O Essencial Proudhon_Francisco Trindade
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Francisco Trindade
ESSENCI L
PROU ON
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ndice
Prefcio
11
Homo Proudhonianus
II
III
IV
V
VI
VII
VIII
IX
5
18
9
2
2
24
27
3
35
Refutao e Interpretao de alguns
preconceitos sobre o Pensamento de Proudhon
1. Proudhon nada compreendeu
do Materialismo Histrico
2. O Idealismo de Proudhon
3. Proudhon
um individualista
pequeno-burgus incapaz de
compreender a luta de classes
44
47
49
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4. Proudhon defensor da Propriedade
53
5. Proudhon incapaz de compreender
a Luta de Classes 55
6. Proudhon galanteador de Napoleo III
59
7. Proudhon no concebia a tomada
do poder pela Revoluo, nem a
necessidade da Ditadura
do Proletariado 61
8. Proudhon contra a Greve
63
9. Proudhon contra a Mulher
e oDefensor da Famlia
70
10. Proudhon, apologista da Guerra
73
11.Proudhon contra a Autogesto
74
12.Proudhon, Jurista limitado 80
13. Proudhon acusado de Racista
85
14. Proudhon contra o Comunismo
86
15.Em Proudhon no h mais lugar
para o Estado
87
Alguns trabalhos do autor
sobre Proudhon
91
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Ao Bernardo
e aoMartim
aos outros
e a mim
com um brinde
perseverana ...
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- Ora, em cada Estado, no o governo que detm
a fora?
- Exatamente.
- Certamente que cada governo estabelece as leis
de acordo com a sua convenincia: a democracia, leis
democrticas; a monarquia, monrquicas; e os outros, da
mesma maneira. Uma vez promulgadas essas leis, fazem
saber que justo para os governos aquilo que lhes convm,
e castigam os transgressores, a ttulo de que violaram a
lei e cometeram uma injustia. Aqui tens, meu excelente
amigo, aquilo que eu quero dizer, ao afirmar que h um s
modelo de justia em todos os Estados - o que convm aos
poderes constitudos. Ora estes so os que detm a fora.
De onde resulta, para quem pensar corretamente, que a
justia a mesma em toda a parte: a convenincia do mais
forte.
Plato -A Repblica 338d - 339a
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Prefcio
Livro constitudo por dois textos que simboli-
camente representam quinze anos de investigao
dedicados ao estudo da obra de Proudhon. No en-
tanto, o contato direto com a obra do pensador
socialista francs aconteceu pela primeira vez,
anos antes, em 1975,ej nessa altura exerceujun-
tamente comoutros nomes douniverso anarquista
uma poderosa atrao. O estudo sistemtico de
Proudhon e da sua obra complexa, enciclopdica e
multifacetada, comeoua dar-se em 1984.Escritos
em momentos distintos deste processo, estes dois
textos encontram-se agora juntos pelo destino que
possibilitoua sua edio.Ambosfazemparte da obra
Investigaes Proudhonianas
(I.P) que na sua maior
parte se encontra ainda indita. O primeiro texto
retrata reflexivamente a vida e a obra do homem
que, por vrios motivos, ostensivamente esque-
cido,embora sejamos visceral e culturalmente seus
herdeiros. O segundo, empreende a refutao e a
interpretao dos principais preconceitos que, vin-
dos de vrios setores da sociedade, possibilitaram
incompreenses sobre opensamento proudhoniano.
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o ESSENCIAL PROUDHON
Estes quinze anos de estudo e investigao
foram tempos solitrios, e s assim se compreende
a dedicatria da minha traduo DoPrincipio Fede-
rativo .
Dedico este livro Pacincia, Tenaci-
dade, Obsesso ...
Tempos solitrios sim, mas isso no quer dizer
que no tenha havido um naipe de pessoas que me
tenham prestado ao longo destes anos uma ajuda
preciosa. Tempos solitrios mas tambm solidrios.
Neste livro,um nome merece ser,aqui e agora, posto
em destaque: o de Carlos Carranca. Pela possibili-
dade, pelo incentivo e pela garra posta na edio
destes dois textos. Um obrigado incomensurvel. De
todas as reflexessuscitadas, souobviamente onico
responsvel.
O
tempo relativo s disponibilidades nele
posto.
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Homo Proudhonianus
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Campons de origem e operrio por condio,
trabalhador manual de origem e intelectual por
ascenso, praticante por profisso e terico por
vocao, pragmtico por temperamento e mora-
lista por carter, economista e socilogo por obser-
vao, poltico e educador por induo, Proudhon
aparece como um microcosmo do povo francs. O
seu nascimento e a sua vida revestem por si pr-
prios uma dupla e mesma significao histrica:
o acesso do proletariado inteligncia da sua con-
dio e da sua emancipao, a emergncia da socie-
dade industrial na sua dimenso planetria.
Numa obra genial, num funcionamento des-
concertante, mas numa coerncia interna rigorosa,
todos os assuntos e os problemas da humanidade
so abordados com um sentido surpreendente da
projeo e da perspectiva. Eu sei o que a mis-
ria , escreve Proudhon. Euj a vivi.Tudo oque sei,
devo-o ao desespero. Uma tal vida teria podido
fazer um homem azedo. Uma formidvel sade
fsica e moral, uma prodigiosa inteligncia, um
temperamento decididamente pragmtico torna-
ram-no um realista. Proudhon decide consagrar
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ESSENCIAL PROUDHON
a sua vida emancipao dos seus irmos e com-
panheiros (carta Academia de
Besanon),
e,face
ao mundo estabelecido, veste-se como um aven-
tureiro do pensamento e da cincia.
Cincia e liberdade, socialismo cientfico e so-
cialismo liberal, liberal porque cientfico, e plura-
lista porque liberal: tal a originalidade dopensa-
mento de Proudhon, relativamente aos socialistas
utpicos do seu sculo e s conseqncias dogm-
ticas do pensamento cientfico de Marx.
''Asoberania da vontade cede diante da sobe-
rania da razo, e acabar por aniquilar-se num
socialismo cientfico . Aliberdade anarquia por-
que ela no admite o governo da vontade, mas so-
mente a autoridade da lei [...[.A substituio da
lei cientfica vontade [...] , depois da proprie-
dade, o elemento mais poderoso da histria . Prou-
dhon escreve estas linhas em 1840
(Primeira Me-
mria sobre a Propriedade).
O primeiro, inventa
e aplica oconceito de socialismo cientfico e oope,
desde 1846, ao novotermo de socialismo utpico .
Este socialismo cientfico baseia-se sobre uma
cincia da sociedade metodicamente descoberta e
rigorosamente aplicada . ''Asociedade produz as
leis e os materiais da sua experincia . Tambm a
cincia social e o socialismo cientfico so, correla-
tivamente, auto-descoberta e auto-aplicao pela
sociedade real das leis inerentes ao seu desenvol-
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ROMa PROUDRONIANUS
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vimento. A cincia social o acordo da razo e da
prtica social Contradies Econmicas, 1846); a
sua separao ento a causa de todas as utopias
e de todas as alienaes: Eu protesto contra a socie-
dade atual e procuro a cincia. A este duplo ttulo
sou socialista , escreve ele
Voz do Povo,
4 de de-
zembro de 1848). A mesma lgica que transforma
o socialismo em socialismo cientfico conduz este
a ser um socialismo liberal. Para eliminar o capita-
lismo arbitrrio, o socialismo tende a uma coletivi-
zao social. Paralelamente, para suprimir o arbi-
trrio estatal, conduz uma liberalizao social. na
sociedade inteira, onde se auto geram e autoadmi-
nistram, que comea a preparar-se e a instaurar-se
esta revoluo permanente
Brinde Revoluo ,
este evolucionismo revolucionrio, e inferir-se do
pluralismo orgnico social um pluralismo organiza-
dor. A chave do pensamento proudhoniano no
reside em um apriorismo intelectual, um dogma
metafsico, mas numa teorizao fundada sobre a
observao cientfica: o pluralismo. Com efeito, o
mundo moral (social) e o mundo fsico descansam
sob uma pluralidade de elementos; e
da contradi-
o destes elementos que resultam a vida, o movi-
mento do universo , a possibilidade da liberdade
para o homem e a sociedade. O problema consiste
no em encontrar a sua fuso, o que seria a morte,
mas o seu equilbrio sem deixar de ser instvel,
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ESSENCIAL PROUDHON
varivel como o desenvolvimento das sociedades
Teoria da Propriedade, 1865).Oantagonismo auto-
nomista e o equilbrio solidrio so a condio da
existncia : sem oposio,sem vida, sem liberdade,
sem composio, sem sobrevivncia, sem ordem.
O pluralismo , ento, o axioma do universo; o
antagonismo e oequilbrio, a sua lei e sua contra-lei
A Guerra e a Paz,
1861).Omundo, a sociedade so
pluralistas. A sua unidade uma unidade de oposi-
o-composio,uma unio de elementos diversifi-
cados, autnomos e solidrios, em conflito e em con-
curso. Deste pluralismo fsico e sociolgicoefetivo,
Proudhon induz um pluralismo social eficiente.
As origens de Pierre Joseph Proudhon, nas-
cido a 15 de janeiro de 1809, em Besanon, de um
jovem pai cervejeiro e de uma me cozinheira, so,
ao contrrio das de Marx e da maior parte dos re-
formadores sociais (deSaint-Simon a Lenin), auten-
ticamente plebias.
Aindajovem foivaqueiro, sendo admitido aos
dez anos comobolsista no colgioreal de Besanon.
L obtm, apesar das condies de trabalho muito
precrias, todos osprmios de excelncia.Obrigado,
por necessidade, a interromper os seus estudos,
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HO]\,IO PROUDHONIANUS
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torna-se sucessivamente tipgrafo, revisor e bol-
sista da Academia de Besanon (completa a sua
formao intelectual em Paris, nas Artes e Ofcios
e no Colgio de Frana), arteso impressor; traba-
lhou durante cinco anos em uma empresa de nave-
gao fluvial de Lyon, adquire uma experincia
real dos mecanismos da empresa e tambm da
burocracia. Em seguida, pratica o ofcio de jorna-
lista-escritor, que segue incessantemente na com-
panhia da sua mulher, uma operria, e com os seus
filhos, atravs de incessantes dificuldades mate-
riais, dos processos polticos, as revolues, a depu-
tao, a priso (trs anos) e o exlio. Morre aos cin-
qenta e seis anos, a 19 de janeiro de 1865, enfra-
quecido por um imenso trabalho, deixando uma
obra enciclopdica que ele nunca teria tido o prazer
de resumir (mais de quarenta obras representando
quase cinqenta volumes, sem contar os artigos
dos trs jornais que ele criou sucessivamente e uma
imensa obra dispersa ainda hoje indita).
O pluralismo de Proudhon explica odesenvolvi-
mento lgico da sua obra. A sua crtica da proprie-
dade capitalista visa um atomismo individualista
(doutrina que afirma a sociedade no ser mais que
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o
ESSENCIAL PROUDHON
uma adio de indivduos) do qual parte a negao
da existncia real da produtividade prpria dos
seres coletivos e a atribuio induzida aos capita-
listas do excedente produzido pela fora coletiva
(teoria da prelibao capitalista). Asua condenao
do absolutismo estatal, de direita ou de esquerda,
a de um totalitarismo social, sistema que nega as
manifestaes autnomas das pessoas coletivas e
individuais; donde a sua concepodoEstado como
coletivo dominante, um aparelho burocrtico, e em
seguida descreve a atribuio induzida neste lti-
mo das foras pblicas prprias s coletividades e
pessoas de base (teoria da mais-valia estatal). O
seu duplo ataque contra oespiritualismo integrista
e do materialismo integral visa uma mesma uni-
dade dogmtica, erguendo-se de um princpio domi-
nador um s elemento da pluralidade social. Ele
no at nas suas diatribes pedaggicas nas quais,
denunciando a separao da inteligncia e da ati-
vidade , a escolaridade e a aprendizagem , doho-
mem como um autmato e um abstrato , combate
a absolutizao, negao da relao pluralista (teo-
ria crtica do misticismo idealista e materialista).
Um realismo completo, respeitando a diversi-
dade e o desenvolvimento antinmico dos seres e
das coisas, domina o seu pensamento. A anarquia
(autogesto negativa) ou negao da autoridade do
homem sobre ohomem, constitua o anti-sistema
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ROMO PROUDRONIANUS
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de Proudhon: o anticapitalismo, ou negao da
explorao dohomem pelo homem , o antiestatis-
mo, ou negao do governo do homem pelo ho-
mem , o antitesmo (antimisticismo do esprito e
da matria), ou negao da adorao do homem
pelo homem , so os corolrios.
IV
A autogesto (dita autonomia de gesto ,
anarquia positiva ), ou afirmao da liberdade do
homem pelohomem, constitui omtodo positivo de
Proudhon. Combina, simultaneamente, um traba-
lhismo pragmtico , ou realizao dohomem pelo
homem graas ao trabalho social, um justicialis-
mo ideo-realista , ou idealizao do homem pelo
homem pela realizao de uma justia social, um
federalismo autogestionrio ou libertao doho-
mem pelo pluralismo social. A partir destes trs
elementos, desenvolvem-se as teorias de Proudhon.
V
Ao trabalhismo pragmtico unem-se as teo-
rias do trabalhismo histrico, da economia en-
quanto cincia do trabalho, do realismo social e
da dialtica serial.
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ESSENCIAL PHOUDHON
o
trabalhismo histrico uma teoria axial.
Ao inteligente dos homens na sociedade sobre
a matria, o trabalho considerado historicamente
[...] a fora plstica da sociedade [...] que deter-
mina as diversas fases do seu crescimento, e todo o
seu organismo tanto interno como externo . A eco-
nomia poltica, cincia do trabalho , a chave da
histria (Criao da Ordem, 1843). O trabalho, ge-
rador da economia, gerador da sociedade, alavanca
da poltica, fonte da economia, modo de ensina-
mento, o motor da histria, promotor da justia,
realizador da liberdade, e autor da sua prpria
libertao. Na luta do organismo econmico contra
a opresso dos poderes ou dos poderosos, ele ,
secularmente, o ator de uma revoluo perma-
nente .
A teoria da economia, cincia do trabalho e
disciplina tripolar, corolria da anterior. O tra-
balho, considerado objetivamente no produto , faz
da economia uma cincia da produo e uma com-
patibilidade econmica fundada sobre ovalor tra-
balho (teoria do valor constitudo ); considerado
subjetivamente no trabalhador , cria a cincia da
organizao e sociologia econmica (teoria da fora
coletiva): engloba sinteticamente os benefcios
produto-trabalhador , devolve-a cincia da repar-
tio e do direito econmico (teoria mutualista e
federativa da propriedade).
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ROMa PROUDRONIANUS
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As teorias do realismo social e da dialtica
serial so a ttica e a dinmica dotrabalhismo prag-
mtico. O trabalho e as suas leis (diviso, comu-
nidade de ao) criam e estruturam a sociedade,
suscitando uma pluralidade de seres coletivos.Pelo
realismo social ou teoria dos seres coletivos,Prou-
dhon afirma a realidade e as leis prprias dos gru-
pos eda sociedade.
a idia me da sociologia
(C. Bougl), cuja paternidade -lhe indiscutivel-
mente atribuvel (G. Gurvitch). ''As coletividades
. so tambm mais reais que as individualidades [...]
a sociedade um ser real [...]. Tem ento as suas
leis e benefcios que a observao revela : a fora
coletiva , a razo coletiva , e a fcoletiva Porno-
craciai.
Adialtica serial a dinmica das foras fsi-
cas e sociais catalisadas produtivamente pelo tra-
balho (ousubversivamente pela guerra). Omundo
uma corrente de antinomias. Aantinomia, dupla
fora, composta, por oposio de dois elementos
por sua vez antagonistas e complementares, um
elo elementar deste pluralismo antittco. A reso-
luo da antinomia impossvel, mas por oposio
dos elementos antinmicos nascem vida e movi-
mento.Artificial, a sntese no resiste
vida, aliena
ou mata. Contudo, a observao revela a existncia
da unio de foras associativas e organizadoras, as
sries que atravessam, intensificam e disciplinam
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24 o ESSENCIAL PROUDHON
omovimento dialtico das correntes antinmicas.
O trabalho uma srie geral positiva, e,pelas suas
duas leis prprias, cria uma ordem produtiva, uma
dinmica de associao; do outro lado, a guerra,
srie geral negativa, gera uma ordem destrutiva,
uma dinmica de competio. Processo criativo co-
mum ao mundo material e ao mundo social, a dia-
ltica serial torna-se, por esquematizao ideal ,
uma lgica formal copiada da lgica real domundo.
De processo efetivo, transforma-se no mtodo efi-
ciente de pensamento e de ao.
VI
No pensamento proudhoniano, as teorias do
justicialismo ideo-realista e, em primeiro lugar, o
ideo-realismo articulam-se no vnculo que une o
pensamento e a ao.Toda a idia tem a sua fonte
em uma relao real revelada numa ao e com-
preendida pelo entendimento. Otrabalho, aoin-
teligente dohomem na sociedade sobre a matria ,
esta revelao por excelncia. Todaa idia nasce
da ao e deve voltar ao, sob pena de degrada-
o pelo agente .
A
Justia, 1858). Mas a idia,
por livre esforo de inteligncia fiel
realidade,
pode tornar-se complemento da criao, criao
continuada operada pelo esprito
imagem da
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HOMO PROUDHONIANUS
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natureza
(Criao da Ordem).
Assim, matria e
esprito, homens e sociedades so, pela mesma ao
dotrabalho, englobados indissoluvelmente em uma
dialtica criadora onde as coisas so tipos de
idias , e as idias impresso da realidade sobre o
entendimento . Esta concepoimpregna a sua pe-
dagogia trabalhista (mtodos ativos,juno entre
a aprendizagem e a escolaridade, formao poli-
tcnica, integrao da educao na prtica social).
A teoria da justia como idia fora e equil-
brio das foras um corolrio do ideo-realismo.
Contra-lei de antagonismo, equilbrio entre as for-
as livres
(Teoriada Propriedade,
1865), ajustia
no um simples beneficio,concepo abstrata, fic-
o de entendimento ou ato de f, ela uma coisa
tanto mais real que repousa sobre as realidades
(A Justia). Lei do universo fsico, ela equilbrio,
benefcio das foras; lei social, reciprocidade, be-
nefcio de solidariedade; lei intelectual, equao,
benefcio de igualdade; lei moral, equilbrio dos
direitos e dos deveres, beneficio de dignidade; lei
ideal, ideo-realizao, benefcio idealizado. No
mundo intelectual, social emoral, esta lei portanto,
imanente aos homens e aos grupos, pode ser blo-
queada pela ao mesma de uma liberdade imagi-
nativa capaz de produzir artifcio, arbitrariedade
e ideomania. Mas pela sua realizao atravs da
razo social,esta fora imanente desenvolvida como
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ESSENCIAL PROUDHON
cultura, prtica social,moral e revolucionria, pode
impor-se como lei-realista.
A teoria do realismo moral e esttico enca-
deia-se na precedente. A moral e a esttica so a
essncia social e resultam da ideo-realizao dos
benefcios sociais sobre os quais elas reagem sua
volta.
Na teoria conexa da histria da negao-reve-
lao, a histria a educao dinmica da huma-
nidade no seu duplomovimento de realizao pelo
trabalho e de idealizao pela justia. Tem como
funo desmentir oserros da humanidade da sua
reduo ao absurdo
(Segunda Memria sobre a
Propriedade) e derevelar-nos otrabalho da criao
da ordem e emerso das leis
(Criao da Ordem).
Ateoria do progresso-retrocesso o seu corolrio:
Toda a sociedade avana pelo trabalho e pelajus-
tia idealizada. Toda a sociedade estagna pela pre-
ponderncia do ideal, ou seja, o idealismo (A Jus-
tia): no existe glria automtica do progresso,
mas uma prtica das retrogradaes ou uma perda
do real. Acontecem quando o idealismo imagina-
tivo e odogmatismo ideomanaco abusam da liber-
dade e esquecem a realidade do trabalho e dajus-
tia para idealidades polticas e sociais .
A teoria da liberdade como fora de compo-
sio o ponto de partida e conseqncia do jus-
ticialismo ideo-realista. Aliberdade tornada pos-
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ROMO PROUDRO:-lIANUS
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svel pelo jogo da pluralidade das foras antagni-
cas do universo fsico, social e pessoal; torna-se
efetiva pelo homem que autoriza este jogo; ela
eficaz pela multiplicao das relaes sociais, a
engrenagem de todas as liberdades; acede
efi-
cincia pela sua equao com a justia, conside-
rada como comutao social de todas as liberdades.
S a liberdade eficiente, que implica a moral
e a educao, a liberdade total. A todos os outros
estados, ela pode degenerar em arbitrariedade
in
dividual e coletiva. De cada vez, pacto,justia m-
tua e fora de composio (com o real pluralista, o
individual antagonista, o social relativo, o moral
obrigatrio ), a liberdade forma um jogo tendo
as suas regras. A sua aplicao permite a emer-
gncia do ser progressivo, a arbitragem do seu des-
tino. Se estas regras so injuriadas, o domnio do
ser fatal, a arbitragem do destino.
VII
o
federalismo autogestionrio de Proudhon
parte do trabalhismo e do justicialismo ideo-rea-
lista. Comporta duas construes distintas, mas
complementares: a democracia econmica mutua-
lista e a democracia poltica e federalista, que se
conjugam sobre o plano nacional e internacional
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ESSENCIAL PROUDHON
em federaes e confederaes dualistas. O fecho
da abbada destas estruturas a organizao dis-
tinta e atrelada das duas manifestaes da socie-
dade trabalhadora: sociedade de produo ou orga-
nismo econmico, sociedade de relao ou corpo
poltico. A sua autonomia condio do dinamismo
e do equilbrio da sociedade pluralista. Sob pena
de alienao recproca, os benefcios da sociedade
econmica - sociedade poltica devem ser os de um
casal. Devem opor-se para compor, diferir para dia-
logar, e distinguir-se para unir-se.
A democracia econmica mutualista funde-se
sobre a teoria mutualista e federativa da proprie-
dade . Relativizada pelo jogo dos benefcios sociais,
cada propriedade mutualista ; solidarizada pelos
mesmos benefcios, toda a propriedade federa-
tiva .
A federao das propriedades mutualistas
constitui a sociedade econmica mutualista dos
trabalhadores. Esta teoria termina na mutualiza-
o federativa da agricultura: constituio de pro-
priedades individuais de explorao, associadas em
conjuntos cooperativos dotados de poderes prprios
e de servios coletivos, e reagrupados numa federa-
o agrcola. Ela desemboca numa socializao fede-
rativa da indstria, ou seja, a exceo feita s pro-
priedades artes anais ou liberais mutualizadas, sobre
um conjunto de propriedades coletivas de empre-
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HOMO PROUDHONIANUS
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sas, concorrentes entre si, mas associadas numa
federao industrial. Traduz-se pelo agrupamento
da indstria e da agricultura numa federao agr-
cola industrial e pela constituio de agrupamen-
tos de unies de consumidores que formaro, em
conjunto, o sindicato da produo e do consumo .
Este ltimo, vigia a organizao cooperativa dos
servios (comrcio, alojamento, seguros e crdito)
e a gesto geral da sociedade econmica, indepen-
dentemente doEstado. Noplano internacional, est
prevista uma confederao mutualista aliando
um mercado comum socializado dos grupos de so-
ciedades econmicas nacionais. Este coletivismo
econmico,liberal e a-estatal quer evitar um duplo
perigo de um capitalismo integrante e de um coleti-
vismo integral.
A democracia poltica federativa o comple-
mento antinmico da democracia econmica mu-
tualista. De incio, equilibrar contraditoriamente
o social organizado e o estatismo descentralizado
para integrar o aparelho estatal numa ao com-
posta de regies auto-administrando-se e auto-
associando-se numa repblica federal; em seguida,
formar entre grupos de naes federativas de con-
federaes realistas, que estabelecero entre si os
acordos mais amplos e frouxos: tal a dupla nego-
ciao do federalismo e do confederalismo poltico.
Quatro regras de ao resultam do que foi dito: a
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ESSENCIAL PRODHON
auto-administrao dos grupos de base, a federa-
lizao destes grupos, a criao de repblicas fede-
rativas, e a constituio de confederaes.
Nos grupos de base, a prioridade dada re-
gio, timo territrio para se auto-administrar e
elo entre naes e inter-naes. Para a Frana, Prou-
dhon exige a constituio de doze grandes regies
provinciais administrando-se elas mesmas e garan-
tindo-se umas s outras . O governo federativo no
assume mais que um papel de instituio, de cria-
o, de instalao, o menos possvel de execuo .
Este regionalismo conjuga-se com um economismo
e termina numa organizao regional e scio-pro-
fissional do sufrgio universal (Cmara das Re-
gies, Cmara das Profisses) e uma diviso dos
poderes originais (poder executivo regionalizado e
descentralizado, poder arbitrrio em competncia
econmica, poder consular de carter prospectivo,
poder de ensino completamente autnomo). O con-
federalismo internacional uma extenso do fede-
ralismo nacional. Desde 1863, Proudhon prev toda
a organizao poltica e econmica de uma Europa
confederalista: agncias, conselhos, justia, ora-
mentos confederais, mercado comum ( liberdade
das trocas e taxa de compensao , liberdade de
circulao e de residncia ). Mas este mercado co-
mum inclui a socializao mutualista das econo-
mias confederadas.
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o ESSENCIAL PROUDHON
stein, e o socilogoF.Oppenheimer. Mas na Rs-
sia que a doutrina proudhoniana conhece a sua
difuso mais larga e uma celebridade extraordi-
nria graas a Herzen e aos seus amigos. O popu-
lismo educativo de um Lavrov, o anarquismo de
um Bakunin, de um Kropotkin reclamaro o pen-
samento do ilustre eherico socialista (Bakunin).
E ofascnio deTolstoi para coma pessoa, as idias,
e oestilo de Proudhon fa-lo-pedir emprestado tex-
tualmente ttulos, frases e temas polticose filosfi-
cos (Guerra ePaz, Oque aArte? etc.).
Ainfluncia determinante do pensamento de
Proudhon sobre Marx agora totalmente colocada
em evidncia. Marx no seria possvel sem Prou-
dhon (G.Gurvitch). Proudhon tem exercido sobre
Marx uma influncia constante.
no discpulo e
no continuador de Proudhon que ele empreende
em 1844 oque se tornar a tarefa exclusiva da sua
existncia [...]. O mestre morreu mas existe um
instigador (M.Rubel). Marx afirmou a impresso
extraordinria que fizeram sobre ele os primeiros
escritos do pensador mais corajoso do socialismo
francs (1842);A Sagrada Famlia (1845) contm
uma verdadeira apologia de Proudhon, reconhe-
cido nesta obra comomestre do socialismo cient-
fico, pai das teorias do valor-trabalho e da valori-
zao, e a Ideologia alem (1846) alugar o poder
da sua dialtica serial como tentativa de dar um
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HOMO PROUDHONIANUS
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mtodo pelo qual o pensamento independente
substitudo pela operao do pensamento . Em maio
de 1846, Marx escolhe Proudhon como correspon-
dente francs da rede de propaganda socialista
que ele organiza. Mas, na sua carta de aceitao,
Proudhon, mais velho dez anos, d-lhe conselhos
prevenindo-o contra o dogmatismo autoritrio, o
romantismo revolucionrio e o esprito de excluso,
nefastos causa socialista. Impressionado, ojovem
Marx rompe com Proudhon, e imediatamente a sua
admirao de discpulo transforma-se num rancor
obstinado e numa espcie de fascnio negativo Mi
sria da filosofia,
1847).
Marx reencontrar a influncia proudhoniana
na Primeira Internacional dos Trabalhadores e na
Comuna de Paris. Como o sublinham com objetivi-
dade os historiadores marxistas, a Internacional
proudhoniana .
J
Bruhat,
J
Doutry, E. Tersen,
A
Comuna de
1871). Quando a Comuna proclama-
da, entre os trinta internacionais eleitos, perto de
dois teros podem ser considerados como proudho-
nianos (idem). O programa positivo e pacfico da
Comuna claramente proudhoniano, e G. Gurvitch
ir at escrever: exceo do Comit da Sade P-
blica e das medidas terroristas preconizadas pelos
blanquistas, todas as medidas administrativas,
econmicas e polticas inspirar-se-o em Proudhon .
Depois da Comuna, Gambetta reivindicar o pen-
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ESSENCIAL PROUDHOX
samento de Proudhon, enquanto que os partidos
socialistas da Rssia e da Alemanha retomaro
os seus temas essenciais. A unificao do partido
socialista, em 1905, far aparecer o jauressismo
comoo filho autntico do proudhonismo.
Por altura da revoluo russa, os proudhonia-
nos tero uma influncia determinante sobre a
formao dos sovietes de base, depressa suprimi-
dos sob a presso de Stalin e deTrotski. Como um
dos organizadores dos sovietes russos de 17 , G.
Gurvitch transporta este testemunho pessoal di-
reto: os primeiros sovietes russos estavam organi-
zados pelos proudhonianos [...] que vinham dos
elementos de esquerda do Partido socialista revo-
lucionrio e [...] da social-democracia [ ].A idia
de revoluo pelos sovietes de base [ ] [...] ex-
clusivamente proudhoniana . Mais perto de ns,
depois dos revolucionrios alemes, hngaros, es-
panhis, e os seus conselhos operrios de inspira-
o proudhoniana, o socialismo iugoslavo coloca-
se discretamente na escola de Proudhon (D.
Gurin, OAnaruismo).
Na Frana, de .Iaures aos nossos dias, todas
as nuances do movimento socialista e dos demo-
cratas reformadores se reconhecero neste socia-
lismo liberal, este pragmatismo trabalhador e esta
justia ideo-realista originrios de Proudhon.
que ele influenciar tambm, paradoxalmente, um
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HOMO PROUDHONIANUS
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certo catolicismo social atravs de Pguy: Eu sou
pela poltica de Proudhon (DArgent Suite), Mou-
nier (Anarquismo epersonalismo, 1937), e dos ar-
tesos essenciais da abertura atual da Igreja Cat-
lica (H. de Lubac, P Haubtmann, J. Lacroix). Surge
igualmente comoum grande antepassado do sindi-
calismo. Autonomia operria, federalismo profis-
sional, separao do econmico e do poltico, do
partido e doEstado, autogesto: todas estas idias-
fora foram passadas na herana sindicalista com
os proudhonianos E. Varlin, F. Pelloutier, V Grif-
fuelhes,A. Sorel, L. Jouhaux, fundadores, tericos
e praticantes do sindicalismo francs.
IX
Seria artificial limitar as influncias de Prou-
dhon aos movimentos revolucionrios e operrios.
Ele que se revelou revolucionrio mas no desor-
deiro acredita mais na ao organizada de um
verdadeiro reformismo revolucionrio que em um
romantismo desorganizado da ao revolucion-
ria . Tambm, ao lado destes movimentos revolu-
cionrios reclamando-se unilateralmente de Prou-
dhon, esteve constantemente a desenvolver-se uma
corrente reformista e at mesmo uma corrente tra-
dicionalista. Ainflao das duplas antinmicas da
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ESSENCIAL PROUDHON
sua descendncia contrastada parece bem subli-
nhar esta dualidade: sindicalismo e socialismo re-
formistas ou revolucionrios, federalismo e regio-
nalismo de direita ou de esquerda, trabalhismo e
adeptos da participao, anarquismo e partidrios
da autogesto etc .. Todavia, nestas oposies,
muitas vezes corrompidas por estas falaciosas ane-
xaes, surgem, comefeito distinto, os dois elemen-
tos sempre agrupados comoevolucionismo revolu-
cionrio de Proudhon: necessidade absoluta das
transformaes contnuas ( a revoluo perma-
nente ) e recusa da violncia arbitrria, sentido do
tempo ( asrevolues duram sculos ).Desde logo,
anatemizadas de frente, as idias proudhonianas
foram filtradas pouco a pouco pela sociedade mo-
derna (Sainte-Beuve).
Este gerador reconhecido da sociologia mo-
derna, do pragmatismo, do solidarismo, do perso-
nalismo, das teorias do direito social, previu, h
um sculo,odesenvolvimento efetivoda civilizao
industrial. Pressentiu a diviso domundo em blo-
cos econmicos e em blocos polticos, o risco de
guerra total, a emancipao da Arglia e do Ter-
ceiroMundo, a oposioentre pases desenvolvidos
e pases sub-desenvolvidos, a revoluo russa, o
culto da personalidade , o comunismoditatorial ,
a guerra social , a constituio de um capitalismo
internacional, o despertar da China, o prodigioso
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HOMO PROUDHONIANUS
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desenvolvimento da legislao do trabalho, a era
das federaes , a sociedade de consumo. Inspirou
a criao da Sociedade das Naes, a Comunidade
Europia, oregionalismo moderno, as correntes de
reforma das empresas (participao, autogesto), da
agricultura (cooperativismo, agricultura de gru-
po), da distribuio (cooperativas de consumo), do
crdito (bancos populares, crdito mtuo) e uma
grande parte das reformas pedaggicas modernas
(universidades autnomas, promoo social, edu-
cao permanente, ligao universidades-empre-
sas). E pode-se ainda evocar a sua influncia sobre
o realismo na arte, e sobre numerosos escritores,
entre os quais Proust, Bernanos e Camus.
Hoje em dia, na Frana, opensamento de Prou-
dhon no tem organizao oficial, mas suscita nu-
merosos centros de reflexo e ao, e de vigorosas
admiraes (omais importante sem dvida a So-
cit Proudhon, sediada em Paris, e qual pertence
oautor deste livro).Alguns universitrios ou nomes
polticos foram por ele influenciados. Uma reedio
comentada das suas obras completas foiempreen-
dida sem ter sido ainda concluda, e alguns progra-
mas polticos e sindicalistas retomam atualmente
temas tipicamente proudhonianos.
Assim, opensamento pluralista de Proudhon
adquire cada vez mais um singular poder de reali-
zao. Proudhon, mais de um sculo aps a sua
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o ESSENCIAL PROUDHON
morte, parece escrever para onosso futuro. Poder
da personalidade, intensidade da obra crtica, rea-
lismo da obra positiva, multiplicidade e permann-
cia das influncias exercidas, tudo designa em
Proudhon um gnio inovador.
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Refutao e nterpretao
de alguns preconceitos sobre o
Pensamento de Proudhon
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D-se de boa vontade ateno ao conjunto do
pensamento anarquista no que respeita recusa
de toda a organizao, uma orientao espontnea,
o dio de toda a forma de governo etc..
esquecer
que oanarquismo agrupa vrias correntes de pen-
samento diferente, do qual o impacto permanece
desigual.
Oanarquismo hiper-individualista de Stirner,
constitui ele prprio uma exceo,doqual podemos
reencontrar alguns traos em Nietzsche ou no exis-
tencialismo ateu. Provavelmente no tem filiao
direta entre estas filosofias, mas tem, certamente,
pontos deconvergncia, por poucocontingentes que
sejam. O anarquismo de Bakunin , na minha
opinio, uma reduo da complexidade do pensa-
mento de Proudhon; insiste bem e a um mais alto
grau sobre a desconfiana profunda em relao a
toda a forma de organizao, no sentido que ele
bem mais individualista que Proudhon. Bakunin
teve sobretudo influncia no domnio poltico, em
particular no seio das Internacionais. A linha de
demarcao entre Proudhon e Bakunin passa por
uma acentuao, contrria filosofiade Proudhon,
da luta intrinsecamente poltica (a luta enten-
dida comopoltica tambm em Proudhon, mas pelo
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ESSE:';CIAL PROUDIIO:';
canal das organizaes scio-econmicas), e isto
por formas inadmissveis por Proudhon, quer dizer,
pelo desvio de uma minoria revolucionria, ati-
vista, voluntarista, ou seja, de conspiradores. Ba-
kunin deu uma orientao romntica ao anarquis-
mo,tendncia que se afasta um poucode uma an-
lise cerrada das condies objetivas da revoluo
social. Se Bakunin considerado por muitos como
o mais marcante representante do pensamento
anarquista, sem dvida porque o combate
tit-
nicoque desenvolveu comMarx deu-lhe um relevo
histrico, uma certa aurola mtica, qual a ade-
so sentimental bastante mais fcil, que a uma
doutrina que repudia simplismo e simplificao.
SeBakunin permanece orepresentante mais mar-
cante do anarquismo poltico, o de Proudhon mar-
cou profundamente o ato sindical. A sua outra ca-
racterstica que se trata de um anarquismo orga-
nizacional.A sua influncia social foi considervel,
particularmente na Frana, tendo em conta que o
podemos relacionar comomovimento cooperativo,
oanarco-sindicalismo, a autogesto, omutualismo,
o associativismo e o federalismo. Trata-se, por-
tanto, de um pensamento intensamente constru-
tivo, que no nega a necessidade de uma forma de
governo da sociedade, contrariamente ao que se
atribui geralmente ao pensamento anarquista. Se
estudarmos mais de perto o anarquismo, parece
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REFUTAO E INTERPRETAO DE ALGU:\S PRECO:\CEITOS 43
ter sido a orientao de Proudhon que mais mar-
cou omovimento social.Talvez seja necessrio ver
a uma das razes pela qual a corrente marxista
a combateu mais rigorosamente que qualquer
outra, na medida em que as realizaes s quais
deu lugar serem concretas, marcadas muitas vezes
pela marca do xito e, portanto, perigosas para
todo e qualquer outro pensamento, pois elas mos-
travam a eficcia de uma estratgia diferente da
revoluo social.
No quadro deste ensaio, s iremos analisar e
expor o socialismo de Proudhon. Deste modo, ire-
mos tentar dar elementos de compreenso de algu-
mas afirmaes, muitas vezes difamatrias, que
dizem respeito s posies de Proudhon.
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ESSENCIAL PROUDHON
Proudhon nada compreendeu
do Materialismo Histrico
No intil relembrar que os conceitos de
materialismo histrico e de materialismo dialtico
pertencem, de fato, ao marxismo dogmtico. Um
tal mecanismo, no que respeita concepo da evo-
luo das sociedades, no teve, alis, seno a funo
de justificar o imobilismo da social-democracia ou
dos sistemas stalinistas: visto que tudo autom-
tico, para que nos apressar? O sentido da Histria
tirar para ns as castanhas do fogo capitalista.
Se voltarmos a Marx, omaterialismo histrico
significa que a evoluo das sociedades tem como
fator preponderante o desenvolvimento das con-
tradies entre foras produtivas e relaes de pro-
duo. Mas, como tambm para Marx, as super-
estruturas so produtos e produtoras da infra-
estrutura, segue-se que a evoluo dialtica da so-
ciedade no tem nada de determinista. Seno, para
que militar em uma organizao revolucionria?
Proudhon estava de acordo com Marx neste
aspecto. Jean Bancal qualificou, com toda ajustia,
a obra de Proudhon de trabalhismo histrico. O
que isso significa? Simplesmente que as condies
objetivas da produo, enquanto organizao do
trabalho volta dos meios de produo (organi-
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REFUTAO E INTERPRETAO DE ALGUNS PRECONCEITOS 45
zao no sentido tcnico, no sentido de modo ope-
ratrio) entram em contradio com os atores do
trabalho e a organizao social que os engloba
(organizao no sentido de regulamentaes jur-
dico-sociais).
O maquinismo arrasta urna diviso social do
trabalho cada vez mais intenso, segue-se que os
diferentes trabalhos so cada vezmais interdepen-
dentes, complementares, sociais.Aproduo torna-
se cada vez mais social, no sentido em que todas
as profisses concorrem,indissociavelmente, pro-
duo global.Aautarcia no mais a regra quando
a produo se diversificou. Ora, a produo, ainda
que social, apropriada pelos proprietrios que en-
tram em contradio de interesses com as foras
coletivas, privadas dos frutos do seu trabalho.
Do mesmo modo que vimos em Proudhon,
aprofundando as teorias de Adam Smith, o pri-
meiro fato a diviso do trabalho, esta repartio
conjuntural em um dado estado de foras coletivas
colocava-se na origem da pluralidade dos grupos
sociais; estes constituindo-se, comefeito, em redor
das diferentes funes que requerem o funciona-
mento econmico e poltico da sociedade global.
Urna das primeiras fontes da evoluo social
residir, portanto, nos conflitos de interesses que
opem osdiferentes grupos sociais. Mas estes con-
flitos no se podem exprimir em urna fora social
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2
OIdealismo de Proudhon
Para osidealistas absolutos, amatria no tem
existncia prpria e as idias so pr-formadas, ou
seja, existem desde sempre. Elas existem para se-
rem descobertas pelo sujeito, independentemente
de toda a ao sobre omundo sensvel. Opensar ,
portanto, uma apreenso pelo homem do logos
eterno, e desenvolve-se fora de toda a interveno
material.
Aimportncia que Proudhon atribui ao traba-
lho, enquanto modo de emprego de um utenslio,
permite desdej fazer tbua rasa das afirmaes
referentes ao seu pretenso idealismo.
A confuso vem de que Proudhon qualifica o
seu sistema de ideo-realismo. Para Proudhon, a
matria real, e toda a idia, todo o conceito, toda
a abstrao, todo opensar, so nascidos desta reali-
dade. No entanto, como o pensar representao,
percepo humana da realidade, o desenvolvi-
mento dopensar individual pode fazer-se sobre sig-
nos por operaes intelectuais sobre smbolos e,
portanto, de uma maneira relativamente indepen-
dente da realidade, apesar desta estar na origem
dos conceitos. Realidade e idia esto, ento, em
relao dialtica do mesmo modo que o conheci-
mento no pode vir a no ser da prtica, que ela
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ESSENCIAL PROUDHON
conserva uma certa autonomia em relao a esta,
e no pode permitir agir sobre a matria a no ser
que ela seja adequada realidade, pois ''A idia
sai da ao e volta ao sob pena de declnio pelo
agente .
na luta contra a natureza, para satisfazer
as suas necessidades, para assegurar a sua sobre-
vivncia, que o homem adquire os conhecimentos
necessrios
sua ao. A matria est, portanto,
na origem de todo o conhecimento e de toda a inter-
pretao da realidade do mundo, em funo, bem
entendido, das condies existentes do pensar.
assim que o homem, na sua incapacidade original
para explicar certos fenmenos bem reais, projetou
a sua impotncia na figura de Deus todo-poderoso.
Notemos a fineza da anlise de Proudhon: a idia
de Deus no antropomrfica como tinha dito
Feuerbach (o homem criou Deus
sua imagem),
mas antiantropomrfica, pois o homem projetou
sobre Deus as qualidades que no tinha. Ora, pouco
a pouco, o pensar codifica as suas abstraes, ex-
prime-se por signos, smbolos sobre os quais pode
haver operaes independentes das formas que os
geraram, e que conduzem criao de conjuntos
puramente conceituais.
Mas estas novas operaes do esprito, estas
transformaes sucessivas dos signos, procedendo
de formas materiais, tm por sano da sua ver-
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REFUTAO E INTERPRETAO DE ALGUNS PRECONCEITOS 49
dade, da sua eficcia, enquanto elementos de inter-
pretao, os efeitos da sua confrontao
reali-
dade.
Assim, os pontos de convergncia coma teoria
marxista doconhecimento so enormes, na medida
em que vemos que, em Proudhon, h uma edifi-
cao contnua doconhecimento pela confrontao
incessante entre a teoria e a prtica. Proudhon no
,portanto, um idealista,j que encontramos a ma-
tria, a natureza, a realidade onde tudo oque que-
ramos, de uma parte, na origem do pensar, e de
outra parte, como critrio do seu impacto.
3
Proudhon um individualista
pequeno bur gus i nc apaz
de compreender a luta de classes
J vimos que o pensamento de Proudhon
fundado sobre uma concepo da realidade social
que nada tem a ver comuma simples coleo,uma
justaposio de indivduos. A sociedade no a
resultante de simples individualidades, pois ogru-
po funcional, ligado diviso do trabalho, repre-
senta bem mais que um somatrio de indivduos.
H, em particular, mais produtividade, por causa
justamente da diviso do trabalho, e justamente
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50 o
ESSEi\'CIAL PRO,:DHOi\'
os benefcios que resultam da repartio funcional
das tarefas que os capitalistas se apropriam. Vi-
mos a importncia que Proudhon atribua s for-
as coletivas , razo coletiva . Mostramos que,
em Proudhon, o primeiro fato social era a plurali-
dade dos grupos sociais. Ento, donde vem este
antema de individualista, quando entre os pensa-
dores anarquistas, Stirner eleva ao auge o indiv-
duo? possvel que se tenha projetado sobre o seu
pensamento, a sua atitude pessoal constante, de
recusas de pretenso a qualquer posio de des-
taque poltico, de integrar-se em um grupo de revo-
lucionrios patenteados e pretendendo orientar o
movimento social. Mas o epteto vem de Marx e foi
reconduzido sem mergulhar no mago da proble-
mtica de Proudhon. Com efeito, isso se deve a esta
terrvel oposio de pessoas to diferentes, e a que
o pensamento de Proudhon era bem mais incomo-
dativo e recebia um eco, na poca, bem superior ao
de Marx.
Outro tema, tambm injustificado, o de pe-
queno-burgus. A burguesia da poca, com Thiers
frente, no se enganou, ela que dedicou um dio
constante pessoa de Proudhon (OPovo~A Vozdo
Povo e O Representante do Povo) eram rapida-
mente forados
runa pela censura poltica. Re-
lembremos o panfleto difamatrio atacando Prou-
dhon na sua vida privada, qual Proudhon respon-
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REFUTAO E mTERI'RETAAo DE ALGUNS PRECOl\'CEITOS 51
deu pela obra
A Justia na Revoluo e na Igreja.
Relembremos a sua atitude na Cmara de 1848,
quando, pela primeira vez, o afrontamento de classe
entre proprietrios e proletrios foi denunciada pe-
rante uma assemblia parlamentar. Nunca um ho-
mem pblico foi receado, detestado, difamado, como
Proudhon no sculo XIX.
Por outro lado, no movimento operrio que
Proudhon exerceu a maior influncia, e foi sem
dvida porque os autnticos proletrios aderiam
sobretudo s teses de Proudhon que s de Marx,
apesar deste ltimo tentar, sem repugnncia e pelos
meios mais mesquinhos, quebrar a aurola oper-
ria de Proudhon.
Terceiro ponto, agitado entre as suas contra-
dies . A bem dizer, Proudhon poderia t-lo to-
mado por um cumprimento, pois que justamente
o seu sistema apoiava-se sobre a anlise das con-
tradies. Entretanto, o gosto da frmula condu-
ziu-o a ver contradies talvez demasiado nume-
rosas no corpo social; mas o seu conjunto terico
mostra, no entanto, uma notvel homogeneidade.
Uma leitura superficial de Proudhon poderia fazer
acreditar na tese de Marx, pois Proudhon no es-
creveu uma exposio de conjunto da sua doutrina.
Esta encontra-se difusa nas suas numerosas obras,
escritas vontade das circunstncias, e o mais das
vezes num contexto polmico, o que faz com que, em
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o ESSENCIAL PROUDIlON
uma perspectiva, os paradoxos paream abundar
e as antinomias, sujeitas inflao. Vrios foram
os estudiosos que tentaram resumir o pensamento
de Proudhon, como, por exemplo, Jean Bancal e
Pierre Haubtmann, de o sintetizar, mostrando os
pontos de articulao, a coerncia de conjunto.
preciso dizer, para fazer justia a esta ltima acu-
sao lanada contra um homem morto prematu-
ramente, consumido pelo seu labor de panfletrio,
aprisionado, exilado, perseguido; Proudhon, agoni-
zando, tentou, ao ditar ao seu amigo Gustave Chau-
dey os ltimos captulos deA Capacidade Poltica
das Classes Operrias,
sistematizar o seu pensa-
mento. Este testamento mostra ao leitor que quiser
dedicar-lhe alguns momentos, que Proudhon no
individualista, nem pequeno-burgus, nem agi-
tado entre as suas contradies. Ou ento, Prou-
dhon foi um pequeno-burgus que levou uma vida
que muitos revolucionrios deveriam ambicionar,
Marx
frente: censura, multas exorbitantes, pro-
cessos judiciais, penas de priso, exlios, pobreza
extrema, se'no mesmo misria, difamaes, cal-
nias, numa palavra, dio visceral ao seu encontro,
pelos proprietrios e pelo Poder.
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o ESSEr\C:IAL PROl'IlIlOr\
funo das orientaes da planificao econmica
e social. O exerccio do direito de propriedade en-
contrava-se regulamentado por uma organizao
social fundada sobre a arbitragem dos conflitos
suscetveis de eclodir entre os diferentes grupos
funcionais: federao industrial, federao agr-
cola, reagrupados com a federao de consumo,
mas para constituir entre eles o sindicato geral da
produo e do consumo, opondo-se confederao
poltica (Comunas - Regies - Naes). O direito
de propriedade, limitado com efeito ao artesanato,
inscrevia-se no contexto de um direito social novo,
fundado sobre a socializao das atividades econ-
micas, e obedecendo a uma lei fundamental de va-
lorizao dos produtos e dos servios seguindo o
preo social do trabalho incorporado, por conse-
guinte, a uma regulamentao igualitria da troca.
Permitam-me preferir este sistema ao capitalismo,
quer seja privado ou de Estado, pois, neste ltimo,
se a mais-valia no mais privatizada, ou antes,
de maneira menos brilhante, subsiste uma hierar-
quia e uma burocracia inamovveis.
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REFlTTAAo E r:\TERPltETAAO DE ALGC:\S PltECO:\CEITOS 55
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Proudhon incapaz de compreender
a Luta de Classes
Esta afirmao perfeitamente grosseira. Em
1848, Proudhon ops, pela primeira vez em uma
Cmara de Deputados, o proletariado e os proprie-
trios. Este fato valeu-lhe uma reprovao unni-
me de toda a Cmara menos dois votos (um dos
quais o seu). Proudhon sempre esteve consciente
da diviso da sociedade em classes ao redor da
propriedade dos meios de produo. Isso parti-
cularmente ntido no seu ltimo livro,
Da Capaci-
dade Polttica das Classes Operrias. Com efeito,
com esta acusao, visa-se orientar o descrdito
sobre o fato que Proudhon acreditou durante bas-
tante tempo que o proletariado e a classe mdia
poderiam fazer aliana revolucionria. Mas Prou-
dhon sempre trabalhou para reconstituir o partido
da revoluo . Entendia por isso o reagrupamento
sobre um programa comum de todas as foras
socialistas, quer dizer, todos aqueles que, e apesar
das divergncias que tivessem, se pusessem de
acordo sobre os objetivos fundamentais do socialis-
mo e da passagem para este.
Todavia, o proletariado no deveria ter nada
de comum com as organizaes polticas que lhe
eram exteriores. O proletariado, a classe operria
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REFUTAAo E INTERPRETAAo DE ALGUNS PRECONCEITOS 57
sies intelectuais, e dar uma posio comum da
qual podemos perguntar-nos que laos poderia ter
com os que resultam dos interesses prprios a cada
grupo da coligao. Os partidos so, portanto, eles
tambm, os lugares de um corte artificial entre
teoria e prtica, sujeitos manipulao por pseudo-
elites, o feudo de intelectuais da revoluo, separa-
dos por condies objetivas das situaes de explo-
rao. A posio de Proudhon na matria , por-
tanto, bastante coerente: se teoria e prtica vm da
experincia, as posies de classe devem necessa-
riamente elaborar-se nos lugares da prpria pr-
tica: sindicatos, comunas, agrupamentos de usu-
rios.
verdade que a noo de agrupamento num
partido no existe mais, no sentido de ter vocao
ao tratar o conjunto da gama dos diferentes proble-
mas, em relao aos lugares onde eles so vividos.
No que se tornaro os lderes inspirados, os tericos
e analistas procurando emprego, os revolucionrios
profissionais? Isso poderia explicar o porqu das eli-
tes polticas terem sido rejeitadas por Proudhon,
os dogmticos com pouca audincia, os autoritrios
de crina levantada, os pensadores de meia tigela,
acharam ser mais simples difamar um pensamento
que os deixava sem emprego e no qual a sua von-
tade de poder no encontraria esfera de exerccio.
Proudhon no nega a luta de classes, mas no
remete a anlise que da resulta nas mos de po-
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ESS8iCIAL PRCil:DHOi
lticos que no tardariam a arrogar-se todo o poder
de direo em um sistema totalitrio, ou a camu-
flar-se por detrs dos jogos da democracia formal;
esta consiste em abandonar a globalidade dos po-
deres a mandatrios que no podem ter toda a
competncia sobre os diferentes problemas, que
na sua qualidade de permanentes no podem co-
nhecer.
O sentido verdadeiro da acusao marxista
orienta-se volta dos problemas da tomada do
poder e da organizao deste. Para Proudhon, a
tomada do poder no pode resultar a no ser de
uma tomada de conscincia macia, adquirida por
lutas concretas, em uma prtica independente, e
no atravs de um golpe de polegar remetendo o
poder a revolucionrios profissionais. Vemos aqui
que Proudhon associa uma grande importncia ao
desenvolvimento das condies objetivas da revo-
luo social, pois que a possibilidade desta, de-
pende da evoluo das foras coletivas, do seu grau
de conscincia, da emergncia de uma anlise da
situao, e da sua execuo em uma estratgia
adaptada.
Entretanto, vivendo nas condies prprias ao
capitalismo na Frana, no qual o estgio de desen-
volvimento era bastante inferior ao da Gr-Bre-
tanha, Proudhon pensou durante bastante tempo
que a revoluo social no poderia fazer-se a no
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REFCTAAO E INTERPRETAAO DE ALGU iS PRECONCEITOS 59
ser obtendo-se a colaborao das classes mdias.
Isso era perfeitamente coerente, pois o proleta-
riado no dispunha ainda das capacidades neces-
srias gesto da sociedade. Mas, formado pelo de-
senvolvimento macio do capitalismo financeiro e
industrial sob Napoleo III, formado pela poltica
reacionria praticada pelos partidrios burgueses
da Repblica, Proudhon acaba por concluir, na
Ca-
pacidade Poltica, na impossibilidade de uma
aliana entre o proletariado e as classes mdias.
esta primeira posio bastante durvel de Proudhon
que, como vemos, era justificvel por consideraes
de estratgia revolucionria, que Marx criticava fa-
zendo expresso de uma atitude pessoal de Prou-
dhon, que toda a vida deste permite contradizer.
6
Proudhon galanteador de Napoleo lU
Esta calnia situa-se precisamente em nvel
de pichaes de banheiros. Com efeito, o nmero
de anos que Proudhon passou em prises ou no
exlio, a partir de 1848, e no regime de Badinguet,
chegaria para demonstrar a inutilidade de tais
asseres. Mas se Proudhon encontrou, com efeito,
o prncipe Napoleo bem mais socializante que
Napoleo III, sempre se afirmou um adversrio
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6
ESSENCIAL PROUDHOI\
resoluto de Badinguet. No tem, no ter, adver-
srio mais determinado que eu , escrevia a Napo-
leo lII em uma carta onde lhe pedia para deixar
sair um dos seus livros:
A Revoluo Demonstrada
pelo Golpe de Estado de
de Dezembro de 1851.
Estas calnias estimularam uma interpreta-
o extremamente tendenciosa deste livro de Prou-
dhon. Pretendeu-se que este livro fazia a apologia
do regime plebiscitrio de Badinguet. Nada disso,
Proudhon queria demonstrar que o regime estava
condenado, pois favorecia o nascimento do capita-
lismo e, portanto, a socializao da produo; que
era criador inconsciente da contradio cada vez
mais exacerbada entre produo social e usufruto
capitalista dos frutos desta produo. Relembre-
mos que Proudhon, enfim, foi expulso da Cmara
dos Deputados e condenado a trs anos de priso
por ter anunciado que o Prncipe Presidente tenta-
ria um golpe de Estado. Por um azar cmico, Prou-
dhon se beneficiaria nesse dia do seu direito de
sada semanal, regime, nesse tempo, comum a todos
os presos polticos.
Durante todo o reinado de Napoleo IIl, Prou-
dhon no deixou de denunciar o conluio do regime
com os grupos capitalistas, assumidos na poca
pelos representantes destacados da escola saint-
simonista. Proudhon elevou-se com veemncia, fun-
dando-se em anlises precisas do ponto de vista
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REFUTAO E INTERPRETAO DE ALGUNS PRECONCEITOS 61
econmico e financeiro, contra as concesses de ser-
vios pblicos (ferrovias, vias navegveis, canais ...)
a grupos privados (na sua
Zboria do Imposto,
no seu
Manual de um Especulador na Bolsa
etc
Este tipo de acusao destinada a desacreditar
um homem na sua pessoa, fazendo a economia de
um estudo racional sobre o seu pensamento, lem-
bra-me os boatos montados contra Bakunin a pro-
psito da sua confisso ao Czar. Bakunin empre-
gava um estilo adornado, arrependido, servil que,
por um lado, nada provou, visto que a confisso
passou primeiramente pelo torniquete dos bolche-
viques, e, por outro lado, justifica-se: o que sera-
mos capazes de dizer para sair, a fim de retomar o
combate revolucionrio, das masmorras da forta-
leza de Pedro-e-Paulo? No se devia usar o estilo
literrio prprio, nesse tempo, na Rssia, sobre-
tudo na linguagem administrativa?
7
Proudhon no concebia a tomada do
poder pela Revoluo nem a necessidade
da Ditadura do Proletariado
Eis uma crtica mais sria. necessrio preci-
sar em seguida que ela no pode ser feita a no ser
em nome de uma outra problemtica, da tomada
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62 () ESSE \CIAL PI((JFDH() \
do poder e da revoluo. Explicar-me-ei sobre este
ponto. Todavia, Proudhon, na sua ltima obra
publicada depois da sua morte ej citada, no ne-
gligenciava a necessidade, em certas condies, de
tomar o poder de maneira violenta e de se manter
por uma fase de ditadura. Digamos que descon-
fiava, e a histria do meu ponto-de-vista deu-lhe
razo, de toda a tomada do poder por uma intitu-
lada elite dizendo-se representativa do proleta-
riado. Temia, a justo ttulo, que a fase transitria
da ditadura do proletariado se eternizasse se, antes
da revol uo, uma larga frao do proletariado no
tivesse preparada para a gesto da sociedade fu-
tura. Por outro lado, quando da sua interveno na
Cmara em 1848, Proudhon afirmou que, se os ca-
pitalistas no procedessem revoluo social, os
proletrios o fariam sem eles, pela violncia.
Entretanto, a atitude de Proudhon, que tinha
vivido ele prprio as condies de vida do proleta-
riado, que sempre se debateu com inextricveis
dificuldades pecunirias, no era certamente vo-
luntarista. O comportamento de Blanqui, fundado
em pequenas minorias eficazes, com uma mentali-
dade de conspirador, comportamento do qual Ba-
kunin foi um dos mais marcantes representantes,
no satisfazia Proudhon. Este sabia que a evoluo
das condies reais da revoluo social vinha de
um lento trabalho em profundidade, que manipu-
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REFUTAAO E I -:TEI{PRETAAO DE ALGU -:S PIU;COXCEITOS 63
ladores profissionais poderiam apenas catalisar.
Mas para fazer o qu, se com a revoluo recm-
chegada, o proletariado se revelava incapaz de to-
mar em mos o seu destino e encontrava-se for-
ado a recoloc-lo nas mos de competncias mais
afirmadas? Que risco enorme o povo corria de ser
de novo subjugado por novos mestres, que no
tardariam muito a reedificar o sistema de domina-
o hierrquica e a orientar a sociedade num sen-
tido favorvel aos seus interesses? Basta referir-
mo-nos a Volin (A Revoluo Desconhecida) ou a
Soljenitsyn (O Arquiplago Gulag) para ver que
estes receios nada tinham de irrealista e que a
His
tria, infelizmente, bem os justificou.
8
Proudhon contra a Greve
No se pode condenar a posio de Proudhon
sobre a greve, sem tentar dar as razes profundas.
A concepo proudhoniana diz respeito, por sua vez,
ao papel, ao lugar e
natureza da greve no sistema
capitalista, por um lado, e futura organizao so-
cial, por outro lado.
Por aquilo que diz respeito ao sistema exis-
tente, Proudhon pronunciou-se, com efeito, contra
a greve, nas formas particulares que ela tomava
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ESSENCIAL PROUDHON
na poca. Proudhon criticou fortemente estas gre-
ves, pois estas tinham somente um carter alimen-
tar: aumento de salrios, pois elas eram impulsio-
nadas por alianas espontneas, desprovidas de
estruturao e porque no tinham objetivos estru-
turais.
A oposio de Proudhon greve puramente
salarial permanece tambm largamente conjun-
tural, quer dizer, sobretudo justificada por conside-
raes de ordem humanitria. Na poca, em que
a classe operria comeava a despontar, era man-
tida numa explorao sem piedade, onde os gre-
vistas eram objeto das cargas policiais mais impla-
cveis, de medidas de encarceramento e de depor-
tao severas, em que o direito, por conseguinte,
estava inteiramente consagrado ao servio da classe
proprietria: interdio das coligaes, das associa-
es, mesmo de assistncia mtua, livrete obriga-
trio do operrio; no momento em que os salrios
de misria s autorizam uma vida aleatria, Prou-
dhon pronuncia-se contra a greve desorganizada,
sem contraforte organizacional, pois pensava que
ela s podia enfraquecer a classe operria e refor-
ar a represso patrona1.
Proudhon preconizava a organizao paralela
ao sistema, de modo que, aps ter construdo uma
estrutura forte, com o suporte de uma estratgia,
criado uma situao, inscrita nas possibilidades
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REFUTAAO E INTERPRETAAO DE ALGUNS PRECONCEITOS 65
acrescidas de uma organizao material poderosa,
a relao das foras se tenham tornado suficiente-
mente favorveis para poder lanar-se numa con-
testao radical, com probabilidades razoveis de
sucesso.
Proudhon via a prtica da greve alimentar, es-
pontnea, limitada profisso e localidade, logo
a um horizonte bastante restrito tanto do ponto de
vista da implantao geogrfica quanto da corpo-
rao a que diz respeito, como uma ao sem espe-
rana e de natureza a enfraquecer, a diminuir as
magras foras do proletariado. A sua preocupao
primordial era de poupar
classe operria as de-
cepes, os sofrimentos sem efeito notvel sobre o
sistema capitalista.
Com efeito, a greve salarial permanece sem
efeitos positivos a longo termo, pois o sistema ca-
pitalista obedece a automatismos cegos, que fazem
com que os aumentos de salrios conduzam so-
mente a uma mudana de preos, a uma reper-
cusso, pela classe proprietria, sobre o preo dos
seus produtos dos aumentos dos seus preos de
custo (em circunstncia, o que os economistas libe-
rais atuais chamam a inflao pelos custos sala-
riais).
Em compensao, no fundo, Proudhon preco-
niza o reforo da classe operria pela criao de
associaes, federadas em uma estrutura de con-
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ESSEXCIAL PROCDHOX
junto, de maneira a poder levar um combate permi-
tindo mudar a natureza prpria do sistema. Hoje
em dia, no momento em que as greves se tornam,
sob a impulso da base e com o apoio de poderosas
organizaes sindicais (integrando e apoiando o
movimento em uma tica geral e anticorporati-
vista), cada vez mais de vocao estrutural: termo
de trabalho, cadncias, vantagens a longo termo,
organizao do trabalho, contestao das relaes
hierrquicas ... etc., o presente parece confirmar as
posies de Proudhon, contra uma prtica desorga-
nizada setorial e corporativista.
Mas estes pontos de vista s se tornaram rea-
lizveis porque as organizaes sindicais existem
e a fora que tiram da sua estruturao, da coorde-
nao das lutas que elas permitem operar, instau-
rou uma transferncia importante da relao de
foras em favor do proletariado.
Se Proudhon estigmatizava o aventureirismo,
aconselhava em maior grau pacincia, preconizava
comear por unir esforos a fim de consolidar a fora
da classe operria, e neste aspecto preciso reco-
nhecer, entretanto, que a estratgia que durante
longo tempo props era inadequada situao.
Com efeito, no momento em que era necess-
rio estruturar a fora de contestao, sem a qual
nada possvel, fora de resistncia que tomou a
forma dos nossos sindicatos atuais, Proudhon pen-
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mWUTAAO E Il\TERPRETAAO DE ALGFNS PRECONCEITOS 67
sou por muito tempo poder passar diretamente ao
estgio da autogesto produtiva do salariato, no
que poderamos chamar cooperativas operrias,
federando-se pouco a pouco. Teria sido necessrio
que os operrios dispusessem dos meios financei-
ros indispensveis.
Da a idia de Proudhon do crdito gratuito
(os interesses eram reduzidos s despesas de ges-
to do organismo financeiro) decidido pelo Banco
do Povo. Proudhon acreditou durante bastante
tempo que esta idia seria a soluo da questo
social, as cooperativas acabando pouco a pouco por
se propagar e por absorver todo o sistema. Era a
base da sua grande idia de mutualismo, o Banco
do Povo constituindo a primeira sociedade mutua-
lista. Esta primeira concepo, fortemente marcada
de utopia, em conseqncia da falta de capitais e
por causa da fraqueza do movimento operrio da
poca, no encontrou nada a no ser insucessos.
Em contrapartida, a idia central de Proudhon: a
necessidade de uma autogesto operria, concreti-
zou-se com bastante sucesso dentro da autonomia
do movimento sindical.
No plano da organizao social futura (federa-
lista e mutualista, o que um sinnimo de auto-
gesto na problemtica proudhoniana), Proudhon
rejeita tambm a greve, como contrria aos inte-
resses gerais da sociedade. Com efeito, as orien-
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ESSENCIAL PROUDHO:\
taes sociais, as mediaes necessrias, tais como
o sistema de preos, tendo sido aclaradas por nego-
ciaes sucessivas, conduzidas da base para o topo
e da circunferncia para o centro, Proudhon no
via por que que grupos de presso localizados e
corporativistas se oporiam a uma deciso geral, pela
qual todo o mundo tinha participado fazendo valer
os seus prprios interesses.
Esta posio surpreende um pouco, estando
apresentada a importncia que Proudhon d ao
equilbrio das relaes de foras entre grupos so-
ciais portadores de objetivos mais ou menos diver-
gentes. Com efeito, toda a sua problemtica do
funcionamento social era orientada nesse sentido.
No plano prtico, Proudhon no viu que era abso-
lutamente necessrio que uma fora de contesta-
o organizada existisse para salvaguardar os inte-
resses diretos dos trabalhadores. Ainda esta refle-
xo, que nos sugerida pela observao direta que
pudemos fazer dos sistemas socialistas totalitrios,
nos quais a ausncia de fora autnoma reivindi-
cativa apoiou a explorao operria por uma bu-
rocracia onipotente. Numa sociedade onde o po-
der poltico seria realmente partilhado, da maneira
como Proudhon nos prope, no seguro que esta
organizao independente da contestao operria
e salarial seja inteiramente necessria. Em todo o
caso, melhor que ela exista no arranque das ope-
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REFUTAO E INTERPRETAO DE ALGDNS PRECONCEITOS 69
raes, com o risco de suprimi-Ia em seguida se o
seu papel menor, pois mais fcil reduzi-Ia que
constitu-Ia no caso em que o sistema social se
tornasse, apesar de tudo, burocrtico.
A posio proudhoniana, que nos cabe adap-
tar permanentemente s realidades do nosso tempo,
ressaltava o problema dos contra-poderes, ou das
contra-instituies, que tm por funo reunir
novos grupos sociais, insatisfeitos com o papel que
lhe reservado no sistema existente. Empregamos
aqui o termo de instituies, pois estes grupos so-
ciais, que tendem a modificar a relao de foras
estabelecidas, no deixam, aos olhos de Proudhon,
de segregar as suas prprias normas e valores cole-
tivos no funcionamento social.
Finalmente, podemos perguntar, tendo diante
de ns a imagem concreta de ineficincia das gre-
ves salariais, num sistema onde os proprietrios po-
dem repercutir a alta de preos sobre os valores de
venda, onde a banca e o Estado, e o capitalismo fi-
nanceiro, aproveitam-se da inflao ao reembolsar
as poupanas a conta-gotas e gracejando do credor.
Se Marx no preconizasse sobretudo a greve para
aumentar as contradies do sistema - disseno
entre capitalistas sobre a repartio da mais-valia,
mobilizao do proletariado, reforo da conscincia
de classe, incremento do capital fixo, logo, baixa
tendencial da taxa de luxo. Neste caso Marx e
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REFUTAAO E INTERPRETAAo DE ALGUXS PRECONCEITOS 71
pela atribuio que ele faz ao homem e sua
mulher de papis sociais que nada tm de natural,
mas so determinados pelas condies sociais de
uma dada cultura. A Proudhon falta -lhe, portanto,
relativismo cultural e histrico, posio que pode-
ria ser explicada pelas tendncias homossexuais
latentes de Proudhon, isto a acreditarmos em Da-
niel Gurin. Todavia, as idias de Proudhon tive-
ram, pelo menos, o mrito da honestidade intelec-
tual, pois punha em conformidade os seus atos e o
seu pensamento. Os comentrios de Proudhon en-
contram-se principalmente em um livro pstumo,
publicado bem aps a sua morte,
A Pornocracia
ou as Mulheres nos Tempos Modernos.
Se foi escrito
quer dizer, portanto, que Proudhon o tinha pensado,
mas tinha recusado public-lo, pois se tinha dado
conta do seu carter pessoal e passional. (Presta-
ram-lhe um mau servio ao editar este livro, sem
dvida sob a presso da ala direita dos seus disc-
pulos.) Mas qual o pensamento que no contm
algum anacronismo, quando examinado mais de
um sculo aps a sua publicao?
Quanto
famlia, Proudhon estava perfeita-
mente consciente do seu papel de transmissor de
autoridade, no quadro das relaes sociais da sua
poca. Mas, se sempre defendeu, e com tanto mo-
ralismo, a famlia, era porque ela constitua, tam-
bm pela educao, uma proteo contra o poder
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ESSENCIAL PROUDHON
centralizado e totalitrio, uma linha de defesa con-
tra a mobilizao dos espritos, que resultava dos
regimes comunitrios preconizados por Cabet. Para
ilustrar este ponto-de-vista, no interdito pensar
que um dos fins latentes da educao gratuita, laica
e obrigatria, cara a Jules Ferry, era de conformar
todo o mundo aos ideais do Estado laico, burgus,
centralista e republicano, em proporo com os co-
nhecimentos necessrios para no concluir a deso-
bedincia civil e o esprito crtico.
certo tambm que todos os regimes centrali-
zados tentam incutir na famlia o papel de trans-
missor da autoridade social quando no chegam
a uniformizar os caracteres com bastante fora nas
diferentes instituies, escolares ou outras. No
podemos, portanto, criticar a posio de Proudhon
sobre a famlia a no ser que olhemos o problema
de mais perto, pois em Proudhon, a famlia no a
unidade constitutiva da sociedade, ela no est na
origem do Estado (ao contrrio de Bonald): a ofi-
cina. Ela um grupo natural, podendo pr em xe-
que o Estado. Ela no est assente sobre a autori-
dade dopater famzlias, mas sobre a educao anti-
autoritria das crianas. Relativizemos ainda este
desenvolvimento citando Proudhon, para mostrar
que era bem mais diferenciado do que se diz: ''Acre-
dito na prepotncia do homem, mas acredito na
superioridade da mulher . (No disse Marx que o
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REFUTAO E INTERPRETAO DE ALGUNS PRECONCEITOS 73
que mais gostava no homem, era a sua fora, e na
mulher, a sua fraqueza?)
1
Proudhon apologista da Guerra
Esta afirmao funda-se no livro de Proudhon
A Guerra e a Paz.
Com efeito, Proudhon queria
mostrar que a sociedade se encontrava num estado
de tenses perptuas entre os diferentes grupos
sociais que a compem, que o mximo de tenso,
quer dizer a guerra, no era, nas sociedades capita-
listas, mais um dos meios mais brutais de resolu-
o das contradies econmicas. Que a vida em
sociedade tem lugar sob o signo do conflito, que a
cri atividade, quer dizer a livre expresso da vida,
e o progresso no podem realizar-se a no ser que
se faa luz para se resolverem. Que preciso pro-
curar, em permanncia, as formas de organizao
social que permitem aos conflitos aparecer e apren-
der a suportar os estados de tenso.
Os trabalhos de Gerard Mendel sobre o tema,
fundado na relao psicanaltica e societria, con-
firmam, com claridade, o pensamento proudho-
niano sobre este ponto. Claro, o esquema explica-
tivo bastante diferente. Proudhon faz uma an-
lise sociolgica do funcionamento da sociedade e
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ESSEl\CIAL PROl'DIlON
conclui, para preservar as possibilidades do movi-
mento social, pela instituio de estruturas sociais
conflituais. Mendel tenta fazer ajuno entre todos
os condicionamentos culturais impostos pessoa
pelas instituies, a todas as fases do seu desenvol-
vimento, e as conseqncias psico-afetivas, no qua-
dro de uma anlise social e psicanaltica, que tem
sobre o seu comportamento social. Mas o objetivo
no
o mesmo para Proudhon eMendeI? Quer
dizer, determinar em que condies organizacio-
nais e institucionais a autonomia da pessoa pode
ser salvaguardada.
Proudhon contra a Autogesto
No momento em que sob o vocbulo de auto-
gesto, desde 1968, mesmo um pouco antes para
certos partidos polticos, uma concepo verdadei-
ramente liberal e democrtica do funcionamento
social reaparece, certas capelas dogmticas ou inte-
ressadas vieram negar que o proudhonismo era um
pensamento autogestionrio.
No iremos falar de certo setor marxizante,
que rejeita todo o complemento de anlise. Por
exemplo, alguns chegaram a censurar Althusser
ao dizer que Marx era estruturalista pois, se a
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REFUTAAo E INTERPRETAAO DE ALGU:\S PRECONCEITOS 75
importncia das estruturas sobre as possibilida-
des da revoluo determinante, os revolucion-
rios ativistas e elitistas tm receio de ficar como
personagens secundrios da Histria.
Que entendemos por autogesto? Ser um es-
tado de esprito, uma atitude libertria?
assim
que certos anarquistas fizeram recuar a idia de
autogesto comuna antiga, a Plato, a Esprtaco
etc .. A esse ttulo, impossvel excluir Proudhon,
mesmo se uma frao do anarquismo desconfiou,
pois teria tido, do mesmo modo que Marx, o seu
sistema . Com efeito, ningum mais que Prou-
dhon foi to antiautoritrio. Proudhon construiu,
com efeito, a sua interpretao do social sobre a
necessidade de demolir todos os dolos da autori-
dade: a propriedade, o poder, o saber (e todas as
suas justificaes ideolgicas, da qual a religio era
na poca um dos motores mais importantes.)
Visou organizar a sociedade de maneira a equi-
librar a liberdade e a autoridade, a autonomia e a
coeso, a pessoa e a sociedade, a estabilidade e o
movimento, numa ordem social que substitui pela
fora, as regulamentaes sociais sadas, em per-
manncia, da evoluo das relaes sociais.
A autogesto
somente um projeto de gesto
autnoma das atividades produtivas pelos prprios
trabalhadores? Seria um pensamento profundo de
toda uma corrente do anarquismo, que substituiria
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ESSENCIAL PROUDHON
o Estado pelo livre concerto das atividades econ-
micas entre produtores, autogerindo-se. Isso foi um
momento do pensamento de Proudhon, do qual o
mutualismo est na base desta corrente, do mesmo
modo oreconheceu Kropotkin respondendo, quando
de um processo judicial, que o pai da anarquia no
era ele, mas o imortal Proudhon .
A autogesto no diria respeito a no ser
descentralizao dos poderes do Estado, no seria
apenas federalismo poltico? o erro que cometem
aqueles que s retm de Proudhon o aspecto pol-
tico do federalismo que preconizou. Proudhon, pelo
contrrio, exprimiu que o federalismo territorial
nada seria, se o absolutismo da propriedade privada
continuasse a durar, que era necessrio, ao mesmo
tempo, centralizar a economia e anarquizar o poder.
Nesta acepo, a autogesto corresponde, em uma
parte, estruturao das atividades produtivas (au-
tnomas no plano local) at ao nvel nacional, por-
tanto, necessidade de uma regulamentao geral
e de uma planificao coordenando os seus interes-
ses prprios pelos agrupamentos na base: trabalha-
dores, consumidores, usurios dos servios pblicos,
etc .. Implica, por outro lado, a descentralizao das
funes coletivas, asseguradas at a pelo Estado e
o seu aparelho, no nvel das comunas e das regies.
Portanto, o projeto social de organizao futura da
sociedade, a concepo final que se tinha de Prou-
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REFUTAAo E INTERPRETAAo DE ALGUNS PRECONCEITOS 77
dhon, projeto que associa omutualismo econmico
estruturado por sucursais de atividade e regula-
mentadas no plano nacional- ao federalismo ter-
ritorial- reagrupando as funes comuns, sociais,
coletivas,(nomais baixo nvel possvele por andares
sucessivos,para conduzir a uma federao nacional)
- autenticamente autogestionrio.
Ser que a problemtica da autogesto inclui
a estratgia da mudana? As vias de passagem da
sociedade atual
sociedade autogerida? a posi-
o dos que insistem na necessidade de preparar,
desde hoje, a sociedade futura, por exemplo, pelo
controle operrio nas empresas, ou pelo trabalho
militante nos agrupamentos particulares, comonos
usurios dos transportes, os autonomismos regio-
nais, as instituies: escolas, foras armadas, pri-
ses etc., de maneira a poder modificar de impro-
viso as relaes sociais aps a tomada do poder.
O que implica que no nos contentemos mais em
fazer girar o aparelho de Estado tal e qual em pro-
veito da revoluo. Tal a problemtica proudho-
niana da mudana: desenvolver desde este mo-
mento as capacidades de gesto da sociedade pelos
trabalhadores. Proudhon preconiza a associao,
semeando deste modo todo omovimento sindical,
criado em Frana por Varlin, e continuado pelo
anarco-sindicalismo de Pelloutier, em seguida pelo
sindicalismo revolucionrio.
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8/11/2019 O Essencial Proudhon_Francisco Trindade
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o ESSENCIAL PROFDIlClN
Ser que a autogesto supe o desapareci-
mento da propriedade privada dos meios de produ-
o? Certamente, e Proudhon se no encara supri-
mir toda a propriedade privada, preconiza a so-
cializao das atividades produtivas e de troca.
Entretanto, Proudhon no quer uma estatizao
da propriedade, isto , de um capitalismo de Es-
tado. Com efeito, a estatizao no muda a natu-
reza da propriedade capitalista, pois esta asso-
ciada a relaes sociais hierrquicas, desiguais. A
estatizao deve ser acompanhada de uma instau-
rao dos trabalhadores no poder da direo das
fbricas, da atividade econmica, logo da gesto dos
instrumentos de produo pela classe trabalha-
dora. Trata-se, portanto, de uma nacionalizao,
de uma socializ