O Essencial Proudhon_Francisco Trindade

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    Francisco Trindade

    ESSENCI L

    PROU ON

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    ndice

    Prefcio

    11

    Homo Proudhonianus

    II

    III

    IV

    V

    VI

    VII

    VIII

    IX

    5

    18

    9

    2

    2

    24

    27

    3

    35

    Refutao e Interpretao de alguns

    preconceitos sobre o Pensamento de Proudhon

    1. Proudhon nada compreendeu

    do Materialismo Histrico

    2. O Idealismo de Proudhon

    3. Proudhon

    um individualista

    pequeno-burgus incapaz de

    compreender a luta de classes

    44

    47

    49

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    4. Proudhon defensor da Propriedade

    53

    5. Proudhon incapaz de compreender

    a Luta de Classes 55

    6. Proudhon galanteador de Napoleo III

    59

    7. Proudhon no concebia a tomada

    do poder pela Revoluo, nem a

    necessidade da Ditadura

    do Proletariado 61

    8. Proudhon contra a Greve

    63

    9. Proudhon contra a Mulher

    e oDefensor da Famlia

    70

    10. Proudhon, apologista da Guerra

    73

    11.Proudhon contra a Autogesto

    74

    12.Proudhon, Jurista limitado 80

    13. Proudhon acusado de Racista

    85

    14. Proudhon contra o Comunismo

    86

    15.Em Proudhon no h mais lugar

    para o Estado

    87

    Alguns trabalhos do autor

    sobre Proudhon

    91

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    Ao Bernardo

    e aoMartim

    aos outros

    e a mim

    com um brinde

    perseverana ...

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    - Ora, em cada Estado, no o governo que detm

    a fora?

    - Exatamente.

    - Certamente que cada governo estabelece as leis

    de acordo com a sua convenincia: a democracia, leis

    democrticas; a monarquia, monrquicas; e os outros, da

    mesma maneira. Uma vez promulgadas essas leis, fazem

    saber que justo para os governos aquilo que lhes convm,

    e castigam os transgressores, a ttulo de que violaram a

    lei e cometeram uma injustia. Aqui tens, meu excelente

    amigo, aquilo que eu quero dizer, ao afirmar que h um s

    modelo de justia em todos os Estados - o que convm aos

    poderes constitudos. Ora estes so os que detm a fora.

    De onde resulta, para quem pensar corretamente, que a

    justia a mesma em toda a parte: a convenincia do mais

    forte.

    Plato -A Repblica 338d - 339a

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    Prefcio

    Livro constitudo por dois textos que simboli-

    camente representam quinze anos de investigao

    dedicados ao estudo da obra de Proudhon. No en-

    tanto, o contato direto com a obra do pensador

    socialista francs aconteceu pela primeira vez,

    anos antes, em 1975,ej nessa altura exerceujun-

    tamente comoutros nomes douniverso anarquista

    uma poderosa atrao. O estudo sistemtico de

    Proudhon e da sua obra complexa, enciclopdica e

    multifacetada, comeoua dar-se em 1984.Escritos

    em momentos distintos deste processo, estes dois

    textos encontram-se agora juntos pelo destino que

    possibilitoua sua edio.Ambosfazemparte da obra

    Investigaes Proudhonianas

    (I.P) que na sua maior

    parte se encontra ainda indita. O primeiro texto

    retrata reflexivamente a vida e a obra do homem

    que, por vrios motivos, ostensivamente esque-

    cido,embora sejamos visceral e culturalmente seus

    herdeiros. O segundo, empreende a refutao e a

    interpretao dos principais preconceitos que, vin-

    dos de vrios setores da sociedade, possibilitaram

    incompreenses sobre opensamento proudhoniano.

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    o ESSENCIAL PROUDHON

    Estes quinze anos de estudo e investigao

    foram tempos solitrios, e s assim se compreende

    a dedicatria da minha traduo DoPrincipio Fede-

    rativo .

    Dedico este livro Pacincia, Tenaci-

    dade, Obsesso ...

    Tempos solitrios sim, mas isso no quer dizer

    que no tenha havido um naipe de pessoas que me

    tenham prestado ao longo destes anos uma ajuda

    preciosa. Tempos solitrios mas tambm solidrios.

    Neste livro,um nome merece ser,aqui e agora, posto

    em destaque: o de Carlos Carranca. Pela possibili-

    dade, pelo incentivo e pela garra posta na edio

    destes dois textos. Um obrigado incomensurvel. De

    todas as reflexessuscitadas, souobviamente onico

    responsvel.

    O

    tempo relativo s disponibilidades nele

    posto.

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    Homo Proudhonianus

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    Campons de origem e operrio por condio,

    trabalhador manual de origem e intelectual por

    ascenso, praticante por profisso e terico por

    vocao, pragmtico por temperamento e mora-

    lista por carter, economista e socilogo por obser-

    vao, poltico e educador por induo, Proudhon

    aparece como um microcosmo do povo francs. O

    seu nascimento e a sua vida revestem por si pr-

    prios uma dupla e mesma significao histrica:

    o acesso do proletariado inteligncia da sua con-

    dio e da sua emancipao, a emergncia da socie-

    dade industrial na sua dimenso planetria.

    Numa obra genial, num funcionamento des-

    concertante, mas numa coerncia interna rigorosa,

    todos os assuntos e os problemas da humanidade

    so abordados com um sentido surpreendente da

    projeo e da perspectiva. Eu sei o que a mis-

    ria , escreve Proudhon. Euj a vivi.Tudo oque sei,

    devo-o ao desespero. Uma tal vida teria podido

    fazer um homem azedo. Uma formidvel sade

    fsica e moral, uma prodigiosa inteligncia, um

    temperamento decididamente pragmtico torna-

    ram-no um realista. Proudhon decide consagrar

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    ESSENCIAL PROUDHON

    a sua vida emancipao dos seus irmos e com-

    panheiros (carta Academia de

    Besanon),

    e,face

    ao mundo estabelecido, veste-se como um aven-

    tureiro do pensamento e da cincia.

    Cincia e liberdade, socialismo cientfico e so-

    cialismo liberal, liberal porque cientfico, e plura-

    lista porque liberal: tal a originalidade dopensa-

    mento de Proudhon, relativamente aos socialistas

    utpicos do seu sculo e s conseqncias dogm-

    ticas do pensamento cientfico de Marx.

    ''Asoberania da vontade cede diante da sobe-

    rania da razo, e acabar por aniquilar-se num

    socialismo cientfico . Aliberdade anarquia por-

    que ela no admite o governo da vontade, mas so-

    mente a autoridade da lei [...[.A substituio da

    lei cientfica vontade [...] , depois da proprie-

    dade, o elemento mais poderoso da histria . Prou-

    dhon escreve estas linhas em 1840

    (Primeira Me-

    mria sobre a Propriedade).

    O primeiro, inventa

    e aplica oconceito de socialismo cientfico e oope,

    desde 1846, ao novotermo de socialismo utpico .

    Este socialismo cientfico baseia-se sobre uma

    cincia da sociedade metodicamente descoberta e

    rigorosamente aplicada . ''Asociedade produz as

    leis e os materiais da sua experincia . Tambm a

    cincia social e o socialismo cientfico so, correla-

    tivamente, auto-descoberta e auto-aplicao pela

    sociedade real das leis inerentes ao seu desenvol-

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    ROMa PROUDRONIANUS

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    vimento. A cincia social o acordo da razo e da

    prtica social Contradies Econmicas, 1846); a

    sua separao ento a causa de todas as utopias

    e de todas as alienaes: Eu protesto contra a socie-

    dade atual e procuro a cincia. A este duplo ttulo

    sou socialista , escreve ele

    Voz do Povo,

    4 de de-

    zembro de 1848). A mesma lgica que transforma

    o socialismo em socialismo cientfico conduz este

    a ser um socialismo liberal. Para eliminar o capita-

    lismo arbitrrio, o socialismo tende a uma coletivi-

    zao social. Paralelamente, para suprimir o arbi-

    trrio estatal, conduz uma liberalizao social. na

    sociedade inteira, onde se auto geram e autoadmi-

    nistram, que comea a preparar-se e a instaurar-se

    esta revoluo permanente

    Brinde Revoluo ,

    este evolucionismo revolucionrio, e inferir-se do

    pluralismo orgnico social um pluralismo organiza-

    dor. A chave do pensamento proudhoniano no

    reside em um apriorismo intelectual, um dogma

    metafsico, mas numa teorizao fundada sobre a

    observao cientfica: o pluralismo. Com efeito, o

    mundo moral (social) e o mundo fsico descansam

    sob uma pluralidade de elementos; e

    da contradi-

    o destes elementos que resultam a vida, o movi-

    mento do universo , a possibilidade da liberdade

    para o homem e a sociedade. O problema consiste

    no em encontrar a sua fuso, o que seria a morte,

    mas o seu equilbrio sem deixar de ser instvel,

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    ESSENCIAL PROUDHON

    varivel como o desenvolvimento das sociedades

    Teoria da Propriedade, 1865).Oantagonismo auto-

    nomista e o equilbrio solidrio so a condio da

    existncia : sem oposio,sem vida, sem liberdade,

    sem composio, sem sobrevivncia, sem ordem.

    O pluralismo , ento, o axioma do universo; o

    antagonismo e oequilbrio, a sua lei e sua contra-lei

    A Guerra e a Paz,

    1861).Omundo, a sociedade so

    pluralistas. A sua unidade uma unidade de oposi-

    o-composio,uma unio de elementos diversifi-

    cados, autnomos e solidrios, em conflito e em con-

    curso. Deste pluralismo fsico e sociolgicoefetivo,

    Proudhon induz um pluralismo social eficiente.

    As origens de Pierre Joseph Proudhon, nas-

    cido a 15 de janeiro de 1809, em Besanon, de um

    jovem pai cervejeiro e de uma me cozinheira, so,

    ao contrrio das de Marx e da maior parte dos re-

    formadores sociais (deSaint-Simon a Lenin), auten-

    ticamente plebias.

    Aindajovem foivaqueiro, sendo admitido aos

    dez anos comobolsista no colgioreal de Besanon.

    L obtm, apesar das condies de trabalho muito

    precrias, todos osprmios de excelncia.Obrigado,

    por necessidade, a interromper os seus estudos,

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    HO]\,IO PROUDHONIANUS

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    torna-se sucessivamente tipgrafo, revisor e bol-

    sista da Academia de Besanon (completa a sua

    formao intelectual em Paris, nas Artes e Ofcios

    e no Colgio de Frana), arteso impressor; traba-

    lhou durante cinco anos em uma empresa de nave-

    gao fluvial de Lyon, adquire uma experincia

    real dos mecanismos da empresa e tambm da

    burocracia. Em seguida, pratica o ofcio de jorna-

    lista-escritor, que segue incessantemente na com-

    panhia da sua mulher, uma operria, e com os seus

    filhos, atravs de incessantes dificuldades mate-

    riais, dos processos polticos, as revolues, a depu-

    tao, a priso (trs anos) e o exlio. Morre aos cin-

    qenta e seis anos, a 19 de janeiro de 1865, enfra-

    quecido por um imenso trabalho, deixando uma

    obra enciclopdica que ele nunca teria tido o prazer

    de resumir (mais de quarenta obras representando

    quase cinqenta volumes, sem contar os artigos

    dos trs jornais que ele criou sucessivamente e uma

    imensa obra dispersa ainda hoje indita).

    O pluralismo de Proudhon explica odesenvolvi-

    mento lgico da sua obra. A sua crtica da proprie-

    dade capitalista visa um atomismo individualista

    (doutrina que afirma a sociedade no ser mais que

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    o

    ESSENCIAL PROUDHON

    uma adio de indivduos) do qual parte a negao

    da existncia real da produtividade prpria dos

    seres coletivos e a atribuio induzida aos capita-

    listas do excedente produzido pela fora coletiva

    (teoria da prelibao capitalista). Asua condenao

    do absolutismo estatal, de direita ou de esquerda,

    a de um totalitarismo social, sistema que nega as

    manifestaes autnomas das pessoas coletivas e

    individuais; donde a sua concepodoEstado como

    coletivo dominante, um aparelho burocrtico, e em

    seguida descreve a atribuio induzida neste lti-

    mo das foras pblicas prprias s coletividades e

    pessoas de base (teoria da mais-valia estatal). O

    seu duplo ataque contra oespiritualismo integrista

    e do materialismo integral visa uma mesma uni-

    dade dogmtica, erguendo-se de um princpio domi-

    nador um s elemento da pluralidade social. Ele

    no at nas suas diatribes pedaggicas nas quais,

    denunciando a separao da inteligncia e da ati-

    vidade , a escolaridade e a aprendizagem , doho-

    mem como um autmato e um abstrato , combate

    a absolutizao, negao da relao pluralista (teo-

    ria crtica do misticismo idealista e materialista).

    Um realismo completo, respeitando a diversi-

    dade e o desenvolvimento antinmico dos seres e

    das coisas, domina o seu pensamento. A anarquia

    (autogesto negativa) ou negao da autoridade do

    homem sobre ohomem, constitua o anti-sistema

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    ROMO PROUDRONIANUS

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    de Proudhon: o anticapitalismo, ou negao da

    explorao dohomem pelo homem , o antiestatis-

    mo, ou negao do governo do homem pelo ho-

    mem , o antitesmo (antimisticismo do esprito e

    da matria), ou negao da adorao do homem

    pelo homem , so os corolrios.

    IV

    A autogesto (dita autonomia de gesto ,

    anarquia positiva ), ou afirmao da liberdade do

    homem pelohomem, constitui omtodo positivo de

    Proudhon. Combina, simultaneamente, um traba-

    lhismo pragmtico , ou realizao dohomem pelo

    homem graas ao trabalho social, um justicialis-

    mo ideo-realista , ou idealizao do homem pelo

    homem pela realizao de uma justia social, um

    federalismo autogestionrio ou libertao doho-

    mem pelo pluralismo social. A partir destes trs

    elementos, desenvolvem-se as teorias de Proudhon.

    V

    Ao trabalhismo pragmtico unem-se as teo-

    rias do trabalhismo histrico, da economia en-

    quanto cincia do trabalho, do realismo social e

    da dialtica serial.

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    ESSENCIAL PHOUDHON

    o

    trabalhismo histrico uma teoria axial.

    Ao inteligente dos homens na sociedade sobre

    a matria, o trabalho considerado historicamente

    [...] a fora plstica da sociedade [...] que deter-

    mina as diversas fases do seu crescimento, e todo o

    seu organismo tanto interno como externo . A eco-

    nomia poltica, cincia do trabalho , a chave da

    histria (Criao da Ordem, 1843). O trabalho, ge-

    rador da economia, gerador da sociedade, alavanca

    da poltica, fonte da economia, modo de ensina-

    mento, o motor da histria, promotor da justia,

    realizador da liberdade, e autor da sua prpria

    libertao. Na luta do organismo econmico contra

    a opresso dos poderes ou dos poderosos, ele ,

    secularmente, o ator de uma revoluo perma-

    nente .

    A teoria da economia, cincia do trabalho e

    disciplina tripolar, corolria da anterior. O tra-

    balho, considerado objetivamente no produto , faz

    da economia uma cincia da produo e uma com-

    patibilidade econmica fundada sobre ovalor tra-

    balho (teoria do valor constitudo ); considerado

    subjetivamente no trabalhador , cria a cincia da

    organizao e sociologia econmica (teoria da fora

    coletiva): engloba sinteticamente os benefcios

    produto-trabalhador , devolve-a cincia da repar-

    tio e do direito econmico (teoria mutualista e

    federativa da propriedade).

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    ROMa PROUDRONIANUS

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    As teorias do realismo social e da dialtica

    serial so a ttica e a dinmica dotrabalhismo prag-

    mtico. O trabalho e as suas leis (diviso, comu-

    nidade de ao) criam e estruturam a sociedade,

    suscitando uma pluralidade de seres coletivos.Pelo

    realismo social ou teoria dos seres coletivos,Prou-

    dhon afirma a realidade e as leis prprias dos gru-

    pos eda sociedade.

    a idia me da sociologia

    (C. Bougl), cuja paternidade -lhe indiscutivel-

    mente atribuvel (G. Gurvitch). ''As coletividades

    . so tambm mais reais que as individualidades [...]

    a sociedade um ser real [...]. Tem ento as suas

    leis e benefcios que a observao revela : a fora

    coletiva , a razo coletiva , e a fcoletiva Porno-

    craciai.

    Adialtica serial a dinmica das foras fsi-

    cas e sociais catalisadas produtivamente pelo tra-

    balho (ousubversivamente pela guerra). Omundo

    uma corrente de antinomias. Aantinomia, dupla

    fora, composta, por oposio de dois elementos

    por sua vez antagonistas e complementares, um

    elo elementar deste pluralismo antittco. A reso-

    luo da antinomia impossvel, mas por oposio

    dos elementos antinmicos nascem vida e movi-

    mento.Artificial, a sntese no resiste

    vida, aliena

    ou mata. Contudo, a observao revela a existncia

    da unio de foras associativas e organizadoras, as

    sries que atravessam, intensificam e disciplinam

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    24 o ESSENCIAL PROUDHON

    omovimento dialtico das correntes antinmicas.

    O trabalho uma srie geral positiva, e,pelas suas

    duas leis prprias, cria uma ordem produtiva, uma

    dinmica de associao; do outro lado, a guerra,

    srie geral negativa, gera uma ordem destrutiva,

    uma dinmica de competio. Processo criativo co-

    mum ao mundo material e ao mundo social, a dia-

    ltica serial torna-se, por esquematizao ideal ,

    uma lgica formal copiada da lgica real domundo.

    De processo efetivo, transforma-se no mtodo efi-

    ciente de pensamento e de ao.

    VI

    No pensamento proudhoniano, as teorias do

    justicialismo ideo-realista e, em primeiro lugar, o

    ideo-realismo articulam-se no vnculo que une o

    pensamento e a ao.Toda a idia tem a sua fonte

    em uma relao real revelada numa ao e com-

    preendida pelo entendimento. Otrabalho, aoin-

    teligente dohomem na sociedade sobre a matria ,

    esta revelao por excelncia. Todaa idia nasce

    da ao e deve voltar ao, sob pena de degrada-

    o pelo agente .

    A

    Justia, 1858). Mas a idia,

    por livre esforo de inteligncia fiel

    realidade,

    pode tornar-se complemento da criao, criao

    continuada operada pelo esprito

    imagem da

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    HOMO PROUDHONIANUS

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    natureza

    (Criao da Ordem).

    Assim, matria e

    esprito, homens e sociedades so, pela mesma ao

    dotrabalho, englobados indissoluvelmente em uma

    dialtica criadora onde as coisas so tipos de

    idias , e as idias impresso da realidade sobre o

    entendimento . Esta concepoimpregna a sua pe-

    dagogia trabalhista (mtodos ativos,juno entre

    a aprendizagem e a escolaridade, formao poli-

    tcnica, integrao da educao na prtica social).

    A teoria da justia como idia fora e equil-

    brio das foras um corolrio do ideo-realismo.

    Contra-lei de antagonismo, equilbrio entre as for-

    as livres

    (Teoriada Propriedade,

    1865), ajustia

    no um simples beneficio,concepo abstrata, fic-

    o de entendimento ou ato de f, ela uma coisa

    tanto mais real que repousa sobre as realidades

    (A Justia). Lei do universo fsico, ela equilbrio,

    benefcio das foras; lei social, reciprocidade, be-

    nefcio de solidariedade; lei intelectual, equao,

    benefcio de igualdade; lei moral, equilbrio dos

    direitos e dos deveres, beneficio de dignidade; lei

    ideal, ideo-realizao, benefcio idealizado. No

    mundo intelectual, social emoral, esta lei portanto,

    imanente aos homens e aos grupos, pode ser blo-

    queada pela ao mesma de uma liberdade imagi-

    nativa capaz de produzir artifcio, arbitrariedade

    e ideomania. Mas pela sua realizao atravs da

    razo social,esta fora imanente desenvolvida como

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    ESSENCIAL PROUDHON

    cultura, prtica social,moral e revolucionria, pode

    impor-se como lei-realista.

    A teoria do realismo moral e esttico enca-

    deia-se na precedente. A moral e a esttica so a

    essncia social e resultam da ideo-realizao dos

    benefcios sociais sobre os quais elas reagem sua

    volta.

    Na teoria conexa da histria da negao-reve-

    lao, a histria a educao dinmica da huma-

    nidade no seu duplomovimento de realizao pelo

    trabalho e de idealizao pela justia. Tem como

    funo desmentir oserros da humanidade da sua

    reduo ao absurdo

    (Segunda Memria sobre a

    Propriedade) e derevelar-nos otrabalho da criao

    da ordem e emerso das leis

    (Criao da Ordem).

    Ateoria do progresso-retrocesso o seu corolrio:

    Toda a sociedade avana pelo trabalho e pelajus-

    tia idealizada. Toda a sociedade estagna pela pre-

    ponderncia do ideal, ou seja, o idealismo (A Jus-

    tia): no existe glria automtica do progresso,

    mas uma prtica das retrogradaes ou uma perda

    do real. Acontecem quando o idealismo imagina-

    tivo e odogmatismo ideomanaco abusam da liber-

    dade e esquecem a realidade do trabalho e dajus-

    tia para idealidades polticas e sociais .

    A teoria da liberdade como fora de compo-

    sio o ponto de partida e conseqncia do jus-

    ticialismo ideo-realista. Aliberdade tornada pos-

  • 8/11/2019 O Essencial Proudhon_Francisco Trindade

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    ROMO PROUDRO:-lIANUS

    27

    svel pelo jogo da pluralidade das foras antagni-

    cas do universo fsico, social e pessoal; torna-se

    efetiva pelo homem que autoriza este jogo; ela

    eficaz pela multiplicao das relaes sociais, a

    engrenagem de todas as liberdades; acede

    efi-

    cincia pela sua equao com a justia, conside-

    rada como comutao social de todas as liberdades.

    S a liberdade eficiente, que implica a moral

    e a educao, a liberdade total. A todos os outros

    estados, ela pode degenerar em arbitrariedade

    in

    dividual e coletiva. De cada vez, pacto,justia m-

    tua e fora de composio (com o real pluralista, o

    individual antagonista, o social relativo, o moral

    obrigatrio ), a liberdade forma um jogo tendo

    as suas regras. A sua aplicao permite a emer-

    gncia do ser progressivo, a arbitragem do seu des-

    tino. Se estas regras so injuriadas, o domnio do

    ser fatal, a arbitragem do destino.

    VII

    o

    federalismo autogestionrio de Proudhon

    parte do trabalhismo e do justicialismo ideo-rea-

    lista. Comporta duas construes distintas, mas

    complementares: a democracia econmica mutua-

    lista e a democracia poltica e federalista, que se

    conjugam sobre o plano nacional e internacional

  • 8/11/2019 O Essencial Proudhon_Francisco Trindade

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    ESSENCIAL PROUDHON

    em federaes e confederaes dualistas. O fecho

    da abbada destas estruturas a organizao dis-

    tinta e atrelada das duas manifestaes da socie-

    dade trabalhadora: sociedade de produo ou orga-

    nismo econmico, sociedade de relao ou corpo

    poltico. A sua autonomia condio do dinamismo

    e do equilbrio da sociedade pluralista. Sob pena

    de alienao recproca, os benefcios da sociedade

    econmica - sociedade poltica devem ser os de um

    casal. Devem opor-se para compor, diferir para dia-

    logar, e distinguir-se para unir-se.

    A democracia econmica mutualista funde-se

    sobre a teoria mutualista e federativa da proprie-

    dade . Relativizada pelo jogo dos benefcios sociais,

    cada propriedade mutualista ; solidarizada pelos

    mesmos benefcios, toda a propriedade federa-

    tiva .

    A federao das propriedades mutualistas

    constitui a sociedade econmica mutualista dos

    trabalhadores. Esta teoria termina na mutualiza-

    o federativa da agricultura: constituio de pro-

    priedades individuais de explorao, associadas em

    conjuntos cooperativos dotados de poderes prprios

    e de servios coletivos, e reagrupados numa federa-

    o agrcola. Ela desemboca numa socializao fede-

    rativa da indstria, ou seja, a exceo feita s pro-

    priedades artes anais ou liberais mutualizadas, sobre

    um conjunto de propriedades coletivas de empre-

  • 8/11/2019 O Essencial Proudhon_Francisco Trindade

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    HOMO PROUDHONIANUS

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    sas, concorrentes entre si, mas associadas numa

    federao industrial. Traduz-se pelo agrupamento

    da indstria e da agricultura numa federao agr-

    cola industrial e pela constituio de agrupamen-

    tos de unies de consumidores que formaro, em

    conjunto, o sindicato da produo e do consumo .

    Este ltimo, vigia a organizao cooperativa dos

    servios (comrcio, alojamento, seguros e crdito)

    e a gesto geral da sociedade econmica, indepen-

    dentemente doEstado. Noplano internacional, est

    prevista uma confederao mutualista aliando

    um mercado comum socializado dos grupos de so-

    ciedades econmicas nacionais. Este coletivismo

    econmico,liberal e a-estatal quer evitar um duplo

    perigo de um capitalismo integrante e de um coleti-

    vismo integral.

    A democracia poltica federativa o comple-

    mento antinmico da democracia econmica mu-

    tualista. De incio, equilibrar contraditoriamente

    o social organizado e o estatismo descentralizado

    para integrar o aparelho estatal numa ao com-

    posta de regies auto-administrando-se e auto-

    associando-se numa repblica federal; em seguida,

    formar entre grupos de naes federativas de con-

    federaes realistas, que estabelecero entre si os

    acordos mais amplos e frouxos: tal a dupla nego-

    ciao do federalismo e do confederalismo poltico.

    Quatro regras de ao resultam do que foi dito: a

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    ESSENCIAL PRODHON

    auto-administrao dos grupos de base, a federa-

    lizao destes grupos, a criao de repblicas fede-

    rativas, e a constituio de confederaes.

    Nos grupos de base, a prioridade dada re-

    gio, timo territrio para se auto-administrar e

    elo entre naes e inter-naes. Para a Frana, Prou-

    dhon exige a constituio de doze grandes regies

    provinciais administrando-se elas mesmas e garan-

    tindo-se umas s outras . O governo federativo no

    assume mais que um papel de instituio, de cria-

    o, de instalao, o menos possvel de execuo .

    Este regionalismo conjuga-se com um economismo

    e termina numa organizao regional e scio-pro-

    fissional do sufrgio universal (Cmara das Re-

    gies, Cmara das Profisses) e uma diviso dos

    poderes originais (poder executivo regionalizado e

    descentralizado, poder arbitrrio em competncia

    econmica, poder consular de carter prospectivo,

    poder de ensino completamente autnomo). O con-

    federalismo internacional uma extenso do fede-

    ralismo nacional. Desde 1863, Proudhon prev toda

    a organizao poltica e econmica de uma Europa

    confederalista: agncias, conselhos, justia, ora-

    mentos confederais, mercado comum ( liberdade

    das trocas e taxa de compensao , liberdade de

    circulao e de residncia ). Mas este mercado co-

    mum inclui a socializao mutualista das econo-

    mias confederadas.

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    o ESSENCIAL PROUDHON

    stein, e o socilogoF.Oppenheimer. Mas na Rs-

    sia que a doutrina proudhoniana conhece a sua

    difuso mais larga e uma celebridade extraordi-

    nria graas a Herzen e aos seus amigos. O popu-

    lismo educativo de um Lavrov, o anarquismo de

    um Bakunin, de um Kropotkin reclamaro o pen-

    samento do ilustre eherico socialista (Bakunin).

    E ofascnio deTolstoi para coma pessoa, as idias,

    e oestilo de Proudhon fa-lo-pedir emprestado tex-

    tualmente ttulos, frases e temas polticose filosfi-

    cos (Guerra ePaz, Oque aArte? etc.).

    Ainfluncia determinante do pensamento de

    Proudhon sobre Marx agora totalmente colocada

    em evidncia. Marx no seria possvel sem Prou-

    dhon (G.Gurvitch). Proudhon tem exercido sobre

    Marx uma influncia constante.

    no discpulo e

    no continuador de Proudhon que ele empreende

    em 1844 oque se tornar a tarefa exclusiva da sua

    existncia [...]. O mestre morreu mas existe um

    instigador (M.Rubel). Marx afirmou a impresso

    extraordinria que fizeram sobre ele os primeiros

    escritos do pensador mais corajoso do socialismo

    francs (1842);A Sagrada Famlia (1845) contm

    uma verdadeira apologia de Proudhon, reconhe-

    cido nesta obra comomestre do socialismo cient-

    fico, pai das teorias do valor-trabalho e da valori-

    zao, e a Ideologia alem (1846) alugar o poder

    da sua dialtica serial como tentativa de dar um

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    HOMO PROUDHONIANUS

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    mtodo pelo qual o pensamento independente

    substitudo pela operao do pensamento . Em maio

    de 1846, Marx escolhe Proudhon como correspon-

    dente francs da rede de propaganda socialista

    que ele organiza. Mas, na sua carta de aceitao,

    Proudhon, mais velho dez anos, d-lhe conselhos

    prevenindo-o contra o dogmatismo autoritrio, o

    romantismo revolucionrio e o esprito de excluso,

    nefastos causa socialista. Impressionado, ojovem

    Marx rompe com Proudhon, e imediatamente a sua

    admirao de discpulo transforma-se num rancor

    obstinado e numa espcie de fascnio negativo Mi

    sria da filosofia,

    1847).

    Marx reencontrar a influncia proudhoniana

    na Primeira Internacional dos Trabalhadores e na

    Comuna de Paris. Como o sublinham com objetivi-

    dade os historiadores marxistas, a Internacional

    proudhoniana .

    J

    Bruhat,

    J

    Doutry, E. Tersen,

    A

    Comuna de

    1871). Quando a Comuna proclama-

    da, entre os trinta internacionais eleitos, perto de

    dois teros podem ser considerados como proudho-

    nianos (idem). O programa positivo e pacfico da

    Comuna claramente proudhoniano, e G. Gurvitch

    ir at escrever: exceo do Comit da Sade P-

    blica e das medidas terroristas preconizadas pelos

    blanquistas, todas as medidas administrativas,

    econmicas e polticas inspirar-se-o em Proudhon .

    Depois da Comuna, Gambetta reivindicar o pen-

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    ESSENCIAL PROUDHOX

    samento de Proudhon, enquanto que os partidos

    socialistas da Rssia e da Alemanha retomaro

    os seus temas essenciais. A unificao do partido

    socialista, em 1905, far aparecer o jauressismo

    comoo filho autntico do proudhonismo.

    Por altura da revoluo russa, os proudhonia-

    nos tero uma influncia determinante sobre a

    formao dos sovietes de base, depressa suprimi-

    dos sob a presso de Stalin e deTrotski. Como um

    dos organizadores dos sovietes russos de 17 , G.

    Gurvitch transporta este testemunho pessoal di-

    reto: os primeiros sovietes russos estavam organi-

    zados pelos proudhonianos [...] que vinham dos

    elementos de esquerda do Partido socialista revo-

    lucionrio e [...] da social-democracia [ ].A idia

    de revoluo pelos sovietes de base [ ] [...] ex-

    clusivamente proudhoniana . Mais perto de ns,

    depois dos revolucionrios alemes, hngaros, es-

    panhis, e os seus conselhos operrios de inspira-

    o proudhoniana, o socialismo iugoslavo coloca-

    se discretamente na escola de Proudhon (D.

    Gurin, OAnaruismo).

    Na Frana, de .Iaures aos nossos dias, todas

    as nuances do movimento socialista e dos demo-

    cratas reformadores se reconhecero neste socia-

    lismo liberal, este pragmatismo trabalhador e esta

    justia ideo-realista originrios de Proudhon.

    que ele influenciar tambm, paradoxalmente, um

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    HOMO PROUDHONIANUS

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    certo catolicismo social atravs de Pguy: Eu sou

    pela poltica de Proudhon (DArgent Suite), Mou-

    nier (Anarquismo epersonalismo, 1937), e dos ar-

    tesos essenciais da abertura atual da Igreja Cat-

    lica (H. de Lubac, P Haubtmann, J. Lacroix). Surge

    igualmente comoum grande antepassado do sindi-

    calismo. Autonomia operria, federalismo profis-

    sional, separao do econmico e do poltico, do

    partido e doEstado, autogesto: todas estas idias-

    fora foram passadas na herana sindicalista com

    os proudhonianos E. Varlin, F. Pelloutier, V Grif-

    fuelhes,A. Sorel, L. Jouhaux, fundadores, tericos

    e praticantes do sindicalismo francs.

    IX

    Seria artificial limitar as influncias de Prou-

    dhon aos movimentos revolucionrios e operrios.

    Ele que se revelou revolucionrio mas no desor-

    deiro acredita mais na ao organizada de um

    verdadeiro reformismo revolucionrio que em um

    romantismo desorganizado da ao revolucion-

    ria . Tambm, ao lado destes movimentos revolu-

    cionrios reclamando-se unilateralmente de Prou-

    dhon, esteve constantemente a desenvolver-se uma

    corrente reformista e at mesmo uma corrente tra-

    dicionalista. Ainflao das duplas antinmicas da

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    ESSENCIAL PROUDHON

    sua descendncia contrastada parece bem subli-

    nhar esta dualidade: sindicalismo e socialismo re-

    formistas ou revolucionrios, federalismo e regio-

    nalismo de direita ou de esquerda, trabalhismo e

    adeptos da participao, anarquismo e partidrios

    da autogesto etc .. Todavia, nestas oposies,

    muitas vezes corrompidas por estas falaciosas ane-

    xaes, surgem, comefeito distinto, os dois elemen-

    tos sempre agrupados comoevolucionismo revolu-

    cionrio de Proudhon: necessidade absoluta das

    transformaes contnuas ( a revoluo perma-

    nente ) e recusa da violncia arbitrria, sentido do

    tempo ( asrevolues duram sculos ).Desde logo,

    anatemizadas de frente, as idias proudhonianas

    foram filtradas pouco a pouco pela sociedade mo-

    derna (Sainte-Beuve).

    Este gerador reconhecido da sociologia mo-

    derna, do pragmatismo, do solidarismo, do perso-

    nalismo, das teorias do direito social, previu, h

    um sculo,odesenvolvimento efetivoda civilizao

    industrial. Pressentiu a diviso domundo em blo-

    cos econmicos e em blocos polticos, o risco de

    guerra total, a emancipao da Arglia e do Ter-

    ceiroMundo, a oposioentre pases desenvolvidos

    e pases sub-desenvolvidos, a revoluo russa, o

    culto da personalidade , o comunismoditatorial ,

    a guerra social , a constituio de um capitalismo

    internacional, o despertar da China, o prodigioso

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    HOMO PROUDHONIANUS

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    desenvolvimento da legislao do trabalho, a era

    das federaes , a sociedade de consumo. Inspirou

    a criao da Sociedade das Naes, a Comunidade

    Europia, oregionalismo moderno, as correntes de

    reforma das empresas (participao, autogesto), da

    agricultura (cooperativismo, agricultura de gru-

    po), da distribuio (cooperativas de consumo), do

    crdito (bancos populares, crdito mtuo) e uma

    grande parte das reformas pedaggicas modernas

    (universidades autnomas, promoo social, edu-

    cao permanente, ligao universidades-empre-

    sas). E pode-se ainda evocar a sua influncia sobre

    o realismo na arte, e sobre numerosos escritores,

    entre os quais Proust, Bernanos e Camus.

    Hoje em dia, na Frana, opensamento de Prou-

    dhon no tem organizao oficial, mas suscita nu-

    merosos centros de reflexo e ao, e de vigorosas

    admiraes (omais importante sem dvida a So-

    cit Proudhon, sediada em Paris, e qual pertence

    oautor deste livro).Alguns universitrios ou nomes

    polticos foram por ele influenciados. Uma reedio

    comentada das suas obras completas foiempreen-

    dida sem ter sido ainda concluda, e alguns progra-

    mas polticos e sindicalistas retomam atualmente

    temas tipicamente proudhonianos.

    Assim, opensamento pluralista de Proudhon

    adquire cada vez mais um singular poder de reali-

    zao. Proudhon, mais de um sculo aps a sua

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    o ESSENCIAL PROUDHON

    morte, parece escrever para onosso futuro. Poder

    da personalidade, intensidade da obra crtica, rea-

    lismo da obra positiva, multiplicidade e permann-

    cia das influncias exercidas, tudo designa em

    Proudhon um gnio inovador.

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    Refutao e nterpretao

    de alguns preconceitos sobre o

    Pensamento de Proudhon

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    D-se de boa vontade ateno ao conjunto do

    pensamento anarquista no que respeita recusa

    de toda a organizao, uma orientao espontnea,

    o dio de toda a forma de governo etc..

    esquecer

    que oanarquismo agrupa vrias correntes de pen-

    samento diferente, do qual o impacto permanece

    desigual.

    Oanarquismo hiper-individualista de Stirner,

    constitui ele prprio uma exceo,doqual podemos

    reencontrar alguns traos em Nietzsche ou no exis-

    tencialismo ateu. Provavelmente no tem filiao

    direta entre estas filosofias, mas tem, certamente,

    pontos deconvergncia, por poucocontingentes que

    sejam. O anarquismo de Bakunin , na minha

    opinio, uma reduo da complexidade do pensa-

    mento de Proudhon; insiste bem e a um mais alto

    grau sobre a desconfiana profunda em relao a

    toda a forma de organizao, no sentido que ele

    bem mais individualista que Proudhon. Bakunin

    teve sobretudo influncia no domnio poltico, em

    particular no seio das Internacionais. A linha de

    demarcao entre Proudhon e Bakunin passa por

    uma acentuao, contrria filosofiade Proudhon,

    da luta intrinsecamente poltica (a luta enten-

    dida comopoltica tambm em Proudhon, mas pelo

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    ESSE:';CIAL PROUDIIO:';

    canal das organizaes scio-econmicas), e isto

    por formas inadmissveis por Proudhon, quer dizer,

    pelo desvio de uma minoria revolucionria, ati-

    vista, voluntarista, ou seja, de conspiradores. Ba-

    kunin deu uma orientao romntica ao anarquis-

    mo,tendncia que se afasta um poucode uma an-

    lise cerrada das condies objetivas da revoluo

    social. Se Bakunin considerado por muitos como

    o mais marcante representante do pensamento

    anarquista, sem dvida porque o combate

    tit-

    nicoque desenvolveu comMarx deu-lhe um relevo

    histrico, uma certa aurola mtica, qual a ade-

    so sentimental bastante mais fcil, que a uma

    doutrina que repudia simplismo e simplificao.

    SeBakunin permanece orepresentante mais mar-

    cante do anarquismo poltico, o de Proudhon mar-

    cou profundamente o ato sindical. A sua outra ca-

    racterstica que se trata de um anarquismo orga-

    nizacional.A sua influncia social foi considervel,

    particularmente na Frana, tendo em conta que o

    podemos relacionar comomovimento cooperativo,

    oanarco-sindicalismo, a autogesto, omutualismo,

    o associativismo e o federalismo. Trata-se, por-

    tanto, de um pensamento intensamente constru-

    tivo, que no nega a necessidade de uma forma de

    governo da sociedade, contrariamente ao que se

    atribui geralmente ao pensamento anarquista. Se

    estudarmos mais de perto o anarquismo, parece

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    REFUTAO E INTERPRETAO DE ALGU:\S PRECO:\CEITOS 43

    ter sido a orientao de Proudhon que mais mar-

    cou omovimento social.Talvez seja necessrio ver

    a uma das razes pela qual a corrente marxista

    a combateu mais rigorosamente que qualquer

    outra, na medida em que as realizaes s quais

    deu lugar serem concretas, marcadas muitas vezes

    pela marca do xito e, portanto, perigosas para

    todo e qualquer outro pensamento, pois elas mos-

    travam a eficcia de uma estratgia diferente da

    revoluo social.

    No quadro deste ensaio, s iremos analisar e

    expor o socialismo de Proudhon. Deste modo, ire-

    mos tentar dar elementos de compreenso de algu-

    mas afirmaes, muitas vezes difamatrias, que

    dizem respeito s posies de Proudhon.

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    ESSENCIAL PROUDHON

    Proudhon nada compreendeu

    do Materialismo Histrico

    No intil relembrar que os conceitos de

    materialismo histrico e de materialismo dialtico

    pertencem, de fato, ao marxismo dogmtico. Um

    tal mecanismo, no que respeita concepo da evo-

    luo das sociedades, no teve, alis, seno a funo

    de justificar o imobilismo da social-democracia ou

    dos sistemas stalinistas: visto que tudo autom-

    tico, para que nos apressar? O sentido da Histria

    tirar para ns as castanhas do fogo capitalista.

    Se voltarmos a Marx, omaterialismo histrico

    significa que a evoluo das sociedades tem como

    fator preponderante o desenvolvimento das con-

    tradies entre foras produtivas e relaes de pro-

    duo. Mas, como tambm para Marx, as super-

    estruturas so produtos e produtoras da infra-

    estrutura, segue-se que a evoluo dialtica da so-

    ciedade no tem nada de determinista. Seno, para

    que militar em uma organizao revolucionria?

    Proudhon estava de acordo com Marx neste

    aspecto. Jean Bancal qualificou, com toda ajustia,

    a obra de Proudhon de trabalhismo histrico. O

    que isso significa? Simplesmente que as condies

    objetivas da produo, enquanto organizao do

    trabalho volta dos meios de produo (organi-

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    REFUTAO E INTERPRETAO DE ALGUNS PRECONCEITOS 45

    zao no sentido tcnico, no sentido de modo ope-

    ratrio) entram em contradio com os atores do

    trabalho e a organizao social que os engloba

    (organizao no sentido de regulamentaes jur-

    dico-sociais).

    O maquinismo arrasta urna diviso social do

    trabalho cada vez mais intenso, segue-se que os

    diferentes trabalhos so cada vezmais interdepen-

    dentes, complementares, sociais.Aproduo torna-

    se cada vez mais social, no sentido em que todas

    as profisses concorrem,indissociavelmente, pro-

    duo global.Aautarcia no mais a regra quando

    a produo se diversificou. Ora, a produo, ainda

    que social, apropriada pelos proprietrios que en-

    tram em contradio de interesses com as foras

    coletivas, privadas dos frutos do seu trabalho.

    Do mesmo modo que vimos em Proudhon,

    aprofundando as teorias de Adam Smith, o pri-

    meiro fato a diviso do trabalho, esta repartio

    conjuntural em um dado estado de foras coletivas

    colocava-se na origem da pluralidade dos grupos

    sociais; estes constituindo-se, comefeito, em redor

    das diferentes funes que requerem o funciona-

    mento econmico e poltico da sociedade global.

    Urna das primeiras fontes da evoluo social

    residir, portanto, nos conflitos de interesses que

    opem osdiferentes grupos sociais. Mas estes con-

    flitos no se podem exprimir em urna fora social

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    REFUTAO E INTERPRETAO DE ALGUNS PRECONCEITOS 47

    2

    OIdealismo de Proudhon

    Para osidealistas absolutos, amatria no tem

    existncia prpria e as idias so pr-formadas, ou

    seja, existem desde sempre. Elas existem para se-

    rem descobertas pelo sujeito, independentemente

    de toda a ao sobre omundo sensvel. Opensar ,

    portanto, uma apreenso pelo homem do logos

    eterno, e desenvolve-se fora de toda a interveno

    material.

    Aimportncia que Proudhon atribui ao traba-

    lho, enquanto modo de emprego de um utenslio,

    permite desdej fazer tbua rasa das afirmaes

    referentes ao seu pretenso idealismo.

    A confuso vem de que Proudhon qualifica o

    seu sistema de ideo-realismo. Para Proudhon, a

    matria real, e toda a idia, todo o conceito, toda

    a abstrao, todo opensar, so nascidos desta reali-

    dade. No entanto, como o pensar representao,

    percepo humana da realidade, o desenvolvi-

    mento dopensar individual pode fazer-se sobre sig-

    nos por operaes intelectuais sobre smbolos e,

    portanto, de uma maneira relativamente indepen-

    dente da realidade, apesar desta estar na origem

    dos conceitos. Realidade e idia esto, ento, em

    relao dialtica do mesmo modo que o conheci-

    mento no pode vir a no ser da prtica, que ela

  • 8/11/2019 O Essencial Proudhon_Francisco Trindade

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    48

    ESSENCIAL PROUDHON

    conserva uma certa autonomia em relao a esta,

    e no pode permitir agir sobre a matria a no ser

    que ela seja adequada realidade, pois ''A idia

    sai da ao e volta ao sob pena de declnio pelo

    agente .

    na luta contra a natureza, para satisfazer

    as suas necessidades, para assegurar a sua sobre-

    vivncia, que o homem adquire os conhecimentos

    necessrios

    sua ao. A matria est, portanto,

    na origem de todo o conhecimento e de toda a inter-

    pretao da realidade do mundo, em funo, bem

    entendido, das condies existentes do pensar.

    assim que o homem, na sua incapacidade original

    para explicar certos fenmenos bem reais, projetou

    a sua impotncia na figura de Deus todo-poderoso.

    Notemos a fineza da anlise de Proudhon: a idia

    de Deus no antropomrfica como tinha dito

    Feuerbach (o homem criou Deus

    sua imagem),

    mas antiantropomrfica, pois o homem projetou

    sobre Deus as qualidades que no tinha. Ora, pouco

    a pouco, o pensar codifica as suas abstraes, ex-

    prime-se por signos, smbolos sobre os quais pode

    haver operaes independentes das formas que os

    geraram, e que conduzem criao de conjuntos

    puramente conceituais.

    Mas estas novas operaes do esprito, estas

    transformaes sucessivas dos signos, procedendo

    de formas materiais, tm por sano da sua ver-

  • 8/11/2019 O Essencial Proudhon_Francisco Trindade

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    REFUTAO E INTERPRETAO DE ALGUNS PRECONCEITOS 49

    dade, da sua eficcia, enquanto elementos de inter-

    pretao, os efeitos da sua confrontao

    reali-

    dade.

    Assim, os pontos de convergncia coma teoria

    marxista doconhecimento so enormes, na medida

    em que vemos que, em Proudhon, h uma edifi-

    cao contnua doconhecimento pela confrontao

    incessante entre a teoria e a prtica. Proudhon no

    ,portanto, um idealista,j que encontramos a ma-

    tria, a natureza, a realidade onde tudo oque que-

    ramos, de uma parte, na origem do pensar, e de

    outra parte, como critrio do seu impacto.

    3

    Proudhon um individualista

    pequeno bur gus i nc apaz

    de compreender a luta de classes

    J vimos que o pensamento de Proudhon

    fundado sobre uma concepo da realidade social

    que nada tem a ver comuma simples coleo,uma

    justaposio de indivduos. A sociedade no a

    resultante de simples individualidades, pois ogru-

    po funcional, ligado diviso do trabalho, repre-

    senta bem mais que um somatrio de indivduos.

    H, em particular, mais produtividade, por causa

    justamente da diviso do trabalho, e justamente

  • 8/11/2019 O Essencial Proudhon_Francisco Trindade

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    50 o

    ESSEi\'CIAL PRO,:DHOi\'

    os benefcios que resultam da repartio funcional

    das tarefas que os capitalistas se apropriam. Vi-

    mos a importncia que Proudhon atribua s for-

    as coletivas , razo coletiva . Mostramos que,

    em Proudhon, o primeiro fato social era a plurali-

    dade dos grupos sociais. Ento, donde vem este

    antema de individualista, quando entre os pensa-

    dores anarquistas, Stirner eleva ao auge o indiv-

    duo? possvel que se tenha projetado sobre o seu

    pensamento, a sua atitude pessoal constante, de

    recusas de pretenso a qualquer posio de des-

    taque poltico, de integrar-se em um grupo de revo-

    lucionrios patenteados e pretendendo orientar o

    movimento social. Mas o epteto vem de Marx e foi

    reconduzido sem mergulhar no mago da proble-

    mtica de Proudhon. Com efeito, isso se deve a esta

    terrvel oposio de pessoas to diferentes, e a que

    o pensamento de Proudhon era bem mais incomo-

    dativo e recebia um eco, na poca, bem superior ao

    de Marx.

    Outro tema, tambm injustificado, o de pe-

    queno-burgus. A burguesia da poca, com Thiers

    frente, no se enganou, ela que dedicou um dio

    constante pessoa de Proudhon (OPovo~A Vozdo

    Povo e O Representante do Povo) eram rapida-

    mente forados

    runa pela censura poltica. Re-

    lembremos o panfleto difamatrio atacando Prou-

    dhon na sua vida privada, qual Proudhon respon-

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    REFUTAO E mTERI'RETAAo DE ALGUNS PRECOl\'CEITOS 51

    deu pela obra

    A Justia na Revoluo e na Igreja.

    Relembremos a sua atitude na Cmara de 1848,

    quando, pela primeira vez, o afrontamento de classe

    entre proprietrios e proletrios foi denunciada pe-

    rante uma assemblia parlamentar. Nunca um ho-

    mem pblico foi receado, detestado, difamado, como

    Proudhon no sculo XIX.

    Por outro lado, no movimento operrio que

    Proudhon exerceu a maior influncia, e foi sem

    dvida porque os autnticos proletrios aderiam

    sobretudo s teses de Proudhon que s de Marx,

    apesar deste ltimo tentar, sem repugnncia e pelos

    meios mais mesquinhos, quebrar a aurola oper-

    ria de Proudhon.

    Terceiro ponto, agitado entre as suas contra-

    dies . A bem dizer, Proudhon poderia t-lo to-

    mado por um cumprimento, pois que justamente

    o seu sistema apoiava-se sobre a anlise das con-

    tradies. Entretanto, o gosto da frmula condu-

    ziu-o a ver contradies talvez demasiado nume-

    rosas no corpo social; mas o seu conjunto terico

    mostra, no entanto, uma notvel homogeneidade.

    Uma leitura superficial de Proudhon poderia fazer

    acreditar na tese de Marx, pois Proudhon no es-

    creveu uma exposio de conjunto da sua doutrina.

    Esta encontra-se difusa nas suas numerosas obras,

    escritas vontade das circunstncias, e o mais das

    vezes num contexto polmico, o que faz com que, em

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    o ESSENCIAL PROUDIlON

    uma perspectiva, os paradoxos paream abundar

    e as antinomias, sujeitas inflao. Vrios foram

    os estudiosos que tentaram resumir o pensamento

    de Proudhon, como, por exemplo, Jean Bancal e

    Pierre Haubtmann, de o sintetizar, mostrando os

    pontos de articulao, a coerncia de conjunto.

    preciso dizer, para fazer justia a esta ltima acu-

    sao lanada contra um homem morto prematu-

    ramente, consumido pelo seu labor de panfletrio,

    aprisionado, exilado, perseguido; Proudhon, agoni-

    zando, tentou, ao ditar ao seu amigo Gustave Chau-

    dey os ltimos captulos deA Capacidade Poltica

    das Classes Operrias,

    sistematizar o seu pensa-

    mento. Este testamento mostra ao leitor que quiser

    dedicar-lhe alguns momentos, que Proudhon no

    individualista, nem pequeno-burgus, nem agi-

    tado entre as suas contradies. Ou ento, Prou-

    dhon foi um pequeno-burgus que levou uma vida

    que muitos revolucionrios deveriam ambicionar,

    Marx

    frente: censura, multas exorbitantes, pro-

    cessos judiciais, penas de priso, exlios, pobreza

    extrema, se'no mesmo misria, difamaes, cal-

    nias, numa palavra, dio visceral ao seu encontro,

    pelos proprietrios e pelo Poder.

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    o ESSEr\C:IAL PROl'IlIlOr\

    funo das orientaes da planificao econmica

    e social. O exerccio do direito de propriedade en-

    contrava-se regulamentado por uma organizao

    social fundada sobre a arbitragem dos conflitos

    suscetveis de eclodir entre os diferentes grupos

    funcionais: federao industrial, federao agr-

    cola, reagrupados com a federao de consumo,

    mas para constituir entre eles o sindicato geral da

    produo e do consumo, opondo-se confederao

    poltica (Comunas - Regies - Naes). O direito

    de propriedade, limitado com efeito ao artesanato,

    inscrevia-se no contexto de um direito social novo,

    fundado sobre a socializao das atividades econ-

    micas, e obedecendo a uma lei fundamental de va-

    lorizao dos produtos e dos servios seguindo o

    preo social do trabalho incorporado, por conse-

    guinte, a uma regulamentao igualitria da troca.

    Permitam-me preferir este sistema ao capitalismo,

    quer seja privado ou de Estado, pois, neste ltimo,

    se a mais-valia no mais privatizada, ou antes,

    de maneira menos brilhante, subsiste uma hierar-

    quia e uma burocracia inamovveis.

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    REFlTTAAo E r:\TERPltETAAO DE ALGC:\S PltECO:\CEITOS 55

    5

    Proudhon incapaz de compreender

    a Luta de Classes

    Esta afirmao perfeitamente grosseira. Em

    1848, Proudhon ops, pela primeira vez em uma

    Cmara de Deputados, o proletariado e os proprie-

    trios. Este fato valeu-lhe uma reprovao unni-

    me de toda a Cmara menos dois votos (um dos

    quais o seu). Proudhon sempre esteve consciente

    da diviso da sociedade em classes ao redor da

    propriedade dos meios de produo. Isso parti-

    cularmente ntido no seu ltimo livro,

    Da Capaci-

    dade Polttica das Classes Operrias. Com efeito,

    com esta acusao, visa-se orientar o descrdito

    sobre o fato que Proudhon acreditou durante bas-

    tante tempo que o proletariado e a classe mdia

    poderiam fazer aliana revolucionria. Mas Prou-

    dhon sempre trabalhou para reconstituir o partido

    da revoluo . Entendia por isso o reagrupamento

    sobre um programa comum de todas as foras

    socialistas, quer dizer, todos aqueles que, e apesar

    das divergncias que tivessem, se pusessem de

    acordo sobre os objetivos fundamentais do socialis-

    mo e da passagem para este.

    Todavia, o proletariado no deveria ter nada

    de comum com as organizaes polticas que lhe

    eram exteriores. O proletariado, a classe operria

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    REFUTAAo E INTERPRETAAo DE ALGUNS PRECONCEITOS 57

    sies intelectuais, e dar uma posio comum da

    qual podemos perguntar-nos que laos poderia ter

    com os que resultam dos interesses prprios a cada

    grupo da coligao. Os partidos so, portanto, eles

    tambm, os lugares de um corte artificial entre

    teoria e prtica, sujeitos manipulao por pseudo-

    elites, o feudo de intelectuais da revoluo, separa-

    dos por condies objetivas das situaes de explo-

    rao. A posio de Proudhon na matria , por-

    tanto, bastante coerente: se teoria e prtica vm da

    experincia, as posies de classe devem necessa-

    riamente elaborar-se nos lugares da prpria pr-

    tica: sindicatos, comunas, agrupamentos de usu-

    rios.

    verdade que a noo de agrupamento num

    partido no existe mais, no sentido de ter vocao

    ao tratar o conjunto da gama dos diferentes proble-

    mas, em relao aos lugares onde eles so vividos.

    No que se tornaro os lderes inspirados, os tericos

    e analistas procurando emprego, os revolucionrios

    profissionais? Isso poderia explicar o porqu das eli-

    tes polticas terem sido rejeitadas por Proudhon,

    os dogmticos com pouca audincia, os autoritrios

    de crina levantada, os pensadores de meia tigela,

    acharam ser mais simples difamar um pensamento

    que os deixava sem emprego e no qual a sua von-

    tade de poder no encontraria esfera de exerccio.

    Proudhon no nega a luta de classes, mas no

    remete a anlise que da resulta nas mos de po-

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    ESS8iCIAL PRCil:DHOi

    lticos que no tardariam a arrogar-se todo o poder

    de direo em um sistema totalitrio, ou a camu-

    flar-se por detrs dos jogos da democracia formal;

    esta consiste em abandonar a globalidade dos po-

    deres a mandatrios que no podem ter toda a

    competncia sobre os diferentes problemas, que

    na sua qualidade de permanentes no podem co-

    nhecer.

    O sentido verdadeiro da acusao marxista

    orienta-se volta dos problemas da tomada do

    poder e da organizao deste. Para Proudhon, a

    tomada do poder no pode resultar a no ser de

    uma tomada de conscincia macia, adquirida por

    lutas concretas, em uma prtica independente, e

    no atravs de um golpe de polegar remetendo o

    poder a revolucionrios profissionais. Vemos aqui

    que Proudhon associa uma grande importncia ao

    desenvolvimento das condies objetivas da revo-

    luo social, pois que a possibilidade desta, de-

    pende da evoluo das foras coletivas, do seu grau

    de conscincia, da emergncia de uma anlise da

    situao, e da sua execuo em uma estratgia

    adaptada.

    Entretanto, vivendo nas condies prprias ao

    capitalismo na Frana, no qual o estgio de desen-

    volvimento era bastante inferior ao da Gr-Bre-

    tanha, Proudhon pensou durante bastante tempo

    que a revoluo social no poderia fazer-se a no

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    REFCTAAO E INTERPRETAAO DE ALGU iS PRECONCEITOS 59

    ser obtendo-se a colaborao das classes mdias.

    Isso era perfeitamente coerente, pois o proleta-

    riado no dispunha ainda das capacidades neces-

    srias gesto da sociedade. Mas, formado pelo de-

    senvolvimento macio do capitalismo financeiro e

    industrial sob Napoleo III, formado pela poltica

    reacionria praticada pelos partidrios burgueses

    da Repblica, Proudhon acaba por concluir, na

    Ca-

    pacidade Poltica, na impossibilidade de uma

    aliana entre o proletariado e as classes mdias.

    esta primeira posio bastante durvel de Proudhon

    que, como vemos, era justificvel por consideraes

    de estratgia revolucionria, que Marx criticava fa-

    zendo expresso de uma atitude pessoal de Prou-

    dhon, que toda a vida deste permite contradizer.

    6

    Proudhon galanteador de Napoleo lU

    Esta calnia situa-se precisamente em nvel

    de pichaes de banheiros. Com efeito, o nmero

    de anos que Proudhon passou em prises ou no

    exlio, a partir de 1848, e no regime de Badinguet,

    chegaria para demonstrar a inutilidade de tais

    asseres. Mas se Proudhon encontrou, com efeito,

    o prncipe Napoleo bem mais socializante que

    Napoleo III, sempre se afirmou um adversrio

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    6

    ESSENCIAL PROUDHOI\

    resoluto de Badinguet. No tem, no ter, adver-

    srio mais determinado que eu , escrevia a Napo-

    leo lII em uma carta onde lhe pedia para deixar

    sair um dos seus livros:

    A Revoluo Demonstrada

    pelo Golpe de Estado de

    de Dezembro de 1851.

    Estas calnias estimularam uma interpreta-

    o extremamente tendenciosa deste livro de Prou-

    dhon. Pretendeu-se que este livro fazia a apologia

    do regime plebiscitrio de Badinguet. Nada disso,

    Proudhon queria demonstrar que o regime estava

    condenado, pois favorecia o nascimento do capita-

    lismo e, portanto, a socializao da produo; que

    era criador inconsciente da contradio cada vez

    mais exacerbada entre produo social e usufruto

    capitalista dos frutos desta produo. Relembre-

    mos que Proudhon, enfim, foi expulso da Cmara

    dos Deputados e condenado a trs anos de priso

    por ter anunciado que o Prncipe Presidente tenta-

    ria um golpe de Estado. Por um azar cmico, Prou-

    dhon se beneficiaria nesse dia do seu direito de

    sada semanal, regime, nesse tempo, comum a todos

    os presos polticos.

    Durante todo o reinado de Napoleo IIl, Prou-

    dhon no deixou de denunciar o conluio do regime

    com os grupos capitalistas, assumidos na poca

    pelos representantes destacados da escola saint-

    simonista. Proudhon elevou-se com veemncia, fun-

    dando-se em anlises precisas do ponto de vista

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    REFUTAO E INTERPRETAO DE ALGUNS PRECONCEITOS 61

    econmico e financeiro, contra as concesses de ser-

    vios pblicos (ferrovias, vias navegveis, canais ...)

    a grupos privados (na sua

    Zboria do Imposto,

    no seu

    Manual de um Especulador na Bolsa

    etc

    Este tipo de acusao destinada a desacreditar

    um homem na sua pessoa, fazendo a economia de

    um estudo racional sobre o seu pensamento, lem-

    bra-me os boatos montados contra Bakunin a pro-

    psito da sua confisso ao Czar. Bakunin empre-

    gava um estilo adornado, arrependido, servil que,

    por um lado, nada provou, visto que a confisso

    passou primeiramente pelo torniquete dos bolche-

    viques, e, por outro lado, justifica-se: o que sera-

    mos capazes de dizer para sair, a fim de retomar o

    combate revolucionrio, das masmorras da forta-

    leza de Pedro-e-Paulo? No se devia usar o estilo

    literrio prprio, nesse tempo, na Rssia, sobre-

    tudo na linguagem administrativa?

    7

    Proudhon no concebia a tomada do

    poder pela Revoluo nem a necessidade

    da Ditadura do Proletariado

    Eis uma crtica mais sria. necessrio preci-

    sar em seguida que ela no pode ser feita a no ser

    em nome de uma outra problemtica, da tomada

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    62 () ESSE \CIAL PI((JFDH() \

    do poder e da revoluo. Explicar-me-ei sobre este

    ponto. Todavia, Proudhon, na sua ltima obra

    publicada depois da sua morte ej citada, no ne-

    gligenciava a necessidade, em certas condies, de

    tomar o poder de maneira violenta e de se manter

    por uma fase de ditadura. Digamos que descon-

    fiava, e a histria do meu ponto-de-vista deu-lhe

    razo, de toda a tomada do poder por uma intitu-

    lada elite dizendo-se representativa do proleta-

    riado. Temia, a justo ttulo, que a fase transitria

    da ditadura do proletariado se eternizasse se, antes

    da revol uo, uma larga frao do proletariado no

    tivesse preparada para a gesto da sociedade fu-

    tura. Por outro lado, quando da sua interveno na

    Cmara em 1848, Proudhon afirmou que, se os ca-

    pitalistas no procedessem revoluo social, os

    proletrios o fariam sem eles, pela violncia.

    Entretanto, a atitude de Proudhon, que tinha

    vivido ele prprio as condies de vida do proleta-

    riado, que sempre se debateu com inextricveis

    dificuldades pecunirias, no era certamente vo-

    luntarista. O comportamento de Blanqui, fundado

    em pequenas minorias eficazes, com uma mentali-

    dade de conspirador, comportamento do qual Ba-

    kunin foi um dos mais marcantes representantes,

    no satisfazia Proudhon. Este sabia que a evoluo

    das condies reais da revoluo social vinha de

    um lento trabalho em profundidade, que manipu-

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    REFUTAAO E I -:TEI{PRETAAO DE ALGU -:S PIU;COXCEITOS 63

    ladores profissionais poderiam apenas catalisar.

    Mas para fazer o qu, se com a revoluo recm-

    chegada, o proletariado se revelava incapaz de to-

    mar em mos o seu destino e encontrava-se for-

    ado a recoloc-lo nas mos de competncias mais

    afirmadas? Que risco enorme o povo corria de ser

    de novo subjugado por novos mestres, que no

    tardariam muito a reedificar o sistema de domina-

    o hierrquica e a orientar a sociedade num sen-

    tido favorvel aos seus interesses? Basta referir-

    mo-nos a Volin (A Revoluo Desconhecida) ou a

    Soljenitsyn (O Arquiplago Gulag) para ver que

    estes receios nada tinham de irrealista e que a

    His

    tria, infelizmente, bem os justificou.

    8

    Proudhon contra a Greve

    No se pode condenar a posio de Proudhon

    sobre a greve, sem tentar dar as razes profundas.

    A concepo proudhoniana diz respeito, por sua vez,

    ao papel, ao lugar e

    natureza da greve no sistema

    capitalista, por um lado, e futura organizao so-

    cial, por outro lado.

    Por aquilo que diz respeito ao sistema exis-

    tente, Proudhon pronunciou-se, com efeito, contra

    a greve, nas formas particulares que ela tomava

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    64

    ESSENCIAL PROUDHON

    na poca. Proudhon criticou fortemente estas gre-

    ves, pois estas tinham somente um carter alimen-

    tar: aumento de salrios, pois elas eram impulsio-

    nadas por alianas espontneas, desprovidas de

    estruturao e porque no tinham objetivos estru-

    turais.

    A oposio de Proudhon greve puramente

    salarial permanece tambm largamente conjun-

    tural, quer dizer, sobretudo justificada por conside-

    raes de ordem humanitria. Na poca, em que

    a classe operria comeava a despontar, era man-

    tida numa explorao sem piedade, onde os gre-

    vistas eram objeto das cargas policiais mais impla-

    cveis, de medidas de encarceramento e de depor-

    tao severas, em que o direito, por conseguinte,

    estava inteiramente consagrado ao servio da classe

    proprietria: interdio das coligaes, das associa-

    es, mesmo de assistncia mtua, livrete obriga-

    trio do operrio; no momento em que os salrios

    de misria s autorizam uma vida aleatria, Prou-

    dhon pronuncia-se contra a greve desorganizada,

    sem contraforte organizacional, pois pensava que

    ela s podia enfraquecer a classe operria e refor-

    ar a represso patrona1.

    Proudhon preconizava a organizao paralela

    ao sistema, de modo que, aps ter construdo uma

    estrutura forte, com o suporte de uma estratgia,

    criado uma situao, inscrita nas possibilidades

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    REFUTAAO E INTERPRETAAO DE ALGUNS PRECONCEITOS 65

    acrescidas de uma organizao material poderosa,

    a relao das foras se tenham tornado suficiente-

    mente favorveis para poder lanar-se numa con-

    testao radical, com probabilidades razoveis de

    sucesso.

    Proudhon via a prtica da greve alimentar, es-

    pontnea, limitada profisso e localidade, logo

    a um horizonte bastante restrito tanto do ponto de

    vista da implantao geogrfica quanto da corpo-

    rao a que diz respeito, como uma ao sem espe-

    rana e de natureza a enfraquecer, a diminuir as

    magras foras do proletariado. A sua preocupao

    primordial era de poupar

    classe operria as de-

    cepes, os sofrimentos sem efeito notvel sobre o

    sistema capitalista.

    Com efeito, a greve salarial permanece sem

    efeitos positivos a longo termo, pois o sistema ca-

    pitalista obedece a automatismos cegos, que fazem

    com que os aumentos de salrios conduzam so-

    mente a uma mudana de preos, a uma reper-

    cusso, pela classe proprietria, sobre o preo dos

    seus produtos dos aumentos dos seus preos de

    custo (em circunstncia, o que os economistas libe-

    rais atuais chamam a inflao pelos custos sala-

    riais).

    Em compensao, no fundo, Proudhon preco-

    niza o reforo da classe operria pela criao de

    associaes, federadas em uma estrutura de con-

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    ESSEXCIAL PROCDHOX

    junto, de maneira a poder levar um combate permi-

    tindo mudar a natureza prpria do sistema. Hoje

    em dia, no momento em que as greves se tornam,

    sob a impulso da base e com o apoio de poderosas

    organizaes sindicais (integrando e apoiando o

    movimento em uma tica geral e anticorporati-

    vista), cada vez mais de vocao estrutural: termo

    de trabalho, cadncias, vantagens a longo termo,

    organizao do trabalho, contestao das relaes

    hierrquicas ... etc., o presente parece confirmar as

    posies de Proudhon, contra uma prtica desorga-

    nizada setorial e corporativista.

    Mas estes pontos de vista s se tornaram rea-

    lizveis porque as organizaes sindicais existem

    e a fora que tiram da sua estruturao, da coorde-

    nao das lutas que elas permitem operar, instau-

    rou uma transferncia importante da relao de

    foras em favor do proletariado.

    Se Proudhon estigmatizava o aventureirismo,

    aconselhava em maior grau pacincia, preconizava

    comear por unir esforos a fim de consolidar a fora

    da classe operria, e neste aspecto preciso reco-

    nhecer, entretanto, que a estratgia que durante

    longo tempo props era inadequada situao.

    Com efeito, no momento em que era necess-

    rio estruturar a fora de contestao, sem a qual

    nada possvel, fora de resistncia que tomou a

    forma dos nossos sindicatos atuais, Proudhon pen-

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    mWUTAAO E Il\TERPRETAAO DE ALGFNS PRECONCEITOS 67

    sou por muito tempo poder passar diretamente ao

    estgio da autogesto produtiva do salariato, no

    que poderamos chamar cooperativas operrias,

    federando-se pouco a pouco. Teria sido necessrio

    que os operrios dispusessem dos meios financei-

    ros indispensveis.

    Da a idia de Proudhon do crdito gratuito

    (os interesses eram reduzidos s despesas de ges-

    to do organismo financeiro) decidido pelo Banco

    do Povo. Proudhon acreditou durante bastante

    tempo que esta idia seria a soluo da questo

    social, as cooperativas acabando pouco a pouco por

    se propagar e por absorver todo o sistema. Era a

    base da sua grande idia de mutualismo, o Banco

    do Povo constituindo a primeira sociedade mutua-

    lista. Esta primeira concepo, fortemente marcada

    de utopia, em conseqncia da falta de capitais e

    por causa da fraqueza do movimento operrio da

    poca, no encontrou nada a no ser insucessos.

    Em contrapartida, a idia central de Proudhon: a

    necessidade de uma autogesto operria, concreti-

    zou-se com bastante sucesso dentro da autonomia

    do movimento sindical.

    No plano da organizao social futura (federa-

    lista e mutualista, o que um sinnimo de auto-

    gesto na problemtica proudhoniana), Proudhon

    rejeita tambm a greve, como contrria aos inte-

    resses gerais da sociedade. Com efeito, as orien-

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    ESSENCIAL PROUDHO:\

    taes sociais, as mediaes necessrias, tais como

    o sistema de preos, tendo sido aclaradas por nego-

    ciaes sucessivas, conduzidas da base para o topo

    e da circunferncia para o centro, Proudhon no

    via por que que grupos de presso localizados e

    corporativistas se oporiam a uma deciso geral, pela

    qual todo o mundo tinha participado fazendo valer

    os seus prprios interesses.

    Esta posio surpreende um pouco, estando

    apresentada a importncia que Proudhon d ao

    equilbrio das relaes de foras entre grupos so-

    ciais portadores de objetivos mais ou menos diver-

    gentes. Com efeito, toda a sua problemtica do

    funcionamento social era orientada nesse sentido.

    No plano prtico, Proudhon no viu que era abso-

    lutamente necessrio que uma fora de contesta-

    o organizada existisse para salvaguardar os inte-

    resses diretos dos trabalhadores. Ainda esta refle-

    xo, que nos sugerida pela observao direta que

    pudemos fazer dos sistemas socialistas totalitrios,

    nos quais a ausncia de fora autnoma reivindi-

    cativa apoiou a explorao operria por uma bu-

    rocracia onipotente. Numa sociedade onde o po-

    der poltico seria realmente partilhado, da maneira

    como Proudhon nos prope, no seguro que esta

    organizao independente da contestao operria

    e salarial seja inteiramente necessria. Em todo o

    caso, melhor que ela exista no arranque das ope-

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    REFUTAO E INTERPRETAO DE ALGDNS PRECONCEITOS 69

    raes, com o risco de suprimi-Ia em seguida se o

    seu papel menor, pois mais fcil reduzi-Ia que

    constitu-Ia no caso em que o sistema social se

    tornasse, apesar de tudo, burocrtico.

    A posio proudhoniana, que nos cabe adap-

    tar permanentemente s realidades do nosso tempo,

    ressaltava o problema dos contra-poderes, ou das

    contra-instituies, que tm por funo reunir

    novos grupos sociais, insatisfeitos com o papel que

    lhe reservado no sistema existente. Empregamos

    aqui o termo de instituies, pois estes grupos so-

    ciais, que tendem a modificar a relao de foras

    estabelecidas, no deixam, aos olhos de Proudhon,

    de segregar as suas prprias normas e valores cole-

    tivos no funcionamento social.

    Finalmente, podemos perguntar, tendo diante

    de ns a imagem concreta de ineficincia das gre-

    ves salariais, num sistema onde os proprietrios po-

    dem repercutir a alta de preos sobre os valores de

    venda, onde a banca e o Estado, e o capitalismo fi-

    nanceiro, aproveitam-se da inflao ao reembolsar

    as poupanas a conta-gotas e gracejando do credor.

    Se Marx no preconizasse sobretudo a greve para

    aumentar as contradies do sistema - disseno

    entre capitalistas sobre a repartio da mais-valia,

    mobilizao do proletariado, reforo da conscincia

    de classe, incremento do capital fixo, logo, baixa

    tendencial da taxa de luxo. Neste caso Marx e

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    REFUTAAO E INTERPRETAAo DE ALGUXS PRECONCEITOS 71

    pela atribuio que ele faz ao homem e sua

    mulher de papis sociais que nada tm de natural,

    mas so determinados pelas condies sociais de

    uma dada cultura. A Proudhon falta -lhe, portanto,

    relativismo cultural e histrico, posio que pode-

    ria ser explicada pelas tendncias homossexuais

    latentes de Proudhon, isto a acreditarmos em Da-

    niel Gurin. Todavia, as idias de Proudhon tive-

    ram, pelo menos, o mrito da honestidade intelec-

    tual, pois punha em conformidade os seus atos e o

    seu pensamento. Os comentrios de Proudhon en-

    contram-se principalmente em um livro pstumo,

    publicado bem aps a sua morte,

    A Pornocracia

    ou as Mulheres nos Tempos Modernos.

    Se foi escrito

    quer dizer, portanto, que Proudhon o tinha pensado,

    mas tinha recusado public-lo, pois se tinha dado

    conta do seu carter pessoal e passional. (Presta-

    ram-lhe um mau servio ao editar este livro, sem

    dvida sob a presso da ala direita dos seus disc-

    pulos.) Mas qual o pensamento que no contm

    algum anacronismo, quando examinado mais de

    um sculo aps a sua publicao?

    Quanto

    famlia, Proudhon estava perfeita-

    mente consciente do seu papel de transmissor de

    autoridade, no quadro das relaes sociais da sua

    poca. Mas, se sempre defendeu, e com tanto mo-

    ralismo, a famlia, era porque ela constitua, tam-

    bm pela educao, uma proteo contra o poder

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    ESSENCIAL PROUDHON

    centralizado e totalitrio, uma linha de defesa con-

    tra a mobilizao dos espritos, que resultava dos

    regimes comunitrios preconizados por Cabet. Para

    ilustrar este ponto-de-vista, no interdito pensar

    que um dos fins latentes da educao gratuita, laica

    e obrigatria, cara a Jules Ferry, era de conformar

    todo o mundo aos ideais do Estado laico, burgus,

    centralista e republicano, em proporo com os co-

    nhecimentos necessrios para no concluir a deso-

    bedincia civil e o esprito crtico.

    certo tambm que todos os regimes centrali-

    zados tentam incutir na famlia o papel de trans-

    missor da autoridade social quando no chegam

    a uniformizar os caracteres com bastante fora nas

    diferentes instituies, escolares ou outras. No

    podemos, portanto, criticar a posio de Proudhon

    sobre a famlia a no ser que olhemos o problema

    de mais perto, pois em Proudhon, a famlia no a

    unidade constitutiva da sociedade, ela no est na

    origem do Estado (ao contrrio de Bonald): a ofi-

    cina. Ela um grupo natural, podendo pr em xe-

    que o Estado. Ela no est assente sobre a autori-

    dade dopater famzlias, mas sobre a educao anti-

    autoritria das crianas. Relativizemos ainda este

    desenvolvimento citando Proudhon, para mostrar

    que era bem mais diferenciado do que se diz: ''Acre-

    dito na prepotncia do homem, mas acredito na

    superioridade da mulher . (No disse Marx que o

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    REFUTAO E INTERPRETAO DE ALGUNS PRECONCEITOS 73

    que mais gostava no homem, era a sua fora, e na

    mulher, a sua fraqueza?)

    1

    Proudhon apologista da Guerra

    Esta afirmao funda-se no livro de Proudhon

    A Guerra e a Paz.

    Com efeito, Proudhon queria

    mostrar que a sociedade se encontrava num estado

    de tenses perptuas entre os diferentes grupos

    sociais que a compem, que o mximo de tenso,

    quer dizer a guerra, no era, nas sociedades capita-

    listas, mais um dos meios mais brutais de resolu-

    o das contradies econmicas. Que a vida em

    sociedade tem lugar sob o signo do conflito, que a

    cri atividade, quer dizer a livre expresso da vida,

    e o progresso no podem realizar-se a no ser que

    se faa luz para se resolverem. Que preciso pro-

    curar, em permanncia, as formas de organizao

    social que permitem aos conflitos aparecer e apren-

    der a suportar os estados de tenso.

    Os trabalhos de Gerard Mendel sobre o tema,

    fundado na relao psicanaltica e societria, con-

    firmam, com claridade, o pensamento proudho-

    niano sobre este ponto. Claro, o esquema explica-

    tivo bastante diferente. Proudhon faz uma an-

    lise sociolgica do funcionamento da sociedade e

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    ESSEl\CIAL PROl'DIlON

    conclui, para preservar as possibilidades do movi-

    mento social, pela instituio de estruturas sociais

    conflituais. Mendel tenta fazer ajuno entre todos

    os condicionamentos culturais impostos pessoa

    pelas instituies, a todas as fases do seu desenvol-

    vimento, e as conseqncias psico-afetivas, no qua-

    dro de uma anlise social e psicanaltica, que tem

    sobre o seu comportamento social. Mas o objetivo

    no

    o mesmo para Proudhon eMendeI? Quer

    dizer, determinar em que condies organizacio-

    nais e institucionais a autonomia da pessoa pode

    ser salvaguardada.

    Proudhon contra a Autogesto

    No momento em que sob o vocbulo de auto-

    gesto, desde 1968, mesmo um pouco antes para

    certos partidos polticos, uma concepo verdadei-

    ramente liberal e democrtica do funcionamento

    social reaparece, certas capelas dogmticas ou inte-

    ressadas vieram negar que o proudhonismo era um

    pensamento autogestionrio.

    No iremos falar de certo setor marxizante,

    que rejeita todo o complemento de anlise. Por

    exemplo, alguns chegaram a censurar Althusser

    ao dizer que Marx era estruturalista pois, se a

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    importncia das estruturas sobre as possibilida-

    des da revoluo determinante, os revolucion-

    rios ativistas e elitistas tm receio de ficar como

    personagens secundrios da Histria.

    Que entendemos por autogesto? Ser um es-

    tado de esprito, uma atitude libertria?

    assim

    que certos anarquistas fizeram recuar a idia de

    autogesto comuna antiga, a Plato, a Esprtaco

    etc .. A esse ttulo, impossvel excluir Proudhon,

    mesmo se uma frao do anarquismo desconfiou,

    pois teria tido, do mesmo modo que Marx, o seu

    sistema . Com efeito, ningum mais que Prou-

    dhon foi to antiautoritrio. Proudhon construiu,

    com efeito, a sua interpretao do social sobre a

    necessidade de demolir todos os dolos da autori-

    dade: a propriedade, o poder, o saber (e todas as

    suas justificaes ideolgicas, da qual a religio era

    na poca um dos motores mais importantes.)

    Visou organizar a sociedade de maneira a equi-

    librar a liberdade e a autoridade, a autonomia e a

    coeso, a pessoa e a sociedade, a estabilidade e o

    movimento, numa ordem social que substitui pela

    fora, as regulamentaes sociais sadas, em per-

    manncia, da evoluo das relaes sociais.

    A autogesto

    somente um projeto de gesto

    autnoma das atividades produtivas pelos prprios

    trabalhadores? Seria um pensamento profundo de

    toda uma corrente do anarquismo, que substituiria

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    ESSENCIAL PROUDHON

    o Estado pelo livre concerto das atividades econ-

    micas entre produtores, autogerindo-se. Isso foi um

    momento do pensamento de Proudhon, do qual o

    mutualismo est na base desta corrente, do mesmo

    modo oreconheceu Kropotkin respondendo, quando

    de um processo judicial, que o pai da anarquia no

    era ele, mas o imortal Proudhon .

    A autogesto no diria respeito a no ser

    descentralizao dos poderes do Estado, no seria

    apenas federalismo poltico? o erro que cometem

    aqueles que s retm de Proudhon o aspecto pol-

    tico do federalismo que preconizou. Proudhon, pelo

    contrrio, exprimiu que o federalismo territorial

    nada seria, se o absolutismo da propriedade privada

    continuasse a durar, que era necessrio, ao mesmo

    tempo, centralizar a economia e anarquizar o poder.

    Nesta acepo, a autogesto corresponde, em uma

    parte, estruturao das atividades produtivas (au-

    tnomas no plano local) at ao nvel nacional, por-

    tanto, necessidade de uma regulamentao geral

    e de uma planificao coordenando os seus interes-

    ses prprios pelos agrupamentos na base: trabalha-

    dores, consumidores, usurios dos servios pblicos,

    etc .. Implica, por outro lado, a descentralizao das

    funes coletivas, asseguradas at a pelo Estado e

    o seu aparelho, no nvel das comunas e das regies.

    Portanto, o projeto social de organizao futura da

    sociedade, a concepo final que se tinha de Prou-

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    dhon, projeto que associa omutualismo econmico

    estruturado por sucursais de atividade e regula-

    mentadas no plano nacional- ao federalismo ter-

    ritorial- reagrupando as funes comuns, sociais,

    coletivas,(nomais baixo nvel possvele por andares

    sucessivos,para conduzir a uma federao nacional)

    - autenticamente autogestionrio.

    Ser que a problemtica da autogesto inclui

    a estratgia da mudana? As vias de passagem da

    sociedade atual

    sociedade autogerida? a posi-

    o dos que insistem na necessidade de preparar,

    desde hoje, a sociedade futura, por exemplo, pelo

    controle operrio nas empresas, ou pelo trabalho

    militante nos agrupamentos particulares, comonos

    usurios dos transportes, os autonomismos regio-

    nais, as instituies: escolas, foras armadas, pri-

    ses etc., de maneira a poder modificar de impro-

    viso as relaes sociais aps a tomada do poder.

    O que implica que no nos contentemos mais em

    fazer girar o aparelho de Estado tal e qual em pro-

    veito da revoluo. Tal a problemtica proudho-

    niana da mudana: desenvolver desde este mo-

    mento as capacidades de gesto da sociedade pelos

    trabalhadores. Proudhon preconiza a associao,

    semeando deste modo todo omovimento sindical,

    criado em Frana por Varlin, e continuado pelo

    anarco-sindicalismo de Pelloutier, em seguida pelo

    sindicalismo revolucionrio.

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    o ESSENCIAL PROFDIlClN

    Ser que a autogesto supe o desapareci-

    mento da propriedade privada dos meios de produ-

    o? Certamente, e Proudhon se no encara supri-

    mir toda a propriedade privada, preconiza a so-

    cializao das atividades produtivas e de troca.

    Entretanto, Proudhon no quer uma estatizao

    da propriedade, isto , de um capitalismo de Es-

    tado. Com efeito, a estatizao no muda a natu-

    reza da propriedade capitalista, pois esta asso-

    ciada a relaes sociais hierrquicas, desiguais. A

    estatizao deve ser acompanhada de uma instau-

    rao dos trabalhadores no poder da direo das

    fbricas, da atividade econmica, logo da gesto dos

    instrumentos de produo pela classe trabalha-

    dora. Trata-se, portanto, de uma nacionalizao,

    de uma socializ