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    O CULTIVO DO DESENHO INFANTIL NA APRENDIZAGEM COMPARTILHADA

    Rosa Iavelberg - USP

    Fernando Chui de Menezes - USP

    RESUMO

    O desenho infantil aprendido em diversos contextos. Tomando culturas de desenho,educao escolar e didtica contempornea, analisamos a modalidade organizativanomeada de aprendizagem compartilhada, no recorte interao entre pares em situao defazer desenho, como interveno didtica que expande o repertrio grfico e promove acompetncia desenhista. Buscamos caminhos para a didtica da arte que observem a

    produo de desenhos pela criana tendo como fonte, entre outras diversas, a faturasimultnea com pares.

    Palavras-chave: Desenho infantil; aprendizagem escolar, didtica da arte.

    ABSTRACT

    The children's drawing is learned in different contexts. Taking drawing cultures,contemporary school education and teaching, we analyze the particular organizational formof shared learning, pair interaction in cutting in a position to make drawing as didacticintervention that expands the repertoire and promotes drawings competences. We seek to

    elucidate the teaching of art that looks at the production of drawings by the child as having,among other diverse sources, the executing with simultaneous pairs.

    Key words: Childrens drawing; scholar learning; teaching art.

    Introduo

    A questo de como a criana aprende a desenhar no costuma receber muita

    ateno da pedagogia, no obstante o desenho infantil seja tema recorrente nahistria do pensamento pedaggico. Relacionado de modo geral ao

    desenvolvimento cognitivo e expresso de sua espontaneidade, o desenho da

    criana costuma ser estudado na perspectiva de que os atos de aprendizagem em si

    parecem ter menos relevncia do que seus resultados. Por conseguinte, a reflexo

    sobre o desenvolvimento de formas de desenhar ideias e procedimentos ,

    associadas s construes pessoais de estilo, salvo excees, no so muito

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    comuns no contexto da pesquisa pedaggica.

    Todavia, com um olhar dialtico sobre o conhecimento, podemos compreender que

    o objeto da aprendizagem e a pessoa que aprende no precisam sernecessariamente dissociados e tratados em separado. A cultura o espao

    dinmico em que se reafirmam as tradies na mesma medida em que os conceitos

    se desconstroem e se redirecionam no tempo. Ao pensarmos o desenho como algo

    a ser cultivado na criana e no somente estimulado afetivamente ou ensinado

    temos como premissa a ideia de aprendizado da linguagem como imerso na

    cultura, espao de aprendizado social onde se aprende, hoje cremos, muito mais por

    vias internas ao aprendiz do que por introjeo do que se quer deliberadamenteensinar.

    Nessa linha, observamos que o desenho se d como fenmeno cultural e, portanto,

    como fenmeno de aprendizado interativo e, sobretudo, social. Percebemos, pois,

    que uma maneira interessante de pensar o desenho assim como seu aprendizado

    o processo de assimilao de signos presentes na cultura (ou nas culturas) de

    desenho por meio do convvio com processos de outros desenhistas. Tendo em

    vista que a forma de desenhar no se desprende dos padres esperados pelacultura vigente qual se est filiado (Wilson, Hurwitz, Wilson, 1987), temos como

    ideia a reflexo do aprendizado do desenho por meio da interao social em sala de

    aula.

    Entre as teorias de aprendizado evidencia-se ainda hoje a sociointeracionista de Lev

    Vigotski que, ao lado da epistemologia gentica de Jean Piaget, tornou-se

    referencial no sentido da desconstruo de vises menos abrangentes dos

    processos educacionais como o inatismo, o behaviorismo ou o empirismo. Do ponto

    de vista da incorporao da cultura, pensamos que a teoria sociointeracionista de

    Vigotski pode indicar alguns caminhos para uma didtica interativa no desenho,

    assim como ser ponto de partida para discusses.

    Em Pensamento e linguagem, Vigotski (1979) afirma que os nossos signos so

    construdos culturalmente e que a partir da interao social que a criana passa da

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    inteligncia prtica simblica. A funo do professor seria estimular o aluno em

    sua potencialidade, no lanando a ele propostas inalcanveis e nem tampouco

    outras que apenas reforcem um conhecimento que lhe seja redundante. Uma das

    razes do espao escolar seria providenciar determinados conhecimentos

    organizados sistematicamente que, sem tal didatismo, no poderiam ser

    desenvolvidos apenas pela vivncia cotidiana.

    No obstante, mais do que discutirmos a interveno do professor em sala de aula

    por meio dessa sistematizao do conhecimento e da organizao didtica que

    facilitaria o desenvolvimento do que Vigotski (1979) chamou ento de conceitos

    cientficos aqueles que no se aprenderiam meramente pelo cotidiano no escolar

    , pensamos em analisar, ainda que brevemente, os processos hbridos de

    assimilao de conceitos cotidianose cientficos que ocorrem no convvio social da

    sala de aula.

    Por essa via, podemos indagar inicialmente:

    De que maneiras um aluno aprende o desenho ao conviver e dialogar com

    outros alunos em processos de aprendizado simultneos?Como se incorpora linguagem ao olhar para o modelo alheio?

    Como o aprendizado estimulado pela interao social pode fazer parte do

    planejamento didtico na arte-educao?

    No contexto da arte, e mais particularmente do desenho, que aes didticas

    poderiam ser pensadas?

    Diante de tais questes e sem necessariamente termos a pretenso de respond-

    las em absoluto, mas, sobretudo, lanarmos ideias a respeito , buscaremos neste

    artigo refletir sobre a prtica artstica do desenho infantil, observando a relevncia da

    interao entre os pares na sala de aula como fator de desenvolvimento da

    linguagem desenhista.

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    Desenho e interao

    O desenho da criana foi mais estudado em seus produtos do que em seus

    processos. Apesar de muitos autores do sculo XX (Luquet, Lowenfeld, Kellogg,

    Mridieu), at os anos 1980, descreverem atribuies especficas da linguagem do

    desenho infantil, a maioria observou as transformaes significativas que ocorrem

    ao longo do desenvolvimento do desenho da criana, ordenando-as e nomeando-as

    em fases sucessivas, descrevendo alguns procedimentos que definem o processo

    em crianas individualmente para afirmar a existncia de constncias que denotam a

    universalidade do grafismo da infncia.

    A concepo didtica, at ento, no privilegia as interaes enquanto as crianasdesenham como caminho para a criao. Pouco se escreveu sobre aprendizagem

    ou intervenes didticas para promover o desenho, havia o pressuposto de que

    aquilo que espontneo no aprendido, se desenvolve.

    A postura dos professores ecoava escritos tericos que concebiam a manifestao

    artstica da criana considerando-a natural, universal e, por vezes, demandando

    incentivos percepo, imaginao, experincia de vida, criao espontnea

    em desenho e confiana em si para desenhar. Muitos desses pressupostos so

    adequados at hoje como orientao criana que desenha, entretanto, os

    educadores se permitem incluir a aprendizagem compartilhada no desenho entre

    crianas como uma entre muitas outras das intervenes implementadas a partir dos

    anos 1980, para o desenho da criana se enriquecer, avanar e no estagnar.

    Cremos que a estagnao sintoma da livre expresso que no se alimenta das

    informaes do patrimnio de e sobre desenhos.

    O que acontece entre as crianas pequenas quando so autorizadas a trocar

    repertrio grfico com seus colegas na sala de aula revela formas de aprender a

    desenhar no observveis quando acompanhamos apenas os resultados de

    desenhos de uma criana individual ou de vrias crianas.

    Afirmamos que parte importante da aprendizagem se d quando o aluno interage, ao

    desenhar, com o desenho de outras crianas, pergunta sobre como se faz o que no

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    sabe fazer por si, comenta e recebe comentrios sobre seu desenho e,

    principalmente, v o outro fazendo aquilo que deseja aprender a fazer. O mesmo

    aluno simultaneamente tambm pode ensinar procedimentos que domina aos pares

    que por eles se interessam.

    Para isto acontecer, preciso que o aluno saiba que est agindo de acordo com o

    esperado, autorizado pelo contrato didtico, termo que afinamos com Dlia Lerner:

    Ao analisar as interaes entre professores e alunos acerca dos contedos,pode-se postular que tudo acontece como se essas interaesrespondessem a um contrato implcito, como se as atribuies que oprofessor e os alunos tm com relao ao saber estivessem distribudas deuma maneira determinada, como se cada um dos participantes na relao

    didtica tivesse certas responsabilidades e no outras quanto aoscontedos trabalhados, como se tivesse sido tecido e enraizado nainstituio escolar um interjogo de expectativas recprocas... (LERNER,2005: 36)

    Ao observar um parceiro de sala desenhando formas que ainda no domina, a

    criana tem nele um mediador de procedimentos e dicas e, assim sendo, pode a ele

    recorrer para alcanar as faturas desejadas.

    Observamos em sala de aula esta modalidade do aprender a desenhar de forma

    compartilhada entre duplas ou mesmo em uma mesa onde muitas crianas

    desenham lado a lado. O curioso que estas mesmas crianas participam de outras

    formas do aprender a desenhar na escola quando propostas so feitas mediante o

    contato com desenhos de artistas e visualidades do entorno.

    Queremos situar a aprendizagem compartilhada de desenho entre pares como

    aprendizagem escolar orientada, modalidade organizativa intencional do professor

    para ensinar que tem como propsito a expanso do repertrio e da competncia de

    cada desenhista. Neste sentido, importante que o professor observe se o papel de

    orientador do desenho do outro que ocorre entre os alunos muda de um sujeito

    para outros, pois no permanecendo sempre com a mesma criana da dupla ou do

    grupo evita a dependncia na interao entre os iguais.

    As situaes interativas podem ser mobilizadas tanto por propostas de ao criadas

    pelo professor como por interao espontnea entre as crianas na hora do desenho

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    de percurso de criao, quando escolhem, dentro de um conjunto de opes, temas

    e materiais para trabalhar.

    Nas crianas, as prticas sociais do aprender arte entre artistas adultoscomparecem quando observam imagens de arte para conhecer e assimilar s suas

    o que lhes interessa, recebem orientaes sobre procedimentos tcnicos de

    pessoas que os dominam ou experimentam exerccios de leitura de imagens verbais

    ou no verbais.

    O contexto da sala de aula de arte

    Tanto na educao bsica quanto em cursos especficos de desenho, a aula de arte

    costuma ser um espao bastante particular do ponto de vista de sua prxis, ou seja,

    no mbito de sua prtica e reflexo.

    Isso se d por conta da especificidade do conhecimento que se pretende vivenciar

    em aula. A prtica de linguagens da arte, diferente das cincias exatas ou humanas,

    no pode se basear em puras noes de certo ou errado, em contrapartida aequaes matemticas que pretendem atingir um resultado final preestabelecido, a

    uma forma culta de escrever palavras e sentenas ou mesmo a um nome ou fato

    histrico em particular.

    Em sala de arte, se resolvssemos afirmar que dois mais dois so cinco ou fazer um

    desenho de Pedro lvares Cabral em um ambiente metropolitano, no estaramos

    sujeitos a notas baixas, pois a arte pressupe a liberdade de criao de mundos em

    que o estabelecimento de novas ordens est previsto e, mais que isso, estimulado.

    No haveria jamais uma soluo exata sobre como dispor as cores verde e violeta

    sobre o espao de um papel.

    Portanto, o aprendizado da arte no pressupe a incorporao da linguagem como

    tcnica pura jamais; a tcnica intrnseca ao artstica, mas como instrumento

    das intenes de quem cria. Seguindo esse raciocnio, podemos afirmar que o

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    objetivo do aprendizado de uma linguagem como o desenho o de possibilitar a

    expresso pessoal cultivada, ou seja, a forma particular de cada um pensar e

    realizar seus trabalhos informado e filiado a determinados contextos.

    Assim como Vigotski (1979) bem expressa, a linguagem surge no como meros

    cdigos a serem assimilados diante da regra escolar ou acadmica, mas como

    organizadora do pensamento humano. No que seja impossvel a avaliao do

    desempenho de um aluno no caso de uma aula de arte, mas uma atividade em arte

    no poderia ser corrigida simplesmente por uma noo de acerto e erro, mas de

    adequao proposta.

    Com a inteno de focarmos especificamente no desenho, buscaremos refletir a

    respeito de questes particulares dessa rea, ainda que acreditemos que tais

    concepes de aprendizado em contexto coletivo possam ser observadas em todas

    as reas de conhecimento.

    Propostas e abertura didtica

    Situados no que se chamaria contemporaneidade, exerccios de desenho no

    podem mais ser somente baseados em estudos tcnicos como de perspectiva e luz

    e sombra, conforme pressuporia o desenho renascentista e o neoclssico. A

    incorporao do conceito de expresso, da desconstruo do conceito de beleza e

    verossimilhana to presentes em toda a discusso esttica antes do sculo XX

    serviram igualmente para modificar a forma como a aula de arte se concebe.

    Talvez por isso mesmo os cursos de desenho costumem se focar no aprendizado

    das tcnicas clssicas para suprir o dficit nesse campo resultado pela resistncia

    lgica neoclssica do ensino de arte baseado no desenho tcnico. Ao entendermos

    o desenho como cultivo quer dizer, que requer aes de alimentao ou estmulo

    no campo de uma cultura , nos posicionamos em reao a essas duas vertentes

    pedaggicas sem necessariamente neg-las em sua totalidade, considerando,

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    primordialmente, seus perodos histricos.

    A concepo de que no h uma mas diversas maneiras de desenhar implica uma

    didtica que aponte ao esforo pedaggico de ampliao do repertrio de aes dedesenho e estmulo constncia e desenvolvimento da linguagem naquelas em que

    cada aluno se identifique mais.

    Tratando-se do desenho infantil, a prtica isolada de ensino de tcnicas ainda

    mais sem propsito, pois boa parte dos conceitos envolvidos no desenho clssico

    inacessvel s crianas pelo alto grau de abstrao presente nessas tcnicas. Por

    essa razo, compreendemos que, acima do ensino de tcnicas, pode ser realizado

    de maneira gradativa, de acordo com a faixa de idade e a aprendizagem do grupo

    algo como uma apresentao ou introduo s tcnicas e procedimentos

    conhecidos na linguagem do desenho.

    A diferena entre as duas prticas o ensino propriamente dito pelo treino de

    habilidades tcnicas e a apresentao das tcnicas e procedimentos desenhistas

    para experimentao situa-se na forma como se conduzem as atividades e,

    sobretudo, na abertura curricular, ou seja, na possibilidade de mudanas de

    contedo e didtica com cada grupo.

    Para tanto, o estabelecimento de propostas que apresentem diferentes tcnicas

    pode ser feito com flexibilidade diante dos processos percebidos por cada aluno. A

    sensibilidade e o conhecimento do educador e o dilogo com o interesse de cada

    aluno podem ser elementos essenciais para o bom desenvolvimento de um grupo de

    desenho.

    no contexto de propostas que abarquem conceitos de distintas culturas de

    desenho que a interao social entre alunos e professor pode vir a potencializar o

    aprendizado. Em contrapartida, igualmente na falta de cuidado com tais questes

    que o processo pessoal e coletivo pode ser prejudicado ou at mesmo bloqueado.

    Por isso, buscamos defender aqui a ideia de que o planejamento didtico em si pode

    contemplar a dimenso do aprendizado sociointerativo e, com base em experincias

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    de sala de aula, buscaremos pensar sobre momentos que podem estar previstos

    didaticamente no planejamento de cursos de desenho e aulas de arte para crianas.

    Sobre situaes interativas a serem criadas pelo professor

    Sem pretender esgotar as possibilidades de situaes que podem ser criadas pelo

    professor, passamos a discorrer sobre propostas que mobilizam o dilogo

    desenhista.

    1) Troca de repertrio entre pares

    Com o propsito didtico de que os alunos dialoguem sobre seus desenhos so

    feitas propostas para que, em dupla, uma criana possa aprender com a outra.

    O professor sugere temas para desenhar que so parte do repertrio das crianas

    mas que, no desenho, so dominados ora por um ora por outro desenhista da dupla

    (a escolha dos temas parte de suas observaes anteriores) para que ambos o

    desenhem. Por exemplo, um dinossauro, um tnis, um carro seriam temas

    adequados a alunos de 4 ou 5 anos da educao infantil e das sries iniciais do

    ensino fundamental.

    O dilogo entre as crianas deve ser apoiado pelo professor ao clarear a consigna,

    sugerindo criana que vai se beneficiar das competncias j conquistadas por sua

    dupla, que pode perguntar, pedir ajuda prtica, ir seguindo o que o colega faz e

    tentar fazer, pedir opinio sobre seu resultado, comear de novo ou apagar sempre

    que necessrio.

    O importante que a experincia resulte na conquista de esquemas desenhistas

    prontos para alcanar, que requerem impulsos para serem assimilados.

    2) Troca de solues entre os pares

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    Ter de resolver problemas para alcanar as intenes rotina de quem desenha. A

    busca pessoal das faltas tcnicas e da ampliao do conhecimento de caminhos

    internos fatura do desenho para a maioria dos desenhista em idade escolar no se

    resolve pelo vis da descoberta. A tcnica precisa estar a servio das intenes de

    quem cria para no petrificar o fazer criativo e isto requer ingresso sistemtico no

    fazer pelo aprendiz; nesse sentido, o olho no fazer do outro, principalmente dos

    pares nos momentos de aprendizagem compartilhada em sala de aula, d pistas

    para transformar a mesma instruo tcnica recebida nas aulas em recursos para a

    realizao das intenes poticas, diminuindo a distncia entre inteno e

    competncia potica.

    Para quem aprende a desenhar, ver fazer muito distinto de observar resultados de

    obras de artistas, sobretudo porque o fazer dos pares situa-se em campo de

    desafios prximos aos do observador. Ver para fazer ato de enriquecimento

    criao, ao de largo espectro de possibilidades que passa pela observao das

    visualidades do mundo natural e do cultural. No se cria a partir do nada, e a

    resoluo de problemas em arte, ato inventivo com marca de quem resolve cada

    problema do plano expressivo e construtivo da imagem, nem por isso deixa de partir

    de solues preexistentes nos prprios trabalhos e de outros para inventar

    transformando. Se inventar transformar, pode-se alimentar quem faz com faturas

    inventivas de alteridades diversas, pares e artistas.

    3) Possveis dificultadores do aprendizado em meios sociointerativos

    Tambm a baixa concepo de si como algum capaz de aprender pode sercausada nessa interao social: precisamos atentar a esse fato. Uma das

    consequncias negativas mais observadas em aprendizados interativos a

    comparao hierrquica com alunos que porventura tenham muito mais facilidade no

    desenvolvimento da linguagem do que os outros.

    Uma das principais causas da pausa no desenho da criana o desenvolvimento de

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    determinados critrios estticos em que ela acaba por julgar ruim o resultado de sua

    ao desenhista. E, nesse processo, um dos desmotivadores a presena bastante

    comum de crianas que apresentem uma facilidade muito maior com a linguagem,

    algo que faz com que aqueles que no estejam satisfeitos com seu trabalho se

    julguem incapazes e acabem por abandonar o desenho.

    Da mesma maneira como o vnculo com o grupo que se forma pode estimular a

    constncia no estudo, na mesma medida pode ocorrer justamente o resultado

    oposto.

    Assim, uma das preocupaes do educador deve ser a de perceber tenses e

    movimentos dos alunos que revelem bloqueios pessoais no caminho de suas

    relaes com a linguagem. Acompanhar e dar ateno especial a crianas que se

    mostrem desestimuladas por sua impercia inicial no desenho pode ser uma maneira

    de trabalhar essa situao. Desenvolver o discurso de o aluno seguir caminhos

    prprios de expresso pode ser outra forma de lidar com crianas nessa fase de

    eventual desinteresse pelo desenho, gerado pela comparao com alunos mais

    experientes.

    Observaes finais do universal ao particular

    A experincia de presenciar um colega prximo de seu nvel na aprendizagem do

    desenho em certas aes que resultem em algo que antes desconhecia pode mudar

    a compreenso, o fazer e a relao do professor com o aprendizado da linguagem

    do desenho. A presena de modelos dos pares que guia a criana a novas solues

    pode vir a ser revolucionria para o processo de aprendizagem da criana. O

    cuidado com essa questo o ponto que nos trouxe discusso aqui exposta.

    Em seu Discurso sobre o mtodo, Rene Descartes (2010) recomenda que, em um

    mtodo cientfico, a particularidade deve preceder a universalidade; quer dizer, que

    a busca pelo conhecimento pode vir a ser mais efetiva discutindo uma pequena

    questo e, a partir dela, buscar a relao com o todo do particular ao universal. Em

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    contrapeso, poderamos aqui afirmar que, na prtica educacional, partimos de um

    princpio universal para cuidarmos de questes particulares, que, por sua vez,

    possam garantir esse princpio inicial.

    A compreenso de que no h o processo da criana, mas inmeros processos

    vivenciados por cada uma, nos leva ideia de que a interao entre pares sempre

    particular e que no h uma nica forma de lidar ou mesmo de prever todas as

    possveis resultantes dessa vivncia no aprendizado.

    A conscincia do aprendizado por interao social poderia ser parte do

    planejamento didtico como um todo. A contnua busca por atividades que

    estimulem o aprendizado em grupo, por parte de professores sensveis, pode vir a

    desenvolver e promover socialmente a ao desenhista de forma compartilhada e

    promotora do aprendizado e da construo de linguagens.

    Referncias bibliogrficas

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