O Direito à Convivência Comunitária da Criança e do Adolescente no Ambiente Urbano: o Município...

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155 Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, n. 6, p. 155-172, jun./dez. 2009 O DIREITO À CONVIVÊNCIA COMUNITÁRIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO CONTEXTO URBANO: O MUNICÍPIO E O MINISTÉRIO DAS CIDADES NA INSTITUCIONALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS Benedicto de Vasconcellos Luna Gonçalves Patrão * RESUMO A opção pelas gated communities fez desaparecer dos espaços público urbanos – considerados a primeira vítima colateral de uma cidade que perde a árdua luta enfrentada para resistir ao avanço do isolamento espacial dos moradores – grande parte dos atrativos da vida citadi- na. Considerando a importância do ambiente público na formação da criança e do adolescente, a questão envolvendo a tutela da convivência comunitária está, inegavelmente, baseada na necessidade da efetivação de políticas públicas voltadas para a revitalização e a readequação dos espaços urbanos, buscando resguardar a qualidade de vida daqueles que merecem especial proteção do Estado. Sob este prisma, portanto, que este trabalho será desenvolvido, ao demonstrar o papel do Poder * Advogado e Professor dos Institutos Superiores de Ensino La Salle – UNILASALLE – RJ; as- sociado ao Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM; especialista em Direito Civil e Mestrando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

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    O DIREITO CONVIVNCIA COMUNITRIA DA CRIANA E DO ADOLESCENTE NO

    CONTEXTO URBANO: O MUNICPIO E O MINISTRIO DAS CIDADES NA

    INSTITUCIONALIZAO DE POLTICAS PBLICAS URBANAS

    Benedicto de Vasconcellos Luna Gonalves Patro*

    RESUMOA opo pelas gated communities fez desaparecer dos espaos pblico urbanos considerados a primeira vtima colateral de uma cidade que perde a rdua luta enfrentada para resistir ao avano do isolamento espacial dos moradores grande parte dos atrativos da vida citadi-na. Considerando a importncia do ambiente pblico na formao da criana e do adolescente, a questo envolvendo a tutela da convivncia comunitria est, inegavelmente, baseada na necessidade da efetivao de polticas pblicas voltadas para a revitalizao e a readequao dos espaos urbanos, buscando resguardar a qualidade de vida daqueles que merecem especial proteo do Estado. Sob este prisma, portanto, que este trabalho ser desenvolvido, ao demonstrar o papel do Poder

    * Advogado e Professor dos Institutos Superiores de Ensino La Salle UNILASALLE RJ; as-sociado ao Instituto Brasileiro de Direito de Famlia IBDFAM; especialista em Direito Civil e Mestrando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ.

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    Pblico na institucionalizao das polticas pblicas de combate segre-gao urbana, que constitui um dos fatores impeditivos para a utilizao do espao pblico e, consequentemente, para a efetividade do Direito Convivncia Comunitria da Criana e do Adolescente.

    Palavras-chaves: Direito cidade. Criana e adolescente. Convivncia comunitria.

    ABSTRACTGated communities option by the end of urban public spaces conside-red the first victim sibling of a city who loses arduous fight faced to wi-thstand the advancement of spatial isolation of residents much of the city attractions of life. Considering the importance of the environment public in the formation of children and adolescents, the issue involving the community is undeniably coexistence based on the need for effecti-ve public policies targeting the revitalization and readjustment thus of urban areas, seeking to protect the quality of life of those who deserve special State protection. In this light, so that this work will be developed, to demonstrate the role of Government in institutionalizing public poli-cies to combat urban segregation, which is one of the factors preventing the use of public space and thus to the effectiveness of Community right to coexistence of children and adolescents.

    Key-words: Right to the City/ Child and Adolescent Communitarian Living.

    INTRODUO

    Zygmunt Bauman1 alerta que a arquitetura das cidades cada vez mais se torna defensiva, diante da crescente necessidade de erigir dis-positivos de segurana como subterfgios ao medo, que atualmente subjuga o ambiente urbano. O paradigma da segurana total, mate-rializado na necessidade de cercar os espaos, sejam privados ou p-blicos, atravs de todos os tipos de formas contra a violncia, fez com que abdicssemos da liberdade, em prol de uma fantasiosa sensao de segurana. Estes enclaves fortificados 2, requisitos em todos os tipos de prdios que aspirem a ter prestgio 3, tm seu exemplo mais

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    O direito convivncia comunitria da criana e do adolescente no contexto urbano: o munic-pio e o ministrio das cidades na institucionalizao de polticas pblicas urbanas

    marcante nos condomnios de luxo, fazendo com que a natureza do espao pblico e a qualidade das interaes entre os citadinos tornem-se cada vez mais marcadas pela suspeita e rejeio4. Desta maneira, modelamos o jeito pelo qual aqueles que convivem nas cidades con-temporneas interagem entre si, bem como se apropriam do meio em que esto inseridos, atravs da uniformidade dos bairros residenciais, em que a reduo ao mximo das atividades comerciais e a comunica-o entre as diversas partes da cidade5, contribuem para a tendncia segregacionista.

    Proteger do perigo, como indica Nan Ellin6, sempre esteve entre os principais estmulos para construir cidades, cujos arrabaldes das antigas aldeias mesopotmicas, s aldeias dos nativos norte-america-nos eram definidos muitas vezes por extensos muros e cercas, que estremavam o limite em que os inimigos eram mantidos do outro lado, evitando-se indesejveis aproximaes. Hoje, contudo, perpetramos o milenar vnculo entre civilizao e barbrie7, a partir do momento em que o convvio no espao urbano tem como caracterstica a onipresen-a do medo, a partir da perspectiva de que as fontes do perigo, diferen-temente daquilo que ocorria nos primrdios da urbanizao, atingem o corao da cidade, em que a amalgamao de amigos e inimigos se confundem nos espaos comuns de convivncia.

    Portanto, segundo Bauman, estamos diante de uma guerra insegurana, em curso dentro da cidade, cujo baluarte defensivo representado pelas gated communities, com os indefectveis guardas ar-mados e cmaras de controle 8. O espao pblico, conforme assevera Bauman, foi a primeira vtima colateral de uma cidade que perde a rdua luta enfrentada para resistir ao avano do isolamento espacial dos moradores9, j que a guerra insegurana tem primazia na lis-ta de prioridades dos planejadores urbanos. No entanto, ao manter e tornar forte a tendncia excludente, podemos at atenuar, nas pala-vras do socilogo polons, o padecimento daqueles que sofrem com a mixofobia10, mas o remdio por si mesmo patognico e torna mais profundo o tormento, de modo que para mant-lo sob controle preciso aumentar continuamente as doses, fazendo com que a vida parea ainda mais angustiantemente propensa ao perigo, em vez de mostr-la segura e prazerosa. Nisto, a opo pelas gated communities

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    fez desaparecer das ruas da cidade a espontaneidade, a flexibilidade, a capacidade de surpreender e a oferta de aventura, em suma, todos os atrativos da vida urbana 11, razo pela qual o planejamento, como forma de proteo ao sentimento mixfilo, deveria adotar estratgia oposta, ou seja, difundir os espaos pblicos abertos, que so mais con-vidativos e acolhedores aos cidados que tenham vontade de frequen-tar espontaneamente. Afinal, como nos ensina Hans-Georg Gadamer12, compreenso recproca sempre um processo de fuso dos horizontes, traados e ampliados acumulando-se experincias de vida, que s se concretizar por meio da experincia compartilhada, que inimagin-vel sem a possibilidade de partilhar um espao.

    Neste sentido, o espao, de uso pblico e multifuncional13 - identi-ficado como os locais tradicionais de uso comum nas cidades, tais como ruas, praas, caladas, e parques - ganha relevante destaque na forma-o da criana e do adolescente, j que, estando impedidos de frequen-tar o ambiente comunitrio, em razo da desordem citadina14, os mes-mos deixam de observar as mudanas que ocorrem na cidade como um todo. Isto tem efeitos devastadores na prpria dinmica urbana, pois devemos entender e sentir a cidade atravs de seus espaos de uso co-mum15, de tal forma que, quanto mais diversificado for a utilizao dos logradouros, praas, caladas e parques, atravs da apropriao do local pblico16, mais seguro e propcio convivncia os mesmos se tornam17. So nestes espaos de convivncia social que a criana e o adolescente, ao interagirem com outras e tambm com adultos de diferentes crenas, etnias e classes sociais, aprendem a se relacionar e a respeitar as regras de convvio, em especial a solidariedade.

    Ao determinar a convivncia comunitria como prioridade abso-luta para os menores, desejou o legislador que o Poder Pblico criasse mecanismos que propiciassem a concretizao deste direito constitu-cionalmente tutelado. Neste sentido, a anlise de mecanismos para o efetivo desenvolvimento das funes sociais da cidade, atravs da pro-positura de polticas pblicas adequadas para a plena efetividade do Direito da Criana e do Adolescente Convivncia Comunitria, deve ser novamente sopesada, sob nova perspectiva, com o fito de melhor vislumbrar os objetivos constitucionais. A busca pelo usufruto equi-tativo do ambiente urbano, alcanado pela tutela dos elementos que

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    compem o direito cidade 18, deste modo, afianar o ideal de con-vvio articulado de ambos os lados da cidade partida. Neste sentido, o Poder Pblico, em especial o Municpio, principal ente federativo19 responsvel pela gesto urbana20, e o Ministrio das Cidades, a nvel federal, ganham especial destaque.

    Sob este ltimo aspecto, portanto, que o presente trabalho ser desenvolvido, ao pretender abordar a importncia do Poder Pblico na institucionalizao das polticas pblicas de combate s questes urbanas. Afinal, para alcanarmos o ideal de qualidade de vida impos-to por nosso ordenamento jurdico, fundado no princpio da dignidade humana (art. 1, inc. III, da CF/88), de suma importncia compreen-der a nova ordem jurdico-urbanstica nacional, desenvolvida por meio da democratizao do processo decisrio, em que a descentralizao das polticas pblicas, com o fortalecimento dos Municpios, ganha relevante destaque. Alm do mais, a criao do Ministrio das Cida-des, ao ocupar um vazio institucional que retirava o Governo Federal da discusso sobre a poltica pblica e o destino dos centros urbanos, pode ser, da mesma forma, considerada uma importante iniciativa na mitigao dos fatos impeditivos da fruio do espao, inaugurando um novo padro no planejamento das cidades.

    A CRIANA E O ADOLESCENTE NO CONTEXTO UR-BANO: O DIREITO CONVIVNCIA COMUNITRIA

    Apenas com o adequado cumprimento de todos os elementos formadores do direito cidade (direito sade, educao, cultura, moradia, proteo social, ao meio ambiente sadio, ao saneamento, ao transporte pblico, ao lazer e informao, dentre outros) que efe-tivamente suplantaremos os fatos impeditivos da fruio do ambiente urbano, com o objetivo de efetivar o Direito Convivncia Comunit-ria da Criana e do Adolescente. A cidade deve fornecer espaos p-blicos apropriados criana e ao adolescente, a fim de lhes propiciar estmulos, conhecimentos e aprendizados, cabendo gesto urbana o desafio de afastar a atual quadro de evidente apartheid convivial, agra-vado pela ocupao desordenada do territrio, decorrente do processo de urbanificao21. Com isso, desempenharamos um importante papel

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    no processo de formao dos jovens22, j que, hodiernamente, os mes-mos no vivenciam plenamente a atmosfera pblica de seus bairros, diante de diversos fatores, dentre eles a violncia e a misria.

    Contudo, o que seria especificamente o Direito da Criana e do Adolescente Convivncia Comunitria? Neste sentido, constituindo uma interseo imperativa com o Direito Convivncia Familiar23, que pode ser caracterizado como sendo o direito intersubjetivo da criana e do adolescente ao convvio familiar, seja pela manuteno do vnculo com sua famlia ou quando isto se mostrar no aconselhvel pelo incentivo convivncia com uma substituta, o Direito Convivn-cia Comunitria igualmente est previsto no artigo 19 do Estatuto da Criana e do Adolescente e no artigo 227 da Constituio Federal 24. Na busca de seu significado, verificamos que o convvio da criana e do adolescente no deve ocorrer somente no ambiente em que os compo-nentes do ncleo familiar esto presentes, mas espraiado nos locais de convivncia (preferencialmente pblicos) dos demais membros da co-munidade, como forma de fomentar o sentimento de pertencimento25 frente a uma determinada realidade espacial.

    A inteno do legislador constitucional, portanto, foi destacar a importncia de serem criadas condies favorveis para a coexistn-cia da criana e do adolescente no espao (especialmente o pblico-urbano), sob o fundamento de que tal inter-relacionamento (criana e adolescente/espao urbano) propiciaria o pleno desenvolvimento de suas potencialidades26. Por isso, assim como a proteo do espao domstico de suma importncia para a efetivao do Direito Con-vivncia Familiar, a coexistncia da criana e do adolescente no espao exofamiliar, tambm ganha igual e especial relevncia, conforme en-sina Cludia Oliveira27:

    trabalhando o corpo no espao pblico que a criana conhece e par-ticipa da dinmica do viver na cidade, do encontro com a natureza. Na relao com esse espao ela aprende a medir, em cada movimento, distncia, fora e velocidade. A cultura da sociedade aprendida pela criana no espao e no tempo por observao e imitao, brincando, trocando experincias, criando vnculos com outras crianas e com adultos de diversas classes sociais, eliminando barreiras segregacionis-tas, desenvolvendo a solidariedade e promovendo a socializao. Estes

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    O direito convivncia comunitria da criana e do adolescente no contexto urbano: o munic-pio e o ministrio das cidades na institucionalizao de polticas pblicas urbanas

    espaos precisam ser estimulantes, vivos, com diversos tipos de mate-riais, cores, alturas, formas e texturas. O ambiente prazeroso propicia a socializao. Num espao adequado, as crianas se sentiro respeitadas enquanto suas usurias e futuras cidads e tambm o respeitaro, pois ele o seu espao. Um espao pblico bem projetado criar nas crian-as o gosto pela cidade.

    No especial caso das cidades, devemos destacar a importncia de serem criadas condies favorveis para o usufruto equitativo do am-biente de convivncia, por meio de polticas pblicas voltadas para tal fim. Para tanto, o Poder Pblico necessita propiciar, dentre outras, me-lhorias nas condies de mobilidade urbana entre os diversos espaos pblicos existentes na cidade, na medida em que a convivncia em am-bientes diversos e multifuncionais, sob a tica da criana e do adolescen-te, estimula os sentidos e o movimento, enriquecem a mente e a criativi-dade, permitem o contato com a natureza e com outras pessoas.

    Atualmente, contudo, nem todos vivenciam a atmosfera pblica, fazendo com que os gestores urbanos, responsveis em fornecer espa-os sustentveis, desempenhem importante papel no processo de for-mao da criana e do adolescente. Verificamos, neste sentido, que so nas grandes cidades que a criana e o adolescente, inseridos nas classes sociais mais elevadas, j no utilizam adequadamente o espao pblico, h muito substitudo pelos segregados ambientes privados dos condo-mnios fechados ou clubes recreativos de classe mdia, que acarretam mudanas na percepo e explorao do territrio. De forma ainda mais insalubre, por bvio, os menores das camadas menos favorecidas comu-mente habitam o interior de guetos urbanos favelizados, no raro in-crustados nos bairros nobres das grandes cidades ou localizados nas periferias, desprovidos dos investimentos pblicos mnimos, imprescin-dveis para a adequada construo do espao de convivncia.

    Para Edsio Fernandes, este ltimo fenmeno pode ser assim descrito:

    Na maioria dos casos, a excluso social tem correspondido tambm a um processo de segregao territorial, j que os indivduos e grupos ex-cludos da economia urbana formal so forados a viver nas precrias periferias das grandes cidades, ou mesmo em reas centrais que no so devidamente urbanizadas. Dentre outros indicadores da poderosa

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    combinao entre excluso social e segregao territorial - mortalida-de infantil; incidncia de doenas; grau de escolaridade; acesso a ser-vios, infra-estrutura urbana e equipamentos coletivos; existncia de reas verdes, etc. -, dados recentes indicam que cerca de 600 milhes de pessoas nos pases em desenvolvimento vivem atualmente em situa-es insalubres e perigosas. Excluso social e segregao territorial tm determinado a baixa qualidade de vida nas cidades, bem como contri-budo diretamente para a degradao ambiental e para o aumento da pobreza na sociedade urbana.28

    Ao no possibilitar a revitalizao e a readequao dos espaos pblicos para a convivncia da criana e do adolescente, as questes ur-banas dentre elas algumas que formam o trip estruturante da pro-blematizao que o Ministrio das Cidades est inserido (mobilidade, moradia e saneamento ambiental) constituem barreiras para a concre-tizao do Direito Convivncia Comunitria. Portanto, resta claro que adoo de solues para a superao da pobreza urbana, por meio de polticas de moradia e saneamento ambiental, rompe com o paradigma segregacionista, ao constiturem medidas de fundamental relevncia na garantia das condies mnimas de fruio do espao convivial.

    O PODER PBLICO E O PLANEJAMENTO URBANO: O PAPEL DO MUNICPIO E A CRIAO DO MINISTRIO DAS CIDADES

    Diante do quadro de incertezas acarretadas pelo atual estado de desordem urbana, que o papel do Municpio ganha notria re-levncia, diante de sua inata destreza na busca pelo desenvolvimento de polticas pblicas que, de alguma forma, salvaguardam o Direito da Criana e do Adolescente Convivncia Comunitria. Conforme estabelecido em nossa carta constitucional, o Municpio, tendo como princpios informadores a centralidade e a diversidade29, tem incon-troversa vocao, tanto legal, como natural, em ser o gestor do espao, atuando no planejamento das cidades, em cooperao com as diversas associaes representativas existentes na municipalidade.

    Nesta sua vocao natural, qualquer projeto, que vise superar o caos urbano, deve ter plena conscincia da natureza e dinmica dos locais

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    O direito convivncia comunitria da criana e do adolescente no contexto urbano: o munic-pio e o ministrio das cidades na institucionalizao de polticas pblicas urbanas

    em que se concentram os problemas de uma determinada cidade. Por isso, sendo considerada a preferncia naturalmente mais apropriada, a proximidade do gestor municipal justifica a opo pela descentraliza-o das polticas pblicas de planejamento urbano.

    Quanto sua vocao legal, destacamos novamente que a ques-to envolvendo a tutela da convivncia comunitria est inegavel-mente baseada na obrigatoriedade do Municpio em efetivar solues voltadas para a revitalizao e a readequao dos espaos, buscando resguardar a qualidade de vida da criana e do adolescente. Para tan-to, devemos nos valer das normas urbansticas, seja de origem consti-tucional (por meio dos artigos 182 e 183, ambos da CF/88), como da legislao infraconstitucional, em especial o Estatuto da Cidade (lei no 10.257/01), no intuito de alcanar o pleno desenvolvimento das fun-es sociais da cidade e, por conseguinte, tutelar o Direito da Criana e do Adolescente Convivncia Comunitria.

    Portanto, podemos afirmar que o novo paradigma no planeja-mento da cidade esteja, precisamente, no fortalecimento das institui-es locais, atravs do desenvolvimento in loco de polticas pblicas para o planejamento e desenvolvimento, objetivando a superao da pobreza e demais problemas que, de alguma forma, comprometem a sobrevivncia digna das crianas e dos adolescentes no ambiente ur-bano. Resta claro que o papel do Municpio, ante suas responsabili-dades pela gesto da cidade, garantir quilo necessrio para a criana e ao adolescente, por meio de prestaes positivas que visem oferecer, ao menos, a quantidade mnima de direitos sociais, sem aos quais os mesmos no tm condies de sobreviver com dignidade. Com isso, o Municpio estar agindo conforme os preceitos constitucionais, que so cogentes e muitas vezes judicialmente exigveis, respeitando e dando plena efetividade ao Direito da Criana e do Adolescente Convivn-cia Comunitria.

    Contudo, frisa-se, novamente, que a atuao do Municpio no hermtica, ao contrrio, exige a cooperao no planejamento munici-pal das diversas associaes representativas30 e, inclusive, dos demais entes federativos. Neste sentido, a criao do Ministrio da Cidade, em cooperao de desgnios com o Municpio, da mesma forma, vem ao

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    encontro da perspectiva de garantir o direito cidade, por meio do fomento de uma poltica nacional de desenvolvimento urbano, que visa garantir o adequado suporte institucional efetiva implementao do Estatuto da Cidade. Neste sentido, Erminia Maricato31 considera que a criao do Ministrio das Cidades um novo marco na reestruturao da poltica urbana nacional, ocupando o vazio institucional que reti-rava o governo federal da discusso sobre a poltica urbana e o destino das cidades32.

    Transmutamos, portanto, o antigo paradigma da elaborao de planos e projetos a partir dos nveis superiores da representao pol-tica, de vis tecnocrtico e excludente da participao local e popular, pela primazia do planejamento municipal, baseado na gesto demo-crtica, em cooperao com os demais entes da federao. No obstan-te, a imprescindvel atuao do gestor municipal, o Governo Federal, por meio do Ministrio da Cidade que visa fomentar polticas p-blicas centradas na melhoria das condies de habitao, saneamento ambiental (gua, esgoto, drenagem e coleta e destinao de resduos slidos) e mobilidade urbana (trnsito) passa tambm a ter destacado papel na superao do atual quadro segregacionista, ao conferir dire-trizes e bases institucionais para a melhoria das condies condignas de utilizao do espao pblico.

    Com efeito, ao destacar que a poltica urbana no Brasil depende essencialmente de um esforo de cooperao federativa observando o primado da gesto democrtica das cidades incontroverso que o planejamento das cidades constitui um ato estruturado de mobilizao entre os entes da federao e os vrios segmentos da sociedade. Contri-buiramos, com isso, para a boa governana, ao destacar a legitimidade e relevncia do Ministrio das Cidades na elaborao de diretrizes gerais e suporte institucional que promova a incluso socioespacial da criana e do adolescente, por meio da articulao, implantao e implementao - em parceria com todas as esferas do Poder Pblico e com a sociedade - de programas e aes destinados a universalizar o acesso da populao habitao digna, ao saneamento ambiental e mobilidade, que dada pela racionalizao do trnsito e transporte pblico.

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    O direito convivncia comunitria da criana e do adolescente no contexto urbano: o munic-pio e o ministrio das cidades na institucionalizao de polticas pblicas urbanas

    CONCLUSO

    Apesar de celebrarmos os 20 anos da Constituio Federal, os 18 anos do Estatuto da Criana e do Adolescente e os 08 anos do Estatuto da Cidade, raros so os estudos que fazem as devidas imbricaes en-tre o Direito da Criana e do Adolescente Convivncia Comunitria e as normas de natureza urbanstica. Com isso, fecham-se os olhos para uma bvia relao de simbiose existente entre o Direito de Famlia e o Direito Urbanstico, de tal forma que, a partir de uma ingnua con-cepo, a cidade pudesse ser imaginada e concebida sem a anlise das normas que tutelam as relaes familiares e os membros que compem o seu ncleo.

    A questo envolvendo as relaes mantidas entre a criana e o adolescente no espao pblico urbano antiga e paradoxal. Ao mesmo tempo em que sempre foi considerada a sntese da vida cotidiana das cidades, a utilizao do espao pblico, como ambiente convivial por excelncia, sempre suscitou diversas resistncias. Teriaga da violncia domstica, ocupado essencialmente pela infncia perdida, o espao pblico, historicamente, foi visto como local de perigo social, de tal forma que os jovens que a indevidamente transitassem deveriam ser corrigidos e integrados ao universo do trabalho, por meio das medidas de internao impostas no Cdigo Mello Mattos (1927) e pelo Cdigo de Menores (1979).

    Porm, as mudanas que ocorreram a partir da segunda meta-de do sculo passado, sejam nos valores culturais e econmicos, bem como nos aspectos polticos e sociais da sociedade moderna ociden-tal33, refletiram na Constituio Federal de 1988, tornando-se essencial vislumbrar, a partir de ento, o significado da juridicidade em algo sensvel a qualquer modificao da realidade em volta34. Diante dos desejos da sociedade moderna em buscar novas alternativas para asse-gurar a felicidade pessoal de cada um de seus componentes, o prprio ordenamento jurdico, receptculo das alteraes sociais, conferiu am-pla efetividade aos princpios constitucionais.

    No caso do Direito Convivncia Comunitria, verificamos que a integrao dos valores constitucionais nas relaes intersubjetivas,

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    atravs da constitucionalizao dos vrios ramos do direito35, imps uma nova roupagem ao prprio fundamento da famlia36 contextuali-zada no ambiente urbano. Especificamente em relao criana e ao adolescente, hodiernamente entendidos como pessoas humanas, que merecem especial ateno da famlia, sociedade e Estado37, podemos destacar a relevncia da convivncia comunitria no espao pblico-urbano, inserida na conceituao de direito cidade, justamente por ser considerado como sendo o espao preferencial de convvio.

    Para tanto, verificamos a necessidade da adequao do espao, como meio de alcanarmos o ajuste bsico para a formao das futuras geraes. Neste sentido, demonstramos no presente artigo a relevncia dos Poderes Pblicos, em cooperao de escopos, objetivando garantir quilo necessrio para a insero da criana e do adolescente no espao pblico convivial, por meio de prestaes positivas que visem ofere-cer, ao menos, a quantidade mnima de direitos sociais, sem aos quais os mesmos no tm condies de afastar o atual quadro de segregao socioespacial. Com isso, daremos o primeiro passo rumo plena efeti-vidade do Direito Convivncia Comunitria.

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    ______. Entrevista concedida Mnica Herculano, jornalista do por-tal do GIFE - Grupo de Institutos Fundaes e Empresas, disponvel em: http://www.gife.org.br/redegifeonline_noticias.php?codigo=849&tamanhodetela=3&tipo=ie, acesso em: 17set. 2008

  • 168 Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitria, n. 6, p. 155-172, jun./dez. 2009

    BEnEDICTO DE VASCOnCELLOS LunA GOnALVES PATRO

    JACOBS, Jane. Morte e Vida nas Grandes Cidades. So Paulo: Martins Fontes, 2003.

    MACIEL, Ktia Regina Ferreira Lobo Andrade. Direito fundamental convivncia familiar. In: ______. Curso de Direito da criana e do adolescente: aspectos tericos e prticos. Rio de Janeiro:

    Lmen Juris, 2007.MARICATO, Erminia Terezinha Menon. Entrevista concedida Revista aUdisponvel em: http://www.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/156/imprime44395.asp, acesso em: 30 jan. 2009.

    ______.Texto publicado no endereo eletrnico: www.usp.br/fau/de-pprojeto/labhab/biblioteca/textos/maricato_mincidades.pdf, acesso em: 30 jan. 2009.

    MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 6. ed. So Pau-lo: Malheiros Editores, 2006.

    PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introduo ao direito ci-vilconstitucional. Traduo de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

    SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2007.

    TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodolgicas para a constitucionali-zao do direito civil. In: ______. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

    ZYGMUNT, Bauman. Confiana e medo na cidade. Traduo de Elia-na Aguiar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2009.

    NOTAS

    1 ZYGMUNT, Bauman. Confiana e medo na cidade: traduo Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2009.

    2 CALDEIRA, T.P.R. A cidade de muros, So Paulo: Cia das Letras, 2000, p. 257.3 Idem. p. 261.4 Idem. p. 259.5 ZYGMUNT, Bauman. Op. Cit. 50

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    O direito convivncia comunitria da criana e do adolescente no contexto urbano: o munic-pio e o ministrio das cidades na institucionalizao de polticas pblicas urbanas

    6 ELLIN, N. Fear and City Building, in The Hedgehog Review, vol 5, n. 3, 2003, p. 43-61.7 DIKEN, B. e LAUSTSEN, C. B. Zone of Indistinction: Security, Terror and Bare Life, in Space

    and Culture, vol. 5, n. 3, 2002, p. 290.8 ZYGMUNT, Bauman. Op. Cit. p. 62.9 Idem, p. 66.10 Bauman faz a distino entre mixofobia, que seria o receio de estar na presena fsica com

    desconhecidos, e mixofilia, que seria, ao contrrio, a experincia prazerosa de convivncia com estranhos (ZYGMUNT, Bauman. Op. Cit. p. 35).

    11 Idem, p. 68.12 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Mtodo. Petrpolis, Vozes, 1997.13 A multifuncionalidade da cidade um princpio informador da mesma, na medida em que a

    cidade acolhe simultaneamente vrias funes complexas, desenvolvendo uma pluralidade de diferenas (diferentes culturas, tipologias de ocupao de espao urbano, classes sociais, idades e vulnerabilidades, profisses e ofcios).

    14 No Brasil, a urbanizao intensiva j transformou estruturalmente a ordem socioeconmica e redesenhou a ocupao do territrio nacional, tendo provocado impactos ambientais com-parveis aos efeitos de grandes catstrofes naturais. Cerca de 80% da populao brasileira - de um total de 165 milhes - vive atualmente nas cidades, sobretudo nas reas metropolitanas (FERNANDES, Edsio. Direito Urbanstico e Poltica Urbana no Brasil: uma introduo, in Direito Urbanstico e Poltica Urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2000).

    15 Para Jane Jacobs, a imagem que temos em relao determinada cidade diretamente pro-porcional quilo que apreendemos de suas ruas. Assim sendo, se as ruas de uma cidade parecem interessantes, a cidade parecer interessante; se elas parecerem montonas, a cidade parecer montona (JACOBS, Jane. Morte e Vida nas Grandes Cidades. So Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 29).

    16 Segundo Jacobs, a existncia de um nmero substancial de estabelecimentos e outros locais pblicos, dispostos ao longo das caladas, um requisito bsico de vigilncia, acarretando em maior segurana, na medida em que permite que as pessoas, tanto moradores, quanto estranhos, tenham motivos concretos para utilizar os locais onde esses estabelecimentos se encontram (JACOBS, Jane. Op. Cit.).

    17 Jacobs aponta, como trao caracterstico das cidades, o fato de estarem sempre repletas de estranhos, afirmando que os mesmos so benficos, fazendo a cidade mais divertida, desde que a rua esteja bem preparada para lidar com eles, atravs de uma boa e eficaz demarcao de reas provadas e pblicas e um suprimento bsico de atividades e olhos (JACOBS, Jane. Op. Cit., p. 41).

    18 Rosngela Lunardelli Cavallazzi afirma que o Direito cidade, definido como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princpios de sustentabilidade e justia social, compre-endido como um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulne-rveis e desfavorecidos que lhes confere a legitimidade de ao e de organizao com base nos seus usos e costumes, para obterem o pleno exerccio do direito a um padro de vida adequado. (...) O direito cidade interligado e interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente; inclui, portanto, direito terra, aos meios de subsistncia, ao trabalho, sade, educao, cultura, moradia, proteo social, segurana, ao meio ambiente sadio, ao saneamento, ao transporte pblico, ao lazer e informao. Inclui tambm o direito liberdade de reunio e organizao, o respeito s minorias e pluralidade tnica, sexual e cultural; o respeito aos imigrantes e a garantia da preservao de herana histrica e cultural. (...) Este direito pressupe a interdependncia entre populao, recursos, meio ambiente, relaes econmicas e qualidade de vida para as presentes e futuras geraes. Implica em mudanas estruturais profundas nos padres de produo e consumo e nas formas de apropriao do territrio e dos recursos naturais. Refe-rncia construo de solues contra os efeitos negativos da globalizao, da privatizao, da escassez dos recursos naturais, do aumento da pobreza mundial, da fragilidade ambiental e suas consequncias para a sobrevivncia da humanidade e do planeta (CAVALLAZZI, Rosngela Lunardelli, O Estatuto Epistemolgico do Direito Urbanstico Brasileiro: Pos-

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    BEnEDICTO DE VASCOnCELLOS LunA GOnALVES PATRO

    sibilidades e Obstculos na Tutela do Direito Cidade, in Revistas Magister de Direito Ambiental e Urbanstico, 13 edio, Ago/Set-2007. Porto Alegre: Editora Magister, 2007).

    19 A doutrina discute se o municpio tem natureza de ente federativo. Jos Afonso da Silva rduo defensor de que o municpio no se enquadra na Federao dizendo: No existe fede-rao de municpios. Existe Federao de Estados. (SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 9 edio. So Paulo: Malheiros Editores, 2007). Neste sentido, os autores justificam que, como os municpios no possuem representao no Senado Federal, um Poder Judicirio prprio e at territrio (uma vez que integram os Estados), no se carac-terizam como entes federativos. Por outro lado, o mestre Celso Ribeiro Bastos (BASTOS, Cel-so Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 17 edio. So Paulo: Saraiva, 2007), arrimado em Hely Lopes Meireles (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 6 edio. So Paulo: Malheiros Editores, 2006), demonstra que o municpio, devido a importncia que destaca na federao, tem, certamente, natureza de ente federativo. Estamos com os ltimos. Basta a verificao do art. 18 da nossa Constituio para notar que o Municpio uma entida-de federativa. Assim, o Municpio tendo autonomia constitucional, no deve de ser excludo da Federao. Havendo repartio de competncias, com a finalidade de garantir a harmonia e o pacto federativo.

    20 A atuao de cada ente definida pelas competncias estabelecidas pela prpria Carta Mag-na. Em nosso sistema constitucional, aos Municpios compete legislar sobre assuntos de in-teresse local, suplementar a legislao federal e estadual no que couber, promover o ade-quado ordenamento territorial mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupao do solo urbano, promover a proteo do patrimnio histrico-cultural local, observadas a legislao e a ao fiscalizadora federal e estadual, executar a poltica de desen-volvimento urbano e elaborar o Plano Diretor.

    21 Edsio Fernandes assim descreve este fenmeno: Na maioria dos casos, a excluso social tem correspondido tambm a um processo de segregao territorial, j que os indivduos e grupos excludos da economia urbana formal so forados a viver nas precrias periferias das grandes cidades, ou mesmo em reas centrais que no so devidamente urbanizadas. Dentre outros indicadores da poderosa combinao entre excluso social e segregao terri-torial - mortalidade infantil; incidncia de doenas; grau de escolaridade; acesso a servios, infra-estrutura urbana e equipamentos coletivos; existncia de reas verdes, etc. -, dados re-centes indicam que cerca de 600 milhes de pessoas nos pases em desenvolvimento vivem atualmente em situaes insalubres e perigosas. Excluso social e segregao territorial tm determinado a baixa qualidade de vida nas cidades, bem como contribudo diretamente para a degradao ambiental e para o aumento da pobreza na sociedade urbana (FERNANDES, Edsio. Op. cit).

    22 Segundo a arquiteta Cludia Oliveira, crianas que no utilizam o espao pblico e fazem seus itinerrios sempre dentro de veculos tm dificuldade de elaborar seus mapas mentais e desenvolvem uma percepo diferente daquelas que circulam a p. A noo de espao fsico da criana bastante recortada. Ela faz composies entre o imaginrio e a realidade, com so-lues que a eximem de construir uma percepo do espao e do movimento nele. Apresen-tam indcios de perda de noo dos espaos fsico e pblico e da socializao (OLIVEIRA, Cludia. Op. Cit).

    23 MACIEL, Ktia Regina Ferreira Lobo Andrade. Direito Fundamental Convivncia Fami-liar, in Curso de Direito da Criana e do Adolescente: Aspectos Tericos e Prticos. Rio de Janeiro: Lmen Juris, 2007, p. 61).

    24 Segundo o artigo 227 da Constituio Federal, dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito convivncia co-munitria, colocando-os a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso. Considerando a importncia do ambiente na formao da criana e do adolescente, a questo envolvendo a tutela da convivncia comunitria est ine-gavelmente baseada na obrigatoriedade do Poder Pblico, em especial o Municpio, com fulcro no artigo 182 da Constituio Federal, efetivar polticas pblicas voltadas para a re-vitalizao e a readequao dos espaos pblicos, buscando resguardar a qualidade de vida

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    O direito convivncia comunitria da criana e do adolescente no contexto urbano: o munic-pio e o ministrio das cidades na institucionalizao de polticas pblicas urbanas

    dos jovens. Por essa razo, no obstante o dever da famlia, no sentido de proporcionar um ambiente aconchegante e vivo para que se sintam acolhidas, e da sociedade, atravs da gesto democrtica da cidade, o Estado, principalmente o Municpio, o principal responsvel em salvaguardar o direito fundamental da criana e do adolescente convivncia comunitria, j que especialmente na cidade que devem ser fornecidos os espaos pblicos dignos para que deles as crianas possam fazer uso, exercitando sua cidadania na plenitude constitucional.

    25 Ana Lcia Amaral, citando Weber, afirma que a sensao de pertencimento significa que precisamos nos sentir como pertencentes a tal lugar e ao mesmo tempo sentir que esse tal lugar nos pertence, e que assim acreditamos que podemos interferir e, mais do que tudo, que vale a pena interferir na rotina e nos rumos desse tal lugar (AMARAL, Ana Lcia. Texto que pode ser acessado pelo seguinte endereo eletrnico: http://www.esmpu.gov.br/diciona-rio/tiki-index.php?page=Pertencimento, acesso em 17 de setembro de 2008)

    26 A cidade entendida e sentida por meio de seus espaos pblicos, espaos de uso comu-nitrio. No freqent-los limita o contato com o espao aberto de uso comum e com vrios tipos de indivduos. A criana deixa de observar as mudanas que ocorrem no espao pblico e que influem a cidade como um todo. (...) O ambiente prazeroso propicia a socializao, a companhia dos outros sem compromisso algum. Num espao adequado, as crianas se sen-tiro respeitadas enquanto usurias e futuras cidads, e tambm o respeitaro, pois ele o seu espao.( OLIVEIRA, Cludia. O Ambiente Urbano e a Formao da Criana. So Paulo: Aleph, 2004, p. 70).

    27 (OLIVEIRA, Cludia. Entrevista concedida Mnica Herculano, jornalista do portal do GIFE - Grupo de Institutos Fundaes e Empresas, que pode ser acessado pelo seguinte endereo eletrnico: http://www.gife.org.br/redegifeonline_noticias.php?codigo=849&tamanhodetela=3&tipo=ie, acesso em: 17 set. 2008).

    28 FERNANDES, Edsio. Op. Cit.29 Conforme ensina Jos Nilo de Castro, a cidade e o cidado tm uma integrao sensvel e

    sentida. A cidade reage medida da provocao do cidado pela fora de seus princpios informadores, que so os da centralidade e a diversidade. Informa a cidade o princpio da centralidade, porque a cidade o centro de tudo, centro administrativo, cento poltico. Cen-tro religioso, centro econmico-financeiro, centro cultural. H seguramente a uma fora cen-trpeta irresistvel. A informa a cidade est o princpio da diversidade, porque nela se situa e se desenvolve pluralidade e raas e de etnias, de profisses e de religies, de culturas e de trocas de informaes. So duas foras as entranhas da cidade, a centralidade e a diversida-de (CASTRO, Jos Nilo. Direito Municipal Positivo, 6. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006).

    30 O Artigo 29, XII, da Constituio Federal, estabelece que seja princpio bsico, a ser inserido na Lei Orgnica do Municpio, a cooperao das associaes representativas no planejamen-to municipal.

    31 Professora Titular e Presidente da Comisso de Pesquisa da Faculdade de Arquitetura e Ur-banismo da Universidade de So Paulo.

    32 (MARICATO, Erminia Terezinha Menon. Entrevista concedida Revista aU, que pode ser acessado pelo seguinte endereo eletrnico: http://www.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/156/imprime44395.asp, acesso em: 30 jan. 2009)

    33 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil: Sucesses. So Paulo: Atlas, 2003. p.115.34 PERLInGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introduo ao Direito Civil-Constitucional.

    Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 0135 Segundo Gustavo Tepedino, o Cdigo Civil perde, assim, definitivamente, o seu papel de

    Constituio do direito privado. Os textos constitucionais, paulatinamente, definem princ-pios relacionados a temas antes reservados exclusivamente ao Cdigo Civil e ao imprio da vontade: a funo social da propriedade, os limites da atividade econmica, a organizao da famlia, matrias tpicas do direito privado, passam a integrar uma nova ordem pblica cons-titucional (TEPEDINO, Gustavo. Premissas Metodolgicas para a Constitucionalizao do Direito Civil, in Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 7.

    36 Neste sentido, destacam-se os ensinamentos de Heloisa Helena Barbosa, que ensina qual o novo fundamento da famlia no mundo contemporneo: Qual a funo atual da famlia?

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    BEnEDICTO DE VASCOnCELLOS LunA GOnALVES PATRO

    Se certo que ela a base da sociedade, qual o papel que ela cumpre desempenhar, j que no tem mais funes precipuamente religiosa, econmica ou poltica como outrora. Qual a base que se deve dar comunidade familiar para que alcance a to almejada estabilidade, tornando-a duradoura ? Devemos reunir todas essa funes ou simplesmente considerar o seu verdadeiro e talvez nico fundamento: a comunho de afetos ?. (BARBOzA, H. H. G. Novas Tendncias do Direito de Famlia, in Revista da Faculdade de Direito, v. 2. Rio de Janei-ro: uERJ, 1994, p. 232).

    37 A solidariedade social reconhecida como objetivo fundamental da Repblica Federativa do Brasil, exposta no art. 3, inciso I, da CF/88, no sentido de buscar a construo de uma sociedade livre, justa e solidria. Por razes bvias, esse princpio acaba repercutindo nas relaes familiares, j que a solidariedade deve existir nos relacionamentos intersubjetivos. Por isso, acolho, com reservas, as palavras de Maria Berenice Dias, ao ensinar que, ao gerar deveres recprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que so assegurados constitucionalmente ao cidado, pois basta atentar que, em se tratando de crianas e adolescentes, atribudo primeiro famlia, depois sociedade e finalmente ao Estado (art. 227 da CF/88) o dever de garantir, com absoluta prioridade, os direitos inerentes aos cidados em formao (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famlias, 3a ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006). No obstante o posterior alerta da autora, no sentido de que o Estado assegurar a assistncia famlia na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violncia no mbito de suas relaes (art. 226, 8, da CF/88), importante destacar que, em se tratando de con-vivncia comunitria, cabe ao Estado, em especial ao Municpio, ser o principal responsvel pelo planejamento e execuo de poltica pblicas para o ordenamento urbano, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, objetivando ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, nos termos impostos pelo artigo 182 da Constituio Federal.

    Artigo recebido em: 20/08/2009Aprovado para publicao em: 17/12/2009

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    Uma leitura das organizaes criminosas, a partir da legislao de emergncia

    UMA LEITURA DAS ORGANIZAES CRIMINOSAS, A PARTIR DA LEGISLAO DE

    EMERGNCIA

    Emlio de Oliveira e Silva

    Felipe Daniel Amorim Machado**

    RESUMOO fenmeno da globalizao provocou sensveis modificaes no m-bito poltico, econmico, social e cultural em todo o mundo. Tais trans-formaes repercutiram no crime organizado que desenvolveu mtodos mais eficientes e seguros na prtica de infraes penais, o que o tornou um dos grandes desafios a ser enfrentado pelo Estado na atualidade. Nesse contexto, uma das grandes tendncias de tratamento jurdico s organizaes criminosas a sua criminalizao. O presente trabalho visa analisar o conceito de crime organizado, abordando sua origem como tpica de uma legislao de emergncia, alm de criticar o despreparo do direito brasileiro para lidar com bens jurdicos metaindividuais, como o caso do bem jurdico atacado pelas organizaes criminosas.

    Palavras-chave: Globalizao. Organizaes criminosas. Crime organi-zado. Legislao de emergncia.

    Mestrando Direito Processual (PUC Minas); Especialista em Cincias Penais (IEC/PUC Mi-; Especialista em Cincias Penais (IEC/PUC Mi- Especialista em Cincias Penais (IEC/PUC Mi-nas); Delegado de Polcia Civil (MG).

    ** Mestrando em Direito (UFMG); Especialista em Cincias Penais (IEC/PUC Minas); Fundador e atual Diretor-Presidente do Instituto de Hermenutica Jurdica (IHJ); Estagirio de Docncia em Direito Penal (UFMG); Professor Substituto de Processo Penal (UFOP); Advogado (OAB/MG).

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    EMLIO DE OLIVEIRA E SILVA / FELIPE DAnIEL AMORIM MACHADO

    ABSTRACTThe phenomenon of globalization has caused sensitive changes in the political, economic, social and cultural development worldwide. These changes had an impact on organized crime that has developed more efficient and safe methods in the practice of criminal offenses, which became one of the major challenges being faced by the State today. In this context, one of the major trends in legal treatment of criminal or-ganizations is its criminalization. This study aims to examine the con-cept of organized crime by addressing its origin as a typical emergency legislation, while criticizing the lack of knowledge of Brazilian law to deal with metaindividual rights such as the legal attacked by criminal organizations.

    Key-words: Globalization. Criminal organizations. Organized crime. Emergency legislation.

    APORTES INICIAIS

    O progresso da sociedade contempornea, impulsionado pela globalizao, que rompeu as fronteiras dos pases no s a mercan-cias, mas tambm a pessoas e informaes, experimenta novas mo-dalidades de criminalidade que ultrapassam as fronteiras dos Estados nacionais1. A lavagem de dinheiro, o narcotrfico, a ameaa terrorista e o trfico de pessoas, crianas e rgos compem uma criminalida-de que surgiu nas legislaes a partir da segunda metade do sc. XX, intensificando-se na ltima dcada desse mesmo sculo e ganhando ainda mais fora no incio do sc. XXI em um movimento denominado de expanso do Direito Penal2.

    Esse novo tipo de criminalidade impraticvel sem o empre-go de redes logsticas e de comunicao, o que configura sofisticadas estruturas organizacionais3. Logo, em termos de globalizao, alguns desses grupos dirigidos ao crime organizado possuem um poder maior que os prprios Estados, ou ento escapam ao seu controle poltico-jurdico, safando-se, em consequncia, da persecuo e punio por seus delitos4.

    Face a ineficincia da persecuo estatal diante das organizaes

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    Uma leitura das organizaes criminosas, a partir da legislao de emergncia

    criminosas, aumentou o sentimento de impunidade e medo da socieda-de, o que gerou perverso, rejeio e segregao em face daqueles que eventualmente cometeram este determinado tipo conduta. A fim de sanar o problema dessa emergncia penal, o Estado passou a utilizar-se de medidas excepcionais no intuito de dar uma resposta firme aos an-seios punitivos do corpo social. Tais aes geralmente se caracterizam pelo endurecimento da legislao penal, traduzida na criminalizao de um maior nmero de condutas e no desproporcional aumento das penas, alm da majorao dos poderes policialescos de investigao e na mitigao de garantias e direitos fundamentais do cidado. Essas medidas extraordinrias compem uma corrente que cresce a largos passos no discurso jurdico-poltico criminal contemporneo denomi-nada Direito Penal do inimigo (Feindstrafrecht).

    Nesse contexto, um dos grandes desafios do Direito Penal o tra-tamento jurdico desse dito crime organizado. A tipificao penal dessas organizaes criminosas surge como uma das principais propostas para a preveno e combate dessa modalidade criminosa5. No obstante, essa criminalizao encontra srias objees no Estado Democrtico de Direito, especialmente quando se discute os limites de um Direito Penal do fato.

    O presente trabalho visa analisar o crime organizado, abordando as principais questes referentes tipificao penal das organizaes criminosas. Para tanto, contextualiza-se o crime organizado dentro de uma nova ordem mundial, marcada pela globalizao, para ento explicar a crescente inclinao poltico-criminal de emergncia para o enfrentamento daquele tipo de criminalidade.

    CRIME ORGANIZADO NA NOVA ORDEM MUNDIAL

    A GLOBALIZAO

    Aps a Segunda Guerra Mundial, o mundo passou por diversas transformaes provocadas pelo incio e fim da Guerra fria, pela queda do muro de Berlim, alm da expanso do capitalismo e sua respectiva influncia sobre a abertura dos mercados mundiais.

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    EMLIO DE OLIVEIRA E SILVA / FELIPE DAnIEL AMORIM MACHADO

    A onda expansionista do ocidente sobre o oriente na busca por novos mercados, com o estmulo cada vez maior pelo consumo, requereu uma nova formatao do prprio mercado, com a radicalizao de suas pr-prias estruturas, o chamado neo-capitalismo, necessitando, por sua vez, da flexibilizao das barreiras, com vistas a facilitar a transio de mer-cadorias, capitais e pessoas.6

    Assim, sob o argumento de que esse rompimento de barreiras seria necessrio ao desenvolvimento econmico e social das naes, principalmente daquelas subdesenvolvidas, surge o movimento de (des)integrao mundial chamado de globalizao.

    O conceito de globalizao tambm tormentoso, recebendo conceitos diferentes a partir do referencial terico de quem o define. Leonardo Boff 7, por exemplo, v a globalizao como um fenmeno eminentemente econmico-financeiro que modificou as relaes entre pessoas e afetou diretamente o planeta. Para o autor, a globalizao marcada por uma economia de mercado que transformou tudo em mercadoria em funo do ganho e que criou uma sociedade de merca-do e no uma sociedade com mercado.

    Por sua vez, Barbosa8 afirma que a globalizao se caracteriza pela expanso dos fluxos de informaes em todos os pases e setores (indivduos, empresas e movimentos sociais), pela celeridade das tran-saes econmicas nacionais e internacionais e pela crescente difuso de valores polticos e morais em escala universal.

    O liame de todas as conceituaes de globalizao pode ser iden-tificado no desenvolvimento econmico e tecnolgico. De fato, o de-senvolvimento tecnolgico dos meios de comunicao, por exemplo, encurtou distncias e permitiu que acontecimentos do outro lado do planeta fossem acompanhados em tempo real pela televiso, compu-tadores ou mesmo pelo celular. O surgimento da prpria internet abriu novos mercados e propiciou a criao de uma enorme rede de infor-maes, trazendo impactos polticos e culturais em todo o mundo. As empresas no tm mais razes nos seus pases de origem: adquiriram mobilidade suficiente para instalarem-se em novas regies, conforme a estabilidade econmica, o custo de produo e o mercado consumidor. H uma acentuada tendncia de fuses e aquisies de grandes socie-dades empresariais.

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    Uma leitura das organizaes criminosas, a partir da legislao de emergncia

    Com a globalizao, houve uma redistribuio de poderes den-tro de uma nova hierarquia global9. No que toca ao Estado, este foi diretamente afetado na sua soberania, muitas vezes relativizada com a criao de mercados econmicos transnacionais, tratados e convenes internacionais. Em verdade, as maiores beneficirias da globalizao foram/so, de fato, as empresas privadas, eis que das 100 (cem) maio-res economias mundiais, 51 (cinquenta e uma) so empresas multina-cionais e 49 (quarenta e nove) so Estados nacionais10.

    Zygmunt Bauman adverte sobre a crescente dominao do Esta-do pelo mercado financeiro, que vem atualmente pautando as polticas estatais, defendendo que:

    Devido total e inexorvel disseminao das regras de livre mercado e, sobretudo, ao livre movimento do capital e das finanas, a economia progressivamente isentada do controle poltico; com efeito, o signifi-cado primordial do termo economia o de rea no poltica. O que quer que restou da poltica, espera-se, deve ser tratado pelo Estado, como nos bons velhos tempos mas o Estado no deve tocar em coisa alguma relacionada vida econmica: qualquer tentativa nesse sentido enfrentaria imediata e furiosa punio dos mercados mundiais. A im-potncia econmica do Estado seria ento mais uma vez flagrantemen-te exposta pra horror da equipe governante.11

    Este o cenrio atual: o significado mais profundo transmitido pela ideia da globalizao o do carter indeterminado, indisciplina-do e de autopropulso dos assuntos mundiais (...). A globalizao a nova desordem mundial12 que leva ao recuo da poltica e falncia dos grandes sistemas de sentido13

    CRIME ORGANIZADO NO CONTEXTO GLOBALIZADO: O BEM JURDICO METAINDIVIDUAL

    Acompanhando o desenvolvimento das estruturas sociais, a cri-minalidade, como produto dessas mesmas sociedades, no fugiu sua lgica, modificando suas estruturas e formas de atuao para adequ-las a esta nova realidade. Logo, as antigas ferramentas utilizadas pelo Estado no seu combate passaram a no surtir mais efeitos.

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    Nesse quadro, as organizaes criminosas surgem como uma nova preocupao social que abala o modelo de represso e preveno criminalidade tradicional. Aponta-se que tal fato se deve globa-lizao que desregulamenta mercados, flexibilizando suas barreiras, internacionaliza a economia e provoca um progresso vertiginoso da informtica e da comunicao. Callegari14 afirma que a criminalidade organizada a da globalizao, caracterizando-a como um novo fen-meno cujas origens se devem expanso internacional da atividade econmica e a abertura ou globalizao dos mercados.

    No contexto globalizado, o crime organizado busca maiores ga-nhos com mnimos riscos, de modo que seu modus operandis prioriza o emprego de mtodos sofisticados no empreendimento delitivo, dei-xando, em segundo plano, o uso da fora e violncia15. De fato, a sofis-ticao das organizaes criminosas as transformou em um dos neg-cios mais lucrativos do planeta. Estudos das Organizaes das Naes Unidas (ONU) apontam que o narcotrfico aufere por ano cerca de US$ 400 bilhes em todo o mundo, o que equivale a 8% do comrcio internacional e mais do que todas as exportaes de ferro e ao, da indstria automobilstica ou da txtil16. Outro dado significativo que revela a dimenso das cifras movimentadas pelo crime organizado o de que a mfia italiana teria cooptado a ilha caribenha de Aruba com recursos provindos do trfico de drogas praticado nos Estados Unidos da Amrica na dcada de 198017.

    O sucesso dessa atividade delituosa exige estruturas financeiras que permitam movimentar grandes quantias de valores sem a detec-o dos rgos estatais de fiscalizao. Da porque o Conselho de Con-trole de Atividades Financeiras18 defende que as atenes para as or-ganizaes criminosas devem se voltar para o seu aspecto financeiro. Neste contexto, o Grupo de Egmont19 analisou 100 (cem) casos tpicos de lavagem de dinheiro. Divididas em categorias, constatou-se que os principais mtodos praticados pelo crime organizado na formalizao de capitais podem ser classificados da seguinte forma: (i) ocultao de recursos oriundos de atividade delitiva dentro de sociedades empres-rias; (ii) utilizao indevida de empresas legtimas; (iii) uso sistemtico de documentos falsos e de nomes de terceiros (testas-de-ferro/laran-jas); (iv) uso de ativos ao portador; (v) uso eficaz de intercmbio de informaes da rea de inteligncia.

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    Contudo, para alm da lavagem de capitais, o crime organizado vem se valendo da infiltrao de seus membros dentro de rgos es-tatais20. Essa penetrao no mbito do prprio Estado, segundo Go-mes21, poderia ser praticada atravs de duas maneiras. A primeira uma forma indireta de conexo que se divide em: (1.i) financiamento de campanhas polticas que visa instaurar um sistema de reciprocida-de no qual a oferta de recursos financeiros eleitorais retorne atravs de apoio s atividades das organizaes criminosas; (1.ii) corrupo que se d atravs do pagamento em dinheiro de suborno ou propina, para a obteno de atos favorveis, por parte de funcionrios pblicos, e que so estranhos ao seu dever legal. A segunda seria a chamada de formas diretas de conexo, que podem ser classificadas em trs22: (2.i) Insero direta de componentes da organizao criminosa na es-trutura do Estado, a fim de aproximar as esferas pblica e privada, ob-tendo, assim, conhecimentos das operaes administrativas, alm de criar e fortalecer contatos e relaes com autoridades pblicas para o favorecimento de empresas privadas. (2.ii) Uso de intermedirios, sen-do que este no integraria a estrutura estatal, agindo com neutralidade e aparentemente dentro da legalidade. Geralmente um profissional especfico da rea na qual se passa a operao que formalizar o capital ilcito, intervindo no Estado em prol do crime organizado. (2.iii) For-mao da organizao criminosa dentro do Poder Pblico23.

    Outra reflexo que merece destaque a de Ral Cervini24 para quem as organizaes criminosas mantm estratgias criminais flex-veis, atendendo a uma concepo geocntrica. Assim, suas ramifica-es ou clulas operacionais se dividem em distintas regies, inclusive fora do pas, estando aptas a responder, prontamente, s exigncias mercadolgicas territoriais.

    Diante da complexidade de sua organizao, bem como da lucra-tividade de suas aes, percebe-se que o crime organizado foca sua ao em bens jurdicos que transcendem ao indivduo singular, bem como a um Estado visto isoladamente. Assim, na formalizao (lavagem) do capital, fruto de suas atividades ilcitas, acaba-se por atacar sistemas econmicos, ou seja, infringe um bem jurdico metaindividual. Logo, o crime organizado, principalmente quando age sobre a delinquncia eco-nmica, investe-se contra um bem jurdico metaindividual, qual seja, a ordem socioeconmica do Estado. Nesse sentido, aduz Callegari

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    quando se defrauda a previdncia, o Fisco, etc., o Estado se fragiliza e passa a no prestar um bom servio. evidente que tais conseqncias tm repercusso na vida e na integridade fsica das pessoas, porm, no de maneira direta como na comisso da maioria dos delitos tradicionais em que a repercusso aparece, normalmente, em seguida.25

    Portanto, fcil a percepo de que o modo de agir das quadri-lhas ou bandos, figuras tpicas previstas no art. 288 do Cdigo Penal brasileiro, foram superadas por complexas atividades criminosas que, no raro, atuam internacionalmente. Contudo, no Brasil, ainda preva-lece uma legislao penal voltada tutela de bens jurdicos interindi-viduais, logo, sem uma construo dogmtica consistente na tutela de direitos supra-individuais26.

    Registre-se, por fim, que seja pelas tcnicas empregadas, seja pelos meios de que dispem ou pelos imensos danos visveis ou no que causam27 as atividades praticadas pelo crime organizado poten-cializaram os danos sociais, violando, sistematicamente, bens jurdicos individuais, coletivos e difusos. Por todos esses motivos, o crime orga-nizado se tornou um dos principais focos de insegurana na socieda-de28. Trata-se de um problema real e em expanso, cujos estudos ainda trilham os passos iniciais na explicao do fenmeno.

    BREVE PANORAMA SOBRE DIFERENTES TIPOS DE CRIMINALIDADE

    Conciliar eficincia com respeito s garantias fundamentais a finalidade e o desafio do sistema penal. Logo, a fim de alcanar tal objetivo, dever-se-ia franquear ao Estado a adoo de medidas ex-cepcionais de restrio a direitos individuais em relao ao crime or-ganizado cuja aplicao deveria, obrigatoriamente, obedecer s ga-rantias fundamentais constitucionais do indivduo29. Com base nesse pensamento, Scarance30 prope que a criminalidade seja dividida em trs grupos: (i) criminalidade leve ou de bagatela; (ii) criminalidade comum; (iii) criminalidade grave ou organizada.

    A criminalidade de bagatela estaria ligada s infraes penais leves. Tendo em vista o baixo potencial ofensivo da criminalidade de

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    bagatela, so feitas algumas propostas para a resoluo deste proble-ma no mbito do direito penal e processual penal, tais como: (i) evitar a instaurao do processo, aumentando-se o rol dos crimes dependen-tes de representao ou prevendo-se a transao penal; (ii) impedir a imposio de pena, mediante a suspenso do processo sob condi-es durante certo perodo e, decorrido o prazo sem revogao, pela consequente extino de punibilidade; (iii) evitar a imposio de pena privativa de liberdade com a aplicao de penas restritivas de direitos ou pecunirias; (iv) possibilitar ao condenado o no cumprimento em crcere da pena privativa de liberdade, suspendendo-a ou admitindo o seu cumprimento em domiclio ou em albergue31.

    De outro lado, surge a criminalidade comum, cujo tratamento feito pelo sistema penal e processual penal tradicional, com ampla garantia s partes, com regime progressivo de pena, com priso pro-cessual excepcional32.

    Por fim, Scarance Fernandes33 ressalta que o tipo de criminalida-de mais problemtico tanto para o legislador quanto para a doutrina tem sido a criminalidade grave ou organizada que, por sua vez, pode ser dividida em trs espcies, sendo elas: (i) a criminalidade grave, vio-lenta e no organizada, dirigida a bens individuais como, por exemplo, o homicdio, o roubo, o estupro; (ii) a criminalidade grave, violenta ou no, no organizada, que atinge grupos de pessoas ou a coletividade como, por exemplo, o envenenamento da gua potvel, o induzimento ao suicdio coletivo, os golpes financeiros; (iii) a criminalidade orga-nizada, cujas caractersticas no foram ainda bem definidas e que se manifesta no mundo por meio de modelos mafiosos, de entorpecentes, por grupos dedicados ao trfico internacional de armas, de mulheres, de crianas, de animais, dentre outros.

    A classificao da criminalidade, a partir da gravidade da leso ou do perigo de leso a bens jurdicos, revela-se legtima, pois a prpria CRFB/1988, ao assegurar proteo ao indivduo, tambm determinou que algumas espcies de crimes fossem tratados de forma mais gra-vosa, tal como ocorre com a tortura, o trfico ilcito de entorpecentes, drogas e afins, o terrorismo, os crimes hediondos, o racismo e as aes de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democr-tico (art. 5, XLII, XLIII e XLIV, todos da CFRF/88). O que necessrio

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    salientar, entretanto, que esse tipo de classificao no pode servir de fundamento para suprimir direitos e garantias fundamentais que no foram excepcionadas pelo legislador constituinte.

    Em outra perspectiva, Hassemer34 ressalta a necessidade da dis-tino que deve ser feita entre a criminalidade de massa e a organi-zada35. Isso porque o discurso poltico ventilado pela mdia induz a populao a crer que, atualmente, os grandes investimentos em sede de segurana pblica so destinados ao combate do crime organizado. Isso, do ponto de vista poltico-criminal, pode ser um erro, na medida em que o sentimento de insegurana da populao est mais relaciona-do criminalidade de massas do que ao crime organizado.

    Quanto aos crimes de colarinho branco (white-collar crime), atri-buem-se ao socilogo Edwin Sutherland as primeiras pesquisas sobre tais tipos de delitos. Segundo Baratta36, os estudos de Sutherland de-monstravam um ndice elevadssimo de infraes relacionadas eco-nomia e ao comrcio praticadas por pessoas de prestgio pessoal que, entretanto, no eram contabilizados nas estatsticas oficiais, constituin-do-se uma cifra negra da criminalidade.

    Os crimes de colarinho branco so vinculados queles cometidos por pessoas de elevado status social no desempenho de alguma ativi-dade ou profisso37. A referida expresso aplica-se aos delitos come-tidos contra a economia, ordem tributria e financeira, bem como s infraes penais relacionadas atividade empresarial, todas elas for-temente marcadas pela impunidade, que implicam, ao lado do dano econmico, um dano de maior gravidade, imposto s relaes sociais, pela gerao de perda de confiana e produo de desorganizao so-cial em grande proporo38/39.

    John Scheb e John Scheb II, citados por Ana Luiza Almeida Ferro40, defendem que a distino entre os crimes de colarinho branco e o crime organizado est na questo da mistura ou no entre atividades lcitas ou ilcitas e no emprego ou no de ameaas ou violncia para a conse-cuo do fim pretendido. Se fato que nem todo crime de colarinho branco praticado por uma organizao criminosa, a assertiva contrria tambm verdadeira. No entanto, a diferena entre esses dois fenme-nos vem atenuando-se. A estruturao do crime organizado o obrigou,

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    em maior ou menor escala, a enveredar-se para o mundo dos negcios empresariais, bem como para as negociatas polticas, sem as quais difi-cilmente teria sucesso na consecuo de seus objetivos.

    Da mesma forma que o crime organizado, o conceito de terroris-mo difcil de extrair-se, uma vez que ele dado pelos governos que tem interesse em persegui-lo, especialmente em dadas fases histricas, mais em bases polticas do que jurdicas41. Mario Daniel Montoya42 re-lata que nos ltimos tempos houve uma aproximao entre terroristas e organizaes criminosas, o que resultou numa simbiose bem sucedi-da. Por exemplo, os grupos terroristas aprenderam a lavar dinheiro e a fazer contrabando de produtos requeridos pelo mercado. Por sua vez, o crime aprendeu a funcionar com um sistema de clulas para aumentar a segurana de suas operaes43.

    O terrorismo se distingue das demais formas de criminalidade porque seus atos tm duas principais finalidades: (i) chamar a aten-o da populao (e da comunidade internacional) atravs de atos violentos; (ii) provocar mudanas polticas favorveis aos seus pon-tos de vista44. Todavia, alerta Ana Luiza Almeida Ferro45 que o cri-me organizado tambm pode se valer de atos violentos para atingir seus objetivos. Assim, a nota que distingue as organizaes criminosas das organizaes terroristas o seu carter notadamente ideolgico e subversivo do status quo, por intermdio de atos marcados pela ttica do terror46/47.

    Outra distino importante aquela que diz respeito ao crime organizado e mfia. A propsito, impossvel pensar na mfia e no se lembrar da Itlia, na regio da Siclia (localizada no sul da Itlia), bero da Cosa nostra, Camorra, nDranghetta e Sacra Corona Santa: as maiores e mais importantes organizaes criminosas italianas48. A sua formao, modelo de constituio e o sucesso nos seus empreendimen-tos serviram de inspirao para outras organizaes criminosas, moti-vo pelo qual se limitar anlise da mfia italiana, o que permite uma compreenso geral do modelo mafioso de organizao criminosa.

    Atribui-se o surgimento da mfia aos senhores feudais e prnci-pes habitantes da Siclia, Calbria, Campnia, Pglia e Basilicata que discordavam da ingerncia do rei de Npoles naquela regio no incio

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    do sculo XIX. A gradativa reduo de poderes dos senhores feudais do sul da Itlia fez com que eles recorressem contratao de homens de honra e estabelecessem sociedades secretas as mfias para resistirem investida real49.

    Posteriormente, j nas ltimas dcadas do sculo XIX, poca na qual a Itlia passava pelo processo de unificao, as mfias foram cha-madas a atuar contra o invasor estrangeiro piemonts, o que gerou um forte apelo popular por suas atividades. A partir dali, as mfias passaram a ser vistas como uma instituio patritica50

    Segundo51, at a dcada de 80 do sc. XX, pouco se sabia sobre a Cosa nostra, o que a tornava misteriosa e indecifrvel. Isso se devia forma de organizao da mfia que dificultava a ao estatal repressi-va. Note-se que a linha de investigao contra as mfias concentrava-se nos autores materiais de cada delito, principalmente naqueles delitos de maior repercusso52. Assim, na melhor das hipteses, aqueles que se conseguia individualizar e submeter justia eram os executores materiais dos crimes, jamais os chefes e/ou os mandantes, que conti-nuavam a desfrutar da impunidade absoluta53. Ao lado disso, acres-cente-se a imposio da omert (lei do silncio) s pessoas que tinham conhecimento de algum fato praticado pela mfia.

    A mfia uma organizao criminosa que se distingue das de-mais em razo de alguns valores que lhe so peculiares, tais como: (i) sentido de famlia; (ii) honra; (iii) cultura da morte; (iv) relao com o Estado e com o poder; (v) mito fundante; (vi) uso da violncia; (vii) estrutura e organizao54. Dentre esses fatores, o que chama ateno no modelo clssico de mfia o cultivo honra. Importante era que o mafioso fosse um homem de honra. Na maioria das vezes ele deveria passar por um rgido processo de seleo no qual se pudesse atestar sua confiabilidade e lealdade ao grupo.

    Com os avanos alcanados pelos meios de comunicao e as novas relaes de mercado surgidas a partir da segunda metade do sculo passado, as mfias tiveram que se adequar a essa realidade e reorganizar suas estruturas e tticas de ao, ainda que para isso tivessem que sacrificar parte de alguns valores do passado. Na Cosa nostra o ingresso no mercado de drogas a fez rever sua logstica de

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    abastecimento e distribuio de produtos ilegais, o que provocou a expanso de suas fronteiras para outros pases e a levou a uma aproxi-mao com outras organizaes criminosas. O sucesso obtido com esse novo negcio levou a mfia a um notvel enriquecimento. As vultosas disponibilidades de capital passaram a ser empregadas no mercado fi-nanceiro e bancrio, criando um novo perfil de mfia empreendedora55. A nova realidade experimentada pelos mafiosos foi decisiva para o abandono de parte de seus valores tradicionais. A ordem econmica global levou a mfia a desenvolver novas estruturas voltadas econo-mia capitalista e empresarial as quais nem sempre so compatveis com o modelo mafioso clssico no qual o culto honra era proeminente.

    CRIME ORGANIZADO: UMA CRISE CONCEITUAL

    A primeira dificuldade em compreender o crime organizado consiste em buscar uma terminologia tecnicamente adequada que identifique e caracterize o fenmeno. No h, de fato, uma nomencla-tura unvoca e universal sobre o tema. Ferro56 faz um apanhado das expresses empregadas pela doutrina nacional e estrangeira usadas como sinnimo da chamada organizao criminosa, sendo elas:

    associao criminosa, associao criminosa mafiosa, associao ma-fiosa, associao de modelo mafioso, associao criminosa de mode-lo mafioso, associao de tipo mafioso, associao organizada, asso-ciao ilcita, associao ilcita organizada, associao delinquencial especial, associao deliquencial complexa, organizao criminal, organizao de criminosos, organizao do crime organizado, orga-nizao criminosa de tipo mafioso, organizao criminosa de modelo mafioso, organizao mafiosa, organizao deliquencial, organiza-o delitiva, organizao delituosa, grupo organizado, grupo do crime organizado, grupo organizado criminoso, grupo criminoso or-ganizado, grupo criminoso de origem mafiosa, grupo delituoso or-ganizado, sodalcio criminal, bando criminoso, empresa criminosa, multinacional criminosa, multinacional do crime organizado, sindi-cato criminoso, sindicato do crime, e entidade do crime organizado

    Muitas vezes essas terminologias so empregadas sem nenhum rigor tcnico. Isso se agrava quando expresses como organizaes criminosas e crime organizado so utilizadas como sinnimas de

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    aes delituosas praticadas por gangues, bandos ou quadrilhas que nada ou pouco tm a ver com a criminalidade organizada strito sensu.

    Na lngua inglesa, h preferncia pela nomenclatura organized crime, conquanto, no vernculo francs, opta-se, preponderantemente, pela expresso criminalit organise57. No Brasil, os termos mais utili-zados so crime organizado, organizao criminosa e criminali-dade organizada. Fernando Salla58, citando Fontanaud, diz que esta ltima expresso tem uma vantagem em relao s demais, uma vez que crime se refere em lngua latina esfera dos comportamentos in-dividuais, reportando-se ideia de um conjunto heterogneo de cri-mes (cometidos ou sancionados) que ao mesmo tempo esto inseridos nos processos de confrontao social entre os mecanismos de controle e os atores delinquentes.

    No entanto, h autores que criticam o emprego da expresso criminalidade organizada, j que esta se refere, no campo sociolgi-co, a um conjunto de crimes. , portanto, nomenclatura genrica que engloba tanto o crime organizado por natureza quanto o crime or-ganizado por extenso59.

    Antnio de Moraes Pitombo60 defende o uso da terminologia organizao criminosa. Primeiro porque expressa melhor a distin-o entre as meras associaes de pessoas para a prtica de crimes e a constituio de uma organizao na qual h uma noo bem defi-nida de cooperao e hierarquia entre os indivduos que a compem. Por fim, a palavra organizao ressalta a diferena entre organi-zao criminosa e associaes e sociedades do direito privado61. Por sua vez, Ferro62 revela sua preferncia pelas expresses organizao criminosa e crime organizado, eis que nelas se faz aluso a um dos elementos essenciais compreenso do fenmeno, isto , o carter de sofisticao estrutural, de certa complexidade na sua constituio, enfim, a sua organizao63.

    A complexidade do fenmeno, contudo, no se atm questo terminolgica. Jorge de Figueiredo Dias64, por exemplo, assinala que as organizaes criminosas podem ser encaradas sob vrios aspectos, dentre eles os scio-filosficos, scio-econmicos, histrico-culturais, poltico-internacionais, poltico-criminais, criminolgicos, ou, pura e

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    Uma leitura das organizaes criminosas, a partir da legislao de emergncia

    simplesmente, polticos. De fato, muitas so as perspectivas a serem empregadas no conceito de crime organizado. Nota-se que a diversida-de de definies sobre o tema provm dos diversos pontos de vista de encarar um mesmo fenmeno. Assim que, conforme a referncia que se adote seja ela poltica, social, econmica ou cultural , o conceito do crime organizado ir cambiar o seu sentido e, no raramente, poder traduzir definies imprecisas, lacnicas ou mesmo contraditrias.

    Nesse sentido, perceba-se que enquanto Hassemer65 encara a criminalidade organizada como um fenmeno novo e excepcional, Juarez Cirino dos Santos66 visualiza no crime organizado um antigo discurso do poder contra inimigos internos com diferentes denomi-naes, como indicam situaes histricas conhecidas. Sheila Jorge Selim de Sales67 aponta que grande parte dos estudos sociolgicos es-tigmatizam o crime organizado de forma extremamente seletiva, dei-xando de abordar, por exemplo, a macrocriminalidade econmica, em regra praticada nos corredores do poder econmico e do poder poltico. Na mesma linha de raciocnio, Fernando Salla68 denuncia a manipulao poltica da expresso crime organizado. No Brasil, ela vem adquirindo contornos poltico-criminais de identificao com as cama-das pobres da populao em detrimento das organizaes criminosas de estruturao empresarial e poltica. A macrocriminalidade econ-mica, portanto, no recebe a pecha de crime organizado, mas sim a de mfia: mfia dos fiscais (1999), mfia dos combustveis (2005), mfia das sanguessugas (2006)69.

    Portanto, percebe-se que a dificuldade para se definir o crime or-ganizado ocorre porque mais que um problema criminal, a organizao criminosa um fenmeno sociolgico, poltico e econmico que se mo-difica conforme o contexto histrico e cultural de uma sociedade70.

    Zaffaroni, citado por Salim71, critica as tentativas em se conceitu-ar o crime organizado, j que a diversidade de fenmenos delituosos abarcados pela expresso crime organizado, omnicompreensiva de fatos que se pretende reduzir ad unum, na verdade, falsa e tem sido o maior obstculo para que se possa categoriz-la no mbito cientfico. Dentro desta lgica, Cirino dos Santos72 defende a impossibilidade de comprovar-se a existncia do crime organizado, uma vez que con-ceitos sem validade cientfica no podem ser demonstrados. Logo, a

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    depender do ponto de vista que se utilize, chegaremos a um conceito de crime organizado destinado a atender as premissas sociolgicas, polticas, histricas ou culturais que o elaboraram.

    Por fim, merece relevo a tentativa de conceituao do crime or-ganizado presente na Conveno de Palermo73, especificamente em seu art. 274. Numa decomposio da Conveno possvel concluir que um grupo organizado diz respeito a um grupo estvel e estruturado, integrado por, ao menos, trs indivduos, que aja com intuito de come-ter um ou mais crimes graves (de penas maior ou igual a quatro anos), objetivando a obteno de vantagens econmicas ou materiais.

    Parte dos membros da Organizao das Naes Unidas (ONU) tinha que o conceito de crime organizado ou organizao criminosa no era o elemento chave da conveno, no existindo, portanto, a necessi-dade em defini-lo. Outro grupo de pases defendia que, diante da inces-sante mutao, eventual conceituao do crime organizado seria ineficaz em pouco tempo. Contudo, outros membros reafirmaram a necessidade de se conceituar a expresso crime organizado, pois eventual ausncia de tal conceito poderia demonstrar um dito descaso da prpria ONU junto comunidade internacional, eis que vrios Estados j estavam a tentar, no sem problemas, definir o conceito de crime organizado.

    Diante deste impasse, os representantes que se faziam presen-tes na Conveno anuram em identificar as caractersticas nsitas ao crime organizado como forma de melhor conceitu-lo. Os elementos apontados, includos em algumas formas de organizao, seriam: a continuidade; o uso da intimidao e violncia; a sua estrutura hierr-quica, com diviso de trabalho; o objetivo visando o lucro; e por fim, a sua influncia na sociedade, na mdia e nas estruturas polticas75.

    O conceito de crime organizado utilizado nos tribunais ptrios tem se pautado na Conveno de Palermo, conforme orienta o Supe-rior Tribunal de Justia em um de seus julgados cuja ementa abaixo se transcreve.

    ORGANIZAO CRIMINOSA. DESCAMINHO. LAVAGEM. DI-NHEIRO. Trata-se de paciente denunciada em decorrncia de operao policial a qual investigava as atividades de sociedades empresrias pertencentes

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    ao mesmo grupo empresarial, como incursa nos arts. 288 e 334 do CP c/c art. 1, V e VII, da Lei n. 9.613/1998, em continuidade delitiva. Na impetrao, busca-se o trancamento parcial da ao penal quanto acusao de lavagem de dinheiro (art. 1, VII, da Lei n. 9.613/1998) e em relao acusao por formao de quadrilha (art. 288 do CP). Alega haver inpcia da pea vestibular no que diz respeito ao crime previsto no art. 288 do CP, sustentando que no existe conceito legal da expresso organizao criminosa. Para o Min. Relator, o tranca-mento da ao penal em habeas corpus medida excepcional e a tese da impetrao no merece prosperar. Explica que a expresso or-ganizao criminosa ficou estabelecida no ordenamento jurdico brasileiro com o Dec. n. 5.015/2004, o qual promulgou a Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Con-veno de Palermo, que, no art. 2, a, definiu tal conceito), aprovado pelo Dec. Legislativo n. 231/2003. Segundo o Min. Relator, a defini-o jurdica de organizao criminosa no se submete ao princpio da taxatividade como entende a impetrao, pois o ncleo do tipo penal previsto na norma ocultar ou dissimular a natureza, origem, loca-lizao, disposio, movimentao ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime, sendo a expresso organizao criminosa um complemento normativo do tipo, tratando-se, no caso, de uma norma penal em branco heterloga ou em sentido estrito, que independe de complementao por meio de lei formal. Assevera que entender o contrrio, de acordo com a tese defendida pelos impetrantes, seria no admitir a existncia de nor-mas penais em branco em nosso ordenamento jurdico, situao que implicaria o completo esvaziamento de inmeros tipos penais. Tam-bm destaca que a Recomendao n. 3/2006 do Conselho Nacional de Justia (CNJ) prope a adoo do conceito de crime organizado estabelecido na Conveno de Palermo, bem como a jurisprudncia do STF e do STJ no diverge desse entendimento. Por fim, ressalta que no procedem as alegaes de inpcia da inicial, pois a denn-cia aponta fatos que, em tese, configuram o crime de formao de quadrilha para prtica de crimes de lavagem de dinheiro e contra a Administrao Pblica, bem como que somente o detalhamento das provas na instruo criminal esclarecer se houve e qual foi a participao da paciente nos delitos imputados pelo Parquet. Dian-te do exposto, a Turma denegou a ordem. Precedentes citados do STF: RHC 102.046-SP, DJe 10/11/2010; HC 100.637-BA, DJe 24/6/2010; HC 91.516-PI, DJe 4/12/2008; do STJ: APn 460-RO, DJ 25/6/2007; HC 77.771-SP, DJe 22/9/2009; HC 63.716-SP, DJ 17/12/2007; HC 89.696-SP, DJe 23/8/2010; HC 89.472-PR, DJe 3/8/2009, e HC 102.292-SP, DJe 22/9/2008.76

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    EMLIO DE OLIVEIRA E SILVA / FELIPE DAnIEL AMORIM MACHADO

    POLTICA CRIMINAL DA EMERGNCIA E CRTICAS TIPIFICAO PENAL DA ORGANIZAO CRIMINOSA

    Nas sociedades globalizadas surgiram incertezas e preocupaes que, no raras vezes, criam o ambiente adequado para que a ignorn-cia de parte da populao e a demagogia do legislador reclamem pela interveno emergencial do Direito Penal para solucionar os novos problemas de segurana pblica.

    Essa emergncia penal77 no possui limites temporais e geogr-ficos, fugindo dos padres tradicionais de tratamento pelo sistema repressivo, constituindo um subsistema de derrogao dos cnones culturais empregados na normalidade

    Num certo sentido a criminologia contempornea d guarida a esse subsistema, colocando-o na escala mais elevada de gravidade crimi-nosa a justificar a adoo de mecanismos excepcionais a combat-la, embora sempre defenda o modelo de estado democrtico e de direito como limite mximo da atividade legiferante nessa seara. Basicamen-te, no caso ptrio, os graus de criminalidade so definidos na prpria Constituio de 1998, onde se encontram as infraes penais de me-nor potencial ofensivo e os crimes hediondos, restando entre eles a criminalidade normal. No entanto, a dissonncia de valores entre eles impede a consolidao da cultura democrtica do texto maior na prtica jurdica a justificar a indagao sobre quando o due process of law no embarao ao sistema repressivo, na medida em que suas regras, no direito brasileiro, so derrogadas em ambas extremidades da represso penal e, a muito custo, observadas no quotidiano dessa mesma Justia.78

    A presena do subsistema da emergncia se revela na tomada de medidas extraordinrias que mitigam garantias fundamentais do cidado, em prol de uma resposta imediata que combata a crescen-te criminalidade. Estas medidas de exceo so, de fato, responsveis pelo retrocesso dos ordenamentos jurdicos que, mesmo numa roupa-gem moderna, se voltam aos velhos esquemas substanciais prprios da tradio penal pr-moderna, bem como na recepo pela atividade judiciria de tcnicas inquisitivas e de mtodos de interveno que so tpicos da atividade de polcia79. Ademais, a emergncia penal se legi-

  • 191Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitria, n. 6, p. 173-208, jun./dez. 2009

    Uma leitura das organizaes criminosas, a partir da legislao de emergncia

    tima a partir de uma argumentao poltica do Estado, desrespeitando, por sua vez, todas as garantias polticas e jurdicas dos cidados, con-forme defendido tambm por Ferrajoli, quando afirma que

    A fonte de le