CIBERATIVISMO E MST: O DEBATE SOBRE A REFORMA … Lucas... · (Ntics) e sua relação com as Redes...

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Universidade Federal da Paraíba - UFPB Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa - PRPG Programa de Pós-Graduação em Comunicação - PPGC Linha de Pesquisa: Culturas Midiáticas Audiovisuais LUCAS MILHOMENS FONSECA CIBERATIVISMO E MST: O DEBATE SOBRE A REFORMA AGRÁRIA NA NOVA ESFERA PÚBLICA INTERCONECTADA João Pessoa, dezembro de 2009

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Universidade Federal da Paraíba - UFPB

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa - PRPG

Programa de Pós-Graduação em Comunicação - PPGC

Linha de Pesquisa: Culturas Midiáticas Audiovisuais

LUCAS MILHOMENS FONSECA

CIBERATIVISMO E MST: O DEBATE SOBRE A REFORMA AGRÁRIA NA NOVA ESFERA PÚBLICA INTERCONECTADA

João Pessoa, dezembro de 2009

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CIBERATIVISMO E MST: O DEBATE SOBRE A REFORMA AGRÁRIA NA NOVA ESFERA PÚBLICA INTERCONECTADA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Midiáticas - PPGC, na linha de pesquisa Culturas Midiáticas Audiovisuais, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação. Orientadora: Profª. Drª. Olga Maria Tavares da Silva

João Pessoa, dezembro de 2009

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CIBERATIVISMO E MST – O DEBATE SOBRE A REFORMA AGRÁRIA NA NOVA ESFERA PÚBLICA INTERCONECTADA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC), do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre, com área de concentração em Comunicação e Culturas Midiáticas, defendida e aprovada em _____ de______________ de 2009 pela Banca Examinadora constituída pelos professores:

OLGA MARIA TAVARES DA SILVA Doutora, Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – Presidente

CLAUDIO CARDOSO DE PAIVA Doutor, Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – Membro Efetivo

JOSÉ JONAS DUARTE DA COSTA Doutor, Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – Membro Efetivo

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Dedico esta obra ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e, sobretudo, aos milhares de agricultores pobres e anônimos desaparecidos em todo o país. É preciso que se diga: lutar vale a pena e, quem sabe, como na canção de Chico, “um dia essa terra vá cumprir seu ideal”...

“Ter antenas, coração e raízes, sempre.”

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Agradecimentos Quero agradecer, fraternal e emocionadamente duas pessoas essenciais para a feitura do trabalho que você lê agora. Primeiro minha companheira, Milena. Pelo afeto, carinho, paciência e contribuição teórico-metodológica durante todas as “idas e vindas” que um objeto de estudo faz a gente dar. Segundo minha orientadora, Olga. Pela ética, solicitude, gentileza e agilidade. Entre João Pessoa, Natal, Fortaleza e Manaus foram muitos quilômetros, e-mails e conversas. A ambas merci pour tout.

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RESUMO A presente pesquisa teve como objetivo principal analisar os novos elementos midiáticos e digitais advindos da internet e das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs). Em nossa pesquisa verificamos como a cibercultura, ou, mais especificamente, o ciberativismo é utilizado/praticado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Como este movimento social – o maior do Brasil e um dos maiores do mundo –, se apropriou destes recursos para promover sua militância e propaganda ideológica dentro e fora do ciberespaço. Analisamos as formas de atuação política, social e cultural exercidas pelo MST na rede mundial de computadores, onde delimitamos como corpus o sítio do Movimento (www.mst.org.br) e todos os seus recursos e ferramentas interativas. Verificamos que o MST chegou a um novo patamar da luta pela Reforma Agrária, através da ampliação do debate e aprofundamento democrático do que denominamos Nova Esfera Pública Interconectada. Ambiente este que possibilita a contraposição aos veículos tradicionais de imprensa, indo de encontro a Grande Mídia (ou Mídia Tradicional) e sua incessante criminalização dos movimentos sociais. Nossa pesquisa detectou que o MST é um movimento social ciberativista e utiliza esta característica para propagar sua ideologia e defender seus posicionamentos mediante a opinião pública brasileira. PALAVRAS-CHAVE Ciberativismo – MST – Esfera Pública Interconectada – Reforma Agrária

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ABSTRACT

This research aims to analyze new media and digital elements resulted from the Internet and New Technologies of Information and Communication (NTIC). We want to understand how cyberspace, or, more specifically, the cyberativism is used / practiced by the Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST. Besides, as this social movement - the largest in Brazil and one of the largest in the world - has appropriated these resources to promote their propagation and ideological militancy inside and outside cyberspace. We analyze the forms that MST exercised political, social and cultural ways of working on World Wide Web. The research corpus was the site of the Movement (www.mst.org.br) and all its resources and interactive tools. We found that the MST has reached a new level of struggle for Agrarian Reform, through the extension of democratic discussion and exploration of what we call New Public Interconnected Sphere. This MST’ structure of communication allows to establish a confrontation to the traditional press, going against Big Media and their incessant social movements criminalization. KEYWORD Cyberativism – MST – Public Sphere Interconnected – Agrarian Reform

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Antônio Conselheiro rechaça a República por Angelo Agostini.

Figura 2 – Universidade Popular dos Movimentos Sociais - UPMS

Figura 3 – Capas da Revista Veja – Edições 1648 e 2128.

Figura 4 – Modelos de Computadores: antigo e atual.

Figura 5 – Navegador Mosaic, 1993.

Figura 6 – Tipografia das Redes de Paul Baran difundido por David de Urgate.

Figura 7 – Sítio do Centro de Mídia Independente Brasil.

Figura 8 – Comunidade de Ciberativismo no Brasil.

Figura 9 – Página do Exército Zapatista de Libertação Nacional - EZLN.

Figura 10 – Greenpeace Brasil.

Figura 11 – Sítio do Projeto Índios Online.

Figura 12– 25 anos do MST no YouTube.

Figura 13 – Nota Pública MST (Blog Trezentos).

Figura 14 – Twitter do MST.

Figura 15 – Sítio do MST.

Figura 16 – Canal de vídeos do YouTube da Via Campesina e do MST.

Figura 17 – Sobre o MST.

Figura 18 – Biblioteca.

Figura 19 – Audiovisual.

Figura 20 – Loja da Reforma Agrária.

Figura 21 – Especiais.

Figura 22 – Mural.

Figura 24 – Fale Conosco.

Figura 25 – Letra Viva (MST Informa).

Figura 26 – Biblioteca Virtual Gregório Bezerra.

Figura 27 – Armazém da Memória.

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SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................................................07

ABSTRACT....................................................................................................................08 LISTA DE FIGURAS.....................................................................................................09 SUMÁRIO.......................................................................................................................10 Introdução......................................................................................................................12 CAPITULO I – A luta pela terra e a trajetória do MST...........................................21 1.1 Lutas dos Povos do Campo no Brasil........................................................................21 1.2 Notas sobre o Arraial do Belo Monte........................................................................24 1.3 As ligas camponesas e as reformas de base...............................................................28 1.4 O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.................................................36 CAPITULO II – O MST e a Mídia..............................................................................43 2.1 Mídia Conservadora ou Grande Mídia: alguns exemplos e conceitos......................43 2.2 Grande Mídia e MST: exemplos de criminalização jornalística...............................45 CAPITULO III – Mídias Digitais e as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação.................................................................................................................51 3.1 História da Internet e o novo cenário midiático........................................................51

3.2 O mundo digitalizado e a cibercultura......................................................................55

3.3 Pluralidade na Rede: O debate na Nova Esfera Pública Interconectada...................59

3.4 Movimentos Sociais no início do século XXI e o Ciberativismo.............................62

CAPITULO IV – Exemplos de Militância Digital e o Ciberativismo Sem Terra...65 4.1 Conceitos de Ciberativismo......................................................................................65

4.2 Lutas pela Rede.........................................................................................................70

4.3 Ciberativismo Sem -Terra.........................................................................................74

CAPITULO V – Sítio do MST: uma análise de suas características e ferramentas....................................................................................................................81

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5.1 Características e Funcionalidade...............................................................................82

5.2 Armazém da Memória – Videoteca Virtual Gregório Bezerra..................................95

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................99

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................103

ANEXOS...............................................................................................................107-116

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Introdução Estamos no início do século XXI. Sua primeira década vai chegando ao fim e o mundo não é

tão diferente do século que se foi e citado por Hobsbawm (1995) como a “Era dos Extremos”. No

segundo semestre de 2009 continuamos vendo conflitos étnicos e religiosos exacerbando-se, crises

cíclicas na macroeconomia planetária, instituições não tão democráticas questionadas moral e

eticamente e, não menos importante, velhos problemas sociais atualizados e evidenciados pela

mídia. No Brasil, a Reforma Agrária é um destes problemas históricos não resolvidos.

O cenário brasileiro de desigualdades nas esferas sociais, econômicas e políticas, uma imensa

massa de excluídos gerando, paulatinamente, inúmeros casos de conflitos no campo e na cidade foi

terreno fértil para o surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, popularmente

conhecido como MST. Movimento este que se autointitula o herdeiro histórico de antigos atores

sociais que reivindicaram a reforma agrária desde que a mesma se fez necessária, ou seja, dos

primórdios da redistribuição territorial e fundiária – que não aconteceu –, após a Abolição da

Escravatura, em 1888, passando pelo processo de industrialização do Brasil, na primeira metade do

século XX, até chegar aos conflitos agrários que tinham como protagonistas, nos anos 50, as Ligas

Camponesas, movimento sindicalizado e rural que surgiu no Nordeste do País.

É, portanto, este Movimento Social que estudamos para a presente pesquisa. Mais

especificamente o uso que o mesmo faz das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação

(Ntics) e sua relação com as Redes digitais de comunicação. Analisando o que ficou conhecido como

Ciberativismo, ou seja, a militância política, cultural e propagandística feita com o auxílio da Rede

Mundial de Computadores.1

Nosso objetivo central com esta dissertação é analisar a relação do MST com as Ntics, como

o mesmo se apropria de tais ferramentas para suas atividades reivindicatórias. Argumentamos que tal

pesquisa se justifica por três principais motivos, destacados abaixo e coerentes com a proposta do

Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC) desta Instituição, abrigados na linha de

pesquisa Culturas Midiáticas Audiovisuais:

1.º – Um movimento social da envergadura do MST, no tocante o seu tamanho (segundo

dados da Direção Nacional do Movimento são mais de um milhão de trabalhadores rurais divididos

em 24 estados da Federação) e influência (política e social) na sociedade brasileira. O que já é por si

só objeto de estudo suficiente com ricos elementos a serem pesquisados;

1 Word Wide Web, em Inglês.

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2.º - A relação da grande mídia tradicional com o MST é de longa data, motivo para inúmeras

reflexões fora e dentro da universidade. Nossa proposta aqui não é entender os meandros dessa

relação, com seus detalhes e peculiaridades. Não obstante, visando nosso objetivo principal – que é a

reflexão sobre o Ciberativismo do MST –, compreender como tal relação se dá, implicando

diretamente na construção, pelo Movimento, de outros canais dialógicos com a sociedade,

alternativos aos grandes veículos de comunicação;

3.º - Estamos vivenciando uma nova era no que diz respeito à comunicação no Brasil e no

mundo. As mídias digitais2 e mais especificamente as mídias sociais3 são uma realidade em nosso

cotidiano, seja pelo envio de um e-mail e participação em uma lista de discussão, o acesso a um

sítio,4 comentário em um blog ou Twitter,5 um vídeo assistido por meio do YouTube,6 uma conta

no Orkut,7 Facebook8 ou uma conversa pelo MSN.9 Tudo está conectado a estas Redes de

comunicabilidade, em crescente expansão desde os anos 90.

Essa nova (e barata) forma de comunicação contemplou vários atores sociais que nunca

tiveram espaço nas mídias tradicionais, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra é um

exemplo dessa nova conjuntura. Analisar como se deu (da) a apropriação das novas mídias pelo

MST e como o mesmo pratica o chamado Ciberativismo visando dar maior amplitude a sua luta pela

reforma agrária é o que apresentamos ao longo deste trabalho e, também, um dos motivos que

justificam o objeto de estudo ora apresentado.

Outro fator importante na feitura desta Dissertação é situar o leitor de qual ponto de vista fala

o autor. Adotamos a perspectiva de que a ciência não é matéria alienígena, imparcial. Ao fazê-la

somos influenciados e a influenciamos através de nossas idiossincrasias. Dito isto é importante

ressaltar que durante seis anos trabalhamos como jornalista no Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária (Incra), nos Estados do Tocantins, Rio Grande do Norte e Amazonas. Por outro

lado, tivemos contato diário com as “questões agrárias” e seus atores, principalmente o Movimento

dos Trabalhadores Rurais-Terra (MST), o qual desde o início se mostrou como um interessante tema

2 No sentido mais amplo, mídia digital pode ser definida como o conjunto de veículos e aparelhos de comunicação

baseados em tecnologia digital, permitindo a distribuição ou comunicação digital das obras intelectuais escritas, sonoras ou visuais. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%ADdias_digitais> Acesso em: 25 de agosto de 2009.

3 As mídias sociais são espaços de interação entre usuários. São considerados exemplos de mídias sociais: blogs, redes sociais (Orkut), fóruns, e-groups, instant messengers, wikis, sites de Sharing (YouTube, Flickr). Disponível em: http://www.riot.com.br/?page_id=33. Acesso em: 26 de agosto de 2009.

4 Optamos, nesta pesquisa, por utilizar o termo em português, ou seja, sítio ao invés de site. 5 Fenômeno recente das mídias digitais e sociais, o Twitter é um microblog que permite apenas 140 caracteres para

seus comentários. 6 Sítio de compartilhamentos de vídeos mais popular da internet. 7 Sítio de relacionamentos mais popular do Brasil. 8 Sítio de relacionamentos mais popular do mundo. 9 Comunicador instantâneo.

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a ser pesquisado, faltando somente achar o foco exato para o desenvolvimento do trabalho. Esse

foco foi encontrado ao ingressar no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade

Federal da Paraíba PPGC/UFPB, onde, por meio dos estudos e da discussão em sala de aula,

descobrimos o mote necessário para nossa pesquisa: o Ciberativismo exercido pelo Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem-Terra.

Para finalizar os argumentos que nos levaram a desenvolver uma pesquisa de mestrado que

relaciona o MST, reforma agrária e as mídias digitais (através do Ciberativismo) e,

consequentemente, como esta relação ampliou e discussão destes temas, acreditamos, mais uma vez,

que ciência se faz com método e preocupação social. Dito isto, para solidificar nosso argumento,

utilizamos como se fossem nossas as palavras do grande antropólogo, político e militante Darcy

Ribeiro (1995) – obviamente jamais comparando sua personalidade, ideal e obra a este trabalho –,

que no prefácio de seu último livro “O Povo Brasileiro” concluiu suas palavras deixando explícito

aos leitores de quem se tratava o autor:

Portanto, não se iluda comigo, leitor. Além de antropólogo, sou homem de fé e de partido. Faço política e faço ciência, movido por razões éticas e por um fundo patriotismo. Não procure, aqui, análises isentas. Este é um livro que quer ser participante, que aspira a influir sobre as pessoas, que aspira a ajudar o Brasil a encontrar-se a si mesmo (RIBEIRO, 1995, p.17).

Defendemos a tese, exposta ao longo dos capítulos que se seguem nesta Dissertação, de que a

apropriação das novas ferramentas digitais de comunicação, feitas pelo MST, está criando um

cenário participativo/democrático/interativo sui generis. Pretendemos analisar a militância política,

social e/ou cultural feita pelo MST por intermédio da internet e das Ntics, entendendo como o

mesmo se apropria dessas novas ferramentas digitais, pautando a questão da reforma agrária e

ampliando o debate na sociedade brasileira, o que se configura como uma nova esfera pública

midiática e interconectada. Ao longo do estudo pretendemos analisar estes conceitos e como eles se

processam juntamente com o objeto desta pesquisa, o Ciberativismo do MST, ou, mais

especificamente, o ativismo político/social via Redes digitais do Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem-Terra.

Um dos referenciais teóricos que utilizamos no decorrer da pesquisa são as análises

ciberativistas do sociólogo Sérgio Amadeu (2008), que acredita na Web enquanto viabilizadora de

um novo espaço de debates plurais e democráticos, caracterizados no âmbito da esfera pública

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interconectada. Ambas engendradas por sua arquitetura livre,10 colaboracionista, de fluxo

incontrolável de informação/conteúdo e sem as limitações editoriais do mass media comercial.11

Ao mesmo tempo, as Redes digitais estão aprofundando as contradições do capitalismo cognitivo, ampliando os espaços democráticos da crítica, da criação cultural e da diversidade, bem como abrindo espaço para a emergência de uma esfera pública interconectada, com um potencial mais democrático que a esfera pública dominada pelos mass media. Nessa esfera virtual, de alta interatividade, o debate sobre a democratização das comunicações está sendo reconfigurado e deverá incorporar as ideias de espectro aberto e de cooperativas de conexão compartilhada (AMADEU, 2008, p.31).

Em nossos estudos descrevemos, especificamente no capítulo um, que assim como a não

realização da reforma agrária (ao longo das décadas passadas e da atual) criou um cenário de

instabilidade no campo que repercute seus efeitos diretamente nos centros urbanos através da

violência e exclusão social – no exato momento em que escrevemos esta Introdução mais um caso de

morte de um sem-terra é anunciado, desta vez no Município de São Gabriel, no Rio Grande do

Sul,12 – também é verdade que o mesmo Movimento vem tentando desconstruir sua imagem

vinculada à violência e ao vandalismo (criada, principalmente, pela opinião pública midiática

tradicional) Poe meio de novas formas de propagação ideológica. Formas estas em sintonia fina com

os mecanismos de inserção e conexão mundial, possíveis, segundo Castells (1999), pela chamada

Sociedade em Rede.

Suas características, segundo o autor, estão presentes na contemporaneidade em todos os

aspectos de nossas vidas. Sejam eles econômicos, sociais, culturais e mesmo as ações triviais e

cotidianas. Esta articulação global ad infinitum vivenciada pelas sociedades modernas só é possível,

em seu grau de abrangência e capilaridade, pela evolução tecnológica dos sistemas de comunicação,

que possibilitam diversas formas de organização, cooperação e comercialização em múltiplas partes

do planeta, de forma instantânea e eficaz.

Esse fenômeno citado anteriormente só foi (é) possível pelo desenvolvimento das Ntics,

capitaneadas pela criação e evolução da internet, juntamente com sua roupagem mais recente (criada

nos anos 90) que se popularizou com o advento World Wide Web,13 ou, simplesmente, Web.

Fazendo com que a informação e seus inúmeros pacotes de dados se tornassem mais acessíveis,

numa linguagem agradável ao usuário/leitor.

10 Arquitetura livre significa que o conjunto de códigos e protocolos técnicos feitos desde a origem da internet possuísse

uma característica em comum: o colaboracionismo e o livre fluxo de informação; 11 Veículos de comunicação de massa tradicionais (TV, Jornal Impresso e Rádio); 12 Disponível em: <http://www.oglobo.globo.com/pais/mat/2009/8/21/sem-terra-morto-em-desocupacao-no-rio-grande-

do-sul-762715789.asp> Acesso em: 23 de agosto de 2009. 13 A Web, como mencionada anteriormente, é a Rede Mundial de Computadores e foi a partir dela, criada com um

ambiente amigável e de fácil utilização, que a internet se popularizou em todo o mundo.

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Iremos verificar ao longo do estudo e através da interpretação e análise dos dados citados

acima, como esse ambiente favorável técnica e politicamente tem possibilitado a disputa ideológica

do MST por meio das ferramentas ciberativistas, utilizando-as como ação afirmativa mediante a

opinião pública, gerada com auxílio das novas ferramentas digitais, dentre elas sítios, blogs e fóruns

de discussão. Que, como o próprio nome remete, é um ativismo político auxiliado pelas recentes

ferramentas digitais de comunicação, maximizadas por sua abrangência internacional e propagação

em rede, onde a informação circula de forma horizontal. Castells (2001) explica que o ciberespaço se

tornou a nova arena de debates do mundo moderno, disputando acirradamente os corações e mentes

de milhares de pessoas em todo o planeta:

Os movimentos sociais do século XXI, ações coletivas deliberadas que visam à transformação de valores e instituições da sociedade, manifestam-se na e pela internet. O mesmo pode ser dito do movimento ambiental, o movimento de mulheres, vários movimentos pelos direitos humanos, de identidade étnica, religiosos, nacionalistas e dos defensores/proponentes de uma lista infindável de projetos culturais e causas políticas. O ciberespaço tornou-se uma ágora eletrônica global em que a diversidade da divergência explode numa cacofonia de sotaques [...]. Uma vez que a internet está se tornando um meio essencial de comunicação e organização em todas as esferas de atividades, é óbvio que também os movimentos sociais e o processo político a usem, e o farão cada vez mais, como um instrumento privilegiado para atuar, informar, recrutar, organizar, dominar e contradominar. O ciberespaço torna-se um terreno disputado (CASTELLS, 2001, p.114).

Tendo em vista essa perspectiva dos movimentos sociais do século XXI na Sociedade em

Rede, e mais especificamente no Brasil, verificaremos, nos capítulos dois e três, que as mídias

digitais por meio das Ntics proporcionaram o surgimento da Nova Esfera Pública Interconectada,

possibilitando a militância digital exercida pelos sem-terra, e gerando um panorama positivo

internacional, atraindo apoiadores de vários lugares do mundo. Além, é claro, do público nacional,

uma gama heterogênea que vai desde o cidadão comum com acesso à internet, passando pelos

próprios militantes do Movimento até chegar a estudantes, professores universitários e intelectuais

interessados em discutir questões como a temática da reforma agrária e a mídia.

Como aporte teórico-metodológico inicial, fez-se mister a compreensão histórica, sociológica

e comunicacional do MST, e seu discurso ideológico/político. Sua maior reivindicação (a reforma

agrária) confunde-se com a história do Movimento. Para compreendê-lo, debruçamo-nos em

referenciais bibliográficos que vão desde artigos, entrevistas e livros de autores entre eles João Pedro

Stédile, Bernardo Mançano, Maria da Glória Gohn, Sue Branford, Jan Rocha dentre outros que se

dedicam a pesquisar esse movimento social destacado por muitos pesquisadores como o maior da

América Latina.

Utilizamos, também, para entender melhor o conceito de movimento social moderno – onde

enquadramos o MST –, o aporte teórico desenvolvido por Gohn (2007), na obra “Movimentos

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Sociais do Século XXI”, onde a autora estuda a chamada Teoria dos Novos Movimentos Sociais

(TNMS), associando-os à atuação em Rede. Na mesma perspectiva, Orrico (2005) destaca essa

característica em dois movimentos sociais latino-americanos de origens distintas, mas com a mesma

abrangência e desenvoltura na utilização da Rede Mundial de Computadores:

Queremos frisar, também, que os movimentos sociais latino-americanos da atualidade, que nasceram ou ganharam força na virada do século XX para o século XXI – entre os quais o MST e o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) – têm uma forte característica: eles passaram a atuar em rede e construíram uma nova forma de luta coordenando e conduzindo suas ações com a utilização de um poderoso instrumento de comunicação: a internet (ORRICO, 2005, p.27).

Após este momento teórico inicial da Dissertação, onde analisamos a história e constituição

do MST, juntamente com a temática da reforma agrária e as novas características dos

movimentos sociais deste novo século, trabalharemos sucintamente o conceito elementar de

Jürgen Habermas de Esfera Pública.14 Tal conceituação se faz necessária porque é a partir dela

que destacaremos comparativamente a atuação do MST no que está sendo chamado hoje de

Nova Esfera Pública Interconectada, possibilitada pela internet e articulada pelos novos

movimentos sociais da atualidade, que pautam suas reivindicações por intermédio do

ciberespaço de forma horizontal e com um elevado grau de participação de várias instâncias da

sociedade. Nesse sentido, Brittes (2003) afirma que:

A análise do modelo de comunicação possibilitado pela Rede Mundial de Computadores nos permite defender a revitalização do projeto habermasiano de uma esfera pública autônoma, edificada por meio da troca pública de opiniões, alimentada por uma racionalidade comunicativa. Essa afirmação comprova-se pela análise empírica dos formatos midiáticos encontrados na internet, cuja categorização nos levou a verificar que a sociedade civil conta, agora, não apenas com os Meios de Comunicação de Massa (MCM), mas, também, com Plataformas Comunicativas Multimidiáticas Ciberespaciais (PCMC). As habilidades inerentes ao meio digital (sincronia, hipertextualidade, entre outras) propiciam o surgimento de competências comunicativas que favorecem um processo de construção de opinião, minimizando interferências (BRITTES, 2003, p.1).

Dado o conceito de Nova Esfera Pública Interconectada (utilizando as orientações

habermasianas iniciais e, sobretudo, os novos pesquisadores das Redes ciberculturais), partimos para

outro importante referencial teórico no sentido de compreendermos o fenômeno do Ciberativismo

sem-terra: a utilização das mídias digitais de comunicação. É nesse conceito que empregamos

14 Tomamos por base a tese de Habermas, Mudança Estrutural da Esfera Pública (HABERMAS, 1984) e revisões, entre elas o prefácio à 17.ª edição da obra, mais precisamente a tradução em português publicada em 1999 (HABERMAS, 1999).

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esforços para explicar algumas de suas características tais como a hipertextualidade e interatividade,

as quais possibilitam aos usuários participação ativa nos espaços virtuais dedicados ao Movimento.

As mídias digitais são um fenômeno recente na sociedade e, o foco de nossa pesquisa não é

explicar sua origem e perspectivas em longo prazo; na verdade limitamo-nos a um breve histórico de

seu aparecimento e algumas das características que lhes são intrínsecas, todas utilizadas largamente

pelo MST. Conceitos como o de Cibercultura, Ciberespaço e Ciberativismo permeiam toda a

Dissertação e dão a textura necessária para uma pesquisa que se pretende relacionada às novas

mídias digitais e, portanto, a elementos comunicacionais da atualidade.

O trabalho é qualitativo, para tanto utilizamos técnicas de pesquisa quanto a entrevista

estruturada, realizada de forma indireta por intervenção de questionário enviado para a direção-geral

do MST, por meio de sua assessoria de comunicação, além de matérias sobre o Movimento e sua

relação com a comunicação e a internet. Outro importante elemento para esta pesquisa foi à coleta de

dados sob forma de entrevista junto aos responsáveis pelo sítio do MST. Tais informações foram

fundamentais para identificar os recursos que fazem da página do Movimento na Web, a principal

ferramenta de militância no ciberespaço e, como o próprio MST denomina seu “cartão de visitas” na

Rede Mundial de Computadores.

Para a realização da pesquisa, observamos as práticas discursivas relacionadas ao tema, ou

seja, as entrevistas e o questionário aplicado, além de análise documental de vasto material

disponível em sítios dos mais diversos, inclusive o do próprio Movimento. Na pesquisa nos

apropriamos de dois elementos que consideramos importantes para esta análise: O sítio do MST

(www.mst.org.br) e o Boletim Eletrônico do Movimento (ou newsletter, intitulada Letra Viva),

encaminhado quinzenalmente com notícias e editoriais para internautas de várias partes do Brasil e

mundo.

Feita esta explicação, vamos à estrutura da Dissertação e seus capítulos:

No primeiro capítulo falaremos sobre a reforma agrária, um pouco da história de suas lutas e

conflitos. Nesta parte inicial, mostraremos como se processou a questão da RA no Brasil, quais seus

fatores constituintes e porque a mesma ainda hoje – em pleno século XXI –, é assunto polêmico não

resolvido, apesar de necessária e urgente. Neste mesmo capítulo falaremos da formação e

constituição de alguns movimentos (sociais ou não) que, ao longo da história passada e recente,

surgiram levantando a bandeira de uma equânime e democrática redistribuição de terras no País.

Como estas lutas e movimentos foram importantes para o entendimento conceitual e prático do que

viria a ser uma reforma agrária verdadeiramente brasileira.

Para não nos estendermos muito nesta parte, decidimos fazer o recorte dando ênfase nos

movimentos Quilombo dos Palmares, Batalha de Canudos (ou Arraial do Belo Monte) e as Ligas

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Camponesas, entendendo que os mesmos foram elementos importantes na constituição da temática

que pretendemos analisar.

Tal rememoração é necessária porque é partir dela que prepararemos o terreno da pesquisa

para falar do ator principal desta Dissertação: o MST e sua conexão com os novos instrumentos de

luta, no caso, a utilização das mídias digitais.

Continuando o capítulo falaremos mais detalhadamente sobre o surgimento do Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, sua história, características e a constituição de suas bandeiras

de luta. Analisaremos como o MST se tornou, em pouco mais de 25 anos de existência, o movimento

social mais importante do Brasil, tanto pela sua influência quanto por seu tamanho, de repercussão

nacional e, em alguns casos, global.

No segundo capítulo abordaremos a relação do Movimento com a mídia tradicional, ou a

grande mídia. Uma relação conflituosa e polêmica, já que o MST nunca escondeu publicamente não

acreditar nos veículos tradicionais de imprensa, controlados, segundo o Movimento, por interesses

alheios aos da sociedade brasileira.15 Uma constante reclamação do MST é a forma como o mesmo

é tratado pela grande mídia, geralmente exercendo uma cobertura jornalística parcial e depreciativa.

Nossa intenção é entender, também, porque esta relação se dá desta forma e quais os interesses que

levam a grande mídia tradicional a criminalizar movimentos sociais como o MST. Quem são os

beneficiados com este tipo de comportamento? Para esta análise recortaremos algumas matérias

publicadas no primeiro semestre de 2009, em versões eletrônicas de jornais e revistas. Além de

capas da revista Veja (escolhida por ser um dos veículos de comunicação mais virulentos contra o

Movimento) em edições antigas e atuais.

No terceiro capítulo desenvolveremos a conceituação de mídias digitais, suas características e

importância na sociedade contemporânea. Antes faremos um breve relato histórico sobre o

surgimento da internet e sua evolução até chegar aos dias atuais. É importante ressaltar que neste

resgate histórico não nos prendemos em dados técnicos ou preciosistas sobre a construção desta

ferramenta, consolidada com o nome de internet no final dos anos 80, já que não é o objetivo desta

pesquisa. A intenção é mais esclarecer e mapear o cenário das mídias digitais – abrindo caminho

para a prática ciberativista –, do que apontar detalhadamente a estrutura do que é conhecido hoje

como a Rede Mundial de Computadores.

Enumeraremos, ainda neste capítulo, algumas reflexões sobre as características das mídias

digitais que se confundem com as características do ciberespaço, expondo ideias já publicizadas por

outros autores que não chegam a formar uma “Teoria da Cibercultura”, mas que facilitam o

15 Disponível em: <http://www..mst.org.br> Acesso em: 27 de agosto de 2009.

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entendimento de como é composta a estrutura das novas mídias a que nos propomos a estudar.

Características como multimidialidade, interatividade, hipertextualidade e memória fazem parte dos

elementos que abordamos. Os mesmos dão as condições necessárias à prática da militância

ciberativista feita pelo MST, e é o que nos interessa nesta Dissertação concebida durante este

Mestrado em Comunicação na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

No quarto capítulo relacionamos os assuntos abordados anteriormente, ou seja: a reforma

agrária, o MST, as mídias digitais e, principalmente, o Ciberativismo Sem-Terra. Nele fizemos a

fundamentação teórico-metodológica necessária para o aprofundamento do nosso objeto de estudo,

destacando as ações do Movimento com os recursos disponíveis por intermédio das Ntics, neste

momento expondo o resultado dos questionários aplicados e, também, de entrevistas feitas com

assentados da reforma agrária que acessam a internet.

Também, no quarto capítulo, aprofundaremos a discussão sobre Ciberativismo, a partir da

nova arena de debates surgida com o advento das mídias digitais e sua possibilidade maximizada de

comunicação e debate na sociedade. Para tanto destacamos alguns exemplos de ciberativismo

brasileiro e internacional.

Por fim, no quinto capítulo, detalharemos o funcionamento das ferramentas ciberativistas do

MST, ou seja, a utilização dos recursos digitais de comunicação para a atuação

política/cultural/propagandística do Movimento. Neste capítulo analisaremos como corpus desta

pesquisa, o sítio do MST, sua estrutura e seus recursos audiovisuais disponíveis, além do grau de

interatividade e de institucionalidade oferecidos por ele, disponível em oito idiomas e com inúmeras

ferramentas digitais de divulgação e mobilização.

Por fim ofereceremos as considerações finais e os documentos em anexo, além do referencial

bibliográfico utilizado para a presente pesquisa.

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Capítulo 1

A luta pela terra e a trajetória do MST

Neste primeiro capítulo faremos um apanhado histórico do que vem a ser a luta pela posse da

terra no Brasil, mesmo antes de ser criado o termo “reforma agrária”. Descrevemos, por ordem de

relevância cronológico-política, os fatos que consideramos mais importantes dessa luta, juntamente

com seus principais protagonistas. Neste contexto, a resistência de escravos fugidos que se

aglomeraram no que ficou conhecido como Quilombo do Palmares (por sua expressividade,

organização e influência para os movimentos sociais modernos), a Batalha de Canudos ou a

constituição do Arraial de Belo Monte (também por sua organização e exemplo de agrupamento

comunitário não discriminatório, absorvendo flagelados da seca nordestina e ex-escravos libertos),

as Ligas Camponesas (primeiro movimento sindical e social a lutar abertamente pela “reforma

agrária”) e as reformas de base (iniciativa governamental abortada pela ditadura militar) são

exemplos necessários para entendermos a totalidade de fatos que compuseram a questão agrária no

Brasil e, por sua vez, abriram caminho para o surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem-Terra (MST).

Em um segundo momento, abordaremos o surgimento do MST, sua história e evolução até

chegar aos dias atuais. Apontaremos, também, a dicotomia entre reforma agrária e o agronegócio,

políticas governamentais diametralmente contrárias e coexistentes. Sendo que a primeira, voltada à

agricultura familiar e a diversidade na produção de alimentos, é defendida pelo MST, e a segunda,

apoiada por alguns setores políticos e do empresariado brasileiro – incluindo a grande mídia nacional

–, têm suas portas abertas para a exportação da monocultura, entre as quais, a soja e a cana-de-

açúcar, o que gera, por estas e outras razões, conflitos agrários envolvendo seguimentos da

sociedade organizada como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.

1.1 Lutas dos Povos do Campo no Brasil

A reforma agrária é assunto antigo no Brasil. Tão antigo quanto às dificuldades encontradas

em sua concretização. Ao longo da história, uma série de conflitos e revoltas permeou a vida oficial

(e não oficial) de nosso País, visando à democratização da terra e, consequentemente, a realização da

reforma agrária. Desses conflitos, alguns marcaram de forma indelével o inconsciente popular e

nossos registros históricos, chegando aos dias atuais tal uma mistura de fatos concretos e

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acontecimentos lendários ou messiânicos.16 Destes, destacamos dois de forma ilustrativa,

lembrando que este não é o foco de nossa pesquisa, mas, como já argumentamos nesta Dissertação,

são dados necessários para entendermos a conjuntura histórico-política que gestou e influenciou os

movimentos sociais modernos da luta pela terra e, por sua vez, o MST.

Começamos esta rememoração pelo interior do que hoje é conhecido como Estado de

Alagoas, no Nordeste brasileiro, onde surgiu a resistência de escravos fugidos conhecida como

Quilombo dos Palmares, no final do século XVI. Não podemos dizer que este foi um movimento

social da forma como conhecemos hoje, tanto pela distância dos anos que nos separam quanto pela

reivindicação e ações daqueles que o construíram. Também, conceitualmente, não é correto dizer

que tal movimentação reivindicou a reforma agrária, mesmo porque este conceito ainda não existia à

época. O que pretendemos, ao citá-lo, é mostrar um dos ícones ideológicos mais fortes cultuados

pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.

Feito os devidos esclarecimentos, vamos aos conceitos. Segundo Moura (1981), assim está

significado o termo Quilombo:

Foi incontestavelmente, a unidade básica de resistência do escravo. Pequeno ou grande, estável ou de vida precária, em qualquer região em que existisse a escravidão lá se encontrava ele como elemento de desgaste do regime servil. O fenômeno não era atomizado, circunscrito à determinada área geográfica, como a dizer que somente em determinados locais, por circunstâncias mesológicas favoráveis, ele poderia afirmar-se. Não. O quilombo aparecia onde quer que a escravidão surgisse. Não era simples manifestação tópica. Muitas vezes surpreende pela capacidade de organização, pela resistência que oferece; destruído parcialmente dezenas de vezes e novamente aparecendo, em outros locais, plantando a sua roça, construindo suas casas, reorganizando sua vida e estabelecendo novos sistemas de defesa. O quilombo não foi, portanto, apenas um fenômeno esporádico. Constituía-se em fato normal dentro da sociedade escravista. Era a reação organizada de combate a uma forma de trabalho contra a qual se voltava o próprio sujeito que a sustentava (MOURA, 1981, p.40).

Entendendo a significação do que vem a ser um quilombo, dimensionamos o seu exemplo

mais famoso e um dos ícones inspiradores dos modernos movimentos sociais, não só aos

relacionados às lutas dos povos negros, historicamente oprimidos em nosso País, mas, também, a

questão da luta pela democratização da terra. Nesse sentido, o Quilombo dos Palmares, localizado na

Serra da Barriga (AL), foi o mais importante símbolo de resistência civil do Brasil Colônia. Segundo

dados do Portal Afro17 (2009), o agrupamento de negros fugidos da escravidão, em sua maioria

egressos dos engenhos de cana-de-açúcar (mas não somente deles), era muito mais que um

16 Referimo-nos, respectivamente, as revoltas históricas do Quilombo dos Palmares, no Estado de Alagoas, e a Batalha de Canudos (o Arraial de Belo Monte), no interior baiano. 17 Disponível em: <http://www.portalafro.com.br/quilombo/palmares.htm> Acesso em: 10 de set. de 2009.

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agrupamento de revoltosos; havia lá uma complexa sociedade que em certo momento da história do

Brasil, ameaçou, efetivamente, o Estado constituído:

Já em 1600, um grupo de mais ou menos 45 fugitivos refugiara-se na Serra da Barriga (Estado das Alagoas). Abrigados pelas densas florestas de Palmeiras (daí o nome Palmares), os negros evitaram as entradas mandadas à sua procura em 1602 e 1608. Na floresta foram construindo os primeiros mocambos, choupanas rústicas cobertas de folha de palmeira. Cada mocambo tinha seu chefe da nobreza africana; mas isso não impediu que alguns, sem ser nobres, conseguissem o posto pela habilidade. Cada mocambo tinha sua própria organização, com traços em comum como o sistema de defesa, que incluía postos de vigia no meio da mata e caminhos camuflados que interligavam todos os mocambos. Em 1630 os holandeses invadem Pernambuco, gerando a guerra. Com o caos instalado na região, a fuga de escravos intensificou-se. A maioria dos fugitivos migrou para Palmares, atraída pela fama do lugar. Nessa época, a população do Quilombo chegou a 10 mil habitantes, abrigando também índios e até brancos [...]. A prosperidade do Quilombo de Palmares alcançou seu apogeu em 1670. Ocupava grande parte do atual Estado de Alagoas e Pernambuco. Eram aproximadamente 50 mil pessoas distribuídas num território de 260 km de extensão por 132 km de largura (QUILOMBO, 2009, p.1).

As atividades econômicas do quilombo eram tão desenvolvidas que extrapolavam seus

limites, estabelecendo relações comerciais regulares com as vilas e povoados vizinhos. Zumbi, o

novo rei, revela-se um corajoso estrategista militar, derrotando todas as expedições que tentaram

derrubar Palmares, entre 1680 e 1691. Suas sucessivas vitórias aumentam sua fama, tornando-o

temido e respeitado dentro e fora da região Nordeste do Brasil.

Ainda há poucas informações acerca da organização política do quilombo. Alguns supõem

que se constituiu ali um verdadeiro Estado, com uma complexa organização hierárquica, social e

política, semelhante aos antigos reinos africanos, sendo os diversos mocambos governados por

oligarcas sob a chefia suprema de um líder. Outros apontam para a possibilidade de uma

descentralização do poder entre os diferentes grupos existentes à época, pertencentes às diversas

etnias que formavam os núcleos de quilombos, que delegavam esse poder a lideranças militares

conforme suas conquistas e prestígio. As mais famosas lideranças foram Ganga Zumba e seu

sobrinho, Zumbi.

Zumbi dos Palmares é um dos ícones cultuados pelo MST, mais por sua resistência histórica

em nome da liberdade e contra a escravidão, do que pela bandeira prioritária defendida pelo

Movimento, ou seja, a reforma agrária.

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1.2 Notas sobre o Arraial do Belo Monte

Cada um na vida tem seu direito de julgar. Como tenho o meu também, com razão quero falar Nestes meus versos singelos, mas de sentimentos belos sobre um grande brasileiro, cearense, meu conterrâneo. Líder sensato, espontâneo, nosso Antônio Conselheiro [...] Sem haver contrariedade, explicava muito bem aquelas mesmas verdades que o santo Evangelho tem. Calado em sua missão contra a feia exploração e assim, evangelizando, com um progresso estupendo, Canudos ia crescendo e a notícia se espalhando [...] Mediante a sua instrução, naquela sociedade Reinava paz e união dentro do grau de igualdade. Com a palavra de Deus ele conduzia os seus Era um movimento humano de feição socialista, pois não era monarquista, nem era republicano […] E assim, bem acompanhado, os planos a resolver Foi mais tarde censurado pelos donos do poder o taxaram de fanático, e um caso triste e dramático se deu naquele local. O poder se revoltou, e Canudos terminou numa guerra social. Da catástrofe sem pá o Brasil já tá ciente Não é preciso contar pormenorizadamente tudo quanto aconteceu. O que Canudos sofreu nós, guardados na memória aquela grande chacina, a grande carnificina, Que entristece a nossa história.

Patativa do Assaré (Música: Antônio Conselheiro – LP A Terra é naturá, 1981)

As belas e fortes palavras cantadas por Patativa do Assaré (um dos maiores poetas

nordestinos que o Brasil já teve) registram um dos acontecimentos mais importantes da história da

luta pela terra no Brasil. Acontecimento este que nos ajuda a compreender o contexto conflituoso e

contraditório em que se forjou a demanda pelo acesso a terra, onde a mesma, ao invés de ser

distribuída aos que dela necessitavam, era violentamente negada pelas autoridades da República

recentemente constituída. A ausência de políticas públicas para os setores mais empobrecidos da

população foi a força motriz que precipitou a Batalha de Canudos ou, como muitos historiadores

denominam: a constituição do Arraial do Belo Monte, no sertão baiano, em meados de 1897.

O cenário era trágico: milhares de flagelados castigados pela seca nordestina e pela ausência

do Estado brasileiro sem esperança de qualquer futuro, apenas o esquecimento de suas existências

pelas autoridades. Repentinamente, depois de uma vida conturbada e sem grandes perspectivas,

surge um líder religioso/messiânico que promete ao povo que o seguisse um lugar onde todos teriam

terras e seriam reconhecidos como cidadãos. Eis que surge Antônio Conselheiro ou, simplesmente, o

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“Conselheiro”,18 personalidade polêmica que liderou o povoado de Canudos rebatizando-o de Belo

Monte, comunidade que gerou adeptos fervorosos e inimigos enfurecidos.

Cansado de tanto peregrinar pelos sertões e então sendo um “fora da lei”, Conselheiro decide se fixar à margem norte do rio , num pequeno arraial chamado Canudos. Nasce ali uma experiência extraordinária: em Belo Monte (como a rebatizou Antônio Conselheiro, apesar de encontrar-se num vale cercado de colinas), os desabrigados do sertão e as vítimas da seca eram recebidos de braços abertos pelo peregrino. Era uma comunidade onde todos tinham acesso a terra e ao trabalho sem sofrer as agruras dos capatazes das fazendas tradicionais. Um “lugar santo”, segundo os seus adeptos. Os grandes fazendeiros e o clero sentem que seu poder está sendo ameaçado, e começam a se articular em busca de uma “solução” ao problema (ANTÔNIO, 2002, p.27).

Tal situação foi agravada por uma das maiores secas já acontecidas no Nordeste (1877),19

onde “levas de flagelados perambulavam famintos pelas estradas em busca de socorro

governamental ou de ajuda divina, e bandos armados de criminosos e flagelados promovendo justiça

social assaltando fazendas e pequenos lugarejos” (PARO, p.27). Além de todos esses fatores

condicionantes para a revolta de Canudos, tornando-a um importante fato histórico na luta pela terra

no Brasil e no Nordeste, há um capítulo à parte para o entendimento de sua importância no contexto

histórico brasileiro, principalmente no que diz respeito às lutas populares: Sua organização social e

comunitária.

A organização do Belo Monte seguia a tradição sertaneja do acolhimento dos necessitados

que fugiam da miséria. Os conselheiristas (como eram chamados os adeptos de Antônio

Conselheiro), desde os anos de nomadismo, adquiriam gado por meio de esmolas, caçavam e

auxiliavam os pequenos agricultores no plantio e colheita por meio de mutirões. Essa prática

comunitária se manteve durante a constituição do Arraial, pois havia grande parcela da população –

mulheres, crianças, velhos e doentes –, que não estava vinculada à produção agrícola ou a pecuária.

A cooperação no processo produtivo foi elemento essencial para a reprodução da

comunidade, dadas as condições do solo e do clima e ao baixo desenvolvimento das forças

produtivas. Novos moradores recebiam terras doadas (mas não dadas) para se estabelecerem, pois as

mesmas pertenciam à Comunidade. No Belo Monte havia o direito de propriedade sobre a produção

familiar, assim como um fundo comum – organizado com parcela do excedente produzido pela

comunidade –, que mantinha uma parcela da população que não tinha condições de subsistir

18 Antônio Vicente Mendes Maciel, antes de virar Antônio Conselheiro teve uma vida cheia de decepções que vão desde a morte da mãe, a falência dos negócios da família, a traição da esposa e uma longa peregrinação pelos sertões nordestinos aonde mergulhou em sua religiosidade-messiânica. 19 Em 1877, uma das mais graves secas atingiu todo o Nordeste. O Ceará, na época, com uma população de 800 mil habitantes foi intensamente castigado. Desses, 120 mil (15%) migraram para a Amazônia e 68 mil pessoas foram para outros Estados. A seca foi considerada devastadora: perto da metade da população de Fortaleza pereceu e, a economia foi arrasada. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Seca#Seca_no_Brasil> Acesso em: 11 de set. de 2009.

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dignamente. Segundo Villa (1995),20 a organização econômica tinha como base o comunitarismo,

isto é, a responsabilidade de cada indivíduo pela manutenção da coletividade. Uma experiência

excepcional para o Brasil coronelista da época.

Parte dos lucros deste comércio, além de parcela dos salários recebidos pelos trabalhadores do arraial que vendiam sua força de trabalho nas fazendas da região, era destinada à caixa comum da comunidade. As mulheres participavam nas atividades produtivas fabricando farinha, redes e sal da terra, enquanto os ferreiros produziam foices, facas e chuços. Devido ao comércio, as esmolas e doações que os novos moradores traziam ao chegar ao arraial afluíam a Canudos, mas em razão da organização econômica da comunidade, não permeava as relações sociais. Mesmo aqueles que guardavam algum dinheiro, não tinham como usá-lo no arraial, dada a economia de escassez, além do que os princípios religiosos dificultavam a acumulação e a demonstração de riqueza [...] O crescimento do arraial obrigou o surgimento de uma nova estrutura, mas isso não significou o estabelecimento de relações de dominação política. O comunitarismo garantia a subsistência dos moradores, e a liderança e os princípios religiosos do Conselheiro, além do afastamento da política oligárquica – diferentemente do padre Cícero –, impediram o surgimento de uma camada dominante que pudesse se apropriar do excedente econômico e estabelecer laços de dependência política (VILLA, 1995, p 1).

A permanência e o crescimento contínuo do Arraial, o enfrentamento com êxito das

demandas surgidas com a chegada de novos moradores flagelados da seca, a manutenção de canais

de participação nos negócios da comunidade e o controle exercido sobre a produção para cada

família, transformaram Belo Monte em uma referência concreta para os sertanejos de todo o

Nordeste. Lá foi possível integrar as necessidades econômico-sociais às religiosas, concretizando

plenamente o que para o sertanejo nunca deveria estar dissociado: a religião e a vida prática. Assim,

o Arraial do Belo Monte acabou se constituindo na materialização do sonho sertanejo de adquirir um

“pedaço de terra” e, mesmo sem o querer, em obstáculo ao pleno domínio do coronelismo existente.

O que ameaçaria cedo ou tarde a República, e esta, depois de eliminar outros adversários, iria voltar-

se ao Arraial de 50 mil habitantes às margens do Vaza-Barris.

Anos mais tarde Canudos viraria um complexo exemplo de organização social voltada aos

menos favorecidos, que inspiraria inúmeras organizações da sociedade civil e vários movimentos

sociais, incluindo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.

20 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/histcanudos6.htm> Acesso em: 6 de nov. de 2009.

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Figura 1 – Antônio Conselheiro rechaça a República por Angelo Agostini. Fonte: Google Imagens (in: Revista Ilustrada, 1896). Disponível em: <http://www.images.google.com> Acesso em: 7 de nov. de 2009.

Outro fato histórico importante, acontecido anos antes da consolidação do Arraial do Belo

Monte e essencial para entendermos a luta pela terra no Brasil foi a Lei Áurea de 13 de maio de

1888. Tal documento abole, teoricamente, a política escravocrata do País, mas, contraditoriamente,

não cria as condições para abrigar os milhares de ex-escravos agora sem ter para onde ir, ou, mais

claramente, tornados “sem-terra” por força da Coroa Imperial Brasileira. Esta lei foi a primeira

chance concreta da República que estava nascendo de executar uma redistribuição territorial

equânime, abrigando todos aqueles que ainda não possuíam terra, ou seja, a gigantesca maioria da

massa brasileira. Na prática, deu liberdades aos negros e outros pobres por força da lei, mas não lhes

garantiu direitos fundamentais, como acesso a terra e à moradia, que os permitissem exercer uma

cidadania de fato. Ao contrário, a falta de uma legislação complementar que vislumbrasse tal questão

contribuiu em condenar amplas camadas populares à exclusão social, problema que só se agravaria

com o passar do tempo.

Mais adiante, já com o Estado Novo getulista, na década de 30 do século XX, as mesmas

possibilidades de uma reforma agrária “ampla e massiva” são colocadas de lado em nome de uma

elite conservadora e pouco receptiva às necessidades da grande parcela dos moradores e

trabalhadores do meio rural, em sua maioria, não proprietária das terras onde trabalhavam durante

toda a vida. Ou seja, uma ampla massa de pessoas desprovidas de todas as necessidades básicas em

suas regiões de origem, que migram para os grandes centros urbanos sem condições adequadas para

se manterem, formando as grandes periferias das metrópoles modernas de hoje.

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1.3 As Ligas Camponesas e as Reformas de Base

Como imaginar nosso Movimento sem o aprendizado e a experiência das Ligas Camponesas [...] nos sentimos herdeiros e continuadores de suas lutas.21

Esta frase encontra-se no sítio do MST, mais especificamente no menu “Quem Somos”,

onde o Movimento fala sobre suas influências, origens e desafios. As ligas camponesas foram uma

importante experiência política em prol da reforma agrária. Surgiram, num primeiro momento, na

década de 30 do século XX, mas ficaram conhecidas nacionalmente em sua segunda versão, em

1955, no Estado de Pernambuco, onde fora comandada pelo advogado e deputado federal Francisco

Julião Arruda de Paula.

As ligas se constituíam por meio da organização camponesa em torno da luta pela reforma

agrária. Foi considerado à época, o movimento mais importante do gênero, sufocada, anos mais

tarde, pela ditadura militar, em 1964. Segundo a versão eletrônica do Dicionário Histórico-

Bibliográfico Brasileiro (DHBB),22 tal movimento recebeu influência direta do Partido Comunista

Brasileiro, então Partido Comunista do Brasil (PCB):

O movimento que se tornou nacionalmente conhecido como ligas camponesas iniciou-se, de fato, no engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, nos limites da região do Agreste com a Zona da Mata de Pernambuco. A propriedade congregava 140 famílias de foreiros nos quinhentos hectares de terra do engenho [...] O movimento foi criado no dia 1.º de janeiro de 1955 e autodenominou-se Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco (Sappp). Coube a setores conservadores, na imprensa e na Assembleia, batizar a sociedade de “liga”, temerosos de que ela fosse a reedição de outras ligas que, em período recente (1945-1947), haviam proliferado abertamente na periferia do Recife e nas cidades satélites, sob a influência do Partido Comunista Brasileiro (LIGAS, 2009, p.1).

A criação da Liga de Galileia provocou a reação do filho do proprietário do engenho,

temeroso, como era natural, de que a consolidação de um núcleo de produção camponesa pudesse

sustar a utilização mais rentável da pecuária nas terras esgotadas do engenho. A questão deu

notoriedade aos camponeses de Galileia e, ainda mais, transformou o primeiro núcleo das ligas

camponesas no símbolo da reforma agrária que os trabalhadores rurais almejavam.

Em seu auge, às vésperas do golpe militar (no começo da década de 1960), as ligas

camponesas já estavam consolidadas em 13 Estados brasileiros, gerando repercussão em todo o

território nacional e, também, em escala internacional. Para as forças conservadoras do País, tal

movimento era perigoso, já que incitava uma “reforma agrária na lei ou na marra”. Uma

preocupação a mais para seus opositores, a grande maioria da opinião pública da época. Esta

21 Disponível em: <http://www.mst.org.br/node/7702> Acesso em: 11 de set. de 2009. 22 Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/7794_1.asp> Acesso em: 11 de set. de 2009.

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oposição conservadora não se limitava à questão agrária, resistia a qualquer mudança estrutural

proposta pelo governo vigente. Foi justamente pela iminência da realização dessas mudanças que

aconteceu o rompimento com a democracia, (leia-se, ditadura militar).

Pode-se dizer, sem dúvida, que o movimento rural das ligas camponesas foi inspirador do

MST, que surgiu na década de 1980. O questionamento da ordem institucional e conquista da terra

por intermédio das ocupações são características herdadas da luta das ligas camponesas pelos sem-

terra. Se a estratégia é condenada por alguns, é nela também que reside talvez a última esperança dos

agricultores em fazerem cumprir o princípio constitucional do uso da terra como função social,

vencendo o enorme aparato político-jurídico que perpetua a desigualdade econômica no Brasil.

Verificamos que houve uma evolução considerável nas lutas reivindicatórias deste

Movimento desde sua criação. Inicialmente, as ligas lutavam contra o foro (aluguel da terra pago aos

proprietários) e o cambão (dias úteis de trabalho cedidos gratuitamente aos proprietários).

Gradualmente, as ligas incorporam a luta por assistência técnica e creditícia aos pequenos produtores

rurais, que se amplia com a incorporação da bandeira da reforma agrária. Por fim, a partir de 1961,

no I Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, as ligas assumem abertamente a luta pela

reforma agrária radical, o que implicava na utilização de métodos pacíficos e violentos, se necessário

fosse, para conseguir do governo a partilha da terra.

Dessa forma, as ligas camponesas, surgidas inicialmente como um movimento

assistencialista, em curto espaço de tempo tomou uma direção completamente nova, redirecionando

e ampliando o sindicalismo rural. Para se criar uma liga, por exemplo, bastava o registro civil em

cartório. Facilidades como estas desburocratizavam e agilizavam seus processos de consolidação.

As ligas camponesas impulsionaram a luta pela reforma agrária por meio de práticas efetivas

de ocupação e defesa das fazendas ocupadas por parte dos camponeses, estratégia esta bastante

difundida pelo MST hoje. Segundo Antônio Câmara (2009), professor da Universidade Federal da

Bahia (UFBA),23 a consolidação das ligas camponesas no Nordeste foi um importante passo para a

recuperação da ideologia utópica da reforma agrária.

Do ponto de vista ideológico, as ligas recuperam a utopia dos movimentos messiânicos, elaborando uma ideologia que era, ao mesmo tempo, mística e secular. Os vários escritos de Julião abordam essa nova fusão: de um lado, a crença no cristianismo primitivo, em que a justiça divina está presente; de outro, o código civil, decorrente da crença dos camponeses no cumprimento da lei e a ação revolucionária, baseada na interpretação que os seus intelectuais faziam do marxismo. A crença no código civil perde um pouco a sua confiabilidade e é substituída unicamente pela crença na luta direta dos camponeses: na pressão sobre o Congresso para aprovar uma lei de reforma agrária e no uso da violência como instrumento legítimo de promover a partilha da terra, formulada como ‘reforma agrária na lei ou na marra’ (CÂMARA, 2009, p.1).

23 Disponível em: <http://www.oolhodahistoria.ufba.br/03camara.html> Acesso em: 10 de set. de 2009.

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O mesmo pesquisador analisa que o fim das ligas camponesas está diretamente ligado ao

Golpe de Estado de 1964 (e o anúncio das Reformas de Base de João Goulart), onde os militares

tornaram ilegal qualquer tipo de prática sindicalista ou movimentação social que não estivesse

atrelada diretamente aos seus interesses.

A semelhança entre as ligas camponesas e os movimentos milenaristas encontra-se não apenas na fé religiosa comum e na crença de conquistar a justiça na terra, mas também na materialização desta crença, nas ocupações de fazendas e, da imposição da sua desapropriação (caso das ligas) por parte dos camponeses. Talvez, por esse motivo, violência de magnitude similar àquela que se abateu sobre Canudos e Contestado abateu-se sobre as ligas, com lideranças camponesas torturadas, assassinadas ou banidas do País. Políticos golpistas alegaram, em discursos no Congresso Nacional, às vésperas do golpe militar, que as ligas camponesas e as tímidas medidas reformistas, tomadas pelo então presidente João Goulart, seriam o estopim da ‘revolução’ (CÂMARA, 2009, p.1).

Neste breve apanhado histórico que nos propomos a realizar buscando o entendimento da

questão agrária no País e como a mesma gerou seus protagonistas, é fundamental entendermos o

contexto nacional – e de certa forma épico – que cristalizou uma luta antiga (como observamos no

início do capítulo), que é a luta pela reforma agrária e seus principais personagens. Chegamos, neste

ponto, ao ápice das possibilidades de reformas estruturais na sociedade brasileira, dentre elas a

reforma agrária. Referimo-nos, especificamente, às reformas de base anunciadas – e não executadas

– pelo Governo de João Goulart.

No começo dos anos 60 do século passado o mundo estava dividido ideologicamente em duas

potências mundiais, os Estados Unidos e a União Soviética. Era a guerra fria e a polarização do

planeta entre “capitalistas” e “comunistas”. Hobsbawn (1995, p.224) afirma que tal condição gerou

uma era de grandes contradições e uma espécie de “Terceira Guerra Mundial”, onde a preocupação

maior era ser atacado pelo inimigo com armas nucleares, em um constante estado de espera para o

conflito iminente. Essa conjuntura planetária não era diferente no Brasil. Recém- empossado em

setembro de 1961, João Goulart precisou se articular entre várias forças políticas para exercer a

função de presidente da República de fato e de direito, o que aconteceu somente em 1963.24

Retomada as funções políticas do presidente da República, sua prioridade foi anunciar as

reformas de base,25 dentre as quais a reforma agrária, como explica o já mencionado sítio do

DHBB, “O carro-chefe das reformas era, sem dúvida, a reforma agrária que visava eliminar os

conflitos pela posse da terra e garantir o acesso à propriedade de milhões de trabalhadores rurais”. 24 Referimo-nos aqui a oposição maciça feita por grande parte dos militares brasileiros em relação ao mandato presidencial de Jango, acusando-o de possuir ligações com o Partido Comunista. Tal imbróglio só foi resolvido em 1963 com a convocação de um plebiscito que novamente deu plenos poderes a João Goulart. 25 Conjunto de mudanças estruturais nos setores fiscais, bancários, urbanos, administrativos, universitários e agrários. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/nav_jgoulart/htm/6na_presidencia_republica/ As_reformas_de_base.asp> Acesso em: 11 de set. de 2009.

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Em discurso por ocasião do encerramento do 1.º Congresso Camponês realizado em Belo Horizonte

(MG), em novembro de 1961, João Goulart afirmou que não só era fundamental à realização da

reforma agrária, como também declarou a impossibilidade de sua efetivação sem a mudança da

Constituição brasileira.

Novamente a reforma agrária voltava ao centro do debate político, o que, por sua vez, gerou

o fortalecimento dos movimentos populares, concretizado através do aumento do poderio dos

trabalhadores urbanos e da crescente organização das massas rurais, intensificando as pressões sobre

o governo para a implementação das reformas. Fato importante que se somou à conjuntura política

favorável foi a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural, em março de 1963, regulando as

relações de trabalho no campo, que até então estivera à margem da legislação trabalhista.

O auge das manifestações populares capitaneadas por Jango aconteceu em 13 de março de

1964, quando o então presidente anunciou, em discurso emblemático na estação da Central do

Brasil, no Rio de Janeiro, para perto de 150 mil pessoas, a “necessidade de mudar a Constituição e

realizar as reformas de base”, dentre elas a reforma agrária, que aconteceria “com a desapropriação

das terras privadas valorizadas por investimentos públicos, situadas às margens das estradas e

açudes” (VILLA, p.47). Esse discurso foi o suficiente para, em 31 de março de 1964, o presidente

Jango ser afastado pelos militares em um golpe que perdurou por 21 anos.

Novamente as movimentações populares pela reforma agrária foram sufocadas, retiradas do

debate nacional – por intermédio de um golpe de Estado antidemocrático que perseguiria seus

adeptos. Ou seja, os movimentos sociais rurais vinculados à temática foram acossados (com tantos

outros movimentos urbanos) e, consequentemente, desmantelados da vida pública brasileira,

tornados ilegais e tendo seus líderes perseguidos e presos.

Rapidamente ao assumir o poder, os militares priorizaram uma política de reforma agrária

bem diferente da proposta por Jango – que visava à democratização da terra e inclusão social dos

pobres camponeses. Os militares programaram uma política de desenvolvimento econômico dos

latifúndios, incentivando a monocultura trazendo novos insumos tecnológicos e sementes

melhoradas, híbridas e com vasta utilização de agrotóxicos. Foi a política da chamada revolução

verde,26 adotada no Brasil e difundida em larga escala.

Um marco para essas discussões na era militar foi o Estatuto da Terra (Lei n.º 4.504), que

regularizou as ações relacionadas à reforma agrária no dia 30 de novembro de 1964. Nos primeiros

anos de vigência do estatuto, o capítulo relativo à reforma agrária, na prática, foi abandonado,

26 Revolução verde refere-se à invenção e disseminação de novas sementes e práticas agrícolas que permitiram um vasto aumento na produção agrícola em países menos desenvolvidos durante as décadas de 60 e 70. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_verde> Acesso em: 14 de set. de 2009.

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enquanto o que tratava da política agrícola foi executado em larga escala. Em 1970 foi criado o

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, responsável por implementar todas as

políticas públicas relacionadas a questão agrária, incluindo as políticas previstas no estatuto.

A partir de 1970, como substitutivos da reforma agrária, o Governo Federal lançou vários

programas especiais de desenvolvimento regional. Dois deles merecem destaque: o Programa de

Integração Nacional (PIN), e o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria

do Norte e Nordeste – Proterra. O PIN e o Proterra foram programas de colonização que mereceram

maior atenção e uma soma significativa de recursos. Com o propósito de ocupar uma parte da

Amazônia, ao longo da rodovia Transamazônica, o PIN era baseado em projetos de colonização em

torno de agrovilas e, segundo a versão da época, buscava integrar “os homens sem-terra do Nordeste

com as terras sem homens da Amazônia”.27 Na prática, verificou-se que a maior parte das quase

5.000 famílias deslocadas para a região era procedente do extremo Sul do País, principalmente, dos

Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, e não do Nordeste. Estudos posteriores

demonstraram que os custos do programa foram altos, o número de famílias beneficiadas reduzido e

o impacto sobre a região insignificante. O desempenho do Proterra também deixou a desejar: o

programa desapropriava áreas escolhidas pelos próprios donos, pagava à vista, em dinheiro, e

liberava créditos altamente subsidiados aos fazendeiros. Apenas em torno de 500 famílias foram

assentadas depois de quatro anos de criação do programa.

Segundo dados do Palácio do Planalto,28 a política de reforma agrária executada pelo

Governo Militar foi deficiente e priorizou a titulação de terras públicas e a colonização e não a

democratização da terra:

No início da década de 80, o agravamento dos conflitos pela posse da terra, na região Norte do País, levou à criação do Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários e dos Grupos Executivos de Terras do Araguaia/Tocantins - Getat, e do Baixo Amazonas - Gebam. O balanço das realizações desses três órgãos, no entanto, é pobre, com registro de alguns poucos milhares de títulos de terra de posseiros regularizados. Nos seis anos do último governo militar (1979-1984), a ênfase de toda a ação fundiária concentrou-se no programa de titulação de terras. Nesse período, foram assentadas 37.884 famílias, todas em projetos de colonização, numa média de apenas 6.314 famílias por ano (A REFORMA, 2009, p.1).

Ao final da década de 70 e começo dos anos 80, com a reabertura política e as reivindicações

dos trabalhadores rurais sem-terra (ainda não organizados em um movimento nacional), fizeram com

que a demanda da reforma agrária voltasse à pauta nacional. Os militares saíam de cena, mas sua

herança política permanecia: muitas terras agricultáveis, poucos proprietários para usufruí-las e uma

gigantesca massa de sem-terras, insatisfeitos. 27 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/REFAGR3.HTM> Acesso em: 14 de set. de 2009. 28 Idem.

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A partir da década de 80 e nos anos seguintes uma nova forma de relacionamento com a

agricultura tornou-se hegemônica no Brasil. Fruto do aprimoramento tecnológico do setor produtivo

e do entendimento político-econômico de que era preciso comercializar (e exportar) de forma maciça

a produção agropecuária do País, surge o agribusiness, ou, em português, o agronegócio.

Agronegócio é o conjunto de negócios relacionados à agricultura dentro do ponto de vista

econômico. De modo genérico, refere-se a todas as atividades de comércio com produtos agrícolas.

Quando um pequeno agricultor vende um produto na feira está praticando um tipo de agronegócio.

Quando um feirante vende frutas e verduras está praticando agronegócio. Essa é a essência do

sentido da palavra, usada em nível internacional. Todavia, no Brasil a expressão foi utilizada pelos

fazendeiros e grandes proprietários de terras, por intelectuais das universidades e, sobretudo, pela

imprensa para designar uma característica da produção no meio rural. Foi denominado como

agronegócio um tipo de fazenda moderna, que utiliza grandes extensões de terra e se dedica à

monocultura. Ou seja, que se especializa em apenas um só produto, tem alta tecnologia, mecanização

e pouca mão de obra. Excelência essa baseada em baixos salários, uso intensivo de agrotóxicos

(veneno) e de sementes transgênicas. Na maior parte dos casos, a produção é para a exportação. Em

especial, cana-de-açúcar, café, algodão, soja, laranja, cacau, além da pecuária intensiva.

Segundo Mançano (2008), em artigo publicado no Portal EcoDebate,29 o agronegócio ao

mesmo tempo que gera consideráveis números na balança comercial brasileira, por meio de vultosas

exportações, entre elas, as da soja, gera, também, a relação dependente à monocultura. Já que esta

modalidade de cultivo a um produto exclusivo cria um “ciclo único de ações e investimentos”, que

beneficiam somente o mercado externo e os números da macro-economia. O mesmo autor afirma

que há um “embate ideológico capitalista” entre o agronegócio e a agricultura familiar, esta última

responsável por 50% da produção de alimentos no Brasil, mesmo ela tendo apenas 10% dos

investimentos públicos em contraposição aos 90% investidos no agronegócio brasileiro.

Para esconder essas diferenças os ideólogos do agronegócio construíram a imagem do agronegócio como totalidade e, nesta lógica, o campesinato seria parte do agronegócio. Nessa lógica perversa, o agronegócio controla 70% dos territórios produtivos, 90% dos recursos públicos para financiamento e produz somente 50%, e se projeta como mais competitivo que o campesinato que controla somente 30% dos territórios produtivos, apenas 10% dos recursos públicos de crédito e produz 50% dos alimentos. Na verdade, agronegócio e campesinato são sistemas distintos definidos por meio de relações sociais diferentes: capitalistas e não capitalistas. Enquanto o agronegócio concentra, o campesinato (e agricultura familiar) distribui (FERNANDES, 2009, p.1).

Essa diferença ideológico-econômica que contrapõe o agronegócio versus agricultura

familiar se mostra simbólica e emblemática, já que os setores que defendem o primeiro são

29 Disponível em: <http://www.ecodebate.com.br>Acesso em: 8 de nov. de 2009.

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fervorosos críticos das ações do MST, que difunde a prática dos pequenos camponeses e da

agricultura familiar. É importante entendermos que essa relação influencia diretamente a luta dos

sem- terra, que elegeram o agronegócio como um de seus inimigos mais temíveis. A razão desse

comportamento por parte do Movimento é validada quando analisamos os números do relatório

anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT),30 que indica a crescente violência em áreas próximas a

grandes latifúndios e fazendas produtoras de monocultura. Como afirma Dirceu Luiz Fumagalli,

integrante da direção nacional da CPT:

Existe uma relação direta entre latifúndio e conflitos no campo. Hoje, a propriedade rural se reveste com nova roupagem, chamada de agronegócio, mas é a mesma monocultura de sempre, que desloca as populações tradicionais. O conflito é sempre maior do que a CPT consegue sistematizar. Mas é importante apresentar os números para a sociedade. Eles desnudam o sistema econômico, político e agrário do nosso País. A exportação de produtos agrícolas, cultivados em grandes propriedades monocultoras, é um dos pilares em que se apoia a política econômica brasileira para garantir saldos positivos na balança comercial. O termo agronegócio busca modernizar a imagem do latifúndio, apresentando-o como a face moderna da agricultura empresarial. O novo nome, porém, não é suficiente para modificar a dinâmica da propriedade monocultora que, além de acirrar os conflitos no campo, destrói o meio ambiente e alimenta a concentração de terra. Ao relacionar o número de conflitos e de violência com os dados da população rural, o relatório da CPT mostra como as ocorrências são significativamente maiores nas regiões Centro-Oeste e Norte do País, nos Estados onde prospera e se expande o agronegócio. O Mato Grosso tem o maior índice (6,71), seguido pelo Pará (5,15), e depois por Goiás (2,92) e Tocantins (2,82) (VESALLI, 2009, p.1).

Os números acima mostram que as regiões próximas do agronegócio são as mais sensíveis

aos conflitos agrários, justamente pela situação de miserabilidade e expulsão do trabalhador rural de

suas terras, obrigando-o a migrar para os grandes centros urbanos sem condições de adequá-lo

dignamente. Por que, então, essa política de desenvolvimento do agronegócio é tão forte no Brasil

mesmo mostrando seus resultados questionáveis do ponto de vista econômico e social?

Lembramos que nosso objeto de estudo não visa aprofundar esta questão, até porque nossa

pesquisa está relacionada à área de comunicação e seus fenômenos, mais especificamente seus

fenômenos digitais. Mesmo assim é importante compreendermos a relação do agronegócio com o

MST, já que este último elegeu como uma de suas principais bandeiras de luta o combate ao

agronegócio e as forças políticas que o defendem. Estas forças, diga-se de passagem, ligadas aos

setores mais conservadores do meio rural, que vão desde antigos latifundiários, produtores de

monoculturas (entre elas, a soja e a cana-de-açúcar) que ignoram as preocupações com o meio

ambiente e fazendeiros acusados de promover o trabalho escravo a empregados de suas

propriedades.

30 Disponível em: <http://www.cptnac.com.br/> Acesso em: 8 de nov. de 2009.

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Um importante elemento que dá força à produção do agronegócio de forma predatória (com

os itens mencionados acima) é um considerável número de parlamentares da Câmara e do Senado

Federal, além de outros políticos ligados a ministérios do Executivo, governos estaduais e prefeituras

municipais. Os primeiros, ligados ao poder Legislativo, são os responsáveis pela confecção das leis

que regem o País e formam o que ficou conhecido como a “Bancada Ruralista”. Trata-se de um

grupo de parlamentares que defende os interesses dos grandes proprietários rurais, muitos deles

oriundo do mesmo seguimento proprietário.

Seguidamente esses políticos vêm criando situações que visam enfraquecer os movimentos

sociais e, consequentemente, o MST. A bancada ruralista é particularmente atuante na hora de

contrapor-se a projetos de lei com o objetivo de promover a reforma agrária. Foi para barrar as

normas constitucionais (a Constituição de 1988 e o capítulo que reza sobre o uso social da terra) que

ela se constituiu na Assembleia Nacional Constituinte, influenciada pela União Democrática

Ruralista (UDR).31

Em 2005, na Comissão Parlamentar de Inquérito da Terra (CPI da Terra), conseguiu derrotar

o relatório final apresentado pelo relator da CPI e aprovar outro de acordo com os seus interesses. O

relator oficial da comissão, deputado federal João Alfredo (Psol/CE), elaborou um relatório que fazia

um diagnóstico da questão agrária no Brasil e apontava a reforma agrária como solução para o

quadro de violência no campo. O documento também apresentava sugestões para que a Constituição

Federal fosse cumprida e a terra democratizada. A bancada ruralista, maioria na comissão, reagiu ao

relatório de João Alfredo e aprovou o texto alternativo, que criminaliza a luta dos camponeses,

preserva a UDR e classifica a ocupação de terra improdutiva como “ato terrorista”.

A bancada ruralista, através de pressões junto ao poder Executivo, vem conseguindo

sucessivas concessões para o pagamento das dívidas rurais, com alongamento de prazos, redução ou

dispensa de juros e linhas de crédito favorecidas nos bancos oficiais. Também tem tido êxito na

defesa dos alimentos e sementes transgênicas, contra os quais se colocam as entidades de proteção

ao meio ambiente. Dentre as atividades da bancada, destaca-se sua permanente atuação para impedir

o efetivo combate ao trabalho escravo nas fazendas e outras propriedades, e sua oposição a quaisquer

medidas de preservação do meio ambiente, bem como a formulação de um projeto de lei em

tramitação no Congresso e já aprovado no Senado, que aumenta em 150% o limite legal para

desmatamentos nas fazendas da Amazônia e anistia fazendeiros que já desmataram ilegalmente suas

propriedades nos últimos sete anos.

31 Disponível em: < http://www.udr.org.br> Acesso em: 9 de novembro de 2009.

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Todos esses argumentos mostram que o agronegócio tem grandes e fortes apoiadores que

defendem seus interesses em várias instâncias políticas e econômicas. E os mesmos elegeram o

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra como um de seus maiores inimigos. Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST.

1.4 O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST

Essa cova em que estás, com palmos medida, é a cota menor que tiraste em vida. É de bom tamanho, nem largo nem fundo, é a parte que te cabe deste latifúndio. Não é cova grande, é cova medida, é a terra que querias ver dividida.

Chico Buarque de Holanda e João Cabral de Melo Neto (Morte e Vida Severina)

Como já mencionamos neste capítulo, o MST se intitula herdeiro direto das ligas

camponesas, mobilizadoras nordestinas da democratização do acesso a terra e inclusão social no

meio rural. Nascido no Sul do Brasil, o Movimento logo tomou dimensão nacional e penetrabilidade

na sociedade, mas, como veremos, não antes de muita luta e perda de seus integrantes em confrontos

violentos e perseguições policiais e políticas ao longo dos últimos 25 anos.

Vivíamos o começo dos anos 80; o capitalismo nacional não conseguia mais aliviar as

contradições existentes no avanço em direção ao campo. A concentração da terra, a expulsão dos

pobres da área rural e a modernização da agricultura persistiam, enquanto o êxodo para a cidade e a

política de colonização entravam em aguda crise, mas o clima era de reabertura política em todas as

esferas do País. Nos centros urbanos, os sindicatos, a Igreja progressista, políticos populares,

seguimentos culturais e de juventude integravam uma heterogênea frente que lutava pela

redemocratização da sociedade enfrentando os resquícios autoritários que ainda teimavam em

persistir. No meio rural também havia um ambiente reivindicatório-progressista em ebulição, em

grande parte pela retomada da democracia, no processo de reabertura política depois de duas décadas

de ditadura, como explica Branford e Rocha (2004), mas, também, pelo velho problema da

concentração de terras nas mãos de poucos proprietários rurais.

Outro fator importante para o cenário da época era a nova política que estava sendo

implementada no meio rural, a qual substituía seus trabalhadores por máquinas, e que ficou

conhecida como “modernização da agricultura”, sem nenhuma política de compensação ou

reaproveitamento do lavrador que dedicara sua vida ao campo.32 Essa circunstância estava gerando

32 A modernização da agricultura e o uso de agrotóxicos e fertilizantes, política defendida pelo órgão das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), prejudicou milhões de famílias camponesas em todo o mundo dos anos

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uma insatisfação generalizada, já que os trabalhadores rurais de grandes e médias fazendas da região

Sul eram praticamente expulsos de suas casas, obrigados a deixá-las e partir para regiões que não

conheciam.33 Além disso, o caso da terra indígena Nonoai34 serviu como alerta para que os

trabalhadores rurais encontrassem seus maiores desafios: os latifundiários e o poder público avesso

às mudanças que resguardassem os agricultores e não os expulsassem de suas terras.

Tal situação forçou uma modificação de posicionamento dos trabalhadores rurais. Tendo

como referências líderes católicos ligados a CPT, propagadoras da Teologia da Libertação,35 mas,

também, com uma impressionante autonomia nas decisões coletivas, resolveram mudar sua

estratégia e se organizarem, fazendo uso de uma ação mais radical, que anos mais tarde viria a ser a

principal marca do MST: a ocupação de terras visando sua desapropriação para fins de reforma

agrária.

Exemplo da nova forma de luta utilizando essa estratégia foi a ocupação, em 1985, da

Fazenda Anoni, no Rio Grande do Sul, por dezenas de pessoas, muitas delas que se uniram, meses

mais tarde, para criar o movimento que ficou conhecido como MST. Antes, a primeira ação mais

significativa – considerada um divisor de águas para os sem-terra – foi a resistência, durante vários

meses no acampamento que ficou conhecido como Encruzilhada Natalino.

Em seis de dezembro de 1980, um homem chamado Natalino, juntamente com sua família, ergueu uma barraca no gramado de um cruzamento rodoviário. Depois de certo tempo, um acampamento espalhou-se ao longo da beira da estrada. A barraca de Natalino funcionava tal um ímã, atraindo outras famílias. Em abril de 1981, uma pesquisa do Incra registrou a presença de 469 famílias no acampamento. Elas haviam erguido suas barracas com o que tinham a mão: plástico preto, tábuas, paus, até grama usaram, para servir de cobertura [...] eram meeiros, trabalhadores rurais e arrendatários. Todos pobres e sem nada. Aquela era a única possibilidade que vislumbravam para obter um pedaço de terra. As famílias ainda não se haviam organizado para lutar pela reforma agrária, mas os acontecimentos ganhavam força própria (BRANFORD; ROCHA, 2004, p.33).

70 aos dias atuais. Como resposta, nascem os movimentos sociais para se contrapor a esse processo que o campo enfrentou e que expulsou milhares de pessoas para as cidades. Disponível em: <http://www.mst.org.br/book/export/html/138> Acesso em: 12 de set. de 2009. 33 Havia uma política do Governo Federal de enviar essas famílias para trabalharem em Estados, entre eles, o Mato Grosso e outros da região amazônica. 34 Nonoai é uma terra pertencente ao povo Caingangue, no Rio Grande do Sul, que durante muitos anos possuiu trabalhadores rurais residindo em sua área. Os mesmos foram obrigados a sair da região em 1978, expulsos pelos indígenas com apoio do governo. 35 A teologia da libertação é uma corrente religiosa que engloba diversas teologias cristãs desenvolvidas no Terceiro Mundo ou nas periferias pobres do Primeiro Mundo a partir dos anos 70 do século XX, baseadas na opção pelos pobres contra a pobreza e pela sua libertação. Disponível em: <http://www.pt.wikipedia.org/wiki/Teologia_da_liberta%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 12 de set. de 2009.

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Com a conquista da terra por meio da ocupação na Fazenda Anoni, retratada no

videodocumentário Terra para Rose,36 os sem-terra da região Sul começaram a ganhar maior

visibilidade no País, o que atraiu simpatizantes à causa do Movimento e, também, como era de se

esperar, novos opositores ainda mais violentos e poderosos, como é o caso da União Democrática

Ruralista, uma entidade nacional ligada diretamente aos grandes fazendeiros que se sentiam

ameaçados com o crescimento do MST.

Mas foi no primeiro encontro do Movimento, acontecido na cidade de Cascavel, no Estado

do Paraná, entre os dias 21 e 24 de janeiro de 1984, que um grupo de cem representantes de

trabalhadores e entidades do campo traçou as diretrizes do que viria a ser o maior movimento social

do meio rural no País:

Um dos principais organizadores da reunião de Cascavel, que ocorreu no Centro Diocesano, foi João Pedro Stédile. Quando planejou o encontro, ecoavam em sua cabeça as palavras do sociólogo José de Souza Martins [...] que declarara que o movimento emergente pela reforma agrária se tornaria um importante agente transformador, caso conseguisse se expandir a todas as regiões do País, especialmente o Nordeste. Por isso foi decidido convidar representantes de 13 Estados [...] Todos queriam um movimento nacional, mas a ninguém estava muito claro o que isso significava [...] Após três dias de intenso debate, estabeleceram-se os princípios do novo movimento: ser conduzido pelos próprios trabalhadores sem-terra, independentemente da Igreja, dos sindicatos e dos partidos políticos; ser aberto a toda a família, e ser um movimento de massa (BRANFORD; ROCHA, pp.40-43).

Foram definidos na ocasião quatro objetivos: lutar pela reforma agrária; lutar por uma

sociedade justa, fraternal e pelo fim do capitalismo; incluir os trabalhadores rurais, arrendatários,

meeiros e pequenos agricultores na categoria de trabalhador sem-terra; e garantir que a terra seja de

quem nela trabalha e dela viva. Tomadas em conjunto, as decisões do encontro de Cascavel

demonstraram que, mesmo naquele estágio incipiente, os sem-terra tentavam, conscientemente, criar

uma organização diferente de tudo que já existira no Brasil.

E foi justamente isso que aconteceu. Passados 25 anos daquele encontro, o MST se tornou o

maior movimento social do País e um dos mais conhecidos no mundo, com mais de um milhão de

trabalhadores componentes de sua base, espalhados em 24 Estados brasileiros.37 Ao longo desses

anos foram contabilizados também inúmeros casos de repressão violenta por parte do Estado e (ou)

36 O documentário mostra a história de Rose, agricultora sem-terra que, com outras 1.500 famílias, participou da primeira grande ocupação de uma terra improdutiva, a fazenda Anoni, no Rio Grande do Sul. O filme aborda a sensível questão da reforma agrária no Brasil, no período de transição pós-regime militar, retratando o início de um polêmico e importante movimento social, o MST. Rose deu à luz ao primeiro bebê que nasceu no acampamento e foi morta em estranho acidente. Disponível em: <http://www.epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=11969> Acesso em: 12 de set. de 2009. 37 Dados coletados junta à Direção Nacional do MST, em entrevista realizada em junho de 2009.

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milícias armadas, como é o caso notório do Massacre de Eldorado do Carajás,38 e outros conflitos

que vão desde as friorentas terras sulistas do Rio Grande do Sul, passando pelos acampamentos do

oeste Paranaense e do Pontal do Paranapanema, em São Paulo, até chegar ao Norte e Nordeste

repleto de conflitos gerados pela exacerbada exclusão social.

Segundo as palavras do Movimento, expostas em seu sítio na internet,39 sua missão está na

capacidade de sobreviver a todas as intempéries possíveis – a pobreza, a violência, o legalismo do

Estado e do poder judiciário, a truculência dos latifundiários e do agronegócio – e continuar lutando

e organizando os trabalhadores rurais. Órfãos das políticas públicas e sempre negligenciados pelos

governos atuais e passados, a Reforma Agrária Nacional continua sendo a maior bandeira do

Movimento, mas, como os tempos são outros, sua luta agora é internacional. E, lembrando a

centralidade deste estudo – que iremos analisar a partir do próximo capítulo –, a internet é uma de

suas maiores ferramentas para essa nova luta, que, segundo o Movimento, também é contra o capital

financeiro global e uma de suas facetas: O agronegócio como vimos anteriormente neste capítulo.

Assim, a reivindicação pela reforma agrária foi se tornando cada vez mais internacional,

porque os empecilhos para a democratização do acesso a terra não estavam apenas no Brasil – no

Estado ou nas ações dos latifundiários –, mas também parte dos movimentos do capital financeiro

internacional. E a resposta à globalização da miséria, veio na forma da globalização e articulação da

luta, por meio da Via Campesina,40 que “congrega os movimentos camponeses de todo mundo em

torno da reforma agrária e da soberania alimentar, ou seja, do direito de que os povos – e não os

mercados – decidam o que produzir e possam garantir a alimentação de todos”, palavras estas

também disponíveis no sítio do Movimento. Com 25 anos de existência, o MST se tornou o mais

antigo movimento camponês da história recente do Brasil, com os valores descritos em sua principal

ferramenta virtual:

Nós, do MST, reafirmamos os valores de solidariedade; reafirmamos o compromisso com uma sociedade mais justa e igualitária; mantendo aceso o legado de milhares de lutadores e lutadoras do povo; exercendo cotidianamente a capacidade de se indignar e agir para transformar; não perdendo o valor do estudo e do aprendizado constante. Fundamentalmente reafirmamos nosso compromisso em organizar os pobres do campo.

38 O massacre de Eldorado do Carajás entrou para a história como o mais emblemático conflito pela posse de terras no Brasil. Acontecido em 17 de abril de 1996, o combate entre policiais e trabalhadores rurais resultou na morte de 19 sem-terra no sudoeste do Pará. Disponível em: <http://www.oglobo.globo.com/pais/mat/2007/04/16/295378699.asp> Acesso em: 12 de set. de 2009. 39 Disponível em: <http://www.mst.org.br/node/7702> Acesso em: 12 de set. de 2009. 40We are the international movement of peasants, small- and medium-sized producers, landless, rural women, indigenous people, rural youth and agricultural workers. We defend the values and the basic interests of our members. We are an autonomous, pluralist and multicultural movement, independent of any political, econReomic, or other type of affiliation. Our members are from 56 countries from Asia, Africa, europe, and the Americas. Disponível em: <http://www.viacampesina.org/main_en/index.php?option=com_content&task=blogcategory&id=27&Itemid=44> Acesso em: 14 de set. de 2009.

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Completar 25 anos é motivo de celebração, mas é também momento de olhar adiante. De perceber que muito já foi feito e que há muito a se fazer, até que uma verdadeira e efetiva reforma agrária seja realizada em nosso País e que todos os seres humanos possam ter uma vida digna (25 ANOS, 2009, p.1).

Entrevistados por nós para esta pesquisa, a direção nacional do MST faz questão de afirmar

que o Movimento é um “movimento social popular e de massas”, e que só tem o tamanho e força

hoje apresentados porque está voltado para uma enorme gama da população excluída da sociedade:

os pobres do meio rural. São esses pobres que integram e engrossam as ocupações feitas pelo

Movimento e, muitas delas de visibilidade e repercussão internacional. Sua relação com a mídia será

abordada mais detalhadamente no próximo capítulo; antes, falaremos um pouco sobre um item

extremamente caro ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra: a educação.

Considerada como uma “obsessão” do Movimento, a educação está presente desde a

fundação de sua estrutura. Em seu sítio na internet, afirma que “para implementar uma reforma

agrária de qualidade é necessário elevar o grau de escolarização das famílias de seus trabalhadores”.

Tal prática se materializa em números, também expostos na página do Movimento.

Desde 1984, além das ocupações de terra e marchas para pressionar pela reforma agrária no País, o MST luta pelo acesso à educação pública, gratuita e de qualidade em todos os níveis para a população do campo. Em toda a sua história, foram conquistadas 2.250 escolas públicas (das quais 1.840 até a quarta série e 400 até o ensino fundamental completo) nos acampamentos e assentamentos em todo País, abrindo as portas do conhecimento para 350 mil crianças, jovens e adultos sem-terra, onde o mesmo número já se formou em cursos de alfabetização, ensino fundamental, médio, superior e cursos técnicos.Também foram formados mais de 4 mil professores. Nos últimos anos, foi desencadeado um trabalho de alfabetização de jovens e adultos, que envolve a cada ano 2 mil educadores e mais de 28 mil educandos. O MST defende que a escola esteja onde o povo está e, consequentemente, os camponeses têm o direito e o dever de participar da construção do seu projeto de escola. Dez mil pessoas atuam nas escolas do Movimento. O MST promove também projetos de alfabetização de jovens e adultos nas áreas de acampamentos e assentamentos em parceria com entidades da reforma agrária, organizações não governamentais e órgãos estaduais e federais para combater o analfabetismo e garantir que o domínio da leitura e da escrita seja possível para toda a população do campo. Os principais objetivos dos projetos de alfabetização é transformar os acampamentos e assentamentos em territórios livres do analfabetismo e, para isso, a EJA (Educação de Jovens e Adultos) trabalha com os sem- terra conteúdos relacionados à realidade rural. Nesse sentido já conseguiram alfabetizar 100 mil sem-terras (QUEM SOMOS, 2009, p.1).

A questão da educação é tão presente no Movimento que pode ser ilustrada pelo depoimento

de um jovem assentado (Branford: Rocha, p.155) que em uma de suas falas afirma “que o analfabeto

e o cego são a mesma coisa, com suas escolas, seus livros e sua prática, o Movimento nos ensina a

ver o mundo”. Nesta perspectiva, o MST adotou como um de seus ideólogos o educador Paulo

Freire, um dos nomes mais importantes da educação mundial, criador de um revolucionário método

que utilizava a realidade e o cotidiano dos alunos para alfabetizar qualquer pessoa em apenas 45

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dias. Além de Freire, o MST utiliza os princípios da Pedagogia da Alternância41 e algumas técnicas

populares de educação realizadas no Brasil e na América Latina.

Outra experiência significativa do Movimento na área educacional foi a inauguração, em

janeiro de 2005, da Universidade Popular dos Movimentos Sociais – Escola Nacional Florestan

Fernandes (UPMS/Enff),42 em parceria com dezenas de universidade e centros de ensino de todo o

mundo. Uma iniciativa pioneira no sentido de incentivar a educação de nível superior e pós-

graduação para seus militantes e inúmeros outros movimentos sociais do campo e da cidade.

Só no primeiro ano de fundação a escola recebeu perto de 1.500 alunos que estudaram

Filosofia Política, Teoria do Conhecimento, Sociologia Rural, Economia Política da Agricultura,

História Social do Brasil, Conjuntura Internacional, Administração e Gestão Social além de cursos

de pós-graduação lato sensu voltados para o entendimento da realidade sociopolítica brasileira e

latino-americana. A forma de gestão das atividades, compartilhada, onde cada professor, aluno ou

colaborador têm sua parcela de responsabilidade para executar as atividades diárias (limpeza e

alimentação) é outro grande diferencial da Enff.

Figura 2 – Sítio da Universidade Popular dos Movimentos Sociais – UPMS (Escola Nacional Florestan Fernandes. Fonte: Sítio UPMS. Disponível em: <http://www.universidadepopular.org/pages/pt/inicio.php> Acesso em: 9 de nov. de 2009.

41 Disponível em: < http://www.pedagogiadaalternancia.com> Acesso em: 9 de nov. de 2009. 42 Disponível em: <http://www.universidadepopular.org/pages/pt/inicio.php> Acesso em: 9 de nov. de 2009.

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Por fim, para pensar estas e outras políticas educacionais, o MST criou em sua estrutura

interna o Setor Nacional de Educação, responsável por elaborar todas as práticas voltadas para a

temática. É este setor, que com o auxílio de um Coletivo Nacional de Educação, pensa metodologias

condizentes com a ideologia socialista do Movimento, tentando aplicá-las praticamente no dia a dia

de seus acampamentos e assentamentos, levando em consideração as experiências exitosas

acontecidas no Brasil e na América Latina.

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Capítulo 02

O MST e a Mídia

Neste segundo capítulo apontaremos a relação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-

Terra com a grande mídia. Primeiro conceituaremos, por meio de exemplos empíricos (matérias,

editoriais e notas) e teóricos (pesquisas realizadas por intermédio de instituições e/ou jornalistas) o

que vem a ser a chamada “grande mídia”. Posteriormente debruçaremo-nos sobre a relação destas

mídias com o MST, identificando os fatores que influenciam a crítica que a mesma faz ao

Movimento. Crítica esta que está longe de ser o resultado de uma apurada técnica jornalística (onde

se da voz a todos os envolvidos na questão, com as múltiplas opiniões de pensamento sendo

expostas e registradas), mas sim, de uma campanha ideológico-política contra os sem-terra, num

processo de criminalização crescente, ao ponto de o Movimento denunciar à Organização dos

Estados Americanos – OEA43 a maciça perseguição midiática (e de outras forças políticas

conservadoras do País) que vem recebendo nos últimos meses de 2009, num processo que, como

veremos, está culminando na criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), no

Congresso Nacional, que visa “investigar” as ações do MST.

2.1 Mídia Conservadora ou Grande Mídia: alguns exemplos e conceitos

Antes de falarmos propriamente da relação mídia/MST, é necessário esclarecer alguns

conceitos que adotamos nesta Dissertação. Um deles é o significado da grande mídia. Consideramos

o termo “grande mídia” para designar os principais veículos de um determinado sistema de

comunicação, considerando os setores tradicionais como os de radiodifusão (rádio e TV), empresas

de entretenimento comunicacional, jornais impressos, revistas e, também, portais da internet. O

termo não tem uma origem historicamente delimitada, mas pode estar ligado à literatura acadêmica

produzida pela Escola de Frankfurt (também chamada de Teoria Crítica da Comunicação), que

elaborou conceitos como o de Indústria Cultural e a Comunicação de Massa.

Podemos observar que há uma tendência no mundo moderno da concentração midiática e,

consequentemente, do crescimento da grande mídia. Verificamos, por exemplo, que pelo menos sete

principais conglomerados transnacionais da indústria da informação e do entretenimento dominam o

setor, são eles: AOL-Time Warner, Viacom, Sony, News Corporation, Disney, Vivendi Universal e

43 Disponível em: <http://www.mst.org.br/node/8539> Acesso em: 11 de nov. de 2009.

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Bertelsmann.44 No Brasil, a realidade não é muito diferente. Para se ter uma ideia, a televisão

aberta, maior veículo de comunicação do País, assistido pela quase totalidade do número de

habitantes, está dividida em cinco principais redes de TV (Globo, SBT, Record, Bandeirantes e Rede

TV) e tem vinculada a si 145 grupos afiliados e 869 veículos. A Globo é a maior, com 274 veículos

ligados, seguida pelo SBT, com 197, a Record, com 160, e a Bandeirantes, com 156. A RedeTV

aparece com 82 emissoras e publicações vinculadas à sua rede.

Como grupo empresarial atuante no País, a grande mídia defende uma série de interesses que

não necessariamente são os interesses da maioria da população brasileira. Constitucionalmente

falando, por exemplo, o artigo 220, parágrafo 5.º da Carta Magna diz que “os meios de comunicação

social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. E, ainda, no

artigo 221, que “a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos

seguintes princípios: promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente

que objetive sua divulgação, preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e

informativas”. Na prática não é o que acontece, pois o monopólio e oligopólio proibidos nos artigos

constitucionais fazem parte de nosso cotidiano, e a programação voltada à educação e cultura

regional são ínfimas se comparadas à grade televisiva vigente, não chegando a 10% da programação

das emissoras nacionais de televisão.

A grande mídia brasileira sempre atuou contrariamente às movimentações progressistas de

vários setores da sociedade. Foi assim durante todo o período da ditadura militar, quando em um dos

momentos de maior perseguição às liberdades civis, com torturas e desaparecimentos de cidadãos

envolvidos (ou não) com a oposição ao regime, que em 1972 o então presidente militar Emílio

Garrastazu Médici disse, referindo-se à empresa televisiva que viria a ser o maior sistema de

comunicação do País que “se sentia feliz todas as noites quando assistia o noticiário, porque na TV

Globo o mundo estava um caos, mas o Brasil estava em paz, era como tomar um calmante após um

dia de trabalho”.45

Tal episódio folclórico resume um pouco a relação política em que estava mergulhada a

maioria dos veículos de comunicação do País com os interesses das elites financeiro-políticas

nacionais. Outros casos fazem parte desta história pouco contada, mas nem por isso irreal. A

inexistência da cobertura jornalística do movimento “Diretas Já”, também no começo dos anos 80 (à

exceção do jornal “Folha de São Paulo”) é outro grande exemplo. O Brasil estava vivendo um

processo de reabertura política e de restituição dos direitos civis; havia uma campanha maciça em

44 Disponível em: <http://www.intervozes.org.br> Acesso em: 10 de nov. de 2009. 45 Frase registrada no documentário “Muito Além do Cidadão Kane”, realizado pela BBC de Londres sobre a história da Rede Globo de Televisão. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=JA9bPyd1RKQ> Acesso em: 10 de set. de 2009.

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todos os fóruns públicos nacionais (movimentos sociais, Igreja, partidos de esquerda, jovens etc.)

para a retomada do direito à eleição direta para presidente da República, mas a maioria dos jornais

impressos e emissoras de rádio e TV ignoravam esta reivindicação; segundo Heiz (1983), este era o

comportamento frequente da mídia tradicional (e principalmente da Rede Globo), atrelada, por

inúmeros interesses políticos e financeiros, a então decadente ditadura militar que estava chegando

ao fim.

2.2 Grande Mídia e MST: exemplos de criminalização jornalística

Passado o regime autoritário, a cobertura midiática não modificou seu foco de atuação, muito

ao contrário, continuou com seu registro parcial dos acontecimentos, principalmente com relação aos

movimentos sociais – já que novamente reapareciam no cenário nacional, tendo em vista o clima de

liberdade política emergente –, numa prática ideológica bem diferente do jornalismo que se propõe à

objetividade dos fatos e ao registro das muitas versões de um mesmo acontecimento, analisando as

contradições expressas nas opiniões emitidas e as inúmeras versões de um mesmo episódio.

Com os movimentos sociais do campo a relação não foi diferente. Desde seu ressurgimento,

no final dos anos 70 (através do cenário já mencionado no capítulo anterior), que suas ações são

vistas de forma negativa pelos veículos de comunicação. Em um primeiro momento na cobertura

regional, desde o Rio Grande do Sul, pelo jornal “Zero Hora” (ver anexo 01) e, a posteriori, em

veículos de dimensão mais abrangente, como é o caso do “Jornal Nacional da Rede Globo” e da

revista “Veja”.46

Para tanto, José Arbex Jr. (2004), no prefácio do livro Rompendo a Cerca – A história do

MST, das jornalistas Sue Branford e Jan Rocha, explicita a inconteste relação do que ele chama de

mídia burguesa com os movimentos sociais e, em especial, com o MST:

No Brasil, em particular, a “fabricação do esquecimento” é feita com desenvoltura muito maior do que a encontrada em boa parte dos países europeus e Estados Unidos. A razão é simples: dados a extrema desigualdade social, o imenso número de analfabetos e a desorganização política da sociedade civil, a elite sempre foi capaz de, confortavelmente, contar ao seu modo a história do País [...] Por essas e outras os movimentos populares e organizações de esquerda raramente conseguiram emplacar jornais de grande tiragem, e menos ainda diários. Em outros termos, no Brasil, talvez mais do que qualquer outro grande País ocidental, o monopólio da narrativa histórica sempre foi exercido pelas elites. No Brasil contemporâneo, a cobertura das ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem- Terra é a mais pura, clara e nítida expressão dessa história. O MST é total e abertamente

46 No caso da “Veja” selecionamos algumas capas em que o MST foi matéria principal nos últimos 20 anos. À disposição no acervo digital da revista. Disponível em: <http://www.veja.abril.com.br/busca/resultadoCapas.shtml?d1=-63140400&d2=1252987140&rd=&num=20&qu=MST&dia1=1&mes1=1&ano1=1968&dia2=14&mes2=9&ano2=2009&ao=0> Acesso em: 14 de set. de 2009.

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demonizado pelos maiores veículos de imprensa escrita, televisionada e radiofônica. (BRANFORD; ROCHA, p.13).

Essa “demonização” ou criminalização a que se refere Arbex pode ser constatada em dezenas

de matérias sobre o Movimento, produzidas e exibidas por inúmeros veículos diferentes. A presente

pesquisa aproveitou fatos recentes (acontecidos no 2.º semestre de 2009) para exemplificar os

argumentos expostos. É o caso do episódio da empresa Sucocítrico Cutrale, uma multinacional que

trabalha com a produção de sucos e que teve, em uma de suas fazendas de plantação de laranja,

localizada no interior de São Paulo, uma ação do Movimento.

Tal episódio (onde integrantes do MST arrancaram árvores de laranja na referida

propriedade) repercutiu insistentemente em toda a grande mídia, ao ponto de parlamentares ruralistas

utilizarem este argumento para catalisar um movimento em torno da criação do uma Comissão

Parlamentar de Inquérito (CPI), com o intuito de investigar os recursos públicos destinados ao MST,

e que segundo eles estaria sendo usado de forma ilegal. O que a grande maioria deste segmento

midiático não mostrou nos noticiários e matérias a respeito do caso, foi que a fazenda em questão é

uma propriedade “grilada” pela empresa Cutrale, ou seja, ocupada de forma ilegal, sendo que a

mesma pertence à união, e que poderia ser usada para fins de reforma agrária. Tal informação não

foi noticiada de forma explícita pela grande mídia e, em muitos casos, o dado foi até ignorado, como

se o mesmo não existisse. O fato configura-se com uma eficaz manipulação da opinião pública, por

meio dos veículos tradicionais de imprensa e os interesses que os mesmos defendem.

O mesmo comportamento criminalizador relacionado ao MST se repete em outro grande

veículo midiático do Sudeste do País, desta vez no editorial publicado no jornal “O Estado de São

Paulo”, no dia 16 de agosto de 2009, intitulado “O MST manda no País”:47

A nova “jornada de lutas” do Movimento dos Sem-Terra (MST), que a cada ano se mostra mais organizado, abrangente e desafiador das leis do País, tenta deixar claro que não é o governo e sim, os “movimentos sociais” que devem fazer a reforma agrária, estabelecendo a quantidade e o ritmo de alocação de recursos a ela destinados, bem como à assistência das famílias de assentados e acampados. Isso porque, enquanto o presidente Lula, em sua coluna semanal em jornais, diz que de 2003 até agora seu governo assentou 519.111 famílias - mais da metade do total de um milhão de famílias beneficiadas nos 40 anos de existência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) - e destinou 43 milhões de hectares para assentamentos de sem-terra, de um total de 80 milhões utilizados em toda a história do País, a “jornada” emessetista cobra “mais incentivos à reforma agrária e aos assentamentos”, incluindo a liberação de R$ 800 milhões do orçamento do Incra e a atualização dos índices de produtividade no campo. Quer dizer, o governo não entende nada de prioridade de alocação de recursos públicos ou de apoio às famílias que trabalham no campo - quem entende disso é o MST [...] O desrespeito às leis, à ordem pública e à propriedade não constitui novidade nas manifestações sazonais do MST e assemelhados. O

47 Disponível em: <http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090816/not_imp419467,0.php> Acesso em: 5 de nov. de 2009.

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que se torna cada vez mais merecedor de destaque, afora a habitual falta de reação das autoridades, é a tal baderna nacional (O MST, 2009, p.1).

Em relação a fatos como este, relacionados ao MST e à grande mídia, a organização não

governamental Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social,48 publicou nota em março de

2009, que emite a seguinte opinião sobre os constantes ataques de vários veículos midiáticos ao

MST (ver anexo 03):

Entre o final de fevereiro e início de março, a mídia corporativa iniciou mais uma campanha contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Telejornais, jornais impressos, revistas, rádios e sites da internet pertencentes aos grandes conglomerados de mídia dedicaram-se a difundir sua indignação com os agricultores sem- terra. As colunas de muitos articulistas e, especialmente, os editoriais desses veículos, transformaram-se em verdadeiros canais destiladores do preconceito e da ira. A campanha da mídia é uma das muitas facetas do processo de ataque em curso contra o MST. Todos os espaços dedicados às denúncias contra o MST tratam o tema como um caso de polícia, mas não há uma reflexão mais profunda sobre a questão agrária no Brasil, que aborde os sem- terra como um problema social, herdeiros de uma dívida histórica do Estado brasileiro. Infelizmente, os meios de comunicação têm se mostrado incapazes de promover uma reflexão aprofundada e um debate democrático, a partir de múltiplas visões, sobre a estrutura agrária e o modelo de desenvolvimento do País (INTERVOZES, 2009, p.1).

De todos os veículos citados anteriormente um se destaca no Brasil pela virulência contra o

Movimento: a revista “Veja”, da Editora Abril. A relevância da análise deste veículo encontra-se não

somente por ser a revista semanal de maior tiragem no País (com aproximadamente 1,2 milhão de

exemplares), mas, também, pelo fato de representar os interesses de uma classe social historicamente

contrária à reforma agrária, sendo que muitos destes proprietários rurais ligados ao agronegócio e a

seus interesses já expostos neste capítulo da pesquisa.

Fundada em 1950 por Victor Cívita, o Grupo Abril é hoje um dos maiores conglomerados de

comunicação da América Latina. A editora publica mais de trezentos e quarentas títulos, que chegam

a 26 milhões de leitores, num total de 48 revistas e suplementos, além da operadora de TV a Cabo

TVA e do provedor de internet UOL. O grupo Abril tem como seu principal veículo de informação

impressa a revista “Veja”, que foi fundada em 11 de setembro de 1968, consolidando-se como um

dos veículos principais do gênero no País. Seu público está concentrado nas classes A e B, também

denominada de “formadores de opinião”.

Reportagens da revista frequentemente taxam o MST como movimento de vândalos,

arruaceiros e baderneiros. Desqualificam suas ações e denominam seus militantes e líderes como

bandidos em potencial. É o caso da matéria de capa da edição n.º 2.128, de 2 de setembro de 2009,

feita pelos jornalistas Policardo Jr. e Sofia Krause, sob o título “Por dentro do cofre do MST”:

48 O Intervozes é uma ONG que atua na consolidação das políticas públicas de comunicação norteadas pela democratização da sociedade. Disponível em: <http://www.irtervozes.org.br> Acesso em: 13 de set. de 2009.

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O MST é movido por dinheiro, muito dinheiro, captado basicamente nos cofres públicos e junto a entidades internacionais. Em outras palavras, ao ocupar um Ministério, invadir uma fazenda, patrocinar um confronto com a polícia, o MST o faz com dinheiro de impostos pagos pelos brasileiros e com auxílio de estrangeiros que não deveriam imiscuir-se em assuntos do País [...] Há muito que desvendar a respeito do verdadeiro uso pelo MST do dinheiro público e das verbas provenientes do exterior. Para fugir a responsabilidades legais, o MST, embora seja onipresente, não existe juridicamente. Não tem cadastro na Receita Federal, e, portanto, não pode receber verbas oficiais. “Por isso, eles usam essas entidades como fachada”, diz o senador Álvaro Dias, do PSDB do Paraná, que presidiu a CPI da Terra há quatro anos e, apesar de quebrar o sigilo das ONGs suspeitas, nunca conseguiu ter acesso aos dados bancários [...] No início de agosto, 3.000 militantes invadiram a sede do Ministério da Fazenda. A ação em Brasília foi comandada pela nova coordenadora nacional do MST, Marina dos Santos, vinculada a setores mais radicais do movimento. No protesto, o MST exigiu o assentamento imediato de famílias que estão acampadas [...] O governo Lula agora experimenta o gosto da chantagem de uma organização bandida que cresceu sob seus auspícios (JR; KRAUSE, 2009, p.1).

Em outro exemplar mais antigo, também em matéria principal da edição 1.648 de 10 de maio

de 2000, “Veja” é ainda mais explícita em seu juízo de valor sob forma de reportagem ao descrever

o Movimento com o título “A tática da baderna: MST usa o pretexto da reforma agrária para pregar a

revolução socialista”, onde compara com uma fotomontagem um dos líderes do Movimento, João

Pedro Stédile, ao espião da corte inglesa James Bond, conhecido personagem dos filmes policiais

que possuía “licença para matar”. No título da nota “Meu nome é Stédile, João Stédile” (correlata a

matéria principal intitulada “A tática da baderna: MST usa o pretexto da reforma agrária para pregar

a revolução socialista”), há a seguinte recomendação:

O agente James Bond, da série 007, tinha licença para matar. Bond estava autorizado pelo governo de sua majestade a cometer um crime sem ser punido por isso. Os integrantes do Movimento dos Sem-Terra, chefiados por João Pedro Stédile (aqui numa montagem sobre a foto de James Bond), também se sentem autorizados a cometer crimes durante suas ações porque as autoridades se constrangem em aplicar a lei quando o infrator carrega uma bandeira do MST (A TÁTICA, 2009, p.1).

Nas duas matérias, verificamos que há uma prática editorial antiMST explícita exercida pela

revista “Veja”. Como podemos perceber, ela é a face mais radical de uma oposição midiática ao

movimento social que se tornou o mais importante porta-voz dos camponeses excluídos do Brasil.

Prática esta corroborada pela quase totalidade da grande mídia nacional, em menor ou maior escala

de oposição, mas todas com o mesmo grau de concordância: a constatação de que o MST é o

inimigo público número um das elites brasileiras.

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Figura 3 – Capas da Revista “Veja” – Edições 1.648 e 2.128. Fonte: Revista “Veja”. Disponível em: <http://www.veja.abril.com.br/> Acesso em: 10 de set. de 2009.

Destacamos também que no período da pesquisa documental, de janeiro a setembro de 2009,

foram publicadas 11 matérias com referências ao Movimento nesta revista. Apenas e dois meses,

junho e julho, não tiveram registros sobre o MST nas edições da revista, o que o coloca como pauta

constante deste veículo de comunicação. Das matérias veiculadas, todas foram de caráter negativo e

a grande maioria em páginas centrais ou reportagens de capa. Abaixo quadro com os títulos das

reportagens e suas respectivas datas e edições.

Tabela 1 – Matérias sobre o MST na “Veja” (janeiro a setembro de 2009)

Data da veiculação Edição Título 28/1/2009 2.097 O Manual da Guerrilha 04/2/2009 2.098 Os inimigos da Vale 25/2/2009 2.101 Por ordem do MP do RS, escolas do MST são fechadas 4/3/2009 2.102 Eles invadem e também matam

11/3/2009 2.103 Bolsa-Baderna 8/4/2009 2.107 Em defesa do direito a propriedade

22/4/2009 2.109 Abatido pelo Radicalismo 29/4/2009 2.110 Carta do Leitor 6/5/2009 2.111 Indiciados pela polícia de Pernambuco seis integrantes do MST 2/9/2009 2.128 Por dentro do Cofre do MST 9/9/2009 2.129 Uma CPI para investigar o MST

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Registramos que o presente trabalho não tem por objetivo defender o MST quanto a possíveis

equívocos e (ou) práticas ilegais atribuídas ao Movimento, como consta nos conteúdos das matérias

citadas acima. Cabe-nos, neste estudo, atentarmos para uma postura antijornalística e

comunicacional que não aponta contradições e muito menos as opiniões dissonantes necessárias para

a feitura da notícia sobre a questão da reforma agrária reivindicada por este movimento social. Os

veículos de comunicação aqui abordados exprimem um ponto de vista oposicionista ao MST,

gerando uma relação conflituosa e pré-concebida da imagem do Movimento mediante a sociedade

brasileira. De acordo com Herz (1983), quando a notícia se desnuda das técnicas jornalistas, onde a

pluralidade de opiniões e a objetividade são ignoradas, a notícia não é mais notícia, é ideologia.

Cabe destacar ainda, que a revista ora citada, existente há mais de 40 anos, além de sua

tiragem impressa, também está disponível gratuitamente no ciberespaço,49 fato importante em nossa

pesquisa, pois temos como um dos nossos objetos de análise, o conteúdo das informações

relacionadas ao MST na internet. O que aponta para a necessidade do Movimento em criar

estratégias de propagação ideológica por meio da rede mundial de computadores, ou seja, a criação

de um espaço virtual e contracultural próprio de debates, que traduza os seus interesses para um

seguimento crescente da população que busca, cada vez mais, informações nesta nova esfera pública

interconectada que permite a diversidade de opiniões, inclusive relacionadas ao MST.

A pesquisa nos mostra ainda que a utilização do ciberespaço e, mais especificamente do

ciberativismo, são formas encontradas pelo Movimento para dar visibilidade as suas lutas e se

contrapor às ideias manifestadas por veículos de comunicação como o da referida revista; assunto

este que trataremos com profundidade no quarto capítulo (sobre o Ciberativismo Sem-Terra). Antes,

no capítulo três, introduziremos a temática das mídias digitais e das novas tecnologias, ferramentas

estas que estão mudando o cenário comunicacional do mundo atual, disponibilizando a sujeitos

como o MST, novas ferramentas de comunicação, utilizadas pelo Movimento no sentido de

contrapor a informação produzida pelos veículos tradicionais de mídia.

49 Todos os exemplares aqui analisados estão disponíveis no Acervo Digital da revista “Veja”. Disponível em: <http://www.veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx> Acesso em: 14 de set. de 2009.

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Capítulo 03

Mídias Digitais e as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação

A finalidade deste capítulo é abordar o surgimento da internet e seu contexto histórico-

político, além de relacioná-lo à criação de uma nova esfera pública interconectada, que por sua vez

vem possibilitando inúmeros debates na sociedade e, também, se consolidando através do crescente

e incontrolável fluxo de comunicação e compartilhamento, disponibilizado pela horizontalidade da

rede mundial de computadores, que não possui, em seu estágio atual, editores de conteúdo ou

qualquer tipo de censura. Veremos que o nascimento da internet acarretou mudanças paradigmáticas

na sociedade atual, comparadas àquelas que o rádio e a televisão causaram no século XX.

Outro ponto central neste capítulo é a consolidação das mídias digitais de comunicação e as

tecnologias análogas a ela. Tais ferramentas estão ampliando as possibilidades heterogêneas de

propagação de opinião por meio de sua estrutura horizontal. Defendemos a tese de que os processos

de digitalização da informação Castells (2001) estão retomando o sentido perdido da comunicação,

que em sua gênese era o ato de tornar comum à sociedade, e que, ao longo do tempo se perdeu ou/e

se desvirtuou. Com o advento das mídias digitais esse significado volta à tona.

Veremos que tais mudanças foram fundamentais para a consolidação dos movimentos sociais

no início do século XXI e, o MST desponta como um de seus principais protagonistas no cenário

nacional.

3.1 História da internet e o novo cenário midiático

O que estava implícito em 1968 talvez esteja sendo realizado pela internet. É a capacidade das pessoas atuarem por si, a imensa liberdade que a internet dá e os processos de comunicação e interação que ela produz. Acho que estamos caminhando para a anarquia, tanto do ponto de vista pessoal quanto social, rapidamente, e isso não é mau (GABEIRA in CULTURA DIGITAL. BR, 2003, p.203).

Segundo Castells (1999), o desenvolvimento tecnológico de um país ou nação é

impulsionado, via de regra, pela vontade política de seus legisladores e, repetidamente na história da

humanidade, durante ou na iminência de uma guerra. Com o aparecimento da internet não foi

diferente. A rede mundial de computadores surgiu de um projeto militar dos Estados Unidos,

visando resguardar seu banco de dados caso houvesse um ataque nuclear da então maior inimiga, a

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

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Para tanto, os EUA criaram o embrião do que viria a ser a Rede, denominada de Arpanet

(Advanced Research Projects Agency Network, na sigla em inglês), ligada ao Departamento de

Defesa Norte-Americano. Sua função inicial era descentralizar os pacotes de informação

confidenciais gerados pelo governo e enviá-los a vários pontos do país, fazendo com que essas

informações, mesmo em situação de destruição física de estruturas tecnológicas (um centro de

pesquisa, por exemplo) ocasionada por uma bomba, fossem preservadas. A guerra fria que havia

gerado poucos anos antes a conquista do espaço (com o primeiro homem indo a Lua) conseguira,

também, anos mais tarde, a conquista do espaço virtual ou, ciberespaço. Vale ressaltar que o

ciberespaço não é somente a rede mundial de computadores (internet), mas esta é a espinha dorsal

que o compõe.50

No decorrer dos anos 70 e principalmente nos anos 80, várias universidades e instituições de

pesquisa puderam colaborar com esta nova ferramenta de comunicação, melhorando seu

desempenho e ampliando suas funcionalidades tecnológicas, fazendo com que esta nova rede se

ampliasse ainda mais. Esse crescimento gerou mudanças consideráveis em sua estrutura,

principalmente advindas de seus novos parceiros, universidades, entre eles, o Instituto Tecnológico

de Massachusetts (MIT) e pesquisadores autônomos interessados na ampliação do conhecimento.

Cabe destacar que estes pesquisadores foram fundamentais para a evolução da internet como a

conhecemos hoje, pois, caso a mesma tivesse ficado somente sob os auspícios do Departamento de

Defesa Estadunidense, dificilmente teria tomado o formato que notoriamente conhecemos nos dias

atuais.

Outra colaboração germinal ao desenvolvimento da internet foi à contribuição da chamada

“Cultura Hacker” ao formato tecnológico e, principalmente, ideológico da rede mundial de

computadores. Os hackers, como eram conhecidos os especialistas (vinculados ou não às

universidades), muitos deles autodidatas, acreditavam que o conhecimento gerado nos centros de

pesquisas ou nas garagens de estudantes excepcionais51 precisava ser compartilhado com o mundo.

E foi justamente essa diretriz que guiou os primeiros passos da estruturação da internet.

A Cultura Hacker influenciou a Rede muito mais do que qualquer experiência militar

anterior, foi a partir de sua colaboração que recursos técnicos, tal o sistema denominado Protocolo

de Internet (Internet Protocol, ou IP) – permitindo que o tráfego de informações fosse encaminhado

de uma rede para outra –, que ela realmente começou a se pluralizar e crescer em escala exponencial.

50 O ciberespaço não é a internet, é um conceito maior onde os espaços físico e o virtual se entrelaçam. Mas é a internet que possibilita a existência desta estrutura, funcionando como sua “espinha dorsal”. 51 Muitos estudantes daquela época viraram personalidades famosas por - mesmo com a estrutura mínima de uma garagem residencial improvisada como laboratório -, conseguirem se destacar no novo campo das novas tecnologias computacionais.

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A troca de mensagens em uma lógica horizontal52 entre seus integrantes foi criando soluções para

algumas limitações técnicas encontradas. Uma delas foi o surgimento do Protocolo TCP/IP, 53 que

na arquitetura inicial da internet criou as condições para que a mesma pudesse trafegar o máximo de

informações possíveis entre seus usuários, que, por sua vez, encontravam soluções coletivas aos

problemas levantados e por ideologia colaboracionista, tentavam (e na maioria das vezes

conseguiam) resolvê-los. Castells (2003) expõe que o ambiente de liberdade cultural presente na

época era como:

Sementes que germinavam numa variedade de formas. A cultura da liberdade individual que floresceu nos campi universitários nas décadas de 1960 e 1970 usou a interconexão de computadores para seus próprios fins – na maioria dos casos buscando a inovação tecnológica pelo puro prazer da descoberta (CASTELLS, 2003, p.25).

A internet aberta e livre era o slogan que ecoava nos corredores universitários e nas áreas de

convivência juvenil. Juntando-se a esse ambiente criativo apareceram também as oportunidades

comerciais. Os computadores, antes grandes mastodontes, movidos a válvulas que chegavam a

ocupar um prédio inteiro, 54 produzindo intermináveis cálculos e fórmulas matemáticas, agora

estavam começando a se popularizar como microcomputadores pessoais (PCs), onde qualquer

pessoa que pudesse pagar um determinado valor poderia adquiri-lo. Juntando-se a essa nova

ferramenta, a criação de um sistema operacional que pudesse popularizar o acesso das pessoas

comuns ao mundo tecnológico. Eis aí a fórmula encontrada pelo então jovem estudante de Harvard,

William Henry Gates III, popularmente conhecido como Bill Gates. Ele aproveitou o cenário de

inovação tecnológica com um grande senso de oportunismo financeiro e criou a Microsoft, a maior

empresa do mundo no ramo de software. 55

52 Sem intermediários ou filtros de edição. 53 O TCP/IP é um conjunto de protocolos de comunicação entre computadores em rede. Disponível em: <http://www.pt.wikipedia.org/wiki/TCP/IP> Acesso em: 15 de set. de 2009. 54 Desenvolvidos primordialmente para cálculos físicos e matemáticos. 55 Programas de computador.

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Figura 4 – Modelos de Computadores: antigo e atual Fonte: Google. Disponível em: <http://www.images>. Acesso em: 10 de set. de 2009.

Mas havia os que simplesmente queriam propagar ideias pela Rede, seguindo uma lógica de

arquitetura aberta, sem fins comerciais ou lucrativos. Nesse sentido, o também estudante Linus

Torvalds da Universidade de Helsinki (na Finlândia), em 1991, desenvolveu um novo sistema

operacional chamado de Linux, e o distribuiu gratuitamente pela internet, pedindo aos usuários que o

aperfeiçoassem e enviassem os resultados obtidos de volta para a Net.

O resultado dessa iniciativa foi o desenvolvimento de um robusto sistema operacional Linux, constantemente aperfeiçoado pelo trabalho de milhares de hackers e milhões de usuários, a tal ponto que o Linux é agora geralmente considerado um dos sistemas operacionais mais avançados do mundo, em particular para a computação baseada na internet (CASTELLS, 2003, p.17).

Praticamente na mesma época na Inglaterra, outro jovem pesquisador, Tim Berners-Lee,

terminara de criar o que viria a ser a invenção mais importante de aperfeiçoamento da internet: a

World Wide Web (WWW). Que além de popularizar o acesso à Rede, possuía uma interface gráfica

amigável e de fácil manipulação, o que abriu inúmeras portas para outras experiências semelhantes

desenvolvidas por colaboradores, fazendo da Rede o que ela é hoje: uma teia mundial de banco de

dados (com alta acessibilidade) totalmente interconectada.

Muitos hackers e curiosos do mundo inteiro passaram a desenvolver seus próprios programas

de navegação (ou browseres, em inglês) a partir do trabalho de Berners-Lee. A primeira versão

modificada foi o Erwise, desenvolvido no Instituto de Tecnologia de Helsinki em abril de 1992.

Dessas versões modificadas de navegadores, a mais orientada para o produto foi o Mosaic, que

incorporou uma avançada capacidade gráfica, tornado possível captar e distribuir imagens pela

internet, bem como várias técnicas de interface importadas do mundo multimídiático.

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Figura 5 – Navegador Mosaic, 1993. Fonte: Widipédia. Disponível em: <http://www.en.wikipedia.org/wiki/File:NCSA_Mosaic.PNG> Acesso em: 10 de nov. de 2009.

Estava dada a amarração técnica necessária para a propagação de ideias em seus vários

níveis, intenções e formatos (vídeo, áudio, imagens e qualquer tipo de banco de dados) pela Rede

Mundial de Computadores. Foi o paradigma de uma nova era para a comunicação global, que agora

penetraria em todos os setores da sociedade moderna.

A internet é o tecido de nossas vidas. Se a tecnologia da informação é hoje o que a eletricidade foi na Era Industrial, em nossa época a internet poderia ser equiparada tanto a uma rede elétrica quanto ao motor elétrico, em razão de sua capacidade de distribuir a força da informação por um domínio da atividade humana. Ademais, à medida que novas tecnologias de geração e distribuição de energia tornaram possível a fábrica e a grande corporação como os fundamentos organizacionais da sociedade industrial, a internet passou a ser a base tecnológica para a forma organizacional da Era da Informação: a Rede (CASTELLS, 2003, p.7).

3.2 O mundo digitalizado e a Cibercultura

Como já verificamos neste capítulo, a Sociedade em Rede é uma realidade. Ela está presente

em todos os aspectos de nossas vidas contemporâneas. Sejam eles econômicos, sociais, culturais e

mesmo as ações triviais e cotidianas. Essa articulação global permanentemente vivenciada pelas

sociedades modernas só é possível, em seu grau de abrangência e capilaridade, pela evolução

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tecnológica dos sistemas de comunicação, que possibilitam diversas formas de organização,

articulação, cooperação e comercialização em múltiplas partes do planeta.

Talvez o maior exemplo dessa eficácia e agilidade, já que (e porque) vivemos em um mundo

capitalista, sejam as organizações financeiras internacionais e seu sistema especulativo-

interconectado a que estão submetidas. Ou seja, quando há uma queda na Bolsa de Valores da Índia,

por exemplo, todo o mundo globalizado sente as consequências econômicas deste fato. Exemplos de

outros setores da sociedade podem ser enumerados, como os relacionados à cultura e sua produção e

difusão de conteúdo em escala global. As músicas de infinitas origens e gêneros, produzidas pelos

mais diversos artistas, além de arquivos audiovisuais distribuídos em formatos acessíveis e escoados

pela Rede Mundial de Computadores é um forte símbolo dessa nova e interconectada sociedade

planetária, onde os bens de consumo imateriais estão à disposição de todos que tem acesso à Rede.

A propósito da temática, Santos (2003) nos explica que os processos sociais, que agora

acontecem em escala global tendem a aproximar o ser humano da vida coletiva respeitando suas

individualidades, fazendo-o compartilhar com outros (muitos desses diferentes entre si) a língua, a

cultura e todo tipo de prática social, criando, inclusive, novas possibilidades de relacionamento

interpessoal, global e comunicacional. Todavia, este autor não nega a herança questionável de uma

globalização capitalista que gera (Santos, p.20) “uma perversidade sistêmica que está na raiz da

evolução negativa da humanidade, gerando comportamentos competitivos que atualmente

caracterizam as ações hegemônicas”. O autor é um dos intelectuais que defende “outra

globalização”, atrelada a práticas de emancipação política das sociedades, preservando as liberdades

individuais e promovendo o conhecimento comum, ao que ele afirma ser a possibilidade de escrever

uma “nova história”.

Todavia, podemos pensar na construção de outro mundo, mediante uma globalização mais humana. As bases materiais do período atual são, entre outras, a unicidade da técnica, a convergência dos momentos e o conhecimento do planeta. É nessas bases técnicas que o grande capital se apoia para construir a globalização perversa de que falamos acima. Mas, essas mesmas bases técnicas poderão servir a outros objetivos, se forem postas ao serviço de outros fundamentos sociais e políticos. Parece que as condições históricas do fim do século XX apontavam para a última possibilidade. Tais condições tanto se dão no plano empírico quanto no plano teórico [...] No plano teórico, o que verificamos é a possibilidade de produção de um novo discurso, de uma nova metanarrativa, um novo grande relato. Esse novo discurso ganha relevância pelo fato de que, pela primeira vez na história do homem, se pode constatar a existência de uma universalidade empírica. A universalidade deixa de ser apenas uma elaboração abstrata na mente dos filósofos para resultar da experiência ordinária de cada homem, de tal modo, em um mundo datado como o nosso, a explicação do acontecer pode ser feita a partir de categorias de uma história concreta. É isso, também, que permite conhecer as possibilidades existentes e escrever uma nova história (SANTOS, 2003, pp.20-21).

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A partir desta análise, verificamos que todo este fenômeno de articulação global só está

sendo possível em razão do desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação,

capitaneadas, como já mencionamos, pela criação e evolução da internet e a comunicação mediada

por meio de computador. Mais do que uma história de ficção científica (profetizada por livros e

filmes do gênero), as Ntics estão mudando radicalmente a forma de se compreender o mundo,

fazendo com que o imaterial (ou virtual) também seja considerado real, como nos diz Primo (2007).

Exatamente por esta “virtualidade” fazer parte do cotidiano de milhares de pessoas, gerando

uma produção cultural materializada na imensa quantidade de informação gerada pela internet, esta

cultura de acesso às Ntics possibilitou a geração de novos conteúdos, e esses conteúdos, uma nova

forma de cultura, alicerçando o que ficaria conhecida como Cibercultura.

Para definir o que é Cibercultura é necessário o esclarecimento de outro termo intrínseco ao

primeiro; o Ciberespaço. Para tanto faremos uso do conceito de Lévy (1999) que aborda a questão da

seguinte maneira:

O ciberespaço, que também chamarei de “Rede”, é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim quanto os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (LÉVY, 1999, p. 17).

Dados os devidos esclarecimentos sobre estas conceituações, importantes para entendermos o

campo em que se encontra nosso objeto de estudo (o MST ao apropriar-se da lógica do

compartilhamento de informações e da propagação ideológica de suas lutas no ciberespaço),

ressaltamos ainda que este é um campo consideravelmente novo de estudos, mas que há prolíficos

pesquisadores trabalhando nessas questões e, alguns deles utilizados para o desenvolvimento desta

Dissertação, dentre os quais destacamos as ideias comuns de desenvolvimento da Rede e do

ciberespaço por intermédio da internet utilizadas por Brittes (2003); Castells (2003); Lemos (2003);

Lévy (1999); Negroponte (1995); Primo (2007); Amadeu (2008) e Palácios (2001).

Nicholas Negroponte (1995), pesquisador do MIT, foi um dos primeiros cientistas sociais que

trabalhou a questão da “vida digital” ligada ao cotidiano prático das pessoas. Ele faz uma clássica

distinção entre bits56 e átomos, onde afirma que a natureza física, na sociedade moderna, passa a ser

transmitida e transformada em outro tipo de natureza, a “natureza digital”. Em uma máxima criada

pelo autor, o mesmo afirma que “o bit é o menor elemento atômico do DNA da informação”, que

56 É a abreviação para dígito binário, a menor unidade da informação que pode ser armazenada ou transmitida. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Bits> Acesso em: 15 de set. de 2009.

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agora pode ser condensada e transmitida sem limitações de espaço físico. Essa característica

dinamiza o espaço virtual, ampliando suas dimensões e ocasionando um armazenamento de dados

nunca antes visto na história da humanidade.

Negroponte defende ainda que haverá uma interação maior entre as pessoas de todos os lados

do mundo, compartilhando ideias de forma cada vez mais dinâmica. Além disso, será maior o caráter

da interatividade no mundo digital, que por sua vez irá se adaptar ao mundo analógico,57 ou melhor,

ampliá-lo e personalizá-lo. Um exemplo prático dessa personalização e adaptação ao mundo material

é a internet sendo transmitida por fiação de rede elétrica, aproveitando a infraestrutura já existente

para um maciço programa de inclusão digital, ideia esta defendida pelo autor e começando a ser

aplicada ao Brasil.58

De acordo com Palácios (2001) destacamos cinco das características para um entendimento

conjuntural das mídias digitais e da cibercultura, que consideramos pertinentes para o melhor

entendimento dos recursos utilizados pelos movimentos sociais e sua inserção na Rede Mundial de

Computadores. Pela ordem destacaremos a Instantaneidade; Interatividade; Capacidade de

Armazenamento ou Memória; Multimidialidade e Personalização:59

Instantaneidade – A capacidade de transmissão online de dados, no instante em que eles são

produzidos e enviados a qualquer lugar do planeta em milésimos de segundo sem empecilhos

técnicos;

Interatividade – Autores entre os quais, Lemos (2003) entendem por interatividade a comunicação

mediada por tecnologias e interação quando não há mediação tecnológica entre os seres humanos.

Por exemplo: uma conversa entre alunos e professor numa sala de aula ou amigos num bar é

interação, já a interatividade é quando se usa um telefone, um e-mail e até mesmo uma carta escrita,

em todos esses casos há uma tecnologia envolvida no processo comunicativo, o que justifica a

interatividade. As mídias tradicionais sempre tiveram algum tipo de interatividade, como nas seções

de cartas de jornais e TVs e nos telefonemas para programas de rádio. Mas nas mídias digitais a

interatividade atinge seu ponto máximo. Na Web o usuário pode enviar formulários com

comentários sobre uma notícia (ou mesmo produzir uma matéria) e ver suas observações colocadas

imediatamente à disposição de outras pessoas, além de votações e inúmeras outras formas que vêm

sendo desenvolvidas. É necessário ressaltar que o grau de interatividade da Rede é cada vez maior e

mais complexa mesmo a situações de imersão ainda pouco estudadas na sociedade;

57 Referimo-nos aqui ao mundo existente antes das mídias digitais. 58 Disponível em: <http://www.guiadohardware.net/noticias/2009-08/4A9584C7.html> Acesso em: 15 de set. de 2009. 59 Disponível em: <http://www.facom.ufba.br/jol/> Acesso em: 10 de nov. de 2009.

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Capacidade de Armazenamento ou Memória - Também conhecido como arquivamento. É o

conjunto de banco de dados produzidos online que podem ser guardados indefinidamente. O custo

de armazenamento de informação binária é ínfimo se comparado com os modelos analógicos. É

possível se guardar grande quantidade de informação em pouco espaço, e essa informação pode ser

recuperada rapidamente por meio de qualquer busca. A tendência nas mídias digitais é armazenar

todos os graus de conhecimento da humanidade, inclusive recuperando dados e informações

consideradas perdidas;

Multimidialidade – São os vários tipos de mídia e de formatos de arquivos de computador

disponíveis em um só espaço (texto e hipertexto, áudio, vídeo, fotos etc.) É a convergência de todas

as mídias em uma só, disponível no ciberespaço;

Personalização – Pelo fato que toda a informação está sendo tratada por meio de computadores, é

rápido colher esses dados sobre usuários e oferecer a mídia que mais interessa a eles. Essa

personalização de conteúdo pode se realizar de diversas maneiras. Muitos portais na Rede permitem

que o internauta escolha temas que lhe interesse e receba apenas notícias sobre eles, ao acessar sua

página. Também é comum que se assine newsletters (correios eletrônicos) sobre assuntos

específicos. No caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra analisaremos, no Capítulo

04, além de seu sítio virtual, o seu correio eletrônico como práticas ciberativistas.

3.3 Pluralidade na Rede: O debate na Nova Esfera Pública Interconectada

O modo pelo qual a sociedade civil tem-se apropriado das Ntics pode ser apontado como um

dos fatores de transição de um processo de comunicação massiva para outra forma de se comunicar

horizontalmente. Identificamos esse fenômeno como a Comunicação Mediada por Computador

(CMC), ou comunicação ciberespacial, entre outras denominações pertinentes. Focalizamos este

tema pelo ângulo da esfera pública midiática, compreendendo-o como um processo pelo qual a

sociedade civil forma opiniões e interage com vários setores diferentes.

Buscamos no conceito de Esfera Pública de Habermas (1984) alguns dos elementos que

subsidiaram nossa análise. Perguntamos se as novas tecnologias da informação e da comunicação,

que conduzem os elementos do ciberespaço, são capazes de modificar o processo comunicativo que

é moldado, em grande parte, pelos meios de comunicação de massa. Brittes (2003) defende a ideia

de que os novos meios de comunicação, não os de massa, entre eles, a televisão, o rádio e os jornais,

mas sim, as “Plataformas Comunicativas Multimediáticas Ciberespaciais (PCMC)” proporcionam o

aparecimento da esfera pública midiática, porque retomam “a troca pública de opiniões, alimentada

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por uma racionalidade comunicativa”. Com a internet, o usuário passa a ser produtor e consumidor

de informações, podendo mesmo chegar a recolher essa informação da própria fonte e entrar em

discussão de ideias sem nenhum filtro editorial, este, muito comum nos veículos do mass média.

Na sociedade das Redes as esferas públicas espaciais são agora espaços que levam “a troca

de argumentos mediados pela comunicação em Rede”. Brittes vai mais longe ao sugerir que esses

novos fóruns cumprem o papel de esfera pública, pois possibilitam na Rede, o debate que favorece a

formação de uma sociedade interconectada e criticamente atuante.

Corroborando com esta opinião, Amadeu (2008) acredita que com o advento das redes

ciberespaciais houve uma ampliação da cidadania, fazendo com que os cidadãos comuns, agora

municiados com as possibilidades comunicacionais da internet, começassem – independentemente

dos tradicionais formadores de opinião e emissores de conteúdo –, a produzir e debater os assuntos

que lhes interessem. Segundo o autor, essa participação só é possível devido à arquitetura livre da

rede:

No ambiente informacional, as Redes digitais estariam promovendo profundas mudanças na esfera pública [...] A primeira distinção está na arquitetura de Rede. A arquitetura unidirecional dos fluxos de informação dos mass media é alterada para uma arquitetura distribuída, com conexões multidirecionais entre todos os nós, formando um ambiente de elevada interatividade e de múltiplos informantes interconectados. A segunda diferença ocorre nos custos para tornar-se um falante ou emissor. O ambiente das redes digitais elimina os custos de comunicação como barreiras para falar e propagar suas mensagens (AMADEU, 2008, p.32).

Essas características alteram a capacidade dos indivíduos, sozinhos ou coletivamente, de

tornarem-se ativos participantes da esfera pública midiática e interconectada. O exame da aplicação

desse espaço de Redes informacionais na produção da esfera pública sugere que a emergência desse

ambiente possui um potencial democrático muito maior do que a esfera pública dominada pela mídia

de massa; comercial ou política.

Tendo em vista essas características, o cenário do oligopólio comunicacional, onde a

concentração dos grandes veículos de comunicação, controlados por uma minoria de grupos

políticos e/ou comerciais (assemelhando-se a concentração secular de terra no Brasil, como vimos no

capítulo 01) é abalada. É possível dizer que essa nova esfera pública atua de encontro a essa

realidade, ampliando as vozes que em um cenário anterior não tinham espaço para o debate.

Mas é o mesmo autor que atenta para a formação de uma conjuntura semelhante à mídia de

massa, só que agora nas mídias digitais, tento em vista a crescente fusão entre empresas e a

maximização da propriedade cruzada.

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No cenário digital, no ambiente das Redes, o poder econômico não teria a mesma capacidade de domínio? Podemos notar um processo de fusões e concentração de diversos serviços online, na internet, em poucas corporações gigantescas. A capitalização de alguns grupos, em janeiro de 2006, expressa o poder econômico crescente de poucos, por exemplo, o Yahoo (US$ 57 bilhões), Google (US$ 138 bilhões) e MSN (US$ 287 bilhões), da Microsoft junto com Amazon (US$ 183 bilhões), eBay (US$ 63 bilhões). Esses gigantes da internet estão aprofundando suas alianças em função do que tem sido chamado de convergência digital (AMADEU, 2008, p.33).

Ainda assim o ambiente cibercultural é considerado mais democrático que as instâncias

analógico/midiáticas a que nos acostumamos no século XX. 60 Defendendo essa ideia o mesmo

autor conclui seu raciocino nos seguintes termos (Idem, p.34):

Sem dúvida alguma, o poder econômico manifesta-se com grande intensidade no ambiente das Redes digitais, da comunicação mediada por máquina de processamento de dados. Todavia, ao contrário do ambiente dos mass media, esse poder não consegue impedir o surgimento de sites, portais e, soluções inovadoras que se constroem e desenvolvem ao largo do capital. No cenário dominado pelos mass media, o capital controla o lado da emissão e os canais de transmissão. No cenário digital, da forma como a internet foi estruturada, o capital controla a infra-estrutura de conexão, mas não controla os fluxos de informação, nem consegue determinar as audiências. Também não pode impedir o surgimento de portais e sites independentes e desvinculados do poder político e econômico. Com o surgimento da blogosfera e de outras ferramentas colaborativas, o capital passa a ter que disputar as atenções como nunca ocorrera no capitalismo industrial (AMADEU, 2008, p.34).

Em consonância com os conceitos aqui trabalhados, relacionados à esfera pública

interconectada, e com o intuito de registrar a opinião do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-

Terra – já que o mesmo é o ponto central desta pesquisa –, realizamos entrevista com a direção

nacional do Movimento (ver questionário em anexo 03), que assim manifestou opinião sobre sua

atuação na Rede Mundial de Computadores:

Acreditamos que a internet é uma ferramenta que pode contribuir para tornar mais conhecidas as lutas populares, que pode ajudar a democratizar a produção de informação. Mas sabemos dos seus limites, tanto de alcance (nem toda população tem acesso) quanto de conteúdo, pois os grandes grupos ainda são os responsáveis pelas principais notícias acessadas na Rede. Acreditamos que a luta se dá no confronto direto com o latifúndio e, mais recentemente, com o agronegócio. Sabemos que a mesma classe social detém grande parte da terra no Brasil, assim como detém os meios de comunicação, mas nossa luta fundamental é pelo acesso a terra, por uma política de Reforma Agrária Popular, que garanta o assentamento de todas as famílias sem-terra, além de condições de produção e educação em todos os níveis (ASSESSORIA , 2009, p.1).

O depoimento aponta para uma preocupação do Movimento com as contradições presentes

no espaço da internet, até porque a mesma não é formada por máquinas ou uma inteligência virtual

60 Referimo-nos a veículos como a TV, Rádio e ao jornalismo impresso.

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alheia às questões sociais. Ela é, sim, resultado de toda a complexidade humana, do que há de pior e

melhor nas sociedades e nos indivíduos modernos.61

É nesse sentido que o MST, ao mesmo tempo que investe nas possibilidades da internet,

ampliando os debates e fornecendo conhecimento às lutas populares pela Rede, encara, com olhos

críticos, porém abertos, as limitações em que a mesma está condicionada, como, por exemplo, seu

ainda reduzido acesso à população, principalmente do meio rural. Essa contradição, presente na

geopolítica brasileira, não inibe o Movimento de discutir essas questões e, indo além, propor uma

política de interna de inclusão digital.

3.4 Movimentos Sociais no início do Século XXI e o Ciberativismo

Um dos movimentos que ganharam maior visibilidade com o advento das mídias digitais no

contexto na nova esfera pública midiática foi o MST, qualificado como um dos principais

movimentos sociais do século XXI no mundo.

Segundo Orrico (2005, pp. 37-38), as características dos movimentos sociais deste século

perpassam primordialmente a utilização da internet como ferramenta de luta, seguindo os seguintes

critérios:

1) Os movimentos sociais que se inserem nessa nova categoria atuam por meio de Redes

sociais, locais, regionais, nacionais e internacionais, utilizando a internet como

ferramenta de luta;

2) Sabemos que para ser ouvido e considerado, é preciso que o movimento social tenha

uma proposta e que essa proposta seja divulgada, discutida, conhecida. É por intermédio

dela que são anunciadas ideais, símbolos e imagens com a ajuda das novas tecnologias de

informação e comunicação – sites, boletins eletrônicos e e-mails;

3) O movimento aqui estudado aproveita as inovações tecnologias na luta do dia a dia com

a transmissão de comunicados internos por e-mail, geração de notícias para os integrantes

do próprio ou de outro movimento social;

4) Angariam apoio, principalmente da sociedade, com a divulgação de fatos e notícias por

todo o mundo para as demandas que fazem parte do seu repertório. Lutam pela mudança,

61 Pontuamos que este assunto não está fechado e que inúmeros pesquisadores de vários campos do conhecimento (filosofia, sociologia, informática, biologia etc.) dedicam-se a compreendê-lo cada vez mais. Tendo em vista que somos a geração que está vivendo estas mudanças no momento em que elas acontecem, ou seja, somos a geração analógica que vive em um mundo em constante processo de digitalização.

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por novas leis que redefinam as relações sociais existentes e divulgam os passos dessa

luta com a ajuda da internet;

5) Tem uma maior chance de interação com outros movimentos e com a sociedade civil por

meio da internet, sem necessariamente, passar pelo crivo dos meios de comunicação de

massa tradicionais, pois utilizam como alternativa a rede mundial de computadores;

6) Criam um novo modo de organização, dando uma crescente importância para o setor de

informática ou para o responsável pelo desenvolvimento do trabalho que é feito “online”

pelo Movimento;

7) Agregam novas e importantes demandas à sua luta, como a defesa pela liberdade de

gestão da internet e a divulgação e a utilização do software livre;

8) Preocupam-se com a inclusão digital dos integrantes dos movimentos, proporcionando a

eles acesso ao que o mundo digital oferece com a criação de telecentros, por exemplo;

9) Criam e mantêm verdadeiros sites noticiosos para informar e formar integrantes,

simpatizantes e visitantes novos, burlando a notícia oficial do “inimigo” a respeito dos

objetivos e passos do movimento com a divulgação de comunicados oficiais. Tomam

para si o papel de meios de comunicação;

10) Não se restringem à luta de um sujeito privilegiado, mas passam a existir como atores

que, naquele determinado contexto de interesses e oportunidades, estão conectados. A

ideia de Redes permite extrapolar a exigência de delimitação no raio de ação de seus

integrantes e simpatizantes;

11) Tem uma enorme capacidade de disseminar na sociedade, por meio da internet, novas

formas de pensar sobre os problemas sociais;

12) Utilizam e divulgam outras mídias alternativas com a ajuda da internet, mantendo seus

sites, além de boletins eletrônicos que chegam ao e-mail dos cadastrados nos sites com as

últimas informações sobre o movimento social;

13) A utilização da internet dispensa o contato face a face da militância tradicional, não exige

perfil ideológico e tampouco obriga que o simpatizante/militante abdique de aspectos da

vida pessoal em prol da causa. Isso facilita a adesão de novas pessoas, que podem

contribuir virtualmente com o Movimento, enviando e-mails, criando listas de discussões,

postando vídeos em sítios de compartilhamento, sugerindo tipos de ações, pressionando a

mídia, entre outras coisas;

14) A articulação interna desses movimentos sociais se dá a partir de três elementos

fundamentais: as bases do movimento, as lideranças e as assessorias que se agregam não

em todas as etapas do movimento, mas quando são necessárias.

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As características descritas acima demonstram que o MST é identificado como um dos

principais movimentos sociais do século XXI, globalizando suas articulações e lutas por intermédio

da Rede Mundial de Computadores.

Podemos afirmar que a internet utilizada por esses movimentos sociais tem um potencial

transformador, gerando uma comunicabilidade nunca antes exercida por esses atores. Considerando

isso, fica mais fácil perceber o antagonismo que sempre existiu e ainda existe entre os movimentos

sociais e a mídia tradicional ao longo de todo o século passado e também no início deste.

É preciso ressaltar que, desde os anos 60, um oligopólio de comunicação tem preenchido uma

função mediadora entre o governo e o povo, que exclui ao mesmo tempo o protesto e o antagonismo

populares. Se, por um lado, a mídia tradicional amplia demandas que a ela interessam, por outro ela

constrange movimentos políticos e sociais de inúmeras vertentes que possuem opiniões diferentes

das suas.

A internet se tornou uma ferramenta importante para a expressão e organização da categoria

que analisamos nesta pesquisa. Entendendo que hoje em dia, a rede mundial de computadores está

entranhada no dia a dia das pessoas em várias esferas e segmentos, desde o ato de enviar um e-mail,

ler uma notícia ou pagar uma conta pela internet, apesar da grande exclusão e do analfabetismo

digital que ainda existem no mundo todo, sobretudo na América Latina e suas regiões rurais.

É neste sentido e pelos exemplos citados anteriormente que resolvemos, nesta pesquisa de

mestrado, analisar a militância ciberativista exercida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem-Terra (MST).

O Ciberativismo Sem-Terra,62 como o denominamos, juntamente com outros exemplos de

ativismo digital serão o foco central do próximo capítulo desta Dissertação, tanto por sua

peculiaridade, comparando-o com outras práticas do gênero, quanto por ser a forma exercida por um

movimento social oriundo do meio rural brasileiro, o que o torna catalisador de uma população

historicamente excluída, às margens do atendimento básico e cidadania, que vai desde a alimentação,

saúde, educação e sua bandeira principal, a reforma agrária.

62 Neologismo que adotamos para o presente trabalho.

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Capítulo 04

Exemplos de Militância Digital e o Ciberativismo Sem-Terra

O presente capítulo tem como objetivo central destacar em nossa Dissertação o Ciberativismo

Sem-Terra. Fenômeno este caracterizado pela utilização das mídias digitais pelo Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem-Terra - MST. No roteiro apresentado ao leitor, desenvolvemos a

conceituação de Ciberativismo dentro da Rede Mundial de Computadores e suas consequências fora

dela. Enumeramos, ainda, exemplos de Ciberativismo praticado por outros movimentos sociais e

organizações da sociedade civil, como o caso do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN),

exercido por índios mexicanos no estado de Chiapas (www.enlacezapatista.ezln.org.mx); da

Organização não Governamental Greenpeace, e sua defesa pelo meio ambiente em todo o planeta

(www.greenpeace.org.br); e, por último, um bem-sucedido exemplo nacional de mobilização pela

rede, o caso do projeto Indios On line, que congrega sete etnias desses povos com o intuito de

divulgar suas culturas, defender seus interesses e denunciar injustiças cometidas contra os indígenas

no Brasil (www.indiosonline.org.br).

4.1 Conceitos de Ciberativismo

Ciberativismo é um conceito muito recente em nossa sociedade. Ele surgiu logo após a

popularização da internet através da World Wide Web (explicada no Capítulo 03), no início dos anos

90 do século passado, portanto, com menos de 20 anos de existência. Nesse período, a internet

chegou e mostrou a facilidade de conectar pessoas diferentes em diversas partes do mundo e também

por isso, logo se tornou popular. A velocidade que as informações levam para ir de um extremo ao

outro chamou a atenção e despertou interesse de vários setores da sociedade, incluindo a de ativistas

que divulgavam suas ideias por outros meios de comunicação. Foi então que surgiram os primeiros

vestígios desta militância política pela Rede, que pode ser denominada de ativismo digital ou, como

preferimos nesta pesquisa, Ciberativismo.

Para Moraes (2001) o ativismo digital é uma importante forma de atuação e divulgação das

populações excluídas, das mais variadas origens de finalidades. Segundo o autor um importante

espaço criado para a congregação dessa heterogeneidade cultural foi/é do Fórum Social Mundial

(FSM),63 um encontro planetário com ativistas de todas as partes do globo, que se originou na

63 Disponível em: http://www.forumsocialmundial.org.br/. Acesso em 13 de novembro de 2009.

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cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e depois se espalhou pelo mundo, consagrando um

fenômeno de comunicação que vicejava pela internet.

Organizações não governamentais e entidades civis dos quatro quadrantes estão utilizando cada vez mais a Rede Mundial de Computadores para divulgar suas reivindicações e desenvolver espaços de interação e de mobilização pelos direitos da cidadania. Joëlle Palmieri, presidente da Penélopes, um coletivo feminista atuante na Web, resumiu o consenso alcançado nos debates de Porto Alegre sobre o chamado Ciberativismo digital: Com a tomada de consciência sobre a importância da internet para a difusão das reivindicações comunitárias, não precisamos mais nos isolar no gueto da contrainformação alternativa, e sim, buscar novos modelos de trocas comunicacionais e de produção de informações afins com a ideia de se construir uma outra mundialização (MORAES, 2001, p.1).

O Ciberativismo geralmente busca apoio para suas causas (que vão desde a defesa do meio

ambiente, às lutas de gênero, às lutas partidárias, anarquistas, de juventude, culturais, étnicas e da

luta pela terra) por intermédio da internet e de outros meios tecnológicos. Sua mobilização gera

espaço para discussões, procurando estabelecer uma Rede de solidariedade e articulação em torno do

assunto debatido. Sua utilização, produção e propagação das informações pela Rede passam a ter

maior visibilidade. Essa estrutura favorável que vai desde o baixo custo de sua utilização, passando

pela possibilidade interativa de suas ferramentas, são consequências de um elemento maior

registrado e divulgado por Ugarte (2008), que afirma que a Rede não está mais sob forma

“centralizada”, mas sim, “distribuída”.

Quem primeiro pensou essa concepção na comunicação foi o pesquisador Paul Baran,64 em

meados dos anos 60, que classificou três tipos fundamentais de Redes: as centralizadas, as

descentralizadas e as distribuídas. As centralizadas definem uma estrutura que eleva um ponto (nó

ou nódulo) a um grau de importância superior, sendo que é fundamental a sua presença para a

ligação entre outros nós. Ou seja, se o nó central for eliminado, afetará toda a Rede. No caso das

redes descentralizadas, o nó tem sua importância relativizada, tendo em vista que os nódulos são

maiores quantitativamente e se organizam de forma mais independente um do outro. Por fim, as

redes distribuídas possuem uma forma de malha onde os nós têm a mesma importância entre si, e

para alcançar um deles existem vários caminhos possíveis. Isso significa que a eliminação de um

ponto não afetará significativamente a estrutura comunicacional da Rede. Sendo mais explícito, a

Rede centralizada é aquela que configura o padrão “um com todos”, enquanto a rede distribuída é

aquela que configura o padrão “todos com todos”, princípio este, essencial para a prática do

Ciberativismo, onde os sujeitos (ou usuários) se comunicam entre si sem a necessidade de um

64 Disponível em: <http://www.en.wikipedia.org/wiki/Paul_Baran> Acesso em: 12 de nov. de 2009.

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emissor-editor único, diferente do que acontece nos veículos de comunicação de massa, como vimos

no capítulo 02 desta Dissertação.

Figura 6– Tipografia das Redes de Paul Baran difundido por David de Ugarte. Fonte: Manchester. Disponível em: <http://www.personalpages.manchester.ac.uk/staff/mdodge/Cybergeography/atlas/baran_nets_large.gif> Acesso em: 12 de nov. de 2009.

Apesar da distância geográfica minimizada pelo uso da internet, e as ações completamente

virtuais que se podem fazer com seu uso, o Ciberativismo não se restringe a uma prática exclusiva da

virtualidade. Além do virtual, é necessária a existência do ativismo real. Ou seja, é necessário

também o comprometimento e conhecimento do ativista pela causa que se está lutando e não apenas

um clique como entretenimento em horas de lazer em frente ao computador. O que acontece no

nosso mundo analógico, muitas vezes pode ser reproduzido virtualmente, como, por exemplo, a

existência de passeatas, abaixo assinados, petições e atos de vandalismo e protestos de modo geral.

Moraes (Ibid), referindo-se à questão, afirma que:

As vozes que se somam no ciberespaço representam grupos identificados com causas e comprometimentos comuns, a partir da diversidade de campos de interesse (educação, saúde, direitos humanos e trabalhistas, cidadania, minorias e etnias, meio ambiente, ecologia, desenvolvimento sustentável, defesa do consumidor, cooperativismo, habitação, economia popular, reforma agrária, Aids, sexualidade, crianças e adolescentes, religiões, combate à fome, emprego, comunicação e informação, arte e cultura), de metodologias de atuação (movimentos autônomos ou Redes), de horizontes estratégicos (curto, médio e longo prazos) e de raios de abrangência (internacional, nacional, regional ou local). Essas variáveis, muitas vezes, entrelaçam-se, fazendo convergir formas operativas e atividades (MORAES, 2001, p.1).

A internet tem alcançado uma nova relevância como uma ferramenta política. Muitos grupos

usam a Rede global para alcançar um novo método de organização, com o objetivo de criar e manter

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o ativismo na internet. Alguns governos, entre eles, o Irã, Coreia do Norte, Mianmar, República

Popular da China e da Arábia Saudita, restringem o que as pessoas em seus países podem acessar,

especialmente conteúdos políticos e religiosos. Tal restrição visa abafar o poder da sociedade civil

interconectada que cresce cada vez mais em todo o planeta. Um caso célebre e recente (acontecido

no ano de 2009) foi a série de protestos virtuais (que desencadearam protestos presenciais)

ocasionados pelas fraudes na eleição para presidente da República no Irã e divulgados pela Rede

Mundial de Computadores. Foi por meio do Twitter,65 do Facebook66 e outras Redes sociais que a

população iraniana pode trocar informações com outros países, já que os veículos tradicionais de

mídia sofriam restrições para fazer suas coberturas jornalísticas.

Atitudes semelhantes se aproximam das ações de mídia tática,67 incentivando cada pessoa ou

cada coletividade que deseja tomar uma atitude, ou divulgar suas ideias, a fazer por eles próprios uso

de novas formas de militância. Utilizando técnicas criativas e/ou inovações tecnológicas, através da

desmistificação da mídia (como um espaço para pessoas privilegiadas) e da quebra dos padrões de

informações que se restringiam a pequenos grupos sociais ou intelectualizados.

Na mesma linha, John Downing (2002) propõe a prática da “mídia radical”, que em comum

com Ciberativismo afirma que “os meios radicais alternativos tem o poder de romper regras, embora

raramente quebrem todas elas. Essas mídias também são tipicamente de pequena escala e dispõem

de poucos recursos”. Downing aponta ainda que os radicais têm dois propósitos fundamentais. O

primeiro é expressar verticalmente, a partir dos setores subordinados, oposição direta à estrutura de

poder vigente e seu comportamento. E o segundo é obter, horizontalmente, apoio e solidariedade e

construir com uma Rede de relações contrária às políticas públicas. O autor destaca como fenômeno

recente os centros independentes de mídia.

Trata-se de uma Rede sem uma central de organização, que teve início em Seattle. Hoje já existem entre 80 e cem ao redor do mundo. A maioria está nos Estados Unidos e no Canadá, mas há alguns na América Latina e no Brasil. Esses centros oferecem informações e os profissionais, fazem uma cobertura de assuntos nacionais e internacionais. Mas ali é possível obter conhecimento menos ideológico sobre o que ocorre no Oriente Médio, por exemplo. Essa é uma alternativa internacional e pública de mídia (DOWNING, 2002, p.37).

O Brasil é um dos países onde há o funcionamento de um Centro de Mídia Independente,68

ou simplesmente CMI. Com produção de reportagens, textos e denúncias enviados pelos voluntários

65 Microblog de relacionamentos. 66 Rede social mais popular do mundo. 67 Mídia tática pode ser definida como a apropriação dos meios de comunicação a fim de se opor ou criticar um alvo que frequentemente ocupa determinada posição de poder. Disponível em: <http://www.pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%ADdia_t%C3%A1tica> Acesso em: 16 de set. de 2009. 68 Disponível em: <http://www.midiaindependente.org/>. Acesso em: 17 de set. de 2009.

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cadastrados em sua página na internet, o CMI oferece “notícia alternativa e crítica de qualidade que

contribua para a construção de uma sociedade livre, igualitária e que respeite o meio ambiente”.

Figura 7– Sítio do Centro de Mídia Independente Brasil. Fonte: Sítio CMI. Disponível em: <http://www.midiaindependente.org/pt/blue/static/about.shtml> Acesso em: 10 de set. de 2009.

Alguns grupos se encaixam no que podemos chamar de “guerrilha midiática”, a fim de

desmascarar a grande mídia tradicional, apontando para a não confiabilidade e a fragilidade da

verdade oficial nas notícias transmitidas.69 Nesse sentido, o Ciberativismo é um importante

mecanismo que contrapõe esta “mídia do século passado”, justamente porque a mesma é pouco

sensível aos anseios da população, não incorporando suas demandas. Ou seja, podemos dizer que nas

mídias tradicionais há pouca interação entre emissores e os receptores. Ao contrário das mídias

digitais onde produtor e consumidor são, geralmente, a mesma pessoa. Essa situação viabiliza um

ambiente de liberdade e politização das ações desses consumidores, que agora são, também,

produtores de conteúdo. Esse é também o caso da comunidade virtual dedicada ao Ciberativismo

brasileiro,70 um espaço de discussão, produção, circulação e difusão de conteúdo especificamente

direcionado à temática do ativismo midiático-digital realizado no País, incorporando, inclusive,

vários pesquisadores acadêmicos que se interessam pelo assunto.

69 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ciberativismo> Acesso em: 17 de set. de 2009. 70 Disponível em: <http://ciberativismo.ning.com/> Acesso em: 10 set. de 2009.

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Figura 8– Comunidade de Ciberativismo do Brasil. Fonte: Ciberativismo Ning. Disponível em: <http://www.ciberativismo.ning.com/> Acesso em: 10 de set. de 2009.

4.2 Lutas pela Rede

Neste item enumeramos alguns exemplos de movimentos sociais que praticam o

Ciberativismo e por consequência deste fato se tornaram conhecidos, local, regional e globalmente.

Segundo Castells (2003, p. 48), participar e criar comunidades virtuais organizadas em Redes

sintetiza a prática da livre expressão global, numa era dominada por vários conglomerados de mídia

e burocracias governamentais censoras. O autor lembra que essa liberdade de expressão de muitos

para muitos foi compartilhada por usuários da internet desde os primeiros estágios da comunicação

online e tornou-se um valor difundido por toda a Rede.

Um dos trunfos da utilização da internet pelos movimentos sociais é justamente a

comunicação horizontal, que nada mais é do que aquela que é feita diretamente entre os interessados

em determinado evento. Ela possibilita que a comunicação entre as pessoas, os integrantes de uma

organização ou apenas simpatizantes de determinadas causas, aconteça em um mesmo nível. Quando

alguém recebe uma mensagem na sua caixa postal, pode responder diretamente a quem enviou, a

partir daquela caixa postal. Com a comunicação horizontal, elimina-se a figura do filtrador,

interpretador e modificador daquela informação, papel que até recentemente era feito apenas pelos

meios de comunicação de massa.

Podemos citar como primeiro exemplo de Ciberativismo, um movimento que ganhou

destaque mundial: o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), do Estado Mexicano de

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Chiapas, que luta principalmente contra a exclusão e opressão que atinge os indígenas mexicanos há

centenas de anos, também utilizando a Rede Mundial de Computadores como ferramenta para

difundir seus valores.

Figura 9 – Página do Exército Zapatista de Libertação Nacional - EZLN. Fonte: Sítio do EZLN. Disponível em: <http://www.enlacezapatista.e.ezln.org.mx> Acesso em: 10 de set. de 2009.

O EZLN incorpora em sua luta as Ntics como, por exemplo, telefones via satélite e a internet

como maneira de obter apoio interno e global. Seu nome homenageia a Emiliano Zapata Salazar, um

dos líderes da Revolução Mexicana.

O aparecimento do EZLN no cenário político aconteceu em 1993 e, atualmente é composto

majoritariamente por indígenas descendentes dos maias. O protagonismo político que esses

indígenas mexicanos, a partir dos anos 90, tomaram para si, contém uma dimensão simbólica da

maior importância. A expressão disso é a produção de um discurso próprio, com visões e

representações dos indígenas e da sociedade por meio da Rede Mundial de Computadores, numa

legítima prática Ciberativista.

Outra experiência Ciberativista muito popular no mundo globalizado está relacionada às

“ações diretas não violentas” 71 da ONG Greenpeace. Entidade que existe desde 1971 e se mantém

com as contribuições de seus associados em mais de 40 países. O Greenpeace não aceita doações de

governos, partidos políticos ou empresas e possui, hoje, em todo o mundo, em torno de 3 milhões de

71 Ação direta é uma forma de ativismo que usa métodos mais imediatos para produzir mudanças desejáveis ou impedir práticas indesejáveis na sociedade. Fazem parte destas práticas greves, protestos, exposições, dramatizações, grafitagens etc. Disponível em: <http://www.pt.wikipedia.org/wiki/A%C3%A7%C3%A3o_direta> Acesso em: 12 de nov. de 2009.

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colaboradores, um número impressionante se levarmos em consideração sua estrutura

descentralizada e independente. Em seu sítio na internet a entidade assim se define da seguinte

forma:72

O Greenpeace é uma organização global e independente que atua para defender o meio ambiente e promover a paz, inspirando as pessoas a mudarem atitudes e comportamentos. Investigando, expondo e confrontando crimes ambientais, desafiamos os tomadores de decisão a reverem suas posições e mudarem seus conceitos. Também defendemos soluções economicamente viáveis e socialmente justas, que ofereçam esperança para esta e para as futuras gerações. Por não aceitar doações de governos, empresas ou partidos políticos, o Greenpeace existe graças à contribuição de milhões de colaboradores em todo o mundo, que garantem nossa independência e o nosso compromisso exclusivo com os indivíduos e com a sociedade civil. Hoje, o Greenpeace está presente em mais de 40 países e conta com a colaboração de aproximadamente 3 milhões de pessoas (QUEM SOMOS, 2009, p.1).

Figura 10 – Greenpeace Brasil. Fonte: Sítio Greenpeace Brasil. Disponível em: <http://www.greenpeace.org/brasil/> Acesso em: 12 de nov. de 2009.

Finalizando nosso leque de exemplos Ciberativistas antes do nosso objeto central – o MST –,

apresentamos agora o caso do projeto Índios Online (www.indiosonline.org.br), uma iniciativa

desenvolvida por uma ONG brasileira, o Ministério da Cultura e sete etnias indígenas do Nordeste.

Com o objetivo de articular esses povos e promover o diálogo intercultural, foram instalados Pontos

de Cultura73 com acesso à internet e disponibilizado aos indígenas, para que os mesmos pudessem,

72 Disponível em: <http://www.greenpeace.org/brasil/quemsomos/> Acesso em: 12 de nov. de 2009. 73 O Ponto de Cultura é a ação prioritária do Programa Cultura Viva e articula todas as demais ações do Programa Cultura Viva. Iniciativas desenvolvidas pela sociedade civil, que firmaram convênio com o Ministério da Cultura

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por meio do ativismo digital, promover suas culturas e defender seus interesses. A iniciativa

repercutiu internacionalmente como um exemplo positivo de Ciberativismo em prol das culturas

tradicionais ameaçadas, como é o caso dos indígenas em várias regiões do País e do mundo. Com a

iniciativa, essas populações começaram a se apropriar das tecnologias digitais para, por exemplo,

cobrar salários atrasados, receber merenda escolar, tirar o lixo de suas aldeias e todo tipo de

atividade disponibilizada pela Rede. Os idealizadores do projeto assim se definem no menu “quem

somos”, diretamente de seu sítio na internet:

Índio Online é um canal de dialogo, encontro e troca. Um portal de diálogo intercultural, que valoriza a diversidade, facilitando a informação e a comunicação para sete nações indígenas: Kiriri, Tupinambá, Pataxó-Hãhãhãe, Tumbalalá na Bahia, Xucuru-Kariri, Kariri-Xocó em Alagoas e os Pankararu em Pernambuco e para a sociedade em forma geral. Os mesmos índios se conectam a internet em suas próprias aldeias, realizando uma aliança de estudo e trabalho em beneficio de suas comunidades e o mundo. Nossos objetivos são: Facilitar o acesso à informação e comunicação para diferentes nações indígenas; estimular o diálogo intercultural; promover aos próprios índios pesquisarem e estudarem as culturas indígenas; resgatar, preservar, atualizar, valorizar e projetar as culturas indígenas; promover o respeito pelas diferenças; conhecer e refletir sobre o índio de hoje; salvaguardar os bens imateriais mais antigos desta terra Brasil; disponibilizar na internet arquivos (textos, fotos, vídeos) sobre os índios nordestinos para Brasil e o Mundo; complementar e enriquecer os processos de educação escolar diferenciada multicultural indígena; qualificar índios de diferentes etnias para garantir melhor seus direitos (QUEM SOMOS, 2009, p.1).

A apropriação e utilização das novas tecnologias digitais ganhou tanta popularidade entre os

indígenas que eles fizeram um canal de vídeos no YouTube74 para exibir suas produções feitas por

intermédio de seus celulares, espaço este que ganhou o sugestivo nome de “celulares indígenas”. 75

(MinC), por meio de seleção por editais públicos, tornam-se Pontos de Cultura e ficam responsáveis por articular e impulsionar as ações que já existem nas comunidades. Atualmente, existem mais de 650 Pontos de Cultura espalhados pelo país e, diante do desenvolvimento do Programa, o MinC decidiu criar mecanismos de articulação entre os diversos Pontos, as Redes de Pontos de Cultura e os Pontões de Cultura. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/cultura_viva/?page_id=31> Acesso em: 13 de nov. de 2009. 74 Sítio de compartilhamento de vídeos. 75 Disponível em: <http://www.youtube.com/user/indiosonline> Acesso em: 13 de nov. de 2009.

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Figura 11 – Sítio do Projeto Índios Online. Fonte: Índios Online. Disponível em: <http://www.indiosonline.org.br/novo/> Acesso em: 13 de nov. de 2009.

4.3 Ciberativismo Sem-Terra

Desde sua formação inicial, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra tem uma

preocupação especial com a comunicação. Sua própria forma de organização deste setor direciona

seus integrantes a aperfeiçoarem seus métodos de mobilização, e, consequentemente, de fortalecer

suas atividades e arregimentar milhares de trabalhadores rurais visando influenciar a opinião pública,

como explica a pesquisadora Isabel Costa da Fonseca, em seu artigo “Estratégias de Comunicação

do MST” para se inserir na esfera pública, quando diz:

A comunicação é encarada pela organização como um instrumento para a formação de quadros políticos e a conquista de suas reivindicações. No documento “Por uma política de Comunicação do MST”, formulado em março de 1995, fica clara essa preocupação. No texto, é sugerida a criação de um coletivo que trate do assunto, define-se que a relação com os meios de comunicação seria feita por alguns dos dirigentes mais capacitados e orienta-se que todos mantenham bons contatos com jornalistas, além de indicar a produção de materiais de qualidade para serem divulgados (FONSECA, 2006, p.11).

O MST também criou em sua estrutura organizacional um departamento específico para

tratar o tema, o Setor de Comunicação do Movimento, que organiza todas as ações ligadas à área e

desenvolve projetos que procuram dar visibilidade ideológica à luta do Movimento. Dentre esses

projetos podem ser destacados o “Jornal Sem-Terra”, existente há 22 anos, voltado para ações

internas dentro dos acampamentos; a “Revista Sem-Terra”, publicação com análises de intelectuais

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sobre a questão agrária, que tem como público alvo integrantes da classe média, universitários,

professores e a academia em geral; o jornal “Brasil de Fato”, de abrangência nacional, criado para

ser um resumo semanal de notícias e análises brasileiras e internacionais sob a ótica do Movimento e

da esquerda brasileira; o programa de rádio “Vozes da Terra”, que surgiu em 2000 em uma parceria

com a Universidade Católica de Santos (Unisantos), e é distribuído para mais de 500 rádios

comunitárias em todo o País. E, por último, o sítio do MST (www.mst.org.br) e suas inúmeras

ferramentas de divulgação e mobilização (agenda, loja virtual, biblioteca, “spots” de rádio,

manifestos, artigos, dentre outros), que está disponível em oito idiomas, além do boletim eletrônico

“Letra Viva”, produzido quinzenalmente e enviado a milhares de pessoas em todo o mundo. Para o

aprofundamento desta pesquisa nos exemplos citados dedicaremos todo o próximo capítulo para

analisar estas duas últimas e principais ferramentas Ciberativistas do Movimento.

A militância cibernética se tornou uma das grandes ferramentas do MST, possibilitando

atuações em várias frentes e espaços, conquistando, além do seu público tradicional (trabalhadores

rurais e pessoas do meio camponês), todos os interessados na luta pela reforma agrária.

O ciberativismo tem possibilitado ao MST uma articulação em Rede, descentralizada e

colaborativa. Parte de seus militantes interage com indivíduos do mundo inteiro propagando suas

ideias, realizando ações e pautando a sociedade (direta e indiretamente). O Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem-Terra se apropriou das ferramentas disponibilizadas por este novo mundo

interconectado, informacional e interacional. A estrutura horizontal da Rede, como já dissemos,

viabiliza ao Movimento a propagação de suas ideias sem o filtro coercitivo da mídia convencional,

que, além da parca divulgação de suas ações, manipula negativamente as notícias relacionadas ao

MST, criminalizando-o (como vimos no capítulo 02).

Além das atividades relacionadas ao sítio do Movimento, apesar de não haver nenhuma

comunidade oficial nas Mídias Sociais76 em nome do MST, o mesmo não interfere na participação

de seus militantes, individualmente, em comunidades de relacionamento como Orkut, e inúmeros

“blogs” e espaços digitais de discussão, além de agendamento e articulação pelo ciberespaço de suas

necessidades e demandas.

Outra ferramenta cibernética que vem sendo usada por integrantes dos sem-terra com

intensidade é o portal de compartilhamento de vídeos da internet YouTube,77 Dentre as

características deste portal de vídeos, uma chama a atenção: o elevado grau de interatividade entre

76 Mídia social é o termo aplicado as novas ferramentas midiáticas que estão possibilitando a interação de pessoas em espaços virtuais de relacionamento. 77 O YouTube é sítio mais popular do gênero da internet. Ele permite que seus usuários carreguem, assistam e compartilhem vídeos em formato digital. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/YouTube> Acesso em: 02 de dez. de 2008.

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seus usuários. Além do conteúdo audiovisual, o YouTube possui também um sistema de comentários

semelhante a um blog, onde os internautas podem emitir opiniões e interagir com quem postou o

vídeo, ou mesmo com outros usuários que também comentaram nesse espaço.

Essa característica interacional, liberta das amarras e limitações da censura televisiva ou

impressa (que vão desde a estrutura técnico-analógica fechada no quesito participação do leitor ou

telespectador, passando pela linha editorial adotada pela empresa jornalística que coíbe opiniões

divergentes), e potencializa a troca de informação e a liberdade de expressão; consequentemente,

amplia o debate sobre o Movimento e cria novas possibilidades (e vozes) ávidas por manifestar suas

opiniões.

Esse repositório audiovisual se tornou uma grande vitrine para as ações do Movimento.

Recentemente, com as manifestações comemorativas de seus 25 anos, foram postados inúmeros

vídeos de militantes e colaboradores, divulgando e propagando os ideais do Movimento para todo o

mundo. Somente com a expressão “MST” há hoje, 7.150 referências no YouTube.78

Figura 12– 25 anos do MST no YouTube. Fonte: YouTube. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=bfT55A-hxcM>. Acesso em: 02 de dez. de 2008.

A Direção Nacional do MST, por meio de sua assessoria de comunicação, quando indagada

por nós sobre a utilização da comunicação digital (questionário aplicado para esta pesquisa), nos diz:

78 Pesquisa feita no dia 17 de setembro de 2009.

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O MST entende que fazer comunicação não é apenas investir em veículos tradicionais de informação. Todo seu trabalho – desde a mobilização da base, passando pela formação, pelas marchas, pelas ocupações e lutas – são formas concretas de comunicação. Comunicamos primordialmente por meio das lutas. A trajetória de mais de 25 anos do Movimento na luta pela reforma agrária e pelas mudanças na sociedade, além da criminalização sofrida que nos obrigou a criar também nossos próprios meios de comunicação para conseguirmos abrir diálogo com o nosso povo e com a sociedade. Desde o início do Movimento, construímos rádios em nossos acampamentos, assentamentos e marchas. Desde sua origem, o MST teve preocupação com a área de comunicação [...] Com relação à internet mantemos uma página (www.mst.org.br), com informações sobre a história do Movimento e suas lutas, e que são acessadas em média cinco mil vezes semanais. Distribuímos também um boletim eletrônico quinzenal, o “Letra Viva”, com o posicionamento do Movimento sobre os temas da conjuntura (ASSESSORIA, 2009, p.1).

Nascido no bojo das lutas populares em favor da redemocratização no Brasil, no início dos

anos 80, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra soube unir alguns fatores que o

tornaram o movimento social mais conhecido na América Latina, e um dos maiores do mundo.

Primeiramente fez da necessidade antiga e urgente de se realizar a reforma agrária no Brasil sua

maior bandeira, arregimentando massas de excluídos do campo (e da cidade) por todo o Pís; Casou

esta necessidade com um complexo e amplo sistema de “educação militante”,79 onde seus adeptos

participam de constantes treinamentos, capacitações, mini-cursos, oficinas e até cursos superiores de

graduação e especialização, visando à qualificação de seus integrantes; e, por fim, uniu esses fatores

a mobilização da opinião pública, sensibilizando-a para sua luta, utilizando todas as ferramentas de

comunicação que lhes estão disponíveis, num lugar de destaque, as ferramentas oferecidas pela

internet e todas as possibilidades geradas por elas, mencionadas anteriormente nesta Dissertação.

Na entrevista que realizamos com a Direção Nacional do Movimento para esta pesquisa, seus

líderes pontuam a importância destas ferramentas digitais, mas fazem questão de afirmar, por outro

lado, que tal relação com as novas mídias é apenas consequência de suas necessidades

comunicacionais e que de nada valeria se o MST não fosse, segundo eles, “um movimento social de

massas e ao mesmo tempo popular”, que atua na realidade concreta de milhões de trabalhadores

sem-terra.

O site do MST e o nosso informativo quinzenal “Letra Viva” são talvez hoje os maiores protagonistas desse debate na internet. Porém, para além desses meios, existem outros de importante expressão, pertencentes a outras organizações e entidades que também lutam pela reforma agrária, entre eles, a Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária), CPT (Comissão Pastoral da Terra), Via Campesina, Cáritas, MMC (Movimento de Mulheres Camponesas), MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), Contag e Fetraf, que são os principais. Nosso Movimento tem uma base de mais de um milhão de trabalhadores rurais em 23 Estados, em um País onde a exclusão digital é muito grande. Temos lutado para que o Estado faça um grande programa de inclusão digital, com a criação de telecentros em todos os

79 Baseado em vários teóricos da Esquerda brasileira e latino-americana, mas, sobretudo, do educador pernambucano Paulo Freire.

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assentamentos. Tivemos conquistas nesse campo, especialmente com a instalação de pontos de cultura80 em áreas da reforma agrária, onde já promovemos capacitação [...] Apesar disso nos consideramos um movimento social, de massas e popular. Porque mesmo que façamos uso das novas tecnologias para a luta social, sem a ação real, sem as mobilizações massivas, não existem transformações sociais. Uma ocupação de terra é muito mais eficiente para agilizar a reforma agrária do que uma campanha de correios eletrônicos (ASSESSORIA, 2009, p.1).

Mesmo com a ressalva feita pelos coordenadores do MST em relação à utilização das

ferramentas ciberativistas, é através delas que respostas imediatas (e que não ecoam na mídia

tradicional) podem ser emitidas. Um caso recente foi a nota pública feita pelo Movimento em

resposta à revista “Veja” (ver Capítulo 01), que aqui reproduzimos por meio do blog de

ciberativistas Trezentos:

Figura 13 – Nota Pública MST (Blog Trezentos). Fonte: Disponível em: <http://www.trezentos.blog.br/>. Acesso em: 17 de set. de 2009.

Outra mobilização digital recente feita pelo Movimento foi o manifesto “Contra a violência

do agronegócio e a criminalização das lutas sociais”.81 Coincidentemente escrito às vésperas do

exame de qualificação desta pesquisa de mestrado e desde então um exemplo de ativismo digital

sem-terra imprescindível a ser citado. O referido manifesto está disponível, além do português, em

mais três línguas (espanhol, italiano e francês) e, em poucos dias circulou em várias partes do mundo

80 O Ponto de Cultura não tem um modelo único, nem de instalações físicas, nem de programação ou atividade. Um aspecto comum a todos é a transversalidade da cultura e a gestão compartilhada entre poder público e a comunidade. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/cultura_viva/?page_id=31> Acesso em: 17 de set. de 2009. 81 Disponível em: <http://www.mst.org.br/node/8439> Acesso em: 13 de nov. de 2009.

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(por meio das Redes de relacionamento e de e-mails (reencaminhados), sensibilizando e

conquistando signatários de inúmeros países, muitos deles personalidades consagradas em várias

áreas do conhecimento, totalizando, até o momento (13 de novembro de 2009), 5.853 assinaturas.

Outra prova de que o MST está conectado às novas mídias digitais e praticando intensamente

o ciberativismo é sua adesão ao Twitter. Como já mencionamos anteriormente, este microblog é o

maior fenômeno recente de compartilhamento de informações pela Rede. Somente até julho deste

ano, 50 milhões de usuários82 havia se cadastrado no blog de utilização dinâmica e funcional (um

híbrido de e-mail, lista de discussão e Rede social) que consegue, em apenas 140 caracteres

permitidos para escrever, disponibilizar informações – por meio de links – de todos os gêneros e

espécies aos seus “seguidores”, expressão esta utilizada pelo serviço.

Figura 14 – Twitter do MST. Fonte: Twitter. Disponível em: <http://twitter.com/MST_Oficial> Acesso em: 13 de nov. de 2009.

Tendo em vista todos os argumentos apresentados anteriormente, apontamos que o

Ciberativismo praticado pelo MST é singular no que tange a sua origem, um movimento social

ligado a trabalhadores rurais de todas as regiões do Brasil. Diferentemente de outros movimentos e

entidades, o ativismo digital do Movimento tem em suas raízes históricas o meio camponês, mesmo

levando em consideração a dificuldade desses mesmos camponeses ou trabalhadores rurais terem

acesso à rede mundial de computadores e à internet. O que queremos destacar ao citá-los não é a

contradição da falta de acesso à rede (e que não é o foco deste estudo), mas sim, o MST como

82 Disponível em: <http://www.melinka.net/twitter-no-para-de-crescer/> Acesso em: 13 de nov. de 2009.

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movimento social popular e de massas que faz uso, como instituição, das novas tecnologias digitais

de comunicação para propagar suas ideias e concepções, além de utilizar essas ferramentas como

comunicação contra-hegemônica aos meios midiáticos massivos, que como vimos, criminaliza as

ações do Movimento. Podemos desse modo, afirmar que o MST faz uso frequente das mídias

digitais com a finalidade político-ideológica e, portanto, pratica o Ciberativismo, que aqui

denominamos de Ciberativismo Sem-Terra.

Colocada as devidas características deste tipo de ativismo praticado pelo Movimento,

destacamos que o próximo e último capítulo tem a finalidade de analisar as ferramentas digitais e

interativas disponibilizadas em sua página na internet, enumerando a funcionalidade de cada uma

delas.

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Capítulo 05

Sítio do MST: uma análise de suas características e ferramentas

Como parte final desta Dissertação, analisaremos a página oficial de divulgação das ações do

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra pelo ciberespaço, seu sítio na internet

(www.mst.org.br), e seu boletim eletrônico. É nele que o Movimento concentra o maior número de

ações ciberativistas, que vai desde publicação própria de conteúdo ou em parceria com

colaboradores de outras organizações da mídia alternativa, campanhas e manifestos, comentários de

internautas, calendário de ações, cursos, comercialização solidária de seus produtos e inúmeras

outras atividades divulgadas pela internet.

Apresentaremos, também, dentro da análise do sítio sem-terra, o projeto Videoteca Virtual

Gregório Bezerra, um importante espaço disponibilizado na página do Movimento em parceria com

o projeto Armazém da Memória, que permite acesso a centenas de produções audiovisuais, entre

elas, filmes, documentários, curtas metragens e vídeos educacionais com a temática da reforma

agrária.

Figura 15 – Sítio do MST. Fonte: MST. Disponível em: <http://www.mst.org.br> Acesso em: 13 de nov. de 2009.

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5.1 Características e funcionalidades

A página do MST foi criada em 1996 – com a popularização da internet no Brasil – pela

coordenação nacional do movimento. Em 2009, esta ferramenta digital completou 13 anos de

existência e o MST 25 anos de vida. Ao acessá-la visualizamos essas informações por meio de um

layout comemorativo em vermelho (a cor oficial do Movimento), onde trabalhadores rurais

estilizados (homens, mulheres e crianças) levantam bandeiras, aram a terra, estudam e militam ao

redor da inconfundível logomarca do Movimento, onde um casal de trabalhadores rurais segura um

facão no meio do mapa do Brasil. Ou seja, já num primeiro momento, o sítio do Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem-Terra investe imagética e ideologicamente no simbolismo da luta pela

terra e da reforma agrária.

Atualmente o sítio é gerido por integrantes de cada Estado onde existe o MST (24 no total),

responsáveis por avaliar o conteúdo da página, acompanhados pela coordenação nacional do setor de

comunicação do Movimento que está presente em todo o processo, localizada geograficamente no

Estado de São Paulo. O sítio possui em torno de 5 mil acessos semanais e, segundo sua assessoria,

esse número sobe para nove mil acessos quando o Movimento está promovendo alguma campanha,

jornada ou mobilização. A página virtual é administrada pelo próprio Movimento e não tem a

tradução automática para outras línguas. Porém, como nos informa a assessoria de comunicação da

diretoria, eles têm sítios administrados por comitês de apoio ao Movimento em oito países,

intitulados, no próprio sítio, como “amigos do MST no exterior”. São eles; Inglaterra, Espanha,

Itália, Suécia, Suíça, Alemanha, França e Holanda. O público alvo das ações virtuais do MST é,

além de sua militância, a imprensa e as pessoas formadoras de opinião (profissionais liberais,

estudantes, intelectuais e sindicalistas etc.).

A estrutura do sítio segue um modelo de formato noticioso que segundo Orrico (2005) mostra

a necessidade de o Movimento divulgar seu próprio conteúdo informativo que diga respeito à sua

luta e seus posicionamentos mediante a conjuntura nacional. Ele também é o cartão de visitas virtual

do MST quando o assunto é responder aos ataques da grande mídia e seus interesses por intermédio

da Rede Mundial de Computadores. Um exemplo (já citado no capítulo anterior) é o manifesto

contra a criminalização do Movimento que está circulando na Rede em três línguas, disponíveis na

página inicial dos sem-terra e com link para sua assinatura.

Em nossa análise, apontamos que o MST utiliza o sítio como veículo de comunicação

autônomo que divulga notícias relacionadas aos sem-terra de todas as regiões do País. Além da

produção de matérias, também são publicados artigos de pesquisadores e intelectuais, que tratam a

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temática da reforma agrária e inúmeros colaboradores de várias áreas do conhecimento que, todos à

sua forma, apoiam e legitimam as ações do MST.

Internamente, para as tarefas do dia a dia, o Movimento se organiza por “brigadas”, como

eles denominam os vários grupos para atuação de tarefas diversas cotidianas.83 Dentre estes grupos,

um se destaca por trabalhar com a produção de conteúdo midiático; é a Brigada de Audiovisual, que

incentiva a produção de pequenos documentários e vídeos sobre reforma agrária ou tema que diga

respeito às ações dos acampados ou assentados do MST. 84 Novamente é a assessoria nacional do

Movimento que nos esclarece como eles utilizam esses recursos de áudio e de vídeo:

Nossa brigada de audiovisual trabalha também para abastecer o site com produções em vídeo. Atualmente, essas contribuições são esporádicas e seguem demandas específicas ou pautas candentes (uma mobilização de destaque, uma campanha, uma ação de forte repercussão etc.). As produções em vídeo costumam ser enxutas (mínimo cinco minutos e máximo 15minutos). Nosso site não possui uma ferramenta própria para “upload” [necessária para postar vídeos], por isso raramente disponibilizamos vídeos para download. Reaproveitamos posts feitos no YouTube por meio da Brigada de Audiovisual e da Via Campesina e disponibilizamos o vídeo para execução direta e/ou link onde está postado originalmente. Em áudio, veiculamos também pelo site o programa Vozes da Terra, que reúne reportagens e campanhas (ASSESSORIA, 2009, p.1).

. Verificamos com este relato da assessoria do MST que sua produção audiovisual de conteúdo

ainda é limitada e surge a partir de demandas esporádicas específicas. Um apontamento tirado de

nossos estudos diz que esse tipo de ferramenta comunicativa disponível no sítio (vídeos de baixo

custo feitos com equipamento digital) é um eficiente mecanismo de comunicação e interatividade

com o público, o que poderia ampliar o interesse e o número de acessos de internautas caso houvesse

maior investimento na produção deste material.

83 Na organização de um acampamento do MST, por exemplo, há várias brigadas para a organização e execução das atividades diárias, como: a da saúde, segurança, comunicação, cultura etc. 84 Informações concedidas em entrevista realizada com a Assessoria Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, em junho de 2009.

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Figura 16 – Canal de vídeos do YouTube da Via Campesina e do MST. Fonte: YouTube. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=kigmWJxiw8c> Acesso em: 13 de nov. de 2009.

A página do Movimento está dividida em oito links ou menus assim discriminados no lado

superior da tela: Sobre o MST, Biblioteca, Audiovisual, Loja da Reforma Agrária, Especiais, Mural,

Indicamos e Fale Conosco. Do lado direito do sítio encontramos as seguintes funções ciberativistas:

Busca neste Site, o “banner” do projeto Armazém da Memória, e as versões digitalizadas de outros

veículos de comunicação do MST que possuem sua versão impressa, a Revista Terra e o Jornal

Sem-Terra, um espaço para o usuário cadastrar seu e-mail para receber o informativo eletrônico

Letra Viva, a divulgação dos Amigos do MST no Exterior (por meio da bandeira de seus países) e,

por fim, o Expediente do sítio. Na parte inferior da página, os “banners” das entidades e

organizações Parceiras do Movimento, sendo elas: Cooperativa Laudelina de Campos Melo

(www.cooperativalaudelina.net), Jornal Brasil de Fato (www. www.brasildefato.com.br), Via

Campesina Internacional (www.viacampesina.org), Rádioagência Notícias do Planalto

(www.radioagencianp.com.br), Minga Mutirão Informativa dos Movimientos Sociales

(www.movimientos.org) e Chasque Agência de Notícias (www.agenciachasque.com.br).

Cada item deste equivale a várias funcionalidades dentro do sítio, que vão desde o acesso a

documentos, vídeos e fotos, calendário de lutas e das campanhas que o Movimento toma parte, envio

de mensagens com críticas, postagem de comentários públicos sobre o MST, “links” e “banners”

redirecionáveis para outras páginas e até a comercialização de suvenires relacionados a este

movimento social e sua luta pela reforma agrária. Como a proposta deste capítulo final é analisar em

sua totalidade e em partes o sítio dos sem-terra, discriminando suas funções, características e

operacionalidade, adotamos uma metodologia ligada às práticas de comunicação comparada,

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dispostas em autores como Thompson (1998), segundo as quais existem técnicas de leitura crítica

dos meios e da produção de mensagens onde, em uma sociedade globalizada pelas tecnologias

midiáticas digitais, a comunicação faz-se o principal elo entre as culturas e a compreensão de suas

nuanças é imprescindível para entendermo-las. Tendo em vista esse pressuposto, relacionamos o

sítio com as características já enumeradas da Web, mencionadas no Capítulo 03 desta Dissertação

por intermédio de autores, entre eles, Lemos (2001), Primo (2007) e Palácios (2001), a saber: a

hipertextualidade, interatividade, armazenamento ou memória, multimidialidade e Personalização.

A seguir, faremos essa análise comparativa levando em consideração as características já

mencionadas e avaliando se/e como o sítio do MST as tem desenvolvido, e também o grau de sua

usabilidade e possíveis redefinições aplicadas a ele, visando maximizar seu desempenho e utilização.

1. Sobre o MST

Figura 17 – Sobre o MST. Fonte: Sítio MST. Disponível em: <http://www.mst.org.br> Acesso em: 14 de nov. de 2009.

Este item está subdividido em mais sete outros canais, a saber: Quem Somos; que explica a

origem do MST e suas principais lutas atuais; Linhas Políticas, que versa sobre as propostas do

Movimento para a reforma agrária e um projeto maior denominado Projeto Popular para o Brasil.

Nossas Lutas; que divide em nove eixos os focos de atuação do Movimento (Cultura, Reforma

Agrária, Combate a Violência Sexista, Democratização da Comunicação, Saúde Pública,

Desenvolvimento, Diversidade Étnica, Sistema Político e Soberania Nacional e Popular).

Organização; que explica como o MST se organiza interna e externamente, por meio de seus

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militantes, acampados e assentados. Poemas e Poesias; que disponibiliza trabalhos artísticos de

militantes da reforma agrária ou simpatizantes do Movimento. Lutadores e Lutadoras do Povo; que

enumera várias personalidades (da cultura, educação, política etc.) que, de algum modo, serviram de

inspiração as ações dos sem-terra em busca de melhores condições de vida (como afirmam em

depoimento em sua página) e, por último, as Notas do Movimento; notas públicas redigidas pelo

MST sobre os últimos acontecimentos envolvendo o Movimento e seu posicionamento em relação a

estes. Avaliamos que este menu tem um considerável grau de armazenamento (memória),

personalização e hipertextualidade: três características do ciberespaço aproveitadas pelo MST neste

item. Verificamos o armazenamento na quantidade de documentos e arquivos disponibilizados para

os internautas, a personalização (presente em toda página) no modo diagramado do sítio, presente

em suas cores e formatos (similares aos símbolos do Movimento, como sua logomarca) e a

hipertextualidade na migração de informações através de conexões presentes em “links” e “banners”

apresentados;

2. Biblioteca

Figura 18 – Biblioteca. Fonte: Idem

A biblioteca está dividida em sete zonas temáticas sobre assuntos relacionados ao

Movimento, com matérias, artigos e textos. Sua maior característica hipertextual, no tocante à

ferramenta Ciberativista, é o armazenamento, com documentos, artigos e matérias sobre assuntos

diversos relacionados à reforma agrária e ao MST, são eles: Acampamento e Assentamento,

Agricultura, Agrocombustíveis, Amazônia e Meio Ambiente, Educação, Cultura e Comunicação,

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Monoculturas, Transgênicos, Violência e Projeto Popular. Se levarmos em conta que para uma

linguagem digital, onde a concisão das ideias é necessária, tendo em vista as limitações da leitura em

uma tela de computador, os textos aqui expostos são geralmente longos, o que dificulta a leitura total

de seus arquivos;

3. Audiovisual

Figura 19 – Audiovisual. Fonte: Idem

Este espaço é disponibilizado aos internautas o acesso a vídeos de curta duração sobre

temáticas variadas feitos pela Brigada de Audiovisual do Movimento. Como já dissemos

anteriormente a propósito desse setor do MST, o conteúdo produzido pelos mesmos varia de acordo

com a demanda e às necessidades da entidade, assim também em assuntos em pauta no cenário

nacional e internacional. O vídeo de destaque desde o dia 2 de outubro de 2009 é, por exemplo, o

registro do Ato de defesa do povo hondurenho em São Paulo, mas há, também, os vídeos Antônio

Cândido homenageia Florestan Fernandes, V Encontro Nacional de Violeiros e Violeiras,

Conquistas do Acampamento Nacional, dentre outros armazenados para visualização. Duas

características da Web estão explícitas neste item: o armazenamento e a multimidialidade expressa

na convergência tecnológica exposta nos vídeos disponíveis para exibição;

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4. Loja da Reforma Agrária

Figura 20 – Loja da Reforma Agrária. Fonte: Idem

Neste espaço são oferecidos alguns produtos – a preços populares –, para a comercialização

do MST, entre eles, bonés, cartões-postais, camisetas, CDs, livros e pedidos feitos pelo e-mail

específico com essa finalidade. Como observa Orrico (2005), o MST, além de ser um movimento

social popular e de massas, é também um símbolo que atrai simpatizantes para sua causa, dos mais

variados lugares do Brasil e do mundo, muitos desses querendo adquirir alguma lembrança que

remeta ao Movimento. Aqui observamos a característica da interatividade e comercialização também

existentes no sítio virtual.

É preciso observar que o MST é além de um site, ou de marca, mais propriamente um canal de interação, onde comercializa produtos com o nome do Movimento, entre os quais, bonés, camisetas, anéis, discos, vídeos e livros. Os produtos são listados com os respectivos preços e o visitante é convidado à compra: “Dê um presente solidário e contribua com a luta pela reforma agrária” (ORRICO, 2005, p.110).

Verificamos que mesmo com enorme potencial para comercialização de seus produtos o

MST não amplia essa plataforma. Deduzimos que isso não acontece por não ser essa a finalidade do

Movimento, e sim, a divulgação de suas ações pela Rede;

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5. Especiais

Figura 21 – Especiais. Fonte: Idem

Os cadernos especiais temáticos disponíveis neste item são um exemplo de armazenamento

de conteúdo para acesso e aprofundamento de questões aos visitantes do sítio (pesquisadores,

jornalistas etc.). Aqui é possível encontrar dezenas de temas caros ao Movimento sistematizados

para diferentes públicos, por exemplo, a Jornada Nacional de Lutas dos Sem Terrinha, Jornada

Nacional Unificada de Lutas, Coleção de Gravuras Gershon Knispel, Jornada Nacional de Lutas

em Defesa da Educação e do Pronera, Especial Carajás – 13 anos de impunidade, Jornada

Nacional de Lutas pela Reforma Agrária, Especial Em defesa das Escolas Itinerantes do MST,

Jornada de Lutas das Mulheres Camponesas dentre inúmeros outros cadernos temáticos;

6. Mural

Figura 22 – Mural. Fonte: Idem

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Este é o espaço dedicado à participação pública e interativa dos internautas que visitam o

sítio do Movimento. Assim ele é descrito já em suas primeiras linhas de apresentação: “Neste espaço

você pode registrar sua mensagem para o MST. Deixe seus elogios, apoios, declarações, críticas e

sugestões”. Para a publicação das mensagens é necessário obedecer a regras de uso, já explicadas

para quem acessa o sítio nas primeiras linhas do item: “Não serão publicadas mensagens que

contenham insultos ou agressões de qualquer outra natureza, bem como acusações sem provas”.

Abaixo citamos dois comentários postados recentemente na página do Movimento e disponíveis no

Mural do sítio, de onde citamos ipsis litteris:

Assunto: Cutrale. Enviado por Antônio Carlos da Rocha (não verificado) em ter, 13/10/2009 – 14h30. A reforma agrária deveria ser uma política pública necessária ao desenvolvimento do País. É preciso gerar emprego, dar oportunidades àqueles que estão fora do mercado, corrigir os erros do passado, repartir as riquezas naturais do País: água, terra, petróleo, florestas, minérios etc. Isso tudo somente é possível através da reforma agrária. Mas o governo sozinho não consegue, por isso é preciso a ajuda dos movimentos sociais. Sem pressão não há reforma agrária porque o latifúndio é muito forte. Continuem na luta. Antônio. (SÍTIO DO MST, 13/10/2009)

Assunto: O foco é outro. Enviado por Ladislau Dowbor (não verificado) em ter, 13/10/2009 – 13h42. Acho lamentável derrubar pés de laranja, plantados com esforço. É um ato simbólico facilmente explorado. Se for feito por provocadores, o que é uma prática frequente, ainda mais lamentável. A imprensa há alguns anos, se lambuzou com alguns pés de soja arrancados pelo Bové. O foco é outro: o desmatamento da Amazônia é da ordem de 10 mil km² por ano, ou seja, um milhão de hectares de plantas incomparavelmente mais valiosas do que os pés de laranja, cortados sistematicamente em terras dominantemente públicas, todo ano, e nenhuma imprensa aparece. E são em geral os mesmos grupos econômicos. O desmatamento no cerrado é tão ou mais dramático. Abraço, Ladislau Dowbor. (SÍTIO DO MST, 13/10/2009).

Verificamos, ao analisar este canal, que o mesmo ainda é um espaço limitado para a interação

com o público. A existência de outros recursos, por exemplo, um chat 85 ou um blog poderia

aumentar o grau de interatividade disponibilizado pela página na Web. Tal afirmação é comprovada

com os comentários postados por internautas solidários ao Movimento e críticos aos meios de

comunicação de massa e seus jornalistas que criminalizam o MST frequentemente.

85 Sala de Bate-Papo com os internautas.

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Assunto: Uma sugestão! Enviado por Denilson (não verificado) em ter, 6/10/2009 – 11h38. Por que o MST não passa a ter um blog ou aqui neste site mesmo, um canal para sempre falar sobre assuntos usados pela imprensa contra o movimento, que responda imediatamente depois das falsas acusações? Hoje o “grande ex-secretario” do ditador Figueiredo, Alexandre Garcia fez um discurso para ouvidos e mentes perdidas, no Bom Dia Brasil, onde chorava a derrubada de pés de laranjas na Fazenda da Cutrale... Diferentemente do que acontece quando um sem-terra é morto covardemente por algum capanga de grileiro, quando o Garcia abre um vinho para comemorar e reverência ao antigo patrão! Procurei informações aqui e não consegui. Sou estudante de Biologia pela UERJ e dou todo apoio ao MST (MST, 2009, p.1)

Uma Sugestão - Apoiado! Enviado por Fábio Passos (não verificado) em sex, 9/10/2009 – 23h42. O MST precisa ter um blog! Perfeita a sugestão do Denilson. Canal direto com a população. É um bom caminho prá dialogar diretamente com a massa que é cotidianamente bombardeada com as mentiras da mídia-corporativa (MST, 2009, p.1).

Constatamos, novamente, que os internautas/usuários do sítio do MST reivindicam mais

interação com seus integrantes. Ponderamos que futuramente o Movimento precisa ampliar este

canal direto de diálogo com seus simpatizantes para potencializar os recursos interativos, o que

consequentemente atrairá mais pessoas simpáticas a suas bandeiras de luta.

7. Indicamos

Figura 23 – Indicamos. Fonte: Idem

O Indicamos é a referência que o MST dá a outros sítios parceiros que podem ser acessados a

partir da página dos sem-terra. Ele enumera várias entidades da sociedade civil, empresas solidárias,

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artistas e poder público que tem proximidade com as causas do MST, ou que defendam ideias

semelhantes como a agroecologia, arte popular, democratização da comunicação e reforma agrária.

O recurso da hipertextualidade é utilizado em abundância, já que todas as recomendações ou

indicações são feitas através de conexões de links;

8. Fale Conosco

Figura 24 – Fale Conosco. Fonte: Idem

O último item do menu da página do MST é o endereço do correio eletrônico para contato,

onde qualquer internauta pode enviar um e-mail para a assessoria de comunicação do Movimento,

visando tirar qualquer tipo de dúvida existente ou mesmo – se caso for um jornalista ou pesquisador

– , entrevistar um dos porta-vozes destinados a responder esse tipo de esclarecimento. Detectamos

aqui um grau médio de interatividade que, como já mencionamos anteriormente, poderia ser

ampliado com outros recursos comunicacionais disponibilizados no sítio.

Orrico (Idem, 2005) explica que o aspecto institucional da página é determinado pelo fato de

que ela é utilizada como se fora um cartão de visita para possíveis futuros “parceiros”, já que é por

meio dela que muitas organizações não governamentais e entidades internacionais interessadas em

financiar projetos em parceria com o MST tomam conhecimento da organização dos sem-terra no

Brasil.

Outro destaque também mencionado pela autora, que elaborou uma pesquisa comparativa

sobre a militância digital do Movimento com o Exército Zapatista de Libertação Nacional do México

– EZLN é a relação de cuidado do MST em evitar estrangeirismos na página da internet. Ela segue

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afirmando (Orrico, 2005, p.109) que “palavras do tipo “site” e “link”, comuns no ciberespaço estão

vetadas. São substituídas por sítio e indicações. Com resumos disponíveis em oito idiomas, além do

português, a página do MST é um exemplo de Ciberativismo”.

Citados os recursos iniciais da página do Movimento, outra importante ferramenta de

comunicação que atua conjuntamente com o sítio do MST é o Boletim Eletrônico Letra Viva,

enviado pela Secretaria Nacional dos Sem-Terra. Em entrevista realizada em junho de 2009,

perguntamos à assessoria nacional de comunicação quantos usuários (ou pessoas) haviam se

cadastrado e recebiam as informações deste “Newsletter” (que aborda temas factuais envolvendo o

MST e a conjuntura política nacional e internacional). A resposta que obtivemos foi que “o número

exato de usuários cadastrados e que recebem nosso boletim é um número “significativo de pessoas”

espalhadas por todas as regiões do Brasil e em vários lugares do mundo”.

Tal informação pode ser comprovada pela repercussão midiática e interconectada todas as

vezes que esse correio eletrônico é enviado às caixas de e-mail de seus usuários cadastrados, que,

por sua vez, reencaminham este boletim e o divulgam para outras pessoas, circulando essas

informações de forma viral.86

Figura 25 – Letra Viva (MST Informa). Fonte: Sítio MST. Disponível em: <http://www.mst.org.br/node/8547> Acesso em: 14 de nov. de 2009.

86 A circulação de informações ou dados de forma viral é um fenômeno da rede mundial de computadores. Trata-se de emitir certa informação e esta ir se propagando através das mídias digitais (e-mail, fóruns de discussão, Redes sociais), semelhante a um vírus biológico onde, em pouco tempo, haverá uma epidemia informacional sobre aquela notícia/matéria emitida inicialmente por apenas um usuário ou entidade.

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Por intermédio da análise feita sobre o boletim eletrônico do MST e do questionário aplicado

à sua direção, apontamos que a grande repercussão que tal ferramenta possui em sua prática

Ciberativista é resultado não somente de uma articulação virtual na Rede Mundial de Computadores,

mas, também e prioritariamente, pela organicidade que o Movimento apresenta junto a seus

militantes e colaboradores, realizando encontros, seminários, debates, marchas, protestos, oficinas,

ocupações e uma série de atividades presenciais que estimulam a participação de seus pares e

simpatizantes dentro e fora do ciberespaço. Sobre a utilização destes recursos virtuais e a militância

política praticada pelos sem-terra, sua direção nacional tem a seguinte ponderação:

Acreditamos que a internet é uma ferramenta que pode contribuir para tornar mais conhecidas as lutas populares, que pode ajudar a democratizar a produção de informação. Mas sabemos dos seus limites, tanto de alcance (nem toda população tem acesso) quanto de conteúdo, pois os grandes grupos ainda são os responsáveis pelas principais notícias acessadas na Rede [...] Acreditamos que a luta se dá no confronto direto com o latifúndio e, mais recentemente, com o agronegócio. Sabemos que a mesma classe social detém grande parte da terra no Brasil, assim como detém os meios de comunicação, mas nossa luta fundamental é pelo acesso a terra, por uma política de reforma agrária popular, que garanta o assentamento de todas as famílias dos sem-terra, além de condições de produção e educação em todos os níveis [...] Nos consideramos um movimento social, de massas e popular. Porque mesmo que façamos uso das novas tecnologias para a luta social, sem a ação real, sem as mobilizações massivas, não existem transformações sociais. Uma ocupação de terra é muito mais eficiente para agilizar a reforma agrária do que uma campanha de correios eletrônicos. Apesar de não ignorarmos a utilidade da segunda, é a primeira opção que dá maior força ao MST (ASSESSORIA, 2009, p.1).

Após analisarmos as inúmeras ferramentas disponíveis no sítio do MST, que agregam as

funcionalidades intrínsecas à Web (interatividade, hipertextualidade, memória e personalização),

juntamente com seu boletim eletrônico, enviado quinzenalmente a milhares de pessoas em todo o

mundo e expondo publicamente o ponto de vista dos sem-terra, verificamos que todas essas

características expostas na página virtual são extensões das ações práticas do Movimento. Por

exemplo, a educação, difundida nas escolas do MST há décadas, utiliza o espaço do sítio para

divulgar suas ações e resultados; a cultura popular e artistas existentes nos assentamentos e

comunidades rurais agora têm uma estante virtual constante no ciberespaço; as mobilizações

massivas e presenciais realizadas pelo Movimento reverberam na Rede mundial e chegam até

lugares somente imagináveis e acessíveis em razão da globalização comunicacional. Podemos dizer,

então, que o sítio dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra é a expressão digitalizada do Movimento em

suas mais simbólicas peculiaridades.

5.2 Armazém da Memória – Videoteca Virtual Gregório Bezerra

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Em 2009, o MST virou parceiro de um grande projeto de difusão audiovisual envolvendo o

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra e o projeto Armazém Memória: trata-se da

Videoteca Virtual Gregório Bezerra.87 Espaço disponibilizado por meio de um “banner” eletrônico

no sítio do MST que encaminha o usuário a um acervo de aproximadamente 140 filmes entre curtas,

médias e longas metragens. A proposta do projeto é disponibilizar filmes e vídeos sobre a questão

agrária brasileira, visando qualificar, no conjunto da sociedade, o debate sobre a reforma agrária. A

ideia do Movimento é que o máximo de pessoas interessadas na temática tenha acesso a essas

informações usando a linguagem do cinema, fazendo com que o mesmo seja um interessante

catalisador de debates e educação. Assim o MST apresenta o projeto em seu sítio:

Ao abrir acesso universal, livre e gratuito aos conteúdos dos filmes e vídeos na internet, queremos reforçar o direito de acesso à Informação e Educação, pilares fundamentais dessa iniciativa e fomentar o uso do conteúdo disponibilizado em salas de aula e espaços culturais, em pesquisas, seminários e encontros, tendo na Videoteca Virtual Gregório Bezerra um polo de organização de uma Rede de entidades sociais, centros de documentação e pessoas, que incluam em seus trabalhos a prática, difusão e discussão dos valores e princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos aplicados à questão agrária nacional e à defesa do trabalhador do campo. A Videoteca Virtual Gregório Bezerra é um passo importante para o esclarecimento do tema na sociedade, apresentando por meio da reunião da produção contínua em filmes e vídeos, as denúncias, opiniões, esforços e propostas de tantos brasileiros e brasileiras, que estão envolvidos em realizar uma reforma agrária no Brasil, como fator fundamental para afirmação de direitos e cidadania em nosso País e nosso desenvolvimento pleno enquanto nação (MST, 2009, p.1).

87 Disponível em: <http://www.armazemmemoria.com.br/cdroms/videotecas/MST/index.htm> Acesso em: 15 de nov. de 2009.

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Figura 26 – Biblioteca Virtual Gregório Bezerra. Fonte:Sítio MST. Disponível em: <http://www.armazemmemoria.com.br/cdroms/videotecas/ MST/index.htm> Acesso em: 15 de nov. de 2009.

Além do catálogo geral de acessos dividido em oito categorias (Documentários da Luta pela

Terra, Material de Imprensa, Violência no Campo, Atuação Sindical Rural, Depoimentos, Material

Pedagógico, Eventos e Temas Gerais), há também o Cine Debate, voltado às discussões sobre a

questão agrária nacional, cujo espaço reúne filmes e vídeos ligados aos temas propostos,

constituindo-se assim numa referência virtual aos temas da reforma agrária e as questões do campo

brasileiro, sendo uma ferramenta pedagógica dedicada ao estudo e à troca de ideias entre os usuários.

E, também, As Salas de Cinema, espaços virtuais de lançamentos e destaque de filmes e vídeos sobre

o campo brasileiro.

O mesmo projeto da Videoteca Virtual Gregório Bezerra congrega também a Biblioteca

Pública Virtual da Luta pela Terra que “reúne o material pedagógico desenvolvido em texto e outros

suportes, sendo uma ferramenta de apoio para aqueles que queiram aprofundar o estudo dos temas

assistidos nos filmes e vídeos”. Além desses espaços de interação e armazenamento, disponíveis

neste sítio específico, o internauta/usuário pode fazer sugestões de conteúdo de cartilhas e vídeos

que poderiam integrar o acervo virtual, além de mapear outros que tenham relevância para o tema

proposto (a questão agrária), como também divulgar a Videoteca Virtual Gregório Bezerra em sua

página na internet, por meio de “banners” digitais.

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A iniciativa que ajuda a manter a Biblioteca Virtual Gregório Bezerra faz parte de um projeto

maior chamado Armazém da Memória, uma importante iniciativa coletiva que visa incentivar o

acesso à memória histórica e de resistência do povo brasileiro.

O Armazém Memória é uma iniciativa de construção coletiva de um sítio na internet, visando colaborar para o desenvolvimento de políticas públicas, que possam garantir ao cidadão brasileiro o acesso à sua memória histórica, por meio de bibliotecas públicas virtuais. Essas memórias e registros agrupados irão se constituindo em centros de referência virtuais temáticos; bibliotecas inteligentes, interligadas através da tecnologia Docpro, onde a sua principal função é disponibilizar o conteúdo completo dos documentos reunidos, totalmente indexados, criando condições para que a memória da resistência histórica do povo brasileiro fique acessível ao cidadão para consulta e estudo não só na internet, mas também nas universidades, escolas, casas de cultura, entidades civis e centros de formação populares espalhados pelo País (ARMAZEM, 2009, p.1).

Figura 27 – Armazém da Memória. Fonte: site Armazém da Memória. Disponível em: <http://www.armazemmemoria.com.br/> Acesso em: 15 de nov. de 2009. A proposta do projeto, juntamente com os interesses Ciberativistas do MST, demonstra uma

iniciativa relevante no sentido de disponibilizar conteúdo audiovisual de qualidade para a formação

política e educacional não só de militantes dos sem-terra, mas, também, qualquer pessoa interessada

na temática da questão agrária e sua relação com a sociedade.

Finalizada a proposta de análise do sítio do MST e todas as suas funcionalidades,

características e limitações dentro de uma perspectiva das mídias digitais, propagadas pela Rede

Mundial de Computadores, ponderamos, tendo em vista esses resultados, que a página virtual do

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra dá conta de seu propósito inicial: ser a principal

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ferramenta do Movimento na internet, onde o mesmo utiliza seus recursos como efetiva prática

Ciberativista.

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Considerações Finais

Chegando à parte final da presente pesquisa, o sentimento é de que conseguimos cumprir

com o objeto proposto: uma sistematização hitórico-metodológica do ciberativismo praticado pelo

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Antes, é importante relembrarmos alguns passos

relacionados a esses apontamentos.

Tal reflexão começa com a escolha do tema, resultado de uma série de impressões pessoais,

acadêmicas e profissionais colhidas ao longo de, ao menos, seis anos. Essas impressões, que

inicialmente estavam no campo do empirismo, logo se tornaram preocupações teóricas e, sobretudo,

reflexões análogas aos estudos sobre os fenômenos da comunicação social e jornalismo, já que a

formação do presente autor está diretamente ligada a este campo das ciências sociais aplicadas. Ao

ingressarmos na primeira turma do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade

Federal da Paraíba – PPGC/UFPB definimos em detalhes a pesquisa a ser realizada e aqui

apresentada ao longo desta Dissertação de Mestrado.

Num primeiro momento, para o entendimento do contexto histórico da luta pela terra,

descrevemos que, em nossa opinião e de uma série de historiadores e outros pesquisadores foram os

fatos mais importantes relacionados à questão da reforma agrária no Brasil. Fatos esses

imprescindíveis para o entendimento da formação do objeto central de nossos estudos, o MST.

Começamos com a apresentação da luta mítico-histórica do Quilombo dos Palmares e seu sujeito e

líder central, Zumbi. Personagem enaltecido pelo Movimento dos sem-terra como um dos principais

heróis da luta por liberdade e da conquista pela terra. Na sequência, relembramos a constituição do

Arraial do Belo Monte, ou, como ficou conhecido pela opinião pública da época, a Guerra de

Canudos. A importância deste episódio na sociedade brasileira ainda é pouco ressaltada, mas, como

apresentamos, Canudos foi uma importante experiência de “sociedade comunitarista”.88 Seu líder

maior, Antônio Conselheiro, apesar de contraditório e misterioso, conseguiu impulsionar uma

experiência singular que hoje é objeto de estudo de vários cientistas sociais em inúmeras

universidades diferentes. O Belo Monte resistiu a ataques ideológicos (políticos) e militares (físicos)

sofridos ao longo de sua ascensão e queda. Verificamos que o MST utiliza os mesmos princípios –

ressalvados aqui todas as diferenças históricas, políticas e ideológicas – para propagar seus ideais de

resistência, citando e difundindo-o como exemplo inspirador de sua luta pela reforma agrária.

Concluindo a experiência didático-histórica sobre as lutas pela posse da terra no Brasil, antes

de entrarmos em nosso objeto central relacionado à comunicação e ao MST, rememoramos as ligas

88 Ver Capítulo 01 desta Dissertação.

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camponesas dos anos 50 e 60 e sua importância para o processo de reforma agrária e conscientização

política dos trabalhadores rurais. Esse movimento social ligado aos sindicatos foi o primeiro que

pautou nacionalmente a necessidade de redistribuição territorial – a reforma agrária –, com a

finalidade social. O slogan das ligas camponesas ecoa até hoje quando o noticiário midiático

tradicional fala sobre o MST e suas ocupações de terra: “Reforma Agrária na Lei ou na marra!”.

Verificamos ao longo da pesquisa que o presidente João Goulart (em 1964), no auge da

guerra fria, sofreu um golpe de Estado e não pode concluir a reformas de base previstas e anunciadas

por ele, dentre estas, a reforma agrária. No período da ditadura militar, houve uma convulsão

subterrânea de movimentos dos sem-terra e afins, que viria, mais tarde, a convergir no aparecimento

do MST.

Observamos, portanto, na sequência dos nossos estudos, que o aparecimento do MST no

cenário nacional foi influenciado por todos estes episódios relacionados à luta pela terra, mas,

principalmente, de um novo cenário que surgia ao final dos anos 70 do século passado, o processo de

redemocratização do Brasil.

Foi a essa época a gestação do que viria a ser o MST e, também, a consolidação de seus

maiores inimigos, representados por grupos políticos ligados ao agronegócio e, também, aos grandes

veículos da mídia brasileira. Esta última, promotora de um sistemático processo de criminalização do

Movimento.

É essa relação como fator conjuntural que procuramos entender ao longo do estudo, pois a

mesma é fundamental para a compreensão da necessidade desse movimento social de encontrar

outras formas de comunicação e propagação ideológica. Todos esses dados foram detalhados na

presente pesquisa, inclusive exemplos notórios de manipulação midiática feitos por esses grupos –

por meio de seus principais jornais, revistas e programas televisivos –, representados pelas

corporações de comunicação da mídia nacional. Tais informações foram relevantes para o corpo

deste objeto, pois elas deram a dimensão das necessidades comunicacionais do MST. Verificamos

que, justamente pela existência dessa relação conflituosa com os veículos de imprensa, o Movimento

tenha se preocupado tanto com a questão da comunicação, criando em sua estrutura interna um setor

de comunicação e uma coordenação de mídia dedicada a esta questão, que trabalham todas as

políticas nacionais relacionadas ao tema, além de incentivar vários veículos de comunicação

alternativos, entre eles, jornais, revistas, programas de rádio e, mais recentemente, as iniciativas

Ciberativistas . É bom ressaltar que, apesar do cunho político-analítico desta pesquisa (onde fizemos

um apanhado histórico e social do cenário democrático nacional e seus personagens), em que num

primeiro momento, talvez haja a impressão de que tratamos de um objeto de estudo de outras ciências

sociais aplicadas (como a sociologia, por exemplo), porém, deixamos claro, no decorrer de nossos

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esforços intelectuais, que nosso objeto é outro, centrado na área de comunicação e, mais

especificamente, nos fenômenos comunicacionais relacionados às novas mídias digitais. São elas que

norteiam todo o processo de nossos estudos antes, durante e depois das análises feitas.

Explicamos em nosso trabalho que o surgimento da internet possibilitou inúmeras

ferramentas que mais tarde popularizaram o que hoje é conhecido como ciberespaço. É neste local,

ao mesmo tempo físico e virtual, que circulam fluxos de informação incontroláveis, produzidos não

mais por veículos tradicionais e massivos de comunicação, mas sim, por toda e qualquer pessoa que

tenha acesso a um computador conectado e se interesse em algum tema ou assunto, como o da

reforma agrária, por exemplo.

São essas características singulares da nova comunicação e o paradigma digital que

procuramos analisar previamente visando entender como esse processo é apropriado pelo MST que,

como nos diz Gohn (2007), é um “Movimento Social do Século XXI”.

Verificamos que ser um movimento social contemporâneo é uma forma de caracterizar os

novos sujeitos da sociedade civil organizada que fazem uso frequente das Novas Tecnologias de

Informação e Comunicação, as Ntics. São elas, que, por meio da Rede Mundial de Computadores,

possibilitam a esses movimentos uma produção contínua de contrainformação. E este é o caso do

MST.

Ciberativismo é a palavra que escolhemos para denominar esta militância pela Rede. Nos

resultados apontados em nossa pesquisa, verificamos que o MST faz uso frequente dessas

ferramentas e que, portanto, é um movimento Ciberativista, o que não o descaracteriza como um

“movimento social, massivo e popular”, como seus dirigentes fazem questão de afirmar, já que seu

contato orgânico com sua militância e parceiros continua crescente através de cursos, manifestações,

reuniões e todo tipo de ação presencial possível.

O MST tem como maior ferramenta Ciberativista seu sítio na internet, que guarda inúmeros

recursos que vão desde a exibição de reportagens, documentos, agendas, vídeos, fotos,

comercialização e mecanismos de interatividade que, em nossa análise, precisam ser melhorados,

tendo em vista a demanda crescente de usuários interessados em dialogar com seus integrantes.

Mas o sítio não é a única ferramenta que os sem-terra possuem. Como verificamos na

pesquisa, o Movimento faz uso abundante de fóruns de discussão por meio de e-mails; possui um

“newsletter” que é enviada para milhares de pessoas; faz manifestações e campanhas virtuais de

assinatura; usa o Twitter, posta vídeos no YouTube e debate, individualmente, por intermédio de

seus militantes e simpatizantes, em blogs e outras redes sociais disponíveis na internet.

Tendo em vista estas informações alcançadas com o decorrer de nossos estudos, apontamos

que os objetivos gerais e específicos elencados no início dos trabalhos (e aqui apresentados) foram

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obtidos. Ou seja, conseguimos analisar a relação do MST com as Ntics e com o mesmo utiliza tais

ferramentas para suas atividades de cunho político e militante. Detalhamos, em profundidade, as

funções e usabilidade do sítio do Movimento como maior ferramenta Ciberativista. E, por fim,

analisamos a atuação digital dos sem-terra na atual arena de debates, caracterizada pela Nova Esfera

Pública Interconectada.

Por meio de todas estas informações expostas durante a feitura da pesquisa, podemos sugerir

que o MST é o principal movimento social brasileiro Ciberativista, e que o mesmo utiliza os

recursos das mídias digitais para propagar sua visão política, social e cultural. Não esqueçamos que,

além desta perspectiva, o Movimento precisa enfrentar um grande problema existente não só para os

trabalhadores rurais, mas, também, para grande parcela da população urbana: a exclusão digital, que,

como afirma Amadeu (2001), é a “grande miséria do século XXI”. Se não há computadores ligados à

internet (e sua infinita quantidade de dados e informações), não é possível produzir ou receber

conteúdo. Tal problemática – que voluntariamente não aprofundamos nesta pesquisa, por não ser

esse o nosso objetivo –, está sendo trabalhada pelos sem-terra através de projetos de inclusão digital

(telecentros e pontos de cultura) em vários assentamentos do MST, em parceria com governos e

entidades internacionais.

Por fim, esperamos que a pesquisa aqui apresentada – como afirmamos desde o início deste

trabalho –, tenha uma finalidade social e prática em relação a outros pesquisadores e estudiosos

interessados na temática. Acreditamos que o próprio MST pode, a partir de sugestões aqui

elaboradas, ampliar sua prática militante com a potencialização de recursos e ferramentas digitais de

comunicação, qualificando-se ainda mais na produção de informação contra-hegemônica da “mídia

burguesa” 89, ou seja, colaborar efetivamente para a ampliação do debate democrático sobre a

questão da Reforma Agrária e outros temas caros a sociedade brasileira. Incentivando, nesta grande

arena multifacetada e virtual que é a Rede Mundial de Computadores, o Ciberativismo. Uma luta

presencial com recursos digitais que está ampliando o debate na Nova Esfera Pública Interconectada.

89 Uma das expressões utilizadas pelo MST para caracterizar ideologicamente a grande mídia tradicional. Disponível em: <http://www.mst.org.br> Acesso em: 16 de nov. de 2009.

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ANEXO 01 18 de maio de 2008 | N.° 15605

Reportagem Especial

Cadernos de luta do MST

Cadernos apreendidos pela Brigada Militar em São Gabriel mostram rotina dos acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e como agem os militantes em confrontos

Ao alvorecer do último dia 8, cerca de 800 militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem- Terra (MST) acampados na fazenda São Paulo 2, em São Gabriel, foram surpreendidos pela chegada de igual número de PMs. Munidos de ordem judicial, os policiais militares realizaram busca de objetos que poderiam ter sido levados pelos sem-terra durante a invasão promovida dias antes numa fazenda próxima, a Estância do Céu, pertencente a Alfredo Southall e cobiçada pelo MST desde 2003. Durante a vistoria foram apreendidos facões, foices, facas - definidos pelo MST como objetos de trabalho - e escudos improvisados. O que mais chamou a atenção dos policiais (acabaram sendo entregues ao Ministério Público de São Gabriel para investigação), no entanto, foram quatro cadernos. Preenchidos a caneta, eles se dividem entre diários e atas que relatam o cotidiano dos acampados. São um misto de orientação dos líderes aos militantes e resumo das discussões internas. A leitura dos cadernos, aos quais Zero Hora teve acesso, mostra que o MST utiliza termos militares para gerenciar os acampamentos, como Brigada de Organicidade e Pelotão de Apoio. No 1.º Pelotão do Grupo Gestor, por exemplo, quatro pessoas centralizam a distribuição igualitária de víveres. Os métodos militares estabelecem a organização de rondas de vigilância, distribuídas em turnos, como num quartel. As rondas incluem crianças, o que será motivo de investigação do Ministério Público. Na vistoria do acampamento da fazenda São Paulo 2, os PMs descobriram entre os sem-terra 28 crianças sem registros e 16 adolescentes sem responsáveis. Um trecho aponta que crianças maiores de 14 anos não estão livres de tirar guarda. Foram encaminhados também à Polícia Civil e aos promotores públicos cadernos que dão noções de como os acampados podem resistir à desocupação das terras (incluindo menção a bombas e orientações sobre o que falar em momentos delicados) e de como podem driblar a fiscalização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) quando se candidatam a ganhar terra. Confira os principais trechos dos cadernos: Como arregimentar apoio Após a invasão das fazendas de Alfredo Southall, a direção do acampamento estabeleceu algumas metas: Às 9h o oficial de Justiça vem trazer os papéis... A coordenação desce e a senha é A Southall é nossa.

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O que dizer para a imprensa? Estamos num latifúndio que não tem apoiadores! Que venha um representante do Incra para propor a reforma agrária, de preferência já com terras e local. As Igrejas têm de cobrar do Ministério Público. Exigir apoiadores e mídia na hora do despejo". Em outro trecho, orientação sobre como proceder nas cidades vizinhas e sobre a função de doações de alimentos nos bairros próximos dos acampamentos: Muito importante o trabalho nos bairros, como doar alimentos, panfletear, para cair rápido nos meios de comunicação. Respostas padrão Uma das atas estabelece uma orientação aos acampados sobre como responder ao cadastro do Incra, que vai determinar quem está apto ou não a receber cesta básica alimentar: É o cadastro da boia, não precisa se intimidar... Tem de dizer que não tem bem familiar, não tem renda porque não trabalha. Quem não tem documento, dizer que a Brigada roubou. Se tem passagem na Polícia? Não. Se já era agricultor? Sim. O que fazia há cinco anos atrás? Nada, por isso estou aqui... Tempo de acampamento? Dizer que tem mais de um ano... E assim por diante. Quem tira guarda O uso de crianças para fazer guarda nos acampamentos não é rotina, mas acontece. Já o de mulheres é cotidiano, como mostram esses trechos do diário: Crianças pegando plantão, 10h às 12h, de 1h30 às 6h. ... guarda: de menor, não tira guarda, por motivo e o Conselho (Tutelar) chega e vê um de menor na guarda, causa problema... Luana, Paula, Denise e Juliana, quatro horas de guarda hoje. Controle do insólito O ímpeto de controle chega até mesmo ao que os acampados devem fazer com os seus animais: Foi acordado em assembleia que os cachorros têm que ser amarrados.

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Pedras, trincheiras e bombas Pouco antes do despejo de uma das invasões, novas orientações são anotadas num diário: Resistência do cenário: mais pedras, ferros nas trincheiras, alguns pontos estratégicos... cavalo apavora... Zinco como escudo. Bombas... tem um pessoal que é preparado. Manter a linha. Retorno do Pelotão 13: fazer trincheira lá atrás. Se protejam atrás, porque o pelotão que tome cuidado, atiram foguete... Desavenças e punições Casos de desavenças ou crimes são tratados por uma comissão disciplinar, que determina o destino daquele que não se adapta: ... tá roubando galinha. Quem rouba é expulso. ... os rapazes foram expulsos porque roubaram da Vozinha 15 reais, não gostavam de reunião e não faziam tarefa... ... proposta da direção de transferir P. para outro acampamento, porque corre risco de vida. Vai ser transferido, queira ou não. Divisão de classes As anotações de uma folha transmitem aos militantes uma divisão social bem clara entre os grandes proprietários de terra e os sem-terra e chegam a traduzir uma desesperança quanto ao rumo da reforma agrária e convoca para a luta: Ricos... concentram a terra comprada com o dinheiro do povo. Quem sustenta é a Farsul e o Poder Judiciário. Pobres... lutamos para que a terra seja partilhada. Para lutar, precisamos nos organizar. Levando em conta tudo que conversamos, vamos esperar sentados, vamos acreditar nas palavras do Incra, das mil famílias, ou vamos lutar, buscar conquistas? Há disposição.

Lucro com bebidas Trecho faz uma avaliação do resultado de uma das festas do acampamento: Avaliação de domingo, teve bastante lucro com a venda de bebidas. Sobre bagunças, sempre envolvido o Peixe. Uma invasão

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Trecho de um caderno faz uma avaliação de uma invasão de propriedade da família Southall no mês de abril, quando o MST promoveu uma série de ações pelo Brasil: Nível está bom. Repercussão da ocupação está boa em sete Estados. Em Pernambuco, 23 ocupações. Oposição da PM. Ação rápida. Muita arma no acampamento. Imprensa. Escolha de alvos Líderes, ao pregar o que fazer para organizar o movimento em um momento delicado, sugerem a invasão da sede do Incra: O que precisamos fazer? Fazer uma ocupação no Incra para fazer pressão, para que saia terra. Ou ocupar uma área símbolo. Ficar e não arredar pé. Quando? Se for possível, amanhã, já. Medo de flagrante No dia 29 de abril, a recomendação para evitar prisões na hora em que a BM fosse revistar o acampamento em busca de objetos saqueados: Se tiver algo que trouxe da Southall, favor consumir. Senão vai preso em flagrante. ([email protected])

HUMBERTO TREZZI

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ANEXO 02 22 de agosto de 2009 N.° 16070

CAMPOS CONFLAGRADOS

MST ganha seu mártir O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) ganhou um mártir ontem, após a

morte de um militante da sua causa, Elton Brum da Silva. Aos 44 anos, o acampado de Canguçu, município do sul do Estado, foi atingido por um disparo de espingarda calibre 12 quando era retirado da Fazenda Southall, em São Gabriel, na Campanha, invadida há nove dias pelo MST. Testemunhas garantem que Brum foi morto por um oficial da Brigada Militar (BM).

Gráfico mostra as polêmicas que envolvem a fazenda Southall

Grande parte das testemunhas é ligada ao MST, que já deu início a uma primeira estratégia de reação: orientou seus militantes a soterrarem com depoimentos os cartórios da Delegacia da Polícia Civil de São Gabriel, que investigará a morte. Os testemunhos repetem que o autor do disparo é da BM. O segundo passo dos militantes poderá ser uma grande movimentação em direção à fronteira, ainda sem data definida. A BM não confirma, nem desmente que foi autora do disparo mortal. Anunciou apenas que abriu um inquérito policial-militar (IPM) para esclarecer o episódio. O responsável é o corregedor-geral da BM, coronel Rogério Machado Porto. Pelo menos um oficial reconhece que os policiais militares dispararam, mas como reação a um suposto confronto. De acordo com o tenente-coronel Flávio Silva Lopes, que atuou na operação, os PMs atiraram contra os sem-terra porque estariam sendo agredidos com foices. No entanto, a identidade do atirador permanece desconhecida. Ao final do dia, 15 armas calibre 12 da BM foram apreendidas para perícia. A Polícia Civil abriu outro inquérito, e a morte será igualmente investigada pelo Ministério Público. A própria governadora Yeda Crusius determinou que todas as informações sobre o episódio sejam apuradas. Os sem-terra invadiram a Southall no dia 12 e, como de costume, protelaram sua retirada da fazenda.

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Contrariaram a ordem judicial para que evacuassem a área. Esticaram até o ponto de ruptura a tênue linha que separa a legalidade da clandestinidade e da desobediência metódica. Mesmo com o abuso praticado pelos militantes do MST, a sua retirada da fazenda poderia ter sido pacífica. Não foi. Permanecem inexplicados os motivos pelos quais PMs portavam armas de fogo e munição mortal para remover da área invadida militantes do MST que não teriam revólveres ou espingardas. Se portavam, essas armas não foram encontradas. Se não portavam, não há motivo para que alguém tenha disparado uma espingarda calibre 12 contra o corpo de Elton Brum da Silva. Normalmente são usadas escopetas com balas de borracha e granadas de efeito moral (que causam explosões e iluminação, sem gerar estilhaços). Por que armas de fogo de grosso calibre estariam na linha de frente da remoção dos sem-terra? Nenhum oficial graduado da Brigada veio a público explicar isso. Segundo os testemunhos, Brum teria sido morto durante suposta discussão com um oficial da BM que atua na região da Fronteira e tentava realizar a remoção dos militantes do MST do local. O próprio oficial e alguns soldados teriam providenciado a remoção de Brum, ainda vivo, para o hospital de São Gabriel, numa viatura da BM. O sem-terra morreu a caminho daquela cidade. A corroborar a versão de que Brum teria discutido com um PM existe um fato: só o sem-terra recebeu tiro. Logo em seguida, teria ocorrido um confronto entre policiais e militantes do MST, mas os cinco PMs feridos sofreram danos causados por paus ou pedras, não por tiros. Nenhuma arma de fogo foi apreendida com os sem-terra. Ou seja, os instrumentos usados pela BM teriam sido desproporcionais ao que o episódio exigia. De concreto, resta o cadáver de Brum, que deverá alimentar ódios e conversas ao pé do fogo dos acampamentos durante décadas. Se a BM teve seu mártir em 1990, quando o soldado Valdecir Nunes foi degolado por um grupo de sem-terra, agora o MST tem o seu. E não vai esperar a conclusão das investigações para fazer do episódio uma grande panela de pressão. Ontem mesmo estavam sendo programadas grandes manifestações durante o enterro de Brum, que deve ocorrer hoje em Canguçu, sua terra natal. [email protected]

HUMBERTO TREZZI

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ANEXO 03

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ANEXO 04

Questionário sobre Ciberativismo no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)

Pesquisador: Lucas Milhomens

Instituição: Universidade Federal da Paraíba – UFPB

Programa: Mestrado em Comunicação/PPGC

1 – Como o MST pensa a questão da Comunicação? Qual sua discussão sobre o tema? 2 – Quais os veículos de comunicação que o MST possui hoje? 3 - A que público eles são destinados? 4 - Qual sua tiragem e abrangência? 5 – Como o Movimento avalia a atuação política na Rede mundial de computadores (também conhecido por ciberativismo)? 6 - Existe algum tipo de política específica para o setor? 7 – Há exemplos de organização virtual (pela Rede) feita pelo Movimento? Quais? 8 – Há, no MST, alguma política de inclusão digital de seus integrantes? 9 – O MST utiliza sítios de relacionamento (Orkut, Myspace, Facebook), blogs e o sítio de compartilhamento de vídeos YouTube ? De que forma? 10 – Com relação ao sítio do MST, quais são seus recursos audiovisuais, de jornalismo e ferramentas institucionais? Quais suas estatísticas (número de acessos diários, semanais e mensais)? O sítio é traduzido para outras línguas? Quantas?Qual é seu público alvo? 11 – Como o MST avalia o debate sobre Reforma Agrária feito na nova esfera pública midiática, proporcionada pela Rede Mundial de Computadores? 12 – O MST se considera um movimento Ciberativista?

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ANEXO 05

MST invade fazendas, queima casas e rouba gado no PA Qua, 4 Nov, 07h54

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) deixou um rastro de violência e destruição durante a invasão das fazendas Maria Bonita e Rio Vermelho, localizadas nos municípios de Sapucaia e Xinguara, no sul do Pará. Cem homens armados e encapuzados derrubaram e queimaram casas, expulsaram empregados e atearam fogo em tratores, além de roubar gado. Apavorados e só com a roupa do corpo, mulheres, crianças e idosos tiveram de fugir para não ser espancados. Um avião com três mulheres e três crianças a bordo, expulsas pelo MST, caiu logo depois de decolar de uma das fazendas invadidas. O comandante e o piloto ficaram feridos e estão internados em um hospital da região.

A Delegacia de Conflitos Agrários (Deca) mandou equipes de policiais para as fazendas e abriu inquérito para apurar os atos de vandalismo. Os policiais e a imprensa tiveram dificuldades para chegar às propriedades. O MST bloqueou a rodovia PA-150 em três pontos, afirmando que a ação foi um protesto contra a morosidade da reforma agrária no Estado.

O gerente da fazenda Maria Bonita, Oscar Boller, contou que os invasores surpreenderam a todos, chegando ao local durante a madrugada. Muito agressivos, entraram nas residências dos funcionários enquanto eles dormiam, gritando que todos deveriam sair imediatamente. Em seguida, passaram a destruir as casas e os currais, usando tratores da própria fazenda, que em seguida foram incendiados. Quem resistiu foi espancado e ameaçado de morte caso permanecesse no local.

A ação na Maria Bonita foi comparada à utilizada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs), de quem supostamente o MST estaria recebendo treinamento, segundo informação investigada pela Secretaria de Segurança Pública do Pará. A fazenda foi invadida pelo MST desde julho do ano passado.

A Justiça concedeu liminar de reintegração de posse, em agosto do ano passado, mas o mandado nunca foi cumprido pelo Estado. Isso levou a senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) a pedir intervenção federal no Pará. O TJ estadual marcou para o próximo dia 21 o julgamento de admissão do pedido.

Segundo a coordenadora estadual do MST, Maria Raimunda Cézar, os sem-terra ocuparam as fazendas apenas para “protestar contra a presença de escolta armada” na área. Ela negou que casas e tratores tivessem sido destruídos. “Já balearam 18 trabalhadores rurais, por isso fomos para lá paralisar os trabalhos”, afirmou Raimunda.

As autoridades federais e estaduais foram convocadas pelo MST para ir à Curva do S, onde em 1996 dezenove sem-terra foram mortos pela PM do Pará, discutir a celeridade da reforma agrária. Enquanto isso não ocorrer, as rodovias PA-150 e PA-158 “continuarão fechadas”, segundo o movimento.

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ANEXO 06