apesar de nãoterem culpa do ocorrido no passado, eram penalizados poraquela terrível fama desfavorável a eles.

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O outro problema era o fato de estarem, sempre, envolvidosem embates contra o crime organizado, que algumas vezes

faziam vítimas inocentes, como por exemplo: Após uma trocade tiros em uma comunidade carente, onde uma criança ouqualquer outro inocente era atingido por uma “bala perdida”, aculpa caía, sempre, nos ombros do policial miliar, pois ospróprios moradores da favela, impulsionados pelos traficantes,eram obrigados a testemunharem contra eles, lhes atribuindo aculpa do crime. É claro, que alguns dos presos realmente haviam

cometido os crimes de que foram acusados, mas o universo derealmente culpados pelos crimes denunciados, era muitopequeno, em relação ao quantitativo do efetivo da PM. Sefizéssemos uma porcentagem quantitativa entre os policiais queeram denunciados e o efetivo da Polícia que esta na ativa,trabalhando nas ruas, não teríamos mais que cinco por cento datropa envolvida em crimes. Essa porcentagem era muitopequena, principalmente se a compararmos com a mesma razão

calculada com base em outras instituições públicas, pois oefetivo de tropa ativa era em torno de quarenta mil policiais.

William Shaw encontrava-se preso ali pelo crime de extorsão,pois anos atrás, um cidadão que ele havia abordado na ruadenunciou- o junto a sua unidade, afirmando que ele havia lhetomado uma pequena quantia em dinheiro. Apesar de não havertestemunhas da acusação, o juiz entendeu que ninguém teria

coragem para fazer uma falsa denúncia sobre um policialmilitar, se não fosse verdade. E mesmo tendo sido apresentadaspelo denunciado duas testemunhas de defesa, aquele magistradocontinuou usando de seu livre convencimento e com isso,condenou William e seus companheiros a nove anos de prisão.O fato foi recebido pelo comando da corporação comoverdadeiro e o militar foi recolhido àquele estabelecimento

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prisional para cumprir sua punição. Ninguém imaginou que tudonão tinha passado de um estratagema do tráfico local, para

retirar das ruas uma equipe que vinha lhe trazendo grandesinfortúnios. Isso lhe causou revolta, na época e fez com que eleassumisse uma posição de desgosto, em relação a suacorporação. Ele sempre acreditou que o trabalho que realizavafazia a diferença. Procurava sempre ir além do que se exigia emsua função. Por duas vezes, foi baleado em atos de serviço, massempre continuou a perseguir seu objetivo, sem se preocupar

com o que pudesse lhe acontecer. É claro, que nunca pensou quefosse sofrer uma injustiça como aquela. Isso não passava por suacabeça, pois acreditava, antes de ser preso, que os companheirosrecolhidos àquele lugar eram todos culpados, realmente, de seuscrimes. Pois mesmo os policiais que nunca passaram por umadenúncia criminosa, acreditavam na possibilidade de seus pares,que estavam passando por isso, tivessem realmente culpa pelofato, pois não conseguiam imaginar que o descaso que a justiça

fazia, em relação a eles, fosse tão grande. Eles não tinham noçãode como era fácil irem para cadeia e nem de como era difícilpara sair de lá. William tinha em sua ficha diversos elogios porseus feitos e tentou usá-los, para demostrar ao juiz que suaconduta não era condizente com aquela denúncia. Tudo isso foiem vão, pois aquele seu julgador acreditava que os feitosocorridos no passado, não eximiam o ser humano de ceder atentações e cometer crimes no presente.

Ele havia sido um policial sempre focado na mudança, emrelação ao modo como a polícia militar agia, junto à sociedade.Comandou frações de tropa, que compunham o grupamentotático motorizado das unidades em que serviu, de maneiratotalmente inovadora. Conseguia inspirar seus comandados comseu idealismo e bravura. Acreditava que a polícia militar era a

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única instituição de repressão ao crime, realmente temida pelosbandidos. Mas que isso só funcionaria se não houvesse a figura

convencional, praticada por uma parte do efetivo, conhecida,vulgarmente como: “mão de macaco”. Essa pratica eradenominada por esse nome, quando policiais, que deveriamcombater, principalmente, o tráfico de drogas, faziam “vistagrossa” para com suas obrigações, na intensão de receberemvantagem financeira. Achava que agindo dessa maneira, ospoliciais perdiam o respeito e o controle, sobre seus inimigos.

Também defendia a ideia de não maltratar os moradores dascomunidades onde o tráfico agia quando, por algum motivo, sedeparavam com eles pessoalmente, durante as operaçõesrealizadas ali. Acreditava que aquelas eram pessoas que jásofriam o bastante, por serem obrigadas a conviverem comaquela mazela social. Por isso mesmo, em diversas comunidadesonde trabalhou recebeu a credibilidade de seus moradores, quemuita das vezes, faziam chegar a ele alguma denúncia sobre

bandidos que operavam ali.

Os anos se passaram e depois de ter sido preso, Williamaprendeu a se enquadrar em seu novo ambiente na prisão.Chegou ali revoltado e deprimido, principalmente, quandovárias pessoas de seu meio lhe viraram as costas, ousimplesmente, se esqueceram dele e do que estava passando.Familiares, amigos e vários outros grupos de seu

relacionamento, mostraram a William algo que ele ainda nãoconhecia, de verdade: a falta de amor, que o grande mestre, nasescrituras, já havia previsto há milênios atrás: “naqueles dias, oamor de muitos esfriará”, dizia ele. Sim, os homens de suaépoca estavam se comportando, exatamente, como o messiashavia previsto. O curioso, é que por mais que as religiõespregassem os ensinamentos a respeito do valor dessa energia

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poderosa, o amor, as pessoas não se apercebiam disso. Aquelaera, na verdade, uma oportunidade ímpar para que ele

aprendesse o verdadeiro valor do amor, pois uma vez tendo sidoabandonado, repensou de novo sobre o seu comportamento emrelação ao seu próximo e também em relação aos valores sociaise materiais.

Sua família e seus amigos foram o motivo de um golpe, muitoforte em seu equilíbrio emocional. Mas o que mais lhe abateufoi o abandono, por parte de integrantes de sua ordem ondehavia sido iniciado, anos antes. Os parçons integravam umaordem secreta e milenar de conhecimentos antigos e misteriosose cultivavam, entre outros valores supremos, a prática do amor,da filantropia e da sobriedade. Quando William foi preso, algunsde seus irmãos da ordem foram visitá-lo, logo no início. Masnão passaram de dois irmãos que, apesar de demonstrarem suapreocupação com ele, não trouxeram de sua instituição nenhuma

ajuda, quer seja material ou espiritual. Apesar de ter acesso aocontato telefônico na prisão, apenas três de seus irmãos fizeramligações para ele e depois de alguns meses, nem mesmo estesligaram mais para aquele irmão preso, que acabou esquecido eabandonado. Entendeu que a notícia de sua condenação afetou,deveras, o seu conceito para com o resto de seu grupo, pois osparçons guardavam fama de serem corretos e de bons costumes,além de serem compromissados com os de seu meio. Mas não

entendia porque, nem ao menos, lhe deram a chance de sedefender, de tentar provar que tudo aquilo não passou de umainjustiça, protagonizada por um juiz déspota, que deixou seuraciocínio ser contaminado por toda aquela discriminação social.Talvez, quem sabe, estivessem também contaminados pelopreconceito contra a polícia.

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A rotina na cadeia era sempre constante. Na maioria das vezes,se acordava tarde, pois o calor ou o frio, não deixavam os

detentos dormirem cedo. Os gritos de revolta e de balbúrdiarefletiam o estado de espirito conturbado daqueles homens eecoavam, o dia inteiro, pelos corredores imundos. As brigasentre eles também eram muito comuns, o que às vezes,resultavam em ferimentos sérios para alguns, quando não lhescausava morte. Eram provocadas por sua condição estressada deprisioneiros. Mas apesar disso, um acordo mudo de parceria

podia ser visto entre eles, que se ajudavam e procuravam proveras necessidades, uns dos outros.

William tentava, a todo custo, se harmonizar com seuambiente carcerário. Com o tempo, passou a praticar exercíciosde concentração e de muita meditação. Sabia, em seu íntimo,que aquela era a oportunidade ideal para praticar a temperança, a justiça, a prudência e a coragem. Talvez, em nenhum momento

de sua vida terrena, tivesse uma outra oportunidade comoaquela. Onde havia descido as masmorras da sociedade paraconhecer-se a si mesmo e mudar sua vida, alcançando assim, aplenitude espiritual a qual, mesmo nos mais altos níveis ougraus de sua ordem, possivelmente não teria como a atingir, demaneira tão substancial. Achava mesmo, que o ser superior emque acreditava com todo ardor, havia disponibilizado aquilotudo para que ele pudesse se consagrar, por mais que isso fosse

difícil de conceber.

No início, as condições do cárcere o distraíam e dificultavammuito sua concentração, mas, paulatinamente, ele conseguiasubir mais um degrau em sua escalada espiritual. “O mundo eramental”. Cada vez mais, isso fazia sentido para ele. Vivemos emum mundo com condições de virmos a percebê-lo, muito

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deficientes, pois o vemos diferente do que ele é o que nos leva, atodo o momento, a nos enganar. A nossa visão humana, por

exemplo, na verdade, funciona como uma venda, que nosimpede de ver a verdadeira imagem do que está a nossa volta.Pois a imagem que percebemos das coisas que nos cercam, naverdade, não nos mostra seu verdadeiro estado. Quando olhamospara uma maçã, por exemplo, não vemos, na realidade, aquelafruta que nos parece vermelha e apetitosa. Mas sim a luz que,refletindo-se nela, atinge a retina de nosso globo ocular e nos dá

a informação do reflexo luminoso, e não da manifestação deenergia que está ali materializada. Não vemos a maçã e sim a luzque ela reflete. Se, por acaso, posicionássemos um microscópiodiante dela, a visão através deste, nos daria uma perspectivatotalmente diferente, daquela que temos a olho nu. Mas issotambém não nos revelaria a verdade sobre o que esta ali, a nossafrente. Pois, mais uma vez, o que perceberíamos seria outroreflexo luminoso, só que então ampliado por lentes e isso

também não identificaria o que aquilo é, na verdade.

Da mesma maneira, todos os nossos sentidos, que tantovalorizamos, nos dão uma informação equivocada do universoem que estamos mergulhados. William, cada vez mais, iaenxergando essa realidade e apesar de estar preso, iaexperimentando uma sensação de surpreendente liberdade.Sentia, cada vez mais que somente seu corpo encontrava-se,

realmente, enclausurado. Almejava alcançar experiências commundos paralelos, que sabia que existiam e estavam maispróximos de nós do que percebíamos. Alguns deles, na verdade,estavam dentro de nós. Sua vida naquele lugar, como já vimos,era sujeita a perturbações, mas os detentos, aos poucos, foram seacostumando com ele e a paz que transmitia começou a fazercom que o espírito de fraternidade se fortalecesse entre eles. As

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piadas sobre ele ser um monge, ou um ser extraterrestre, ou atémesmo homossexual, foram silenciando-se e no final, alguns até

velaram por seu sossego, depois de algum tempo.

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CAPITULO IV

Belchior acabava de sair de uma seção parçônica. Estava na

sala de recepções, onde a fraternidade daquela loja fazia suasrefeições e pequenas confraternizações após as reuniões, quandoum irmão de sua ordem o abordou.

 – Vai ficar para o jantar, não vai?

 – Eh... Sim! Como não? Não perderia isso por nada.

 – Quero que saiba que estamos muito felizes por poder vê-lode novo, meu irmão.

 –  Meus sentimentos são recíprocos, amado irmão. Comodeve saber, minhas atribuições referentes à vida profissional meconsomem bastante e me dão pouco tempo para estar ao lado devocês, mas já está chegando o tempo em que poderei dedicar-memais a nossa loja e aí então, esse problema não ocorrerá mais.

 – Sente-se aqui ao meu lado, meu irmão.  – Disse o homema Belchior

Belchior sentou-se ao seu lado na mesa e começou a colocaros alimentos em seu prato. Estava muito preocupado com Tais,pois havia marcado um encontro com ela, logo após sair dasessão de que participara. Na verdade, o único motivo que o

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levara até ali, foi por que queria dar a impressão de que ainda seimportava com as reuniões. Havia perdido todo o interesse por

qualquer assunto que poderia ser discutido ali. Sabia que deveriatomar uma atitude, o mais breve possível, para com o propósitoque havia assumido naquele lugar. Ou continuava com seuintento, ou desistia de vez daquilo tudo. Uma parte sua dizia queele deveria desistir, mas outra parte o impedia, pois sabia que orelacionamento com várias pessoas no plano social, que tambémpertenciam á ordem, não seria o mesmo depois disso.

Comeu rapidamente, seu alimento e após dar uma desculpaesfarrapada qualquer, saiu apressado do recinto. No ladoexterno, pegou seu telefone e tratou de ligar logo para suaamante, pois intencionava vê-la, ainda naquela noite.

Do outro lado da linha, a moça marcou encontro com ele emum lugar próximo a sua residência. Belchior chegou lá empoucos minutos e logo depois, estavam em um motel, fazendoamor. Após alguns minutos de sexo, Belchior caiu para o lado eacendeu um cigarro.

 – Acho que vou abandonar a ordem. O que acha disso?

 – Bem... Você sabe que não gosto de meter nesses assuntos,pois você nunca quis dividir seus segredos comigo. Mas aomesmo tempo, acho que você deve se sentir bem com o que estáfazendo e se por acaso isso não está acontecendo em relação asua permanência lá você não deveria mesmo continuar, poisdevemos ser sinceros quando assumimos algum compromisso,não acha?

 – Você está certa. Coberta de razão... Tenho que me colocarde forma que minha posição não fique prejudicada. Amanhã vou

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ter uma conversa com a administração e resolver isso.

Falou isso contente, por ter encontrado uma solução queachava correta para seu problema. Sabia que não era a melhorcoisa a fazer. Mas afinal, não tencionava alcançar mais nada emrelação ao que estava pretendendo para sua vida social. Haviaentrado para aquela ordem a fim de que esta condição lhetrouxesse benefícios sociais. Não acreditava muito em todaaquela “parafernália esotérica“, que era pregada em sua ordem.E ele mesmo, se sentia incapaz de atingir um nível deespiritualidade, condizente, com o que era requerido para isso.Pois ele próprio se achava incapaz de se iluminar. Abraçou suaamante e se entregou de novo aos prazeres da carne, que tantotinha valor para ele. Tais era uma mulher perfeita na cama. Faziacom que ele se sentisse como um adolescente. Achava mesmoque estava na plenitude da felicidade, que todos os homensdesejavam. Um bom emprego, uma boa família e uma amante

fenomenal. O que mais um homem podia desejar? Pensava ele.Longe dali, William Shaw experimentava uma experiência

totalmente diferente da de Belchior. Havia ingressado na ordemcom os mesmos pensamentos que ele. Achava que, uma vez emcontato com as muitas autoridades que faziam parte do quadrodaquela entidade, poderia alcançar uma plenitude social, como ade Belchior, por exemplo. Começou a se dedicar aos exercícios

e aprendizados esotéricos e quando pensava estar atingido umnível de status dentro de sua ordem, aconteceu a sua prisão. Osfatos que se sucederam após isso foram, paulatinamente, semque ele se apercebesse, o levando a mergulhar no que os seusensinamentos tanto lhe mostraram antes, mas ele não enxergara.Era até mesmo irônico constatar que, foi só mesmo através detoda a dor e abandono que sentiu com tudo aquilo que ele pôde

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entender exatamente o que tudo significava, na verdade. Teveque descer as “profundezas da terra”, ser despojado de todas as

suas condições financeiras e sociais, para começar a conhecer-sea si mesmo. E era isso que os preceitos esotéricos diziam, naverdade. Quando estamos de posse de todas as nossascomodidades, do “ópio” social, não conseguimos compreender oque se passa, realmente, em todos os planos de nossa existência.É como se uma venda existisse sobre nossos olhos e nosimpedisse de ver o que está a nossa volta. Talvez por isso, os

monges budistas se enclausurassem nos mosteiros do Tibet.Ficando anos afastados de tudo e de todos, em busca daverdadeira luz. Isso, porém talvez não funcionasse para todos,pois cada um tem seu caminho correto a ser seguido.

Com o tempo, ele já nem pensava mais em sua vida lá fora.Tudo tinha perdido o valor que tinha antes para ele. Até mesmosua família e seus amigos, já não o importavam. Só queria ver a

luz. Só desejava encontrar a si mesmo. E desfrutar de umaexperiência que poucos homens já haviam vivido. Talvez, Jesuscristo tivesse colocado tudo isso, quando disse que: “não háaquele que tenha deixado casa, pai, mãe e irmãos por causa demim e não tenha ganhado, no presente ou em outro plano, muitomais”. Ele não estava menosprezando a unidade da família. Masse pensarmos bem, declarar isso em uma sociedade de costumespatriarcais, como a dos judeus e em uma época em que a lei de

Moisés era ainda mais forte do que é hoje, seria uma verdadeiraloucura e muito difícil de ser entendido, naquele momento emquestão.

Com a chegada de Jesus Cristo, vários personagens da época,principalmente os que detinham o poder através da manipulaçãodo povo, com o uso das leis, não enxergaram o que estava bem

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diante de seus narizes. Não viram que o que aquele homemrealmente expunha não se tratava de uma distorção de seus

preceitos, e sim da confirmação deles. Talvez, a proximidadecom o poder e as coisas que ele proporcionava, tenha feito comque a cegueira espiritual os impedisse de ver a luz que aquelehomem trouxera. Da mesma maneira, todos os segmentosreligiosos e esotéricos, dos dias de hoje, estão passando pelomesmo problema que houve na época de Jesus. É claro queexistem, como no passado, pessoas que buscam a verdadeira

iluminação, independente do custo que isso possa lhes onerar.Mas, é triste conceber que, principalmente as ordens secretas,que foram tão perseguidas pela intolerância religiosa de outrora,estejam, aos poucos, sucumbindo aos terríveis apelos materiaisdeste universo de ilusões. Foi por perceber isso, que Shawdecidiu fazer sua busca radical e disciplinada. Por saber quenada mais poderia ser tão importante. Por estar convencido deque as coisas que devem ser realmente reverenciadas, não estão

em nenhum ídolo, ou papiro escrito a milhares de anos. Estãodentro de nós. Esperando para serem entendidas e praticadas.Esperando que você despreze as convicções, as que lhe foramimpostas durante toda a sua formação, até mesmo ao significadose sua própria existência material, a qual se tentou sempreexplicar, usando argumentos de uma realidade efêmera,desprezando sempre os conceitos que só seu espírito podeconceber.

William esvaziou sua mente mais uma vez, e começou a seharmonizar com o plano além da matéria. Fazia sempre uma“despedida” de seus cinco sentidos, os quais, gradualmente,conseguia ignorar. O tato, a visão, o olfato, a gustação e aaudição, são mecanismos que nos dificultam a percepção domundo espiritual. Em sua mente só havia o vazio. Na verdade,

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nem o vazio mais existia. Não utilizava mais as técnicas com asquais começou sua caminhada, tempos atrás. Havia aprendido

que não existia uma receita de bolo para chegar onde queria.Cada indivíduo possuía uma característica única. Do mesmomodo, era ímpar a sua maneira de se conectar com os planosalém do seu. Logo, não havia mais concepções de espaço, outempo. O próprio ato de respirar já não era importante. Formas ecores, não obedeciam mais a uma regra pré-estabelecida.Todavia, não era como o caos. Era apenas uma ordem diferente

da que conhecia, desde criança. Os sentimentos e o raciocínio,davam lugar a algo mais verdadeiro e harmonioso. E a paz eraquase sólida, só superada pela harmonia que sentia em cadaátomo que ainda percebia em seu ser.

Paulatinamente, o ambiente foi se descortinando ao seu redor,ou seria em seu interior? Não havia árvores, lagos, ou qualquerimagem, comumente associada ao paraíso. Ou mesmo outro

ambiente, concebido por algum pintor de paisagens. Tudo eravivo. Tudo era energia. Tudo sentia e pensava junto. Percebiaque o universo era um só. Fazia parte dele... Era ele. Não haviadiferença entre o lá e o aqui. O antes, já é... E sempre será.Podia se comunicar com cada partícula, de qualquer coisa quequisesse. Pois não havia o minúsculo, ou o gigantesco, nem, tãopouco, o perto, ou o longe. Permaneceu assim, desejando que jamais retornasse ao seu plano anterior. Apesar, porém, de saber

que havia muito que se caminhar.

Em quanto isso, fora de sua cela, os seres que haviam ficadoem seu plano continuavam a viver de forma contínua,acreditando que estavam em um inferno. Desprovidos de sualiberdade, desprovidos de sua dignidade. Apesar de seusinfortúnios, discutiam sobre coisas que não poderiam alterar o

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estado de suas condições sociais. Falavam a respeito do timeque havia ganhado no futebol. Gritavam, para atestar a liderança

que o clube de cada um exercia sobre os demais, ou sobre otalento dos jogadores, que disputavam o favoritismo de seustorcedores. Quando o assunto se esgotava, passavam a falar dasmulheres com que já haviam se relacionado, se gabando de suapopularidade entre elas, ou de suas habilidades em fazer sexo.Era curioso, como esses e outros assuntos desimportantes,exerciam fascínio sobre aqueles homens. Nossa sociedade

parece não se aperceber da sutil armadilha que ela própriaarmou para si mesmo. No caso dos jogos de futebol, porexemplo, apesar de milhões de Reais serem desperdiçados comaqueles eventos. Apesar de nenhum time poder exercer umamudança, significativa, nas vidas de seus torcedores, apesar denenhuma das pessoas envolvidas na gerência desses times,sequer se preocuparem com existência desses torcedores, osmesmos teimavam em achar importantes, os resultados que

envolviam sua disputa.

A natureza humana é mesmo surpreendente. Aquelas pessoasencontravam-se destituídas de sua liberdade, afastadas doconvívio social e familiar, com seus direitos eleitorais etrabalhistas prejudicados, mas mesmo assim, conseguiam sepreocupar com os detalhes narrados acima. Em nenhummomento, o peso de seus infortúnios os fazia refletir sobre o que

estavam discutindo. Isso era uma tática milenar, antiga, usadapelos poderosos para promover o controle de massas: “dar pãoe circo ao povo”, para que ele não reflita sobre suas mazelassociais. Que não se diga que os mesmos não tenham direito a sedistraírem, mas que fique registrado o absurdo das intensõesfúteis, com que nossa raça humana desperdiça suasoportunidades. Lá fora, no universo infindável, estrelas e corpos

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celestes estavam sendo engolidos por buracos negros. Meteorosrumavam ao encontro, cataclísmico, com planetas. Estrelas

nasciam, outras se apagavam. Mas o último gol feito por umcraque de futebol tomava lugar no palco da importância queprendia as atenções dos seres humanos na terra. Na verdade, aspessoas estão cada vez mais preocupadas com coisas que, pornão se darem conta de sua condição finita neste plano material,se tornam inócuas e irrelevantes.

Belchior acordou de bom humor naquela manhã. Haviaplanejado sua vida, com todo o cuidado, para se assegurar quenada de errado lhe tirasse aquele sentimento de bem estar quevivia naquele dia. Como se achasse que sua vida fosse eterna naterra. A primeira atitude que tomaria naquele dia, seria a defalar com o mestre maior de sua irmandade para lhe solicitarseu afastamento, por tempo indeterminado, do grupo a quepertencia. Havia decorado seu discurso, enquanto tomava o caféda manhã. Pretendia falar sobre a importância de sua ordem e anecessidade dele de dar lugar aos novos iniciados, para que elestrouxessem ideias novas que assegurassem o progresso daquela,tão respeitada instituição. Sorriu, ao imaginar o ar de surpresa

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que seu líder teria quando recebesse sua carta de desligamento.Mas, como seu regulamento previa, ele nada poderia fazer para

impedi-lo, além de lamentar a falta que sua presença faria atodos. Arrumou-se com o cuidado de sempre e olhou-se noespelho. Sim... Aparentava uma forma física invejável. Sempreachou que isso fazia toda a diferença, para conseguir as coisasna vida. A boa aparência era uma condição perseguida por ele,durante toda a sua vida. Praticava exercícios regulares e cuidavamuito bem, de sua alimentação. Não ligava para o quão

narcisista ele poderia parecer. Afinal, o mundo com o qualestava acostumado a se relacionar, fazia esta e outras exigênciasque ele, como um homem de sucesso, não podia menosprezar. Eapesar de estar indo para o prédio de uma ordem mística, quetinha como alguns dos seus princípios, a humildade e odesapego à matéria, não poderia deixar de cuidar de suaaparência, pois diversas vezes como ele próprio considerara,isso tinha feito a diferença entre conseguir, ou não, o que se

queria. O terno que usava era preto. A gravata preta se destacavaem uma camisa marfim, que identificava a ramificação de seurito. Pegou os paramentos que compunham o resto de suaindumentária e saiu em direção ao seu carro. Pelo caminho, foipensando de novo nas frases que usaria para falar com o amigode muitos anos, o qual presidia o órgão superior de sua ordemhá dez anos e que havia sido iniciado juntamente com ele hávinte anos atrás, quando os dois eram bem jovens e sedentos deconhecimentos esotéricos. Pensou por um instante em uma fraseque havia sido a mola propulsora para seus estudos, naquelaépoca: “hoje sei, que nada sei”. Aquela verdade havia entradoem seu ser, como a água penetra em um vaso de terra seca. Eraclaro para ele que aquele vaso, no presente momento, estavatotalmente inundado com os conhecimentos e a experiência, que

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poucas pessoas no mundo poderiam acumular. Havia investidomuito em seus estudos, não só no Brasil, mas em vários países

do exterior, onde visitou diversas lojas de sua ordem e tevecontato com pessoas que lhe viabilizaram conhecer o que hojesabe. Falava vários idiomas e dominava vários dialetos de paísesque visitara no oriente. Havia participado de diversas palestrasno mundo todo, onde ele pôde demostrar seus conhecimentos ereceber diversas condecorações, por sua habilidade ecompetência.

 –  Hoje sei que sei o bastante.  –  Balbuciou ele, com umsorriso no rosto.

Estacionou seu carro próximo ao edifício onde ficava oministério da parçonaria e desceu do carro, pronto para adentrarao prédio. Foi abordado por um guarda de trânsito que apóscumprimentá-lo, informou-lhe que não poderia estacionarnaquele local, pois havia ali uma placa proibindo oestacionamento, bem a frente do veículo.

 – Sinto muito sobre isso, seu guarda. Vim falar com o grãomestre da parçonaria, que está neste prédio. Tenho hora marcadacom ele e já estou atrasado. Tenho certeza de que você nãogostaria que ele ficasse aborrecido consigo por causa de umdetalhe tão insignificante como este, não é mesmo? Mas se tiver

qualquer dúvida, pode confirmar o que eu lhe disse com aportaria. Tenha um bom dia!

Disse isso e virou as costas para o policial, dandocontinuidade ao seu ingresso no prédio. Pegou o elevador e apóssaltar no segundo andar, se fez anunciar ao seu irmão, que orecebeu de pronto.

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 – Belchior, que bom que pôde vir! Sente-se.

 – Olá meu amigo! É um prazer poder encontrá-lo. – Como vai a família? Espero que estejam todos bem!

A conversa continuou nesta linha, em que as preliminares detodas as conversas entre dois amigos que não se veem a muito,segue. Até que, o assunto principal entrou em pauta.

 – Bem, meu amigo, na verdade, vim aqui para dar-lhe umanotícia muito importante.  – Disse Belchior.

 – Eu também tenho uma notícia importantíssima para lhe dare tendo em vista que a minha deve causar-lhe uma felicidadeimensa, peço-lhe permissão para lhe dá-la primeiro.

Como Belchior assentiu, o grão mestre de sua ordem fezcontato com sua secretária, pedindo-lhe para trazer-lhe algo. Amulher entrou carregando uma caixa de madeira fina, bordadaem seus ângulos com enfeites de ouro. Era cumprida e esguia,mas seu peso não era excessivo, pois ela a trazia sem grandedificuldade. Depositou o objeto na mesa, frente ao seu patrão eaguardou que ele a dispensasse.

 – Obrigado, Pode ir querida!  – Disse o grão mestre.

A secretária se retirou, fechando a porta á sua saída.Provavelmente, cumprindo determinações previamente dadaspor seu chefe.

 – Belchior, disse ele – Há muito tempo seu desempenho temsido observado, não só por mim, mas por toda a cúpula de nossaordem milenar. Em uma reunião, feita ha dias atrás, foi por

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unanimidade decidido, que o novo grão mestre deveria ser umapessoa de seu calibre. Por isso, lhe ofereço, com muita alegria, o

símbolo de nossa autoridade, o qual sei que irá honrar até que arepasse ao seu sucessor. Deixe-me agora, parabenizá-lo com oabraço ritualístico que precede esse solene ato de transferência.

Abriu a caixa e depois se levantou para abraçar Belchior, como abraço secreto pertinente a homenagem citada. Belchiorreagia, automaticamente, ao sinal secreto contido naqueleabraço. Estava atônito. Não sabia o que falar ou o que fazer.Nem mesmo, como respirar. Havia recebido a mais alta honradada a um parçom. Conheceu diversos homens que buscaramaquilo, por toda sua vida na ordem e morreram sem consegui-lo.Dentro da caixa, jazia a espada dourada que pertencera a umdistinto membro de sua instituição, séculos atrás e que haviasido o mais eminente parçom de todos os tempos. Ele era umnobre que havia consolidado no Brasil, mais uma ramificação

daquela ordem secreta que se espalhava então, pelo mundointeiro. O poder institucional e até mesmo social que havia sidocolocado em suas mãos era imensurável. Ultrapassava todas asperspectivas que ele jamais poderia conceber. Seu amigo, grãomestre de sua ordem, nem imaginava que o motivo de sua vindaa seu escritório era o de pedir afastamento daquela instituição,que agora, oferecia a ele a sua direção. Recebeu a espada dasmãos de seu amigo, com seu corpo trêmulo e a boca aberta.

 – Vamos homem, diga alguma coisa!  – Disse ele sorrindo.

 – Eu... Eu... Não sei se mereço essa honra, grão mestre!  –  Disse Belchior com a espada de honra, “pesando toneladas”, emsuas mãos.

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 – Eu... Eu... Eh! Desculpe meu amigo, a emoção tomou contade mim e eu não consegui reagir de pronto.

Levantou a espada que reluzia a sua frente e encheu o peito dear. Precisava dar uma solução rápida àquele impasse. O quefaria quando aquele homem lhe perguntasse sobre a notícia deque ele havia lhe falado antes? Aquela era a oportunidade quepoderia lançá-lo, anos luz, a frente de tudo que planejara parasua vida. Era importante considerar que a grande cúpulaparçônica do Rio de Janeiro, compunha-se de pessoas muitoimportantes, dentro do senário político e empresarial do Estado.Além disso, tal nomeação lhe daria a oportunidade de conhecer,ainda mais, personagens importantes no país e no mundo. Tudoisso passou por sua mente e foi processado em frações desegundo, enquanto admirava a beleza daquela arma que tinhanas mãos.

 – Meu querido irmão!  – Disse por fim.

 –  Ainda que me sinta orgulhoso pela escolha do conselho,não me sinto competente o bastante, para assumir talresponsabilidade.

Dizia aquilo por puro cavalheirismo, pois sabia muito bem quetal afirmativa seria rejeitada por seu interlocutor.

 – Deixe de bobagens homem –  Disse o grão mestre.  – E nãome venha com falsa modéstia, num momento como este.Sabemos muito bem de sua capacidade e por isso mesmo, oconselho foi unânime quando escolheu você para o cargo.

Um sorriso abriu-se em seu rosto, que parecia hipnotizadopelo brilho da espada. Um misto de felicidade e ambição

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explodiu dentro dele. Sim..., Aquele era seu destino. A vida, que já havia lhe pregado tantas peças, que sempre lhe negou tantas

oportunidades, finalmente se rendeu ao brilho de suacompetência, de sua perseverança. Sim..., Deveria aceitar aquelaoportunidade e usufruir ao máximo de tudo o que ela lhe trariade bom. Os seus planos atuais poderiam ser adiados, por maisum tempo. Um novo e grandioso planejamento seria feito para ademanda que estava por vir. Havia nascido para aquilo. Era seudestino. Estava escrito (maktub).

 – Bem, se o grão mestre de nossa ordem, em sua sabedoria,considera que eu sou merecedor dessa tão grande honraria,quem sou eu para dizer o contrário, não é?

 –  Claro! Agora sim, estou reconhecendo o Belchior que,  juntamente comigo, foi iniciado naquele dia chuvoso deinverno... Ha, Ha, Ha...

Abraçou-o e tomando a espada de suas mãos, o conduziu atéao pequeno bar que possuía em sua sala. Serviu duas doses deuísque e após tilintarem os copos, ele disse:

 – Vou fazer o ofício e mandar imprimir os convites para suaposse. Além disso, me encarregarei de todos os detalhes dacomemoração. Mande-me por e-mail, a relação de pessoas quevocê deseja convidar para o dia e não se esqueça de comprar umlindo vestido, para a primeira dama poder brilhar junto comvocê, no dia de sua posse. Estamos combinados?

Belchior assentiu com um gesto de cabeça. Mentalmente, jáhavia pensado em pelo menos, uns cem convidados para aquelarelação. Já podia vê-lo em sua indumentária ritualística,empunhando sua espada e falando as palavras secretas...

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 – Farei isso, meu grandioso grão mestre. Mas insisto que ospreparativos da comemoração fiquem por minha conta, está

bem?

 –  Está bem, está bem! Mas, e sobre a notícia que veio metrazer? Perguntou seu amigo, enchendo novamente o copo comuísque.

Belchior quase se engasgou com uma pedra de gelo que, porpouco, não desceu por sua garganta a baixo, quando sorvia a

bebida. Começou a tossir e tentou simular um incidente maiordo que realmente ocorreu, para ganhar tempo enquanto pensavaem uma saída para aquela pergunta. Não podia mais, apresentaro ofício com o seu pedido de afastamento da ordem. Nem tãopouco, declinar os motivos que o levaram a tomar aqueladecisão. Respirou fundo e por fim disse:

 –  Ah, sim! Já ia me esquecendo! Vim aqui fazer-lhe um

convite para visitar as instalações do presídio que administro,pois segundo me lembro, você havia manifestado o desejo deconhecê-lo um dia, não é mesmo?

Havia sido feliz em seu improviso. Seu amigo abriu umsorriso e assentiu com a cabeça.

 –  Sim, é verdade! Aliás, seria uma ótima oportunidade de

aproximá-lo mais com a cúpula da parçonaria, se vocêconcordasse em convidá-los, para irem comigo. Assim, elespoderiam ver o eficiente trabalho que, tenho certeza, você estádesenvolvendo naquele lugar, o que acha disso?

Belchior abriu um sorriso, quase delatando o alívio por tersaído daquele embaraço.

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 – É claro! Disse ele. Deixarei então por sua conta, a extensãodesse convite aos nossos irmãos, tudo bem?

 –  Sim, sim! Pode ficar tranquilo quanto a isso, meu futurogrão mestre da parçonaria do Rio de Janeiro.

Disse isso, dando tapinhas nas costas de Belchior, o qual selevantou e se dirigindo para porta, fez um sinal solene de suaordem, se despedindo.

 –  Até lá então, meu querido amigo e irmão! Jamais meesquecerei de seu gesto e prometo nunca desapontá-lo.

 –  Tenho absoluta certeza disso, Belchior.  –  Disse isso,também se despedindo com um abraço apertado e depois,abrindo a porta para o amigo.

Belchior desceu no elevador, tentando se controlar para não ter

uma explosão de felicidade. Tentou alinhar seu raciocínio.Precisava ir até o presídio para tomar algumas medidas. Nãopoderia deixar que seus irmãos encontrassem o prédio naquelascondições, é claro. Precisava fazer uma rápida reforma nasacomodações dos presos, dar uma melhorada em suas refeiçõese... Porque não fazer um trabalho de cunho social, com suasfamílias? Afinal de contas, os presos iriam adorar isso. As suasfamílias estavam sempre reclamando do mau atendimento, nas

visitas que faziam aos detentos. Ficavam horas nas filas, eramobrigados, quase a implorar, por material de higiene nosbanheiros... Sim, precisava tomar medidas urgentes, para serbem visto pela cúpula da parçonaria que, de maneira alguma,poderia se deparar com algo que manchasse a carreira que eleestava começando a trilhar. Bem, iria entrar em seu carro e ligarpara sua secretária, para que ela já começasse a fazer algumas

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coisas. Afinal... Parou, de repente, em frente ao seu automóvel eficou olhando para o talão de multa que estava em seu para-

brisa. Pegou o documento e ficou olhado para ele, por algunsminutos. Nunca havia recebido uma multa, antes. Olhou ao seuredor e pôde reconhecer o guarda, que naquele momento estavana esquina, fazendo algumas anotações em seu talão.Aproximou-se dele, balançando o papel da multa em sua mão.

 – Você pode me explicar o que significa isso, policial?  –  Disse, com um tom muito agressivo em sua voz.

 – Sim, senhor.

O policial pegou o documento em suas mãos e disse, após olhá-lo:

 – É uma multa por estacionamento proibido, senhor.

 –  Eu sei que é uma multa por estacionamento proibido, seuidiota. O que quero saber, é o porquê você registrou essainfração em meu carro.

Falou isso com o rosto vermelho e os olhos, quase saltandodas órbitas. Não aceitava que o guarda de trânsito tivesse feitoaquilo, mesmo depois de ter-lhe dito que estava ali para falarcom o grão mestre. Achou tudo aquilo uma falta muito grande

de respeito e de temor, para com uma instituição que,sabidamente, era poderosíssima no mundo todo, e que poderiaprejudicar aquele guarda, a hora que quisesse.

O guarda retirou os óculos que usava no rosto e fitou Belchior,por alguns segundos. Aparentava ter uns quarenta anos, estaturamédia e corpo cansado, possivelmente, por ter trabalhado por

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vários anos no trânsito. Ocupação muito desgastante e que, comcerteza, havia auxiliado a construir aquela figura frágil.

 – Senhor – disse por fim – Seu carro foi estacionado em localproibido, além disso, o senhor foi avisado por mim para retirá-lode lá, mas tudo o que fez foi me dar às costas, como resposta.

Belchior fez força para não gesticular no meio da rua, coisa queachava muito desagradável, para qualquer pessoa.

 – Eu não lhe virei às costas somente, seu idiota, eu lhe disseque iria falar com o grão mestre da parçonaria. Você parece quevive em outro mundo! Não sabe o que pode lhe acontecer, porter tomado tal atitude? Além disso...  –  mostrou-lhe suaidentidade.

 –  Sou seu superior hierárquico e exijo que você anule essamulta, agora!

O policial leu sua identidade e depois de devolvê-la, sacou desuas algemas e segurando o braço direito de Belchior, ordenou:

 –  Vire-se de costas, senhor. O senhor está preso, sobacusação de abuso de autoridade e tráfico de influência.

Belchior ficou atônito. Não conseguia acreditar no que estavaacontecendo. Estava sendo preso por um subalterno seu e emfrente ao gabinete maior de sua ordem. Tudo isso, logo após terrecebido a maior honra que poderia ser dada a um homem, porsua instituição. O embaraço que isso poderia lhe trazer, eraincalculável. Tinha que tentar conversar com aquele guarda etentar fazê-lo mudar de ideia.

 –  Um momento, por favor, companheiro, vamos conversar.

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Eh... Eu lhe peço mil desculpas, pelo meu erro. Por favor, vocêestá coberto de razão. Eu me excedi e lhe devo desculpas.

O policial encarou-o de novo e por fim, baixou as algemas.Soltou seu braço e depois de suspirar demoradamente, lhe disse:

 –  Sabe senhor? Nós, que ocupamos cargos de autoridade,precisamos estar sempre dispostos a dar exemplos, superarmo-nos e também a aprendermos uma lição, a cada dia. Vou deixarde prendê-lo, pois assim como espero ter acontecido consigo,

também aprendi algo, com o que aconteceu. Peço a Deus estartomando a decisão certa, pois acredito que a lei foi feita paraservir ao homem e não para escravizá-lo. Além disso, tenhorazões pessoais, que não convém que saiba a respeito agora eque lhe são favoráveis no momento. Tenha um bom dia!

Belchior respondeu ao cumprimento com uma reverência.Entrou em seu carro e ficou fitando o policial pelo espelho

retrovisor, enquanto o carro se afastava dali. Sabia que estavaerrado. O que ele queria dizer, com razões pessoais ao meurespeito? Pensou. Na verdade, dera muita sorte em não ter sidoflagrado por alguém de sua ordem, quando passava por aquelecontratempo. E mais sorte ainda, de ter convencido o guarda anão levá-lo, preso para a delegacia. Precisava ter mais cuidadocom suas ações impensadas. Às vezes, por causa de um segundo

impensado, você pode se arrepender pelo resto da vida. E ele,como um homem totalmente racional e disciplinado, nãopoderia se dar ao luxo de deixar que uma ocorrência comoaquela o deixasse fora de controle. Lembrou-se da atitudeinsolente do guarda de trânsito, quando lhe deu voz de prisão.

 – Mas, quem aquele “guardinha” pensa que é?   – Balbuciou.

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Decidiu que depois de sua posse iria pedir ao comandante dasua unidade, também irmão de sua ordem, para transferi-lo lá

 para os “cafundéus do Judas”. Isso mesmo, aí ele veria quem éque manda naquela cidade, pensou.

Chegou à penitenciária e foi logo tratando de convocar suasecretária para sua sala. Passou-lhe então várias determinações,com o intuito de agilizar e dinamizar as obras necessárias, paradeixar o prédio em condições para o dia da visita de seusirmãos. Ao término, perguntou a mulher se ainda havia algo quetivesse escapado a sua memória. Ela então, lhe lembrou daagenda de entrevistas com os presos. Ele arqueou assobrancelhas e lembrou-se de William Shaw. Ele poderia ser umproblema para o evento que estava preparando. Afinal de contas,poderia ocorrer um encontro dele com alguém da cúpulaparçônica. E se por acaso alguém o reconhecesse? Ou então, eleviesse a falar sobre a demora, em relação ao pedido feito

anteriormente a Belchior? Não, não daria chance para que algodessa natureza acontecesse e “manchasse” sua imagem, por maisimprovável que fosse. Refletiu por uns instantes sobre aquelaequação e finalmente deu ordens aos guardas do presídio paraque trouxessem Shaw a sua presença.

William Shaw estava em uma das quadras destinadas aconcentração de presos para esportes. Ao seu redor, um dos

grupos de acautelados o escutava, quando o mesmo conversavacom um dos presos chamado Bezerra. Aquele homem faziaparte da congregação evangélica da prisão e havia travado umadiscussão com ele, a respeito de religião e ordens secretas.Bezerra acabara de lhe falar sobre Jesus e sua afirmação de que,o único caminho para conseguir a salvação era através dele e demais ninguém. Isso por si só, segundo o pensamento do preso, já

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 jogava por terra toda e qualquer possibilidade de argumentação,a respeito de outra religião ou ideologia qualquer.

William baixou a cabeça e começou a fazer com ela um gestode concordância, com o que seu companheiro de prisão haviadito.

 – É verdade, disse. Concordo inteiramente com os dizeres domestre Jesus. Na verdade, essa e outras frases ditas por elepuderam nos dar uma bússola, para seguirmos o caminho

correto que devemos trilhar. É porém, imprescindível, quereflitamos sobre o sentido das frases, assim como sobre o tempoe lugar, onde elas foram proferidas. Além de não podermosdeixar de considerar também, o público que as ouvia. Em certaparte de seu ministério, Jesus foi acusado pelos fariseus, Osquais faziam parte de uma determinada casta de judeus, queprocuravam seguir a lei de Moisés da maneira exata com que elafoi escrita, por ele andar com ladrões e prostitutas. Andar comladrões, prostitutas e outras pessoas do tipo, era repudiado poraquela sociedade, em razão de seus comportamentos fora da leique pregavam. Ele, porém, alegou que os sãos não precisavamde médico e sim, os doentes. Entendo que não se referia àdoença do corpo, mas a do espírito. Em uma só lição, ele pôdeadmoestar, aos corações preconceituosos sobre a sua vaidade,em achar que eles eram melhores do que aqueles que

expurgavam de seu meio social, além de chamar-lhes a atençãopara se avaliarem a si próprios, pois, segundo a sua própria lei,todos pecavam.

As pessoas que ouviam William ficavam cada vez maisimpressionadas com a sabedoria que demostrava, mesmo sem seesforçar para tal, quando ele falava sobre qualquer assunto que

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fosse posto em discussão. Parecia um sábio oriental, daquelesque só se viam em filmes. Ele, por sua vez, rebatia sempre que a

sabedoria é como o ar que respiramos, está em toda a parte,bastando apenas que queiramos respirá-la e absorvermos os seusbenefícios, como o fazemos com o oxigênio que permanecedentro de nós.

Estava em uma faze muito harmônica na prisão. Pouco apouco, os detentos haviam se aproximado dele e o reconheciamcomo alguém que lhes inspirava profunda paz e confiança. Foino meio de uma dessas ocasiões, que os guardas vieram buscá-lo. Ele se levantou e foi junto com eles se encontrarem com odiretor da prisão. Foi deixado pelos policiais na sala de Belchior,que o aguardava sentado à sua mesa.

 – Olá, meu querido irmão! Que prazer em revê-lo. Esperoque estejas bem!  – Disse o diretor, com um pretenso ar casual.

 – Sim, meu irmão. Encontro-me muito bem, obrigado.

Belchior fez uma pequena pausa e juntou as mãos, como sefosse fazer uma prece. Era um gesto que sempre fazia, antes defalar algo que achava muito importante. Pensava que assim,podia convencer as pessoas da seriedade com que falava.

 –  Veja bem, meu querido, resolvi conceder-lhe o que me

pediu, na última vez que conversamos. Só não tive tempo decolocar o lugar, o qual havia me solicitado, em condições maisaprazíveis para sua permanência nele. Porém, preocupado com asua necessidade que manifestou em nossa conversa, decidi lheconsultar se aceita ir para lá, agora. Caso contrário, se desejar,posso tentar dar um jeito de reformar o lugar para daqui há,digamos... Uns dois meses. Então, o que me diz?

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William olhou para ele e deu um sorriso discreto. Em seusolhos não havia um traço sequer, de qualquer reação emocional

ou escárnio, que fosse. Aquele sorriso, porém, deixou Belchiorextremamente desconcertado. Como se aquele homem tivesseadivinhado o estratagema, que ele havia bolado. É claro, que odiretor do presídio não estava preocupado com as necessidadesde Shaw. Muito menos, tencionava fazer melhoria alguma nocômodo da solitária. O que queria, na verdade, era evitar queaquele detento tivesse contato com algum integrante do grupo

que visitaria sua prisão. Era uma jogada de mestre, pensava ele.Atenderia ao pedido de Shaw e ainda conseguiria seu intento. Éclaro, que William não poderia adivinhar suas intensões. Comopoderia saber, por exemplo, sobre o evento que estava paraacontecer ali, quando vários irmãos da cúpula de sua ordemestariam bem próximos a ele naquele lugar.

 – Eu lhe agradeço muito por sua ajuda, meu irmão. Prometo

que não lhe trarei problemas, de qualquer espécie. Os caminhosde nosso deus são indecifráveis para nós, na maioria das vezes.Mas tenho certeza, que os seus caminhos estão sendoabençoados, abundantemente, por ele e vou rogar por você emminhas orações para que no momento exato, você possa estarpreparado para atingir o propósito maior, que, apesar de noinício, você não conseguir compreender, lhe será de imensafortuna.

Belchior deu um daqueles sorrisos que se dá, quando nãocompreendemos bem o que nos dizem, mas temos a certeza deque o que ouvimos foi sincero e benéfico. William levantou-sede sua cadeira e estendeu a mão, para lhe dar o cumprimentosecreto de sua ordem. Aquela era uma das vezes em que osmembros de sua ordem se reconheciam e se cumprimentavam

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com suas mãos, no grau e com o gesto relativo a ele, dando sinalde apreço e boa vontade. Belchior conduziu-o até a porta e o

entregou a companhia do guarda, para que este o levasse devolta ao seu destino. Depois, se sentou em sua cadeira e ficoumeditando sobre as palavras de Shaw. Não... Ele não poderiasaber de nada. Tudo o que disse foi para agradecer-lhe pelogesto que Belchior praticara, pois, pensava que lhe estavafazendo um grande favor. Chamou sua secretária e lhe deuordem para que o novo destino de William fosse registrado no

mapa, que demostrava a localização de todos os presos noprédio. Em seguida, chamou o comandante da guarda e lhe deuinstruções para que fizesse a troca de celas, o mais rápidopossível. Agora, era só preparar a recepção para a comitiva queviria e receber os parabéns, referentes ao seu sucesso. Sim...William Shaw estava certo. Estava prestes a trilhar um grandecaminho, pensou.

Taís passeava pela rua do centro, olhando as vitrines das lojasque passavam a sua frente. Usava um vestido de viscose fina, nacor vermelha, que deixava perceber suas formas generosas paratodos os homens que, sem terem como evitar, paravam para

olhar para trás e admirá-las. Sua beleza era algo natural.Pertencia aquele grupo de mulheres que, vestissem o quevestissem, ficavam estonteantemente belas e sedutoras. A coraveludada de sua pele, os cachos castanhos claros, seu rosto,como o de uma menina levada, tudo isso, lhe dava uma armapoderosa, para encantar qualquer homem que quisesse. Já nemse importava mais, com os olhares que sempre a cercavam. Para

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ela, isso havia se tornado uma coisa muito natural, comorespirar, por exemplo. Também não ficava mais atraída por

qualquer homem que passasse a sua frente. Desde que conheceraBelchior, o fogo do amor que sentiu por ele acabou ofuscandoqualquer imagem masculina que lhe aparecesse, por mais belaque fosse. Isso tudo deveria ser o suficiente para que fosse muitofeliz, mas não era isso o que ocorria. Sentia-se, cada vez mais,como um enfeite de mesa que, apesar de embelezar a vida de seuamado, não passava de um objeto de que ele se agradava muito.

Já havia recebido várias promessas dele, declarando seu amorpor ela e sua futura permanência ao seu lado, logo que sedivorciasse de sua mulher. Mas à medida que o tempo iapassando, mais distante esse sonho ia se tornando possível paraela. Agora, ele resolveu ser grão mestre da ordem! Pensou ela,remoendo suas angústias. Mesmo depois de ter conversado comela a respeito de se afastar da parçonaria e dedicar mais tempoao seu romance. Não aguentava mais. Estava levando uma vida

que era resumida em: “casa, motel, motel, casa.” Mas o medo deperdê-lo, a fazia refrear sua língua. Iria tentar, mais um pouco.

 –  O amor, muita das vezes, se torna uma maldição.  –  Pensou, em voz alta.

Parou em uma das lojas de roupas por que passara e comprouum vestido. Era uma roupa que lhe daria uma aparência sóbria,

mas atraente, do jeito que seu amor havia lhe pedido. Deveriacomparecer na visita ao presídio, a pedido dele. Ele sempresolicitava sua presença em eventos como aquele e ela sabia oporquê. Assim como os políticos, homens de sucessocostumavam colocar mulheres bonitas em seus eventos para, oudesviar a atenção do que eles não queriam que o grupo visse, ouabrilhantar o evento, com uma presença agradável aos olhos.

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Na cadeia, a vida continuava quase do mesmo jeito. Algunsdetentos ficavam procurando um jeito de fazerem uma defesa

melhor, no judiciário, lendo livros sobre direito e tentandoajudar seus advogados com uma solução que, só eles poderiamter notado. Achavam que por serem os principais interessadosno processo, teriam motivação suficiente para enxergar coisasque os doutores da lei não conseguiam. É verdade que, algumasvezes, isso realmente acontecia. Afinal de contas, quem estavapreso sentia muito mais motivação do que quem dormia todos os

dias em casa, com sua família e se divertindo nas ruas, no finalde semana. Outros, que já tinham seus processos transitados em  julgado, procuravam cuidar de seus corpos, na esperança desaírem em condições de aproveitar um pouco a vida, quandosaíssem dali. A frequência destes, nas academias improvisadasque existiam na cadeia, era constante. Havia também, aquelegrupo que entrava em depressão e se enchia de drogas ou álcoolque, apesar de serem proibidos em presídios, sempre estavam

ali, ao alcance de quem quisesse. No meio de toda essadiversidade, todos tinham um problema em comum: a família,que muita das vezes, abandonava o preso a sua própria sorte.Não se podia condená-la. Afinal, continuar apoiando umfamiliar preso, durante anos, era quase como cumprir pena comele. Principalmente as mulheres, acabavam por achar alguém, láfora, que se prontificava em cuidar delas e as convencia de quedeviam mudar suas vidas, até mesmo por causa dos filhos, queera a preocupação da maioria. Claro que estamos falando aquide uma grande minoria de mulheres, mas que é o suficiente, paraarrasar qualquer cabeça de um detento. O sistema pregava quesua intensão era reintegrar o preso à sociedade. Mas isso era,como todo o resto de seu discurso, uma grande mentira. Nãofosse a constituição, que garantia a todos direitos a dignidade,

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todos seriam colocados em algum lugar, bem fundo, nosubterrâneo e esquecidos. Alguns presos não conseguiam

suportar essa pressão e era nessa ora que muitos problemasterríveis ocorriam dentro da cadeia, como brigas e discussões.No meio de todo esse caos, William Shaw sempre conseguiumanter o seu equilíbrio. No início foi “violentado”, várias vezes,pela violência que fervia na prisão. Mas aos poucos, todoscomeçaram a admirá-lo e mesmo a procurá-lo, como umamariposa é atraída pela luz. Quando a notícia de que ele iria para

a solitária chegou aos corredores, uma rebelião quase estourouna prisão, só não acontecendo, pela intervenção do próprioWilliam, que declarou a todos o seu desejo de ir para lá. Atransferência aconteceu de forma tranquila, apesar dos guardasrequisitarem um reforço de policiamento para a ocasião. Ospresos, porém, exigiram que pudessem estar com ele, pelomenos um dia da semana, como se precisassem se confessarcom um “padre”. E o “padre” era William.

William Shaw se alojou bem, na solitária. Não ligava para omau cheiro, ou pelas paredes com mofo, pois com isso, ele jáconvivera em sua última cela. O silêncio daquele cômodo eracomo uma melodia, serena e agradável, para ele. Por algummotivo que não compreendia, até a comida era melhor da queantes lhe era entregue. Claro, que isso era por causa de umatática do diretor da prisão, que desejava mantê-lo lá, a todo

custo. Belchior escolheu as segundas-feiras, para que os outrosdetentos fizessem “suas confissões”, de forma ordeira eagendada. Os grupos de evangélicos e católicos procuravam nãocomentar a respeito do fato, pois dessa maneira, todos viveriamem paz, com aquela realidade. Ter um “santo milagreiro” por perto, não é motivo de sossego para ninguém, que prega oscaminhos ortodoxos para se atingir o céu.

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William progredia muito, em sua busca por iluminação. Àmedida que o tempo passava, atingia mais rápido os planos

dimensionais, aos quais desejava atingir. Sua compreensão douniverso também andava a passos largos. Já não sentia mais anoção do plano em que se encontrava. Havia conseguido atingirum condicionamento esotérico tal, que a ligação entre os planosespirituais ficava cada vez mais estreita, de um para o outro.Como se apenas precisasse atravessar uma porta aberta, paraalcançar cada realidade. Sua vidência também havia se

estendido. Colocava em prática o que aprendera, certa vez, como Caibalion. Um documento antigo, que fora extraído da pedrade esmeralda, legado ao qual todo estudante de alquimiadedicava-se a estudar. Tal documento falava sobre as leisuniversais que ditavam a essência do nosso universo. Muitas dasleis científicas foram, na verdade, copiadas das leis básicascontidas neste documento. Como por exemplo: A lei darelatividade, desenvolvida posteriormente, por Isaac Newton,

que foi um grande estudante de misticismo e membro de umaordem secreta.

O estudante esotérico, seja lá a que ordem secreta pertencesse,não podia avançar em seus estudos sem dar atenção a essespreceitos e tentar dominar a sua prática. Por esse escrito,William havia entendido que o universo é uno. Tudo é umacoisa só. Tudo está conectado. Podemos pensar sobre isso,

usando uma analogia que não chega nem a ser aproximada como que isso é. Tomaremos, para tanto, uma dos milhares dasbactérias que habitam nosso corpo. São seres vivos e que têmvida própria. Alimentam-se, desenvolvem uma determinadatarefa, se reproduzem, morrem e se, por acaso, tivessem umapercepção do seu universo arredor, como nós a temos do nosso,talvez jamais se dessem conta de fazerem parte essencial de um

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extenso universo, que neste caso, seria formado por um corpohumano. O qual, por sua vez, faz parte de um outro universo

maior, do qual também não possuímos a percepção exata. Quempoderia afirmar que também não habitamos em um corpo vivo?O qual também teria uma interdependência conosco? Seolharmos, por um momento, para a configuração de um átomo,poderemos notar a similaridade que tem com um sistema solar,o qual também possui um corpo central, rodeado por outroscorpos menores, que circulam na sua órbita, em uma elipse

perfeita e constante. William havia se libertado de todos osconceitos causados pela percepção errônea, com a qual somosensinados a conceber nosso universo. Talvez fosse isso, o que ogrande mestre Jesus tentava nos ensinar, quando dizia: “Aqueleque quiser vir após mim, que se negue a si mesmo, tome a suacruz e me siga. Quem quiser ganhar a sua vida, perdê-la-á, equem perdê-la por causa de mim e do evangelho salvá-la-á.(marcos- oito- 34,37). Certamente, o mestre não falava da vida,

como a conhecemos e sim como uma fase do percurso que nossavida terrena compõe dentro da jornada de nossa evoluçãoespiritual. Em algumas vezes, dizia: ”Quem tiver ouvidos paraouvir, que ouça”. Mencionava isso, pois sabia que algunspoucos que ali estavam, entendiam o verdadeiro significado desuas palavras. Eram pessoas que já haviam surgido no mundocom uma percepção diferente sobre o universo, como um todo.A maioria das pessoas faz planos para seu futuro sem nemmesmo saber se estarão vivas, daqui a um segundo. A mortefísica, apesar de ser um fato inevitável, e que todos conhecembem, nunca é considerada ou entendida, pela maioria daspessoas, da maneira correta. A maioria dos cristãos, porexemplo, apesar de almejarem a vida eterna, nos céus, com osanjos, vivendo em corpos incorruptíveis e tendo o benefício da

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vida eterna, não desejam morrer, que seria o requisitoobrigatório para receberem o paraíso. Ficam muito tristes

quando alguém de seu meio falece, por mais preparadaespiritualmente que aquela pessoa pudesse estar, para atingiresse objetivo divino. Isso acontece, por que não se desligaram,na verdade, do valor dado às coisas no plano material. Isso nãochega a ser um sacrilégio. Faz parte da natureza a que estamosligados e foi incentivado, em quase todas as culturas do mundo,para que fosse desse jeito.

Durante milênios, as religiões foram criadas pelos homens, nasua grande maioria, por causa do controle de massa que elaspodiam proporcionar a quem se colocasse no lugar de umadivindade ou mesmo, que se intitulasse seu enviado. Quandoalguns líderes entenderam que poderiam usar esse artifício paraconduzirem o resto das pessoas para o caminho que mais lhesbeneficiassem, criaram entendimentos fantasiosos, muita das

vezes, usando conceitos verdadeiros, que, após deturpá-los,serviram como uma espécie de droga, que entorpeceu e desviouo homem de seu verdadeiro caminho.

É importante fazermos uma distinção entre fé e religião. A féé justamente o oposto de tudo que dizemos a respeito do apego acoisas materiais. Como o apego à vida terrena e o desprezo peloamor. É impressionante, a capacidade que tem a religião para

mascarar os preceitos de fé, que vários avatares, legaram emdiversas regiões e épocas neste planeta. Uma religião pode, aomesmo tempo, pregar o amor incondicional ao seu próximo emesmo assim, ser intolerante com ele, caso não siga os dogmasditados por seus líderes. A igreja católica, por exemplo,desencadeou, séculos atrás, uma verdadeira cassada a pessoasque discordavam de seus dogmas e preceitos. A Santa

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Inquisição foi um instrumento usado pelo poder daquelainstituição para perseguir, torturar e queimar na fogueira, todos

aqueles que, por algum motivo, ameaçassem o controle queconquistaram através do tempo em que se tornaram“legisladores da fé.” Milhares de pessoas morreram no mundotodo e essa mancha não conseguiu ser apagada do livro dahistória da humanidade.

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CAPÍTULO V

A rotina na loja esotérica de Belchior continuava normal.Naquele momento, aquela casa preparava-se para iniciar umnovo irmão parçônico. Todos os preparativos haviam sido,

criteriosamente, colocados no dispositivo ritualístico e lá fora, ofuturo irmão esperava ansioso, para dar inicio ao seu ingresso naordem. Era um homem de meia idade, executivo, possuía umnível de instrução elevadíssimo, que incluía, entre outras coisas,dois doutorados. Havia viajado por vários países e suaexperiência profissional na área de ações da bolsa de valores eraincontestável. Seu padrinho, o presidente da loja, o conhecia haum ano. Desde que ele soubera que o mesmo pertencia àquela

ordem, demonstrara o desejo de ingressar nela. A iniciação era oprimeiro passo ritualístico, para o ingresso em uma instituiçãodaquele tipo. Mas isso não era privilégio das ordens esotéricas.Em vários segmentos, inclusive religiosos, a iniciação assumiaoutros nomes como, por exemplo, batismo, fazer a cabeça, etc.Muito já se falou a respeito desse ato. Na verdade, o real sentidodessa palavra se perde na noite dos tempos. Mas para que se

entenda algo a respeito disso, é importante que se leve emconsideração que esse ato significa o fim de um estado de umser, para o início de outro. Principalmente no oriente, essaprática é mais comum entre aqueles que desejam abraçar umestado de espírito em que haja equilíbrio. Cada ordem, oureligião, tem seu próprio modo de iniciar alguém, mas todasensejam o mesmo objetivo: sinalizar, através de um ritual, que

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aquele homem está se prontificando a passar por umametamorfose, uma mudança. Felipe, o novo iniciando, passaria

pelos testes e ditames, que estavam em sua ordem há séculos.Ele havia tentado se preparar para o que ia acontecer,pesquisando na internet e em livros esotéricos, mas nada poderiaauxiliá-lo no que pretendia, por uma razão muito simples: Cadainiciação é única. Distingue-se, de acordo com cada um que aexperimenta. Ele não sabia ainda, mas iria experimentar algosingular, que jamais se repetiria de novo no universo: Sua

iniciação. Assim como os religiosos, o verdadeiro progresso econseguinte sucesso, no caminho daquele que pretende atingir aperfeição, dependem unicamente dele, de sua atitude espiritual ede sua real vontade de anular a si próprio, em detrimento de umaascensão espiritual. Não existem mestres ou amuletos, nem, tãopouco, uma poção mágica, que possa fazer com que alguémconsiga ter sucesso nesse caminho, pois somente o próprioindivíduo poderá ser o responsável por isso. Assim como no

budismo, cada indivíduo tem liberdade para expandir sua mente,segundo o caminho que escolher. Buda afirmava que tudo estavaardendo, ou seja, tudo estava vibrando, emitindo energiamagnética. Tudo tinha ligação com nosso ser, através de umafrequência universal, que era responsável pela homogeneidadedo todo. Jesus Cristo, ao se encontrar com João, o batista, fezquestão de ser batizado por ele, apesar de já ter sido reconhecidopor sua luz. Isso nos mostra o valor do rito inicial, que não teriaespaço dentro da ritualística centenária dessas instituições, senão fosse importante.

Felipe estava de pé no centro do salão quando, depois depassados os momentos ritualísticos de praxe, foram dadas a eletodas as oportunidades de refletir a respeito do que estava porabraçar, dali por diante. Assim como a opção de cancelar seu

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compromisso, antes de ser ordenado. Como ele declarou seudesejo de continuar com a cerimônia, foram completados todos

os pormenores ritualísticos e aí então, o mais novo irmãodaquela casa já era saudado por seus companheiros com ossinais secretos que ele acabara de aprender. Durante acomemoração do evento, Belchior foi ter com ele paraparabenizá-lo. Saudou-lhe da forma ritual e sempre rindo,puxou-o para a mesa, onde estavam os drinques.

 –  Estou muito contente por poder conhecê-lo em umaoportunidade tão especial, meu querido irmão Felipe. Fiqueisabendo de seus dotes acadêmicos e profissionais e resolvi lhefazer uma proposta. Fez uma pequena pausa, para um gole dabebida que havia servido para Felipe e para si e depoiscontinuou. Como já deve saber, serei, em breve, o futuro grãomestre, e devo escolher uma equipe de irmãos para me apoiarem minha administração. Pensei em convidá-lo para tratar da

pasta de finanças, pois como já tem ampla experiência emnegócios monetários, achei que seria a pessoa certa para assumiressa função. E então, o que me diz?

Felipe olhava para Belchior com um misto de espanto e dedesconcerto. Nem mesmo havia aprendido, ainda, o” b a ba” desua ordem e já havia sido convidado para assumir um dos maisaltos cargos em sua administração. Pensou em recusar aquela

oferta, mas depois de refletir, resolveu ganhar tempo paradecidir o que fazer, sem causar uma má aparência, logo no iníciode sua jornada ali dentro.

 –  Posso pensar um pouco, sobre o assunto? Hoje o dia foimuito agitado e ainda não pude me recompor de todo esseprocesso.  –  Respondeu ele a Belchior, com um sorriso

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modesto.

 –  É claro meu amigo!  –  Disse Belchior, abraçando-o denovo.  – Fique bem à vontade! Mas tenho certeza de que vocênão irá recusar uma oferta como esta. Afinal, está escrito na suacara que você nasceu para brilhar e brilhar muito!

Felipe retribuiu o agrado com um sorriso. Queria falar comalguém sobre sua dúvida, mas teve medo de ser malinterpretado. Havia procurado aquela ordem por sua fama, como

uma ordem de princípios firmes e honrados. Em seu íntimo, nãoachava correto exercer um cargo daqueles, sem terconhecimentos, principalmente culturais, da ordem. Afinal decontas, devia saber o como, o quando e o porquê, administrar asfinanças de uma instituição tão importante. Como saber o quefazer, quando não tinha ainda noção do por que fazer? Resolveudeixar o tempo passar e como todos diziam ali, deixar o sersuperior, que tudo sabia, tomar conta daquele assunto. Dessaforma, estaria em consonância com o que entendia ser a políticacorreta de um bom parçom. O tempo passou e Felipe foiaprendendo muito a respeito da ordem, a qual tinha ingressado.Mas ao se defrontar com outras situações, como a que vivencioucom Belchior em sua iniciação, decepcionou-se e abandonoutudo aquilo. Ele não poderia encontrar o que estava procurandoem uma instituição ou com algum “mestre maravilhoso”, mas,

como foi dito antes, não existe nenhum mestre que possa serresponsável por sua evolução. É você que deve fazer seu destinoacontecer, da maneira correta. Pois essa foi a dádiva maispreciosa que Deus nos deu: O livre arbítrio. 

Bezerra estava reunido com os fiéis que faziam parte dacongregação evangélica do presídio. A reunião era realizada

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todas as segundas-feiras, para tratar de assuntos administrativosdaquela igreja. Sempre faziam constar em ata, todas as pautas

que eram solicitadas pelos seus integrantes, durante a semana,quando realizavam os cultos na quadra de esportes da unidade.Eles haviam se cotizado para transformar a quadra em umambiente, cada vez mais parecido, com um templo evangélico.As paredes foram pintadas e decoradas com motivos cristãos, ochão da quadra também havia sido pintado com tinta resistente evários bancos trabalhados em madeira, foram posicionados em

seu centro. Em uma das extremidades do retângulo da quadra,foi colocado um tablado de concreto, onde havia um púlpito evários instrumentos musicais, que faziam o acompanhamentodos hinos entoados durante as cerimônias. Os cultos haviam sidoresponsáveis pelo consolo espiritual de uma boa parte do efetivodaquela prisão, tendo em vista, a situação de desespero queassolava os policiais, logo após seu recolhimento àquele lugar.

Bezerra havia sido consagrado pastor, durante a sua estadia naprisão. Tinha sido condenado a 20 anos de cadeia, pelo crime dehomicídio. Era um dos homens que, no passado, trabalhaou nogrupamento tático de sua unidade e diversas vezes, foi elogiadopor sua corporação com comendas de bravura e destemor, porter sido bem sucedido em operações policiais contra o crimeorganizado. Em uma dessas ocasiões, quando trocava tiros comtraficantes de drogas em uma determinada comunidade, uma das

balas que saíram de seu fuzil, acertou uma menina de seis anosde idade, ocasionando sua morte instantânea. O judiciário julgouo fato como crime doloso e mesmo todas as suas comendas, nãoforam o suficiente para fazer com que sua corporação omantivesse em suas fileiras. Após o processo administrativofeito pela polícia, ele foi excluído da corporação e só não foienviado para um presídio civil, junto com marginais que ele

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mesmo havia mandado para lá, por causa de uma liminarconseguida por seu advogado, junto ao tribunal de justiça do Rio

de Janeiro, a qual alegava que sua vida não estaria segura nomeio daqueles facínoras. Considerava-se abençoado por Deus,pois nem todos conseguiam que um recurso como aquele fossedeferido por um magistrado. Foi aí que, emocionado por suabenção, resolveu dedicar sua vida a causa cristã, levando o seutestemunho como um emblema do poder de Deus na vida dohomem. Ele era um homem sóbrio e correto, portador de um

grande nível de discernimento.Mas naquele dia, não haviam pautas a serem discutidas na

reunião. Não porque não houvessem necessidades a seremprovidenciadas, mas porque um assunto considerado de extremaimportância devia ser debatido e a respeito dele, ser tomada umaprovidência: William Shaw. Cada vez mais, a procura poraquele detento aumentava dentro da prisão. Já era do

conhecimento de todos, que ele pertencia a “uma daquelasordens secretas que trabalhavam para o demônio”. E isso erainadmissível para aquele grupo, que defendia a verdade absolutade sua crença. Para eles, qualquer outra ideia de fé deveria serrejeitada e combatida, pois era considerada um sacrilégio.Bezerra ouvia os discursos calorosos de seus colegas, comatenção. Mas em seu interior, lembrava-se da história que havialido certa vez, em um documentário, que falava sobre os

cavaleiros templários. Os cavaleiros templários foi um grupo demonges católicos, ordenados pela igreja, para tomarem contadas terras ocupadas no oriente médio durante as cruzadas. Essegrupo havia sido financiado por diversos nobres católicos quetinham interesses naquelas terras, para prepara-las para seremexploradas quando elas ficassem, totalmente libertas, dosmulçumanos remanescentes. Foi com muito sangue e esforço,

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que os templários conseguiram, durante muito tempo, protegeras terras e seus achados, que faziam parte integrante da cultura e

da religião de lá. Segundo aquele artigo, aqueles mongestiveram contato com documentos que tratavam de diversosassuntos místicos e filosóficos, assim como também sobre aciência da alquimia. Os alquimistas eram considerados magosna antiguidade e entre outras coisas, se ocupavam de assuntosmísticos, como transformação de metais em ouro e a vida eterna,representada pela lendária pedra filosofal, um utensílio capaz de

curar qualquer doença e ainda, de restabelecer a saúde do corpopara sempre. Se isso tudo era um mito, não se sabe. O que ahistória registra é que o rei francês Felipe, “o belo”, invejou ariqueza e o poder desses cavaleiros que, a essa altura, jápossuíam companhias de navegação e fortalezas, construídas poreles próprios, além das riquezas, que foram cobiçadas por aquelemonarca. O perverso rei, com o auxílio da própria igrejacatólica, convocou uma reunião global com todos os cavaleiros

templários e quando estes vieram para esse evento, foramaprisionados, torturados, e executados sobre a acusação debruxaria, de adorarem o demônio. Tal manobra, fez com que orei pudesse tomar as riquezas daqueles homens e sujar parasempre, sua honra e prestígio. Como alguns dos cavaleirosconseguiram fugir, antes de serem dizimados, a igreja e o poderda época, protagonizaram uma intensa perseguição aosremanescentes por todo o mundo e mesmo até hoje, osresquícios destes absurdos se refletem sobre a opinião popular, arespeito de todas as ordens que, como os templários, fazem usode conhecimentos que foram guardados em segredo e sãopassados apenas para aqueles que ingressam nestas ordens,buscando se aproximar desta cultura.

Bezerra acordou de sua reflexão com um chacoalhar em seu

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ombro.

 – E então, pastor! O que o senhor acha que devemos fazer? –  Eh... Sim! É claro! Eu... Bem, é evidente que a situação

merece toda a nossa atenção, porém, quero lembrar-lhes de queestamos em um presídio, onde vários homens encontram-se comseu emocional abalado e desesperados a respeito de seu futuro,do futuro de suas famílias. Acredito que devemos procurarsermos sábios, antes de tomarmos uma decisão que os afaste,

ainda mais, de nós. Dando para eles uma aparência de descaso, arespeito de seus sentimentos.

 – E o que o senhor acha então, que deveria ser feito, pastor?

Jorge disse a última palavra, como quem desejava lembrar aBezerra a sua responsabilidade como ministro de sua fé. Pois,não só ele, mas como todos ali, pareciam não ter aceitado, muito

bem, a suposição de seu líder. –  Tudo o que quero dizer, é que cabe a nós, enquanto

verdadeiros cristãos, procurarmos sabedoria no senhor e não nosapressarmos a julgar, a quem quer que seja. Devo lembrá-los,que nada acontece que não é da vontade dele. E já que, o queestá acontecendo não proveio de nossa vontade, devemos agircom cautela, antes de nos arriscar a nos colocar entre Deus e a

sua vontade. Além disso, não podemos julgar a ninguém, pois sóa ele pertence essa prerrogativa.

Bezerra era um homem sábio. Sabia como lidar com homens.Afinal, havia passado anos de sua vida, comandando pequenasfrações de tropa em operações onde, o controle daquele grupo,podia significar a vida, ou a morte. E essa, segundo sua visão,

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não era uma situação diferente.

 –  Irei ter com esse homem hoje, durante o tempo que ele sededica a atender os detentos. E de acordo com o que ele medisser, trarei uma proposta mais equilibrada, a respeito denossos próximos passos.

Sua decisão era sensata e por mais que os outros evangélicos,que ali estavam, não concordassem com ele, tinham que admitirque ele falara com propriedade. Todos assentiram e depois de

uma rápida finalização, seguiu-se a oração que encerrava todosos encontros. Bezerra saiu da quadra e se encaminhou para oandar onde ficava a solitária. Não sabia se teria oportunidadepara falar com William. Todas as segundas-feiras, muitos presosficavam sem conseguir atendimento. Chegou até o local de seudestino e ficou perplexo com o volume de pessoas, que alihavia. Calculou que, pelo menos, trinta por cento do efetivo daprisão estava ali. Entrou na fila e enquanto esperava sua vez,pôde ouvir de seus colegas vários relatos, a respeito dos fatosque os tinha levado até a solitária. Uns, juravam terem vindopara agradecer, por terem tido sucesso na solução de seusproblemas. Outros choravam, enquanto contavam o motivo deseu desespero. Eram problemas de família, de doença e deabandono, entre outros. Mas todos eram temperados por umadose extrema de depressão e de desespero. Bezerra teve sua

atenção voltada para porta, quando ela se abriu para darpassagem para o detento que acabara de ter sido atendido.Baixou a cabeça e consultou seu relógio. Pensou que seriamelhor desistir, pois evidentemente, não conseguiria umaaudiência naquele dia. Levantou a cabeça, pensando em darmeia volta, quando se deparou com o homem que fora atendido,em frente a ele.

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 – Ele quer que você seja o próximo.  – Disse o homem, coma voz tranquila.

Bezerra abriu a boca, mas antes que conseguisse falar algo, ohomem se retirou do andar onde estavam. Ele procurouorientação com o olhar, virando-se para os outros que aliestavam, mas logo compreendeu que o consenso era de que elese apressasse a entrar na solitária. Caminhou um tantodesconfiado para a porta, tentando entender o que tinhaacontecido. Não havia como William tê-lo visto lá de dentro emuito menos, que alguém o tivesse alertado de sua presença,tendo em vista que o cômodo onde estava era aprova de sons.Sorriu, quando a resposta saltou a sua mente: Deus havia lhedado o privilégio de ser sua vez. É claro. Havia presenciado umoutro milagre, o que lhe dava a certeza de que estava nocaminho certo. Entrou confiante na sala isolada, onde encontrouWilliam de cabeça baixa. Ele parecia mais magro do que da

última vez, que havia lhe visto. Começou a imaginar se estavadoente, ou a solitária havia lhe feito algum outro tipo demalefício, ou então...

 – Jejum.  – Disse William, levantando a cabeça.

Bezerra pensou não ter entendido o que ele disse.

 – Desculpe, não estão lhe trazendo as refeições regulares?

 – Eu quis dizer que estou fazendo repetidos jejuns, e esse é omotivo de eu estar mais magro.  –  Disse William, com umsorriso e convidando-o para se sentar.

Falava com o pastor daquela congregação, como se falassecom um grande e velho amigo. Seus gestos refletiam amor, boa

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vontade e serenidade, ao mesmo tempo. Ele não tinha umestereotipo de uma pessoa que estava tentando convencer

alguém. Muito menos de um bruxo malvado, que tentava ceifaralmas para o demônio. Pensou que se dissesse isso para Jorge,seu lugar tenente na igreja, ele certamente usaria uma frasemuito comum em seu meio: “O diabo é o pai da mentira, eleveio para matar, roubar e destruir”. Mas ele, Bezerra, apesar decrer também nisso, preferia considerar uma frase, nem tantousada: “Pelos frutos, se conhece a árvore.” Estava ali,

principalmente, para observar os frutos daquela árvore. Não seimportava com os ensinamentos dogmáticos que havia estudadoem seu seminário. Pensava em si mesmo como um cientistateológico, que buscava sempre a verdade. O primeiro ”fruto”que pôde observar foram as roupas de Shaw. Não seencontravam sujas, porém eram velhas e surradas, sem nenhumtipo de adorno ou adereço. Apesar do presídio onde estavam serum presídio militar, os presos tinham a liberdade de vestirem-se

como desejassem. Em razão disso, alguns, que eram maisabastados, andavam pelo complexo exibindo roupas de marcarenomada e até mesmo joias caras, como cordões grossíssimosde ouro. Pareciam querer mostrar a todos que apesar de estarempresos, não haviam perdido seu prestígio, nem seu respeito. Napolícia usar joias como essas, era muito comum e davam umamensagem muito clara, para quem as visse: “Eu sou o cara” erauma pretensão quase infantil, tendo em vista que, a grandemaioria que procedia assim, não tinha sequer, condiçõesfinanceiras para fazê-lo e se endividavam, com intermináveisempréstimos para manter aquela aparência. E o fato disso seruma atitude análoga a dos traficantes de drogas, nascomunidades carentes, tornava tudo muito mais ridículo einteligível.

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William olhava o visitante, direto nos olhos,parecendo querertransmitir-lhe com o olhar, todas as respostas que ele viera ali

buscar. A sua presença era algo agradável, para qualquer pessoa.Pensou se a presença dele, um dia, poderia ser vista assim,durante um culto público. Jesus, por onde passava, arrastavamultidões e todos o seguiam, simplesmente, porque eramatraídos pelo poder de sua presença. Muitos se justificavam,quando se falava disso, fazendo alusão à suas limitações,dizendo: “Ah! Mas ele era o filho de Deus!” Parecem

esquecerem-se de que, para que o sacrifício do mestre fosseválido, ele tinha que estar na condição terrena de um homem.Diferentemente de alguns mitos na história, ele se fez criaturahumana para mostrar a todos: “Ei! Vejam! Sou só um homemagora, mas, mesmo assim, estou fazendo tudo isso! E se euposso, vocês também podem” a condição humana era sempre amelhor desculpa para as pessoas justificarem suas limitações.Buda, por exemplo, foi um homem que conseguiu sua

iluminação e era apenas um ser humano. Parece que todos osavatares, semideuses, híbridos ou não, desejavam transmitir,mesmo de maneiras diferentes, a mesma mensagem.

 –  Você é um homem muito sábio, Bezerra!  –  Disse, seuanfitrião.

 –  Estou muito feliz, por ter vindo. Pode não saber ainda, mas

nossos caminhos estão intimamente interligados. Espero que, oquanto antes, possamos comungar do mesmo sentimento etambém, do mesmo objetivo.

 – Bezerra respondeu de pronto:

 – E qual seria esse objetivo, meu querido amigo?

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 – Você o saberá, no momento oportuno. Não é verdade, quetodas as coisas acontecem segundo a vontade de Deus? Então

você não tem com o que se preocupar, não é?

Bezerra soltou um pigarro do fundo da garganta e mudou deassunto.

 – Vejo que a multidão que o procura cresce, a cada dia. Deveestar feliz por isso, não é mesmo?

 – Você o disse muito bem. O fato é que essas pessoas teimamem me procurar, apesar de nunca lhes ter feito nenhum convite,ou tentar convencê-los de nada. E isso só me faz feliz, quandoconsigo ajudar a alguém, que vem me procurar.

 – Então, existe chance de que alguém não consiga encontraro que buscava, quando entra aqui?  – Perguntou Bezerra, comar de gracejo.

Perguntou isso, com o intuito de questionar se o “guru” dacadeia era infalível, ou então, era um charlatão. Já havia vistovários “gurus” em sua vida e todos com que tivera contato, eramna verdade, charlatões que queriam tomar o dinheiro de pessoasaflitas com seus problemas. Faziam-nos acreditar que o gurutinha poderes de vidência e talvez de cura e após tomar-lhes odinheiro, os dispensavam, prometendo maravilhas que viriam no

futuro.

William sorriu novamente e lhe perguntou:

 – Não sei, mas talvez, você possa responder a isso. Você veiome procurar, não é mesmo? Por acaso conseguiu encontrar oque queria?

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Belchior engoliu em seco. Foi uma das pouquíssimas vezesem sua vida, que ficara sem ter o que responder, ao ser lhe feito

uma pergunta. Realmente, era fato inegável que ele estava alipor sua própria vontade. Como William disse no início daquelaconversa, ele não havia o convidado ou tentado convencer anenhuma das pessoas que tinham vindo ali para vê-lo. Bezerraestava em xeque. William continuava sorrindo para ele, damesma maneira de que no início. Sem deboche, ou qualqueragressividade.

 – Não sei... Ao certo.  – Disse o pastor.

 – Entendo! Bem, então só me resta me desculpar, por não tersido capaz de ajudá-lo. Porém, se quiser tentar de novo, porfavor, não se acanhe em me procurar novamente. Como já lhedisse, apesar do senhor não saber, nossos destinos estãointerligados. E Logo, poderá ter a confirmação disso. Por favor,peça ao próximo que entre, sim?

Bezerra pensou em continuar a conversa. Mas, em seu íntimo,sabia que devia ir embora. De alguma forma, tudo que poderiaser dito havia se esgotado naquele momento. Mesmo forçandosua mente para que achasse uma forma de ganhar tempo, tudo oque conseguia pensar, é que deveria ir embora e aguardar outromomento, o momento certo, em que algo realmente tem lugar

dentro do tempo e do espaço, para que os seres humanosfizessem o que deviam, onde deviam e da maneira que deviam.Apertou a mão que William havia lhe oferecido e apósagradecer-lhe por tê-lo recebido, saiu da sala e voltou para suagaleria, depois de avisar para que o próximo da fila entrasse.Aquilo era constrangedor. Sentia-se frustrado por não terconduzido a conversa da maneira que intencionara, antes de

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encontrar aquele homem. Estava acostumado a controlarsituações como aquela. Como explicar o que havia ocorrido,

sobretudo, quando se encontrasse de novo com seuscompanheiros na igreja. Após alguns momentos de reflexão,decidiu deixar todas suas dúvidas nas mãos do senhor Deus.Pois segundo sua fé, nada acontecia que não estivesse em seusplanos. E foi assim, que ele terminou aquele dia. Exercitando asua temperança e paciência, que achou ser a melhor dassoluções, naquele momento.

Taís havia chegado em casa tarde, naquele dia. Havia seencontrado com seu amante, para acertar os detalhes finais desua participação na visita dos parçons ao presídio. Belchiorhavia pensado em cada detalhe e chegou mesmo a anotar tudoem uma folha de papel, para que ela não se esquecesse de nada.Ele sempre fora muito detalhista e por vezes, isso a deixara umpouco desconfortável. Tomou banho e se deitou no sofá. Tinha

vivido os últimos dias, um tanto deprimida e isso não era umacoisa que considerasse normal para ela. Acreditava que a vidadevia ser vivida com toda a intensidade. Achava que ela era feitade momentos felizes e repudiava a ideia de ficar pensando emcoisas tristes, ou se preocupando demais com, o que quer quefosse. Sua vida não seguia mais esse ritmo. Lentamente, asituação foi se tornado insuportável. Vivia com confortomaterial, isso era inegável, mas só o conforto material não

bastava. Precisava recuperar a vida que tinha antes. Era como sefosse prisioneira de si mesmo, e apesar de não querer, se tornarauma carcereira perversa e intransigente de si mesma. Já tinhaouvido falar desse tipo de relacionamento moderno, que aospoucos fazia desaparecer a autoestima, a individualidade e afelicidade. Só nunca imaginara que isso pudesse acontecer comela, tão cobiçada que era por muitos homens, que lhe dariam o

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mundo, se ela os pedisse. Deixar seu amante ficava, cada vezmais difícil, quase impossível. Retomar sua vida de antes,

impraticável. Restava apenas, se deixar levar e aproveitar asmigalhas de satisfação que, por vezes, ainda conseguiam tornarsua existência possível. Sabia que um dia, de um jeito ou deoutro, algo iria acontecer. Afinal de contas, nada é eterno. Tudoum dia acaba passando. Caiu no sono, quando a noite chegou esonhou com sua vida feliz e ativa, do jeito que era antes.Passeava por um jardim repleto de flores, lindas e exóticas. O

sol brilhava com intensidade e o céu era de um azul muito vivo.As poucas nuvens que flutuavam, pareciam emoldurar aquelapaisagem, que impressionaria a quem quer que a visse. Ficouassim, a andar por aquele paraíso, sem se preocupar com otempo, ou com qualquer dessas besteiras, com as que oshumanos costumam desperdiçar seu tempo, durante suas vidas.Nunca se sentira tão bem. Parecia fazer parte de todo aqueleparaíso, como se ela e aquilo, fosse uma coisa só. Muita das

vezes, quando sonhamos, fazemos, na verdade, uma viajemastral para outro plano. Por isso é que quando isso ocorre, temosa sensação de termos nos sentido tão bem, naquela ocasião.Deu-se conta de que não havia mais ninguém ali com ela equando tentou procurar por alguma pessoa que pudessecompartilhar consigo de seu bem estar, pôde ver um pequenocercado de madeira branca, ao longe, como se fosse um pequenocemitério particular, para onde começou a se dirigir e só não oalcançou, porque seu sono foi interrompido pelo barulho quevinha dos carros na rua, onde ficava sua casa. Que pena!Pensou. Trocaria toda sua vida por um sonho como aquele,contanto, que ela não acordasse, nunca mais.

Os preparativos para a visita estavam concluídos. Belchiorpasseava pelos corredores do presídio, se certificando de que

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tudo havia sido feito conforme havia determinado. As paredesforam pintadas, os banheiros foram limpos e concertados e o

estacionamento foi capinado e pintado. Em sua caminhadaconversava com um, ou outro acautelado, para lhes dar ciênciado que iria acontecer no dia, em questão e solicitar-lhes umcomportamento adequado. Tudo estava de seu agrado. Iariscando na sua lista os itens que conferia, durante sua inspeção.Em sua opinião, não bastava mandar fazer. O administradortinha que checar, pessoalmente, se suas determinações haviam

sido cumpridas, da forma que as passara. Já pensava em voltarpara seu escritório, quando viu a porta que dava acesso àsolitária. Lembrou-se, então, de William Shaw. Não havianenhuma placa dizendo “solitária”, em cima daquela porta e porisso mesmo, quem a visse, não teria sua atenção despertada paraaquele cômodo, mas mesmo assim, resolveu inspecionar aqueleitem, que não havia relacionado em sua lista. Parou em frente àentrada e ficou imaginando se aquele detento se importaria de

falar com ele, uns minutos. Já tinha sido informado sobre ogrande efetivo que o procurava nas segundas-feiras, mas issonão o preocupava, pois a visita seria numa quarta e tudo estariadentro da rotina do presídio, então. Enquanto tentava se decidir,a porta abriu-se e a voz de William se fez ouvir, convidando-opara entrar. Ele entrou naquela sala e viu seu irmão sentado, naposição de lótus, com o peito desnudo e todo o corpo suando.Deixou de prestar atenção naquele homem e passou a reparar asparedes daquela solitária. Se, por acaso, algum dos visitantesfosse atraído para ali, aquela imagem desagradável poderiaestragar todo o conjunto das pequenas reformas que havia feito,no resto do prédio. Além disso, tudo ficaria pior, quando elessoubessem que aquele homem era um integrante de sua ordemsecreta. Na ordem parçônica não havia a condição de ex-parçon.

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Todos eram, de alguma forma, escolhidos, para se tornarem umdos seus membros. E acontecesse o que acontecesse, o

tratamento àquele integrante deveria ser o mesmo, ao queestivesse em situação regular. Abriu a sua boca para falar algocom ele, mas foi cortado pelo detento.

 – Não se preocupe, meu querido irmão. Fiz um juramento denunca revelar minha identidade parçônica, e isso será mantido,quando nossos irmãos aqui estiverem, porém é só o que possolhe prometer. Pois as engrenagens do destino foram colocadasem marcha e tanto nós, como outras pessoas também, deverãoocupar seus lugares nesta engenhosa máquina, que o ser divinopôs para funcionar, desde que nossos caminhos se cruzaram.

Belchior não ficou muito assustado com aquela declaração.Na verdade, já esperava alguma coisa do tipo, quando ali foiconvidado a entrar. Em todos os encontros dos dois, algo denovo acontecia. Ainda não tinha entendido o que havia deestranho entre eles, mas sabia que devia ser, cada vez mais,diplomático, ao lidar com aquele “problema”, ainda mais agora,que ele estava para assumir aquele cargo. Sentou-se próximo deWilliam e disse:

 – E como vai o meu querido irmão? E sobre sua iluminação,tem feitos progressos? Será que posso fazer alguma coisa mais,

para ajudá-lo? – Você já me deu tudo de que precisava. Na verdade, acho

que você deveria pensar em algo, que talvez pudesse auxiliar avocê próprio. Ou será que você não tem pensado nisso?

Belchior fingiu não ter entendido o sentido da pergunta.

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 – Acho que não sei do que o meu irmão está falando. Mas sepudesse ser mais claro, talvez eu conseguisse lhe dar uma

resposta a sua pergunta.

William baixou a cabeça e fez silêncio por alguns segundos.Por fim, encarou-o em seus olhos e começou a dizer:

 – Meu querido amigo, falo o que falo, pois se torna urgente aminha intervenção. Estamos passando por um processoextremamente melindroso, onde todos os detalhes devem ser

analisados com cuidado, tendo em vista, que envolvem ocomeço de uma caminhada para pessoas que vão interagir entreos planos existenciais, com os quais interagimos. Se uma coisamaior não estivesse em jogo, me calaria nas sombras e deixariaque o curso natural do plano em que vivemos agora, seguisseseu caminho. Mas como já lhe disse, outras pessoas estãoenvolvidas e seus desempenhos futuros, devem causar umavibração expressiva no cosmo. Acredito que, agora, eu tenhasido mais claro.

Desta vez, Belchior não conseguiu fingir normalidade, a maisuma fala estranha daquele homem. Aquilo já estava passando dolimite. Ele, porém, por querer entender melhor o que o outrodisse, arriscou:

 –  Por acaso, se refere a minha futura promoção, em nossaordem?

 – Meu irmão – disse Shaw – Não posso ser mais claro do queisso. Uma semente, ao ser colocada na terra, deve ser regadacom água suficiente para que cresça, pois se não, ela poderámorrer. Tudo que posso acrescentar a isso, é uma só palavra:INICIAÇÃO.

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O diretor do presídio ficou ainda mais perdido, do que jáestava. Sabia muito bem, o que era uma iniciação. Ou, pelo

menos, pensava saber. Mas o que tinha a ver esse ritual místicode sua ordem, com tudo o que ele lhe falara. Estaria falando desi próprio? Ou de outras pessoas de sua ordem? Lembrou-seentão de Felipe, o novo iniciado de sua loja. Mas, até mesmoesse fato não lhe trazia nenhuma definição, do que havia sidodito por Shaw. Ele então disse, forçando um sorriso:

 – Perdoe-me, meu irmão! Ainda não consegui entender o quedisse.

 –  Entenderá, assim espero, quando o momento chegar.Enquanto isso, guardarei você em meus pensamentos. Natentativa de que a luz possa alcançá-lo, a tempo. E que ouniverso esteja em acordo com suas intensões, no futuro.

Belchior desistiu de tentar entender aquele homem. Além

disso, não tinha mais tempo para desperdiçar com aquelas“baboseiras”. Tudo o que queria, já havia conseguido e agora,tinha certeza de que nada daria errado, quando a visitaacontecesse. Aos diabos, com William e suas maluquices. Eledevia ter ficado meio louco na prisão. De qualquer forma, issonão iria atrapalhar seus planos. Deixou o preso em sua cela,voltou para seu escritório e se encarregou, pessoalmente, de

encomendar as bebidas e os coquetéis para servir aos seusconvidados. Pediu o que tinha de melhor, para seu coquetel.Afinal de contas, o evento merecia ser finalizado com “chave deouro”. Ao término do expediente, foi para casa e descansou deseu dia no trabalho. Em sua casa, após o jantar, sentou-se emsua poltrona e passou a ler o jornal, que era publicadomensalmente, com notícias referentes à parçonaria. Desejava ver

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se algo, a respeito sobre sua posse, havia sido mencionado no jornal. Na segunda página do exemplar, achou uma matéria que

fazia alusão ao fato. Sim, lá estava uma foto sua, que havia sidotirada quando dera uma palestra em Brasília, sobre dedicação aoestudo esotérico. Além desse assunto, um breve relato traziainformações de sua trajetória, nos anos que tinha militado emsua ordem. Abriu um franco sorriso, que expressava suasatisfação, ao ler aquele trabalho. Era como um grandereconhecimento que coroava seus esforços, dentro da

instituição. Ficou um tempo relendo aquele jornal, quando seusolhos tiveram a atenção chamada para uma peça pequena,publicado logo abaixo à matéria que acabara de ler. No título,podia se ler: INICIAÇÃO. SUA IMPORTÂNCIA E SEUDESDOBRAMENTO, DENTRO DE NOSSO COSMO.Começou a ler com interesse. O texto falava sobre a síntese dotrabalho de um estudioso de assuntos místicos, muito conhecido,em sua ordem. Em linhas gerais, falava que a iniciação era

muito mais que um simples evento ritualístico. Que orenascimento do iniciado era cercado de interdependênciasmísticas, que podiam envolver mudanças cósmicas e alterações,nos planos de existência. Fazia também uma analogia comalguns eventos químicos, como os da formação da molécula.Mostrava que ela era formada, quando um átomo perdia elétronspara outro, formando um complexo molecular e fundindoaquelas energias em uma só. A água, por exemplo, possuía doisátomos de hidrogênio e um de oxigênio, que se interligavampela fusão eletrônica que ocorria entre eles. Curiosamente, tantoa água, como o hidrogênio, que era encontrado no ar faziampartes integrantes dos cinco elementos. E este era um mistérioensinado por todas as ordens secretas, que estudavam omisticismo. Tudo estava interligado. Tudo era uno. No final,

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declarava que um ser pode, ou deve passar por quantasiniciações se forem necessárias para que sua evolução seja

completa. Destacando então, o batismo de Jesus por João. Jesus,apesar de já possuir grande luz, fez questão de passar pelainiciação do batismo, que foi uma pelas quais ele se submeteu,durante sua trajetória na terra. Fazia ainda uma analogia com aborboleta. Que antes, era uma lagarta feia e rastejante,masdepois de ficar reclusa em um casulo, se tornou uma lindaborboleta, que agora voava com beleza e liberdade. Tudo aquilo

atingiu Belchior, como uma pedrada em sua cabeça. Algumascoisas, ditas por William começavam a fazer sentido, naquelemomento. Não, não podia deixar se levar, por uma circunstânciacomo aquela. O fato de aquela matéria lembrar as palavras deum louco, não o faria delirar. Fechou o jornal e sacudiu acabeça, como quem se livrasse de pensamentos indesejáveis.Não podia perder seu foco. Tinha que se concentrar.

Seus pensamentos foram interrompidos pela voz de suaesposa, que o chamava para ver seu vestido novo.

 –  Veja, amor! O que achou? Será que está a altura doglamour de sua posse?

Belchior ficou olhando para a sua esposa, que exibia umvestido azul, com muito brilho e de mangas cumpridas. Seu

corpo já não era mais o de quando lhe conhecera, aos 18 anos.Laura era uma mulher bonita, de pele parda e cabeloscacheados. Uma típica boa esposa, que passara sua vida todaajudando seu marido em todos os seus projetos. Durante os 20anos que o acompanhava, havia conquistado o carinho e agratidão daquele homem. Se um dia ela lhe faltasse, seria comose lhe tirassem as suas duas pernas. Sua alegria de viver e sua

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força, perante as dificuldades, eram magníficas. Por vezes, elahavia lhe restituído o bom humor, cada vez mais difícil de

manter. Todos os seus amigos se agradavam muito dela.Costumavam dizer que nenhuma festa era alegre, se ela nãoestivesse presente. Sua luz inundava todo o espaço onde seencontrava e seu jeito simples de ser, tinha o poder de seduzir aqualquer um. Ele acariciou seus cabelos e virou seu rostodelgado para si.

 – Você acertou de novo, meu amor, como sempre!

Ela abriu aquele seu sorriso de criança, que recebera um mimoe encostando sua cabeça no peito de Belchior, lhe devolveu oelogio:

 –  Isso, é por que tenho o melhor marido do mundo! E amulher do futuro grão mestre tem que acompanhá-lo de acordo,não é mesmo?

 –  Sim, minha vida. Mas você não precisa nem se esforçar,para fazer isso. Pois já nasceu uma primeira dama, de mãocheia.

Abraçou a mulher com força e depois lhe beijou a testa,deixando-a em seu quarto. Entrou no banheiro e fechou a porta.Apesar de todos aqueles anos de casamento, precisava fechar a

porta do banheiro, sempre que entrava. Não sabia se era para seesconder de sua esposa, ou se para não vê-la entrar, de repente,nua, talvez desejando carinhos, normais entre um casal. Haviaanos que os dois não faziam mais isso. Ele não sabia dizer se aatração desaparecera, ou se o amor acabara. Talvez amenopausa, que viera há alguns anos, tivesse relação direta decausa e efeito, naquilo tudo. O fato é que, só conseguia sentir

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atração por sua amante, a qual conseguia extrair dele, os maisintensos momentos de prazer. Até hoje, a culpa lhe trazia um

grande desconforto. Mas se tornara refém daqueles momentosde luxúria, que se esforçava, exaustivamente, para encobrir.Absolutamente ninguém, desconfiava daquele relacionamentoproibido. A não ser... Talvez... William Shaw. Pois, desde oprimeiro dia em que se conheceram, ele fez alusão sobre aquilo,durante sua entrevista. Um parçom deve ser um homem correto,  justo e perfeito. O adultério, além de outros vícios, é

incompatível com a conduta de um homem que, sobretudo,estava para se tornar um ícone de sua ordem. Que teria quedecidir sobre o futuro e o caminho de todas as lojas, as quaismantinham aquela arte milenar, viva e imutável. Sabia que teriaque tomar uma atitude quanto aquilo. E isso estava prestes aacontecer. Mas, enquanto pudesse, iria desfrutar de seu prazer,aproveitando cada minuto. Depois pensaria em dar umacompensação para a jovem amante, que se encontrava com ele.

Sim, logo poderia ter condições de dar a ela um belo “prêmio”,pelos momentos que lhe havia proporcionado. Tomou banho etratou de dormir. Encontrou sua mulher dormindo, ao chegar àsua cama. Deu-lhe um beijo carinhoso, deitou-se e fechou seusolhos. Adormeceu logo, pois se encontrava muito cansado dalabuta diária.

Sonhou com sua posse no palácio parçônico. Tudo estava

como imaginara. A cúpula de sua ordem estava perfilada aolongo do salão principal. Vestia seu traje de grão mestre,faltando apenas o colar e a espada, que seriam o símbolo de seupoder. O então, ainda grão mestre, estava a sua frente,terminando de dizer as palavras ritualísticas referentes aoevento. Ao longe, se podia visualizar o trono onde sentaria, logoque recebesse seus últimos paramentos. O discurso que já havia

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memorizado coçava em sua língua, pois o havia praticado até aexaustão. Tudo possuía o glamour de costume, de quando, por

muitas vezes, pudera o ver em outras cerimônias de posse. Podiaimaginar a figura de sua esposa, fora do templo, aflita para lhedar os parabéns pelo seu sucesso. A sua frente, estava o altar deonde subia o incenso, colocado ali para abençoar o evento. Seucheiro era perfumado e o turíbulo por onde saía a fumaça era deouro puro. O templo parecia reluzir, iluminando as pessoas queali se encontravam, solícitas e solenes. Quando olhou de novo

para o altar se assustou, ao ver uma lagarta rastejando em cimadele. Achou um absurdo a presença daquele animal em cima deum altar sagrado e mentalmente, já procurava o responsável poraquilo. Ela foi descendo pelo altar em direção a ele e a cadainstante que se aproximava, aumentava de tamanho. Nestemomento, havia chegado a sua vez de proferir as frasesritualísticas referentes à ocasião e a cada palavra, sua vozfraquejava, cada vez mais. Ao chegar próximo das escadas do

altar, a lagarta já possuía o tamanho de um homem e estavacoberta por fios de seda que lhe envolviam em um casulogigantesco. O cenário então, ficou como em uma cena de filmecongelada. Ninguém parecia se mexer. Os sons do ritual e osmovimentos das pessoas cessaram, ao mesmo tempo. Do casulo,uma mão apareceu segurando a espada do poder, que foi usadapara rasgar o espesso invólucro e libertar seu prisioneiro. EraWilliam Shaw. Seu rosto estava reluzente, seu corpo pareciarestaurado, mas ainda usava as roupas rotas e velhas, como daúltima vez que Belchior o vira. Ele subiu as escadas do altar, damaneira que o ritual previa. A espada, em suas mãos, fazia asevoluções ritualísticas corretas, como se tivesse sido ele, oagraciado com o cargo. Belchior caiu de joelhosinvoluntariamente, a sua frente. William se aproximou com a

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espada em riste e como o gesto de um rei que consagra umcavaleiro, tocou-lhe os ombros, dizendo, ao mesmo tempo:

 – Eu lhe prometi que meus pensamentos estariam com vocêpara ajudá-lo.

Ao fim da frase, Belchior foi tomado por uma dor profunda.Não era uma dor, como se o fosse em seu corpo. Era umasensação muito diferente de tudo que já havia experimentado.Sentia que sua forma estava mudando. Seus braços e pernas, aos

poucos, iam se encolhendo. Passo a passo, o mundo ao seu redoria tomando dimensões enormes. O chão do templo, cada vezmais, ia se aproximando de seu rosto. O desconforto erainsuportável. Logo, se viu deitado no chão e ao tentar selevantar, só conseguia rastejar. Pôde perceber o pó do chão e oseu odor. Conseguia ver os pés das pessoas naquele lugar,enormes e ameaçadores. Tentou chamar alguém, mas nãoconseguia emitir nenhum son. Deu-se conta do que tinha lheacontecido. Ele agora era uma lagarta. A sensação de impotênciae o pavor tomaram conta dele. Tudo o que conseguiria fazer,dali por diante, seria rastejar. Acordou todo suado, com umsobressalto, em sua cama. Passou as mãos por seu corpo, comose para se certificar de sua forma humana. De repente, pôde verum vulto que se postava a sua frente. A imagem do vultopermaneceu ali, imóvel, por alguns segundos. Depois,

desapareceu e seu assombro se tornou ainda maior. Pôdeconstatar que sua esposa ainda dormia pesado. Levantou-se ealcançou o banheiro, onde lavou o seu rosto e se enxugou. Teriatudo sido um sonho?

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William Shaw estava deitado em sua cama, dentro da solitária.Quer dizer, seu corpo estava ali, pois seu espírito viajava pelo

mundo astral, onde o lugar e o espaço, que conhecemos comosólido e real, assume outro sentido, totalmente diferente.Naquele momento, visitava o que aqui conhecemos como opassado, encontrando a si mesmo há dezoito anos atras.Observava como o jovem William reagia às energias que obombardeavam, provocando reações, das que nem se lembravamais. Demorou a se reconhecer, pois a áurea que o envolvia era

extremamente diversa da sua, agora e sua energia era maisintensa. Era a primeira vez que o visitava nessas condições e porisso mesmo, decidira só observar, tomando o cuidado paraintervir o mínimo, naquele plano. Gostaria que fosse diferente.De poder, por exemplo, dizer para aquele jovem que ele deveriaevitar essa, ou aquela escolha, ou que tomasse essa, ou aquelaatitude. Mas a energia disso causaria mudanças terríveis, nosdois planos. Poderiam, inclusive, extinguir sua própria

existência. Havia aprendido que, por mais que seja doloroso, ouque pareça muito desvantajoso, todos os eventos que ocorremnos planos em que existimos são necessários e jamais são aoacaso. Tudo o que acontece no universo, é uma manifestação deenergias, que são provenientes de nossas mentes e reguladaspelo ser divino, que esta acima de nós. Quando pensamos emalgo, por mais simples que seja, aquele pensamento já estáemanando energia suficiente para mover o destino de tudo.Muita das vezes, as pessoas não conseguem entender por queDeus permite que aconteçam coisas como: catástrofes que tirama vida de milhares, ou doenças que ceifam a vidas de outrosmais. Na verdade, não é culpa de Deus que aquelasinterferências mudem a história do homem, tão drasticamente.Pense bem. A humanidade, ou boa parte dela, se concentra em

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pensamentos que dão sempre vazão a vaidade, ao egoísmo, aluxúria e outros vícios, mesmo em detrimento do bem estar dos

outros seres humanos. Quando uma grande massa de mentesvibra, durante muito tempo, usando seus pensamentos para omal, o universo apenas reage a isso e aí então ocorremcatástrofes, como temos visto no presente. Você nunca seperguntou a razão do porque a maioria das religiões e outrasformas de espiritismo, na maioria das vezes, pregam contraesses vícios humanos? E porque o amor sempre foi o sentimento

mais poderoso, ensinado entre elas? O ser supremo, que nosobserva, nos concedeu o poder de vibrarmos a energia quequiséssemos, porque só assim poderíamos atingir a perfeição.Mas quando viramos as costas para a responsabilidade disso,condenamos a nós mesmos e as gerações após a nossa, asofrerem as consequências de nossos atos. Na bíblia existe umasentença que teria sido proferida por Deus, que diz: “EU SOUDEUS ZELOSO, QUE VIISITO A INIQUIDADE DOS

HOMENS, ATÉ A SUA SÉTIMA GERAÇÃO”. Não serialógico, admitirmos que o senhor nosso Deus, misericordiosocomo é, fosse capaz de condenar crianças pelos pecados de seuspais. Mas se mudarmos o entendimento disso, verificaremos quenão foi ele que condenou as crianças, os seus filhos e os filhosdos seus filhos. Tomemos por exemplo a degeneração causadapelo uso da droga. É fato, de que seus descendentes sofrerãoanomalias em seus organismos, que deverão ser transmitidasgeneticamente. Da mesma forma, as energias emitidas pornossos pensamentos e desejos errôneos, produzirão, também,alteração no cosmos, que será captada por gerações, após anossa.

Em meio a sua viagem, já no presente, William visitou oquarto de Belchior, que estava dormindo naquele momento. Seu

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espírito flutuava sobre seu corpo, ligado a este por um cordãoprateado. Sabia que tinha responsabilidades, quanto aquele

homem. Deu à mão a forma astral de Belchior, que pairava peloquarto e começou a mentalizar seus sentimentos e pensamentosa favor dele, numa forma de simbiose etérea. Quando conseguiuatingir seu objetivo, o espírito dele voltou, subitamente, para seucorpo. Logo após, Belchior acordou, assustado e suando.Permaneceu sentado na cama, olhando em direção a Shaw.William resolveu se retirar, pois sabia que, como ele estava

ainda retornando do estado de sono em que se encontrava,poderia vê-lo, mesmo que fosse como um vulto no quarto.Retornou ao seu corpo e levantou-se da cama, a fim de tomarum banho. Estava satisfeito com sua evolução. Sabia que estavachegando o momento em que deveria passar para outro estágio,muito mais elevado do que aquele em ele se encontrava. E paraisso, deveria estar quites com suas responsabilidades naqueleplano. se assim não fosse, seu caminho a seguir poderia ficar

muito complicado de se trilhar no futuro. Abriu o chuveiro edeixou que a água escorresse por seu corpo esguio. Fazia issocomo um ritual. Mentalmente, pensava na água que caía por seucorpo, como que lavando seu ser de todos os vícios e mauspensamentos. Precisava da purificação. Entendia o estado depureza humana, de uma forma diferente, do da maioria daspessoas. Do nosso nascimento em diante, havíamos sidosensinados sobre o pecado e suas consequências daninhas. Amaioria concebia como pecado os sentimentos ligados á luxúria,ira, gula, vaidade, etc... Tudo isso pode vir a ser um pecado,realmente,mas a medida da consciência de cada um. O homem,segundo a mesma fonte que fala sobre pecado, havia sido criadopor Deus e colocado no jardim do Éden, onde ele vivia emharmonia com os outros seres, animais e vegetais, que lá

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existiam. Em um dado momento, seu criador lhe deu a ordemde” não comer uma fruta que estava na árvore da vida,” criada

também por ele, pois se assim o fizesse, ele certamente morreria.Entende-se que nessa alegoria, comer a fruta seria tomarconhecimento da existência de todos esses pecados elencados.Tomando-se por base que nosso Deus é onipresente e onisciente,ou seja, tem presença e conhecimento de tudo no passado e nofuturo; também tomando por base que esse mesmo Deus não éum tolo, é de se concluir que ele sabia que se criasse a árvore, o

homem comeria de seu fruto. Também não permitiria a criaçãodo diabo, se isso não estivesse em seus planos. Sendo assim,podemos entender que tudo isso fazia parte de seus planos paraa humanidade. Talvez ele desejasse que o homem não fosse umautômato. Que atingisse a perfeição tomando suas própriasdecisões, através dos experimentos que estariam a suadisposição, após “comer a fruta”. Na verdade, se o homem nãotivesse luxúria, não poderia se reproduzir, se não tivesse medo,

não aprenderia a se defender, se não tivesse ambição, nãocresceria etc... Sendo assim, o que seria, afinal, o pecado?Talvez o pecado seja o exagero, a falta de medida, em relação atodos esses itens, que estão sempre a nossa disposição e emquantidade. Talvez, se o homem aprendesse a ter autocontrolesobre suas necessidades ele não pecasse mais, e conheceriaentão, o que é ser perfeito. Temos três coisas que são a estruturade nossa essência: o corpo, a alma e o espírito. Nenhum dos trêspode ser maior do que o outro, pois se não, estaremos emdesiquilíbrio e nossa existência estará comprometida.

William terminou seu banho e foi se deitar. Ainda precisavaatender as necessidades de seu corpo carnal, lhe dando descanso.Nosso ser precisa ser provido em suas necessidades, e essa erauma delas.

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A semana passou rápida e os assuntos ligados a ultima reuniãodos evangélicos da congregação prisional voltou a ser polêmica.

 –  Não chegamos a um resultado, pastor Bezerra.  –  DisseJorge, ao lhe ser dado à palavra.

Bezerra estava sentado na cadeira, lendo sua bíblia. Deu umsuspiro e fechou-a, com suavidade. Ficou de pé e começou aolhar nos olhos de seus irmãos.

 –  Ainda não consegui informações para orientar nossadecisão. Mas, se algum dos irmãos tiver uma sugestão, nomomento, estou disposto a ouvir.

Jorge colocou-se de pé também e começou a falar:

 – Talvez eu tenha uma solução. Todos somos sabedores danossa missão de pregar o evangelho, a toda criatura. Devemos,

acima de tudo, advertir a todos sobre os ardis engenhosos desatanás, o qual é o pai da mentira. Tenho tido notícias depessoas que frequentam nossa comunidade cristã e foram vistosna fila, para pedir ajuda a esse homem. Acredito que sepudéssemos nos aproximar dessas pessoas e colher delasalgumas informações, poderíamos ter uma melhor posição sobreo que devemos fazer.

 – E se fosse constatado com isso, que esse homem realmenteestá a serviço do nosso inimigo, meu irmão?  –  PerguntouBezerra.  – O que sugere que façamos?

Jorge olhou para ele e com a bíblia em riste, respondeu.

 –  O que nos foi ordenado por nosso mestre. Que façamosuma conscientização bíblica, sobre o que está, de fato,

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acontecendo. Que o que esse bruxo quer, na verdade, é entregaras almas dos pobres iludidos para o diabo. E não salvar suas

vidas, como ele se faz acreditar.

 – Bezerra então, retrucou:

 –  Meu querido irmão. Devo lembrá-lo, que da mesmamaneira que nós temos o direito legal, de exercermos a religiãoque pregamos, ele também goza do mesmo direito e nãoestaremos cumprindo a lei, ao fazer tal movimento.

 –  Mas ele mesmo diz que o que fala e o que faz, não temnada a ver com religião e sendo assim, não vejo comopoderemos infringir qualquer lei.  – Respondeu Jorge.

Bezerra baixou a cabeça e refletiu durante alguns segundos.Por fim, olhou para aquele homem e disse:

 –  Peço que me deem mais uma oportunidade de falar comWilliam, de novo. Não quero ser acusado de ser radical, ouinjusto. Também não quero que isso pese na minha cabeça nodia do juízo final.

Todos olharam para Jorge, como se esperassem um sinal delepara dizerem algo. No final, ele assentiu mais uma vez e Bezerraficou a vontade para tentar abordar William, em uma outra

oportunidade. Estava se arriscando a ser mal interpretado porseus irmãos. Mas não podia ser leviano, ao ponto de negar aohomem uma oportunidade de revelar o que realmenteintencionava. Considerava-se um homem compromissado com averdade e a justiça. Não acreditava na supressão dos direitos deexpressão, de quem quer que fosse, só por que ele nãoprofessava a mesma fé que ele. Em suas leituras na bíblia, nunca

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havia visto o mestre tentar insuflar seus discípulos contra aspessoas que os julgavam, nem mesmo contra as pessoas que

tinham uma ideologia diferente. Até quando Pedro cortou aorelha do soldado romano que tentava prender Jesus, este orepreendeu e colocou de volta a orelha no mutilado,demostrando que, apesar de ter poder, tanto social quantoespiritual, para evitar sua prisão, entendia que certas coisas nãopodem ser evitadas, pois fazem parte do plano de Deus nas vidasdos homens. Lembrou-se da fala de William, quando ele disse

sobre as responsabilidades que envolviam outras pessoas. Atéque ponto, aquele homem podia estar distante de Deus? Ou deacordo com sua vontade? Certa vez, os adversários de Cristo oacusaram de ter parte com o demônio, pois fazia milagres etinha uma retórica diferente da dos doutores da lei. Mas ele sedefendeu, dizendo que um reino dividido não pode crescer. Seesse homem fazia milagres, coisas inusitadas que ajudavam aspessoas, como poderia ter parte com satanás? Não seria aquela,

uma analogia semelhante? Ou será que aquele homem teriaconseguido enfeitiçá-lo, também?

Parou em frente à cela de William e ficou pensando se deveriabater na porta. Todos sabiam do trato sobre não incomodá-lonos dias que não eram reservados a “consulta”. Seriademasiadamente importuno, chamá-lo agora? Não queriaimportuná-lo. O que queria, na verdade, era poupá-lo de futuros

aborrecimentos que poderiam acontecer, se ele não resolvesselogo, aquela questão com a comunidade cristã. Tinha medo decausar algum incidente e piorar, mais ainda, aquela situação.Ficou assim pensando, uns minutos e finalmente, decidiuexperimentar a porta, para ver se estava aberta. Empurrou-a comcuidado e verificou que não se encontrava trancada. EncontrouWilliam sentado em seu catre, na posição de lótus. Parecia em

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transe. Sua face aparentava tranquilidade e passividade. Pareciaestar ausente do mundo a sua volta. Se não estivesse naquela

posição, diria que se encontrava dormindo. Chegou mais perto epassou a observar seu rosto. Havia varias cicatrizes antigas, queformavam uma moldura interessante em sua face. Bezerraatribuiu aquilo aos problemas que ele enfrentou, logo no iníciode sua pena, quando ainda não era aquela pessoa, que ele eraagora. Encontrava-se revoltado e afoito com a sua situação efrequentemente, explodia com alguém, o que quase sempre

resultava em brigas, onde ele quase sempre levava a pior. Aospoucos, ele foi sumindo do convívio da prisão e passou apermanecer sempre em sua cela. Algumas vezes, os guardasabriam sua porta, para verificar se ainda estava vivo. Nuncasoube que ele tinha recebido visitas, pelo menos não de suafamília. Uma única vez, segundo dizem, recebeu uma visita deintegrantes de sua ordem secreta. Logo depois, começou seuexílio do convívio da cadeia.

O tempo foi passando e quando todos já haviam se esquecidodele, alguns curiosos, ao bisbilhotarem por uma fenda em suacela, juravam terem-no visto levitando sobre o chão. Foi umreboliço na prisão. A maioria achou por bem fazer segredo sobreo fato, para não atrair a atenção da administração que, naquelaépoca, era muito radical e poderia achar por bem trancar a todosna cela, por tempo indefinido. O fato é que, depois disso, vários

relatos sobre coisas estranhas começaram a rondar pela prisão.Uns afirmavam terem visto William, quando olhavam pela  janela de grades, andando na rua, do lado de fora da cadeia.Outros terem sonhado com ele curando uma enfermidade quepossuíam e de manhã, ao acordarem, constatavam que tinhamsido realmente curados. Enfim, tudo isso resultou na imensaromaria que se formava em frente à solitária nos dias de

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segunda-feira.

William abriu seus olhos e ficou encarando-o por algunssegundos.

 – Pastor!  – Disse Shaw.  – Por favor, sente-se!

Bezerra sentou-se, meio sem graça. Não esperava por aquelesúbito despertar. Mas havia entrado ali para falar-lhe e era issoque iria fazer.

 –  Desculpe-me, se o incomodo William. Sei que não gostaque interrompam suas meditações, ou seus... Bem... As coisasque faz de terça em diante.

Bezerra usava de estratagema para tentar fazer com que orapaz lhe dissesse sobre o que fazia, quando não atendia aspessoas nas segundas-feiras. Sua tática, porém, como já

esperava, não surtiu o efeito desejado e mais uma vez Bezerrafoi surpreendido com uma pergunta, no lugar de uma resposta:

 – O que acha, realmente, que fico fazendo quando estou aquisozinho, pastor?

 – Bem! Não queria ser enxerido... Apenas imaginei que deviaser algo muito importante, para que tivesse solicitado sua

permanência na solitária.William olhou para a bíblia que ele tinha em suas mãos e

pediu que a lhe emprestasse, por alguns segundos. Abriu o livroe leu em voz alta:

 – Amarás o senhor teu deus, de toda a sua força, de todo oseu coração e de todo o teu entendimento. Amarás o teu

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próximo como a ti mesmo.

Devolveu então a bíblia para Bezerra e lhe disse: – O que acha que essas frases querem dizer?

 – Esses são os dois principais mandamentos de Deus.

 – Já lhe ocorreu o porquê, eles são tão importantes?

 – Por que assim, quis o senhor!

 –  Esses são os mais importantes, por que neles, estãocontidos todos os outros. Se você ama seu deus sobre todas ascoisas, você não tem outros deuses, não toma seu nome em vão,respeita sua vontade quanto ao sábado. Se amar o seu próximocomo a si mesmo, você não o matará, não cobiçará a sua esposa,nem os seus bens, não adulterará, não dará falso testemunhocontra ele e não o furtará. Como vê, toda a vontade de Deus estácontida nesses dois mandamentos, os quais tem apenas umadiretriz: o amor. Quando me recolho à solidão desta cela,procuro harmonia com meu Deus e com os meus semelhantes.Procuro me harmonizar com o universo, aprender comomelhorar a mim mesmo e me desligar das ilusões do mundo.Como poderia fazer tudo isso se estivesse em um lugar, onde ossons e as aflições humanas me desviassem de meu objetivo? Por

acaso, quando Jesus jejuou por quarenta dias, não procurou eletambém o isolamento? E não foi ele também, que nosaconselhou a orarmos no silêncio e no anonimato de nossoquarto, para que Deus nos concedesse o que queremos?

Bezerra não sabia o que dizer. As palavras daquele homempareciam ter sido proferidas por um outro pastor de sua

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denominação, só que com um entendimento diferente do que amaioria traz. Tentava evitar, mas cada vez mais, se afeiçoava

aquele homem. Sua maneira de falar era simples e não trazianenhum traço de raiva, ou preconceito. Apesar de saber doporque Bezerra estava ali, o recebia com carinho e fraternidade,além de demonstrar total solicitude. Não sabia mais o que fazer.Queria que ele lhe desse um motivo para que tomasse umaatitude contra as consultas, que estavam sendo feitas àssegundas-feiras. Mas tudo o que via, lhe dava um parecer cada

vez mais diverso dos de seus companheiros cristãos. Williamentão interrompeu seus pensamentos:

 – Olhe, meu querido amigo, sei por que está aqui. E queroque saiba que, qualquer decisão que tomar estará em acordo como plano que Deus tem em nossas vidas. Na verdade, por suacondição de onisciência e onipresença, nada do que pudermosfazer, mesmo exercendo o livre arbítrio, nos dado por ele

próprio, vai poder interferir com seus planos. Quero que saibaque, como você, eu também sou um servo de Deus. Talvez nãoda maneira que você concebe esse significado, mas com amesma intensidade e com o mesmo amor. Além disso, acrediteque tudo isso que esta acontecendo será o início de um despertarpara você, que só assim, poderá iniciar o caminho para o qualestá destinado. E conhecereis a verdade e a verdade vos

libertará.

Falava de uma frase dita por Jesus a seus discípulos. Muitosteólogos divagam sobre esta frase. Tendo em vista que, segundoas escrituras, Jesus cristo é a verdade, o caminho e a vida. Sendoassim, como entender que ele se referiu a verdade, como umacoisa a ser conhecida no futuro? Não estavam com ele, haviamuito tempo, os discípulos a quem disse isso? Como então não

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conheceriam a verdade? Afinal, de que verdade ele estariafalando? Essas perguntas ainda não encontram respostas que se

concluam em um significado de coerência. Mas o importante, éque podemos acreditar que existe uma verdade e que estaverdade tem o poder de libertar. Seja lá o que for ou como for.

 – Eu já conheci a verdade! E já sou liberto! Espero que vocêpossa dizer o mesmo sobre você, William.

 –  Eu ainda a estou procurando, meu amigo. Mas sei que

estou no caminho certo. Terei certeza de tê-la encontrado,quando nenhuma dúvida e nenhuma coisa material, ou seja,nenhum tesouro neste mundo puder ser dono de meu coração,pois como sabemos: onde estiver o seu tesouro, ali estará o

seu coração.

Mencionou de novo as escrituras bíblicas. Novamente citoupalavras do mestre a seus discípulos, quando falava das coisas

desse mundo que estavam relacionadas com o outro. Naverdade, ali estava a fórmula para a cura de todo o sofrimentohumano. O que nos leva a tomarmos atitudes em nossa vida é ovalor que damos a determinadas coisas que temos, ou queremosconseguir. Quanto maior for o valor dado a uma determinadacoisa, maior será o ímpeto para consegui-la. Porém, maior serátambém, o sofrimento por não tê-la. Uma das coisas mais

importantes para a vida humana na terra é o ar. Sem o ar querespiramos, não conseguiríamos viver mais que cinco minutos.Porém, não damos tanto valor ao ar, talvez por que o tenhamosem quantidade e de graça. Ao contrário disso, costumamosvalorizar condições sociais ou financeiras, as quais teimamosque têm uma relação direta com nossa felicidade. Um diamantee uma maçã, uma vez oferecida a alguém no centro de uma

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cidade, seria uma escolha fácil, pois o diamante teria apreferência. Mas se a mesma opção de escolha fosse dada a essa

mesma pessoa, no meio do deserto, onde ela estivesse perdida, amaçã ganharia a preferência, com toda a certeza. Esta analogiapode nos arremeter a pensarmos a respeito de nossas escolhas, julgá-las melhor e sofrermos menos, ou nada, neste mundo ondea matéria ainda é tão valorizada.

 – Vou pedir a Deus que oriente sua busca, que ilumine seuscaminhos e o conduza a salvação.  – Disse Bezerra.

 –  Pedirei a Deus para que a verdade que você conheceu oafaste da dúvida e conceda a paz que procura, meu amigo. E queDeus esteja com você!

Bezerra saiu dali em conflito com sigo mesmo. Havia feito umseminário, militava há anos em sua religião, pensava que sabiatudo que deveria saber, sobre esse assunto e agora, existiam

dúvidas sobre como agir. E pior ainda, não sabia que atitudetomar em relação ao problema que o afligia. Resolveu passaraquela noite em vigília e pedir ao seu deus que lhe mostrasse oque fazer. Sim, essa era a solução para aquele impasse. Sua féera grande, o suficiente, para acreditar que Deus lhe daria todasas respostas. Acalmou-se com esse pensamento e seguiu parasua cela, a fim de se preparar para noite.

Taís estava em casa cuidando de seus afazeres domésticos.Belchior lhe dava dinheiro para pagar uma empregada, mas elainsistia em fazer o trabalho de casa. Desde que o conhecera, elehavia lhe suprido de tudo o que necessitava. Lembrava-se bem,do dia em que se viram pela primeira vez. Ela era uma garota deprograma, daquelas que alugam seu corpo para homens que

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podem pagar por momentos de prazer. Não era uma prostitutaqualquer. Seus serviços eram muito procurados e ela vivia uma

vida de luxo, na medida em que se projetava naquele mercado.Certo dia, foi contratada, juntamente com outras mulheres, parauma festa de despedida de solteiro, dada por alguns amigos donoivo e durante este evento, reencontrou Belchior. Ele olhavainsistentemente para ela, parecendo devorá-la com seus olhos.Finalmente, convidou-a para o quarto e lá tiveram seu primeirorelacionamento. Taís nunca tivera se sentido assim, com

nenhum homem. Não por que seu sexo era melhor do que o dosoutros, mas a química, que se deu no seu primeiro contato comele, foi maravilhosa. Depois do primeiro encontro, elesmarcaram outros e após meses de relacionamento profissional,Belchior lhe propôs que se encontra-se somente com ele. Éclaro, que sua companhia também lhe dava muito prazer. Ele sesentia bem ao seu lado, pois se assim não fosse, não teria feitouma proposta daquelas. Dali por diante, ele passou a ser “seu

dono.” Odiava pensar em si mesma como uma propriedade dealguém, mas era assim que eles se relacionavam. Ele lhe impôsalgumas regras, como: ela não poderia se relacionar com maisninguém, não podia engravidar, não podia colocar o casamentodele em risco e ninguém poderia saber de seu caso. Ela aceitoutudo, obediente, mas com a esperança de que um dia ele sentisseamor por ela, também e seu relacionamento evoluísse para umcasamento. Sabia que as probabilidades de isso acontecer erambem pequenas, mas o amor nos sega e nos deixa sempreconfiantes em um final feliz, assim pensava ela.

Mas à medida que o tempo passava e os finais de semanasolitários começavam a incomodá-la, ela ia se entregando aodesespero. Mesmo assim, não tinha coragem de romper aquelerelacionamento, que no momento, era tudo que ela tinha. Era a

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migalha que impedia que ela morresse de fome. Sabia que erabonita e não teria dificuldades para conseguir outro

relacionamento, até mesmo com alguém mais novo e maisdisponível que ele. Mas, simplesmente, não conseguia fazerisso. Ele a possuía e pronto.

Parou de pensar naquilo e foi experimentar de novo o seuvestido. A roupa a deixava ainda mais desejável, aos olhareshumanos. Costumava andar, cada vez mais provocante, naesperança de que ele sentisse ciúmes dela. Mas até agora, issonão tinha acontecido. Planejava ficar atenta aos homens que arodeavam e fazer ciúmes nele, usando alguém que lhe fossemuito íntimo ou, quem sabe, ele odiasse. Seria uma das muitastentativas que já havia feito para tentar conseguir dele o quequeria. Esperaria até o dia da visita ao presídio. Lá, com certeza,haveria alguém que se encaixasse nos seus planos. Olhou-se noespelho, com o vestido em seu corpo e aprovou sua aparência.

Iria jogar pesado, no dia do evento. – Vamos ver até onde vai sua indiferença!  – Pensou em voz

alta

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CAPÍTULO VI 

O dia tinha amanhecido na prisão, enfeitado por um lindo sol.Os detentos sempre ficavam felizes, quando havia dias com sol.O sol lhes dava uma sensação de esperança, de liberdade. Nobanho de sol todos ficavam a vontade e os ânimos se tornavam,nitidamente, mais amenos e alegres. Havia uma quadra de areiade praia, no térreo do prédio, destinada a banhos de sol. Nelapodiam ser vistas balizas de futebol e apoios para uma rede devoleibol. Alguns presos colocavam sungas de banho e ficavam

se bronzeando ali, igualzinho a como fariam em uma praia.Sentiam-se, na verdade, como se estivessem em uma. Passavambronzeador no corpo, sentavam-se em suas cadeiras de praia edeixavam-se queimar pelo astro rei, imaginando que na praiaestariam. Ali, vários detentos discutiam sobre variadosassuntos, principalmente, sobre sua vida profissional antes deirem para cadeia. Existiam aqueles que adquiriram fama por

seus atos de bravura em combate contra o crime organizado. Napolícia existia um arquivo virtual que não precisava decomputador ou internet para funcionar, nem ser divulgado. Asnotícias sobre atos heroicos de guerreiros viajavam com umavelocidade impressionante. Da mesma forma, a fama negativade alguém corria, ainda mais veloz. Se você fizesse qualquercoisa, significativa o bastante, para virar uma dessas notícias,

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saberia que, para qualquer unidade policial onde você fosse,encontraria lá sua fama lhe esperando. Mas naquele dia, o

assunto não tinha nada a ver com nenhuma dessas vertentes. Oassunto naquele dia, em especial, era um só: a visita ao presidio,que seria na próxima quarta. Ninguém havia entendido ainda,por que o diretor havia feito aquelas melhorias na prisão, só porcausa de uma visita. Já houveram várias visitas ao presídio enunca foi feito nada para embelezar a prisão. Maissurpreendente ainda, era o fato daquele “marechal de ferro” ter 

prometido várias recompensas, se no dia em questão, os presosse comportassem da maneira que ele havia solicitado em seus,também inusitados, passeios pelo complexo.

Alguém teria dito algo sobre ele pertencer a parçonaria, ou acoisa similar e também sobre aquela visita ser um evento onde,várias autoridades daquela ordem, compareceriam para visitar oprédio. A parçonaria era uma ordem muito respeitada dentro da

polícia. Talvez pelo fato de grande parte das maioresautoridades daquele órgão, serem parçons. O própriocomandante geral da polícia pertencia à ordem. Havia váriaslendas sobre soldados que, por pertencerem a essa instituição ,haviam sido colocados em cargos maiores de que o de seussuperiores hierárquicos que não o eram. Muito se “aumentava”quando se falava sobre os parçons dentro da polícia, como seeles fossem os donos daquela corporação. Mas isso não passava

de crendices, que sempre são geradas quando a sociedade nãoconhece direito a natureza de algo sobre o que fala. Ninguémsabia, nem como se dava o ingresso para aquela ordem. Sabia-seapenas, que esse ingresso só poderia ser feito por convite dealguém que já pertencesse a ela. Mas as características, ou osquesitos, para que fosse feito tal convite era, como todo o resto,absoluto segredo. Uns diziam que só poderiam ingressar na

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ordem os que possuíam uma vida abastada, outros diziam que sóos intelectuais poderiam ser parçons, etc... Havia também o

medo do desconhecido e dos mitos que lhes eram atribuídos, oque fazia com que verdadeiras histórias de terror fossemcontadas, a respeito da ritualística daquela instituição.

Em todas elas, porém, a figura do bode estava semprepresente. Não apenas como, por exemplo, um animal deestimação, mas sim como a verdadeira personificação do mal,do demônio. A figura desse animal vem da era medieval,quando a perseguição as ordens místicas criou um mito arespeito de sacrifício de animais ao demônio, ou à deusespagãos. E como o bode possui uma aparência, um tantoassustadora, ele foi eleito como o símbolo dessa panaceia. Separarmos para pensar um pouco, o sacrifício de animais foi umritual perpetuado por milênios, dentro da cultura judaica etambém em diversas outras culturas, que chegavam até mesmo a

sacrificar seres humanos em seus rituais. Mas, por causa dessaperseguição medieval, o bode superou e em muito, o mito quequalquer outra lenda possa consagrar. Mas a História tambémpoderia ser apontada como a salvadora dessa ordem milenar.Durante vários séculos, integrantes da parçonaria realizaramgrandes feitos em meio à sociedade ou, pelo menos, forampessoas que figuraram como personagens de destaque, dentro deseu meio social, como: presidentes, cientistas etc... E o mais

curioso, é que nunca se viu um bode, ou qualquer outro animal,sendo exibido ao lado de um desses destaques. Ainda hoje,obreiros dessa arte milenar fazem história. Só não são aindaidentificados como tal, porque trabalham em segredo. Mas issoserá notório, no futuro, quando várias pessoas se surpreenderão,ao saberem da origem das intervenções feitas na nossa história,e aparecerem então, os nomes desses ícones ocultos de nossa

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sociedade.

Belchior havia tomado cuidado para deixar os detentos, todosao seu lado, usando sua influência como diretor e superiorhierárquico, para garantir o sucesso de seu empreendimento. Eisso era tudo o que precisavam saber.

A segunda-feira chegou e era hora de William se preparar parareceber suas visitas. Tomou banho, bebeu um copo de água esentou-se para se harmonizar. Entrou no mundo espiritual, de

onde tirava impressões sobre as pessoas que iria encontrardurante a seção. Uma vez lá, começou a procurar pelos espíritosde seus futuros visitantes. Era assim que conseguia ajudá-los,mais eficientemente. Quando se está no mundo material, porvezes, se torna muito difícil, até mesmo para alguém como ele,visualizar os verdadeiros problemas pelos que as pessoas estãopassando. A vibração emanada por algumas pessoas eram,deveras, dificultosas, para aquela empreitada. Quando se está nomundo espiritual, não se pode esconder seus sentimentos. Tudoo que você é e o que você está pensando aparecem em você,como se fosse em uma placa de identificação. É difícil paraalguém, que não tenha chegado a esse grau, entender como issoacontecia, mas, para absorver o que foi dito, imagine umapessoa que possui um câncer, mas sua forma física externa nãoapresenta sintomas visíveis. Somente com uma ultrassonografia

ou uma tomografia computadorizada, um médico poderádiagnosticar que há algo de errado com aquela pessoa, ou não. Eé, mais ou menos assim, que se veem as pessoas no mundoespiritual, com o diferencial de que o tempo, a emoção, e todosos detalhes de sua vida, aparecem em você nessa ”tomografia”em que a pessoa se torna. Começou a passear por aqueleuniverso e viu as “tomografias” que viriam na forma humana,

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assim que ele voltasse à matéria e liberasse as visitas. Mas duasdelas lhe chamaram mais a atenção do que as outras. Uma já se

encontrava a sua porta e a outra demoraria, um pouco mais, parachegar. Na verdade, a segunda não viria a ele naquele dia, masseria uma importante visita, que mudaria a dinâmica dos fatos,de acordo com o que ele já havia visto para seu futuro. Depoisde se certificar de que memorizou todos os detalhes, regressouao seu corpo e autorizou que as visitas entrassem. Começou comum dos presos mais antigos da cadeia, Edvaldo, conhecido por

todos como VAVAL. Era um homem alegre, astuto, que tinhauma vida ativa na prisão e era também respeitado por todos, porsua atitude íntegra e fraternal. Mas ele se mostrava altamenteapreensivo, com sua saúde naquele momento. William haviareparado nele quando estava no outro mundo e sabia que seutempo estava chegando ao fim. Não apenas por que seu corpoapresentava uma doença grave, como já tinha diagnosticado’mas por que o universo havia pesado “as balanças” do destino e

o equilíbrio entre elas devia ser feito. Na verdade, não existemdoenças que não podem ser curadas, pois as doenças não passamde desiquilíbrio de energia. Tudo que se tem a fazer para saná-las é restaurar o equilíbrio energético espiritual, para que elasnão mais existam. Nossos espíritos e nossos corpos, assim comonossas mentes, estão intimamente ligados. Têm umainterdependência entre si que resulta em alteraçõessignificativas, quando o desequilíbrio ocorre em qualquer dessasinstâncias. Se você perder um dedo no mundo material, seuespírito e sua mente serão afetados. E se sua mente estiver emconflito, tanto o seu espírito quanto seu corpo também sofrerãoalterações. Porém, há vezes em que o equilíbrio universaldemanda que nossas existências em um desses planos seextingam. Isso nunca é um fim e sim um começo de uma outra

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fase. Nesse caso, ainda que você restaure o equilíbrioenergético, o equilíbrio universal estará, ainda, comprometido. E

de alguma maneira, uma das existências encontrará seu fim.Esse homem se enquadrava em um desses casos. Mas apesar deWilliam tentar adverti-lo disso, ele não se conformava porperder sua vida material, pois seu tesouro encontrava-se ali, naterra, em sua alegria de viver. Aquele homem caiu em desesperoao saber que iria morrer e começou a chorar, pedindo-o para queo salvasse da morte. William suspirou fundo e refletiu por

alguns instantes. Entendeu que se fazia necessário agir comintervenção, naquele momento, pois a sua visita ao mundoespiritual, antes feita, havia mostrado para ele que uma atitudeassim seria necessária.

 –  Acalme-se!  –  Disse William.  –  É importante que vocêentenda que a minha intervenção não irá livrá-lo do inevitável.

 –  Não me interessa o que você disse! Eu quero viver! Euquero viver!

A doença do homem que estava em sua frente, estava em seusrins. Um câncer havia se alastrado, de maneira maligna e mesmoque sofresse um transplante dos dois órgãos, ele não escapariada morte física. O doente era um homem ligado ao afroespiritismo. Passara a vida confiando que seus guias cuidavam

dele e que por isso, nada de mal poderia acontecer. No Brasil, aprática dessa religião era muito popular. Talvez fosse umcaminho brilhante, para os seus seguidores, se eles entendessemque as divindades que cultuam, são entes do mundo espiritual e  já foram como eles, no passado. E que também, quando elesconseguem entrar em contato conosco, pretendem apenasajudar-nos a encontrar o caminho para nossa evolução. Na

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maioria das religiões, muita das vezes, pessoas inescrupulosasdeixam de ensinar esse conhecimento. Pois isso faria com que

eles perdessem seus “clientes”, pois, uma vez encaminhados aseu destino, não precisariam mais deles para nada. Em outrassituações, os seguidores são efetivamente ensinados a respeitodos guias, mas optam por seguirem o caminho de dependência,negando a si próprios, a oportunidade de se iluminarem. Ahumanidade tem uma dificuldade muito grande para caminharsozinha, quando está em busca de sua evolução espiritual. E é

sempre mais cômodo caminhar por um caminho largo, sempercalços e sem espinhos. O problema, é que esse caminho,dificilmente nos conduz ao nosso objetivo.

William acalmou aquele homem e pediu que deitar-se nacama. Depois disso, começou a passar com suas mãos rentes aocorpo do rapaz. E sempre que sentia um excesso de energia, emalgum ponto do corpo, atraía-a para suas mãos. Mas quando

acontecia o inverso, energizava a parte afetada, depositando ali,o excesso recolhido anteriormente. Essa troca de energiaspromovia o equilíbrio energético de quem se submetia a esseprocesso. Há décadas atrás, um médico alemão chamadoMesmer, havia aplicado essa técnica em tratamentos de pessoasdoentes. Ele havia descoberto em suas experiências, que haviaum campo energético que ficava em órbita pelo corpo daspessoas e refletia as suas alterações metabólicas, como se fosse

um arco íris em volta de alguém. Através desse entendimento,ele começou a fazer progressos em sua pesquisa, usando ospasses magnéticos como forma de reparar as desarmoniasestudadas naquele fenômeno. Pessoas importantes e até mesmoa corte francesa, foram curados por ele com esse procedimento.Mas, como sempre, as pessoas a quem isso ofendia a vaidade eos interesses financeiros, como os de médicos convencionais e

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alguns clérigos, o perseguiram e ele foi proibido de continuar aajudar aquela gente. A humanidade tem a surpreendente

habilidade de expurgar de seu meio tudo o que não entende, ouque desafia sua vaidade e ambição, ainda que aquilo possa serbenéfico para as pessoas que fazem parte dela. Posteriormente,Mesmer se refugiou em um lugarejo escondido em umaprovíncia pobre e ali, fundou um hospital totalmente voltado aprática por essa cura.

Lentamente, o preso foi se recuperando e em alguns minutos,sua doença não mais existia. O equilíbrio, a que fora submetido,fez com que aquele homem se sentisse muito mais disposto e elesaiu dali com um grande sorriso em seus lábios, depois deagradecer muito ao seu salvador. William o orientou sobre amaneira como manter aquele equilíbrio pessoal, além de adverti-lo novamente do que iria, inevitavelmente, ocorrer no futuro. Nasua saída, ele fez um grande alarde sobre o poder de seu

salvador, parecendo se esquecer de que sua morte estavapróxima. Não conseguia parar de pular e sorrir, tamanha era suafelicidade. As pessoas que ali continuaram esperando, acendiamsuas esperanças com depoimentos como aquele e o aumento desua fé facilitava, mais ainda, a tarefa de Shaw para ajudá-los. Afé é o combustível que produz as modificações de energia emtodos os planos de existência. No plano material, ela é maisescassa. Nossa mente tem poderes inacreditáveis, que só são

acionados com êxito, quando colocamos a fé como sua forçamotriz. Jesus Cristo dizia a seus apóstolos: “Se tiverdes a fé do

tamanho de um grão de mostarda, falareis para esse monte:precipita-te no mar e ele te obedecerá.” Não vinculava aquelafé, a que se referiu, a nenhum sacerdócio ou ritual. Ele se referiaa ela apenas como fé. Em outro relato bíblico, encontramos omestre falando a um de seus apóstolos, dizendo que tudo que ele

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ligasse na terra, seria ligado no céu, e tudo que ele desligasse nocéu seria desligado na terra. Muitos relacionam isso à figura de

Pedro, portando um molhe de chaves nas mãos. Mas na verdade,o que o mestre queria dizer, era a respeito da correspondênciadireta do que acontece no plano material e no espiritual. Todasas alterações feitas em um, produzem efeitos análogos no outro.Mais a frente, uma mulher que tocou suas vestes em meio àmultidão, foi curada de uma doença terrível. Quando identificoua mulher que havia feito isto, lhe disse: “Vai, mulher . A tua fé te

salvou.” Notem que não parece ter havido um ato consciente decura, por parte de Jesus. Mas mesmo assim, a cura ocorreu eocorreu por causa da fé da mulher no poder dele. E em diversasvezes na história de várias culturas, podemos observar que, a fé,foi sempre o elemento indispensável para que se fizesse o que,antes, parecia impossível. Em muitos lugares, onde curandeirose fazedores de milagres atuam, na grande maioria das vezes, é afé das próprias pessoas que os procuram que realizam os

milagres por eles procurados. Que não seja colocado emdiscussão o poder do mestre Jesus, o qual é inegável. Mas sim,afirmar que o homem também possui poderes e que estão alémde nossa compreensão.

A fé, geralmente é buscada pelos homens através de umsímbolo, um amuleto, ou uma imagem. Porém, quando você apratica sem usar nenhum desses veículos, apesar disso dificultar

seu intento, ela se faz muito mais poderosa. Talvez seja por issoque um dos mandamentos de nosso Deus seja: “Não farás para

ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que háno céu, nem embaixo, na terra e nem na água debaixo daterra. Não as adorarás, nem lhes darás culto.” Apesar deDeus ser uma das coisas que estão no céu, nem dele mesmopermitiu que se fizesse uma imagem. Nem tão pouco, se definiu

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com algum nome mágico, quando lhe perguntavam quem eleera. Dizia simplesmente que era o deus “eu sou“. Por isso,

podemos concluir que essa seja a melhor maneira de se praticara fé.

Todos foram atendidos naquele dia e a noite chegou, quente eseca, no presídio. William Shaw se refazia de sua labuta, deitadosobre sua cama. O suor escorria por seu corpo, fazendo com quea pele brilhasse sob a pouca luz que uma vela lhe trazia. Estavapensando em sua vida na terra. Desde sua infância, até agora,quando logo atravessaria para outro estágio, para outro plano,tentava não se preocupar com a destruição de seu corpo carnal,mas isso ainda era difícil para ele. Devia pensar nele como umcasulo que libertava uma borboleta para seu voo, rumo à outrafase. Mas as lembranças de sua vida terrena lhe traziamdesconforto nesta tarefa. Lembrou-se de seus filhos. Desde queficara preso, nunca mais os vira. Sua ex-esposa havia deixado

de levar seus filhos à prisão para visitá-los, alegando que issoseria uma má influência para a formação das crianças. Aliás,todos os seus amigos o haviam abandonado. Quando se estápreso, é muito raro poder contar com a assistência de seus entesqueridos. Começa pelo fato de que ninguém gosta de entrar emum presídio. Todos ficam se sentindo, pouco a vontade eolhando a toda hora no relógio, ansiosos para irem embora. Nemseus irmãos da ordem escaparam desse rol de pessoas. Sua

instituição o abandonou, pouco a pouco, talvez, por terem seconvencido de sua culpa, por ele ter sido preso. Isso tudo, agoraentendia, foi necessário para que ele chegasse ao estágio deevolução em que chegou. Como é necessário que a sementeapodreça e morra, para dela a planta nascer. Ou, como énecessário que o sol se ponha, todos os dias, para que seu calornão queime tudo e a vida seja suportável. Mas apesar de

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entender tudo isso, um sentimento muito forte de atração ainda oprendia ao chão, e sabia que só quando se libertasse totalmente

disso, poderia alcançar a outra estrada.

A terça feira chegou e o homem que havia sido curado porWilliam foi até a quadra de areia, para pegar sol e se bronzear.Estava muito feliz de ter se reestabelecido, mas as palavras deseu salvador não lhe saíam da cabeça. Apesar de não teracreditado muito naquilo, não podia negar que todo o resto queele lhe disse era verdadeiro. Sentia que seu corpo estava emplena saúde. Enquanto se bronzeava, pensava em uma forma dereverter também, aquela situação. “irei buscar a harmonia entremeu corpo e o universo. Com certeza, posso fazer isso,procurando me desviar de meus vícios e ficando em paz comigomesmo. É claro, que a morte não conseguirá me levar agora.Ainda sou muito novo e gozo agora de plena saúde. Vou tomartodos os cuidados para me manter são, de corpo e alma. É claro,

que um dia irei morrer, mas não agora.” Sorriu, ao pensar nissoe colocou seus óculos escuros, para poder ficar mais confortável.O dia passava com uma rotina abalada pelos últimospreparativos para o evento do dia seguinte. Os canapés esalgadinhos já estavam no freezer do presídio. As bebidastambém já haviam sido postas para gelar e os banheiros daadministração foram limpos de novo. Belchior estavasupersatisfeito com tudo. Todos os convidados já haviam

confirmado sua presença e ele tinha até conseguido umaambulância de sua corporação, para apoiar seu evento. Foi paracasa e após tomar um banho revigorante, foi até sua estante etentou escolher um livro para ler. Não conseguia achar nada quelhe agradasse. De repente, sua atenção foi chamada para umlivro que estava no canto de sua estante. Assombrou-se, ao verimpresso nele uma figura de uma borboleta, abaixo de onde,

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podia se ler o título do livro: EVOLUÇÃO ESPIRITUAL. Nãose lembrava de ter comprado aquele exemplar. Sabia da relação

de todos os livros que avia comprado e aquele, definitivamente,não fazia parte dela. Puxou o livro da prateleira e abriu sua capa.Pôde ver uma dedicatória de um velho amigo, já falecido, quepertencia a sua ordem secreta e frequentara sua loja, quando omesmo foi iniciado. Lembrou-se do velho amigo. Era umprofessor de história que atuou brilhantemente em sua ordem.Havia lhe presenteado o livro quando Belchior fora elevado de

grau em sua loja. Recordou-se de que aquele homem defendia oentendimento místico dos ensinamentos da ordem, assim como aprática de seus conhecimentos. Entendia que o conhecimento, sópor si mesmo, não significava coisa alguma e deveria servivenciado com disciplina e dedicação. Sentou-se em seu sofá ecomeçou a ler o exemplar. A obra falava da metamorfoseespiritual que deveria ocorrer na vida de todos os que fosseminiciados nos mistérios que lidavam com o esoterismo. Discorria

sobre assuntos básicos, sem dar minúcias de qualquer segredoproibido de ser publicado. Mas tinha uma linguagemextremamente prática e contagiante. Falava sobre as fases pelasquais se deveria atravessar e os desapegos materiais que sedeveria buscar. A leitura estava interessante. Mas apesar dissoele foi ficando sonolento e adormeceu em seu sofá, caindo emsono profundo. Abriu os olhos e se viu dentro da solitária de suaprisão. O lugar estava ainda mais sujo e insalubre, do quecostumava ser. Tentou abrir a porta, mas isso foi em vão.Começou a gritar para chamar a atenção de alguém que passasselá fora, no corredor, mas ninguém o ouviu. Apenas uma veladiferenciava o lugar do interior de um túmulo. Estava só,despido de suas joias, de seu dinheiro, de sua posição e de suavaidade. Mas, aos poucos, a tranquilidade foi caindo sobre ele.

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Começou a se sentir calmo e todo o lugar pareceu-lhe, cada vezmais, aceitável. Não por que o cenário havia mudado, mas sim

por que já não importava mais a sua aparência. Pôde entãodesfrutar de uma paz que nunca tinha experimentado antes. Suaspreocupações, seus medos, pareciam nunca terem existido. E sedeixou ficar assim, como se tudo aquilo fosse uma normalidadeem sua vida, como se não fosse um sonho e sim a realidade. E oque antes pensava ser a sua vida real, fosse, na verdade, o sonhodo qual acabara de acordar. Acordou desse sonho, no meio da

madrugada, sentado em sua poltrona. Afinal, o que era o sonho eo que era a realidade? Tinha que fazer sua mente parar de lhepregar peças, sobre pena de perder a sua sanidade mental. Nãohavia nada de anormal acontecendo com ele. Ficou repetindoisso, até pegar no sono de novo, quando afinal conseguiurepousar de verdade. 

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CAPÍTULO VII

Taís estava se olhando no espelho. Havia acabado de seaprontar para ir ao evento. Estava realmente exuberante, naquelevestido. Caprichou bastante na maquilagem, pois pretendia usarsua beleza para causar ciúmes em Belchior, como uma tentativade chamar sua atenção. Fez os últimos retoques no cabelo e

depois, certificou-se de que não havia exagerado em tudo ouisso a tenha feito parecer vulgar. Não, o seu visual estava àaltura de uma verdadeira dama. Restava agora, apenas, esperar ocarro que ele enviaria a sua casa para apanhá-la. Sentou-se à suamesa e esperou sua “carruagem” chegar. Alguns minutos depois,escutou o som da buzina do carro e saiu de sua casa para darprosseguimento a sua atuação. 

Belchior estava muito excitado. Olhava a todo o momento, orelógio, num gesto explicitamente nervoso que denunciava seuestado emocional. Postou-se à entrada do presídio para aguardara chegada de seus irmãos. Aos poucos, foram chegando aspessoas que ele esperava e a cada chegada, ele fazia as honras,como um grande anfitrião que era. Conhecia muito bem a todos.Sua secretária se encarregava de conduzi-los até a uma sala que

havia sido reservada para aquele momento, onde havia águagelada, café e biscoitos. Além disso, ela foi orientada por seuchefe a dar algumas orientações sobre a estrutura do presídio.Tudo muito bem calculado por Belchior, que sempre seantecipava a qualquer situação, menos para aquela. Ficouperplexo, ao ver entrar pelo hall o policial de trânsito que ohavia multado, há um tempo atrás. Reconhecera-o, mesmo sem

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o uniforme, tamanha era a firmeza de sua expressão facial. Alémdisso, o olhar de reconhecimento que estava no rosto do recém-

chegado, confirmava sua identidade. O pior, é que Belchior nãosabia por que ele estava ali. 

 –  Bom dia! Como tem passado?  –  Cumprimentou ohomem, com reverência.

 – Eh...Bom dia, meu querido irmão! Eu vou bem. E você?

Belchior esforçou-se para não perder a calma. Seria possívelque aquele guarda de trânsito fizesse parte do conselho geral desua ordem? Mas isso era impossível! Como, um simplessubalterno, poderia ter assumido um cargo como aquele e aindatrabalhar no trânsito em frente ao grão mestrado? O visitante fezentão o sinal secreto de cumprimento de sua ordem, que além deidentificá-lo como pertencente a ela, demostrava também suagraduação. Belchior ficou ainda mais surpreso, quando

constatou que aquele homem possuía a mais alta graduaçãopossível, dentro da hierarquia da parçonaria. E agora, o quedevia fazer? Ele havia solicitado a transferência daquele homemao comandante de sua unidade para o batalhão mais distante quehouvesse no estado e pelo que lembrava, isso já havia sido feito.Como se justificar agora, por aquela mancada terrível? Fez comque sua secretária conduzisse o policial até a sala onde os outros

convidados se encontravam, tomando o cuidado de fazer váriasrecomendações a ela, para que o fizesse se sentir confortável.Por fim, chegou o principal convidado do evento. O seu amigo,e ainda atual grão mestre, chegou ao presídio com um grandesorriso no rosto e elogiando cada detalhe que via a sua frente.

 –  Meus parabéns, Belchior! Logo se vê que você, além de

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tudo, é um ótimo administrador.

 – Ora, meu grão mestre! É muita gentileza sua! –  Não, não! Isso não tem nada a ver com gentilezas, sua

habilidade neste sentido foi uma das mais observadas, na ora deescolher sua indicação ao grão mestrado.

 – Sendo assim, agradeço a todos por isso.

Baixou a cabeça e tentou achar as palavras corretas, antes deperguntar:

 –  Meu amado grão mestre! Pude notar que havia umconvidado, que eu não conhecia, entre os que vieram. Apósforçar minha memória, lembrei-me de que já o tinha vistofardado, trabalhando como guarda de trânsito em frente ao grãomestrado. Pode me dizer de quem se trata?

O seu amigo parou um pouquinho, antes de continuar seucaminho e olhando para os lados, lhe respondeu:

 – Não se preocupe com nada, amigo! Fiquei sabendo sobre oque ocorreu entre vocês no estacionamento. Porém, tomei ocuidado de acorrer ao comandante da unidade de nosso irmão epedi para que ele revertesse a situação e ainda, que mantivesse

nosso irmão no seu trabalho.Belchior suspirou, aliviado com a notícia, mas ainda não

estava satisfeito e queria saber qual a função daquele seu irmãodesconhecido no processo de sua indicação a grão mestre.

 –  Sim, mas... Quem ele é? Ao apertar sua mão, pude notarque ele pertencia ao mais alto grau da ordem, será que me

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enganei?

 – Não Belchior, você não se enganou. Ele já está em nossomeio há muito tempo, mas somente em ocasiões especiais, comoa indicação para este cargo, ele nos dá a honra de sua presença.Fiquei sabendo, quando ocorreu o impasse entre vocês. Tomei ocuidado de falar com ele, para saber se sua atitude influenciariaem algo que o prejudicasse na sua indicação ao grão mestrado,tendo em vista que, ele pertence ao conselho que foi feito paraessa escolha. Mas ele, como sempre, foi surpreendente de novo.Disse-me que após a confusão que ocorreu entre vocês, foi parasua casa e após meditar ritualisticamente, foi iluminado comuma revelação que o fez manter seu voto, a respeito de suaindicação.

 – E ele não disse qual revelação seria essa?

 – Não, não disse, mas deixou bem claro que seu destino e o

dele estavam ligados e a responsabilidade dele era muito grande,para que deixasse seus sentimentos pessoais tomar conta de suasdecisões sobre a indicação.

Belchior ficou aturdido. William Shaw havia dito a ele asmesmas coisas, quando foi visitá-lo na solitária, antes do evento.Por mais que tentasse não dar atenção às coisas que estavamacontecendo, não podia deixar de perceber que nada estavaocorrendo por acaso. Começou a se lembrar das lições que haviaaprendido durante sua formação parçonica e que, para ele, nãoeram coisas relevantes, o bastante, para que ele lhes desse muitocrédito. Mas o fato é que a magia estava, realmente, se fazendopresente em sua vida. Dali pra frente, não conseguiria manteruma atitude segura de si mesmo. Pois, tudo parecia estar

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obedecendo a um mecanismo, onde as engrenagens já tinhamsuas funções pré-estabelecidas e fizesse ele o que fizesse, não

conseguiria mudar o desfecho do destino. Chegou com o grãomestre a sala, onde os outros estavam reunidos e deu início aoseu pequeno discurso sobre as instalações do prédio e sobrecomo funcionava o acautelamento de policiais militares queeram condenados por crimes. Durante todo o tempo, o policialde trânsito, pertencente à cúpula da parçonaria, lhe encarava nosolhos. Não o fazia de maneira ameaçadora, mas seu olhar o

incomodava, fazendo com que ele, por vezes, gaguejasse em suaoratória. Por fim, convidou os visitantes para caminharem comele dentro do complexo. Entraria com eles nas galerias emostraria as celas, as oficinas de artesanato, o ambulatório e osdemais setores que julgava importante.

Dentro da quadra que dava acesso para a solitária Edvaldo,(Vaval), fazia seus exercícios físicos. Estava, como sempre,

muito preocupado com sua forma. Gostava de apresentar umcorpo bonito para as mulheres que vinham sempre visitá-lo nacadeia. Além disso, havia se decidido a não deixar a morte levá-lo. Por isso, se dedicava mais ainda a manter sua saúde física.Não iria dar espaço para que a morte o levasse embora, sem queele resistisse. De repente, começou a ouvir barulhos, como os detiros, vindos de fora da prisão. O batalhão prisional onde estavaficava ao lado da comunidade carente do arará, local dominado

pelo tráfico de drogas. Havia pertencido ao corpo de fuzileirospor nove anos, antes de entrar para a polícia e nunca tinhaouvido o som de um disparo como aquele. Ficou curioso einterrompeu seus exercícios para pegar uma escada, que usoupara acessar as grades acima e visualizar a favela do outro ladoda cadeia e pôde ver, quando diversos traficantes faziam uso defuzis automáticos. Pareciam terem adquirido as armas naquele

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momento e pelo dispositivo dos bandidos, deviam estar testandoo material recém-adquirido. Todos estavam muito bem armados

e se por acaso uma guarnição da polícia entrasse por ali, naquelemomento, seriam, com toda certeza, aniquilados. Observou umdos meliantes que estava deitado sob a laje de uma das casas dacomunidade. A distância não o deixava visualizar o que estavafazendo. Mas dava para ver um reflexo de luz, provavelmente,vindo da luneta do fuzil que segurava. Não viu mais nada. Umaforte dor, juntamente com um solavanco em sua cabeça,

interrompeu seus pensamentos. O bandido que segurava o fuzilque tinha visto estava, na verdade, com VAVAL na mira de sualuneta. O tiro acertou em sua testa, derrubando-o no chão.Ninguém estava na quadra naquele momento. As últimasfrações de segundo que teve de consciência, após o tiro, nãoforam suficientes, nem para entender que tinha sido baleado eestava morrendo. Seu corpo ficou estirado no chão de umaforma deselegante, com o sangue inundando o chão da quadra.

Logo em seguida, entrava naquele espaço o grupo de amigos deBelchior em sua caminhada turística. Taís e a secretária deramum grito, simultâneo e estridente, ao ver aquela sena macabra.Belchior ficou parado a frente do grupo, olhando aquilo, sementender o que tinha acontecido. Todos ficaram alarmados como ocorrido e o resto dos presos da galeria, que haviam acorridoao local, tentaram em vão reanimar o companheiro que jazia nochão, inerte. O tumulto era generalizado. Alguém pediu para quefosse chamada a ambulância que estava parada lá fora. Osparamédicos chegaram rápido, trazendo seus equipamentos deemergência, mas, ao medirem os sinais vitais de VAVAL,souberam que pouco poderiam fazer para reanimá-lo. Foramtentados todos os procedimentos possíveis, mas tudo foi em vão.No meio daquele caos, uma voz clamou para a turba:

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 –  William Shaw! Vamos chamar William Shaw, Ele vaiconseguir fazer alguma coisa!

Todos olharam para o dono da voz, com espanto. Osvisitantes, por não entenderem como aquela pessoa poderiaachar que um simples homem poderia fazer algo naquelasituação e os presos, por terem identificado quem havia faladoaquilo. Era o pastor Bezerra. Ninguém entendeu como umrepresentante da igreja poderia ter falado aquilo, ao invés de, porexemplo, clamar para que todos orassem a Deus e ele intervisseno caso. Mas apesar de ficarem atônitos, na mesma hora,suspenderam o corpo de VAVAL e o levaram a porta dasolitária.

William estava no mundo espiritual, naquele momento.Encontrava-se desfrutando de uma paz imensa. A harmonia quesentia com o todo, era maravilhosa. Já havia chegado ao pontode sentir verdadeira apatia pelo mundo material. Almejavaromper, o mais breve possível, qualquer ligação com aquelemundo ilusório, cheio de coisas fúteis e absurdas. Comungavaagora com os entes que já pertenciam definitivamente, àqueleestágio. Neste momento então, houve uma brusca mudança doestado em que se encontrava. A luz intensa, que antes via,tremeu e uma força tremenda sacudiu o seu ser, como se umbraço poderoso o puxasse de volta para a matéria. Foi aí que

ouviu gritarem o seu nome. Abriu os olhos e pôde perceber quea porta de sua cela, que ele havia trancado antes, tremia comsolavancos de murros desferidos pelo lado de fora. Levantou-se,de pronto e abriu a porta. Lá fora, as energias liberadas pelasvibrações das pessoas que ali estavam faziam com que a áureade todos ficasse turva e manchasse os arredores, como se fosseum manto púrpura, que chegava a incomodar os olhos de quem

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a podia ver. A primeira pessoa que lhe chamou a atenção foi oguarda de trânsito que multou o carro de Belchior. Ele olhava

para William com o olhar penetrante. E logo, Shaw oreconheceu de suas visitas ao mundo astral. Não havianecessidade de palavras secretas de reconhecimento, ou apertosde mãos misteriosos. Aquele homem, que ali estava, podia serreconhecido por qualquer um que fosse realmente um iniciado etivesse alcançado o estágio no qual ele se encontrava. Ovisitante do presídio esboçou um sorriso franco para ele.

Também havia reconhecido William. Na verdade, havia previstoaquele encontro e era por isso que ali estava. Para ter com ele eposteriormente, lhe dizer algo.

A segunda pessoa que viu, foi Taís. Ela também olhava paraele, como que hipnotizada. William já sabia de sua participaçãono processo espiritual, pelo qual estava prestes a passar.Desviou sua atenção para o corpo de Vaval, caído ao solo. As

vozes de todos os presos clamavam para que ele fizesse algo.Ele se aproximou do homem moribundo e olhou para sua áurea.Sabia que ele ainda não tinha partido, por completo. Sabiatambém que o que tinha ocorrido fazia parte do processo deequilíbrio do universo e que não havia mais como evitar suamorte material, a não ser que... Olhou para seu irmão iniciado eviu em seus olhos a resposta para todas as suas dúvidas. Eraaquilo. Devia sacrificar-se para poder ascender ao plano

espiritual. Devia usar sua energia vital para restituir a do homemque se encontrava com seu corpo espiritual pairando na quadra,preso ainda, por um finíssimo cordão prateado ao seu corpomaterial. Seu espírito estava agitado. Podia ver a cena que setranscorria abaixo dele e estava apavorado vendo seu corpo ali,estirado. Ainda estava muito aquém de encontrar sua plenitude ese não aprendesse algo substancial naquela sua vida que estava

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se esvaindo, teria que reencarnar muitas vezes ainda, paraterminar suas lições. Mas, se William salvasse aquela vida, teria

que tomar o lugar dele, para manter a balança universalnivelada, e sua vida na terra seria ceifada em alguns dias. Sim,era isso, o sacrifício. Esse seria o preço do “bilhete” de ingressopara sua passagem. Olhou para Bezerra, o pastor da congregaçãoda cadeia e lhe pediu, em voz alta.

 – Por favor, pastor. Una a todos em uma oração pelo nossoamigo.

Bezerra olhou para os lados, assustado. O que ele poderiafazer para ajudar aquele homem, o qual sempre operara sozinho,os muitos milagres que o tornaram famoso na cadeia?

 – Não fazemos nada sozinhos, pastor! O grande arquiteto douniverso, que é o nosso Deus, nos usa como ferramentas, paraconstruir o universo de maneira justa e perfeita. E nesse

momento, precisamos mais uma vez de sua intervenção.

Bezerra entendeu o que William queria. Sabia que ele ficariaem uma situação ainda pior se, além dos “milagres” queWilliam fazia, aquela notícia circulasse pela prisão e, comcerteza, circularia. Mas, se no meio do milagre estivesse aintervenção do pastor da congregação, o efeito seria o inverso.Todos comentariam sobre o poder da oração que, a bem daverdade, realmente ajudaria William no quesito “fé”. A fé, como  já se é sabido, pode fazer maravilhas e com uma egrégora devárias pessoas vibrando aquele pensamento, a tarefa ficaria comcem por cento de chances de ser bem sucedida. Além disso,Deus, o regulador de tudo, também daria seu voto para que avida do rapaz fosse restituída àquele corpo. Ele olhou para todos

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os presentes ali e pediu que dessem as mãos. Todos curvaramsuas cabeças e Bezerra os dirigiu em uma fervorosa oração.

Enquanto isso, William fazia com que, não só seu pensamento,mas como todos os átomos de seu corpo, vibrassem naquelaintenção. Os átomos de nosso corpo são partes integrantes denosso eu. Se nos concentrarmos bastante, poderemos fazer comque os elétrons que circulam em volta de seus núcleos, seacelerem ou girem mais lento. Isso provocará mudançasmagnéticas que influenciam o ambiente. Essa é à base de tudo o

que se pode dizer sobre mágica. Os magos não são, nada mais,do que seres humanos que aprenderam a controlar o magnetismoque exerce força em tudo que existe no universo. Sentiu que seucorpo estava atingindo o momento máximo de vibração. Sabiaque a força criada por tudo isso seria fatal para ele. Não iriamorrer naquele momento, mas sua vitalidade iria abandoná-loaos poucos, até que seu espírito se separasse de seu corpo, devez. Isso seria a conta exata para reestabelecer o equilíbrio do

universo. Era o sacrifício. O poder de um ato que garante, aqualquer um a superação, o estado justo e perfeito.

Aos poucos, se pôde perceber que o homem que já havia sidoconsiderado morto antes, reagia de novo. Sua respiração foi oprimeiro sinal manifestado e percebido por todos. Depois, seucorpo começou a se movimentar, com bastante lentidão.Murmúrios e gritos começaram a vir da turba que se amontoava

para ver o que ocorria. Os paramédicos abriram caminho,rapidamente e colocaram seus aparelhos de emergência noressuscitado. Depois, o colocaram em uma maca e levaram-nopara a ambulância, que partiu rapidamente para o hospital coma sua sirene ligada. As atenções, nesse momento, passaram a sevoltar de novo para William. Ele começou a exaltar o poder deoração de todos e afirmar que VAVAL devia sua vida a todas as

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pessoas que estavam ali.

Em frente a ele, Bezerra o observava estático. Em todosaqueles anos militando em sua religião, nunca havia visto nadaparecido. Vários milagres já o tinham maravilhado, mas nadacomo o que ocorrera bem a sua frente. A ressurreição dealguém não é uma coisa muito corriqueira. Na verdade, Ummilagre de ressurreição é quase um atestado, homologado pelopróprio Deus, constatando a sua autenticidade. William Shawcaiu para o lado, exausto do esforço que tinha feito. Estavainconsciente e os presos se encarregaram de levá-lo para aenfermaria do presídio, para que fosse medicado. Belchior ficoumeio sem ação, no primeiro momento, mas logo se recobrou eapressou-se a conduzir seus convidados para a sala, onde lhesaguardavam os coquetéis que ele havia mandado preparar.

 –  Bom! Tudo acabou bem e acho que, por isso, devemoscomemorar. Afinal de contas, pudemos presenciar um milagreaqui e não consigo pensar em um motivo melhor para erguemosum brinde.

Todos assentiram, com um sorriso um pouco pálido eacompanharam-no até o local que indicou. Somente o seuvisitante inesperado, Roberto, pediu-lhe para que o levasse até asala da enfermaria, pois queria ver o homem que havia sido

levado para lá. Belchior pediu a um guarda para que oacompanhasse a enfermaria e tratou de entreter seus convidados.O caso foi motivação de todas as conversas, durante o coquetel etodos relembravam as cenas que tinham acabado de assistir,destacando sempre, a atuação de Shaw, o qual, em nenhummomento, foi alvo de suas preocupações por sua saúde, naenfermaria. Belchior fazia o que podia para distrair aquelas

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pessoas. Rezou para que ninguém entrasse em contato com aimprensa, pois mídia era a última coisa que alguém poderia

querer para uma situação como aquela.

A imprensa tinha, ao longo dos anos, feito um papelextremamente comercial, em relação aos fatos ligados aosistema prisional e aos fatos que envolvem a PM, em geral.Principalmente, quando o assunto era a cadeia militar da polícia,da qual os repórteres sempre caçoavam, dizendo que não erauma “prisão de verdade”. A imprensa, há muito tempo, estiveradominada por grupos poderosos, que a usavam para auxiliar namanipulação de massas, principalmente, no que dizia respeito àpolítica. Como as notícias envolvendo policiais eram artigos quecativavam bastante a atenção popular, esses grupos asveiculavam para distrair o povo e não deixar que vissem asomissões e crimes, que o próprio poder público praticava.Chegou-se ao absurdo de parlamentares da assembleia

legislativa do Rio, se tornarem apresentadores de programas queeram veiculados, todos os dias, ficando impossível acreditar queteriam tempo e real preocupação, para defenderem os direitos dopovo que os elegeu. Pois os programas eram apresentadosdiariamente, durante a tarde, por um período de pelo menos, trêshoras. Para eles, na imprensa, aquele lugar podia serconsiderado um SPA. O fato de naquele presídio, os presosterem alguns privilégios básicos, como: televisão, chuveiro,

visita íntima etc... Fazia com que matérias de grande portefossem feitas nessa direção. Era incrível como o fato de que arestrição do direito de ir e vir, que fora entendida pelos juristascomo uma forma de corrigir e reintegrar as pessoas ao convíviosocial, não passava pela cabeça daqueles profissionais. Sempreestavam prontos a “futucar” e descobrir alguma coisa que fossebenéfica para aqueles presos, apontando isso como o maior dos

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absurdos. Afinal de contas, a tortura e os castigos físicos nãofazem parte das leis previstas em nossa constituição e muito

menos, na lei de execuções penais, existe algo que mencioneisso. Será que ficar preso, longe da família, dos entes queridos ede todas as oportunidades de acesso social, não era o bastantepara se punir os presos? Ou deveríamos fazer como na idademédia, onde os calabouços faziam as chances de alguémsobreviver, quase impossível? Além disso, Os presos que aliestavam tinham exercido a função de policiais. Ao irem para a

prisão eram fichados com fotos e impressões digitais, tiradas naspróprias delegacias para onde, antes de ficarem presos, levaramos meliantes que prenderam. Essa e outras condições vexatóriaseram como uma verdadeira tortura para alguém que,anteriormente, fora uma autoridade respeitada. Pareciam comoum pedaço de papel higiênico, que logo após de ser usado paralimpar a nossa própria sujeira, é jogado no lixo e consideradonojento por todos nós. Ao contrário desse papel, o policial tinha

que fazer o milagre de limpar o que fosse e mesmo assim,manter-se limpo. Ainda que, para isso, tivesse que morrer comaquela sujeira.

Taís estava à janela da sala, tomando uma taça de vinho quehaviam lhe servido. Observara durante todo o incidente etambém agora, que Belchior dera uma atenção muito grande, atudo que se relacionou com aquele preso que estava na

enfermaria. Tinha certeza, de que aquele homem poderia serutilizado como o alvo para seus futuros ataques. Ele, comcerteza, seria uma pessoa de real importância para seu amante epor isso mesmo, seria usando isso que ela colocaria ciúmes emBelchior. Ainda não sabia como, mas iria pensar em um jeito.No dia seguinte, faria contato com a secretária de Belchior paraque ela a ajudasse com seu plano mesmo sem saber o que ela

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queria fazer, de verdade. Aquele homem, jogado em umasolitária, sem sexo e sem calor humano, só deus sabe há quanto

tempo, não seria difícil de controlar. Seduzir homens era umacoisa que sabia fazer muito bem. Durante o evento, ela“desfilara” pelo recinto, onde estavam todos os convidados edeixara seu charme fazer com que, todos os homens que aliestavam, focassem nela sua atenção. Mas nada disso fez comque Belchior demonstrasse algum ciúme. Sua esposamonopolizara toda sua atenção, com sua maneira solícita de

sempre ficar ao lado do seu marido. Na enfermaria, Roberto, oguarda de trânsito e irmão de William, aguardava pacientementeseu despertar. Isso ocorreu logo que os enfermeiros o deixaramsozinho com ele. William abriu os olhos e ato contínuo, umsorriso amistoso.

 – Olá, meu irmão!  – Disse Shaw.

 – Olá! Fico feliz, por saber que você está restabelecido.

William sentou-se na cama e espreguiçou-se, demoradamente.

 – Você sabia que eu ficaria bem. Afinal, você está em umestágio muito avançado de espiritualidade. Tanto, que nosreconhecemos ao nos encontrarmos fisicamente, na quadra. Masdevo dizer que estou feliz, por vê-lo aqui.

 – Vim para me confraternizar com você e para dizer que éum grande parçom, merecedor do lugar ao qual está paraalcançar. Pena que para mim, ainda está um pouco distante, essaconquista. Mas de qualquer modo, me agrada ver que alguém oestá conseguindo e que um dia estarei em seu lugar. Tambémquero parabenizá-lo pelo sacrifício. Você teve muita coragem.

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 – Obrigado, meu irmão. Você é muito lisonjeiro. Quanto aoestar longe de atingir seu objetivo, saiba que o longe, na verdade

não existe. O longe e o perto, são só mais dois dos conceitos queinventamos para nomear as coisas materiais. Mas diga-me,como vai nosso irmão Belchior, sei que está para conseguir umgrande feito, não é mesmo?

 – Agora é você que esta sendo lisonjeiro. Sabe bem que isso,o que ele está para conseguir, não passa de um título. E por queele ainda precisa trilhar um bom percurso em sua caminhada,não consegue fazer com que sua vaidade deixe de segar seusolhos para a verdadeira importância deste cargo.

 – Mas ele está no caminho. Sabe disso, não?

 – Se não soubesse, não teria dado o meu voto para favorecê-lo. Mas a sua participação na evolução dele é maior do que aminha. Espero que ele possa enxergar a dimensão disso.

 –  Meu amado irmão! Você sabe que, saiba ele ou não, oprocesso dará seu segmento, independente de sua vontade. Masacho que ele saberá, na hora certa, ver a luminosidade que seaproxima.

 –  Você é um verdadeiro iniciado, meu irmão. Esperoencontrá-lo em breve, no mundo espiritual, onde sua luz vai

iluminar meus caminhos e nossos espíritos vão caminhar juntosde novo.

 – Que assim seja!

 – Que assim seja!

Não se despediram formalmente. Roberto se levantou e saiu

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pela porta, em direção à sala da recepção. Lá chegando,procurou seus amigos e se despediu de Belchior. O diretor ficou

vendo aquele homem ir embora, imaginando o que tinhaconversado com William Shaw. Sabia que tudo aquilo tinha umsentido e que isto estava próximo de lhe ser revelado. Encerroua recepção aos convidados e levou sua esposa para casa. Taís foilevada de volta para a sua, pelo motorista de Belchior.

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CAPÍTULO VIII 

William Shaw estava deitado sozinho, na cama da enfermaria.Suas forças estavam, pouco a pouco, lhe abandonando. Nãotinha mais energia nem para fazer suas, tão apreciadas viagensastrais. Sabia que teria que poupar forças para as tentações, que

  já começavam a afligi-lo. A todo o momento, pensava emdesistir de tudo aquilo. Sua mente tentava o máximo possível,recusar pensamentos desestimuladores, como: “Para quemorrer? você pode muito bem, usar seus poderes para seregenerar e negar essa tão ambiciosa travessia para o outro lado,para o outro degrau. Isso tudo é uma grande besteira. Derepente, você vai odiar o outro estágio de evolução, pois lá não

terá a notoriedade e o reconhecimento que seus companheirospresos têm por você. Lá não poderá, nem ter a oportunidade defazer contato com uma mulher bonita, como aquela que vocêtinha visto na quadra, quando restituiu a vitalidade de Vaval.”Lembrou-se de Taís. Tinha sentido as vibrações de luxúria,provenientes dela e isso o agradaram. Sabia também, que aquelaera uma de suas maiores fraquezas e isso seria posto a prova, nomomento certo. Suas preocupações se concentravam nestes fatos

e aquilo era extremamente desconfortável. Precisava procurar apaz e o equilíbrio, de qualquer maneira. Pois isso pouparia, umpouco mais, suas energias para a grande tentação. 

A semana passou e os comentários na prisão não eram outrosse não, sobre o que tinha acontecido na quadra. Vaval estavaquase totalmente recuperado, a não ser, por uma mínima

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complicação em suas faculdades motoras, causadas por umapequena perda de massa encefálica que ocorreu em razão do tiro

que levou. A administração do presídio havia conseguido omilagre de não deixar “vazar” para a imprensa aquela notícia,que seria o maior furo jornalístico da década, se tivesse sidopublicada. Belchior estava entretido com os preparativos finaispara sua consagração como grão mestre. E seu emocionaltambém estava agitado. Não conseguia tirar da cabeça quealguma coisa estava errada. Que poderia haver algo que não o

deixaria atingir seu objetivo, que era o grão mestrado. Não podiadesabafar com ninguém sobre as suas preocupações, pois eramsegredos seus e deviam permanecer em sigilo. Estava informadoa respeito do quadro de saúde de William e Vaval, cujos dadoslhe chegavam de hora, em hora. Havia passado em uma loja quevendia paramentos ritualísticos para integrantes de sua ordem, aqual se localizava no centro. Depois dali, iria ver Taís, pois elaera um outro motivo de suas preocupações. Desde o dia da visita

no presídio, ela não tentara entrar mais em contato com ele eisso era inédito. Há alguns dias, antes disso, ela costumava ligarpara ele durante todo o dia, quando ele não estava com a suaesposa. Decididamente, algo estava acontecendo e ele iria seempenhar em descobrir o que.

Pegou seu carro no estacionamento e colocou os objetos quehavia comprado no porta-malas. Antes de fechar a porta, ficou

alguns segundos olhando para as peças de roupa que iria usar nodia de sua posse e também por muitos anos depois. Os detalhesdourados e as franjas enormes do paramento chamavam aatenção de qualquer um. Sempre achou estranho o fato de que,enquanto o iniciante usa apenas uma peça simples e semadereços, as demais autoridades daquela hierarquia usamparamentos como aqueles, sempre super-enfeitados. Afinal, a

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máxima dentro daquela ordem era a de que todos seriam sempreeternos aprendizes, não importava o grau hierárquico ou de

conhecimentos que possuíssem. Mas a Belchior agradava queassim fosse. Adorava o glamour de tudo na vida. Pensava que sealguma coisa tinha o status de chefia, ou de direção, aquilodeveria estar acompanhado de algo que o distinguisse das outrasfunções. Dirigiu o seu automóvel até a casa de Taís, mas aochegar lá, não a encontrou. Continuava estranho, ocomportamento totalmente atípico, de sua amante. Deu com os

ombros e decidiu passar na prisão, antes de ir para casa.Intencionava conseguir alguma notícia de William, ou mesmode Vaval. Lá chegando, a estranheza do que viu o aturdiu maisainda, do que o comportamento inédito de sua amante. Lá estavaela, sentada na antessala, onde ficava sua secretária. Conversavaalegremente com ela. Nunca havia demostrado interesse emfazer amizade com sua secretária. Na verdade, ela sempre aevitara, para não colocar em risco seu relacionamento. Mas ali

estavam as duas. Conversando como, se fossem íntimas halonga data. Ela o cumprimentou, como se nada de erradoestivesse acontecendo. Abraçou-o e entrou com ele em sua sala.Ele colocou as chaves de seu carro na mesa e perguntou-lhe:

 – O que está acontecendo com Você, querida?

Taís o olhou como se estivesse espantada e devolveu a

pergunta: – O que está acontecendo com você, Belchior? Pois não vejo

nada de errado comigo.

 –  Você tem agido muito estranhamente, desde a visita aopresídio e isso está me deixando inquieto. Pode me explicar, por

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exemplo, o que estava fazendo com a secretária?

Ela sorriu, como uma criança levada. Interpretou aqueleinteresse dele, como uma pontinha de ciúmes que estavacomeçando a aparecer.

 – Ora, meu amor. Acho que não há nada de estranho em umamulher solteira e ativa como eu querer fazer amizades novas,conhecer pessoas, não concorda?

Belchior estava convencido de que ela tramava algo. Maspreferiu averiguar com calma, ao invés de causar um incidente,que o deixaria, ainda mais, atarefado e aborrecido com osacontecimentos.

 – Esta bem, meu amor, não vou mais perguntar nada. Vocêpode fazer o quiser. Só lhe peço para me dar uma oportunidadede tomar conta de minhas coisas, pois estou bastante atarefado

com tudo o que está acontecendo, está bem assim? – É claro, meu amor.  – Disse ela, beijando-o na testa.

 – Tudo pela tranquilidade de meu amorzinho.

Belchior então, se despediu dela e passou a se preocupar comos dizeres ritualísticos do dia de sua posse. Devia decorar todasas frases que deveriam ser proferidas durante a cerimônia.Poderia ter isso tudo em um papel, em sua mesa lá no templo,mas queria impressionar a todos, já no início, pois sabia queseria observado por diversas autoridades, dentro e fora daparçonaria. Enquanto fazia aquilo, sua secretária bateu à suaporta e depois de ser atendida por ele, lhe contou o que haviaacontecido na visita de sua amante ao escritório. Contou-lhe

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que, após conversarem sobre coisas normais, que todas asmulheres conversam, perguntou a ela se podia agendar um dia

de visita para se encontrar com William Shaw. Ao serperguntada se ela era íntima do mesmo, respondeu que não, mashavia ficado interessada no rapaz e queria ter com ele, poishavia sabido que ele costumava atender os presos para favorecerlhes, com seus dotes e ela estava precisando encontrar comalguém assim, para resolver alguns problemas dela. Belchiorficou aturdido. De novo, William Shaw. Será que tudo que

acontecia de estranho, em sua vida, tinha que ter seu nomeenvolvido? Agradeceu a sua secretária pela demonstração delealdade e despediu-a de seus afazeres. Concluiu a suamemorização e foi para casa. Dormiu um sono pesado, pelaprimeira vez, em dias. Acordou bem disposto e passou o dia notrabalho, fazendo de tudo para contornar os problemas, que jávinham se arrastando, há tempos, sem solução. Não queria terpendências demoradas dali por diante, pois sabia que acumularia

cargos e isso poderia consumir tempo demais de sua vida.Pensou em eleger algum irmão da ordem para ajudá-lo naprisão. Poderia confiar nele, é lógico, pois todos faziam um juramento de lealdade e fidelidade aos irmãos e a ordem, assimque eram iniciados no primeiro dia. Lembrou novamente deWilliam Shaw e pensou se ele, como iniciado em sua instituição,tinha sido leal para com seu irmão que estava preso. Decidiupensar nisso depois que se livrasse de todas as exigências, dasquais estava sendo encarregado, no momento. Não tinha tempopara pensar em nada que não fosse aquela responsabilidade, quepara ele, era o mais importante, no momento. Acabou deprogramar todas as suas decisões e deu como encerrado o seutrabalho. Saiu da sala e se encaminhou para a enfermaria. Queriafalar com William e ver como estava. Na verdade, desejava ter

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alguma informação sobre as respostas para as dúvidas, que oafligiam há tempos. Sabia que, como em todos os encontros, ao

invés de respostas, ele sempre lhe dava charadas, que odeixavam ainda mais confuso a respeito do que estavaacontecendo. Mas pensou que poderia mudar sua abordagem efalar com ele na linguagem que estava acostumado a falar,sempre que tratava algum assunto com uma pessoa importante.Sorriu, ao pensar que, para ele, Shaw não era uma pessoaimportante, ao contrário do que os estatutos de sua ordem

diziam. Para a parçonaria, o bem estar de seus irmãos, tantofísico, como espiritual, deveria ser um assunto de extremaimportância, pois o círculo místico do qual todos faziam parte seressentia, sempre que um de seus integrantes fosse afetado. Eracomo se fosse um organismo, onde qualquer célula afetada, fazcom que o resto do conjunto seja prejudicado. Todos sabiamdisso, mas nem todos procuravam agir de maneira condizentecom este preceito. A vaidade e muita das vezes, a falta de amor,

impedia a muitos de cumprir suas obrigações com aqueleconjunto. O resultado era, quase sempre, desastroso eirremediável. Mas tudo isso fazia parte do mecanismo, o qualequilibrava a balança do universo, extraindo e depositandoenergias, aqui e ali, de acordo com as atitudes que todostomavam.

William Shaw estava sentado em uma cadeira na enfermaria.

O médico que cuidava dele, não conseguia entender o que estavase passando com seu paciente. A cada dia, ele perdia peso etônus muscular. Sua frequência cardiorrespiratória tambémsofria alterações, com a mesma periodicidade. Não havia nadade errado com ele. Seus exames continuavam normais. Haviaprescrito várias vitaminas e hormônios, para reforçar o seuorganismo, mas tudo havia sido em vão. Shaw sabia muito bem,

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o que estava acontecendo com seu corpo. Os médicos, ao longodos séculos, foram acumulando conhecimentos a partir de suas

experiências e dos fatos que observavam, onde a natureza muitadas vezes, lhes dava a dica do que fazer para solucionar oproblema. Mas até hoje, não haviam descoberto nada que osdesse segurança para fazerem seu trabalho, de maneira eficientee objetiva. Isso acontece, por que os instrumentos humanos queusam para trabalhar, ou seja, os cinco sentidos, não traduzem arealidade das disfunções que se manifestam nos homens, de

forma correta. A medicina chinesa foi a que chegou mais pertode enxergar a doença de forma acertada. Com milênios deexistência, começou seus estudos e experiências, procurandoaveriguar os pontos no corpo onde as energias se concentramque são chamados de CHACRAS, além das linhas pelas quais asenergias yin e yang circulam neles. Algumas práticas conhecidascomo: do in, shiatsu e acupuntura, são hoje estudadas epraticadas pelo mundo ocidental, mas ainda estão longe de se

aproximarem do real sentido desse conhecimento, pois o homemocidental tem dificuldade de enxergar o que os olhos nãoconseguem ver.

Belchior entrou na enfermaria, fazendo cara de preocupado.

 – E então, meu amado irmão? Como estamos, nesta manhã?Espero que tenha tido melhoras.

William o encarou nos olhos e perguntou, depois de algunssegundos:

 – Sei que sabe tudo sobre meu estado de saúde, meu irmão.Mas não é isso o que veio me perguntar, não é? Pode ficar àvontade para fazer a pergunta que tanto o afligem.

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Belchior apertou os lábios e suspirou profundamente. Sóentão, abriu a sua boca para falar:

 – Bem! Se for assim, vou começar perguntando-lhe por quediz que nossos destinos estão ligados e o que tenho que fazer,para que tudo fique normal na minha vida.

 – Vou lhe responder a isso, mas não sei se você vai aceitar,não neste momento. Sabe, na bíblia existe uma história sobre umfariseu, muito importante entre os judeus, chamado Nicodemos,

que foi ter com Jesus para saber por que ninguém conseguiafazer os sinais que ele fazia. Ele então disse àquele homem queera necessário nascer de novo, para alcançar o reino dos céus.Por que quem nasce da carne, é carne e quem nasce do espírito,é espírito. O nascer de novo significa apagar, todo e qualquerconceito que não tenha relação direta com as coisas espirituais.Você começou a trilhar um caminho, com muita vontade deaprender, mas com o passar do tempo, desviou seuentendimento das coisas que aprendia por causa de sua vaidade,egoísmo e falta de fé. Tudo isso, seria só um caso de fracassocomum, se não fosse por sua grande capacidade e intelecto. Porisso, o universo achou por bem equilibrar a balança do destino,fazendo com que nosso encontro lhe fornecesse a oportunidadede se tornar um iniciado e assim, continuar com sua escaladapelo caminho de sua evolução.

 – Ora, meu amado irmão! Acho que sua enfermidade abalouum pouco, seu raciocínio. Eu já sou um iniciado. Iniciei-me emnossa ordem, antes de você. Na verdade, anos antes até. Passeipor diversas graduações dentro de nosso ritual e em todas elas,fui submetido a várias iniciações. Como então, pode imaginarque irei ser iniciado de novo? Tem certeza de que está passando

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bem?

Falou isso, colocando a mão na testa de Shaw. Mas quando ofez, sentiu um forte arrepio percorrer lhe o corpo. Por ummomento, pôde sentir como se estivesse próximo a um grandeprecipício. Como se estivesse em frente da morte.

 – Não se assuste, disse William. O que acaba de sentir é sóum dos pilares para a construção do que está por vir, e comovocê ainda não é um iniciado, não consegue encarar isso, com a

ótica de um. Mas tudo isso lhe será acrescentado na ora certa.Porém, a sua aceitação é imprescindível para que tudo funcionecomo tem que ser. Meu corpo material está enfermo, por quetive que fazer uma escolha e você, na ora certa, terá que fazeruma escolha também. Lembre-se disso: quando estiver numbeco sem saída, saiba que nem todas as paredes desse becopodem impedir que você veja o céu acima de sua cabeça.

 – Eu... Eu... Continuo sem entender o que devo fazer. Diga-me, por favor, o que devo fazer?

 – Isso também é muito simples: seja um parçom de verdade.Pratique e viva tudo aquilo que estudou, por toda a sua vida, naparçonaria. Pratique a fé, a esperança e a caridade. Verá que asrespostas para todas as perguntas aparecerão na sua frente e

conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.

 –  Devo entender então, que a iniciação feita na ordem nãosignifica nada? Ninguém que foi iniciado em uma loja pode seconsiderar, realmente, iniciado?

 –  Não existe uma receita de bolo para isso, meu amadoirmão. Cada um tem que passar por sua própria experiência, e

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vai depender dele, da pessoa que foi iniciada ritualisticamente,se isso foi válido, ou não. Há pessoas que nem precisam ser

ritualisticamente iniciadas, pois já nasceram com sua próprialuz, mas a grande maioria, deve se empenhar para alcançá-la.

Belchior havia entendido tudo, mas não podia aceitar que eleainda não era um iniciado. Não conseguia achar, nas lições quehavia aprendido sobre essa matéria, a razoabilidade sobre o queouvira.

 – Bem!  – Disse ele.  – Se tenho que passar por algo ainda,que não tenha visto antes, o problema está resolvido.Certamente que tomarei a decisão correta, quando chegar a hora.Fique tranquilo.

William Shaw sorriu para ele e assentiu com a cabeça.

 – Tenho certeza que sim, meu irmão. Espero encontrá-lo em

breve, no mundo para onde vamos e que assim seja.Belchior conversou com o médico que acabara de chegar,

sobre a saúde de seu irmão. Concordou com as medidas tomadaspor ele, se despediu de William e voltou para sua sala.

 –  Hum! Não sou um iniciado, bah! Deve estar ficandomaluco.  – Disse, enquanto caminhava.

Chegando a sua sala, esqueceu tudo o que conversara comShaw. Estava convencido de que o homem não estava sabendo oque falava e então, voltou a se ocupar com seus afazeresnormais.

No dia seguinte, Belchior não foi trabalhar. Queria estar emcasa para ter privacidade, a fim de tratar de assuntos secretos

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que envolviam sua ordem. Tinha de se inteirar de tudo o queteria de fazer, depois que se tornasse grão mestre. Não queria

por os pés naquele lugar, totalmente cego. Além disso, queriaque todos soubessem que ele podia controlar, muito bem, osassuntos de sua ordem. Deixou orientações com sua secretáriapara que ela pudesse resolver os eventuais problemas queaparecessem e se não conseguisse resolver algum, deveria ligarpara seu celular e pedir-lhe ajuda. Só não tinha deixadoorientações sobre o que fazer com a sua amante, se ela viesse ao

presídio, a fim de fazer uma visita a um detento. E foi isso o queTaís fez naquela manhã. Usava uma roupa extremamenteextravagante e sensual. Pediu para não incomodar Belchior, poisdeclarou que ela já havia pedido permissão a ele para estar ali eele tinha concordado. De qualquer maneira, não estava lhepedindo nada que fosse ilegal ou proibido, pois visitas a presospodiam ser facultadas, a qualquer pessoa. A secretária pensoupor alguns minutos e decidiu não avisar ao seu chefe, pois a

mulher havia dito a verdade. Os presos podiam ser visitados porqualquer um, desde que se identificassem, adequadamente ecumprissem as exigências da administração.

A secretária admitiu a entrada de Taís e entregou lhe o cartãode ingresso para visitantes. Ela se informou na entrada comopoderia chegar até a enfermaria e procedeu para lá, deixando oshomens, pelos quais passava no caminho, totalmente inebriados

por sua sensualidade. Encontrou a porta da repartição de saúde eentrou, sem bater. Deu com a recepção da enfermagem vazia.No horário de visitas, geralmente, os enfermeiros e médicosficavam na sala de reuniões, vendo televisão ou tomando café.Sabiam que suas presenças deixavam os visitantes, pouco avontade, pois a falta de intimidade fazia com que as visitasmedissem seus atos e palavras e essa ausência de privacidade

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não era apreciada por ninguém. Entrou no quarto da enfermariaonde deveria estar William Shaw. Não o viu, de pronto, pois as

camas eram todas rodeadas por cortinas brancas, fazendo comisso uma divisão espacial, como se fossem gabinetes. Mas aoadentrar um pouco mais, viu o preso em sua cama, deitado comas mãos em cima do peito e com os olhos fechados. Aproveitoua falta da visão dele para reparar no corpo daquele homem.Apesar de estar muito maltratado pelos anos na cadeia, pôdeperceber certa marca de beleza nele. Era aquele tipo de homem

rústico, como se fosse um homem do campo, ou um lenhador.Pensou que não seria nem um pouco difícil, se acostumar comele intimamente. Tomou um susto, de repente, quando os olhosde Shaw se abriram, focados diretamente nos seus. Apesar denão ser um olhar ameaçador, viu que não seria tão fácil, comopensava, conquistar a atenção e a libido daquele prisioneiro.

 –  Bom dia, William! Meu nome é Taís. Sei que você não

deve estar lembrando-se de mim, mas estive aqui durante avisita ao presídio com os amigos do diretor e estava presente,quando você efetuou aquele milagre. Fiquei tão impressionadacom sua atuação, que decidi visitá-lo e conhecê-lopessoalmente.

William não respondeu. Estava focado em resistir à tentaçãoque aquela mulher tentava conseguir provocar nele. Enxergou

sua beleza e sensualidade, é claro. E como sua maior fraquezasempre foi a atração pelo sexo oposto, aquela tarefa iria sermuito difícil de executar.

Ela se aproximou mais dele e deixou que sentisse seu perfumeagradável. A sensualidade é um dom que nasce com as pessoas.Na verdade, é um poder muito forte, pois pode converter

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pensamentos e sentimentos à vontade de quem a possui. Não setrata apenas de beleza, ou corpo atraente. É uma vibração

magnética, que nos atinge em cheio, fazendo-nos, às vezes,ceder aos desejos de quem consegue nos cativar, usando essedom.

 – Sabe William, depois que fui para casa, não consegui tirar asua imagem de minha cabeça. Senti, logo de cara, que você erauma pessoa muito especial. E depois de saber que, aqui naprisão, você era um prisioneiro muito importante, minhavontade de te conhecer cresceu mais ainda. Espero não estarsendo incômoda para você.

William interrompeu-a, de repente.

 –  Gostaria que você me dissesse o porquê veio aqui,realmente. Isso seria possível?

 – Mas, como assim?  – Disse ela se aproximando mais aindadele.

 –  Já não lhe contei que fiquei fascinada, por sua atuaçãonaquele dia? Sei que deve ser um homem muito importante aquidentro, mas acho que você poderia me dar um pouquinho deatenção, afinal, também preciso de alguém como você, parafazer um milagre em minha vida, sabe?

Disse as últimas palavras pegando a mão de Shaw e fazendocara de dama em apuros. William sentiu um calafrio, causadopela excitação que sentiu ao toque de sua mão, fina e bemcuidada. Seu corpo material começava a reagir, como o machoda espécie que era. O suor começou a surgir, levemente, em suapele e seus batimentos cardíacos começaram a acelerar. Era o

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início de seu “calvário”. As tentações são diferentes e tambémsão interpretadas diferentes por cada pessoa. O que pode ser

difícil de resistir para uns, é facilmente resistido por outros. Osvalores que damos as coisas que nos cercam, além de nossascaracterísticas pessoais, são os verdadeiros dosadores de nossatentação. William sabia disso tudo e faria o máximo para passar,com êxito, por aquela última prova.

 –  Senhorita! Se acredita mesmo que posso fazer milagres,então também acredita que sei exatamente o motivo que a trouxeaqui hoje, não é mesmo?

Desta vez, foi Taís que teve seus batimentos cardíacosacelerados. Não havia pensado naquela possibilidade. Seriamesmo ele capaz de ter adivinhado o motivo de sua vinda? Seriaaquele homem, um verdadeiro mago?

 – Você pode duvidar de que eu pudesse conhecer, o que se

passa em sua cabeça, mas acredite, eu não só posso, como sei oque fazer para sair dessa prisão em que seu espírito se encontra.

A dinâmica da conversa mudou totalmente, depois disso.William Shaw tinha conseguido dominar o rumo daqueleencontro. Bastava agora se manter naquele intento, para quetodo o futuro relacionado a ele se passasse a contento.

 –  Nós somos o que pensamos ser. O nosso futuro nãopertence a mais ninguém, além de nós mesmos. Todo o valorque damos a algo, ou a alguém, nos faz prisioneiros daquilo.

 – Você acha que não sei disso? Está sendo muito óbvio, paraa pessoa que dizem que você é. Eu já tentei de tudo, pararesolver meu problema e não aconteceu nada. Prove que você é

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um bruxo e me dê uma poção mágica que me faça ser eu, denovo. Que me faça recuperar minha vida, como ela era antes.

 – Não existe um remédio material para isso. Todas as coisas,que você possa ter visto funcionar com outras pessoas, como:poções, amuletos, ou algo parecido, não passam de placebos.Como aqueles que os médicos dão aos doentes, dizendo seremremédios milagrosos e eles acabam se curando sozinhos,acreditando que foi aquela falsa droga, que os curou. Somostotalmente suficientes, para curarmos a nós mesmos, física eespiritualmente falando. Nossos pensamentos e emoçõesdescarregam energias magnéticas em nosso corpo, que podemnos causar sofrimentos psicológicos, físicos e até mesmo amorte. Mas pertence a nós, a chave da cura para todos essesmales. Pois também somos nós, que produzimos suas causas.

 – Mas eu não sou forte, o suficiente. E aí? O que posso fazer?Estou condenada então, a sofrer para sempre?

 – Você decidirá, até quando vai sofrer. Você regula isso. Sóvocê pode fazer as suas escolhas. Posso, porém, lhe darferramentas para ajudá-la a lutar contra seu sofrimento. Mas senão perseverar em usá-las, se condenará para sempre.

Taís começou a chorar, copiosamente. Sabia do que Shawestava falando. Deveria dizer adeus àquele amor impossível,para que pudesse ser feliz de novo. Deveria perseverar, procurarresistir aos seus ímpetos e tomar a direção do que achavacorreto. Apesar da dificuldade de aceitar isso, resolveu seentregar àquele plano, como se fosse uma tábua de salvação paraela.

 – Por favor, me ajude! Eu vou levar isso sério, eu prometo!

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William Shaw pôs as mãos sobre a cabeça da moça. Fechouseus olhos e começou a fazer passes de magnetismo animal, por

sobre o corpo de Taís. Teve que se esforçar muito, para nãodesviar sua concentração para a sua carne. O poder daquelecorpo feminino sobre ele era avassalador. Mas ele conseguiuficar firme, até o fim, quando terminou de dar os passes esuspirou ofegante.

Taís estava se sentindo estranha. Não havia esquecido osproblemas pelos quais passava, mas se sentia muito mais fortepara contorná-los. Sentia-se como a muito não se sentia, quasefeliz, na verdade. Pensou que poderia vir sempre ali, para aliviarsua dor e continuar assim, encontrando-se com Belchior.Sempre que ficasse abalada, recorreria a Shaw e ele a aliviariade novo. Mas sua idéia logo foi repelida pela voz de William.

 – Lembre-se! Se não tomar a atitude correta, vai se condenarpara sempre. Todo remédio que é tomado em demasia, passa anão surtir mais efeito para a dor que antes curava.

Ela baixou a cabeça e assentiu, com pesar. Abraçou-o e apóslhe agradecer demoradamente, se despediu de seu salvador.Sentia-se bem, poderosa, dona de si mesmo e gostou da ideia deque poderia resolver sua vida, por si própria. Estava decidida acolocar aquilo em prática. Havia encontrado a verdade, pelo

menos, para aquela situação e a verdade iria libertá-la. WilliamShaw permaneceu em sua cama, imóvel. Sua mente haviatravado com ele uma verdadeira batalha. Os conflitos foramvencidos com louvor, mas aquela impressão que nos dá, àsvezes, de que perdemos uma oportunidade de satisfazer nossacarne ainda tentava assolá-lo. O seu tempo estava acabando.Restava apenas, esperar que o último cenário de sua vida

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material se descortinasse e focar suas últimas energias, para não“morrer na praia”. Voltou a sua concentração anterior,

mentalizando a sua vontade em ser bem sucedido. Quando ohomem usa, adequadamente, sua mente como ferramenta paraatingir o que deseja tudo se torna muito mais fácil. O nossomundo é feito de pensamentos, de mentalizações. Poderiamesmo se dizer que o mundo é puramente mental. Uma mente,coletiva e una ao mesmo tempo, é que dita as regras que fazemde nosso mundo o que ele é. Ele deveria ficar ali, naquela

condição resumida. Era tudo o que lhe restava a fazer.A cadeia estava em polvorosa. Era dia de visita. Nos dias de

visita, algumas regras eram seguidas a risca. Os visitantesdeviam ser tratados com todo o respeito e solicitude, quepudesse lhes ser dispensado. Nestes dias, não se podia ficar semcamisa nos corredores, para não dar a impressão de desleixo ousensualidade. As esposas dos presos deveriam ser respeitadas,

ao extremo, sendo proibido até mesmo lançar lhes olharesdemorados. As roupas não podiam ficar penduradas no varal,mesmo se não tivessem ainda secado e principalmente, sefossem roupas íntimas. Os corredores deveriam ser lavados earrumados no dia anterior, para darem a mais bonita impressãoa respeito do espaço onde viviam. Queriam que seus familiarestivessem a sensação de que os acautelados não estavam sofrendotanto com a prisão, para que não ficassem tristes quando

estivessem de volta às suas casas. Outra das grandespreocupações dos presos era não passar para os parentes eamigos da visita, qualquer notícia que os deixasse alarmados oupreocupados com seus entes queridos. Por isso mesmo, é que anotícia sobre o que ocorrera com Vaval, havia sido encoberta,com tanta facilidade. O ressuscitado havia retornado do hospital,usando muletas. Sua coordenação motora não permitia mais que

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ele fizesse grande parte dos exercícios, que fazia antes. Mas suaalegria de viver o havia ajudado a superar essa dificuldade, que

ainda não se sabia se era definitiva. Passava pelos corredorescumprimentando a todos e demonstrando sua alegria porcontinuar vivo. O primeiro que cumprimentou ao chegar àprisão, foi William Shaw. Passou quase uma hora, agradecendo-o pelo que fez a ele e jurando sua fidelidade àquele queconsiderava “a lança de São Jorge”. Todos os dias ia visitá-lo naenfermaria e ficava inconformado, por não poder fazer nada por

sua melhoria de saúde. Levava para o grande amigo: frutas,livros e revistas, além de, quando em vez, alguns pratos quefazia seus familiares trazerem nos dias de visita. Tudo isso, sópara os oferecer ao seu salvador. Por vezes, brigava com ele,dizendo que poderia ter sua auto-cura, no momento quedesejasse e não conseguia entender por que Shaw já não haviafeito isso. William lhe dava uma desculpa qualquer e odispensava, pois ele não conseguiria entender a trajetória que

estava fazendo, nem tão pouco o sacrifício que havia feito porseu amigo manco. Além do mais, não se deve tornar público umato filantrópico. O próprio Jesus, recomendava segredo sobrenossas boas ações se alguém as praticasse. A energia que afilantropia causa nos favorece muito no plano espiritual, mas setorna fraca quando deixamos que nossa vaidade a torne pública.

Foi durante uma dessas visitas, que William Shaw teve um

piora em seu quadro de saúde. Seu corpo estava pálido e suasreações metabólicas eram quase imperceptíveis. Conseguia falarcom muita dificuldade e depois que o médico constatou aproximidade da falência generalizada de seu organismo, mandouchamar o diretor do presídio, pois ele era o único que tinhaautonomia para ativar os serviços de ambulância e posteriortratamento no hospital central da polícia. Itens necessários para

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salvar a vida daquele preso. Belchior chegou apressado até aenfermaria e pediu para que todos o deixassem a sós, com

William. Vaval só consentiu em deixar a sala, porque quemsolicitara a conversa privada com o diretor, fora ele mesmo. Masprometeu que voltaria logo, caso algo não acontecesse rápido,para salvar seu amigo.

Belchior sentou-se, bem próximo ao doente e perguntousolícito:

 – Pronto, meu amado irmão, já estamos a sós. O que possofazer agora, para ajudá-lo?

William abriu a boca e começou a falar com muitadificuldade:

 –  É chegada a hora, meu amado irmão. “A lagarta” já estáquase toda envolvida em seu casulo e dentro em pouco, sua

metamorfose irá se completar. Tudo o que preciso agora, é quevocê não deixe me tirarem daqui para o hospital. Pois hoje, essecorpo corruptível não será mais necessário e eu conseguirei aminha, tão sonhada, viagem.

 – Mas, isso não é possível! Então está me pedindo que eu odeixe morrer? Que eu não chame o socorro, que me é cabívelchamar, até mesmo por força de lei? Se eu deixar de

providenciar socorro para você, serei acusado de homicídiodoloso e isso acabaria com minha carreira, acabaria com minhavida inteira.

Belchior ficou estarrecido, com o que acabara de ouvir. O queWilliam Shaw lhe pedia, faria com que ele fosse consideradoum criminoso. Isso acarretaria em ser expulso da sua

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corporação. Também perderia o cargo de grão mestre de suaordem. Seria, com certeza, condenado e passaria vários anos na

cadeia. Não havia cabimento nenhum, cogitar em atenderaquele pedido.

 – O que me pede é impossível de se atender. Minha vida setornaria um buraco sem fundo. Perderia tudo o que tenho e meufuturo seria um borrão negro, dentro da escuridão. E além domais, de que isso adiantaria? Porque me pede isso, afinal?

William o encarou nos olhos e disse, bem lentamente:

 – Seríamos verdadeiramente iniciados. No meu caso, de umgrau, para outro , no seu caso, poderia conhecer isso....

Nesse momento, seu corpo começou a reluzir. Reluzia tãoforte que quase cegava Belchior. Em um dado momento, já nãose distinguia mais o corpo de Shaw, da luz que ele irradiava. Foi

então que, de repente, Belchior viu todo esplendor da dimensãoonde ele estava. Sua boca, sempre entreaberta, não conseguiapronunciar uma só palavra, do muito que desejava falar. Viu umpedaço do paraíso que se abria a sua frente. Pela primeira vezpôde conhecer, realmente, o sentido daquela palavra. O paraísoera aquilo. Não podia ser outra coisa. Nenhum escritor poderiadefini-lo e nenhum pintor, por mais habildoso que fosse, poderiarepresentá-lo em nenhuma pintura. Era inconcebível, a qualquermente humana. Aos poucos, a luz foi se enfraquecendo e logo,ele se viu de volta ao lugar de onde, na verdade, não tinha nemsaído.

 – Então é assim? É esse o lugar, para qual você tanto almejair?

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 – É um dos lugares, disse William, quase sucumbindo. É olugar por onde você deverá passar, também. Chegou a sua hora,

meu irmão! Você deverá agora tomar sua decisão, como euhavia lhe advertido. Será seu primeiro passo. Não tenha medo!Agora sabe o que tudo isso, o que chamam de mundo real, é naverdade. Não deixe que levem meu corpo para o hospital. Issome impediria de partir e também o impedirá de começar a trilharseu caminho. A decisão está em suas mãos.

Disse isso e desfaleceu. Belchior encostou seus dedos na sua  jugular e percebeu, por seus batimentos cardíacos, que aindavivia. Estava aturdido. O que fazer? Prosseguir com aqueleplano macabro, ou continuar vivendo sua vida resumida.Considerava sua vida dessa forma agora, depois que viu o queaquele mago lhe havia mostrado. Resolveu chamar o médico daprisão, a fim de verificar as verdadeiras condições de saúdedaquele homem. O mesmo entrou na sala, apressadamente e

colocou logo seu estetoscópio no peito de William. Depois defazer outros exames rápidos, pediu a Belchior para quesolicitasse a ambulância com urgência, pois, caso contrário, opaciente estaria morto em poucos momentos. Belchior baixou acabeça e começou a meditar sobre aquela situação esdrúxula.William estava certo. Ele estava com muito medo de tudoaquilo. Medo muito maior, do que sentiu na iniciação em suaordem, ou que havia sentido em toda a sua vida, pois na

iniciação, sabia, pelo menos, que nada poderia atingi-lo deverdade. Mas tudo ali era real. Compreendeu agora o porqueShaw tinha optado pelo exílio e o silêncio. Na vida, emliberdade, ele jamais conseguiria reproduzir essas condiçõescom exatidão. Aquela foi sua verdadeira iniciação e ele agorairia galgar, realmente, o acesso ao próximo grau de suaevolução. Sentiu-se como um idiota, por pensar que o que vivera

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todo esse tempo em sua ordem, fosse a verdadeira evolução.Tinha visto um pedaço do que o aguardava. Tinha visto a luz,

em todo seu esplendor e era lindo. Ele agora sabia o que queria.William Shaw havia conseguido convertê-lo, de verdade. O seutesouro e o seu coração, agora estavam em completaconcordância e equilíbrio. Olhou para o médico e pediu paraque ele o aguardasse e disse que logo retornaria comprovidências. Estava, na verdade, ganhando tempo. Não iriasolicitar nenhuma ambulância. Pela primeira vez em sua vida,

tinha tomado uma decisão difícil, com toda certeza sobre seuresultado. Entrou na sua sala e fez o que não fazia, há anos.Começou a esvaziar sua mente e entregou-se a meditação,enquanto esperava pelo desenrolar dos fatos. Conseguiuencontrar a tranquilidade e sua mente vagou pelo nada semnenhuma preocupação, com alguma coisa. Foi assim que avistouo espírito de Shaw sorrindo para ele. Sua aparência eramagnífica. Seu corpo parecia ter sido esculpido por um artista

plástico e seu rosto brilhava como o sol, em dia de verão. Aluminosidade já não o incomodava mais. Ele e a luz, agora eramum só e a intimidade entre os dois era a coisa mais encantadorado mundo. William foi se afastando dele, aos poucos. Elecomeçou a tentar segui-lo, mas sua meditação foi interrompidapor trovoadas, que depois, pôde identificar como alguémesmurrando sua porta. Este alguém era Vaval. Batia e gritava àsua porta, exigindo que ele a abrisse. Tentava obrigar o diretorda prisão a chamar uma ambulância para socorrer seu amigo.

 – Abra! Abra! Seu desgraçado! Abra!

Ele não a abriu. Ao invés disso, pegou seu celular e ligou paraseu advogado, pedindo para que este o encontrasse no presídio.Precisaria muito dele, depois que tudo estivesse consumado,

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como suspeitava. Depois ligou para a guarda do quartel e pediuque seu comandante se apresentasse a ele, o quanto antes,

trazendo consigo também o oficial de dia. Queria minimizar asconsequências do ato que estava cometendo. Tudo feito dirigiu-se ao pequeno bar em sua sala e se serviu de um copo de vinho.O barulho das batidas na porta parou e ele pôde ouvir a voz docomandante da guarda do lado de fora. Abriu a porta e pediu queo oficial de dia entrasse. Uma vez lá dentro, passou para ele suasúltimas determinações. Desejava facilitar a vida do jovem

oficial, que viveria um inferno, dali por diante. –  De agora em diante, você está no comando do presídio.

Estou me entregando a você, por ter cometido um crime contravida de Wiliam Shaw. Faça contato com o comando de nossaorganização e relate o ocorrido aqui. Aguarde dele suas ordens etome as medidas que lhe forem determinadas.

 – O tenente, que respondia pelo posto de oficial de dia, ficouuns instantes sem se mover. Nunca tinha ouvido falar de umcaso como aquele. Sabia que deveria cumprir o que lhe foraordenado e após suspirar profundamente, assumiu de novo suanormalidade.

 – Queira me acompanhar, senhor.

Na saída da porta, Vaval se debatia com os guardas quetentavam controlar sua fúria. Estava furioso por não terconseguido salvar seu amigo, que outrora, havia lhe dado outraoportunidade de vida. Os xingamentos e ofensas à Belchior, nãoparavam de sair de sua boca e só conseguiram tirá-lo dali, porcausa de seu estado deficiente, causado pelo tiro que levou.Entre outras coisas, jurou testemunhar contra ele quando fosse

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  julgado pela morte de seu amigo e garantiu que o mataria,quando, depois de condenado, ele fosse trazido para ali, como

preso naquela cadeia. Belchior não se afetou pelos insultos queouviu. Nem o clamor da prisão, que estava revoltada com asnotícias que se espalharam, o abalou. Estava em paz consigomesmo. Essa sua atitude também pesou muito no julgamento aoqual foi submetido, pelo crime de homicídio. O júri, queentendeu sua tranquilidade no dia do delito como horrenda,votou, com unanimidade, pela sua condenação e o juiz o

sentenciou a trinta anos de prisão, em regime fechado. A políciamilitar também abriu um procedimento administrativo, que oexpulsou quase que sumariamente de suas fileiras, sendo omesmo por isso, enviado para um presidio comum, no bairro deBangu. Lá, ele sofreu inúmeras agressões por parte dos presos,que rapidamente souberam a respeito dos motivos que o levarampara lá. Os guardas da prisão, no intuito de preservar sua vida, ocolocaram na solitária, onde permaneceu por alguns anos. Na

verdade ficaram surpresos ao constatar que, antes de o fazerem,o prisioneiro não tivesse sido assassinado ainda, pelos outrosdetentos. Com o passar do tempo, todos acabaram seesquecendo dele. Agora, era só mais uma personagem de umadas histórias da prisão. O ciclo havia se fechado. E agoracomeçaria um outro processo, que também iria se completar nofuturo, perpetuando o fluxo e o refluxo eterno no universo .

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Taís fazia bastante esforço para terminar a série de exercíciosque cumpria, na academia de musculação que frequentava.

Enquanto fazia os exercícios, admirava sua imagem no espelho,que estava bem em frente a ela. Estava ainda mais bonita. Aalegria de voltar a viver feliz tinha feito verdadeiros milagres emseu corpo. Os nossos sentimentos tem relacionamento diretocom nossa constituição física. Quando passamos a vida,aborrecidos, ou tristes, nossos corpos tem muito mais tendênciaa degeneração precoce. Isso acaba nos envelhecendo cedo, ou

nos deixando doentes e até nos matando. O inverso, tambémocorre de maneira semelhante. As pessoas que vivem nointerior, longe do tumulto das grandes cidades, têm muito maischances de viverem mais e melhor. A qualidade de vida envolvediversos fatores, como: alimentação, higiene, paz de espírito,etc... Mas dentre todos eles, o estado emocional é o maisdeterminante para a qualidade de vida de qualquer pessoa. Erasábado, e dali a algumas horas, ela estaria saindo para se divertir

com algumas amigas. Isso era muito importante para ela, poiscompensava a semana de trabalho que vivia como supervisora,em uma loja de modas de grife. Pensou no tempo em que haviaperdido a vontade viver e deu graças a Deus, por ter conseguidodar a volta por cima de tudo aquilo. Lembrou-se de seu encontrocom William Shaw, quando ele ainda estava vivo, que deu a elaa chave para abrir a porta à sua felicidade. Ele era mesmo umgrande homem. Lamentou muito a sua morte e mesmo ficandocom raiva de Belchior, por ter sido o causador disso, tentouvisitá-lo em Bangu, logo no primeiro mês em que foi preso. Ele,porém, não autorizou sua visita e a administração do presídionão pôde liberar sua entrada ao prédio. Entendeu isso como umsinal de que deveria se afastar dele e não voltou mais à prisão,dando por finalizado, de uma vez por todas, aquele

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relacionamento. Achou melhor assim, pois se Belchior nãoqueria mais vê-la, era sinal de que ela nunca teve nenhuma

importância para ele. Só lamentava a morte de William. Sentiuque ele era atraído por ela, de alguma maneira e não seimportaria, nem um pouco, de ter um relacionamento com ele,se a oportunidade tivesse aparecido na época. Bem, mas agora,nem isso tinha mais importância, pois havia encontrado alguémque se importava com ela e a deixava feliz e era isso o querealmente importava. O rapaz havia se apaixonado por ela e seu

relacionamento estava fazendo muito bem aos dois. Deixaria suaaula de ioga para outro dia, afinal, havia aprendido, comWilliam, a importância do equilíbrio das suas energias.Despediu-se de todos na academia e foi para sua casa, darcontinuidade a sua felicidade.

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O INÍCIO

Bezerra estava dirigindo o carro que comprara, meses atrás,

desde que saiu da prisão, quando ganhou o recurso feito por seuadvogado ao tribunal de justiça. Aquilo era uma das coisas quemais lhe dava prazer. É incrível como valorizamos algumascoisas, quando elas nos são tiradas por algum tempo. Coisassimples, como dirigir um carro, sentar numa praça e outras dessanatureza, agora eram motivo de extremo prazer para ele. Mas oque tinha mais prazer em fazer, era ir para aquela reunião, todasas quintas-feiras. Estacionou o veículo na porta da loja e usousua chave para abrir o portão que dava acesso ao templo. Foiiniciado na ordem da parçonaria, por convite de seu advogado, oqual tinha aprendido a admirar, vindo a saber, mais tarde, queeste era parçom, quando comentou com ele o ocorrido em suarelação com William Shaw na cadeia. Quase sempre era oprimeiro a chegar e como também era ainda um iniciante ali, foideixado ao mesmo a incumbência de fazer os preparativos no

templo, antes da chegada do resto de seus irmãos. Estava  justamente fazendo isso, perto do altar, quando sentiu um leveaperto em seu ombro. Sentia como se uma mão tivesse sidoposta sobre ele. Teve a certeza absoluta de que era WilliamShaw, que viera visitá-lo. Sentou-se em um dos bancos eesvaziou sua mente, para começar sua meditação. Shawapareceu para ele sorridente e abrindo os seus braços, para

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recebê-lo.

 – Que bom estar com você de novo, meu irmão!Disse as últimas duas palavras com entusiasmo, demonstrando

sua felicidade pela escolha que Bezerra fizera. O pastorcontinuava dirigindo, do lado de fora, a congregação dopresídio, e ninguém lá soubera de seu ingresso na ordem.Preferiu deixar as coisas desse jeito, pois poderia ser bem maisútil assim, a seus irmãos da igreja. Tinha aprendido uma lição

muito importante, com William. Pelos frutos, se conhece aárvore. E decidiu, por isso, militar em segredo naquela ordem,que não obrigava ninguém a se declarar parçom.

 –  William! Que bom estar com você, meu amado irmão.Sabia que um dia me visitaria. Tinha certeza de que não me iriaabandonar, mas agora, preciso muito de você para me orientarem minha jornada.

 – Meu amado irmão! Toda a orientação que eu precisava lhedar já lhe foi entregue, quando nos conhecemos na cadeia. Tudoo que precisa aprender agora, deverá ser absorvido, semnenhuma interferência, seja de quem for. E se engana se pensaque o abandonei em algum momento. Sei que já aprendeu que ouniverso é uno, não é mesmo?

Bezerra assentiu com a cabeça.

 – Sim, é verdade! Mas tenho tantas dúvidas e fracasso tantasvezes, em meus aprendizados. Muitas das vezes, não consigoacompanhar os mestres, que são encarregados de me ensinaraqui dentro. Será que conseguirei atingir o estágio que vocêatingiu?

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William olhou para ele com carinho. Muitas das vezes,pessoas que nos amam vêm nos visitar, em nosso plano material,

apesar de, dificilmente, conseguirmos vê-los, ou ouvi-los.

 –  O nome “mestre” não passa de um título. Seja quem for seuprofessor, por mais que ele seja sábio, não conseguirá lheensinar nada, se o mestre que há dentro de você não se esforçarem aprender. Assim como, uma semente, por mais perfeita queseja não consegue florescer, se a terra em que for plantada nãopossuir os nutrientes adequados para seu crescimento. Eu nãoposso ajudá-lo. Só você pode fazer isso.

 – Sim, eu entendo. Mas não deixe de fazer contato comigo.Descobri que o amo muito e a sua falta me é muito cara.

William sorriu abertamente e balançou a cabeça com ar devitória.

 – Está vendo? Aprendeu a maior lição de todas, sem a ajudade nenhum mestre. Aprendeu a amar, de verdade. Aquele amordo qual falava o apóstolo Paulo na bíblia, em sua carta a igrejade coríntios. Acalme-se, meu amigo. Você está no caminhocerto. De qualquer maneira, virei sempre visitá-lo no futuro, atéque isso não seja mais necessário, pois você comigo estará aqui,onde estou.

 – Que assim seja! Meu amado irmão!

 – Assim será! Meu amado irmão!

Dito isso, a imagem dele se foi. Ato quase contínuo,começaram a entrar no templo alguns irmãos, que já haviamchegado. Entre eles, Roberto, o guarda de trânsito que havia

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visitado a prisão e tinha conversado com Shaw, na enfermaria.O recém-chegado sentou-se ao lado de Bezerra e o abraçou.

 – Ele esteve com você! Não foi?

 –  Hora, mestre! O universo é uno! Na verdade, ele nuncadeixou de estar.

Todos sorriram e continuaram a dar continuidade aospreparativos da reunião. Uma paz e uma concórdia, muito

grande, emanavam por todo o templo e a reunião naquele dia foiuma das mais prazerosas de todas.

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O escuro preenchia toda a cela da solitária. Belchior, bem maismagro e com um aspecto sofrido, estava sentado no catre, na

posição de lótus. Por meses, tentara atingir um estado demeditação adequado para ingressar no mundo astral. Mas nãohavia logrado êxito em nada, apesar de ter conseguido paz.Lutava contra o arrependimento, por ter tomado aquela suaatitude. Por ter feito a escolha, da qual William Shaw havia lhefalado. Não podia ser verdade. Todo aquele sacrifício, ahumilhação, o fato de ter virado as costas para a maior honraria

que poderia ser lhe dado na vida: o grão mestrado, tudo isso nãopoderia ter sido sacrificado em vão. Sua fé não estava abalada,porém, a impaciência começava a incomodá-lo. Era um homeminteligente. Havia estudado muito e em diversos países. Teveacesso a todos os livros místicos que alguém, em sua posição,poderia ter tido. Já havia tentado todos os procedimentos, dosquais havia estudado e nada. Se ele não fosse um homem tãoculto e versado, até poderia aceitar que... De repente, lembrou-se

de uma conversa que teve com Shaw, em uma das vezes que foiter com ele na solitária. Ele lhe falara sobre Nicodemos, umpersonagem da bíblia, que questionou Jesus sobre o que fazerpara atingir o reino dos céus. E Jesus o respondeu: “em verdadevos digo, que se alguém não nascer de novo, não pode ver oreino dos céus. O que é nascido da carne, é carne e o que énascido do espírito, é espírito.” 

 – Nascer de novo...  – Balbuciou.

Era isso. Ele tinha seguido o caminho errado, todo aqueletempo. Os livros que leu, as culturas que estudou, foramadequados para um determinado alguém, em um determinadolugar e em condições diferentes da dele. Para conseguir o quequeria, deveria se despir de todas as crenças que não

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traduzissem sua relação pessoal com seu espírito. Deveria nascerde novo, sem a visão estreita do mundo material, ou mesmo, a

concepção material que tinha de si mesmo. Faria como a lagartano casulo. Seria um ser que, como ela, se enclausuraria em seureceptáculo, ou seja, a solitária em que estava e se deixariapassar por uma metamorfose. E como a borboleta, sairia entãode seu casulo, daquele plano existencial onde vivia. E aí setornaria um outro ser. Um ser Melhor, compatível com o mundoque queria atingir, nem que fosse por alguns momentos. Deveria

se tornar um novo ser dentro dele mesmo. Se despir de tudo oque imaginava ser sólido e possível. Começou a meditar comessa direção e logo a luz começou a encher a sua cela. Era umaluz intensa, como havia visto uma vez, quando no dia em queWilliam morrera. Não conseguiu controlar suas lágrimas, até porque não as sentia mais onde ele estava. Foi nesse momento dealegria, que uma voz, que lhe era muito familiar, se fez ouvirdentro da luz, fazendo com que seu rosto desabrochasse em um

sorriso franco.

 – Saudações! Meu amado irmão.

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ÍNDICE 

Conteúdo Página

AGRADECIMENTO ----------------------------08

INTRODUÇÃO ----------------------------------09

PRÓLOGO ----------------------------------------10CAPÍTULO I --------------------------------------12

CAPÍTULO II ------------------------------------ 25

CAPÍTULO III ----------------------------------- 37

CAPÍTULO IV ---------------------------------- 49

CAPÍTULO V ----------------------------------- 81

CAPÍTULO VI ---------------------------------- 124

CAPÍTULO VII --------------------------------- 136

CAPÍTULO VIII -------------------------------- 152

O INÍCIO ----------------------------------------- 177

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