O Céu e o Inferno Segundo Emanuel Swedenborg

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O Céu e o Inferno segundo Emanuel Swedenborg 08/06/1978 Por Yuri Vieira Transcrição de uma das palestras proferidas por Jorge Luis Borges, na Universidade de Belgrano, em 8 de Junho de 1978. (Com notas de Yuri Vieira ) ____ Voltaire dizia que o homem mais extraordinário registrado pela História foi Carlos XII. Eu diria que, talvez, o homem mais extraordinário – a admitirmos tais superlativos – foi o mais misterioso dos súditos de Carlos XII: Emanuel Swedenborg. Vou dizer algumas palavras sobre ele e, depois, falar de sua doutrina – que é o mais importante para nós. Emanuel Swedenborg nasceu em Estocolmo, no ano de 1688, e morreu em Londres, em 1772. Uma longa vida, mais longa ainda se considerarmos as curtas vidas de então. Quase pôde completar cem anos. Sua vida se divide em três períodos. Esses períodos são de

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Jorge Luis Borges fala sobre o místico sueco Swedenborg

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O Céu e o Inferno segundo Emanuel Swedenborg08/06/1978

Por Yuri Vieira   

Transcrição de uma das palestras proferidas por Jorge Luis Borges, na Universidade

de Belgrano, em 8 de Junho de 1978. 

(Com notas de Yuri Vieira)

____

Voltaire dizia que o homem mais extraordinário registrado pela História foi

Carlos XII. Eu diria que, talvez, o homem mais extraordinário – a admitirmos

tais superlativos – foi o mais misterioso dos súditos de Carlos XII: Emanuel

Swedenborg.

Vou dizer algumas palavras sobre ele e, depois, falar de sua doutrina – que é o

mais importante para nós.

Emanuel Swedenborg nasceu em Estocolmo, no ano de 1688, e morreu em

Londres, em 1772. Uma longa vida, mais longa ainda se considerarmos as

curtas vidas de então. Quase pôde completar cem anos. Sua vida se divide em

três períodos. Esses períodos são de intensa atividade. Cada um deles dura – já

se fizeram os cálculos – vinte e oito anos. No princípio temos um homem

dedicado ao estudo. O pai de Swedenborg era um bispo luterano, e

Swedenborg foi educado no luteranismo, cuja base, como se sabe, é a

salvação pela graça – da qual descrê Swedenborg. Em seu conjunto de

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princípios, na nova religião que ele pregou, fala-se da salvação pelo trabalho,

pelas obras, embora tais obras não sejam, certamente, missas nem cerimônias,

mas, sim, obras verdadeiras, obras nas quais entra todo o homem, quer dizer,

seu espírito e, o que é ainda mais curioso, também sua inteligência.

Pois bem, Swedenborg começa como sacerdote e logo se interessa pelas

ciências. Interessam-no, sobretudo, de modo prático. Na verdade, descobriu-se

que ele se antecipou a muitas invenções. Por exemplo, a hipótese nebular de

Kant e Laplace. Como Leonardo da Vinci, Swedenborg planejou um veículo

que poderia voar. Ele sabia que era inútil, mas via nele um possível ponto de

partida para aquilo que nós atualmente chamamos de avião. Também

desenhou veículos que se movimentariam debaixo d’água, como havia

previsto Francis Bacon. Da mesma forma, logo se interessou – fato

igualmente singular – pela mineralogia. Foi assessor para assuntos minerais

em Estocolmo. Interessou-se também pela anatomia. E, como Descartes,

interessou-o o exato local onde o espírito se comunica com o corpo [1].

Dizia Emerson: “Lamento dizer que ele nos legou cinqüenta volumes”.

Cinqüenta volumes, dos quais vinte e cinco, pelo menos, são dedicados à

Ciência, à Matemática, à Astronomia. Recusou a cátedra de Astronomia da

Universidade de Upsala porque desprezava tudo que fosse teórico. Era um

homem prático. Foi engenheiro militar de Carlos XII, que o respeitava. Os

dois se relacionaram muito: o herói e o futuro visionário. Swedenborg

idealizou uma máquina para transportar navios por terra em uma das guerras

quase míticas de Carlos XII tão formosamente descritas por Voltaire.

Transportaram os barcos de guerra ao longo de vinte milhas.

Mais tarde, mudou-se para Londres, onde estudou as artes da carpintaria, o

trabalho do entalhador, do tipógrafo, do fabricante de instrumentos. Também

esboçou mapas para o globo terrestre. Ou seja, foi um homem eminentemente

prático. E eu me recordo de uma frase de Emerson, em que ele diz que

“nenhum homem viveu de maneira mais realista do que Swedenborg”. É

necessário que saibamos isso, que juntemos toda essa sua obra científica e

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prática. Foi um político, além do mais; foi senador do reino. Aos 55 anos já

havia publicado uns vinte e cinco volumes sobre mineralogia, anatomia e

geometria.

Aconteceu, então, o fato primordial de sua vida. O fato primordial de sua vida

foi uma revelação. Recebeu essa revelação em Londres, precedida por sonhos,

registrados em seu diário. Não foram publicados, mas sabe-se terem sido

sonhos eróticos.

E, depois, veio a visitação, que alguns consideraram um acesso de loucura.

Mas isto é negado pela lucidez de sua obra, pelo fato de que em nenhum

momento nós nos sentimos diante de um louco.

Escreve sempre com grande clareza, quando expõe sua doutrina. Em Londres,

um desconhecido que o havia seguido pela rua entrou em sua casa e lhe disse

que era Jesus, que a Igreja estava decaindo – como a judaica, quando surgiu

Jesus Cristo – e que ele tinha o dever de renovar a Igreja, criando uma terceira

igreja, a de Jerusalém.

Tudo isso parece absurdo, incrível, mas temos a obra de Swedenborg. E essa

obra é enorme, escrita em um estilo muito tranqüilo. Ele não argumenta em

momento algum. Podemos recordar aquela frase de Emerson, de que “os

argumentos não convencem ninguém”. Swedenborg expõe tudo com

autoridade, com tranqüila autoridade.

Pois bem, Jesus lhe disse que o encarregava da missão de renovar a Igreja e

que lhe seria permitido visitar o outro mundo, o mundo dos espíritos, com

seus inumeráveis céus e infernos. Que tinha o dever de estudar a Sagrada

Escritura. Antes de escrever, portanto, ele se dedicou, durante dois anos, ao

estudo da língua hebraica, pois desejava ler os textos originais. Voltou a

estudar os textos e neles pensou ter encontrado o fundamento de sua doutrina,

um pouco à maneira dos cabalistas, que encontram razões para o que buscam

no texto sagrado.

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Analisemos, antes de mais nada, sua visão do outro mundo, sua visão da

imortalidade pessoal[2], na qual acreditou, e veremos que toda ela se baseia

no livre-arbítrio. Na Divina Comédia de Dante – bela obra literária – o livre-

arbítrio cessa no momento da morte. Os mortos são condenados por um

tribunal e merecem o céu ou o inferno. Ao contrário, na obra de Swedenborg

nada disso ocorre. Diz-nos ele que quando um homem morre ele não se dá

conta de haver morrido, já que tudo que o circunda é igual. Encontra-se em

sua casa, os amigos o visitam, ele percorre as ruas de sua cidade – não pensa,

enfim, que morreu. Mas, logo começa a notar algo. Começa a notar algo que a

princípio o alegra e que, depois, o assusta: tudo, no outro mundo, se mostra

mais vívido do que neste[3].

Sempre pensamos no outro mundo de modo nebuloso, mas Swedenborg nos

diz que ocorre exatamente o contrário, que as sensações são muito mais vivas

no outro mundo. Há, por exemplo, mais cores. E se imaginamos que os anjos,

no céu de Swedenborg, de qualquer modo como se encontrem, estão sempre

voltados para o Senhor, podemos igualmente imaginar uma espécie de quarta

dimensão. Em todo caso, Swedenborg afirma que o outro mundo é muito mais

intenso que este. Nele há mais cores, há mais formas. Tudo é mais concreto,

tudo é mais tangível do que neste mundo. “Tanto é assim” – diz ele – “que

este mundo, comparado com o que vi em minhas inumeráveis andanças pelos

céus e pelos infernos, é como uma sombra. É como se vivêssemos

na sombra”[4].

Aqui eu me lembro de uma frase de Santo Agostinho. Na obra Civitas Dei,

Santo Agostinho diz que, sem dúvida, o gozo sensual era mais forte no

Paraíso do que aqui, porque não se pode imaginar que a culpa tenha

contribuído para melhorar alguma coisa. E Swedenborg diz o mesmo. Ele fala

dos gozos carnais nos céus e nos infernos do outro mundo e diz que são muito

mais intensos que os daqui[5].

Que acontece quando um homem morre? No princípio, não se dá conta de

haver morrido. Prossegue em suas ocupações habituais, recebe a visita dos

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amigos, conversa com eles[6]. Logo, porém, pouco a pouco, as pessoas

percebem, assustadas, que tudo é mais intenso, que há mais cores. O homem

pensa: “Eu vivi todo o tempo na sombra; agora eu vivo na luz”. E isso pode

alegrá-lo por um momento.

E dele logo se aproximam desconhecidos, que com ele conversam. Esses

desconhecidos são anjos e demônios. Swedenborg diz que os anjos não foram

criados por Deus, que os demônios não foram criados por Deus. Os anjos são

homens que ascenderam à condição angelical; os demônios são homens que

desceram à condição demoníaca. De modo que toda a população dos céus e

dos infernos é composta por homens, e esses homens agora são anjos e agora

são demônios[7].

Pois bem. Do morto se aproximam os anjos. Deus não condena ninguém ao

inferno. Deus quer que todos os homens se salvem. Ao mesmo tempo, no

entanto, Deus concedeu ao homem o livre-arbítrio, o terrível privilégio de

condenar-se ao inferno ou de merecer o céu. Quer dizer, quanto à doutrina do

livre-arbítrio – que, segundo a doutrina ortodoxa, cessa após a morte –

Swedenborg o conserva até depois da morte. Há, então, uma região

intermediária, a região dos espíritos. Nela estão os homens, as almas daqueles

que morreram, e eles conversam com anjos e com demônios[8].

Por conseguinte, chega um instante que pode durar uma semana, pode durar

um mês, pode durar muitos anos – não sabemos quanto tempo pode durar.

Nesse momento, o homem resolve ser um demônio, ou vir a ser um demônio

ou um anjo. Em um dos casos merece o inferno. Essa região é composta por

vales e, igualmente, fendas. Essas fendas podem localizar-se na parte inferior,

comunicando-se com os infernos; ou na parte superior, comunicando-se com

os céus. E o homem procura, conversa e fica na companhia daqueles de quem

gosta. Se tem um temperamento demoníaco, prefere a companhia dos

demônios; se tem um temperamento angelical, a dos anjos.

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Se vocês quiserem uma descrição de tudo isso, por certo muito mais eloqüente

do que a minha, a encontrarão no terceiro ato de Man and Superman, de

Bernard Shaw. É curioso que Shaw jamais mencione Swedenborg. Eu creio

que ele chegou a fazê-lo através de Blake, ou de sua própria doutrina. Porque

no sistema de John Tanner está descrita a doutrina de Swedenborg, embora

sem ser mencionada. Não creio que tenha sido um ato de desonestidade de

Shaw, mas, sim, que tenha acreditado nisso de forma sincera. Presumo que

Shaw tenha chegado às mesmas conclusões através de William Blake, que

analisa a doutrina da salvação pregada por Swedenborg.

Bem, o homem, então, conversa com anjos, o homem conversa com

demônios, e se sente atraído mais por uns do que por outros. Isto, segundo seu

temperamento. Aqueles que se condenam ao inferno – já que Deus não

condena ninguém – se sentem atraídos pelos demônios. Agora, que são os

infernos? Os infernos, segundo Swedenborg, apresentam aspectos variados. O

aspecto que teriam para nós, ou para os anjos. São zonas pantanosas, em que

as cidades parecem destruídas por incêndios[9]. Mas, aí, os perversos se

sentem felizes. Sentem-se felizes a seu modo, ou seja, estão cheios de ódio. E

não há um monarca nesse reino; continuamente estão conspirando uns contra

os outros. É um mundo de política de baixo nível, de conspiração. Isto é

o inferno[10].

A seguir, temos o céu, que é o oposto – o que corresponde simetricamente ao

inferno. Segundo Swedenborg – e esta é a parte mais difícil de sua doutrina –

haveria um equilíbrio entre as forças infernais e as forças angelicais,

necessário para que o mundo subsista. Nesse equilíbrio sempre é Deus aquele

que comanda. Deus permite que os espíritos infernais permaneçam no inferno,

já que só no inferno eles se sentem felizes [11].

E Swedenborg menciona o caso de um espírito demoníaco que ascende ao

céu, aspira o ar do céu, ouve as conversas do céu, e tudo lhe parece horrível. O

ar lhe parece fétido, a luz lhe parece negra. Então, ele volta ao inferno porque

só no inferno se sente feliz. O céu é o mundo dos anjos. E Swedenborg

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acrescenta que todo inferno tem a forma de um demônio, e o céu a forma

generalizada de um anjo. O céu é composto por sociedades de anjos, e aí se

encontra Deus. E Deus é representado pelo sol.

De modo que o sol corresponde a Deus, e os piores infernos são os infernos

ocidentais e os do norte. Ao contrário, a leste e ao sul, os infernos são mais

mansos [12]. Ninguém está condenado a eles. Cada um busca a sociedade que

deseja, busca os companheiros que deseja, e o faz segundo os estímulos que

dominaram sua vida.

Os que chegam ao céu têm uma noção equivocada. Pensam que no céu ficarão

permanentemente a rezar. E lhes é permitido rezar, mas, ao fim de poucos dias

ou semanas, eles se cansam: dão-se conta de que isso não é o céu. Começam,

naturalmente, a adular Deus, a elogiá-lo. Mas Deus não gosta de ser adulado.

Do mesmo modo, essas pessoas se cansam de adular Deus. Pensam, a seguir,

que podem ser felizes conversando com seus entes queridos, mas, ao fim de

certo tempo, constatam que os entes queridos e os heróis ilustres podem ser

tão entediantes na outra vida como nesta. Cansam-se disto e, então, entram na

verdadeira obra do céu. E, neste ponto, eu me recordo de um verso de

Tennyson, que diz que a alma não deseja assentos dourados; simplesmente,

deseja que lhe concedam o dom de permanecer e não de cessar [13].

Quer dizer, o céu de Swedenborg é um céu de amor e, sobretudo, um céu de

trabalho, um céu altruísta. Cada um dos anjos trabalha para os demais; todos

trabalham uns para os outros. Não é um céu passivo. Não é uma recompensa,

tampouco. Se alguém possui um temperamento angelical, obtém este céu e

nele se sente bem. Mas há outra diferença muito importante no céu de

Swedenborg: seu céu é eminentemente intelectual.

Swedenborg narra o caso, patético, de um homem que durante sua vida se

propôs a ganhar o céu. Para tanto, renunciou a todos os gozos sensuais.

Retirou-se para um lugar ermo. Lá se abstraiu de tudo. Rezou, pediu o céu.

Com isso, no entanto, ele se empobrecia. E, quando morre, que acontece?

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Quando morre, chega ao céu, e no céu não sabem o que fazer com ele. Ele

trata de escutar as conversas dos anjos, mas não as entende. Trata de aprender

as artes. Trata de ouvir tudo. Tenta entender tudo e não consegue, por se haver

empobrecido. É, simplesmente, um homem justo e mentalmente pobre.

Concedem-lhe, então, como um dom, a possibilidade de projetar uma

imagem: o deserto. No deserto, ele rezava como rezava na Terra, mas sem

desligar-se do céu, porque sabe que se tornou indigno do céu através de sua

penitência, por haver empobrecido sua vida, por haver recusado os gozos e

prazeres da vida, o que também é um mal.

Esta é uma inovação de Swedenborg. Porque a idéia foi sempre a de que a

salvação é de caráter ético. Entende-se que se um homem é justo ele se salva.

“Dos pobres de espírito é o reino dos céus…”, etc. Era o que dizia Jesus. Mas

Swedenborg vai mais além. Diz que isto não basta, que um homem tem que

salvar-se também intelectualmente. Ele imagina o céu, sobretudo, como uma

série de conversas teológicas entre os anjos. E, se um homem não pode

acompanhar essas conversas, ele é indigno do céu. Portanto, deve viver

sozinho [14].

William Blake, a seguir, acrescenta um terceiro tipo de salvação. Diz que

podemos, ou que temos que nos salvar também por meio da arte. Blake

explica que também Cristo foi um artista, já que não pregava por meio de

palavras, mas de parábolas. E as parábolas são, naturalmente, expressões

estéticas. Quer dizer, a salvação seria obtida por meio da inteligência, da ética

e do exercício da arte [15].

E neste ponto recordamos algumas das frases em que Blake, de algum modo,

suavizou as longas sentenças de Swedenborg. Quando diz, por exemplo: “O

idiota não entrará no céu, por mais santo que seja”. Ou, ainda: “É preciso

livrar-se da santidade; é preciso ter inteligência”.

Assim, temos esses três mundos. Temos o mundo do espírito, e, logo, ao fim

de certo tempo, um homem mereceu o céu, um homem mereceu o inferno. O

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inferno é, na verdade, regido por Deus, que necessita desse equilíbrio. Satanás

é, simplesmente, o nome de uma região. O demônio é, simplesmente, um

personagem cambiante, já que todo o mundo do inferno é um mundo de

conspirações, de pessoas que se odeiam, que se juntam para se atacarem umas

às outras.

Portanto, Swedenborg conversa com diferentes pessoas no paraíso, com

diferentes pessoas nos infernos. Tudo isso lhe é permitido para que crie a nova

Igreja. E que faz Swedenborg? Não faz pregações: publica livros,

anonimamente, escritos em sóbrio e árido latim. E difunde tais livros. Deste

modo decorrem os últimos trinta anos da vida de Swedenborg. Vive em

Londres. Leva uma vida muito simples. Alimenta-se de leite, pão, legumes.

Às vezes, chega um amigo da Suécia e, então, ele se permite uns dias de

descanso.

Quando foi à Inglaterra, quis conhecer Newton, porque lhe interessava muito

a nova astronomia, a lei da gravitação. Jamais, porém, chegou a conhecê-lo.

Interessou-se muito pela poesia inglesa. Fala, em suas obras, de Shakespeare,

de Milton e de outros. Elogia-os por sua imaginação. Ou seja, ele possuía

senso estético. Sabe-se que quando percorria os diversos países por onde

andou – viajou pela Suécia, Inglaterra, Alemanha, Áustria, Itália – visitava as

fábricas, os bairros pobres. Apreciava muito a música. Era um perfeito

cavalheiro da época. Chegou a ser um homem rico. Seus empregados viviam

no subsolo de sua casa, em Londres (a casa foi demolida há pouco tempo) e o

viam conversando com os anjos ou discutindo com os demônios [16]. Ao

conversar, jamais desejou impor suas idéias. Não permitia, portanto, que

rissem de suas visões; tampouco, porém, desejou impô-las; preferia mudar de

assunto.

Há uma diferença essencial entre Swedenborg e os outros místicos. No caso

de San Juan de la Cruz, temos descrições muito intensas do êxtase. Há o

êxtase referido em termos de experiências eróticas ou através de metáforas

sobre o vinho. Por exemplo, um homem que se encontra com Deus, e Deus é

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igual a si mesmo. Há um conjunto de metáforas. Ao contrário, na obra de

Swedenborg não há nada disso. É a obra de um viajante que percorreu terras

desconhecidas e que as descreve tranqüila e minuciosamente.

Por isso, sua leitura não é exatamente divertida. É espantosa e gradualmente

divertida. Li os quatro volumes de Swedenborg que foram traduzidos para o

inglês e publicados pela Everyman’s Library. Disseram-me que há uma

tradução espanhola, uma seleção de textos, publicada pela Editora Nacional.

Vi alguns registros taquigráficos a respeito dele, de toda aquela esplêndida

conferência realizada por Emerson. Emerson fez uma série de conferências

sobre figuras representativas. Ou seja: “Napoleão, ou o homem do mundo”;

“Montaigne, ou o cético”; “Shakespeare, ou o poeta”; “Goethe, ou o homem

de letras”; “Swedenborg, ou o místico”. Foi a primeira introdução que li à

obra de Swedenborg. Essa conferência de Emerson, que é memorável, não

está, afinal, totalmente de acordo com Swedenborg. Havia algo que o

repugnava: talvez o fato de Swedenborg ter sido tão minucioso, tão

dogmático. Porque Swedenborg insiste várias vezes nos mesmos fatos. Repete

a mesma idéia. Não busca analogias. É um viajante que percorreu um país

muito estranho; que percorreu inumeráveis céus e infernos, e os descreve.

Vamos, agora, analisar outro tema de Swedenborg: a doutrina das correlações.

Tenho para mim que ele idealizou essas correlações para encontrar suas

doutrinas na Bíblia. Ele diz que cada palavra na Bíblia tem pelo menos dois

significados. Dante acreditava que havia quatro significados em cada trecho.

Tudo deve ser lido e interpretado. Por exemplo, se se fala de luz, a luz é, para

ele, uma metáfora, símbolo evidente da verdade. O cavalo representa a

inteligência, pelo fato de o cavalo nos levar de um lugar a outro. Swedenborg,

portanto, nos apresenta todo um sistema de correlações. Nisto ele se parece

muito com os cabalistas.

Depois ele chegou à idéia de que tudo no mundo está baseado em correlações:

a criação é uma escrita secreta, uma criptografia que devemos interpretar;

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todas as coisas são realmente palavras, exceto as que não podemos entender e

que aceitamos literalmente.

Eu me lembro daquela terrível frase de Carlyle, que leu Swedenborg, não sem

certo proveito: “A história universal é algo que temos que ler e escrever

permanentemente”. E é verdade. Estamos continuamente presenciando a

história universal na condição de seus atores. E somos também letras e

símbolos: “Um texto divino no qual somos registrados”. Tenho, em casa, um

dicionário de correlações. Nele uma pessoa pode procurar qualquer palavra da

Bíblia e descobrir qual o dignificado espiritual que lhe foi dado por

Swedenborg.

Ele, então, acreditou sobretudo na salvação pelo trabalho. Na salvação pelo

trabalho não apenas do espírito, mas também da mente. Na salvação pela

inteligência. O céu, para ele, é, antes de tudo, um céu de grandes

considerações teológicas. Os anjos, principalmente, conversam. Mas o céu

está igualmente pleno de amor. Admite-se o casamento no céu. Admite-se

tudo que existe de sensual neste mundo. Ele não deseja negar nem empobrecer

nada.

Atualmente há uma igreja swedenborgiana. Creio que em algum lugar dos

Estados Unidos há uma catedral de cristal. E há alguns milhares de discípulos

nos Estados Unidos, na Inglaterra – sobretudo em Manchester – na Suécia e

na Alemanha. Sei que o pai de William e Henry James era swedenborgiano.

Encontrei swedenborgianos nos Estados Unidos, onde há uma sociedade

publicando seus livros, traduzindo-os para o inglês.

É curioso que a obra de Swedenborg, embora tenha sido traduzida em vários

idiomas – inclusive o hindu e o japonês – não haja exercido maior influência.

Não se conseguiu chegar a essa renovação que ele desejava. Ele pensava em

fundar uma nova Igreja, que seria, para o Cristianismo, o que a igreja

protestante representou para a igreja de Roma.

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Ele desacreditava, em parte, das duas. Não exerceu, porém, a grande

influência que deveria ter exercido. Creio que tudo isso faz parte do destino

escandinavo, no qual parece que todas as coisas sucederam como em um

sonho, em uma bola de cristal. Por exemplo, os vikings descobrem a América

vários séculos antes de Colombo, e nada acontece. A arte do conto é inventada

na Islândia, com a saga, mas essa invenção não se difunde. Há figuras que

deveriam ter importância mundial – a de Carlos XII, por exemplo – mas, no

caso, estamos pensando em outros conquistadores cujos feitos militares talvez

tenham sido menos importantes que os de Carlos XII. O pensamento de

Swedenborg deveria ter sido capaz de renovar a Igreja em todas as partes do

mundo, mas ele faz parte desse destino escandinavo, que é como um sonho.

Sei que na Biblioteca Nacional há um exemplar de Do céu, do inferno e suas

maravilhas. Mas, em algumas livrarias teosóficas não há obras de

Swedenborg. Entretanto, trata-se de um místico muito mais complexo do que

os outros; estes só nos disseram haver experimentado o êxtase, e trataram de

transmitir o êxtase de um modo até literário. Swedenborg é o primeiro

explorador do outro mundo, o explorador que devemos levar a sério.

No caso de Dante, que também nos oferece uma descrição do Inferno, do

Purgatório e do Paraíso, entendemos tratar-se de ficção literária. Não se pode

acreditar, realmente, que todo o seu relato se baseie em uma vivência pessoal.

Além do mais, lá está o verso, que o restringe: ele não pôde experimentar o

verso.

No caso de Swedenborg, é enorme sua obra. Há livros como A religião cristã

na Providência Divina e, sobretudo, esse que eu recomendo a todos vocês e

que fala do céu e do inferno. Esse livro foi traduzido para o latim, para o

inglês, para o alemão, para o francês e, creio, também para o espanhol. Nele a

doutrina é descrita com grande lucidez. É absurdo pensar que um louco a

escreveu. Um louco não teria podido escrever com tal clareza[17]. Ademais, a

vida de Swedenborg mudou, no sentido de que ele deixou de lado todos os

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seus livros científicos. Ele acreditou que os estudos científicos haviam sido

uma preparação divina para que ele pudesse enfrentar as outras obras.

Dedicou-se a visitar os céus e os infernos, a conversar com os anjos e com

Jesus, para, depois, nos contar tudo isso através de uma prosa serena, de uma

prosa antes de mais nada lúcida, sem metáforas nem exageros. Há muitas

anedotas memoráveis, como a que lhes contei acerca do homem que quer

merecer o céu, mas que só tem direito ao deserto, por haver empobrecido sua

vida. Swedenborg nos convida a nos salvarmos mediante uma vida mais rica.

A nos salvarmos por meio da justiça, por meio da virtude e também da

inteligência.

Temos, depois, Blake, que acrescenta que o homem também deve ser um

artista para salvar-se. Quer dizer, tem-se aí uma quádrupla salvação: temos

que nos salvar pela bondade, pela justiça, pela inteligência abstrata e,

finalmente, pelo exercício da arte.

_____

Transcrição de uma das palestras proferidas por Jorge Luis Borges, na Universidade de

Belgrano, em 8 de Junho de 1978.

(Jorge Luis Borges: Cinco visões pessoais. EdUnB, Brasília-DF, 1987.)

Notas de Yuri V. Santos:

[1] Descartes acreditava que o espírito se unia ao corpo por intermédio da

glândula pineal. Para mais detalhes veja o livro no qual Descartes discorre

sobre tal teoria: Les passions de l’ame. [voltar]

[2] Resulta incrível, dada a atenção que Borges aplica à obra de Swedenborg,

verificar que ele mesmo não acreditava numa “imortalidade pessoal”: “Para

concluir”, afirma Borges em uma de suas palestras, “quero dizer que acredito

na imortalidade. Não na imortalidade pessoal, mas, sim, na cósmica.

Permaneceremos imortais. Após nossa morte física, fica nossa memória e,

Page 14: O Céu e o Inferno Segundo Emanuel Swedenborg

depois de nossa memória, permanecem nossos atos, nossas realizações, nossas

atitudes, toda essa maravilhosa parte da história universal, mesmo que não o

saibamos — e é melhor que não o saibamos”. Esse tipo de imortalidade —

bastante insatisfatória, na minha opinião — é o que Ernest Becker, no livro A

Negação da Morte, chama de causa sui, uma “ilusão criadora” elaborada pelo

sujeito incapaz de crer no dom da imortalidade pessoal revelado por várias

religiões. E, se é necessário criar ou descobrir um “sentido da vida” para si

mesmo — como defendeu por sua vez Viktor Frankl –, torna-se inútil viver

num mundo onde indivíduos e grupos sejam incapazes de compartilhar um

sentido universal, uma “ilusão criadora” que a todos englobe. Seria, neste

caso, o mesmo que incentivar uma esquizofrenia coletiva, uma completa

desarticulação social. Acredito que o problema vem do fato de que Intellectus

naturaliter desiderat esse semper — “a mente espontaneamente deseja ser

eterna, ser para sempre” –, como bem escreveu Santo Tomás de Aquino,

citado pelo próprio Borges, o que faz com que busquemos nos identificar com

o que quer que seja — uma obra de arte, uma descoberta científica, um filho,

uma empresa, um sobrenome — com a esperança de permanecermos, de não

nos extinguirmos completamente. Essa identificação primária seria uma

operação inócua se não ocultássemos, no mais baixo porão da nossa

consciência, o medo da morte, o medo da falta de sentido, do qual nem o

próprio Freud conseguiu desvencilhar-se. Para o famoso psicanalista toda

pessoa normal seria um “neurótico controlado”, uma espécie de, digamos,

“doente assumido e conformado”, sem qualquer esperança de redenção e

transcendência. Jung cita alguns casos em que seu mestre, confrontado com

situações que lhe lembravam a finitude da vida (ou a não aceitação póstuma

de sua obra, o que dá no mesmo), e sem resistir ao impacto de tal experiência,

desmaiou diante de seus olhos. A imortalidade de Freud consistia tão somente

em sua descoberta do “princípio do prazer”, da “cena primária”, do

“complexo de Édipo” e assim por diante. O resto, para ele, era conversa pra

boi dormir, viagem de supersticiosos e ocultistas. Mas Ernest Becker nos

mostra, fundamentado principalmente em Kierkegaard e Otto Rank, como a

completa sanidade só é possível para o indivíduo que percebe não apenas a

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realidade de suas limitações — biológicas, físicas, racionais — mas também

que a vida humana, sem um “heroísmo cósmico”, ou seja, sem um

fundamento transcendente (ainda que improvável) que a justifique e

impulsione é totalmente estéril, isto é, suicida. Sim, Borges assume suas

limitações estoicamente — como Freud o fez — e também deposita suas

esperanças de imortalidade numa “História Universal” transcendente ao

indivíduo. Mas… quando estou aqui e o livro que escrevi está numa

biblioteca, ou na mente de algum leitor, não tenho consciência disso, nada

sinto, não há qualquer feedback instantâneo. Viver seja na mente alheia, seja

num amontoado qualquer de papéis é viver como um vírus biológico ou

informático, é pura simulação de vida. Mesmo que eu me engane por anos e

anos com essa ilusão auto-mistificatória, o medo da finitude, o medo da morte

permanecerá oculto em alguma camada da minha mente, causando-me

conflitos, neuroses, dores. Se assumir tal estoicismo existencial é, por um

lado, pura demonstração de honestidade intelectual e científica, por outro, não

é senão demonstrar a mais pura incapacidade de, como disse Jesus, crer como

uma criança, de ter esperança inocentemente. O fenômeno da transferência —

ou seja, das relações de dependência afetiva como as que ocorrem entre pais e

filhos ou entre terapeuta e paciente — é humanamente universal. Todo

indivíduo necessita transferir sua fome de afeto, de estabilidade emocional e

psíquica para algo além e acima dele, seja este algo uma ideologia, um

governante, um partido, uma família, uma instituição, um cônjuge, uma

ciência, enfim, qualquer coisa que prometa sobreviver a ele próprio. E é assim

que muita gente quebra a cara: deposita sua mais profunda esperança, sua

mais sincera devoção, a algo tão temporal — logo, mortal — quanto ela

mesma. Pare e assuma: há um chão invisível sobre o qual se assenta sua vida,

por mais que você tente negar tal fato. E se é impossível fugir dessa

necessidade, por que não canalizarmos nossas energias para a mais alta e

universalizante das “ilusões criadoras”, para Deus? Sim, disse ilusão, mas não

creio nisto. Para mim, a possibilidade de que ocorra um feedback divino – ou

seja, a Revelação, a Graça, a Iluminação, o Samadhi – é diretamente

proporcional à abertura de nossa consciência, a qual se reflete claramente

Page 16: O Céu e o Inferno Segundo Emanuel Swedenborg

numa maturidade sadia e numa tranqüila esperança. Se por um lado é sensato

— ao não misturarmos nossos desejos com nossa razão — mantermos nossa

integridade de caráter e nossa honestidade intelectual, por outro acho

totalmente obtuso acreditar que tal atitude vá contra o que chamo de

“transferência original“, ou seja, depositar a essência do sentido que criamos

para nossas vidas terrestres num sentido maior e total: o eterno caminhar de

nossas personalidades individuais em direção à Perfeição e Amor Divinos.

[voltar]

[3] Ninguém ignora a quantidade de filmes que usam e abusam dessa idéia.

(Eu mesmo estou com um roteiro a caminho.) Temos Ghost, Sexto-sentido, Os

outros e assim por diante. Mas, sem dúvida, o melhor de todos é Uma simples

formalidade, dirigido por Giuseppe Tornatore, tendo como atores principais

Gérard Depardieu e Roman Polanski, o próprio. Vá locar este filme AGORA!!

[voltar]

[4] É exatamente neste detalhe que reside a diferença fundamental entre

“sonho lúcido” – quando você apenas sabe que está sonhando – e “projeção

ou desdobramento astral”. Neste último, nossas percepções são muito mais

intensas do que no estado de vigília. Há ainda a clara sensação de que, mesmo

em ambientes não iluminados, os objetos possuem luz própria. Afirma

Swedenborg: “A diferença desses sentidos externos é como a diferença entre a

claridade comparada com a escuridão de uma nuvem no mundo, e como a luz

do meio dia com a sombra da tarde” (O céu e o inferno, parágrafo 462).

[voltar]

[5] Numa projeção espontânea que tive no começo deste ano (2002), eu me vi

num local que se parecia um teatro de estilo neoclássico, todo decorado com

cortinas e tapetes roxos. Isto mais a luz negra, que parecia iluminar aquela

penumbra, davam, em conjunto, um tom sinistro ao ambiente. Andando pelas

galerias, cheguei a uma espécie de camarote e, de lá de cima, pude ver que

não havia poltronas e um palco, mas sim diversos sofás, namoradeiras e camas

redondas – como no lounge de um desses clubs de hoje – cheios de grupos

Page 17: O Céu e o Inferno Segundo Emanuel Swedenborg

e/ou casais trocando carícias ou, simplesmente, transando. Muitos estavam

vestidos no estilo sadô-masô, muitas mulheres nuas andavam por ali. A cena

me deixou excitado e tratei de, digamos, me dar bem. Tentei conversar com

algumas garotas solitárias, mas todas me responderam num tipo de língua

nórdica qualquer que não pude identificar. Acho que, por não estar a caráter e

por falar feito um cucaratcha, pensaram que eu fosse um babão e me

ignoraram. Quando eu já estava pensando em aderir ao esquema – ninguém se

preocupava com palavras, apenas agiam – alguém botou a mão no meu

ombro. Olhei pro cara e, quando já pensava estar sendo assediado por um

homossexual, ouvi suas palavras dentro da minha cabeça: “É melhor você sair

daqui…”, e senti um tipo de choque indolor que me fez voltar ao corpo

instantaneamente. [voltar]

[6] Taí um detalhe aparentemente contraditório: se o cara está morto, ¿por que

ainda recebe a visita dos amigos? ¿Seriam amigos que já morreram? Acredito

que não, caso contrário seria um meio de o figura perceber seu novo estado.

Mas então…? Bom, os espíritas dizem que, quando uma pessoa morre, ela

mais cedo ou mais tarde acaba recebendo a visita de parentes e amigos ainda

“encarnados”, os quais, aliás, estão em processo de “desdobramento astral”

semiconsciente. Ou seja, eles se encontram num estado tão desperto, tão

absolutamente normal, que não param pra analisar o que ocorre, não tentando,

assim, fazer uma recapitulação de seus passos para descobrir como chegou até

ali. Na verdade, a maior parte das pessoas tem esse tipo de experiência

noturna, mas não está preparada para fazer um, digamos, download da

memória do paracérebro (cérebro do corpo sutil) para o cérebro e, por sua

vez, um upload da memória do cérebro para o paracérebro. Logo, quando

acordadas, não fazem idéia do que se passou à noite. Quando fora do corpo,

não têm completo acesso ao que ocorreu durante o dia e, por isso, mal e mal

se lembram de que aquele seu amigo ou parente ali adiante já passou desta pra

melhor. A farsa da não-morte é, portanto, mantida.[voltar]

[7] Claro que tal maneira de rotular aos homens de bom e de mau caráter não

anula, por exemplo, a possível existência dos anjos (gr. Aggelos, mensageiro;

Page 18: O Céu e o Inferno Segundo Emanuel Swedenborg

lat. Angelu). A crença nos anjos – ou seja, num ser superior à natureza

humana – está presente não só no Antigo e Novo Testamento, mas também

nas teorias religiosas da Índia, China, Egito e Pérsia. O próprio Maomé teria

feito viagem semelhante à de Swedenborg, séculos antes, guiado por ninguém

menos que o próprio anjo Gabriel. Há uma classificação, que remonta aos

primeiros séculos da era cristã, dividindo os anjos em três hierarquias,

distribuídas cada qual em três coros: 1.º serafins, querubins e tronos;

2.º dominações, virtudes e poderes; 3.º principados, arcanjos e anjos. Os

anjos das trevas seriam os anjos caídos, precipitados no abismo após sua

revolta contra a misericórdia divina. Já o Livro de Urântia (www.urantia.org)

– que se apresenta como uma Revelação de época (1925-1935) mas que pode

ser fruto de uma sociedade secreta – traz toda uma descrição dos mais

diversos seres espirituais, em sua maioria invisíveis aos mortais e

aos moronciais, sendo estes últimos os próprios humanos em seu estado pós-

morte, intermediário entre a matéria e o espírito puro. Nós, no esquema da

Criação Divina, seríamos seres evolucionários do tempo-espaço ou, mais

simplesmente, seres ascendentes, peregrinos do tempo, e os anjos, por sua

vez, seriam, quando num dos universos espaço-temporais, seres

descendentes – e uns e outros serviriam à Criação segundo sua natureza. Com

relação aos supostos demônios, o Livro de Urântia apenas se refere a uma

certa Rebelião de Lúcifer, o qual teria apresentado, numa célebre assembléia –

impossível, eu diria, de se imaginar – uma Declaração de Liberdade,

reivindicando, assim, poder total sobre o Sistema de Mundos que governava,

sem a necessidade de prestar contas às normas de seu superior, Miguel de

Nebadon (Jesus Cristo). Para evitar que a rebelião propagasse para outros

sistemas, Gabriel fez, em termos logísticos, o que Lúcifer reivindicava:

desconectou seu Sistema de Mundos do resto do Universo Local (Nebadon),

deixando-o sem ter como manter as comunicações e o transporte entre os

vários mundos habitados. (Na minha cabeça, eu o imagino dizendo: “Quer

ficar livre de nós? Então tá…”, e puxou a tomada.) Pois bem, os seres que

aderiram a essa infame rebelião seriam os tais anjos caídos. (Aliás, foi

baseado no Livro de Urântia que Benítez escreveu a Rebelião de Lúcifer,

Page 19: O Céu e o Inferno Segundo Emanuel Swedenborg

tendo sido inclusive acusado de plágio na Espanha. Ora, se ele acreditar no

livro enquanto revelação e, portanto, enquanto texto sagrado, onde está o

plágio? Quando Thomas Man escreveu José e seus irmãos, estaria plagiando

o Antigo Testamento?) Swedenborg, portanto, desconhecendo toda essa

hipotética história, que só poderia ser conhecida por Revelação mas não como

evidência direta, teria ficado satisfeito com apenas visitar os humanos em seu

novo estado intermediário, não importando aí o quão evoluídos estivessem:

para ele ou eram anjos ou eram demônios.[voltar]

[8] O incrível Livro de Urântia acrescenta mais um interessante detalhe a essa

questão do livre-arbítrio, o qual, não sendo eu lá muito erudito, não sei

quantas vezes foi já defendido com essas quase platônicas palavras: só ganha

a vida eterna quem escolhe o bem, ou seja, só mantém viva sua personalidade

aquele que decidiu, por livre e espontânea vontade, aproximar suas decisões

morais da perfeição divina. Diz oLivro de Urântia, no capítulo 111:

“A evolução material te proveu com uma máquina vital, teu corpo; o Pai

mesmo te dotou da realidade espiritual mais pura conhecida no universo,

teu Ajustador de Pensamento ou Monitor Misterioso. Mas em tuas mãos,

sujeita a teu livre-arbítrio, te deu a mente, e é pela mente que viverás ou

morrerás. É dentro da mente e com a mente que tomas essas decisões morais

que te permitem alcançar semelhança com o Monitor, que é semelhança com

Deus. A mente mortal é um sistema temporal de intelecto emprestado aos

seres humanos para uso durante uma vida material, e segundo usem esta

mente, estarão ou aceitando ou rejeitando o potencial da existência eterna. A

mente é praticamente tudo o que tens de realidade universal, e está sujeita à

tua vontade, e a alma -o eu moroncial -ilustrará fielmente a colheita das

decisões temporais que faz o eu mortal. “

Aqui poderíamos indagar: se só adquire a vida eterna quem busca o bem, ¿por

que algumas pessoas sobrevivem à morte material, segundo Swedenborg,

permanecendo no inferno? Pelo raciocínio acima, acho que a conclusão mais

plausível seria: se há um “potencial de vida eterna”, há também níveis de

Page 20: O Céu e o Inferno Segundo Emanuel Swedenborg

atualização desse potencial. Isto é, quanto mais alto o nível de “decisões

morais benéficas” atualizadas, mais próximos estaremos de Deus após a morte

material. Você teve uma única atitude benéfica em vida? Então continuará

vivo após a morte física no mais baixo dos infernos. Mas não se preocupe:

creio que sempre haverá tempo de se preocupar com seus semelhantes e entrar

no esquema de “amar ao próximo como a ti mesmo”, para tanto, seu livre-

arbítrio permanecerá intacto. Segundo o próprio Swedenborg (O céu e o

inferno, parágrafo 480): “O homem, depois da morte, permanece na

eternidade tal qual ele é quanto à sua vontade ou ao seu amor reinante”. E isto,

segundo ele, quer dizer: ao morrer, o homem natural – aquele que segue ou

não uma certa moral por motivos puramente superficiais

ou externos (temporais) – irá ter com seus semelhantes, ou seja, com aqueles

que levaram uma vida sem significado espiritual, sem a perspectiva da

eternidade; enquanto que o homem interior, por mais que sua conduta tenha

sido semelhante ao comportamento moral do homem natural, irá presenciar a

atualização de suas motivações mais íntimas, irá ter com o resultado de uma

vida fundada em alicerces espirituais, eternos. Porque, após a morte, o homem

torna-se completamente o seu próprio interior, seja este oco, seja este pleno.

[voltar]

[9] Juro que antes de escrever um dos capítulos do meu livro Eu odeio

terráqueos! (ainda inacabado), não me lembrava de forma alguma desse

detalhe, citado por Borges, de as cidades infernais parecerem incendiadas. Eu

me baseei, para usar tal descrição, num sonho lúcido que tive, o qual

transcorreu exatamente como no relato, incluindo o homem com asas

mecânicas, o abismo (fenda!) dentro de uma loja, a reunião social, etc. Claro

que semelhante cidade infernal não é desconhecida dos espíritas e de certos

jogos de RPG (Ravenloft, Trevas, etc.). Tal lugar se chama Metrópolis, e é

como uma cidade de São Paulo pós-apocalíptica cobrindo todo um mundo.

(Por favor, não pense que só tive experiências astrais infernais…)[voltar]

[10] Neste ponto percebemos como o inferno é mais uma situação –

condicionada por estados mentais – do que um lugar. Assim, podemos ficar

Page 21: O Céu e o Inferno Segundo Emanuel Swedenborg

seguros de que, em muitos lugares deste planeta físico, é possível encontrar o

próprio inferno. Mas tanto neste quanto no anterior – no inferno pós-morte –

há um porém: não é verdade que os seres que nele se encontram estão felizes.

Eles podem ficar temporariamente satisfeitos – com prazeres, com o poder –

mas jamais experimentarão uma paz de espírito duradoura. Grande parte

permanece ali enquanto vítima raivosa à espera do momento da vingança.

Muitos são inimigos apenas de si mesmos, seja por culpa, remorso ou

ressentimento. Em suma, Swedenborg tem toda a razão: cada qual condena a

si mesmo. “O todo da vontade e do amor do homem permanece nele depois da

morte; aquele que quer e ama um mal no mundo, quer e ama o mesmo mal na

outra vida; ele não tolera então que se separe dele. Daí vem que o homem que

está no mal está ligado ao inferno e também está realmente quanto ao seu

espírito no inferno; e depois da morte não deseja outra coisa senão estar onde

está seu mal. Por isso, é o homem que, depois da morte, se precipita no

inferno por si mesmo e não o Senhor que o precipita” (O céu e o inferno,

parágrafo 547).[voltar]

[11] Eu, particularmente, não creio que as coisas sejam assim. Não me parece

que a Criação necessite de um inferno para poder contrabalançar a existência

dos “céus”. A troco de quê seria assim? Prefiro a doutrina do Livro de

Urântia, quando afirma que apenas nas regiões supra-universais onde ocorrem

rebeliões – como a de Lúcifer – existem mundos em conflito por tempo

indeterminado. Nos demais, as raças e povos evolucionários parariam

paulatinamente com semelhante confusão e belicismo, conforme fossem

recebendo as distintas Revelações de época: 1.º a chegada do “Príncipe

Planetário” e de seu séqüito de educadores; 2.º a chegada dos representantes

da “raça violeta”, ou seja, do casal adâmico; 3.º a efusão de um Filho

Magisterial (um missionário Melquisedek); 4.º a efusão de um Filho Auto-

outorgado e, finalmente, 5.º a chegada de um Filho Instrutor. Após estas fases,

o planeta entraria numa etapa chamada Era de Luz e Vida, máxima expressão

evolutiva dos mundos espaço-temporais. Ainda segundo o Livro, nossa

evolução planetária teria sido interrompida ainda na primeira fase, uma vez

Page 22: O Céu e o Inferno Segundo Emanuel Swedenborg

que não só o Príncipe Planetário mas também metade de seu séqüito aderiram

à rebelião luciferina, ocasionando assim nossa quarentena planetária. Aliás, as

diversas lendas e mitos politeístas dos povos antigos teriam origem no

Príncipe e em seu séqüito de cem imortais, todos, com exceção do Príncipe,

antigos mortais evolucionários de outros planetas, os quais se alistaram

voluntariamente em semelhante aventura. Agora – concluindo – se Deus é

perfeito, ¿por que tais rebeliões ocorreriam? Ora, em primeiro lugar haveria

um Universo Central ou Modelo, no qual a rebelião seria impossível, uma vez

que ali reina a perfeição espiritual completa. Tal universo, diz-se,

existiria desde sempre. Já nos universos evolutivos a imperfeição parcial dos

mundos e seres poderia levar, graças ao livre-arbítrio, a decisões e atitudes

equívocas por parte de seus governantes. E, no entanto, nada disso poderia

surpreender ou enfurecer a Deus. Muito pelo contrário: o Livro tem um

capítulo dedicado às vantagens que as rebeliões podem trazer a um mundo

evolucionário. Os peregrinos do tempo terrestres, ou humanos evolucionários

da Terra, ao atingirem determinados mundos espirituais, são reconhecidos

como possuidores de fé e vontade inabaláveis, uma vez que, ao contrário de

outros povos, não viram mas creram. O que me lembra G. K. Chesterton:

“Amar significa amar o que é difícil de ser amado, do contrário não será

virtude alguma; Perdoar significa perdoar o imperdoável, do contrário não

será virtude alguma; Fé significa crer no incrível, do contrário não será virtude

alguma. E esperar significa esperar quando as coisas são sem esperança, do

contrário não será virtude alguma”.[voltar]

[12] Claro, na época de Swedenborg – séculos XVII e XVIII – os infernos ao

sul deveriam realmente ser mais tranqüilos, se considerarmos que, nestas

regiões da própria Terra, havia principalmente povos aborígines dispersos por

um grande território. (Atenção, não quero com isto dizer que esses povos eram

mais pacíficos, longe de mim afirmar tal coisa. Mas creio que a maioria dos

conflitos que enfrentavam decorria de disputas territoriais e por questões de

sobrevivência material, coisas totalmente vãs num mundo pós-morte física.

No entanto, é óbvio que aqueles que interiorizassem tais conflitos “cairiam”

Page 23: O Céu e o Inferno Segundo Emanuel Swedenborg

para planos mais infernais, principalmente os embriagados pela vontade de

poder.) Aos que não conseguirem entender o que tem a ver o sul da Terra,

enquanto planeta físico, com o sul do inferno, atentem para o seguinte: é

possível que o verdadeiro planeta Terra seja constituído por uma série de

camadas dimensionais, ou esferas concêntricas, feito as camadas de uma

cebola ou os orbitais de um átomo. Assim, da mesma forma que um elétron,

ao obter energia absorvendo fótons de luz, dá um salto quântico, passando

para uma camada mais externa, uma pessoa, dependendo de seu “potencial de

existência eterna” atualizado por suas decisões morais benéficas, saltaria

quanticamente para seu respectivo “orbital pós-morte”. Caso não tenha

acumulado luz suficiente – isto é apenas uma analogia, não uma teoria – iria

para um orbital mais interior, mais próximo do centro da Terra, mais, enfim,

infernal. Tal tese concordaria ao menos com o Princípio da Correspondência

do hermetismo: “O que está acima é como o que está abaixo”. Contudo, devo

dizer que Swedenborg trata o assunto de forma totalmente distinta. Para ele,

não há uma correspondência geográfica entre as regiões da Terra e as regiões

do céu: “Nos céus”, escreve ele, “todos habitam distintamente segundo as

plagas (pontos cardeais). No oriente e no ocidente habitam os que estão no

bem do amor; no oriente os que têm uma percepção clara desse bem, no

ocidente os que têm dele uma percepção obscura. No sul e no norte habitam

os que estão na sabedoria desse bem; no sul os que estão na luz clara da

sabedoria, no norte os que estão em uma luz obscura da sabedoria” (O céu e o

inferno, parágrafo 148).[voltar]

[13] O Livro de Urântia afirma que a vida pós-morte é divida em partes iguais

de diversão e trabalho (serviço). E trabalho aqui pode, também, ser entendido

como estudo e criação artística. Trabalhar pelo quê? Pelo estabelecimento

de Luz e Vida em todo o Grande Universo. Já Swedenborg, além de discorrer

sobre os prazeres pós-morte, afirma que “as funções nos céus não podem ser

enumeradas nem descritas em particular, (…) porque elas são inúmeras. (…)

Há nos céus, como nas terras, um grande número de administrações, porque

Page 24: O Céu e o Inferno Segundo Emanuel Swedenborg

há negócios eclesiásticos, civis e domésticos” (O céu e o inferno, parágrafos

387 e 388).[voltar]

[14] Isto também não é beeem assim. Não devemos, na minha opinião,

imaginar que nas esferas superiores só haja lugar para discussões entre

acadêmicos e eruditos, cientistas geniais e filósofos, inventores e engenheiros

do ITA. Se fizermos isso acabaremos preferindo as gostosas e os marombas

do inferno, não é não? Para mim, esses seres são inteligentes na medida em

que suas mentes correspondam mais harmonicamente aos ditames do espírito.

Conheço dezenas de pessoas, de origem humilde ou não, muito mais sábias –

segundo esse modo de analisarmos a questão – do que qualquer nerd de

laboratório. Inteligência, para mim, é amar e estar atento para que se possa

responder, da melhor maneira possível, ao desafio que a vida é. O próprio

Swedenborg, diferentemente do que diz Borges, afirma nos parágrafos 351 e

352 de “O céu e o Inferno“: “No mundo, crê-se que os que sabem muito, tanto

no que diz respeito às doutrinas da igreja, como à Palavra ou às ciências, vêem

as verdades mais profundamente e com mais penetração do que os outros, e

que assim eles têm mais inteligência e sabedoria; e tais indivíduos têm de si

próprios semelhante opinião. Mas vai-se dizer agora, no que segue, o que é a

verdadeira inteligência e a verdadeira sabedoria, o que é a inteligência

bastarda e a sabedoria bastarda, e o que é a falsa inteligência e a falsa

sabedoria. A verdadeira inteligência e a verdadeira sabedoria consistem em

ver e perceber o que é a verdade e o bem, e, por conseguinte, o que é o falso e

o mal, e em fazer entre eles uma justa distinção, e isto segundo uma intuição e

uma percepção interiores. (…) A inteligência bastarda e a sabedoria bastarda

consistem em não ver e em não perceber pelo interior o que é a verdade e o

bem, nem por conseguinte o que é o falso e o mal, mas somente em crer que o

que é dito por outros é a verdade e o bem, ou o falso e o mal, e depois

confirmá-lo. Como esses vêem a verdade não segundo a verdade, mas

segundo outrem, eles podem aprender e crer o falso como também a verdade,

e até confirmá-lo ao ponto que ele apareça como verdade; porque tudo o que é

Page 25: O Céu e o Inferno Segundo Emanuel Swedenborg

confirmado se reveste de uma aparência de verdade, e nada há que não possa

ser confirmado”.[voltar]

[15] Segundo o Livro de Urântia, Jesus pertenceria a uma classe de seres

chamada Filhos Criadores, os quais existiriam em número aproximado de

700.000, sendo 100.000 para cada Supra-universo espaço-temporal e um para

cada Universo Local. Cada Filho Criador, então, teria a tarefa de criar seu

próprio universo, inspirando-se, para tanto, no Universo

Central ou Modelo (Havona). Neste sentido, não seria errôneo dizer que Jesus

– ou Michael de Nebadon (Miguel) – atuaria como um verdadeiro artista, uma

vez que sua Criação manifestaria seus próprios traços e personalidade. Tal

processo criador ocorreria com o auxílio do Espírito Materno do Universo,

sua Consorte e Ministra Divina, que teria origem no Espírito Infinito (Santo),

a Terceira Fonte e Centro.[voltar]

[16] Quem nunca conheceu pessoas que, aparentemente, falam sozinhas? Não

me refiro ao mero descontrole da língua, mas àquelas pessoas que vêem seres

invisíveis, ou que os ouve, e conversa com eles. São mais comuns do que se

imagina. E a grande diferença entre as que enlouquecem e as que convivem

bem com isso está na adequação ou não de tal experiência à sua visão de

mundo.[voltar]

[17] Minha concepção pessoal de loucura tem tudo a ver com os dois pilares

da Cibernética: comunicação e controle. Para mim, uma pessoa atinge

um estado de loucura, não simplesmente quando passa a ter um

comportamento evidentemente absurdo ou violento, ou quando tem

percepções sensíveis anormais (tais como ouvir vozes), mas quando perde

o controle de si mesmo, de suas reações ao mundo e, enfim, de sua

consciência – o que é o mesmo que dizer: perde o contato – ou comunicação –

com a Realidade da Criação. (Nesse sentido, 50% da população mundial é

completamente destrambelhada.) E, como já disse em nota anterior, em geral

– descontando certas causas genéticas ou acidentes fisiológicos – o único fator

responsável por fazer alguém “perder o controle de si” está no hiato entre suas

Page 26: O Céu e o Inferno Segundo Emanuel Swedenborg

experiências e (a adequação destas com) sua visão de mundo. O não

entendimento de um processo pelo qual se passa pode levar a uma grande

variedade de reações patológicas. [voltar]