O Ciberativismo sob a ótica midiática

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Universidade de São Paulo Escola de Comunicações e Artes Departamento de Comunicações e Artes O Ciberativismo sob a ótica midiática Danilo Teixeira Barbosa Miguel Pincerno Trabalho referente à disciplina de Teoria da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Orientador: Prof. Dr. Anderson Vinícius Romanini. São Paulo 2011

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Trabalho apresentado por Danilo Teixeira Barbosa e Miguel Pincerno à disciplina de Teoria da Comunicação (2011) da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

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Universidade de São Paulo

Escola de Comunicações e Artes

Departamento de Comunicações e Artes

O Ciberativismo sob a ótica midiática

Danilo Teixeira Barbosa

Miguel Pincerno

Trabalho referente à disciplina de

Teoria da Comunicação da Escola de

Comunicações e Artes da Universidade

de São Paulo.

Orientador: Prof. Dr. Anderson

Vinícius Romanini.

São Paulo

2011

1. Teoria midiática

A Teoria Midiática da comunicação, que tem como autor expoente Marshall

McLuhan, da Escola de Toronto, aborda os problemas comunicacionais pela ótica dos

meios, em que o conteúdo que está no meio é menos importante do que o canal,

resumindo esta ideia na frase “O meio é a mensagem”.

As sociedades se organizam de acordo com o espaço-tempo que vivenciam. Mudar

este elemento significa mudar a maneira como o homem compreende o mundo e a si

mesmo. Historicamente, as mudanças da percepção do espaço-tempo coincidiram com a

mudança dos meios de comunicação, como na invenção da prensa, sendo possível a

impressão de palavras escritas, não mais restringindo a troca de conhecimento a

oralidade e audição. “A Revolução de Gutenberg criou um conjunto de técnicas de

leitura que estruturou o fluxo da consciência.” (RUDIGER, 2010). Isso provocou uma

mudança na maneira como o homem compreendia o mundo e na maneira de comunicar

o conhecimento, logo, uma alteração das suas características cognitivas.

A teoria dos meios defende que mais importante que o conteúdo contido numa dada

comunicação, é o meio pelo qual os indivíduos estão recebendo o conteúdo. Os meios

de comunicação são mais do que simples canais de transmissão de conteúdo, eles são o

próprio conteúdo. O indivíduo perceberá o mundo, terá sua cognição, de acordo com o

meio de comunicação, pois eles mudam as estruturas sociais de tempo e espaço, as

relações sociais, as relações de produção, por isso, o meio provoca transformações no

sistema cognitivo do indivíduo. Ou seja,

Em resumo, a proposição [que] significa que o meio é a mensagem [quer

dizer]: a mensagem que há nele é a alteração de padrão que produz na vida

humana. Os conteúdos são secundários em relação às mudanças globais

produzidas pelo surgimento de uma nova mídia na sociedade. As

transformações na maneira de perceber e vivenciar a realidade são a

mensagem de cada mídia de comunicação. (RUDIGER, 2010, p. 122).

Podemos fundamentar esse pensamento com exemplos históricos, pois há também

correlação entre as modificações dos sistemas de poder e o surgimento de novos meios

de comunicação. Anterior ao surgimento da escrita, muitas decisões eram tomadas por

consenso, pois a comunicação era feita oralmente. Dessa forma, o poder era dividido

entre todos aqueles que se dispunham a expor sua opinião. Com a escrita, a opinião

predominante passou a ser a de quem tinha habilidade para demonstrar suas ideias

através de palavras, pois assim elas eram perpetuadas. Logo, os indivíduos que

dominavam esta nova tecnologia, a escrita, detinham o poder. Da mesma forma, com o

surgimento da impressão, quem tivesse acesso a nova tecnologia poderia multiplicar

suas ideias em livros, tornando-as mais presentes. A respeito dessa relação, entre poder e

meio de comunicação, Harold Innis (1951), citado por Rudiger (2010, p.121), pensa

que:

Na civilização ocidental, a existência de uma sociedade estável depende do

justo equilíbrio entre os conceitos de espaço e tempo. […] A característica

dos meios de comunicação, porém, é engendrar esse desequilíbrio na

civilização, na medida em que favorecem ou o conceito de tempo, ou o

conceito de espaço. (RUDIGER, 2010, p. 121).

Hoje estamos passando por uma nova mudança nos meios de comunicação, dado o

surgimento e utilização em grande escala dos meios de comunicação eletrônicos. Assim,

considerando a relação entre meios de comunicação e poder, bem como o conceito de

“aldeia global” de McLuhan, no qual o mundo caminha – podendo já estar – para o

estabelecimento de uma sociedade global, em que as mensagens trocadas entre os

indivíduos são similares à relação que se tem em uma aldeia, com mensagens rápidas,

concisas, em tempo acelerado, além de uma semelhança de valores, questiona-se quem

será o novo “empoderado” com essa mudança. Diferentemente das mudanças anteriores,

essa é em escala mundial, fazendo com que indivíduos anteriormente distantes se

conectem diretamente, quebrando de uma só vez as características sociais de espaço e

tempo. O que já é possível perceber, por conta de exemplos recentes, é a vontade destes

indivíduos de tomarem esse poder para si, ou seja, ser uma sociedade realmente

empoderada através dos meios de comunicação, guiados por características da

Hipermodernidade como a valorização da democracia e a crítica a instituições

modernas.

2. Ciberativismo

Antes de iniciarmos o estudo do ciberativismo e de seus desdobramentos

comunicacionais, faz-se necessária uma breve definição do mesmo. Segundo Sérgio

Amadeu da Silveira, professor de pós-graduação na Faculdade de Comunicação Cásper

Líbero, podemos entender o conceito da seguinte forma: “Por ciberativismo podemos

denominar o conjunto de práticas em defesa de causas políticas, socioambientais,

sociotecnológica e culturais, realizadas nas redes cibernéticas, principalmente na

Internet.”. E, ainda, de acordo com Dênis de Moraes, pesquisador e professor da

Universidade Federal Fluminense, “o ciberativismo alicerça campanhas e aspirações à

distância, no compasso de causas que se globalizam (combate à fome, defesa do

desenvolvimento sustentável, preservação do equilíbrio ambiental, direitos humanos,

luta por um sistema de comunicação pluralista).”. (apud CAMPOS, 2004, p.5).

O ciberativismo nasce em conjunto com a difusão da Internet pelo mundo; no

Brasil, especificamente, a partir de meados da década 90. Ativistas de causas sociais,

políticas, ambientais, econômicas, etc, passam a enxergar a rede mundial de internet

como um campo vasto – e ilimitado – em que são permitidas quaisquer formas de

expressão de ideologias, opiniões e críticas antes não permitidas pelos meios

tradicionais de comunicação, tais como o rádio e a televisão.

O movimento ativista – que reúne, desde o início do processo de civilização

mundial, milhares de pessoas em prol de alguma causa, seja ela de cunho político,

sócio-econômica ou ambiental – encontrou na Internet a fonte ideal de disseminação de

informações e conscientização pública a respeito de diversos assuntos antes limitados a

pequenos grupos isolados. Além disso, a possibilidade de manifestações através da Rede

otimizou o processo de difusão de ideologias, visto que o alcance da mesma é

praticamente ilimitado, considerando que o acesso à rede mundial de internet alcança

cada vez mais lugares antes esquecidos pelos olhos das sociedades contemporâneas.

É importante ressaltar que, de acordo com Anhê Santos, “o ciberativismo não é uma

ferramenta somente para promover revoluções e derrubadas de regimes ditatoriais. Ele

tem sido utilizado também para mobilizar multidões em todo o mundo por causas

diversas, principalmente as ecológicas e defesa dos direitos humanos.”.

Em relação aos desdobramentos do ciberativismo sob a ótica comunicacional, André

Lemos, professor da Universidade Federal da Bahia, afirma existir três diferentes

formas de atuação do ciberativismo, sendo elas:

“1.conscientização e informação, como as campanhas promovidas pela

Anistia Internacional, Greenpeace ou a Rede Telemática de Direitos

Humanos; 2. organização e mobilização, a partir da Internet, para uma

determinada ação (convite para ações concretas nas cidades) e; 3. iniciativas

mais conhecidas por “hacktivismo”, ações na rede, envolvendo diversos tipos

de atos eletrônicos como o envio em massa de emails, criação de listas de

apoio e abaixo-assinados, até desfiguramentos (defacing) e bloqueios do tipo

DoS (Denial of Service).” (apud CAMPOS, 2004, p. 5).

Temos na entidade Greenpeace, ONG sem fins lucrativos que preza pela “Paz

Verde” – traduzido para o português –, o maior exemplo de ciberativismo que luta por

causas ecológicas, além de ser um ótimo exemplo de conscientização e informação

perante a sociedade. Por meio de campanhas ousadas e discussões a respeito de diversos

assuntos de cunho ambiental, o Greenpeace tem atingido cada vez mais colaboradores

ao redor do mundo, que, graças à rede, manifestam-se a favor das causas verdes, seja

por meio da assinatura de petições online criadas pela entidade, ou por fóruns de

discussão acerca de assuntos sócio-ambientais.

Em exemplo recente de ciberativismo ligado a causas ambientais, ainda que não seja

ligado ao Greenpeace, temos o chamado “Movimento Gota D’água”, que, em seu site

oficial (http://www.movimentogotadagua.com.br/projeto), designa-se como:

“A missão da Gota D’Água é comover a população para causas socioambientais

utilizando as ferramentas da comunicação em multiplataforma – Hoje existem inúmeros

caminhos de se produzir conteúdo relevante para atingir e envolver as mais diversas

audiências nos mais diferentes meios. Nossa proposta é usar estas inovações para

seduzir e mobilizar a sociedade para causas socioambientais.”

O projeto, que visa engajar a população nacional em assuntos socioambientais, tem

como ação inicial a discussão do planejamento energético referente à Usina Hidrelétrica

de Belo monte, e em sua campanha de conscientização envolve diversos atores globais

que abraçaram a causa. Foi divulgado um vídeo (disponível no site citado acima) que

está sendo veiculado e compartilhado por usuários em toda a rede, em que os atores

conversam – e informam – com o público sobre os impactos que a construção da Usina

trará para as sociedades ribeirinhas da região; segundo o movimento, o impacto social e

ambiental é incalculável e irreparável. Além de a Usina produzir apenas um terço de sua

capacidade energética, o rio que será utilizado para a produção de energia banha o

Parque Nacional do Xingu, e, tragicamente, serão alagados e destruídos 640 km² de

floresta amazônica com a construção. Isso sem contar os esforços de mobilização dos

índios e da população ribeirinha que moram na região.

O vídeo convida a população brasileira a abraçar a causa e assinar uma petição

online que será entregue à Câmara dos Deputados em Brasília e a presidente Dilma

Roussef. A petição, disponível no site do projeto, visa impedir que mais um desastre

ambiental aconteça, e pede para que o Estado ouça a população que habita os arredores

do rio Xingu, bem como a avaliação, real e verdadeira, dos danos ambientais e sociais

que a construção da Usina trará para o país.

Além dos casos ambientais, movimentos ativistas por meio da internet que

promovem a luta pela defesa dos direitos humanos, têm cada vez mais ganhado espaço

no cenário mundial. Recentemente, o caso da iraniana Sakineh Ahstiani, acusada pelo

governo iraniano de adultério, e com penalidade de morte através do apedrejamento,

causou protestos por todo o globo. No Brasil, o acontecimento atingiu proporções

gigantescas e, através da internet, os internautas protestavam a favor da não condenação

da iraniana, acusando o governo iraniano de abuso contra os direitos humanos. Devido

ao alcance mundial, a pena de morte foi retirada e a iraniana aguarda novo julgamento.

Exemplos como estes trazem o que Emilene de Oliveira Campos, da Universidade

Estadual do Rio de Janeiro, diz: “o ativismo na web é encarado por algumas linhas de

estudo da academia como uma forma contemporânea de retomada da ‘coisa pública’,

que pode transformar questões locais em causas de alcance global.”. Ou seja, por meio

da disponibilização de informações na internet, grande parte da população estará

envolvida em causas antes limitadas ao âmbito regional. A exemplo do Projeto Gota

D’água, percebemos a grande mobilização nacional – e até mesmo global – que a causa

alcançou; e isso se deu graças a rede e suas infinitas possibilidades comunicacionais,

que, no caso, através de um vídeo online, conscientizou milhares de pessoas a respeito

de um problema que, indiretamente, pode afetar todo o território nacional.

A internet, portanto, é considerada por ciberativistas, segundo o professor da

Universidade Federal Fluminense, Dênis Moraes, como “canal público de comunicação,

livre de regulamentações e controles externos, para disseminar informações e análises

que contribuam para o fortalecimento da cidadania e para o questionamento de

hegemonias instituídas.”. Se antes a população restringia-se a ter voz ativa somente em

situações abertas pelo governo ou em situações extremas, hoje essa mesma população

deixa de ser passiva em relação às informações, e, por meio delas, podem criar

movimentos virtuais – tais como abaixo-assinados, fóruns de discussão e petições

online – que expressem não só opiniões individuais, mas que também agreguem valor e

peso para a tomada de decisões antes restritas aos altos escalões do governo.

Por fim, o ciberativismo, diferentemente do ativismo offline, tem como principal

modalidade a organização e mobilização de pessoas e idéias a determinados

movimentos – tudo isso por meio da rede – e, além disso, dispensa quaisquer tipos de

mídias tradicionais para expor as causas e objetivos dos mesmos.

3. Teoria midiática x Ciberativismo

Os pontos de ligação entre a Teoria Midiática e o Ciberativismo podem ser

identificados nos seguintes aspectos: relações de poder versus meios de comunicação,

generalização da democracia do saber e ampla liberdade de expressão através da

internet.

De fato, a partir do momento em que os ativistas, antes limitados a ações offline,

passaram a utilizar a internet como ferramenta de expressão ideológica, crítica e

opinativa, as relações entre o público e o privado dissolveram-se. Sem nenhuma

estrutura controladora que limite à liberdade de expressão nas redes online, os

indivíduos passaram a manifestar suas opiniões sem medo de represálias.

“Nesse ambiente construído pela tecnologia e definido por Pierre Lévy como

“espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial de computadores

e das memórias dos computadores”(LÉVY, P. 1999: p.92), o interlocutor

muda de status. Não é um mero receptor, é usuário, termo que já pressupõe

certa interação. O indivíduo habituado a apenas consumir informação passa a

ter a possibilidade de criar suas próprias associações no processo

comunicativo, o que estimula o intercâmbio de informação espontâneo e não

organizado nesse universo.” (CAMPOS, 2004, p. 2).

Ao adquirir o status de usuário, o antes receptor passa a ser comunicador ativo. O

novo papel no processo comunicacional faz com que esses usuários sejam levados a

analisar as situações que envolvem a sociedade sob diversos ângulos, visto que, agora,

com a rede de internet a seus pés, tem a possibilidade de se informar acerca de qualquer

assunto, e, ainda, sob diferentes perspectivas. Além de conscientizar-se sobre os

acontecimentos globais, o usuário tem a chance de manifestar-se, ativamente, e dar o

seu veredicto acerca destes problemas. E é nesse sentido que a liberdade de expressão

institucionaliza-se nas sociedades contemporâneas. As vozes de protesto partem de

todos os lados, e não se restringem mais aos meios de comunicação em massa.

Temos a chance, enquanto cidadãos, de expressar nossas opiniões e críticas por meio

da internet, das redes sociais e outras tantas formas de comunicação que o avanço

tecnológico permitiu. Estamos ligados ao Brasil e ao mundo através de dispositivos

eletrônicos que possuem conexão com a rede global de internet e graças a isso, somos

telespectadores ativos de tudo o que acontece a nossa volta.

É nesse contexto de maior liberalização por meio da internet que os ciberativistas

encontraram a forma ideal de democratizar as informações antes resguardadas a

pequenos grupos, de maneira isolada. Utilizando-se dos meios como formas de

mensagens instantâneas, os ciberativistas conscientizam e chamam à luta milhares de

pessoas ao redor do mundo, organizando ações de protestos e manifestações que vão de

encontro à estruturas vigentes de poder, bem como a formas hegemônicas pré-

estabelecidas. “Para Vegh, as informações distribuídas na internet têm outra importante

implicação para o ativismo: cria uma rede de distribuição que, posteriormente, pode

facilitar a organização e as mobilizações propostas.” (Cavalcante, 2010, p. 45).

Dessa forma, observamos que o ciberativismo atua no sentido de conscientizar a

população a respeito de diversas causas e, a partir disso, chamá-la à mobilização nas

ruas, de maneira concreta. Ou seja, o ciberativismo funciona como agregador de pessoas

e mobilizador de ideologias e informações, e chama a sociedade às ações offline no

intuito de causar maiores impactos – pela grande quantidade de pessoas que um

movimento na web pode gerar – e, por conseqüência, maiores resultados.

Assim, levando em consideração as ideias de McLuhan sobre a relação entre os

meios de comunicação e as relações de poder dominantes, questiona-se quem será o

empoderado com as mais recentes tecnologias, como se comportará a sociedade com

essa grande disponibilidade de informações e como ficará as questões associadas a

liberdade de expressão.

4. Referencias bibliográficas

CAMPOS, E. de O. Ciberativismo. Disponível em: <

http://galaxy.intercom.org.br:8180/dspace/handle/1904/19608> Acesso em: 02 out.

2011.

CAVALCANTE, R. F. Ciberativismo: como as novas formas de comunicação estão a

contribuir para a democratização da informação. Disponível em: <

http://run.unl.pt/handle/10362/5305 > Acesso em: 15 nov. 2011.

SANTOS, F. J. A. O ciberativismo como ferramenta de grandes mobilizações humanas:

das revoltas do Oriente Médio às ações pacíficas do Greenpeace no Brasil. Disponível

em: < http://www.usp.br/anagrama/AnheSantos_ciberativismo.pdf> Acesso em: 02 out.

2011.

SILVEIRA, S. A. da. Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo.

Disponível em: <http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0103-

99892010000300004&script=sci_abstract> Acesso em: 02 out. 2011.

RUDIGER, Francisco. As teorias da comunicação. São Paulo: Penso – Artmed, 2010.

Movimento Gota D’água. Disponível em: <http://www.movimentogotadagua.com.br/>

Acesso em: 18 nov. 2011.