Nordeste se afunda mais na crise e pode sair dela por...

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1 Boletim 1013/2016 – Ano VIII – 04/07/2016 Nordeste se afunda mais na crise e pode sair dela por último Por Marina Falcão A exaustão do modelo de crescimento baseado na expansão do salário mínimo, dos benefícios sociais e do crédito está fazendo a crise ser particularmente mais amarga no Nordeste. Um levantamento realizado pela consultoria Ceplan a pedido do Valor mostra uma deterioração acima da média nacional dos indicadores de emprego, renda, atividade econômica e comércio varejista da região. Para economistas, a crise no Nordeste pode persistir por mais tempo do que no restante do país. No acumulado dos últimos 12 meses até março, o Índice de Atividade Econômica (IBCBr), do Banco Central, caiu 5,3% na região. No Brasil, o indicador recuou 3,5% no mesmo período.

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Boletim 1013/2016 – Ano VIII – 04/07/2016

Nordeste se afunda mais na crise e pode sair dela p or último Por Marina Falcão A exaustão do modelo de crescimento baseado na expansão do salário mínimo, dos benefícios sociais e do crédito está fazendo a crise ser particularmente mais amarga no Nordeste. Um levantamento realizado pela consultoria Ceplan a pedido do Valor mostra uma deterioração acima da média nacional dos indicadores de emprego, renda, atividade econômica e comércio varejista da região. Para economistas, a crise no Nordeste pode persistir por mais tempo do que no restante do país. No acumulado dos últimos 12 meses até março, o Índice de Atividade Econômica (IBCBr), do Banco Central, caiu 5,3% na região. No Brasil, o indicador recuou 3,5% no mesmo período.

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Com maior percentual de pobreza, o Nordeste tem uma dinâmica econômica mais sensível à inflação, ressalta o economista Jorge Jatobá, sócio da Ceplan. Ele afirma que os números refletem a corrosão do poder de compra do salário e dos benefícios sociais, além da retração do crédito, especialmente o consignado. "Os motivos pelos quais o Nordeste está sentindo mais a crise são os mesmo pelos quais a região apresentou maior crescimento que o país em anos anteriores. Quanto maior o voo, maior é a queda", diz. Embora represente cerca de 13,5% da economia nacional, o Nordeste respondeu por 17,7% das vagas de trabalho eliminadas no país nos últimos 12 meses até março, o que indica que a "queima" de postos formais provocada pela crise está sendo mais acelerada na região. Um dos motivos para isso, explica Jatobá, é o fato da crise ter coincidido com o fim de grandes obras de investimento na região, como é o caso da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. "No auge da construção, Abreu e Lima chegou a empregar 70 mil pessoas. Depois veio uma desmobilização de trabalhadores só comparada a da construção de Brasília". Desde o último trimestre de 2014, a massa de rendimento real nordestina recuou 8,5%, quase o dobro da queda no Brasil, de 4,3%. Alexandre Rands, da consultoria Datamétrica, explica que a contração da massa de rendimento ocorre por conta do desemprego e da consequente pressão negativa da ausência de vagas sobre as negociações de reajuste salarial. Esse cenário tem feito o comércio varejista de quase todos os Estados da região as exceções são Rio Grande do Norte e Sergipe sofrer mais do que no restante do Brasil. No ano passado, enquanto o país registrou queda de 4,3% no volume de vendas do varejo, Bahia, Pernambuco e Paraíba apresentaram recuos maiores: de 8%, 7,7% e 10,3%, respectivamente. A derrocada do comércio na região está estampada em placas de "alugase" em lojas fechadas na rua da Imperatriz, uma das mais tradicionais no comércio de rua da capital pernambucana. Em um caminho de 100 metros, onde predominam lojas de roupas, sapatos e acessórios, pelo menos 11 espaços comerciais estão procurando novos varejistas dispostos a arriscar na crise. Na contramão dos outros indicadores, a indústria do Nordeste tem sofrido menos que a nacional, o que pode ser explicado em parte pelo seu perfil. Segundo Rands, boa parte da indústria regional é composta pelo ramo de confecções, que ganhou competitividade no mercado interno por causa do câmbio, e pelo setor de alimentos, que é mais resiliente à crise. "A indústria sucroalcooleira, também forte em muitos estados, ganhou com as exportações."

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Houve ainda o início da operação de grandes investimentos na região nos últimos anos, afirma Jatobá. Destaque para a fábrica da Fiat, em Goiana (PE) e do polo siderúrgico em Pecém (CE). No acumulado de 12 meses até abril, a produção industrial física no Nordeste recuou 2,6% enquanto nacionalmente a queda foi de 9,6%. A resistência da indústria pode ser uma luz no fim do túnel para o NE? Não há consenso sobre isso. Para Jatobá, alguns investimentos de anos anteriores ainda estão amadurecendo, o que deve ajudar na saída da crise. Já para Rands, os setores que vão ser o gatilho na retomada serão os exportadores, pouco relevantes na economia nordestina. "Isso pode postergar a recuperação da região", pontua. Luiz Alberto Esteves, economista chefe do Banco do Nordeste (BNB), ressalta que o elevado peso do setor de serviços (inclui comércio) na composição do PIB regional pode pesar contra também. "O comércio depende intrinsecamente do emprego, que é a última variável a reagir na trajetória de saída da crise", afirma Esteves. Considerando os números de 2013, os mais recentes disponíveis, o setor de serviços representa 73,4% do PIB nordestino e 69,8% do nacional. Com a indústria, acontece uma inversão dos pesos. O setor é 20,4% do PIB nordestino e 24,9% do nacional. Esteves ressalta que quem vai puxar a retomada do país não é o consumo das família, muito menos o gasto público, que também tem presença importante na economia do Nordeste. Ele diz que o motor da recuperação é o investimento privado, em máquinas e equipamentos, um segmento com pouco representatividade na região. "As empresas estão em compasso de espera, mas uma hora vão ter que voltar a investir, até pela própria sobrevivência diante dos concorrentes", diz. Como o governo não tem recurso para fazer os investimentos em infraestrutura, vai precisar de parcerias com a iniciativa privada para alavancar novamente o setor e de concessões. Mais um vez, o Nordeste larga atrás. "Vai depender muito da capacidade dos estados de gerir esse tipo de engenharia. Sabemos que São Paulo já tem uma expertise maior".

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Famílias da nova classe média voltam para base da p irâmide Por Rodrigo Carro Entre 2014 e 2018, 5,21 milhões de famílias brasileiras deverão deixar a classe C rumo à base da pirâmide social devido, principalmente, ao quadro desfavorável aos trabalhadores de baixa qualificação, revertendo a expansão da nova classe média ocorrida em anos recentes. A estimativa é da Tendências Consultoria, que não vê espaço para o consumo voltar a puxar o crescimento do PIB. "A classe C voltará a ser destaque? Achamos que não no médio prazo", diz o diretor de análise setorial e inteligência de mercado da Tendências, Adriano Pitoli, autor do estudo. O encolhimento da nova classe média reverteria o processo de mobilidade social que durou até recentemente. Entre 2006 e 2013, segundo o estudo, 3,87 milhões de famílias deixaram as classes D e E rumo à nova classe média na esteira do boom de consumo e renda. Pitoli atribui o declínio da classe C não só ao agravamento do desemprego, mas também a uma mudança na dinâmica econômica. "O reajuste do salário mínimo e o impacto do Bolsa Família foram importantes, mas o principal fator foi a dinâmica econômica dos setores de serviços e consumo puxando o PIB. São setores que empregam mão de obra de menor qualificação", explica. "Com a crise aguda, há setores sofrendo proporcionalmente mais que o PIB. A crise está afetando mais os trabalhadores de baixa qualificação." O desemprego é maior nessa faixa devido ao maior custo para demitir, recontratar e qualificar os trabalhadores mais preparados. No médio prazo, acredita Pitoli, não há espaço para o consumo de bens e serviços puxar a expansão do PIB, situação que perduraria até 2020. "Estamos assistindo ao fenômeno da exnova classe C", diz. Levantamento do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depec) do Bradesco também aponta para encolhimento da classe C, ciclo que ainda deve piorar ao longo do próximo ano. Com base em dados da Pnad Contínua, Ana Maria Bonomi Barufi, do Depec, calcula que 72 milhões de brasileiros eram parte das classes D e E no fim do primeiro trimestre deste ano. No fim de 2015, o número estimado era de 70,6 milhões. No fim de 2014, os segmentos D e E somavam 65,5 milhões de pessoas. "Mais do que nunca o sistema de proteção social vai ser relevante no país", diz Ana Maria.

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Desempregado apela para placa em busca de 'qualquer vaga'

Por Marina Falcão A mensagem escancara o desespero de quem está há um ano e quatro meses desempregado: "aceita qualquer vaga". Em uma tarde de quartafeira, Vitor Silva de Medeiros, 26 anos, segura o cartaz há mais de seis horas, incansavelmente, em uma avenida de acesso ao centro do Recife. Até por volta das 15h, nenhum motorista parou para lhe oferecer uma oportunidade de emprego, mas Vitor comemora cada vez que tiram foto da sua placa para compartilhar no Facebook ou grupos de Whatsapp. A ideia não é original. Vitor mesmo assume que se inspirou em a reportagem que viu na TV sobre um jovem que também fez um cartaz pedindo emprego e conseguiu, 24 horas depois, uma vaga de trabalho. "Acho que vai virar moda isso. Por isso decidi fazer logo, antes que todo mundo copie", diz. Nascido no Recife, morador do bairro de Casa Amarela, um dos mais populosos da capital pernambucana, Vitor é filho único adotivo. O pai faleceu há 12 anos e a mãe está hoje internada em hospital com problemas do coração. Vitor teve seu primeiro emprego aos 18 anos, logo após concluir o ensino médio, como ajudante de cozinha de um hospital. Depois, ficou por um ano e dois meses em uma lanchonete do McDonald's e, em seguida, trabalhou ganhando um salário mínimo na CSU e na Contax, ambas de telemarketing. No início de 2015, houve um enxugamento da área de cobrança da Contax e Vitor foi desligado. Foi um baque no orçamento da casa onde vive com a mãe. Ambos dependem da pensão do pai de Vitor, no valor de R$ 780, dos quais R$ 400 estão comprometidos com aluguel. Vez ou outra, Vitor consegue um bico como ajudante em serviços de bufê, mas o último trabalho no ramo foi há quatro meses. "Nunca pensei que chegaria a uma situação em que eu não posso mais comer feijão todo dia." Para Vitor, o governo tem culpa pela situação em que está vivendo. Diz que está torcendo para a conclusão do impeachment de Dilma Rousseff, por causa da corrupção e pela presidente "ter escondido os problemas do país embaixo do tapete". Por outro lado, também não está confiante no governo interino de Michel Temer, devido às revelações da Operação LavaJato. Na semana passada, uma mulher que viu Vitor segurando o cartaz na rua entrou em contato. Disse ao jovem que retornaria a noite com outro telefonema para falar sobre uma oportunidade de emprego. Vitor esperou pela nova ligação, que não ocorreu. Em outra ocasião, alguém do departamento de recursos humanos da Secretaria de Defesa Social do Estado (SDSPE) ligou pedindo para Vitor enviar o seu currículo por e-mail. Ele fez mais do que isso: foi até a sede do órgão entregar pessoalmente. Até agora, Vitor não recebeu nenhuma resposta. A depressão às vezes bate, mas Vitor diz que tenta driblar toda vez que a ideia de desistir ganha força. Ao que tudo indica, ele voltará às ruas, com a estratégia da placa. Dessa vez, pretende se estabelecer em algum ponto da avenida Agamenon Magalhães, que liga Recife a Olinda.

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(FONTE: Valor Econômico dia 04/07/2016)

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Desaposentação já vira realidade na Justiça brasile ira EDSON VALENTE - COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Enquanto não sai a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o direito à troca de aposentadoria, trabalhadores conseguem a chamada desaposentação em outras instâncias da Justiça. A desaposentação permite que o trabalhador já aposentado que continua trabalhando possa se aposentar de novo com um benefício que inclua as novas contribuições à Previdência Social.

Estima-se que existam hoje 182 mil ações na Justiça com esse objetivo, muitas paradas à espera do Supremo –o órgão precisa estabelecer jurisprudência para situações semelhantes. O novo Código de Processo Civil, aprovado pelo Senado em dezembro de 2014, trouxe uma nova possibilidade de análise da questão, de acordo com João Badari, advogado especializado em direito previdenciário da Aith, Badari e Luchin Advogados. Antes, os advogados entravam com pedido de antecipação de tutela em nome de seus clientes, para que o novo benefício fosse pago antes de acontecer o julgamento da desaposentação.

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SEM TEMPO DE ESPERAR

A tutela antecipada permite implementar, antes do julgamento da ação, os efeitos da sentença devido ao caráter de urgência do que é solicitado. Ela se baseia no princípio da necessidade –o aposentado não pode esperar pelo tempo do processo para receber o benefício.

Agora, os advogados recorrem à tutela de evidência, que não exige esse caráter de emergência para antecipar o pagamento do que é requerido judicialmente –o faz apenas com base nos documentos do processo. "O artigo 311 do novo código permite que o juiz conceda uma liminar a favor da desaposentação apenas com as provas documentais, sem a necessidade de um caráter de urgência", diz Badari.

OPERADOR DE MÁQUINAS

A tutela de evidência foi base para a nova aposentadoria de um operador de máquinas de São José dos Campos (SP). Ele entrou com a ação na Justiça Federal em abril e conseguiu a desaposentação em 15 dias. Ele havia se aposentado em 1997, após 30 anos de contribuição. Recebia um benefício de R$ 2.333,35. Porém, continuou trabalhando até 2008, e, pelo parecer judicial, passou a ter direito a um valor mensal de R$ 4.422,51 pelo INSS. É o primeiro caso de desaposentação concedida com base na tutela de evidência, segundo Badari. "Tenho clientes recebendo a nova aposentadoria [pela tutela antecipada] desde 2011", diz o advogado.

RISCOS

Pedir a revisão da aposentadoria pode trazer problemas para o trabalhador, segundo advogados. O primeiro deles é a possibilidade de a Justiça entender que, uma vez que passe a receber um novo valor de aposentadoria, o beneficiado precise devolver as quantias que já recebeu pelo cálculo anterior. Outro problema antecipado por especialistas é a possibilidade de o aposentado precisar devolver ao INSS o adicional recebido no benefício com decisões de primeira instância, caso o STF não aprove a desaposentação.

"A probabilidade de isso acontecer, no entanto, é pequena, pois o direito previdenciário é interpretado como verba alimentar", afirma a advogada Luciana Moraes de Farias,

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presidente do Conselho Federal do Iape (Instituto dos Advogados Previdenciários). "O Código Civil considera que os valores usados para as despesas do mês, com alimentos, vestuário e moradia, por exemplo, não podem ser devolvidos", afirma.

CÁLCULO DO VALOR

Antes de entrar com uma ação, o aposentado precisa calcular o valor a que teria direito com a desaposentação, para verificar se de fato aumentaria o benefício. "O cálculo deve ser feito por um profissional especializado em direito previdenciário ou por um contador especializado em normas previdenciárias, uma vez que é preciso saber interpretar a lei", afirma a advogada.

Segundo ela, um maior tempo de contribuição pode não ser suficiente para que a nova aposentadoria seja maior que uma que tenha sido realizada antes da instituição do fator previdenciário, em 1999, por exemplo. "Além disso, um dos ministros do Supremo, Roberto Barroso, sugeriu uma nova fórmula de cálculo para a desaposentação, e não sabemos exatamente como isso vai ficar", afirma Farias.

ENTENDA A DESAPOSENTAÇÃO

Benefício é contrapartida para contribuições do aposentado que continuou trabalhando

1. O que é desaposentação?

Pedido do recálculo da aposentadoria, levando em consideração as contribuições do trabalhador para a Previdência depois que ele se aposentou

2. Quem pode pedir?

Trabalhadores que, depois de aposentados, continuaram trabalhando formalmente e contribuindo para a Previdência, como empregados ou autônomos

3. Como se pede?

Por meio de ação judicial no Juizado Especial Federal (não é necessário advogado nesse caso) ou nas varas previdenciárias, onde as custas processuais são de 1% do valor da causa

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4. Qual o princípio do direito à desaposentação?

Pelo princípio constitucional da contrapartida, a contribuição do trabalhador aposentado com a Previdência requer em troca um benefício.

Os advogados entendem que salário-família, salário-maternidade e reabilitação profissional, já garantidos por lei para quem segue contribuindo, são insuficientes para fazer valer o princípio

5. Qual o impacto da desaposentação para o INSS?

Estima-se que, se aprovada pelo STF, a desaposentação custe R$ 181 milhões para os cofres do INSS nas próximas duas décadas

6. Por que o STF ainda não julgou a desaposentação?

Há uma questão política envolvida. A medida traria grande impacto para a economia, e sua repercussão no que diz respeito à imagem do governo neste momento poderia ser negativa

7. O que mudou com o novo Código de Processo Civil?

Ele instituiu a tutela de evidência, instrumento jurídico que passou a ser usado nas causas de desaposentação. Ele permite que o benefício comece a ser pago antes do julgamento, com base em provas documentais

8. Qual é a diferença da tutela de evidência para a antecipação de tutela?

A tutela de evidência difere da antecipação de tutela porque, ao contrário desta, que também é usada nesse tipo de processo, não é necessário provar caráter de urgência para receber o benefício. Assim, não faz diferença para a Justiça se o aumento da aposenta-doria do requerente é imprescindível para a sua sobrevivência imediata

Fontes: AGU (Advocacia-Geral da União) e Luciana Moraes de Farias, presidente do Conselho Federal do Iape (Instituto dos Advogados Previdenciários)

(FONTE: Folha de SP dia 04/07/2016)

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