O desenvolvimento da indústria do design corporal, nos últimos … · Concluiu-se que com o...
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Miguel André Pereira Jardim de Andrade
O desenvolvimento da indústria do design corporal,
nos últimos 50 anos, em Portugal
Dissertação de Mestrado em Sociologia, sob orientação do Professor Doutor Carlos Fortuna,
apresentada à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Coimbra, 2015
Miguel André Pereira Jardim de Andrade
O desenvolvimento da indústria do
design corporal, nos últimos 50 anos, em
Portugal
Dissertação de Mestrado em Sociologia, apresentada à Faculdade de Economia
da Universidade de Coimbra para obtenção do grau de Mestre
Fotos da capa e da abertura dos capítulos: fotos do autor
Orientador: Prof. Doutor Carlos Fortuna
Coimbra, 2015
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Aos meus pais, avós e irmão
ii
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Agradecimentos
Quero agradecer, em primeiro lugar, ao meu orientador, Professor Doutor Carlos
Fortuna, por me ter colocado as questões certas para que eu pudesse subir sempre mais um
degrau, com maior ou menor dificuldade, no caminho percorrido durante a realização desta
dissertação. Agradeço também a sua disponibilidade, paciência e sabedoria, sem elas não
teria ultrapassado os momentos mais difíceis deste percurso.
Quero agradecer a todos/as aqueles/as que, de uma forma ou de outra, passaram pela
minha vida e contribuíram para a formação do meu caráter e personalidade.
Aproveito este momento para agradecer também à minha família, pois sem ela todo
o meu percurso teria sido diferente.
À Dra. Clara Abrantes, pela força, coragem e tranquilidade que sempre me conseguiu
transmitir. À Professora Eduarda, pela enorme ajuda no percurso realizado ao longo da mi-
nha licenciatura, sem ele não teria os conhecimentos necessários para a realização desta dis-
sertação.
Não posso deixar de agradecer ao David Dinis. Pela tua grande amizade e por todos
os momentos que vivemos, ao longo da vida académica, nesta cidade. Obrigado por teres
estado sempre presente, ao lado do “meu canto” em cada batalha travada no “ring” da vida.
Por fim, tenho de agradecer à Inês Ferreira, por todo o carinho, paciência e amor que
me proporcionaste ao longo destes últimos anos. Foste também uma pessoa fulcral para a
realização de toda dissertação.
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Resumo
A par de uma crescente preocupação com os cuidados do corpo, por parte dos indi-
víduos, na sociedade atual tem vindo a registar-se o desenvolvimento de mercados em torno
da modulação corporal, estética, saúde e bem-estar físico.
Atendendo às consequências que as mudanças políticas, económicas e culturais ocor-
ridas em Portugal, nos últimos cinquenta anos, ocasionaram na conceção e na forma de uti-
lização do corpo por parte dos indivíduos, procurou-se analisar nesta dissertação o desen-
volvimento da indústria do design corporal em contexto nacional. A seleção das unidades de
observação que sustentam a parte empírica deste trabalho passou pelos anúncios publicitá-
rios da indústria do design corporal divulgados nas edições da revista Flama (1964) e da
revista Visão (2014).
A partir da informação recolhida procedeu-se a uma análise da ocorrência de anún-
cios publicitários, atendendo a três esferas da indústria do design corporal –bem-parecer,
bem-estar e bem-fazer – , para dois momentos, ano de 1964 e 2014. Procedeu-se ainda neste
trabalho à análise da frequência dos anúncios publicitários da indústria do design corporal
nas edições publicadas nas revistas e períodos selecionados para análise. Verificou-se um
aumento de produtos, bens e serviços dedicados aos cuidados com a aparência e estética do
homem na revista Visão em 2014, constatando-se assim uma diminuição da dissimetria entre
homens e mulheres existente na revista Flama em 1964.
Concluiu-se que com o desenvolvimento da indústria do design corporal é cada vez
mais difícil distinguir as suas esferas e os efeitos promovidos pelos seus produtos, bens e
serviços. A atual multifuncionalidade, diversidade e complementaridade dos produtos bens
e serviços premeiam assim o cruzamento dos objetivos e efeitos das esferas da indústria do
design corporal, tornando-a cada vez mais híbrida. Confirma-se ainda que a indústria do
design corporal se molda ao contexto da sociedade, cultura e público consumidor.
Palavras-chave: Indústria do design corporal; Corpo; Publicidade; Imprensa escrita;
vi
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Abstract
Alongside a growing concern with body care by individuals in present day society,
there has been a development of markets around the body change, aesthetics, health and
physical well-being.
Bearing in mind the effects that the political, economic and cultural changes occurred
in Portugal in the last fifty years, had on the conception and way of using the body by indi-
viduals, this this thesis seeks to analyse the development of the body design industry within
the national context. The selection of the observation units that support the practical part of
this work relied on the design industry advertisements publicized in the Flama (1964) and
Visão (2014) magazine editions.
From the selected information, an analysis of the occurrence/event of advertisements
was carried out, taking in consideration the three spheres of the body design industry – look-
ing well, well-being and doing well -, during two moments, the year of 1964 and 2014. This
work has also aimed to do to an analysis of the frequency of the body design industry adver-
tisements on these published editions of the magazines and in the selected moments/time/pe-
riods for analysis. An increase in products, goods and services devoted to the care with the
appearance/aspect and aesthetics of Man in the 2014 Visão magazine was observed. This
shows a decrease in the dissymmetry between men and women in the Flama magazine in
1964.
It has been concluded that with the development of the body design industry, it is
more difficult to distinguish its spheres and effects promoted by its products, goods and
services. The current multifunctionality of products, goods and services, diversity and com-
plementarity reward the network of objectives and effects of the body design industry
spheres, making it even more hybrid. It can also be confirmed that the body design industry
moulds itself to the society context, culture and consuming public.
Keywords: Body design industry; Body; Advertising; Written press
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ix
Índice
AGRADECIMENTOS ..................................................................................................... III
RESUMO ............................................................................................................................. V
ABSTRACT ...................................................................................................................... VII
ÍNDICE DE TABELAS .................................................................................................... XI
ÍNDICE DE FIGURAS ................................................................................................... XII
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1
2 ESTADO DAS ARTES ................................................................................................ 5
2.1 O CORPO: UM OBJETO DE ESTUDO RECENTE NA SOCIOLOGIA ................................. 7
2.2 O CORPO NUMA ÉPOCA DE TRANSIÇÃO POLÍTICA EM PORTUGAL ......................... 10
2.3 O CULTO DO CORPO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ......................................... 14
2.4 PUBLICIDADE E DESIGN CORPORAL NOS MEDIA ..................................................... 17
2.4.1 Capitalismo: Um sistema híbrido onde se conjuga e promove a estética e o
design corporal ............................................................................................................ 20
3 METODOLOGIA DA PESQUISA .......................................................................... 25
3.1 OBJETIVOS E HIPÓTESES ......................................................................................... 30
3.1.1 Definição concetual ........................................................................................ 33
3.2 CASOS EMPÍRICOS: DUAS REVISTAS ........................................................................ 35
3.2.1 Revista Flama (1964) ...................................................................................... 36
3.2.2 Revista Visão (2014) ....................................................................................... 37
3.2.3 Análise comparativa da revista Flama e Visão, em termos da ocorrência de
anúncios publicitários alusivos às três esferas da indústria do design corporal ...... 38
3.2.4 Análise comparativa da revista Flama e Visão, em termos da frequência de
ocorrência dos anúncios publicitários da indústria do design corporal ................... 39
3.3 INTERPRETAÇÃO DOS DADOS .................................................................................. 41
4 INDÚSTRIA DO DESIGN CORPORAL: INDÚSTRIA HÍBRIDA E
MOLDÁVEL ...................................................................................................................... 57
5 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 69
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 75
x
ANEXOS ............................................................................................................................. 81
ANEXO I TABELAS DE REGISTO DA FREQUÊNCIA DA OCORRÊNCIA DE ANÚNCIOS
PUBLICITÁRIOS INDÚSTRIAS DO DESIGN CORPORAL ....................................................... 83
ANEXO II TABELAS DE REGISTO DA OCORRÊNCIA DE ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS
ATENDENDO ÀS TRÊS ESFERAS DAS INDÚSTRIAS DO DESIGN CORPORAL ........................ 85
xi
Índice de Tabelas
Tabela 1: As 3 esferas das indústrias de design corporal .................................................... 29
Tabela 2: Análise de ocorrência de anúncios publicitários atendendo às três esferas da
indústria do design corporal. Flama de 1964 (edições 826 a 877) e Visão de 2014 (edições
1087 a 1138). ....................................................................................................................... 38
Tabela 3: Análise comparativa do número total de anúncios publicitários contabilizados, da
indústria do design corporal ................................................................................................. 40
xii
Índice de Figuras
Figura 1: Comparação da análise de frequência de anúncios publicitários das indústrias de
design corporal. Fonte: revista Flama do ano de 1964 (edições 826 a 877) e revista Visão do
ano de 2014 (edições 1087 a 113). ....................................................................................... 40
Figura 2: Flama, edições: 862, 831 e 870. ........................................................................... 42
Figura 3: Fotografia tirada à secção “moda” da revista Flama, edição 867 ......................... 43
Figura 4: Fotografia tirada ao anúncio publicitário “Água de colónia Recuperação”, da
revista Flama. Edição 842. ................................................................................................... 43
Figura 5: Fotografias tiradas aos anúncios da marca "camel active" e “Timberland”,
presentes na revista Visão. Edição, 1134 (Montagem do autor). ......................................... 44
Figura 6: Fotografias tiradas da revista Visão, edição 1135 (Montagem do autor). ............ 45
Figura 7: Anúncio publicitário “Saltratos Rodel”. Flama, edição 836 ................................ 46
Figura 8: Visão. Edição 1108 ............................................................................................... 47
Figura 9: Anúncio publicitário das "Termas de Caldelas". Fotografia tirada à revista Visão,
edição 1125. ......................................................................................................................... 48
Figura 10: Anúncios publicitários com alusão à esfera do bem-fazer. Flama, edições 870 e
876 ........................................................................................................................................ 49
Figura 11: Progressos na eletrónica e robótica. Visão, edição 1088 .................................... 50
Figura 12: Anúncios publicitários alusivos à esfera do bem-fazer. Visão, edições 1109 e 1131
.............................................................................................................................................. 51
Figura 13: Esquema representativo do carácter híbrido da esfera do bem-parecer ............. 53
Figura 14: Esquema representativo do carácter híbrido da esfera do bem-estar ................. 53
Figura 15: Esquema representativo do carácter híbrido da esfera do bem-fazer ................. 54
Figura 16: Anúncio publicitário: "Instituto de Implantologia-Medicina Dentária". Fotografia
tirada à revista Visão, edição 1101 ...................................................................................... 54
Figura 17: Fotografia tirada à montra de uma farmácia, em Coimbra, 2014. ...................... 61
Figura 18: Fotografia tirada em Oliveira do Hospital. (2014) ............................................. 62
Figura 19: Fotografia tirada dentro de um estabelecimento farmacêutico, Coimbra 2014. . 63
Figura 20: Fotografia tirada à montra de um estabelecimento farmacêutico, em Oliveira do
Hospital. (2014) ................................................................................................................... 64
Figura 21: Fotografia tirada em Oliveira do Hospital, 2014. (Centro de medicinas naturais)
.............................................................................................................................................. 65
xiii
Figura 22: Fotografia tirada no centro comercial Dolce Vita. Coimbra, 2014 .................... 66
Figura 23: Loja "O Celeiro". Coimbra 2014 ........................................................................ 66
Figura 24: Fotografia tirada em Oliveira do Hospital, 2014 ................................................ 67
Figura 25: Fotografia tirada em Oliveira do Hospital, 2014. (Nails Designer e Estética) ... 67
xiv
1
1 Introdução
2
Introdução
3
O corpo é um objeto de estudo legítimo da sociologia. É uma parte integrante do sujeito,
da sociedade e é um elemento constituinte do self (Giddens, 1997). O corpo pode ser alvo
de pressões sociais, constrangimentos e modificações, ele é uma construção social e cultural.
As representações da pessoa baseiam-se nas representações do seu corpo (Breton, 2006), daí
que à medida que as representações das pessoas vão obtendo maior significação social, surja
uma maior estimação e consideração com os cuidados do corpo. Desta forma o corpo tem
interesse no âmbito social. Ao longo da história portuguesa, o corpo dos indivíduos foi ex-
plorado de diferentes formas. Em Portugal, durante o Estado Novo, os cuidados com a apa-
rência e saúde física eram uma responsabilidade pública controlada por vários mecanismos
e organizações políticas, como por exemplo a Mocidade Portuguesa e nas escolas de forma
adequar os seus comportamentos os indivíduos eram separados consoante o seu género. Com
a aproximação da queda do Estado Novo, verificou-se uma progressiva autorresponsabiliza-
ção com a saúde e cuidados físicos do corpo. A responsabilidade individual pela saúde e
aparência física foi-se tornando acrescida aos indivíduos, na medida em que o corpo passou
a ser considerado uma “propriedade privada indiscutível” (Bauman, 2007). Esta grande mu-
dança provocou alterações culturais, na medida em que os indivíduos passaram a moldar e
construir individualmente a sua aparência, identidade e saúde física. Provocou também alte-
rações a nível comercial e industrial, uma vez que os indivíduos passaram a procurar bens e
serviços que lhes disponibilizassem formas de se apresentarem consoante os seus gostos,
profissões, ideais de beleza e formas de melhorarem a sua saúde e condição física.
O interesse em perceber a centralidade que os cuidados com o corpo foram tomando ao
longo do tempo na sociedade portuguesa partiu de uma especial atenção para as lógicas de
consumo, em torno da aparência e saúde física dos indivíduos. A sociedade portuguesa tem-
se tornado cada vez mais consumista, e cada vez mais a aparência dos indivíduos é tida em
conta para os seus diversos sucessos pessoais. A sociedade atual é dominada por lógicas de
mercado que, através do desenvolvimento da publicidade e dos meios de comunicação, tem
promovido protótipos de beleza e de corpos ideais. Tendo em conta que a imprensa e a pu-
blicidade atualmente têm um papel importante na nossa sociedade, como veículos de comu-
nicação e consumo social orientadores de representações, considerou-se que seria oportuno
realizar um estudo com base no desenvolvimento da indústria do design corporal e dos seus
anúncios publicitários na imprensa escrita. Para tal, procedeu-se à análise de duas revistas
semanais de épocas distintas, a revista Flama do ano de 1964 e a revista Visão de 2014. A
Introdução
4
escolha da análise destas revistas deve-se ao facto de corresponderem a épocas históricas e
políticas distintas em Portugal. De forma a compreender o impacto histórico, político e social
no desenvolvimento e divulgação dos bens e serviços da indústria do design corporal na
imprensa escrita, salientaram-se as mudanças encontradas de uma época para a outra.
Assim sendo procurou-se perceber o que motivou a contínua evolução do espírito con-
sumista da sociedade atual, interligado a motivações de melhoramento ou modificação da
aparência corporal, e que impactos causaram no mercado atual da indústria do design cor-
poral. Para tal realizou-se também uma recolha fotográfica de alguns estabelecimentos co-
merciais que disponibilizam produtos, bens e serviços atuais da indústria do design corporal.
A abordagem sobre o desenvolvimento da indústria do design corporal, deve-se também
ao interesse pessoal que foi surgindo pelas diferentes formas como as pessoas tentam cons-
truir uma aparência cada vez mais bela, de acordo com os seus ideais de corpo. Por outro
lado, a curiosidade atual em compreender a constante preocupação com o corpo, sua aparên-
cia e rendimento deve-se também à oportunidade que tive, paralelamente a grande parte do
meu percurso académico, de orientar um pequeno grupo de pessoas numa atividade de ma-
nutenção física. O acompanhamento e orientação deste grupo permitiu observar a importân-
cia que os indivíduos conferem à manutenção da aparência e saúde física dos seus corpos.
Desta forma despertou-se o interesse em compreender os fatores que influenciam a vontade
das pessoas em geral, em melhorar a aparência e silhueta física, e quais os produtos bens e
serviços a que recorrem. A proximidade ao tema tornou-se numa vantagem, pois fora do
âmbito de investigação académica, acabava por estar ligado a questões que vieram a se re-
velar importantes para a análise desenvolvida ao longo da dissertação. A convivência com
pessoas que pretendiam melhorar a sua aparência e condição física, ajudou a conhecer alguns
serviços, bens e produtos da indústria do design corporal que antes desconhecia.
5
2 Estado das Artes
6
Estado das Artes
7
2.1 O corpo: um objeto de estudo recente na sociologia
O corpo é um objeto de estudo recente na sociologia. Miguel Vale de Almeida (1996)
diz que o corpo foi estudado sobre várias dimensões, que o compreendem desde uma pers-
petiva psicológica, biológica e espiritual, sendo que esta última está muitas vezes ligada a
crenças religiosas e culturais das sociedades e comunidades onde o individuo se insere. Se-
gundo o autor, tendo em conta a antropologia como uma das primeiras ciências a estudar o
corpo e a sua relação com o mundo:
Quando se fala de corpo em antropologia, é incontornável o legado de Marcel
Mauss, para quem toda a expressão corporal era aprendida, uma afirmação en-
tendível no quadro da sua preocupação em demonstrar a interdependência entre
os domínios físico, psicossocial e social (Almeida 1996, 4).
Para Marcel Mauss o conceito “expressão corporal” representa antes de mais a ges-
tualidade dos corpos, e é de volta desse prisma que o autor veio a desenvolver o conceito
“técnicas do corpo”. Mauss diz: “As técnicas do corpo [são] as formas pelas quais os ho-
mens, sociedade por sociedade, dum modo tradicional sabem servir-se dos seus corpos”
(2009, 3). Nesta obra (“As técnicas do corpo”) é apresentado um estudo sobre as “técnicas
do corpo”, isto é, modos de agir e suas diferenças face ao género dos indivíduos. Mauss
(2009) explica que os hábitos corporais e técnicas do corpo se desenvolvem a par com a
cultura dos indivíduos e da sociedade. Para Le Breton a noção “técnicas do corpo”, desen-
volvida por Mauss, refere-se a gestos que repercutiam práticas simbólicas de determinadas
culturas (Breton 2006, 39). Mauss lançou as bases para uma análise sociológica do corpo
que tornou central a “categoria” de habitus (Houart, 1989), sendo que, Breton (2006) legi-
tima os trabalhos de Mauss como grandes contributos para o avanço significativo nas pes-
quisas realizadas no estudo do corpo.
Por outro lado, Bauman (2007) defende que Turner foi pioneiro e fundador da soci-
ologia do corpo. Segundo Turner: “Em todas as épocas, […] observamos que há «uma po-
tencialidade que é elaborada pela cultura e desenvolvida no interior das relações sociais”
(Turner apud Bauman, 2007: 115). Também Breton (2006) analisa que no interior de uma
comunidade social as manifestações corporais dos seus atores são bastante significativas aos
olhos dos outros. O indivíduo vê o seu corpo como o seu melhor trunfo e sabe que é a partir
dele que são estabelecidos os julgamentos dos outros (Le Breton 2006, 78).
Estado das Artes
8
Desta forma, as investigações realizadas por Mauss, Turner e Breton, explicam a
importância do corpo e do modo como os homens e mulheres se servem dele, no interior de
uma sociedade. Surge deste modo um novo paradigma com o desenrolar do tempo e desen-
volvimento do ser como “ator social”. Torna-se assim possível a origem de novas questões
relacionadas com o corpo e a sua centralidade no meio social e cultural. É nesta perspetiva
que segundo Breton (2006) a sociologia, aplicada ao corpo se dedica à compreensão das
lógicas culturais e sociais, onde os indivíduos e os seus movimentos estão inseridos.
Foucault analisou a forma como os corpos podem ser dominados por mecanismos de
poder, impostos de diversas formas como por exemplo através regimes disciplinares que
ministram as condutas dos indivíduos em terminados espaços ou situações em sociedade.
Foucault diz que a consciência do próprio corpo se adquiriu a partir do momento em que ele
passou a ser alvo de controlo. (Foucault 1979). Segundo Foucault:
a ginástica, os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do
belo corpo… tudo isto conduz ao desejo do próprio corpo através de um trabalho
insistente, obstinado, meticuloso, que o poder exerceu sobre o corpo […] Mas a
partir do momento em que o poder produziu este efeito, como consequência direta
de suas conquistas, emerge inevitavelmente a reivindicação de seu próprio corpo
contra o poder, a saúde contra a economia, o prazer contra as normas morais da
sexualidade, do casamento, do pudor. (Foucault 1979, 146)
Desta forma Foucault (1979) demonstrou que o poder que os indivíduos têm sobre
os seus corpos foi-se fortalecendo como base reivindicativa do poder que a sociedade através
dos seus mecanismos de poder exerce sobre os mesmos. Se por um lado os mecanismos de
poder e a sociedade foram produzindo “corpos dóceis”, por outro os indivíduos sentiram-se
cada vez mais soberanos dos seus próprios corpos e de os poderem disciplinar, moldar e
usufruir. Segundo Goffman a sociedade espera que o indivíduo tenha um completo e infin-
dável controlo sobre o seu corpo. (Goffman apud Giddens 1997). Inicia-se então uma fase
de análise, mais recente, na qual o corpo passa a ser considerado como um meio físico do
ser humano para se relacionar com o mundo. Daí que Giddens (1997) afirma o corpo como
um modo prático de lidar com acontecimentos externos e situações quotidianas. Assim se
forma uma perspetiva que tem por base o interesse em compreender qual o papel dos corpos
nas relações sociais e nas vidas dos seus donos. Daí que para Breton, o indivíduo se insere
no espaço social e cultural através do seu corpo. A aprendizagem das modalidades corporais,
Estado das Artes
9
não se limita à infância e continua pela vida fora, ela adapta-se consoante as modificações
sociais e culturais que são impostas aos diferentes estilos de vida (Breton 2006, 9). Segundo
o autor o grande marco da Sociologia do corpo “foi a consideração de que o homem não é
produto do corpo, mas produz ele mesmo as qualidades do corpo na interação com os ou-
tros”, verificando assim que o corpo e a forma como os indivíduos o usufruem é socialmente
construído (ibid. 2006, 18).
Segundo W. Arthur Frank “a sociologia tem aproveitado os discursos fornecidos do
resto da academia, onde consta a centralidade do corpo” (Frank 1991, 37)1, Breton, confirma
também que a “sociologia aplicada ao corpo” traça uma temática transversal das ciências
sociais, e cruza permanentemente outros campos epistemológicos (história, etnologia, psi-
cologia, psicanálise, biologia, medicina, etc.)” (2006, 92). Para Frank, os corpos são cons-
truídos atendendo a ideais culturais, segundo o autor corpo e sociedade estão envolvidos
complexamente (Frank 1991, 46). Nas palavras de Breton, “qualquer relação com o corpo é
o efeito de construção social [e a] Sociologia do corpo é a Sociologia do enraizamento físico
do ator no universo social e cultural” (Breton 2006, 93-94). Este autor refere ainda que “é
somente nos últimos trinta anos que a sociologia aplicada ao corpo torna-se uma tarefa sis-
temática e que alguns pesquisadores consagraram-lhe parte significativa de sua atenção”
(Breton 2006, 12). Desta forma confirma-se que o estudo do corpo é atual e recente na soci-
ologia, por isso mesmo Ferreira (2009) refere nos seus trabalhos a “recente sociologia do
corpo” (Ferreira 2009, 4).
1 Tradução livre, no original: “sociology must join the rest of academic discourse in affording centrality to the
body” (Frank 1991, 37).
Estado das Artes
10
2.2 O corpo numa época de transição política em Portugal
Em Portugal durante o Estado Novo, o corpo era visto como um objeto alvo do con-
trolo político. Atendendo a Ferreira (2011), verificou-se que o Estado Novo:
muniu-se de um conjunto de instituições e mecanismos de controlo, vigilância e
socialização dos corpos. […] O alvo privilegiado foi o corpo dos mais jovens […]
organizações para a «formação integral da juventude»: atribuindo diferentes es-
tatutos e missões físicas aos corpos masculinos e femininos (2011, 244).
A existência da Organização da Mocidade Portuguesa e da Mocidade Portuguesa Fe-
minina são exemplos de organizações em que o controlo político exercido pelo Estado Novo
vigiava e ministrava as condutas dos indivíduos. Nesta época o corpo era visto como a ima-
gem do sistema político, por isso convinha ao regime que a imagem do corpo se apresentasse
saudável e robusto (Ferreira 2011). Num país dominado por uma ideologia nacionalista, fo-
mentava-se o orgulho em corpos robustos, higiénicos e produtivos. A falta de higiene e de
robustez física condicionavam a saúde física e produtividade no trabalho. Desta forma pode-
se verificar que durante a ditadura ocorreu um forte empenho e responsabilização do Estado
face à saúde e bem-estar físico dos seus cidadãos. Várias medidas implementadas pelo Es-
tado Novo comprovam a preocupação e intenção de sensibilizar o povo para os cuidados
higiénicos e alimentares, tendo como objetivo minimizar as despesas Estatais nos cuidados
médicos (ibid.). Segundo Ferreira:
A cultura física do Estado Novo associava-se ainda a interesses de ordem econó-
mica e higiénica, visando a promoção da saúde pública e a melhoria das condi-
ções de salubridade dos portugueses. Com o incremento da actividade física, sus-
tentava Celestino Marques Pereira em 1941, pretendia-se um “melhor rendi-
mento” do “trabalho útil” dos corpos e, por essa via, a diminuição das verbas
orçamentais para a saúde pública (ibid., 249).
Atendendo ao conceito de “corpo produtor”, segundo Bauman é o corpo predominante
das sociedades modernas, em que a sua função é essencialmente produtiva, no âmbito do
trabalho e industrial (ibid., 2007). Era este “tipo de corpo”, um corpo “produtivo” era o que
vigorava no Estado Novo, em Portugal.
Estado das Artes
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No entanto, com o evoluir da economia mundial, com o surgimento das sociedades
pós-modernas e com o desenvolvimento capitalista, verificou-se uma progressiva passagem
da responsabilidade estatal, no que toca à saúde pública, para uma responsabilidade acres-
cida aos cidadãos individualmente, ou seja, “incutindo-se no indivíduo a ideia que se deve
responsabilizar por si próprio, que deve cuidar de si próprio, enfim que se deve autogover-
nar” (Lemke, 2001 apud Pereira 2006, 120). Este foi um grande progresso, como referem
Bauman (2007) e Lipovetsky (2014), para a origem de uma cultura do tipo “faça você
mesmo”. Segundo Lipovetsky (2014) este fenómeno deve-se a uma mentalidade intrínseca
na lógica de uma responsabilização individual, para a obtenção do sucesso e objetivos dos
indivíduos.
Bauman faz uma análise da progressiva desresponsabilização estatal no que toca às
condições de vida. É através da incursão do pensamento “faça você mesmo” que o autor
menciona: “O corpo é hoje uma propriedade privada indiscutível, e compete ao seu proprie-
tário cultivá-lo” (Bauman 2007, 124).
Atendendo a Rui Gomes, Manuel Silva e Robert Malina, verifica-se que os “movi-
mentos confluentes que pretendem promover a saúde expressam também a alteração das
políticas públicas quanto à regulação dos corpos e da atividade física” (Gomes, Silva e Ma-
lina 2004, 1). É nesta perspetiva que os sujeitos contemporâneos são agora responsáveis por
fazer do seu corpo o projeto da sua vida, no espaço “mercadorizado” do consumo (ibid.).
Segundo Bauman (2006), nas sociedades capitalistas, o Estado e o capital transformam
os problemas sociais em problemas de solução individual, com o intuito de estimular o con-
sumo por parte dos indivíduos. Neste âmbito, o autor descreve as sociedades consumistas e
mercantilistas, onde o ser humano é visto como um ser consumidor que procura obter uma
constante rotatividade e substituição dos bens. Para Bauman (2001) nestas sociedades, onde
o poder económico se torna um meio necessário para a satisfação dos indivíduos, o ator
social torna-se dependente do capital. É nestas sociedades pós-modernas que, predomina o
“corpo consumidor” (Bauman, 2007). Segundo o autor:
[atualmente] “Os corpos são antes e acima de tudo, corpos que consomem, e a
adequação da sua condição é medida pela sua capacidade de consumirem o que
a sociedade de consumo tem para oferecer. O corpo pós-moderno é, em primeiro
Estado das Artes
12
lugar e sobretudo, um receptor de sensações […] instrumento de prazer” (ibid.,
122)
Bauman (2001) refere que as sociedades pós-modernas são sociedades organizadas em
torno do consumo, envolvendo os seus membros primeiramente na sua condição de consu-
midores em vez de produtores. A condição de consumidores desenvolve o ato de comprar
numa compulsão que vai evoluindo até se tornar um vício. É com base nesta mesma linha
de raciocínio que segundo Fortuna (2002), quase todas as “experiências sociais de con-
sumo”, são verdadeiras fontes de prazer para os indivíduos. Na sua obra, desenvolve o con-
ceito de “compra-prazer”, relacionando assim a vontade de adquirir determinado bem, como
sendo também uma ação dominada pela emoção que o poder de compra cria nos indivíduos.
A vida organizada em torno do consumo é motivada por desejos cada vez maiores. O
“vício de comprar” é incentivado pelos próprios mercados e suas indústrias (Bauman, 2001).
Bauman menciona: “O código em que a nossa “política de vida” está escrito deriva da prag-
mática do comprar” (2001, 87). Desta forma, verifica-se que o ato de comprar na sociedade
contemporânea tem grande importância tanto na vida social dos indivíduos como na sua
construção pessoal. Daí que segundo, Giddens (1997) o consumo é uma qualidade alienada
à vida social moderna, uma vez que ele se apresenta como sendo uma solução para quase
tudo. Ser bonito, atraente ou popular é possível “através do consumo dos tipos “certos” de
bens e serviços” (Giddens 1997, 159).
Baudrillard (2009, 78) define o consumo como sendo um sistema que assegura e or-
dena a integração do grupo e que constitui simultaneamente um sistema de valores ideoló-
gicos e de comunicação. Atendendo à lógica evolutiva do consumo, Breton (2006, 84), ana-
lisa que o corpo se tornou um imperativo das práticas de consumo, aumentando o hedonismo
e o jogo de distinção, entre os indivíduos. É com base na construção de valores ideológicos
e de comunicação, através do ato de consumir, que Bauman (2001) identifica a sociedade
pós-moderna como uma sociedade capitalista e que por consequência, é assim uma “socie-
dade consumista”. Na “sociedade consumista”, saúde e aptidão são vistos como sinónimos,
no entanto para este autor isso é um erro, pois nem todos os regimes de aptidão são saudáveis.
Segundo o autor: “Ser saudável significa na maioria dos casos ser empregável” (ibid., 91).
Boltanski, no seu artigo “Os usos sociais do corpo”, constata que as classes populares têm
uma relação instrumental com o corpo e que nestes casos a doença é vista como um entrave
Estado das Artes
13
à atividade física necessária na maioria das suas profissões (L. Boltanski apud Le Breton
2006, 82). Desta forma verifica-se a alienação dos indivíduos à sua condição de produtores,
(Braudillard,2009).
Aptidão para Bauman (2001, 92) significa: “estar pronto a enfrentar o não-usual, o
não-rotineiro, o extraordinário e acima de tudo o novo e surpreendente”. Atendendo ao con-
ceito de “sociedade de risco”2, desenvolvido por Beck (2011), faz sentido procurar aptidão
para enfrentar o surpreendente que pode surgir nas “sociedades líquidas”, que segundo Bau-
man (2001), são sociedades imprevisíveis e voláteis. Atendendo à imprevisibilidade, Breton
(2006) diz que se tem verificado uma “perda de legitimidade dos referenciais de sentido e
de valores, […] numa sociedade onde tudo se torna provisório, desestabiliza o panorama
social e cultural” (Le Breton 2006, 88).
Tendo em conta este panorama, Giddens (1997) verifica que a modernidade alterou as
relações e mecanismos de confiança dos indivíduos, tornando a sociedade num ambiente de
risco. O autor analisa que nas sociedades modernas existe uma progressiva preocupação com
o “desenvolvimento corporal em relação a uma “cultura do risco”, [tornando-se assim,
numa] parte intrínseca do comportamento social moderno” (1997, 163). Relativamente ao
sentimento de medo presente nas sociedades contemporâneas, Lipovetsky (2014) explica
que o “neoliberalismo gera sucessivas crises financeiras e económicas, ao mesmo tempo que
insegurança permanente, stress, ansiedade e depressão, […] aumentando assim as ansieda-
des e doenças do “homem pressionado” (Lipovetsky 2014, 464). Atendendo a esta instabili-
dade natural nas sociedades contemporâneas hipermodernas, o autor refere que atualmente
se verifica uma crescente preocupação com a saúde, acompanhada também por um desen-
volvimento comercial nessa área, uma vez que estamos perante um “crescimento de um mo-
delo preventivo e sanitário, guiado pelo medo” (Lipovetsky 2014, 456).
2 Ver mais em: Beck, U. (2011). Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Editora 34
Estado das Artes
14
2.3 O culto do corpo na sociedade contemporânea
Giddens (1997, 159) caracteriza a sociedade consumista, pós-moderna, como uma “so-
ciedade dominada pelas aparências”. Nesta sociedade sobrestima-se a “aparência acima do
ser, os aspectos relacionados com o físico são engrandecidos. Esta é uma constante da cha-
mada civilização da imagem, imperante na actualidade” (Nieta 2000, 26). É também na so-
ciedade pós-moderna, que Braudillard (2009) denomina de “sociedade de consumo”, que o
culto do corpo toma proporções cada vez maiores e mais influentes na vida dos indivíduos.
O culto do corpo é realizado através do cuidado com a aparência, dieta, entre outros aspetos.
Trata-se, assim, de uma qualidade comum, que faz parte do estilo de vida das pessoas nas
sociedades contemporâneas (Giddens, 1997). Na sociedade atual e na cultura do consumidor
o corpo é proclamado como um veículo de prazer (Featherstone 1991) em que os indivíduos
tentam aproximar o seu corpo real ao corpo ideal, o qual é veiculado pelas imagens dos
media, imprensa e indústrias, cinematográficas e do design corporal.
Segundo Lipovetsky (2014), a sociedade contemporânea promove uma “ditadura da
beleza”, onde os indivíduos são cada vez mais possuídos pela obsessão de melhorarem cons-
tantemente a sua aparência. Regista-se um mercado crescente de produtos de beleza, sendo
cada vez mais numerosos os produtos cosméticos disponíveis, assim como os institutos e
serviços de beleza. Segundo Breton (2006), a moda, os cosméticos e as práticas desportivas,
entre outras, formam uma imensidão de produtos desejados, que vendem a promessa de al-
cançar um corpo de sonho. Lipovetsky (2014) constata assim que o corpo nunca esteve tão
submetido a normas imperativas e homogéneas em todos os momentos da vida como na
sociedade atual: “A época da moda contemporânea já não é a da sofisticação do parecer, mas
[sim] das restrições nutricionais, das atividades físicas e de manutenção” (ibid., 425). Nesse
sentido, a sociedade atual tem reproduzido uma “cultura da perfeição” assente na busca do
corpo “absolutamente em forma” que se torna inseparável da ansiedade causada pela perfei-
ção inalcançável (Bauman 2007). Constata-se que o corpo é “moldável”, pelo que nunca
atinge um estado finito. O autor refere que “a plena forma do corpo não é um fim que possa
ser alcançado, e não há momento previsível em que possamos dizer com convicção […]
consegui” (ibid., 123). O “projeto corpo” torna-se assim protagonista de diversos medos,
ansiedades e desânimos, uma vez que há uma constante frustração por jamais ser dado por
concluído (ibid.):
Estado das Artes
15
Quanto mais resplandecente o ideal de beleza, mais a sua falta é vivida como um
drama pessoal. Quanto mais meios estéticos temos à nossa disposição, mais se
aguça a consciência das nossas «imperfeições» (Lipovetsky 2014, 417)
Desta forma, tanto Bauman como Lipovestky identificam na construção do “projeto
corpo” diversas inseguranças e medos, causadas pela maior consciencialização dos indiví-
duos face aos seus corpos e do quão distantes ainda estão dos cânones de beleza que procu-
ram atingir. É esta consciencialização ou “auto-reflexividade” que nos dá um maior conhe-
cimento das nossas imperfeições (Lipovetsky, 2014).
De acordo com Machado Pais, o corpo é cultivado, trabalhado e cuidado, também com
o intuito da reflexividade que ele causa face à expectativa dos outros indivíduos, o que torna
“a aparência é um elemento fundamental do “projecto reflexivo do eu” (Pais 2010, 100).
Lipovetsky (2014) considera que a sociedade pós-moderna tem desenvolvido um
“capitalismo estético”, direcionado cada vez mais para a importância da imagem, criando
assim uma evolução contínua de um espírito consumista, interligado a motivações de cons-
trução da aparência corporal. Refere que estamos perante uma “ditadura da beleza” que ca-
minha em direção à exigência de um “modelo social de corpo jovem, esbelto e firme” (ibid.,
405). Este autor utiliza a expressão “o culto contemporâneo da beleza” como forma de enun-
ciar a atual responsabilização individual em relação aos cuidados com a beleza e manutenção
física (ibid.).
O culto do corpo, presente nas sociedades pós-modernas, tem vindo a desenvolver uma
personalidade narcisista. É nesta medida que “o corpo é um alter ego, uma reconquista de si,
para os indivíduos” (Breton 2006, 87). Atendendo a Lipovetsky, o narcisismo é a versão
moderna do individualismo (Lipovetsky apud Breton 2006, 85). No entanto, o narcisismo
não deve ser confundido com a ideia de “auto-admiração”, pois consiste numa procura cons-
tante da “auto-identidade” (Sennett apud Giddens, 1997). Para Giddens (1997) o individuo
narcisista necessita de uma contínua auto-admiração e aprovação, para conseguir reforçar a
sua autoestima. Pois como se confirma em Lipovetsky (2014) e Bauman (2007), o “culto do
corpo”, que constrói uma personalidade narcisista mediada por uma “ditadura da beleza”, é
responsável por diversas inseguranças e ansiedades que derivam do receio de não conseguir
alcançar o corpo ou beleza ideal. É nesta ótica que Lipovetsky (2014) fala na ansiedade
gerada “no indivíduo narcísico hipermoderno” (ibid., 425). O autor analisa como este culto
cria nos indivíduos uma constante sensação de insatisfação e de imperfeição. Segundo o
autor:
Estado das Artes
16
Superconsumo de produtos estéticos que tem como contrapartida um culto inqui-
eto, obsessivo, sempre insatisfeito com o corpo, marcado pelo desejo anti-idade,
anti-peso, por um trabalho interminável de vigilância, de prevenção, de correção
de si mesmo. (Lipovetsky 2014, 405)
O corpo é assim um “projeto” inacabado, objeto dos mais variados modelos de cons-
trução, modelação, composição e modificação. Numa sociedade onde a imagem faz parte do
dia-a-dia dos indivíduos, onde se propaga o culto de beleza e onde se reinventam constante-
mente diversos produtos e serviços para modificar a aparência, o sujeito consumidor está
sempre um passo atrás das inovações comerciais. O constante esforço para se manter atual e
de acordo com os cânones de beleza provoca a instabilidade e profunda insatisfação nos
indivíduos.
Atualmente verifica-se também a extrema importância da preocupação com o que o
reflexo da nossa imagem pode causar aos outros indivíduos e no meio social. Por isso as
“qualidades do homem são deduzidas da feição do rosto ou das formas do corpo. Ele é per-
cebido como a evidente emanação moral da aparência” (Le Breton 2006, 17). Para o autor,
a dimensão do corpo está para além da sua natureza física, ele faz parte de uma elaboração
social e cultural.
A sociedade pós-moderna incentiva e motiva a origem de um “corpo estético”. Ela
cultiva nos indivíduos a responsabilização por se tornarem belos. Este é um “modelo de
beleza diretiva” e imposta de fora. Essa imposição verifica-se pelos impactos que a socie-
dade consumista e capitalista causam na cultura dos indivíduos (Lipovetksy, 2014). Na so-
ciedade hipermoderna, é impossível falar do “culto do corpo” sem ter em conta o consumidor
contemporâneo. O consumidor contemporâneo é um consumidor que dá cada vez mais im-
portância ao design, à estética e à aparência de tudo. Segundo o autor tem-se verificado um
impulso social e individual dos desejos e comportamentos estéticos, surgindo daí uma grande
preocupação com a beleza do corpo e do rosto. Pode-se constatar que são cada vez mais os
meios e produtos destinados a aumentar a beleza da aparência corporal, tanto por parte de
indivíduos jovens como indivíduos de idades mais avançadas (Lipovetsky 2014).
Estado das Artes
17
2.4 Publicidade e design corporal nos media
Até à Idade Média a publicidade era veiculada maioritariamente via oral, ficando a
cargo dos comerciantes. Com o desenvolvimento da imprensa mecânica e da utilização do
papel nesse contexto foram-se registando importantes progressos ao nível dos meios de co-
municação (Lampreia, 1983). Apenas quando passou a ser vista como um fator estimulante
dos consumidores, a publicidade começou a ser encarada do ponto de vista do consumidor e
não do anunciante. Com o desenrolar da era industrial, e consequentemente com a necessi-
dade de aumentar o consumo dos bens produzidos, foram-se aperfeiçoando várias técnicas
publicitárias com o intuito de criar maior persuasão nas mensagens transmitidas, abando-
nando o mero carácter informativo de que se serviu. Atualmente, com o aumento da concor-
rência comercial desenvolveu-se uma forma de comunicação publicitária mais agressiva,
sobretudo nos meios de comunicação (ibid.). Lipovetsky (2014) salienta como a sexualiza-
ção e o corpo feminino traduziram uma maior agressividade da comunicação presente nos
discursos publicitários. Teresa Monteiro e Verónica Policarpo (2011) verificam que no pe-
ríodo pós 25 de Abril, aspetos relacionados com o corpo, sexualidade e intimidade, passaram
a ser expostos nos media, tornando públicos momentos íntimos, que outrora eram conside-
rados tabu: “os media fazem recuar as fronteiras do privado, tornando público o que antes
não era” (Monteiro e Policarpo 2011, 308). Este facto também ajudou à predominância do
“corpo” nas imagens e discursos veiculados nos meios de comunicação, o que elucida o facto
do quotidiano estar repleto de imagens, discursos, publicidade e media que exprimem e re-
conduzem os papéis estéticos dos corpos.
Atendendo à análise das autoras, a relação entre os media e a vida privada dos portu-
gueses contribuiu decisivamente para o desenvolvimento de uma cultura de consumo (ibid.).
Verifica-se atualmente que a publicidade é um dos elementos imprescindíveis para o funci-
onamento da sociedade de consumo. A publicidade não só vende o produto, como também
vende o sonho e a promessa dos desejos associados à sua aquisição, daí que, segundo Lipo-
vetsky (2014), a publicidade esteja ligada à emergência das primeiras formas do capitalismo
de consumo. Também por este motivo o autor define a publicidade como sendo um instru-
mento comercial com o objetivo de fazer vender. É nas sociedades de consumo que os corpos
humanos são “construídos” e usados com base em ideologias capitalistas, muitas vezes sem
terem opção de escolha (Featherstone et al. 1991). Viver numa cultura de consumo torna-se
Estado das Artes
18
condição natural para as pessoas “construírem”, moldarem, estetizarem e embelezarem os
seus corpos com base nas ideologias consumistas e estéticas, sobretudo através de novas
indústrias que têm surgido para esses efeitos. Essas “novas indústrias” estão dependentes
dos media e da publicidade. Indústria, media e publicidade estabelecem assim uma relação
de cumplicidade, já que necessitam uns dos outros para sobreviver. Portanto, atualmente não
se pode falar de publicidade sem estar subentendido que, consequentemente, se está a abor-
dar a indústria e os media. Aliás, sem os media a publicidade nunca teria tido a extraordinária
ascensão que teve (Balle 2003).
Os principais veículos de informação que promoveram os cânones modernos de beleza fo-
ram o cinema, a imprensa, a publicidade e a fotografia (Lipovetsky 2014, 403). Hoje, os
media transmitem, à escala planetária, o modelo estético de corpo belo. Atendendo à impor-
tância da fotografia e da imagem nos discursos publicitários, Goffman (1999) analisou como
estas podem situar a realidade temporal, valores, modas e até culturas de determinada soci-
edade. No seu estudo, o autor verifica como nas fotografias publicitárias predominavam ide-
ais machistas e patriarcais. Concluiu, desta forma, que através das fotografias se pode veri-
ficar como a publicidade pode retratar a cultura social, através de imagens concretas. O que
se refere ao trabalho dos publicitários o autor diz que estes escolhem “quase sempre tipos
positivos aprovados por todos […] de modo a fazer-nos ver personagens idealizados ser-
vindo-se de instrumentos ideais para objectivos que o não são menos” (ibid., 162). Também
a mensagem publicitária tem a particularidade de e tudo o que transmite ser otimismo, pois
é isso que atrai e as pessoas (Lampreia 1983).
Relativamente ao modelo estético de corpo ideal, Lipovetsky (2014) refere que este
tem sido apresentado na sociedade atual como sendo jovem, esbelto, magro, firme e exige
um consumo constante para a sua manutenção ou obtenção. No entanto Featherstone (1991)
observa que a cultura de consumo se tem ligado à conceção de auto preservação do corpo, o
que estimula o indivíduo cada vez mais a adotar estratégias instrumentais para combater a
sua deterioração e decadência (ibid.). A publicidade, a imprensa, a televisão e o cinema para
além de promoverem a cultura de consumo difundem imagens de corpos belos. Inclusiva-
mente, os meios de comunicação populares dão constante enfase aos benefícios dos cosmé-
ticos e dos produtos indicados à manutenção do corpo (ibid.).
Estado das Artes
19
Quanto mais resplandecente o ideal de beleza, mais a sua falta é vivida como um
drama pessoal. Quanto mais meios estéticos temos à nossa disposição, mais se
aguça a consciência das nossas «imperfeições». (2014, 417)
Desta forma produz-se uma lógica de “hiperconsumo” motivada pelo despertar da
consciência dos indivíduos sobre os seus próprios corpos, “imperfeições”, ou até mesmo
defeitos, em consequência da constante comparação com os modelos de corpos ideais, pro-
movidos, transmitidos e veiculados pelos media. Por isso Breton (2006) verifica que hoje
em dia o corpo se tem imposto como um tema de predileção do discurso social. Segundo
Bauman (2007), atualmente, há dois tipos de obras que têm garantido lugares de honra nos
tops de vendas: os livros de receitas e de dietética. Segundo as palavras do autor: “ao lado
dos livros de receitas, como sombra inseparável deles, os livros de dietética, preceituários
absurdos de exercícios de auto-instrução” (2007, 126). Encontramos também, cada vez, mais
livros sobre saúde, dieta, aparência, exercício e até como fazer amor (Giddens 1997). Fe-
atherstone (1991) observou que na última década houve um grande aumento de revistas es-
pecializadas em correr, fazer exercício e em emagrecimento. Segundo o autor:
Os meios de comunicação divulgam a boa aparência e mensagem de mercadoria
vendável. Ansioso para responsabilizar a manutenção do corpo como parte do
estilo de vida dos consumidores, os jornais populares, como o “Sun” e “Mirror”
na Grã-Bretanha passam a mensagem para o público mais amplo com artigos
frequentes sobre emagrecimento, exercício, alimentos de saúde e aparência3 (Fe-
atherstone 1991, 183-184).
Verifica-se então a forte influência exercida pelos meios de comunicação e imprensa
escrita na promoção dos modelos ideias de corpo e quais os meios para os atingir, daí que
Lipovetsky (2014) afirme que os media têm desempenhado um papel preponderante na mu-
dança de hábitos e estilos de vida mais saudáveis. Os media alertam permanentemente as
populações para os riscos de vida ligados a maus hábitos e ao descuido com a saúde. Por
3 Tradução livre: “The popular media and commercial interests have found the looking good and feeling great
health education message to be a saleable commodity. Eager to endorse body maintenance as a part of the
consumer lifestyle, popular newspapers like the Sun and Mirror in Britain pass on the message to a wider
audience with frequent articles on slimming exercise, health foods and appearance” (Featherstone 1991, 183-
184)
Estado das Artes
20
este motivo os media veiculam vários conselhos médicos, invadindo a vida quotidiana com
a problemática da saúde, da alimentação saudável e da forma física (ibid.).
2.4.1 Capitalismo: Um sistema híbrido onde se conjuga e promove a
estética e o design corporal
Lipovetsky (2014) desenvolve o conceito de “capitalismo artístico”, o qual define
como sistema de essência “transestética” e para onde coincide a expansão ilimitada da sedu-
ção estética dos consumidores. Este é um capitalismo que mistura estruturalmente arte com
indústria, comércio, divertimento, lazer, moda e comunicação. Confirma-se, assim, que o
capitalismo artístico investe cada vez mais em indústrias criativas e em produtos e serviços
multifuncionais e atrativos (ibid.). O mesmo autor utiliza também o conceito de “capitalismo
transestético” como sendo regulado pelos princípios da lógica económica, da produção em
série, do marketing e da renovação permanente. Neste contexto, o capitalismo artístico e a
“sociedade hedonista” promovem a emergência de um novo espírito publicitário, inseparável
da difusão da nova cultura individualista, com o humor, originalidade e “atmosferas emoci-
onais” dos consumidores. É, portanto, neste panorama que se encontra o “consumidor tran-
sestético”, “bulímico de novidades” e de experiências emocionais, já que nas sociedades
contemporâneas se regista uma maior abertura e mais oportunidades para o consumo de
massas, no sentido de uma “democratização” do consumo (ibid.), a mesma expressão que
podemos encontrar em Ferreira (2011), quando se refere à “democratização” da moda. Li-
povetsky afirma ainda que o “capitalismo artístico democratizou o sistema moda, promoveu
o «chique barato», o look moda de roupa industrial de massas” (2014, 210). Este capitalismo
artístico desenvolveu assim o gosto dos indivíduos pelo estético e pelo belo, despertando
também apetências por novas sensações e experiências. Nesta medida, o autor afirma que o
“consumidor estético é filho do capitalismo artístico” (ibid.).
O consumidor contemporâneo é cada vez mais apreciador do design, “de modas, […]
mas também de produtos cosméticos, de spas [e] de cirurgia estética” (Lipovetsky 2014, 69).
Desta forma, a estética entrou na era do hiperconsumo de massas, centrado na beleza. Veri-
fica-se então que nas sociedades hipermodernas se vive um estado onde nada se opõe à oti-
mização da beleza e onde a procura da sua obtenção não para de crescer. O autor identifica,
Estado das Artes
21
assim, os meios estéticos como um mercado em expansão contínua, referindo a beleza como
um “novo Eldorado do capitalismo”, desenvolvendo ao mesmo tempo práticas narcísicas em
massa. Este superconsumo estético, presente nas sociedades hipermodernas, deve-se em
muito à nova cultura individualista centrada no hedonismo (Lipovetsky, 2014). Para Bauman
(2007), nas sociedades contemporâneas:
Manter o corpo em forma significa mantê-lo [num] instrumento extremamente
sensível e bem afinado de prazer – de qualquer prazer: sexual, gastronómico ou
derivado do simples exercício físico e da simples demonstração da sua boa forma.
O que conta não é tanto a performance do corpo, mas antes as sensações que o
corpo recebe no decorrer do seu desempenho, e essas sensações deverão ser pro-
fundas e profundamente gratificantes. (Bauman 2007, 122)
Constata-se, desta forma, que a cultura centrada no hedonismo, ao mesmo tempo que
promove um corpo “recetor de sensações”, desenvolve também o culto pela manutenção e
embelezamento corporal. Neste sentido, Lipovetsky (2014) confirma ainda que a época con-
temporânea hipermoderna se centra no ideal de qualidade de vida. No entanto, atendendo à
importância que atualmente a qualidade de vida tem para os indivíduos, e de acordo com
Featherstone (1991), os consumidores pós modernos buscam muito menos a aquisição de
material e valorizando mais a constante realização de desejos:
Auto preservação depende da preservação do corpo no âmbito de uma cultura em
que o corpo é o passaporte para tudo que é bom na vida. Saúde, juventude, beleza,
sexo, aptidão são os atributos positivos que o cuidado do corpo pode alcançar e
preservar. (Featherstone 1991, 186)4
O capitalismo desenvolveu assim fortes alterações na forma como as pessoas inves-
tem na beleza e nos cuidados dos seus corpos, em busca não só de melhor aparência, como
também de qualidade de vida. A própria indústria e comércio desenvolveram-se de acordo
com esta ideologia. O capitalismo, aliás, detém o império da estética nas sociedades hiper-
modernas, controlando o universo desses produtos. O comércio é atualmente composto por
4 Tradução livre: “Self preservation depends upon the preservation of the body within a culture in which the
body is the passport to all that is good in life. Health, youth, beauty, sex, fitness are the positive attributes which
body care can achieve and preserve” (Featherstone, Hepworth, et al. 1991, 186)
Estado das Artes
22
uma “hibridação transestética”, já que o que antes surgia como “mundos heterogéneos apre-
senta hoje uma realidade híbrida onde a arte entra ao serviço das produções industriais. Esta
hibridação faz parte do “processo de inovação e de expansão contínua inscrita no programa
genético do capitalismo” (Lipovetsky, 2014, 105). Por outras palavras, o grande motor desta
“máquina de hibridação contemporânea” é, sem dúvida, o perfil da nova cultura consumista
cada vez mais centrada na sedução, nas emoções e sensações, sempre renovadas, dos seus
consumidores. Tal como o capitalismo artístico, o design industrial tornou-se num “elemento
da sociedade e da economia de sedução” (ibid., 192). Também para Breton (2006) se assiste
hoje ao crescimento de um mercado onde permanentemente se renova a valorização da apa-
rência através da sedução. Este mercado é exatamente “filho” de um capitalismo criativo que
decorre num mundo transestético, onde, as fronteiras se tornam menos distintivas, mais per-
meáveis (Lipovetsky, 2014). Os produtos daqui decorrentes são fruto de uma mistura entre
arte, moda, ciência, mercadoria e media. Existe hoje uma imensidão de produtos e objetos
que se apresentam como híbridos, sendo esse carácter híbrido o resultado da junção de várias
funções a que os produtos se destinam, assim como das diferentes áreas que os constituem.
Um mesmo produto ou serviço pode conter em si arte, design, funcionalidade e moda. É
desta forma que o capitalismo artístico investe cada vez mais em indústrias criativas e em
produtos e serviços multifuncionais e atrativos (ibid., 79). O capitalismo artístico tornou-se
assim perito em criar produtos, serviços e objetos multifuncionais, sendo esta também uma
das suas estratégias para incrementar as vendas e desenvolver mercados.
No que toca a produtos multifuncionais Fortuna (2002) menciona o exemplo dos
“cosmeceuticals”5,um excelente exemplo de produtos que combinam funções diversas, neste
caso em concreto reportando-se ao mercado que combina a cosmética com a dimensão far-
macêutica. O autor refere ainda que, atualmente, os institutos de beleza têm alargado o seu
mercado tradicional, aliando ofertas estéticas com a promoção de saúde e sobretudo de bem-
estar pessoal. Nesta matéria, Ferreira (2011) desenvolve o conceito de uma nova e emergente
5 Segundo Fortuna (2002), cosmeceuticals é um “termo que designa os produtos cosméticos compostos com
ingredientes utilizados nos medicamentos e fármacos, situando-se na fronteira entre o cosmético e o medica-
mento (Ex.: cremes de tratamento com ácidos alfa hidróxidos, protectores solares com filtros ultravioletas)”
(Fortuna, 2002, 128).
Estado das Artes
23
indústria, denominada de “indústria de design corporal”, uma indústria alimentada pela “mi-
tologia do corpo jovem e perfeito” e que tem vindo a demonstrar-se cada vez mais diversa e
sofisticada (ibid., 269). Esta indústria desenvolve-se de forma alargada, originando novas
lojas, “fabricantes, institutos de beleza, empresas de cosméticos, nacionais e internacionais”
com cada vez maior projeção e afirmação em Portugal (ibid., 268).
Com a expansão de marcas e produtos de manutenção e modificação corporal, é
facilitado o acesso a uma panóplia de produtos e técnicas com promessas de criar
um corpo atraente, saudável, enérgico e bem nutrido. A imagem do corpo «reju-
venesce» e, com ela a preocupação de manter um corpo perfeito e eternamente
jovem. (V. S. Ferreira 2011, 268)
A “indústria de design corporal” suscita assim o culto do corpo jovem com o intuito
de preservar a sua vitalidade, saúde e bem-estar. É de acordo com a perspetiva deste autor
que esta indústria se pode compreender a partir de três esferas centrais que a definem: bem-
parecer, bem-fazer e bem-estar. A esfera do bem-parecer corresponde, essencialmente, a
produtos e serviços que prometem a realização daqueles desejos dos consumidores que se
ajustam aos “cânones estéticos do momento”. Alguns exemplos de serviços e produtos refe-
ridos são: “produtos cosméticos e dietéticos, químicos e biológicos, métodos mais imediatos
como cirurgias plásticas, ou mais prolongados, como a pletora de actividades físicas e des-
portivas” (ibid., 269). A esfera do bem-fazer constitui-se por produtos e serviços que incre-
mentam “elevados padrões de desempenho, saúde e vitalidade [como o caso de] bebidas e
produtos energéticos que possibilitem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado”
(ibid., 269). Já a esfera do bem-estar corporal é compreendida por produtos e serviços que
garantem o prazer e a satisfação que os indivíduos podem retirar do seu corpo. Como exem-
plo temos “toda uma gama de acessórios de banho e de casa que prometem o relaxamento e
a estimulação prazerosa dos sentidos” (ibid., 270). Estas três esferas, da indústria do design
corporal, veiculam assim “promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos” (ibid.,
270).
Estado das Artes
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3 Metodologia da Pesquisa
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Metodologia da Pesquisa
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A sociedade portuguesa, sobretudo nos últimos cinquenta anos, foi-se rendendo ao
capitalismo, aderindo à construção e veiculação de modelos estéticos de beleza corporal e
protótipos de corpos ideais. Há cinquenta anos atrás, em 1964, a sociedade portuguesa en-
contrava-se em plena ditadura Salazarista, enquadramento que ditava a utilização do corpo
e a sua conceção por parte dos indivíduos de forma totalmente diferente da que hoje mante-
mos, não só por razões políticas, como mercantis, culturais e sociais. Durante o Estado Novo,
o corpo deveria ser o reflexo desse projeto político, já que “cada corpo, individualmente,
deveria entregar-se à autoridade do ideal colectivo e deixar transparecer os princípios cris-
tãos e nacionalistas do regime” (Ferreira 2011, 243). A forma de vestir dos indivíduos era
uniformizada, face ao género, e tanto homens como mulheres variavam pouco a sua forma
de vestir, não por opção, mas sobretudo pelos valores vigentes na época. Grande parte do
corpo apresentava-se tapada pela vestimenta e apenas com o desenrolar do tempo e com a
“progressiva privatização” do corpo se pôde assistir a um progressivo desnudamento, sobre-
tudo na forma como se passou a apresentar-se na esfera pública (ibid.).
Na segunda metade do século XX regista-se uma grande mudança na forma como os
indivíduos utilizam o corpo enquanto um meio identitário. As pessoas passam a assumir-se
soberanas dos seus corpos, expondo-os e embelezando-os de acordo com os seus ideais e
vontade própria. O corpo foi-se tornando um meio de manifestação, como se pode verificar
em diversos momentos da história portuguesa, como atestam certos movimentos sociais,
como os movimentos feministas, LGBT, nos quais se reivindica, por exemplo, o direito ao
aborto e à contraceção. A sociedade portuguesa evoluiu culturalmente e o corpo deixou de
ser considerado uma propriedade publico-política para passar a ser considerado um bem pri-
vado e individual. Esta mudança desencadeou o desenvolvimento do direito pessoal da livre
modificação corporal. Num contexto, agora diferente, a sociedade fez-se acompanhar de
uma evolução mercantil, inserida no âmbito de um “novo” mercado e indústria emergente,
denominada de indústria do design corporal6, dedicada ao comércio de bens e serviços des-
tinados à modificação, tratamento, embelezamento, bem-estar e saúde do corpo.
6 Pode encontrar-se a definição deste conceito no ponto 3.1.1 (Definição de conceitos)
Metodologia da Pesquisa
28
A sociedade portuguesa foi-se deixando permear por lógicas de mercado, originárias
do desenvolvimento capitalista, provocando alterações e reestruturações tanto na sua cultura
como nos seus padrões sociais. Neste panorama tem-se verificado que a indústria do design
corporal é um negócio lucrativo em constante expansão, influência e presença na sociedade
portuguesa contemporânea, onde a aparência e imagem corporal são influentes formas de
informação sobre a pessoa em si. Tendo em conta as alterações e os impactos que o desen-
volvimento deste mercado foi provocando ao longo do tempo na sociedade e vida dos indi-
víduos, optou-se, neste trabalho, por realizar um estudo longitudinal, visando analisar o de-
senvolvimento que a indústria do design corporal teve na imprensa escrita considerando os
últimos cinquenta anos. Desta forma, assume-se como objetivo a realização de um estudo
comparativo entre duas revistas: uma de 1964 e outra de 2014. A seleção destes dois mo-
mentos específicos deve-se aos contrastes históricos e políticos da sociedade portuguesa
quando enquadrada nestes dois marcos temporais.
A análise debruçar-se-á sobre os anúncios publicitários, da indústria do design cor-
poral, veiculados nas edições publicadas por ambas as revistas durante os anos respetivos.
Neste contexto, o trabalho de Ferreira (2011) foi, sem dúvida, um valioso contributo para o
desenvolvimento desta dissertação, na medida em que possibilitou trabalhar os anúncios pu-
blicitários a partir da sua conceção, das três esferas, da indústria do design corporal
Atendendo à evolução e “transformação” da sociedade portuguesa em termos econó-
micos, políticos e científicos, pretende-se ainda verificar se esta indústria pode ser caracte-
rizada de forma fragmentada e distinta, face às suas três esferas que enuncia7, pois obser-
vando alguns anúncios publicitários foram surgindo questões que colocariam esta trilogia
concetual em causa. Atendendo às mudanças políticas, sociais e culturais ocorridas ao longo
dos últimos cinquenta anos na sociedade portuguesa, questiona-se a adaptabilidade da frag-
mentação da indústria do design corporal, nas suas três esferas, perante um novo contexto
social. Os cuidados com o corpo assumiram um lugar central na sociedade atual, com o
desenvolvimento de uma cultura hedonista onde a preocupação com a saúde, bem-estar e
aparência têm um papel fulcral no dia-a-dia do individuo. Esta nova abordagem perante o
7 Ver Tabela 1.
Metodologia da Pesquisa
29
corpo e as indústrias veio promover também a evolução do comércio, publicidade e a cres-
cente concorrência neste tipo de mercado. Perante este contexto é necessário compreender
se o contexto atual influência ou confere uma nova enfase à estrutura da industria do design
corporal. Os métodos utilizados farão, de certa forma, um teste à abordagem de Ferreira
(2011) da indústria do design corporal e constituição das suas três esferas. Mais concreta-
mente, em termos metodológicos, esta análise visa a realização de uma análise de ocorrência
dos anúncios alusivos a cada uma das três esferas da indústria do design corporal. Posterior-
mente realizar-se-á uma análise da frequência dos anúncios publicitários (alusivos às indús-
trias de design corporal) registados nas respetivas revistas. Estas duas análises complemen-
tam-se, uma vez que o sentido visado é, primeiramente, verificar a ocorrência de anúncios
publicitários, em cada esfera da indústria do design corporal, para comparar a sua evolução
ao longo do tempo. Por último, a análise da frequência dos anúncios publicitários da indús-
tria do design corporal, em geral, considera-se útil para observar a evolução da sua presença
na imprensa escrita, num intervalo temporal de cinquenta anos. Com a contabilização do
número de anúncios publicitários presentes em cada revista pode-se caracterizar também o
crescimento da indústria do design corporal, verificando em qual das revistas e época tive-
ram maior presença.
Tabela 1: As 3 esferas das indústrias de design corporal.
Metodologia da Pesquisa
30
3.1 Objetivos e hipóteses
Atualmente a indústria do design corporal assume um papel relevante no desenvol-
vimento da construção identitária e aparência dos indivíduos. A progressiva e constante pre-
ocupação em melhorar os padrões de beleza, higiene e saúde, exigir rendimento físico nas
sociedades atuais tornaram-se circunstâncias propícias ao desenvolvimento de novos produ-
tos e serviços (Ferreira, 2011; Lipovetsky, 2014). Com isto tem vindo a emergir um “novo”
mercado, cada vez mais desenvolvido, preocupado e direcionado para a promoção da ima-
gem corporal. Na realidade, regista-se uma série de “mercados emergentes” que podemos
enquadrar neste tipo de indústrias, como o caso dos cosméticos, spas, health clubs, institutos
de beleza, entre muitos outros (Fortuna, 2002). O capitalismo estético, concetualmente de-
senvolvido por Lipovetsky (2014), tem vindo a criar novas formas de comércio em prol do
embelezamento dos indivíduos. Tem-se verificado, assim, que a indústria do design corporal
desempenha um importante papel no desenvolvimento de novos meios que visam a obtenção
de modelos ideais estéticos. Através da publicidade e do recurso à imagem de personalidades
famosas vão construindo os cânones da beleza ideal.
Estas mudanças registadas a nível comercial e cultural na sociedade atual reconfigu-
ram consequentemente os padrões e os padrões de consumo dos indivíduos. A preocupação
com a beleza, a imagem e saúde passaram a estar presentes no centro da vida em sociedade.
Tem-se verificado assim uma evolução contínua de um espírito consumista, interligado a
motivações que justificam a modificação da aparência corporal (Giddens, 1997; Baudrillard,
2009; Lipovetsky,2014).
Considerou-se, por tudo isto, ser importante analisar e compreender a evolução da
indústria do design corporal na imprensa escrita.
Do conceito de “design”, intrinsecamente ligado a princípios decorativos e estéticos
dos produtos (Lipovetsky, 2014), e atendendo ao conceito “indústria do design corporal”
(Ferreira, 2011), emerge uma nova elaboração cultural que aproxima a conceção atual dos
indivíduos sobre o “corpo” à equiparação de objeto, um objeto possível de decorar e esteti-
zar.
Neste contexto teórico decorreu a elaboração das seguintes hipóteses:
Metodologia da Pesquisa
31
Hipótese 1: A individualização da imagem corporal derivou do desenvolvimento da indús-
tria do design corporal.
Esta hipótese trabalha os conceitos de a) individualização da imagem corporal e b)
desenvolvimento da indústria do design corporal. Tem como objetivo verificar se o desen-
volvimento da indústria do design corporal contribuiu para uma maior adesão e acesso aos
bens por ela comercializados, visando confirmar se atualmente os indivíduos têm mais faci-
lidade em adquirir bens e serviços para construírem uma imagem corporal individualizada,
de acordo com os seus gostos pessoais. Isto porque, segundo Ferreira (2011), os produtos
comercializados por esta indústria foram, em tempos, restritos a uma classe alta, com poder
de compra. Atualmente regista-se uma maior facilidade na adesão dos produtos e serviços
por parte dos consumidores. Muitos dos produtos, técnicas e serviços fornecidos por estas
indústrias conseguem hoje atingir segmentos sociais que outrora eram exclusivos de quem
tinha elevado poder de compra, dilatando fronteiras no que toca a possíveis consumidores.
Hipótese 2: Ocorreu uma menor dissimetria entre o público masculino e feminino, en-
quanto consumidores dos produtos, bens e serviços da indústria do design corporal.
Esta hipótese contempla o conceito de a) dissimetria e b) públicos (masculino e fe-
minino) e c) consumidor. Visa confirmar se o consumo, feminino e masculino, de bens e
serviços das indústrias do design corporal se tem aproximado.
Hipótese 3: As três esferas da indústria do design corporal constituem o principal objetivo
de desenvolvimento da aparência corporal.
Esta hipótese tem como objetivo perceber se o desenvolvimento de bens e serviços
das três esferas da indústria do design corporal (a) bem-estar, b) bem-parecer e c) bem-fazer)
têm como finalidade promover a aparência corporal. Pretende-se assim verificar se as três
esferas da indústria de design corporal cooperam no sentido da obtenção do mesmo objetivo.
Partindo de alguns indícios que foram surgindo na revisão da literatura, esta hipótese pode
abrir novas conceções, úteis, pela sua ambição e inovação, face às possibilidades que coa-
duna. Por exemplo, se o bem-estar individual dependente do facto de uma pessoa se sentir
bem com a sua aparência e o seu corpo. Neste sentido, o panorama de análise complexifica-
se em grande medida a partir do possível cruzamento entre a esfera do bem-estar e do bem-
Metodologia da Pesquisa
32
parecer. Sabendo ainda que determinadas próteses farmacológicas, com o objetivo de causar
efeitos no foro psicológico, como antidepressivos, por exemplo, causam também impactos
na aparência dos indivíduos. As bebidas energéticas, suplementos alimentares e regenerado-
res físicos, por exemplo, promovem certas competências, possibilitando um melhor desem-
penho físico que terá impactos na aparência dos indivíduos. Desta forma, regista-se a possi-
bilidade de uma maior interdependência entre as três esferas das indústrias de design corpo-
ral, com impacto na aparência corporal das pessoas.
Hipótese 4: As três esferas da indústria do design corporal estão a promover um novo
ideal de beleza.
Esta hipótese coordena conceitos como a) promoção e b) ideal de beleza e visa veri-
ficar se ocorreram mudanças ou se se identificam novas tendências em relação aos ideais de
beleza. De acordo com Lipovetsky (2014), o ideal de beleza das sociedades hipermodernas
vai ao encontro de um corpo jovem, tonificado, acima de tudo um corpo magro. Também
para Ferreira (2011), os media e o próprio mercado, exploram imagens corporais que vão
estabelecendo elevados padrões corporais. Nesta sequência vão surgindo também novos pro-
blemas como a anorexia, bulimia, entre outros. As imagens de modelos de corpos sociais,
veiculadas pela publicidade, criam nos indivíduos sentimentos de insatisfação e de distanci-
amento desses ideais a atingir. Tendo em conta todas estas modificações, o modelo de corpo
ideal foi-se alterando ao longo das várias décadas. Se antes o homem não “explorava” tanto
a indústria de beleza, hoje ele aparece tão depilado como a mulher; se antes “gordura era
formosura”, atualmente ambiciona-se ter corpos magros, seja entre as mulheres como entre
os homens. De acordo com Fortuna (2011) e Lipovetsky (2014) o mercado da higiene e
beleza, a cosmética, a perfumaria, enfim, todos os setores da indústria de design corporal
têm tentado aproximar o nível de consumo masculino aos níveis de consumo do público
feminino. Por isso novas conceções de consumo e de mercado têm surgido, como o “retro”,
o “metrossexual” ou o “crossdresser”.
Metodologia da Pesquisa
33
3.1.1 Definição concetual
Na base deste trabalho de mestrado há conceitos basilares, indispensáveis ao melhor
entendimento do que se tratou até aqui e da análise que seguidamente se empreende. Apre-
sentam-se aqui esses conceitos e suas definições, na sua maioria baseadas em conceções já
realizadas por alguns autores abordados na revisão da literatura.
Design corporal: compreende a silhueta e o formato corporal. A aparência e o con-
torno corporal também estão englobados neste conceito. Este conceito é abordado por Gi-
ddens (1997) e, segundo o autor, os indivíduos tornaram-se responsáveis pelo design dos
seus corpos pelo que, de certa forma, são forçados a fazê-lo, sobretudo quanto mais pós-
tradicionais forem os contextos sociais onde se encontram. Lipovetsky (2014) também re-
corre ao conceito “design do corpo” na sua obra, referindo-se ao “homo aestheticus”, for-
mado pelo capitalismo artístico, um indivíduo consumista e individualista, sempre à procura
de novas sensações e da encenação de si.
Indústria do design corporal: conjunto de atividades, matérias-primas, bens de pro-
dução ou de consumo, engenho e astúcia que permitem melhores competências corporais,
com impactos no físico e na aparência. O conjunto de bens e serviços disponibilizados por
este tipo de indústrias veiculam formas de manutenção e modificação corporal, prometendo
um corpo atraente, enérgico, saudável, firme e atlético. O conceito indústria do design cor-
poral é da autoria de Vítor Sérgio Ferreira (2011).
Ideal de beleza: este conceito compreende o modelo hegemónico de beleza, promo-
vido pelas imagens veiculadas pelos media e imprensa. O ideal de beleza corresponde assim
aos cânones temporais de beleza, muitas vezes criados pela indústria cinematográfica e in-
divíduos famosos. Segundo Lipovetsky (2014) o ideal de beleza apresenta-se hoje sobre a
tirania da magreza, da juventude e das medidas perfeitas do corpo.
Técnicas de modificação da aparência corporal: este conceito engloba várias téc-
nicas, tecnologias, produtos e serviços que permitem a manipulação da morfologia e fisio-
logia do corpo. Segundo Ferreira, “no sentido da conservação, correção ou aperfeiçoamento
das suas formas ou funções, da experimentação das suas fronteiras ou da ampliação das suas
Metodologia da Pesquisa
34
capacidades e sentidos” (2011, 271). Devemos também ter em conta que a modificação cor-
poral não tem apenas um significado estético, mas também emancipatório, na medida em
que o indivíduo pode usufruir do seu corpo e modificá-lo como quiser (ibid.).
Imagem corporal: “imagem corporal é um elemento particularmente notável, como
a pessoa percebe o seu próprio corpo e sua relação com o que ele ou ela percebe ser a sua
imagem de corpo socialmente aprovada”8 (Mennel 1991, 128). Este conceito compreende o
conceito de reflexividade, na medida em que a imagem corporal é também o que apresenta
ser para o indivíduo que a observa.
Individualização da imagem corporal: este conceito contém a ideia de que o corpo
é individual e a imagem que ele reflete no olhar dos outros deve mostrar essa individuali-
dade, suas especificidades, aquilo que o distingue dos outros. Neste conceito encontra-se
presente a consideração de que o indivíduo é soberano no que se refere ao seu corpo e sua
imagem. Ferreira assume “o individualismo como modo de afirmação da pessoa na sua sin-
gularidade, autenticidade e liberdade pessoal” (2011, 267). Desta forma, conclui-se que a
imagem corporal é também uma forma de individualização. É ainda importante referir que,
segundo Lipovetsky (2014), atualmente, a promoção da individualidade não se faz apenas
pelo vestuário, mas também pela realização de desejos íntimos dos indivíduos como, por
exemplo, a manutenção física, a alimentação, entre muitos outros cuidados com a aparência
e o corpo.
Os conceitos aqui definidos são essenciais para uma melhor compreensão das pági-
nas que se seguem. O desenvolvimento dos próximos capítulos constituirá a análise do de-
senvolvimento das indústrias de design corporal na imprensa escrita, partindo de uma análise
comparativa entre as duas revistas - Flama e Visão, publicadas a uma distância temporal de
cinquenta anos.
8 Tradução livre do autor. No original: “Body image is a particularly notable element: how a person perceives
his or her own body and its relation to what he or she perceives to be the socially approved body image”
(Mennel 1991, 128).
Metodologia da Pesquisa
35
3.2 Casos empíricos: duas revistas
Selecionaram-se, para análise, duas revistas de grande tiragem, uma do ano de 1964 e
outra do ano de 2014. Atendendo à difícil tarefa de aceder a uma revista com cinquenta anos,
e uma vez que se pretender analisar todas as edições publicadas durante o ano de 1964, foi
necessário recorrer ao Arquivo da Biblioteca Municipal de Coimbra (Casa da Cultura). Para
o ano de 1964, optou-se pela análise da revista Flama, primeiro, por se encontrarem arqui-
vadas e acessíveis para consulta todas as edições publicadas durante o ano pretendido. A
revista Flama era uma revista de grande tiragem e, segundo Patrícia Fonseca, “uma das re-
vistas mais marcantes do século passado, sobretudo na segunda metade dos anos 60” (2015,
54). Era uma revista lida por um público diverso, onde se podiam consultar notícias relevan-
tes da altura.
No que toca ao ano de 2014, selecionou-se a revista Visão por ser também uma revista
de grande circulação e pelo facto de ambas as revistas (Flama e Visão) poderem ser consul-
tadas no mesmo local, o que facilitava a análise.
A escolha por estas revistas deve-se também ao facto de apresentarem suas caracterís-
ticas semelhantes, apesar de reportarem a contextos temporais distintos são revistas de tira-
gem semanal e por isso ambas contêm cinquenta e duas edições publicados/ano. Desta
forma, a pesquisa documental e arquivística realizada incidiu nos anúncios publicitários que
designamos de design corporal. Pretende-se que a análise elucide sobre as mudanças ocorri-
das do ano de 1964 para o ano 2014, considerando, sobretudo, o enquadramento do desen-
volvimento da indústria do design corporal na imprensa escrita.
Em relação à revista Flama foram consultadas cinquenta e duas edições publicadas no
ano de 1964, ou seja, da edição 826 à 877. A amostra deste caso reporta assim ao universo
edições de janeiro a dezembro desse ano.
Relativamente à revista Visão também foram consultadas cinquenta e duas edições
publicadas em 2014, da edição 1087 à 1138. A amostra deste caso compreende todas as
edições publicadas de janeiro a dezembro de 2014.
Metodologia da Pesquisa
36
Foi, então, criada uma base de dados com os dados de ambas as revistas onde se aten-
tou para a edição das revistas, as respetivas capas, sumários e sobretudo os anúncios relaci-
onados com indústria do design corporal.
Para o desenvolvimento da pesquisa recorreu-se ao uso de uma máquina fotográfica,
ferramenta que facilitou todo o processo de recolha de informação, uma vez que a revista
Flama, de 1964, não podia ser fotocopiada dada a sua antiguidade e risco de degradação.
Além disso, a possibilidade de registar toda a informação digitalmente facilitou a análise de
conteúdo sem obrigar à presença física na biblioteca.
Considerando as três esferas (bem-parecer, bem-estar e bem-fazer), estrutura da aná-
lise, adotou-se para cada uma delas, os exemplos e definições do próprio autor, para usar
como forma de orientação e avaliação de cada anúncio publicitário ou artigo que fosse dire-
cionado para o design corporal. Um dos objetivos seria perceber de que forma cada uma das
esferas evoluiu ao longo de meio século. Para tal, procedeu-se ao agrupamento do material
recolhido, atendendo aos anúncios publicitários alusivos a cada uma das esferas da indústria
do design corporal com o objetivo de realizar uma análise comparativa no que toca à ocor-
rência de anúncios publicitários na revista Flama (1964) e na revista Visão (2014). Para
facilitar a separação e distinção de cada anúncio publicitário analisado foi construída a Ta-
bela 1, onde se reportam as três esferas/dimensões da indústria do design corporal, de acordo
com a tipologia de Vítor Sérgio Ferreira (2011).
Utilizando as definições e exemplos do autor, analisou-se cada anúncio publicitário
encontrado nas revistas selecionadas, tendo sempre em conta o objeto de análise, as indús-
trias de design corporal.
3.2.1 Revista Flama (1964)
A revista Flama surgiu como um jornal quinzenário que se autointitulava de “jornal
ilustrado de atualidades”. Apenas posteriormente passou a semanário, intitulando-se de “re-
vista semanal de atualidades” (Fonseca, 2015). A revista Flama ganhou grande popularidade
por ter o hábito de entrevistar figuras conhecidas do mundo do espetáculo, sobretudo nos
anos 60, o que deu grande destaque ao “showbizz” (ibid.).
Metodologia da Pesquisa
37
Apesar de todas as dificuldades, a revista atingiu, entre 1967 e1971, o seu recorde
de vendas, na ordem dos 30 mil exemplares semanais, e cresceu para as 68 pági-
nas, sendo metade (entre 30e 36 páginas), ocupadas por publicidade. A receita do
sucesso residia na combinação do tratamento de assuntos políticos importantes,
ao mesmo tempo que se dava destaque às figuras do mundo do espectáculo, em
páginas muito ilustradas (Fonseca, 2015, 63)
Desta forma, pode-se verificar a importância que a revista Flama deteve na altura,
sendo uma revista com um número vasto de leitores e com uma presença acentuada de pu-
blicidade nas suas páginas. O destaque às figuras do mundo do espetáculo e o tratamento de
assuntos políticos fez da revista Flama uma revista de grande circulação, que tratava de as-
suntos e temas da atualidade, abarcando conteúdos de interesse geral.
3.2.2 Revista Visão (2014)
A revista Visão é sucessora direta do semanário “O Jornal”. Segundo Carla Rodri-
gues Cardoso, a revista Visão, nos seus “três números zero”, explicou os objetivos da sua
criação: “procurar satisfazer todos os que não tendo tempo a perder, preferem a qualidade
jornalística, a independência editorial, o ângulo original e a síntese prospectiva” (2008,
1562). A Visão é um semanário, publicado à quinta-feira, de ampla tiragem, com temas e
assuntos da atualidade. Aborda temas políticos mundiais, questões científicas e sociais. Se-
gundo a autora, a revista Visão, em 2004, mantinha-se líder do mercado relativamente às
newsmagazines, atingindo 110 mil exemplares de circulação média (ibid.). Apesar de todos
os esforços das suas concorrentes, nomeadamente a revista Sábado, a revista Visão continua
a dominar o segmente das newsmagazines portuguesas.
Atendendo a Catarina Sofia Dias (2009), este semanário publica informação geral,
isenta e completa. É composto por cinco secções – Portugal, Economia, Mundo, Sociedade
e Cultura. Segundo a autora, os temas desenvolvidos pela revista inserem-se nos campos
social, político, económico e financeiro, sendo que também aborda sempre acontecimentos
significativos sobre cultura, ciência, desporto e medicina (ibid.). É a “revista de informação
geral mais lida em Portugal, atingindo uma audiência média de 710 mil leitores, o que re-
presenta 8,5% da população” (Edimprensa, 2008 apud Dias 2009, 10). As principais fontes
da receita total da Edimprensa correspondem à venda de revistas nas bancas e à publicidade
Metodologia da Pesquisa
38
(Dias 2009). Tal torna ainda mais pertinente observar de que forma a imprensa escrita vei-
cula anúncios publicitários das indústrias de design corporal.
3.2.3 Análise comparativa da revista Flama e Visão, em termos da ocor-
rência de anúncios publicitários alusivos às três esferas da indús-
tria do design corporal
Foi elaborada uma tabela (ver anexo) onde se registou a ocorrência de anúncios pu-
blicitários para cada uma das esferas da indústria do design corporal, em todas as edições
observadas da revista Flama do ano de 1964 e da revista Visão do ano de 2014. Deve ser
tido em conta que foram analisadas cinquenta e duas edições de cada revista nos respetivos
anos (1964 e 2014). Pode-se verificar na Tabela 2 a diferença da ocorrência de anúncios
publicitários, entre cada uma das três esferas: a) bem-parecer; b) bem-estar e c) bem-fazer.
Tabela 2: Análise de ocorrência de anúncios publicitários atendendo às três esferas da indústria do design
corporal. Flama de 1964 (edições 826 a 877) e Visão de 2014 (edições 1087 a 1138).
Nº de anúncios/ ocorrência (%)atendendo a cada uma das
esferas Nº total de
anúncios
encontra-
dos Bem-
parecer % Bem-estar % Bem-fazer %
Flama
de 1964 52 100,00% 41 78,85% 2 3,85% 95
Visão
de 2014 52 100,00% 23 44,23% 35 67,31% 110
Na Tabela 2 verifica-se que predominam os anúncios alusivos à esfera do bem-pare-
cer da indústria do design corporal em todas as edições analisadas tanto da revista Flama de
1964 como na revista Visão de 2014. Pode-se perceber, então, a contínua importância dada
aos produtos, bens e serviços da indústria do design corporal dedicados ao embelezamento,
à estética e à aparência física. Analisar-se-ão posteriormente as diferenças que se verificaram
no intervalo de meio século, atendendo aos bens e serviços disponibilizados pela esfera do
bem-parecer e na forma como a publicidade sobre os mesmos se modificou.
Metodologia da Pesquisa
39
Em relação à esfera do bem-estar, verificou-se uma diminuição de 78,85% para
44,23% em termos de ocorrência, da revista Flama para a revista Visão. Este dado é curioso,
pois à primeira vista leva a crer que ocorreu um menor investimento na publicidade, ou até
mesmo na produção de bens e serviços da esfera do bem-estar. No entanto, deve ser tida em
conta a possibilidade (já levantada pela literatura) de ter ocorrido uma mudança, ao longo de
meio século, no que os indivíduos consideram bem-estar físico. Assim, o que os indivíduos
em 1964 consideravam bem-estar físico pode já não ser considerado da mesma forma na
sociedade atual analisada a partir da revista Visão. Ainda assim, a esfera do bem-estar,
mesmo tendo menor percentual de ocorrência na revista Visão, regista maior diversidade
quanto aos bens e serviços publicitados comparativamente à revista Flama.
Tendo em conta a esfera do bem-fazer, verifica-se um crescimento em termos da
ocorrência de anúncios publicitários de 3,85% registados na revista Flama para 67,31% na
revista Visão. A baixa ocorrência de anúncios publicitários alusivos à esfera do bem-fazer
em 1964 revela, assim, um baixo desenvolvimento da indústria do design corporal. O fraco
desenvolvimento tecnológico e científico registado em 1964 comparativamente ao que se
regista hoje dificultou a produção dos bens e serviços na esfera do bem-fazer, que diz res-
peito, sobretudo, a produtos ou serviços que promovem competências físicas dos indivíduos.
3.2.4 Análise comparativa da revista Flama e Visão, em termos da fre-
quência de ocorrência dos anúncios publicitários da indústria do
design corporal
Com base na análise da frequência dos anúncios publicitários da indústria do design
corporal realizou-se a análise comparativa conforme se pode ver na Figura 1. Atendendo à
Figura 1, pode-se verificar que a revista Visão de 2014 para além de ter atingido valores mais
elevados, apresenta também, na maioria das edições observadas, uma maior frequência de
ocorrência de anúncios publicitários. A figura revela ainda oscilações sazonais no que toca
à frequência de ocorrência dos anúncios publicitários. Constata-se assim que nos meses que
precedem o Verão se regista um maior frequência de anúncios publicitários nas revistas ana-
lisadas, podem demonstração do aproveitamento da época, por parte da indústria do design
corporal, para promover os seus produtos e serviços, motivada pela natural preocupação dos
Metodologia da Pesquisa
40
indivíduos com a maior exposição do seu corpo durante os meses de maior calor.
Figura 1: Comparação da análise de frequência de anúncios publicitários das indústrias de design corporal.
Fonte: revista Flama do ano de 1964 (edições 826 a 877) e revista Visão do ano de 2014 (edições 1087 a
113).
Aquando a realização da análise comparativa entre as revistas analisadas, no que toca
à frequência de ocorrência dos anúncios publicitários da indústria do design corporal, pro-
cedeu-se à contabilização total dos anúncios publicitários, conforme a Tabela 3.
Tabela 3: Análise comparativa do número total de anúncios publicitários contabilizados, da indústria do de-
sign corporal.
Nº de edições
observadas
Nº total de anúncios publicitários
da indústria do design corporal
Flama de
1964 52 147
Visão de
2014 52 189
Em relação à revista Flama, que regista uma amostra de 52 revistas, registou-se a
presença de 147 anúncios publicitários da indústria do design corporal. No que toca à revista
Visão, que perfez numa amostra de 52 revistas, regista-se a presença de 189 anúncios publi-
citários relativos à indústria do design corporal.
Desta forma, mesmo não sendo uma grande diferença, regista-se um aumento de 147
para 189 anúncios publicitários da revista Flama em relação à Visão. Constata-se, então, que
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
1964 2014
Metodologia da Pesquisa
41
a indústria do design corporal, para além de ter maior presença e projeção, surge também
com maior frequência em 2014 (na revista Visão) do que no ano de 1964 (na revista Flama).
3.3 Interpretação dos dados
Após a análise realizada, verifica-se que em 50 anos a indústria do design corporal
passou a assumir maior presença na imprensa escrita. No que diz respeito às três esferas da
indústria do design corporal, observa-se que a esfera do bem-parecer tem uma presença cons-
tante em ambas as revistas, o que demonstra a importância que a aparência têm mantido ao
longo dos últimos cinquenta anos.
A aparência corporal pode assumir várias formas. Em primeiro lugar, pode estar as-
sociada à identificação da pertença social e cultural do indivíduo. Aqui tem-se como exem-
plo os estereótipos, isto é, os “homens de colarinho branco”, homens de fato, entre outros
(Breton 2006). Em segundo lugar, a aparência pode também arremeter para o aspeto físico
como, por exemplo, a altura, o peso, a silhueta dos indivíduos, sendo que nesta dimensão
cada um dispõe de possibilidades de transformação através da prática desportiva, regimes
alimentares, entre outros (ibid.). Percebe-se, assim, como a aparência física pode ajudar a
classificar os indivíduos ao olhar dos outros, em diversas categorias: profissional, desportiva,
moral, social, entre outras.
Com a análise realizada verificou-se uma grande diversidade de produtos e serviços
que promovem cuidados com a aparência do aspeto físico. A vasta gama de produtos cos-
méticos, dietéticos, produtos de manutenção, entre outros, que são atualmente produzidos e
publicitados, demonstram a crescente importância de parecer bem e de preservar o corpo.
Pôde perceber-se na análise de ambas as revistas, que a publicidade faz muitas vezes refe-
rência à importância da aparência, do belo, de parecer bem, de se ser saudável e de se apa-
rentar estar bem fisicamente. A elevada percentagem de ocorrência de anúncios de publici-
dade na esfera do bem-parecer, tanto na revista Flama como na revista Visão, demonstra que
a importância destas questões se manteve ao longo do tempo, apesar dos distintos contextos
sociais de 1964 e 2014. No entanto, é de notar que ocorreram alterações ao longo do tempo,
as quais são bastante visíveis nos anúncios publicitários presentes na revista Flama quando
comparados com a revista Visão. Nas edições da revista Flama do ano de 1964, em pleno
Metodologia da Pesquisa
42
Estado Novo, a grande maioria dos anúncios publicitários alusivos à esfera do bem-parecer
eram orientados para o olhar do público feminino e raramente se encontravam modelos mas-
culinos nas imagens dos anúncios. Dessa forma, na Figura 2 podemos verificar como nos
vários anúncios sobre moda apenas é dada atenção à moda feminina, já que a maior parte
dos figurinos são mulheres, como tão bem atesta a imagem.
Figura 2: Flama, edições: 862, 831 e 870.
Segundo Ferreira (2011), as mulheres durante o Estado Novo eram responsáveis pela
apresentação do marido, sendo as suas recomendações sobre a sua aparência quase sempre
baseadas em revistas. A Figura 3 dá conta da fotografia tirada ao único modelo masculino
adulto que consta na secção de “moda” em todas as 52 edições da revista Flama publicadas
em 1964. Na figura pode-se verificar que, mesmo sendo um modelo masculino, o anúncio é
dirigido ao público feminino, explicando como podem fazer camisolas de malha, tanto para
homens como para mulheres. Desta forma, verifica-se que os cuidados com a moda e o ves-
tuário eram tarefas exclusivas das mulheres.
Metodologia da Pesquisa
43
Figura 3: Fotografia tirada à secção “moda” da revista Flama, edição 867
Feita a análise à revista Flama consta-se que os anúncios publicitários dos produtos,
bens e serviços da indústria do design corporal são em grande maioria dedicados ao público
feminino. Atendendo à revista Flama, são poucos os anúncios publicitários relativos à moda
e ao vestuário dirigidos ao público masculino, no entanto, ainda que em pequeno número,
apareciam alguns anúncios publicitários dedicados aos cuidados com a estética masculina,
como se pode verificar na Figura 4.
Figura 4: Fotografia tirada ao anúncio publicitário “Água de colónia Recuperação”, da revista Flama.
Edição 842.
Metodologia da Pesquisa
44
Este panorama modifica-se totalmente quando observamos as edições da revista Vi-
são de 2014, atendendo aos anúncios alusivos à esfera do bem-parecer da indústria do design
corporal. Para além de se verificar uma grande diversidade de produtos dedicados aos cui-
dados com a aparência e estética do homem, na Figura 5 pode-se observar como se equilibra
o recurso a modelos de ambos os sexos. Ao contrário do estudo realizado por Goffman
(1999), em que a mulher se apresentava subalterna ao homem na publicidade, atualmente,
esta diferença não se regista, pelo menos a aferir pela análise da Visão. Pode-se perceber que
a indústria do design corporal pretende promover o consumo tanto por parte do público mas-
culino como feminino. Os artigos unissexo são também um fenómeno recente, com origem
perto dos anos 90, demonstrando a tentativa de aumentar o consumo do público masculino
e diminuir a dissimetria existente entre homens e mulheres no que toca ao consumo da moda
e cosmética. Assim, indo ao encontro da análise realizada por Lipovesky (2014), é comum
encontrar no dia-a-dia uma presença constante de discursos, imagens, publicidade, etc., que
tentam promover uma aproximação do consumo masculino ao consumo feminino no que
toca aos cuidados estéticos e da aparência.
Figura 5: Fotografias tiradas aos anúncios da marca "camel active" e “Timberland”, presentes na revista
Visão. Edição, 1134 (Montagem do autor).
Na sociedade atual, retratada pela revista Visão, a moda masculina encontra-se em
pé de igualdade com a moda feminina, essencialmente no que toca a anúncios de vestuário.
Na Figura 6 verifica-se como os anúncios de moda, alusivos à esfera do bem-parecer,
são praticamente equiparáveis e atendendo às especificidades do sexo masculino e feminino.
Metodologia da Pesquisa
45
Ao contrário do que se pôde analisar na revista Flama, a revista Visão contempla pratica-
mente tantos anúncios de indumentária masculina como feminina.
Figura 6: Fotografias tiradas da revista Visão, edição 1135 (Montagem do autor).
Constata-se uma grande evolução do público masculino, ao longo do tempo, como
sujeito consumidor da indústria de design corporal, nomeadamente de produtos e serviços
relativos à esfera do bem-parecer. No entanto, esse grande crescimento do consumo por parte
do público masculino não é comparável ao consumo do público feminino, ao nível dos pro-
dutos e serviços fornecidos pela indústria do design corporal que contemplam a esfera do
bem-parecer. Lipovetsky (2014) refere que continua a haver uma dissimetria dos papéis e
estéticas entre os dois sexos. Segundo o autor é inegável que os homens, atualmente, mos-
tram muito mais preocupação com a sua aparência, no entanto, as mulheres redobram os
seus esforços, persistindo assim uma cultura desigual da beleza marcada pela superioridade
do público feminino (idem).
Relativamente à esfera do bem-estar, regista-se uma diminuição da ocorrência de
anúncios publicitários da revista Flama para a revista Visão (ver Tabela 2). Este facto levanta
várias questões, sendo que, atendendo às especificidades de alguns anúncios, podem-se
avançar algumas respostas. Em primeiro lugar, verifica-se que grande parte dos anúncios
publicitários da revista Flama, alusivos à esfera do bem-estar, correspondem ao mesmo pro-
duto (“Saltratos Rodel”), demonstrado na Figura 7.
Metodologia da Pesquisa
46
Figura 7: Anúncio publicitário “Saltratos Rodel”. Flama, edição 836
O texto que acompanha a ilustração do anúncio remete para a sensação de bem-estar
que, segundo Ferreira (2011), está implicada na esfera do bem-estar. O facto de os anúncios
que surgiram na revista Flama de 1964, pertencentes à esfera do bem-estar, serem maiorita-
riamente relativos à publicidade do mesmo produto pode indicar a existência de espaços
publicitários que podem ser pagos ou alugados para o efeito de publicidade. Existem várias
possibilidades que estão fora do controlo desta análise, no entanto podem sempre exercer
alguma influência nos dados obtidos. Ainda assim, é verdade que se constatou uma diminu-
ição na ocorrência de anúncios publicitários alusivos a esfera do bem-estar da revista Visão
para a revista Flama, mas registou-se uma maior diversidade de serviços e produtos nos
anúncios de publicidade analisados nas edições do ano de 2014. Com base na literatura, o
indivíduo atual é um “consumidor emocional” que procura obter do comércio, bens e servi-
ços que o satisfaçam emocionalmente. Verifica-se também que o poder de compra pode ter
impactos no estado emocional dos indivíduos, causando a sensação de prazer (Lipovetsky,
2014; Fortuna, 2002). Segundo Lipovetsky, o novo espírito do capitalismo está também cen-
trado no valor do prazer que se pode retirar dos bens materiais, no hedonismo do bem-estar,
divertimento e outras formas que proporcionem prazer e satisfação pessoal. O autor identi-
fica um novo design, emocional consumista, que promove a dimensão do prazer sensorial
Metodologia da Pesquisa
47
do consumidor. Este novo design está ligado à promoção da sensibilidade e bem-estar pes-
soal dos consumidores (idem). Já segundo Fortuna:
[Este] hedonismo diz respeito ao facto de a busca da satisfação pessoal se ter
deslocado do prazer alcançado a partir de práticas de consumo bem delimitadas
para a satisfação pessoal que pode ser retirada de um conjunto vastíssimo de ex-
periências. Por outras palavras não se trata apenas de ostentar sinais particula-
res de satisfação e prazer pessoal, mas de experimentar situações tão diferencia-
das quanto estimulantes, promovidas pelas oportunidades do consumo em geral e
do comércio em particular. (Fortuna 2002, 11)
Ora, desta forma, pode-se observar que a esfera do bem-estar tem vindo a assumir
novas configurações, abarcando novos tipos de produtos e serviços que não diretamente li-
gados ao design corporal, mas que podem ter impactos nele. Por exemplo, anúncios publici-
tários como viagens de férias, entre outros, podem provocar impactos no bem-estar dos in-
divíduos que se venham a notar até na sua aparência, sendo que, no entanto, não podem ser
contabilizados para a análise, uma vez que não contemplam diretamente a indústria do de-
sign corporal. Desta forma, percebe-se que atualmente existem também indústrias que têm
influência sobre o design corporal, apesar de não estarem integradas diretamente nas esferas
da indústria do design corporal. Esta conclusão levanta novas questões, nomeadamente sobre
a configuração e estrutura que Ferreira (2011) faz sobre a indústria do design corporal e as
suas três esferas. Estas considerações serão abordadas no próximo capítulo. A Figura 8 é um
bom exemplo dos casos acabados de referir.
Figura 8: Visão. Edição 1108
Metodologia da Pesquisa
48
O anúncio presente na Figura 8 refere-se a “férias tranquilas” que como alerta For-
tuna (2002), remetem para um “conjunto vastíssimo de experiências” que podem promover
a satisfação pessoal e que, por consequência, levam a concluir que também terá efeitos no
bem-estar dos indivíduos. Ainda assim, o serviço publicitado no anúncio da Figura 8 não
integra diretamente a indústria do design corporal, sobretudo de acordo com a definição de
Ferreira (2011). No entanto, anúncios publicitários como o presente na Figura 9 foram con-
tabilizados para análise deste trabalho, mais precisamente na análise de ocorrência de anún-
cios alusivos à esfera do bem-estar.
Figura 9: Anúncio publicitário das "Termas de Caldelas". Fotografia tirada à revista Visão, edição 1125.
Relativamente à esfera do bem-fazer verifica-se um grande aumento em termos da
ocorrência de anúncios publicitários. Em todas as edições analisadas, na revista Flama
(1964) só se encontraram 2 anúncios publicitários, enquanto na revista Visão (2014) se en-
contraram 35. Este aumento é motivado também pelos avanços tecnológicos registado no
intervalo que medeia a publicação das revistas analisadas. Em 1964 os dois anúncios ocor-
ridos referem-se ao aumento do rendimento físico, um através de um produto alimentar e o
outro através de um aparelho auditivo, como se pode verificar nas Figuras 10 e 11. Pode-se
levantar a questão do facto do desenvolvimento da competência física da audição causar a
Metodologia da Pesquisa
49
sensação de bem-estar aos indivíduos. Este é mais um exemplo da fragilidade conceptual
das três esferas da indústria do design corporal, a abordar posteriormente neste trabalho.
Já no texto presente na margem esquerda da Figura 10 pode-se observar a alusão aos
flocos de cereais Nestum, à energia necessária para cumprir as tarefas diárias e a boa forma
física. Esta imagem foi contabilizada como um anúncio publicitário da esfera do bem-fazer.
Outro anúncio publicitário contabilizado na mesma esfera refere-se a um anúncio publicitá-
rio de aparelhos auditivos (Figura 10). Neste anúncio apresentam-se próteses tecnológicas
que permitem a melhoria da competência auditiva dos indivíduos, facto que levou este anún-
cio a ser contabilizado na análise de ocorrência de anúncios alusivos à esfera do bem-fazer.
Figura 10: Anúncios publicitários com alusão à esfera do bem-fazer. Flama, edições 870 e 876
Feita a análise da revista Visão, encontra-se uma grande diversidade de bens, produ-
tos e serviços que rentabilizam e melhoram o desempenho físico. Como por exemplo próte-
ses e implantes que, através dos progressos de robótica e eletrónica, possibilitam o melhor
funcionamento e desempenho de órgãos ou membros de substituição, como se pode verificar
na Figura 11. Estes produtos causaram grandes impactos na vida das pessoas, promovendo
melhores condições de vida, no caso da substituição das próteses que vieram a substituir os
membros físicos.
Metodologia da Pesquisa
50
Figura 11: Progressos na eletrónica e robótica. Visão, edição 1088
Produtos ou serviços como os demonstrados na Figura 11 eram impensáveis em
1964, daí que se perceba o aumento da ocorrência de anúncios publicitários na revista Visão
de 2014 na esfera do bem-fazer da indústria do design corporal. Mesmo ao nível da medicina,
verificaram-se grandes progressos com impacto no desenvolvimento de competências físicas
dos indivíduos. Pode-se verificar na Figura 12, a publicidade de um produto que apela ao
desenvolvimento de competências em termos do rendimento cerebral e resistência ao stress
mental. Anúncios publicitários como os da Figura 12 são exemplos de anúncios contabiliza-
dos na análise de ocorrência da esfera do bem-fazer e na análise de frequência de anúncios
publicitários da indústria de design corporal.
Metodologia da Pesquisa
51
Figura 12: Anúncios publicitários alusivos à esfera do bem-fazer. Visão, edições 1109 e 1131
A visão de Ferreira (2011) foi, sem dúvida, um forte contributo para o desenvolvi-
mento deste projeto, na medida em que possibilitou trabalhar a grelha de análise dos anún-
cios publicitários e a indústria de design corporal. Foi esse olhar do autor que permitiu chegar
até aqui e tornou possível as questões levantadas durante a análise. Algumas das questões
levantadas surgiram ao observar figuras como a Figura 9, onde se pode constatar a alusão
tanto ao bem-estar como à saúde e ao fornecimento de serviços que permitem o “antistresse”,
o “emagrecimento” e a “terapêutica”. Desta forma, coloca-se a questão se este anúncio deve
ser considerado apenas como um serviço da esfera do bem-estar ou se engloba também as
outras esferas como o bem-parecer ou bem-fazer, uma vez que o “emagrecimento” também
tem impactos na aparência e a terapêutica permite desenvolver ou recuperar competências
físicas. Uma vez levantada esta questão, observando a Figura 7, que nos apresenta o anúncio
publicitário dos “Saltratos Rodel”, também se levanta a dúvida se apenas engloba a esfera
do bem-estar, uma vez que o anúncio diz proporcionar a sensação de bem-estar, aliviando
os pés doridos e fazendo-os sentir rejuvenescidos. Neste mesmo anúncio encontra-se a ex-
pressão “maravilhosamente eficazes”, que também faz alusão à esfera do bem-fazer. Ainda
assim, uma vez que o mesmo produto diz que “os calos acalmados e amolecidos podem ser
extraídos mais facilmente”, está a promover estratégias que facilitam os cuidados com a
aparência e saúde dos pés.
Metodologia da Pesquisa
52
Analisando a Figura 12, cujo anúncio foi remetido para a esfera do bem-fazer, ques-
tiona-se também até que ponto os efeitos prometidos pelo produto não proporcionarão a
sensação de bem-estar, uma vez que eles desenvolvem competências psíquicas aos consu-
midores. Atualmente “estar bem” ou “ter saúde” significa hoje “sentir-se bem” e, deste
modo, traduzem tanto numa boa e saudável condição física como num sentimento agradável
de relacionamento dos sujeitos consigo próprios” (Lash apud Fortuna 2002: 14). Algumas
interrogações assim foram ganhando maior dimensão e pertinência no trabalho desenvolvido
tendo em conta o do modelo analítico utilizado. Com base em alguns anúncios publicitários
observados, verificou-se que se podia estar na presença de um hibridismo entre as três esferas
da indústria de design corporal. Esta constatação viria, no entanto, a desconstruir o argu-
mento de Ferreira (2011). Mas ao fugir ou querer despistar as questões que se levantavam,
juntamente com as barreiras que se erguiam, a análise não estaria a ser sincera nem estaria a
contribuir para um novo olhar sobre a análise realizada. O surgimento destas questões des-
pertou, assim, a necessidade de retomar as descrições feitas por Ferreira (2011) relativa-
mente às três esferas da indústria de design corporal. Tendo em conta a Tabela 1, encontra-
ram-se alguns exemplos dados pelo autor que levantaram algumas suspeitas sobre o carácter
híbrido relativamente às três esferas (bem-parecer, bem-estar e bem-fazer) da indústria de
design corporal. Desta forma, procedeu-se à realização de esquemas representativos, os
quais se podem observar nas Figura 13, Figura 14 e Figura 15 e que apontam razões válidas
para a existência das dúvidas levantadas, já que comprovam a hibridez existente entre as três
esferas, tal como a junção de alguns produtos ou serviços que as englobam e que podem
promover efeitos pretendidos pelas três. Como exemplo, Ferreira (2011) insere na esfera do
bem-parecer o caso das cirurgias plásticas, no entanto segundo Fortuna (2002):
Um conhecido cirurgião estético defende [a] necessidade de homens e mulheres
manterem o seu equilíbrio estético é saudável e em muitas situações pode ser um
importante instrumento de reajuste da estabilidade psicológica do ser humano
(Oliveira apud Fortuna, 2002: 67).
Com este exemplo, pode-se observar que a estética influencia, de certo modo, a saúde
dos indivíduos, proporcionando efeitos também ao nível do bem-estar físico e psicológico.
Metodologia da Pesquisa
53
Bem
-Pa
rece
r Correspondente aos produtos e serviços que prometem o desejado ajustamento aos cânones estéticos do momento,
através da modificação ou conservação do corpo. (ex. produtos cosméticos e dietéticos, químicos e biológicos,
métodos mais imediatos como as cirurgias plásticas ou mais prolongados, como a pletora de actividades físicas e
desportivas cada vez mais diversificadas, sofisticadas, e acessíveis, praticadas em ambientes protegidos e cada vez
mais luxuosos. (Ferreira, 2011: 269).
Há produtos cosméticos que contêm propriedades medicinais (ex. cosmeceuticals). Alguns destes produtos prometem o desenvolvimento de competências da pele (ex. cremes hidratantes, antirrugas, reafirmastes...etc).
Atualmente os produtos cosméticos podem ter impactos diversos. Por vezes a sua publicidade veicula efeitos que abrangem as três esferas.
As atividades físicas e desportivas para além de terem efeitos na aparência das pessoas (bem-parecer) promovem competências físicas (bem-fazer) e a libertação de endorfinas, que tem impactos ao nível do bem-estar das pessoas.
Os produtos dietéticos provocam efeitos tanto na aparência das pessoas (bem-parecer) como na saúde delas, pela perda de peso. Tendo assim impactos na qualidade de vida das mesmas, provocando assim efeitos que abrangem as três esferas.
As cirurgias plásticas para além de causarem efeitos na aparência das pessoas, podem promover maior autoestima, provocando assim efeitos no bem-estar das pessoas. Têm também o objetivo de reconstituição de partes do corpo por razões médicas ou estéticas. As razões médicas podem abranger outras esferas para além do bem-parecer.
Figura 13: Esquema representativo do carácter híbrido da esfera do bem-parecer
Bem
-Est
ar
Compreende produtos e serviços que asseguram o prazer e satisfação pessoal através do corpo:
toda uma gama de acessórios de banho e de casa que prometem o relaxamento e a estimulação
prazerosa dos sentidos (velas, sabões e espumas de banho perfumadas); do corpo ou nele
ancoradas ao serviço da psique, como os spas, as terapias bioenergéticas e de meditação, bem
como os inúmeros tipos de massagens ou outras actividades de importação oriental; ou as
próteses farmacológicas que regulam, dominam e/ou transformam os seus humores como o
Prozac e outros antidepressivos e ansiolíticos (Ferreira, 2011: 270).
Este tipo de produtos, reguladores de humor , têm impactos na aparência (bem-parecer) dos consumidores.
Permitem também um melhor desempenho diário (bem-fazer).
Há diversas terapias bioenergéticas, muitas são utilizadas para o tratamento de problemas respiratórios, digestivos e neurológicos.
Pode-se verificar então que este tipo de terapias não só têm impactos na esfera do bem-estar como também na esfera do bem-fazer.
Também se vende sabão medicinal que combate a queda de cabelo e problemas de pele.
Verifica-se assim que o sabão também pode promover tanto a beleza da pele (bem-parecer) e desenvolver as suas competências (bem-fazer).
As massagens podem ter vários fins, alguns de relaxamento muscular, mas também fins terapêuticos, são utilizadas também em fisioterapia, por exemplo.
Desta forma elas podem também abarcar a esfera do bem-fazer.
Figura 14: Esquema representativo do carácter híbrido da esfera do bem-estar
Metodologia da Pesquisa
54
Bem
-Faze
r Constituído pelos produtos ou serviços que afiançam os elevados padrões de desempenho,
saúde e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo: bebidas e produtos energéticos que
possibilitem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado; pastilhas que asseguram uma
ou mais noites consecutivas de dança e euforia; próteses farmacológicas químicas ou naturais
que garantem a obtenção de um melhor desempenho e rendimento sexual, são alguns dos
produtos hoje disponíveis neste segmento de mercado (Ferreira, 2011: 269).
Ter um desempenho e rendimento sexual, tem impactos no bem-estar dos indivíduos, uma vez que torna a pessoa mais confiante e com melhor autoestima.
As bebidas e produtos energéticos, promovem também o bem-estar das pessoas (permitindo-as enfrentarem horas a fio de folia, ou até mesmo terem um grande desempenho numa aula de ginásio e não acusarem cansaço).
Desta forma, provocam também consequentemente, efeitos ao nível das três esferas da indústria de design corporal, uma vez que permitem obter um rendimento acima das suas possibilidades naturais.
Saúde e vitalidade são hoje em dia associados ao bem parecer dos indivíduos.
Atualmente as pessoas associam muito a beleza à saúde. Segundo Lipovetsky (2014) hoje é necessário parecer jovem. É neste âmbito que a vitalidade pode englobar-se na esfera do bem-parecer.
Figura 15: Esquema representativo do carácter híbrido da esfera do bem-fazer
Na Figura 16 pode-se verificar a alusão ao “conforto” (bem-estar), à “estética” (bem-
parecer) e à “função” (bem-fazer). Desta forma temos presente no mesmo anúncio publici-
tário as três esferas da indústria de design corporal.
Figura 16: Anúncio publicitário: "Instituto de Implantologia-Medicina Dentária". Fotografia tirada à re-
vista Visão, edição 1101
Metodologia da Pesquisa
55
Situações como esta condicionaram a realização de uma análise da frequência da
ocorrência dos anúncios exclusiva para cada uma das três esferas da indústria de design cor-
poral, dada a dificuldade em enquadrar alguns anúncios apenas numa das categorias. Por
isso, realizou-se uma análise de ocorrência de anúncios alusivos para cada uma das três es-
feras e uma análise de frequência de anúncios atendendo à indústria de design corporal, in-
dependente da esfera respetiva. No entanto o paradigma deparado para além de trazer con-
sigo todas as interrogações e barreiras, já apresentadas, veio a desenvolver um novo olhar e
uma reformulação sobre a indústria de design corporal. O próximo capítulo deste projeto de
dissertação será dedicado a essa nova conceptualização.
Relativamente à análise comparativa, em termos da frequência de anúncios publici-
tários ocorridos da indústria de design corporal, verifica-se uma grande discrepância entre
as duas revistas analisadas, registando a revista Visão uma maior frequência face à revista
Flama. Este facto deve-se a várias razões: a própria evolução dos serviços e produtos, co-
mércio e indústria do design corporal e o desenvolvimento do capitalismo que também se
faz notar na predominância e emergência da publicidade nos media e imprensa escrita. A
própria indústria acompanhada de “mercados emergentes” tem-se desenvolvido, fazendo-se
acompanhar pela publicidade e divulgação dos respetivos produtos. Estes são alguns fatores
que influenciam o aumento de publicidade nos dias de hoje. Neste sentido, Featherstone
(1991) analisa que a constante presença da publicidade na vida das pessoas ajuda a criar um
ideal de vida quotidiana que é inseparável do consumo. Desta forma, a publicidade vai for-
necendo as diretrizes aos sujeitos consumidores a partir do que está disponível à sua volta,
para que assim possam concretizar os seus desejos, nomeadamente o desejo de atingir o
“corpo ideal” que é veiculado e promovido tanto pelos media como, atualmente, pela própria
indústria de design corporal.
Atendendo à especificidade da indústria de design corporal e ao aumento de frequên-
cia dos seus anúncios na análise comparativa entre a revista Flama e Visão, é percetível a
evolução deste tipo de indústrias numa época que tendemos, cada vez, mais para uma soci-
edade individualista e hedonista. Na sociedade atual, a preocupação com a imagem corporal,
com a saúde e competências físicas do indivíduo tomam grandes proporções. Numa relação
de interdependência, a sociedade atual promove as condições necessárias para que a indústria
do design corporal se desenvolva e esta provoca na sociedade a necessidade e dependência
Metodologia da Pesquisa
56
do seu desenvolvimento. Relativamente a este relacionamento interdependente, Goffman
(1999) refere que o trabalho publicitário se identifica muitas vezes com as tarefas de uma
sociedade, pois ambos condicionam o comportamento e os gostos dos indivíduos. Bauman
(2001) analisa também como a presença da publicidade na vida das pessoas ajuda a criar
ideais de corpos que os indivíduos tentam atingir, de forma a passarem uma imagem de si
atraente aos outros e de acordo com os cânones atuais de beleza. Assim, percebe-se que o
aumento da frequência da publicidade da indústria de design corporal, na imprensa escrita,
demonstra como esta é uma indústria que, para além de estar a renovar-se, têm visto aumen-
tar o seu mercado. A indústria de design corporal tem crescido largamente, fragmentando
produtos e clientes, criando novas lojas, produtos, fabricantes, institutos de beleza, empresas
de cosméticos, produtos de modificação e manutenção corporal e, com ela, as preocupações
em manter um corpo entre os cânones ideais de beleza cresce exponencialmente (Ferreira,
2011). Na época contemporânea hipermoderna, sectores como a alimentação, corpo, cosmé-
tica e saúde são cada vez mais promovidos. Este facto faz-se notar no aumento da frequência
com que os media e imprensa veiculam os produtos e serviços deste sector do mercado.
Observando os dados da Tabela 29, verifica-se um aumento da revista Flama para a
revista Visão, de 95 para 110, no que toca ao total de anúncios publicitários ocorridos, aten-
dendo às três esferas da indústria do design corporal. No entanto, não é apenas esse aumento
que importa para a análise, mas sim ter em conta a diversificação e proliferação de novos
bens, produtos e serviços, em que a indústria do design corporal consegue estar presente.
Fortuna (2002) refere que o comércio e o consumo são eles próprios agentes de modificações
socioculturais e comportamentais dos indivíduos. Atendendo ao total de 147 anúncios ocor-
ridos na revista Flama e de 189 na revista Visão, verifica-se uma maior presença de anúncios
publicitários da indústria do design corporal na imprensa escrita atual. Com base na análise
realizada constatou-se também uma maior diversidade de bens e serviços desta indústria na
revista Visão de 2014.
9 Ver em: 3.2.3 Análise comparativa da revista Flama e Visão, em termos da ocorrência de anúncios publicitá-
rios alusivos às três esferas da indústria do design corporal.
57
4 Indústria do design corporal: indústria híbrida e moldável
58
Indústria do design corporal: indústria híbrida e moldável
59
A abordagem e configuração separatista das três esferas da indústria do design cor-
poral revela-se frágil quando testada na análise realizada. Com base no trabalho realizado
passou-se a considerar a indústria do design corporal como híbrida e moldável. Híbrida con-
siderando que as três esferas que a compõem se entrecruzam e misturam no que toca à sua
composição e efeitos. O seu carácter reconfigurativo, consoante as exigências da sociedade
e dos seus consumidores torna-a moldável, pela sua capacidade de adaptação em diferentes
espaços e momentos sociais. A indústria do design corporal é, assim, composta por vários
elementos, secções, serviços e produtos tanto na sua formação como carácter comercial.
A expansão do comércio e produção capitalista na área da indústria do design corpo-
ral tem vindo a desenvolver mercados emergentes que têm disponibilizado produtos multi-
funcionais. Estes mercados emergentes pretendem abranger um público variado de consu-
midores como, por exemplo, seniores, jovens, crianças e de culturas diferentes (Fortuna
2002). Este tipo de produtos e serviços “evaporaram as fronteiras” definidas por Ferreira
(2011) em relação às três esferas da indústria do design corporal. Originam-se sobreposições,
interpenetrações e transversalidades no que toca aos efeitos e composições deste tipo de
produtos e serviços. O exemplo das massagens, por exemplo, não têm apenas o efeito de
bem-estar, como também uma componente terapêutica. Os produtos cosméticos não corres-
pondem apenas a melhorias estéticas, pois são agora também compostos por ingredientes
utilizados em medicamentos e fármacos, como é o caso dos “cosmeceuticals”.
Atualmente vendem-se próteses farmacológicas que permitem mudar o nosso “es-
tado de espírito”, como antidepressivos. Estes não têm apenas um impacto no bem-estar
físico ou psíquico, já que os seus efeitos têm implicações na aparência dos consumidores.
Os produtos dietéticos são vendidos com a promessa de terem efeitos no visual dos indiví-
duos, mas também impactos na sua saúde e qualidade de vida. Nestes e muitos outros casos
quebram-se as demarcações criadas pelas três esferas das indústrias de design corporal, já
que se encontram-se impactos no bem-parecer, bem-estar e bem-fazer dos indivíduos. Vive-
se um tempo “hiperconsumista” onde predomina uma hibridação dos territórios e produtos
comerciais. Este “enredo” não se trata apenas de uma estratégia de marketing já que a com-
plexidade vai muito mais além disso. Não se trata apenas da criação de um sujeito consumi-
dor cada vez mais exigente, de um desenvolvimento comercial, industrial, científico ou da
atribuição de um “valor acrescentado” aos serviços e produtos, deve-se também à crescente
Indústria do design corporal: indústria híbrida e moldável
60
concorrência, dada a competitividade cada vez maior entre os mercados e produtores da in-
dústria do design corporal. O indivíduo urbano, da sociedade contemporânea, preocupa-se
cada vez mais com o modo como se apresenta aos outros e com a forma como pode tirar o
maior proveito da utilização do seu corpo, sendo fruto de todo um processo global de trans-
formação cultural e social, onde os indivíduos passaram a dar cada vez mais importância ao
belo tornando-se “consumidores estéticos de massa”. O indivíduo passou a ser visto como o
único responsável pelos cuidados com a sua aparência e beleza, uma vez que é um ser autó-
nomo e tem à sua volta um mercado que lhe disponibiliza todos os bens e serviços necessá-
rios para atingir esses fins.
A indústria do design corporal veio a provocar novas tendências e alterações no quo-
tidiano dos indivíduos, resultando em mudanças comportamentais, dos gostos, do consumo
e, por consequência, culturais. Lipovetsky refere:
Enquanto se fundem as fronteiras da saúde e da alimentação, da medicina e da
dopagem, o mercado regista o sucesso de produtos tonificantes e estimulantes, de
produtos enriquecidos em vitaminas e minerais e outras «pílulas da perfor-
mance»: já não se trata de uma saúde assegurada [apenas] pela via estética mas
pelo consumo farmacológico e pelos «comprimidos químicos da felicidade», para
estar à altura dos imperativos da performance (2014, 463)
Vive-se um tempo onde várias indústrias cruzam fronteiras. A indústria farmacêutica
coopera com a indústria cosmética e a saúde e medicina estão copresentes em muitos ramos
comerciais. Desta forma, verifica-se o hibridismo resultante do cruzamento das três esferas
da indústria de design corporal. Observa-se também uma diminuição do poder hegemónico
e da credibilidade que a medicina convencional e entidades que a exercem tiveram outrora.
São atualmente cada vez mais os serviços e produtos que se orientam para a promoção e
cuidados com a saúde dos indivíduos. A indústria do design corporal tem um leque variadís-
simo de produtos e serviços, disponíveis nos mais diversos locais, acessíveis à maior parte
dos consumidores. Grande parte desses produtos e serviços prometem melhorias ao nível da
saúde, performance, bem-estar e qualidade de vida, não necessitando de receitas médicas.
Atualmente verifica-se um grande crescimento e diversidade no que toca a vias terapêuticas,
ligadas por exemplo, ao ramo das medicinas alternativas. Estas novas formas de tratamento
e cuidados com a saúde trazem mudanças que produzem grandes efeitos na cultura urbana e
social das sociedades ocidentais atuais.
Indústria do design corporal: indústria híbrida e moldável
61
Nas sociedades contemporâneas, predomina a ideia de que a beleza é um sinónimo
de saúde. Fortuna (2002) evidencia que atualmente o conceito de saúde está fixado ao bem-
estar e como estes dois se traduzem na aparência das pessoas. Segundo o autor: “saúde é
associada ao bem-estar, que por sua vez, é sinónimo de “parecer bem”. Saúde e estética são,
cada vez mais, conceitos complementares” (2002, 39). Esta nova conceção distancia cada
vez mais o papel dos médicos, diminuindo-lhes legitimidade no que toca à problemática da
saúde. Estas mudanças também se fizeram acompanhar das novas configurações que as in-
dústrias farmacêuticas e a ciência médica foram tendo ao longo dos tempos. A elas juntaram-
se preocupações estéticas e ambas se foram associando à atividade comercial e à oferta de
novas soluções para o tratamento do corpo e sua apresentação. A Figura 17 mostra como
atualmente é possível encontrar nas farmácias, não só produtos que conservam e melhoram
a nossa saúde, mas também produtos que promovem a beleza. As farmácias são também um
bom exemplo onde predomina a ideia de que ser-se bonito(a) é ser-se saudável. Dificilmente
se encontra uma farmácia que não esteja recheada de anúncios publicitários, inclusive pos-
ters promocionais da indústria de design corporal.
Figura 17: Fotografia tirada à montra de uma farmácia, em Coimbra, 2014.
É este novo hibridismo, que predomina também numa linha muito ténue entre a ideia
de que “beleza é sinónimo de saúde”, que tem reconfigurado espaços e conceções intrínsecos
à problemática da mesma. As farmácias, que antes eram vistas como um espaço intermediá-
rio das entidades responsáveis pela saúde, agora também são vistas como locais onde os
indivíduos, responsáveis por cuidarem da sua saúde, autonomamente, podem encontrar
meios para o seu embelezamento e melhor qualidade de vida. Nas farmácias encontra-se o
incentivo e publicidade dos cuidados com o corpo e com a sua aparência. O mesmo se pode
Indústria do design corporal: indústria híbrida e moldável
62
dizer relativamente às perfumarias que, dentro do seu estabelecimento, têm secções dedica-
das ao tratamento da pele. Verifica-se também a junção de diferentes tipos de serviços, den-
tro do mesmo estabelecimento como se pode verificar na Figura 18, um estabelecimento
farmacêutico é ao mesmo tempo perfumaria e ortopedia. Estas tornam-se em espaços multi-
facetados, devido à emergência de uma “nova sociedade”, onde a importância da beleza e
aparência veio a desenvolver uma nova reconfiguração da indústria do design corporal, mul-
tiforme, adaptável, hibrida e moldável.
Figura 18: Fotografia tirada em Oliveira do Hospital. (2014)
Atualmente a problemática da saúde e da doença já não está apenas confinada ao
hospital e aos centros clínicos nem à tradicional relação entre o médico e o doente, disper-
sando-se hoje por outros espaços sociais e comerciais de aconselhamento, tratamento e ma-
nutenção física (Gomes, Silva e Malina 2004). Os ginásios são também health clubs e con-
têm uma grande diversificação de serviços, desde hidromassagens, banhos turcos, saunas,
entre muitos outros. O seu público-alvo por consequência é mais diversificado e abrangente,
as pessoas frequentam o mesmo espaço com propósitos diferentes, para melhorar a sua sa-
úde, postura, para perder peso ou até mesmo ganhar em massa muscular. Na Figura 19, pode-
se verificar produtos conhecidos por “suplementos alimentares” e “regeneradores”, que pro-
movem o desempenho físico e o aumento da massa muscular. Estes produtos não necessitam
de receita médica, apesar de apelarem ao aconselhamento médico, antes do seu consumo e
podem se encontrar nalgumas farmácias e hipermercados.
Indústria do design corporal: indústria híbrida e moldável
63
Figura 19: Fotografia tirada dentro de um estabelecimento farmacêutico, Coimbra 2014.
Desta forma pretende-se expor a ideia que não só a indústria do design corporal é
construída por produtos e serviços híbridos no que toca à sua composição e efeitos, mas
também descortinar o fenómeno de que os espaços sociais urbanos também se vão tornando
híbridos no que toca à multifuncionalidade e convencionalidade e que promovem.
Na Figura 20 verifica-se a pluralidade dos serviços oferecidos pela farmácia. Pode-
se observar que tem uma secção, ao fundo da loja, dedicada à dermocosmética, e do lado
direito da figura constata-se a referência à venda de medicamentos não sujeitos a receita
médica. Relativamente ao hibridismo da indústria do design corporal, que se tem vindo a
falar, derivado ao cruzamento entre as três esferas comparativamente à composição dos seus
produtos e efeitos promovidos pelos mesmos. Pode-se notar o quão difícil é, se não impos-
sível, posicionar alguns dos serviços propostos (no lado direito da Figura 20), como é o caso
da ortopedia, puericultura e dermocosmética face às três esferas da indústria do design cor-
poral. Uma vez que a ortopedia pretende corrigir ou prevenir deformidades do corpo, os seus
efeitos poderão ter impactos no aspeto, na aparência, bem-estar e saúde física dos indivíduos,
proporcionando também um melhoramento das suas capacidades e competências. A ortope-
dia, puericultura e dermocosmética são especialidades diferentes com efeitos que abrangem
as três esferas da indústria do design corporal ao mesmo tempo. Este facto deve-se também
às inovações tecnológicas introduzidas no desenvolvimento da produção que contribuíram
para o surgimento da multifuncionalidade dos produtos, passando muitas vezes pelas rela-
ções estabelecidas com a ciência médica ou com a ecologia (Fortuna 2002).
Indústria do design corporal: indústria híbrida e moldável
64
Figura 20: Fotografia tirada à montra de um estabelecimento farmacêutico, em Oliveira do Hospital. (2014)
Estas áreas têm-se introduzido em domínios da atividade comercial, mercantil e pro-
dutivo de uma indústria abrangente, dedicada ao design corporal, onde se manifesta a influ-
ência da cultura contemporânea, mais precisamente de uma cultura urbana onde se verificam
novos cuidados com o corpo. Moda, vestuário, produtos estéticos e alimentares, serviços de
tratamento e modelação física do corpo fazem parte das mais variadas estratégias de apre-
sentação pública dos indivíduos, com implicações económicas e comerciais, provocando
constantes reconfigurações de estratégias empresariais e nas ideologias de consumo (idem).
Estas mudanças provocam alterações na configuração dos espaços sociais, explorando e re-
novando o comércio com um novo conceito, debruçado na saúde, bem-estar e aparência dos
indivíduos. Estes novos espaços emergentes enunciam-se como centros especializados, de
estética, saúde ou bem-estar. Estes novos estabelecimentos comerciais disponibilizam bens
e serviços diversificados, abrangendo as várias esferas (bem-parecer, bem-estar e bem-fazer)
da indústria de design corporal.
Indústria do design corporal: indústria híbrida e moldável
65
Figura 21: Fotografia tirada em Oliveira do Hospital, 2014. (Centro de medicinas naturais)
A Figura 21 apresenta um espaço comercial, de medicinas alternativas. Este tipo de
comércio tem-se desenvolvido, tendo cada vez mais uma presença constante na sociedade
portuguesa atual. O consumidor contemporâneo é cada vez mais um consumidor autónomo,
que não só é responsável pelos seus próprios cuidados, recorrendo cada vez mais à autome-
dicação e reivindicando autonomia na gestão do seu próprio tempo. Estas condições têm
favorecido o recurso a este tipo de medicinas tradicionais. A burocracia presente nos hospi-
tais e centros de saúde têm tornado os processos de atendimento e tratamento demorosos e
dispendiosos. A “decadência” do Sistema Nacional de Saúde tem favorecido a emergência
dos serviços prestados pelas medicinas alternativas. O desenvolvimento das medicinas alter-
nativas, na sociedade atual tem contribuído também para a solução de problemas de saúde
através de produtos naturais e formas de tratamento bem diferentes da medicina convencio-
nal. Verifica-se então uma maior presença de postos comerciais dedicados à promoção da
saúde através de produtos naturais, desenvolvendo um maior foco no surgimento deste mer-
cado dedicado à saúde e bem-estar. Como se pode verificar na Figura 22, os hipermercados
criam secções, dedicadas aos cuidados com o corpo, saúde, bem-estar e estética. Desta forma
constata-se um alargamento e diversificação da oferta de serviços, produtos e também de
novos estabelecimentos/formatos comerciais.
Indústria do design corporal: indústria híbrida e moldável
66
Figura 22: Fotografia tirada no centro comercial Dolce Vita. Coimbra, 2014
Na Figura 23 verifica-se um estabelecimento comercial que preza pela venda de
produtos biológicos/ naturais. O estabelecimento apresentado exerce uma grande variedade
de serviços, desde a venda de produtos cosméticos, suplementos alimentares, receitas dieté-
ticas e serve o apoio de consultadoria por médicos e nutricionistas. Pode-se observar nesta
figura a conjugação diversificada de serviços prestados ao consumidor, com a preocupação
do seu bem-estar físico, atendendo à saúde e estética.
Figura 23: Loja "O Celeiro". Coimbra 2014
Na Figura 24 verficia-se também um estabalecimento que conjuga vários serviços
para a promoção da saúde e que também faz enfase a produtos de origem natural e biológica.
No estabelecimento apresentado na figura, encontra-se vários tipos de medicinas
alternativas, como por exemplo medicinas tradicionais chinesas, como a acupuntura e o
shiatsu, a fitoterapia e osteopatia também estão presentes na montra do estabelecimento. A
Figura 24 é mais um exemplo da atual emergência das medicinas alternativas na sociedade
portuguesa atual.
Indústria do design corporal: indústria híbrida e moldável
67
Figura 24: Fotografia tirada em Oliveira do Hospital, 2014
Na Figura 25 pode-se observar também a plena junção entre estética e saúde na
mesma loja. Na atualidade as pessoas quando entram nas body shops, não distinguem se vão
comprar um produto para o efeito estético ou para fins saudáveis, a multifuncionalidade dos
produtos e serviços proporcionados pela indústria do design corporal provoca este efeito nos
consumidores. Este efeito para além de moldar este tipo de indústria às exigências do novo
consumidor, incentiva também o consumidor a procurar produtos e serviços, que se preocu-
pem tanto com a estética como com a saúde do próprio.
Figura 25: Fotografia tirada em Oliveira do Hospital, 2014. (Nails Designer e Estética)
A presença desta diversidade de serviços e estabelecimentos na vida dos portugueses
tem promovido a atual preocupação com a saúde e estética na sociedade. Os mercados dina-
mizadores da saúde, bem-estar e estética, têm contribuído também para o contínuo desen-
volvimento do culto do corpo na sociedade portuguesa. Grande parte dos produtos e serviços
Indústria do design corporal: indústria híbrida e moldável
68
comercializados pela indústria do design corporal, enfatizam hábitos pela necessidade da sua
utilização no dia-a-dia, quando dizem ser eficazes apenas ao fim de um determinado tempo
de utilização. Desta forma a necessidade da utilização de um produto ou serviço num deter-
minado tempo, gera hábitos na vida pessoal dos indivíduos.
69
5 Conclusão
70
Conclusão
71
O trabalho realizado nesta dissertação demonstrou que a indústria do design corporal
está em constante evolução e crescimento. Através da análise de duas revistas, designada-
mente dos espaços que dedicam à publicidade, verificou-se que o público-alvo da indústria
de design corporal patente nesses anúncios se tem vindo a tornar cada vez mais abrangente,
incluindo o público feminino e integrando essencialmente o consumidor masculino. Verifi-
cou-se a partir da análise da revista Visão de 2014 um aumento de produtos, bens e serviços
dedicados ao público masculino comparativamente à revista Flama de 1964. Constatou-se
também uma mudança no que toca aos figurinos presentes na publicidade relativa à indústria
do design corporal, enquanto na revista Flama de 1964 grande parte eram mulheres. Na re-
vista Visão de 2014 verificou-se ainda uma maior proximidade entre a presença de figurinos
do sexo masculino e do sexo feminino. Pode-se confirmar também uma maior ocorrência de
anúncios publicitários da indústria do design corporal na revista Visão de 2014, o que de-
monstra o crescimento do seu mercado no último meio século em Portugal.
Através da análise das duas revistas, publicadas em épocas distintas, pode-se atestar o
desenvolvimento da industrialização e diversificação dos serviços e produtos proporciona-
dos pela indústria do design corporal nos últimos cinquenta anos, tendo-se complexificado
os gostos e os hábitos do consumidor, atendendo aos cuidados com a saúde, beleza e bem-
estar corporal. A evolução deste setor de mercado contribuiu para uma “democratização”
dos bens e serviços, que permitem várias formas de distinção corporal, tornando mais fácil
a construção de uma imagem corporal individualizada. Atualmente pode aceder-se facil-
mente a grande parte dos bens e serviços disponibilizados por esta indústria nos mais diver-
sos estabelecimentos comerciais. Este facto faz destacar ainda mais a persistência da indús-
tria do design corporal no dia-a-dia dos indivíduos, a qual surge sobre diversas formas: pu-
blicidade, media, imprensa, cartazes, entre outros. Em toda a sociedade esta indústria apre-
senta-se por vezes de forma discreta, mas está sempre cara a cara com os indivíduos, como
se pôde comprovar nas fotografias apresentadas no Capítulo 4 desta dissertação. Esta situa-
ção prolonga o surgimento de novos “ideais de vida” que se aliam ao desenvolvimento de
uma cultura hedonista, em prol da realização de sonhos utópicos da obtenção de corpos ide-
ais, constantemente veiculados na sociedade. A indústria do design corporal que hoje se
conhece deriva de importantes transformações ocorridas na esfera política, social e cultural.
A transferência da responsabilidade estatal para os indivíduos, no que toca à saúde, promo-
veu o desenvolvimento de mercados emergentes e de novos produtos, bens e serviços da
Conclusão
72
indústria do design corporal. Este facto evidenciou-se na análise das duas revistas através da
constatação do aumento, proliferação e diversificação dos serviços publicitados nos vários
anúncios. A aceleração da vida quotidiana despertou a indústria do design corporal para a
necessidade de se reconfigurar, produzindo assim bens e serviços multifuncionais, circuns-
tâncias estas associadas a um mercado com cada vez mais e maior concorrência.
A conceptualização de três esferas da indústria do design corporal consolidou-se central
ao curso deste trabalho. Apesar do surgimento de um nova conceptualização que emergiu na
análise, que se debruça no carácter híbrido desta indústria, não deve ser esquecido que tam-
bém nas situações híbridas se pode identificar as origens naturais dos elementos que as com-
põem. Desta forma a nova conceção sobre o carácter híbrido da indústria do design corporal
não dispensa referência ao exercício sobre os possíveis cruzamentos entre as três esferas
(bem-parecer, bem-estar e bem-fazer), tendo em conta os produtos e serviços tal como os
efeitos que promovem. A complexificação analítica sobre a intersecção das três esferas diz
respeito ao modo como se estruturam as relações de articulação do desenvolvimento publi-
citário, científico, tecnológico e mercantil, com a indústria do design corporal. Desta forma,
com base na análise realizada, verificou-se, em vários anúncios publicitários, o cruzamento
das três esferas da indústria do design corporal: bem-parecer, bem-estar e bem-fazer. Através
da identificação da multifuncionalidade e diversidade dos produtos, bens e serviços que pro-
movem confirmou-se o entrecruzamento e a convergência dos seus efeitos. Constata-se, as-
sim, que se complementam reciprocamente. Salienta-se também a tendência recente de am-
pliação da versatilidade da indústria do design corporal à medida que os consumidores se
vão tornando mais exigentes com a sua saúde, aparência e bem-estar.
A realização deste trabalho despertou a atenção na relação de interdependência que a
imprensa escrita e a publicidade estabelecem entre si, designadamente a forma como estes
dois grandes “mundos” influenciam e promovem o desenvolvimento da indústria do design
corporal. A sociedade atual encontra-se num momento em que os novos setores de mercado
reconfiguram, ou ajudam a reconfigurar, a conceção que os consumidores têm deles, pelo
que procuram constantemente novos conceitos para introduzir no mercado.
A análise aos anúncios publicitários dos produtos, bens e serviços da indústria do design
corporal analisados contêm mensagens híbridas que não remetem para leituras ou interpre-
tações diretas dos efeitos veiculados pelos anúncios. Considerando que a metodologia de
Conclusão
73
pesquisa adotada se centrou em anúncios publicitários da indústria de design corporal, ob-
servou-se que a publicidade em geral se encontra imbricada na indústria, nos media, no co-
mércio, nos produtos e serviços. Assim, quanto mais versáteis forem os produtos e serviços
anunciados pela publicidade, maior será o seu valor e utilidade. Desta forma, averigua-se
que o carácter híbrido dos produtos, bens e serviços, no mercado em geral, se traduz numa
característica que é apreciada pela “sociedade consumidora”.
Por fim, importa salientar que o conceito de “saúde” se foi alterando na sociedade, im-
plicando mudanças recíprocas na indústria do design corporal e seus consumidores. A partir
do momento em que a saúde se alia às qualidades estéticas, ela torna-se um fator determi-
nante para o desenvolvimento de novos mercados e inevitável consumo, por parte dos indi-
víduos, de produtos, bens e serviços da responsabilidade da indústria do design corporal.
Conclusão
74
75
6 Referências Bibliográficas
76
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Referências Bibliográficas
80
81
Anexos
82
Anexos
83
Anexo I Tabelas de registo da frequência da ocorrência de
anúncios publicitários indústrias do design corporal
Tabela da frequência da ocorrência de anúncios publicitários recolhidos da revista Flama
1964
Notas:
1 Edições consultadas da revista Flama do ano de 1964.
2. Anúncios publicitários referentes às indústrias do design corporal.
Janeiro Fevereiro Março Abril FLAMA
19641 82
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Maio Junho Julho Agosto FLAMA
19641 84
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Setembro Outubro Novembro Dezembro FLAMA
19641
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Anexos
84
Tabela da frequência da ocorrência de anúncios recolhidos da revista Visão 2014
Notas:
1 Edições consultadas da revista Visão do ano de 2014.
2. Anúncios publicitários referentes às indústrias do design corporal.
Janeiro Fevereiro Março Abril VISÃO 20141
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Maio Junho Julho Agosto VISÃO 20141
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Setembro Outubro Novembro Dezembro VISÃO 20141
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Anexos
85
Anexo II Tabelas de registo da ocorrência de anúncios publi-
citários atendendo às três esferas das indústrias do design cor-
poral
Tabela da ocorrência de anúncios publicitários atendendo às três esferas das in-
dústrias do design corporal, recolhidos da revista Flama 1964
Notas:1 Edições consultadas da revista Flama do ano de 1964.
Janeiro Fevereiro Março Abril
FLAMA
19641 82
6
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7
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8
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0
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8
83
9
84
0
84
1
84
2
Bem-
Parecer X X X X X X X X X X X X X X X X X
Bem-
Estar X X X X X X X X X X X X X
Bem-
Fazer
Maio Junho Julho Agosto
FLAMA
19641 84
3
84
4
84
5
84
6
84
7
84
8
84
9
85
0
85
1
85
2
85
3
85
4
85
5
85
6
85
7
85
8
85
9
86
0
Bem-
Parecer X X X X X X X X X X X X X X X X X X
Bem-
Estar X X X X X X X X X X X X X X X X X
Bem-
Fazer
Setembro Outubro Novembro Dezembro
FLAMA
19641 86
1
86
2
86
3
86
4
86
5
86
6
86
7
86
8
86
9
87
0
87
1
87
2
87
3
87
4
87
5
87
6
87
7
Bem-
Parecer X X X X X X X X X X X X X X X X X
Bem-
Estar X X X X X X X X X X X
Bem-
Fazer X X
Anexos
86
Tabela da ocorrência de anúncios publicitários atendendo às três esferas das in-
dústrias do design corporal, recolhidos da revista Visão 2014
Notas: 1 Edições consultadas da revista Visão do ano de 2014.
Janeiro Fevereiro Março Abril
VISÃO
20141 10
87
10
88
10
89
10
90
10
91
10
92
10
93
10
94
10
95
10
96
10
97
10
98
10
99
11
00
11
01
11
02
11
03
Bem-
Parecer X X X X X X X X X X X X X X X X X
Bem-
Estar X X X X X
Bem-
Fazer X X X X X X X X X X X X X X
Maio Junho Julho Agosto
VISÃO
20141 11
04
11
05
11
06
11
07
11
08
11
09
11
10
11
11
11
12
11
13
11
14
11
15
11
16
11
17
11
18
11
19
11
20
11
21
Bem-
Parecer X X X X X X X X X X X X X X X X X X
Bem-
Estar X X X X X X X X X X X X
Bem-
Fazer X X X X X X X X X X
Setembro Outubro Novembro Dezembro
VISÃO
20141 11
22
11
23
11
24
11
25
11
26
11
27
11
28
11
29
11
30
11
31
11
32
11
33
11
34
11
35
11
36
11
37
11
38
Bem-
Parecer X X X X X X X X X X X X X X X X X
Bem-
Estar X X X X X X
Bem-
Fazer X X X X X X X X X X X