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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar 1

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar 1

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Fernando C. Capovilla (Org.)

2002 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia

Ficha técnica

Edição, normalização bibliográfica, revisão, editoração eletrônica:Fernando C. Capovilla

Ilustração da capaRaffaello Sanzio (1483-1520). Teste e mani di due apostoli.Ashmolean Museum, Oxford, GB.

ISBN 85-7372-729-2

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Folha de rosto

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Fernando C. Capovilla (Org.)

Diretoria

Ivan H. OkamotoAlexa L. Sennyey

Maria de Jesus GonçalvesDeborah A. AzambujaPaulo H. F. Bertolucci

Elizeu C. Macedo

Conselho Deliberativo

Sonia M. D. BruckiFernando C. Capovilla

Maria Joana MaderElizabeth G. Ribeiro

Conselho Fiscal

Anita TaubSuely L. S. Nassif

Jacqueline Abrisqueta-Gomez

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Sumário

Apresentação

Panorama das relações entre Neuropsicologia e Aprendizagem

Fernando C. Capovilla

11

Capítulo 1

Diagnóstico diferencial das demências

Ivan Hideyo Okamoto

39

Capítulo 2

Etiologia, avaliação e intervenção em dislexia do desenvolvimento

Alessandra G. S. CapovillaFernando C. Capovilla

49

Capítulo 3

Avanços na concepção psicométrica da inteligência

Ricardo Primi

77

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Capítulo 4Triagem audiológica: Efeitos de perda auditiva sobre

vocabulário, consciência fonológica, articulação da fala e nota escolar de escolares de primeira série

Amélia C. PortugalFernando C. Capovilla

87

Capítulo 5Psicologia e prevenção na educação infantil

Luiza Elena L. Ribeiro do Valle

111

Capítulo 6Processamento auditivo central:

Demonstrando a validade de uma bateria de triagem para crianças de 6 a 11 anos

Fernando C. Capovilla

121

Capítulo 7Mediação no processo de construção do

conhecimento infantil

Nilza Sanches Tessaro

147

Capítulo 8Método fônico para prevenção e tratamento de atraso de

leitura e escrita: Efeito em crianças de 4 a 8 anos

Alessandra G. S. CapovillaFernando C. Capovilla

155

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Capítulo 9Perda de memória no idoso

Ivan H. Okamoto

169

Capítulo 10Atraso na aquisição de leitura: Relação com

problemas de discriminação fonológica, velocidade de processamento e memória fonológica

Fernando C. CapovillaAlessandra G. S. Capovilla

173

Capítulo 11Controle motor e suas alterações em

pacientes com distúrbios neurológicos

Regiane L. Carvalho

193

Capítulo 12Avaliação cognitiva de crianças com severos distúrbios motores: Versões computadorizadas, normatizadas e

validadas de testes de vocabulário, compreensão auditiva, leitura e inteligência geral

Fernando C. CapovillaValéria O. ThiersElizeu C. Macedo

205

Capítulo 13Integração sensorial

Elfriede A. Kogler Telg

219

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Capítulo 14Educação da criança surda: Evolução das abordagens

Fernando C. CapovillaAlessandra G. S. Capovilla

229

Capítulo 15Cemada: Centro Municipal de Atendimento a

Distúrbios de Aprendizagem

Márcio Ribeiro do Valle

257

Capítulo 16O desafio do bilingüismo na educação do surdo:

Descontinuidade entre a língua de sinais e a escrita alfabética e estratégias para resolvê-la

Fernando C. CapovillaAlessandra G. S. Capovilla

Keila Q. F. ViggianoWalkiria D. RaphaelRenato Dente Luz

261

Capítulo 17O Estatuto da Criança e do Adolescente

Alexandre L. Ribeiro do Valle

275

Capítulo 18Perfil cognitivo de crianças com atraso de escrita no

International Dyslexia Test

Alessandra G. S. CapovillaFernando C. Capovilla

283

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Capítulo 19

Sistema Único de Saúde: A reforma que está dando certo

Adnei Pereira de Moraes

299

Capítulo 20

Instrumentos para avaliar desenvolvimento dos vocabulários receptivo e expressivo, e consciência

fonológica, normatizados de maternal a segunda sériee validados com medidas de leitura e escrita

Alessandra G. S. CapovillaFernando C. Capovilla

305

Capítulo 21

Psicologia, educação e escola: Analisando algumas relações

Ana Maria F. A. Sadalla

317

Capítulo 22

Tecnologia para análise de emissões vocálicas em nomeação e leitura oral nas afasias e dislexias

Fernando C. CapovillaElizeu C. Macedo

Alessandra G. S. Capovilla

327

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Capítulo 23

O papel da leitura e da escrita na terapia fonoaudiológica com sujeitos jargonafásicos

Luciana C. L. F. dos Santos

347

Capítulo 24

Usando testes computadorizados de competência de leitura silenciosa e em voz alta para mapear

desenvolvimento de rotas de leitura, e testes de compreensão auditiva e de leitura para diagnóstico

diferencial da dislexia

Fernando C. CapovillaElizeu C. Macedo

Alessandra G. S. Capovilla

355

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Apresentação

Panorama das relações entre Neuropsicologia e Aprendizagem

Fernando C. CapovillaPsicólogo, Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília Ph.D. em Psicologia Experimental pela Temple University of PhiladelphiaLivre Docente em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de São PauloProfessor Associado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Este livro reúne conferências apresentadas durante o I Congresso Multidisciplinar de Neuropsicologia e Aprendizagem, promovido em junho de 2002 pela Sociedade Brasileira de Neuropsicologia e pela Interclínica Ribeiro do Valle na cidade mineira de Poços de Caldas.

Ele aborda as relações entre neuropsicologia e aprendizagem a partir das áreas da Neurologia, Pediatria, Psiquiatria, Psicologia, Pedagogia, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Lingüística e Direito. Discute, ainda, temas de saúde pública nos níveis municipal, estadual e federal, além da legislação brasileira e internacional em educação e saúde.

Numa visão de amplo escopo que inclui avaliação e intervenção para prevenção e reabilitação, tanto na clínica quanto na escola, aborda modelos e procedimentos que se estendem da criança ao idoso em temas como desenvolvimento e distúrbios neuromotores, neurossensoriais e neurolingüísticos, paralisia cerebral, dislexia, afasia, surdez congênita, demência, problemas de aprendizagem, alfabetização, inclusão, comunicação alternativa, integração sensorial, processamento auditivo central, percepção e articulação da fala, discriminação e consciência fonológica, velocidade de processamento,

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memória de trabalho, vocabulário expressivo e receptivo auditivo, compreensão auditiva e de leitura, competência de leitura silenciosa e em voz alta, e inteligência geral.

Assim, o amplo escopo deste livro abarca da criança ao idoso, da escola à clínica, de filosofias educacionais a modelos teóricos e recursos tecnológicos, e aborda temas de importância capital à Neuropsicologia como:

Pesquisa e desenvolvimento de instrumentos de triagem e de avaliação psicométrica para detecção precoce e de diagnóstico diferencial neuropsicológico, e de procedimentos de intervenção para prevenção e reabilitação;

Desenvolvimento e distúrbios de comunicação e linguagem oral e escrita na criança com paralisia cerebral, surdez congênita, e dislexia do desenvolvimento;

Desenvolvimento e distúrbios neuromotores, e recursos para a avaliação cognitiva, comunicação alternativa, inclusão e alfabetização da criança com paralisia cerebral;

Desenvolvimento e distúrbios neurolingüísticos, problemas de aprendizagem e de leitura e escrita, dislexia do desenvolvimento, prevenção e remediação de problemas de leitura e escrita por meio do método fônico de alfabetização em ouvintes com e sem distúrbios neuromotores;

Processamento auditivo central, percepção e articulação da fala, discriminação e consciência fonológica, velocidade de processamento fonológico, memória de trabalho fonológica, vocabulário expressivo e receptivo auditivo, compreensão auditiva e de leitura, competência de leitura silenciosa e em voz alta, inteligência geral, integração sensorial;

Desenvolvimento cognitivo no surdo congênito, efeito da perda auditiva sobre desenvolvimento da linguagem, alfabetização e educação da criança surda, escrita de sinais e seu uso na educação de surdos, abordagens e recursos para educação da criança surda: Oralismo e implante coclear versus língua de sinais e escrita de sinais no bilingüismo;

Diagnóstico diferencial das demências e da perda de memória no idoso;

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Saúde pública nos níveis municipal, estadual e federal, e legislação brasileira e internacional em educação e saúde.O livro dá prosseguimento à nobre tradição da Sociedade

Brasileira de Neuropsicologia, de promover a documentação sistemática da produção científica brasileira nas mais variadas áreas componentes da neuropsicologia como Neurologia, Psicologia, Fonoaudiologia, Pedagogia, Fisioterapia, Lingüística, Psiquiatria, Pediatria e Geriatria, de modo a assegurar o constante desenvolvimento e progresso da Neuropsicologia como ciência e como profissão, a exemplo do que vem fazendo também nas edições dos Congressos Brasileiros de Tecnologia e (Re)Habilitação Cognitiva (Capovilla, Gonçalves, & Macedo, 1998; Gonçalves, Macedo, Sennyey, & Capovilla, 2000).

Uma ampla perspectiva do conteúdo do livro como um todo pode ser obtida por meio de uma descrição sintética do conteúdo de cada capítulo.

No Capítulo 1 (Okamoto, 2002a), intitulado Diagnóstico diferencial das demências, o neurologista Ivan H. Okamoto define o conceito de síndrome demencial, sua etiologia variada, e o prejuízo funcional produzido pelos declínios cognitivos (de memória, linguagem, orientação, habilidades construtivas, pensamento abstrato, resolução de problemas e praxias), e pelas mudanças de personalidade e afeto que a caracterizam. Ressalta a importância do diagnóstico diferencial das demências, em especial da doença de Alzheimer, que é a maior causa de perda cognitiva no envelhecimento, além de outras como a demência por corpúsculos de Lewy, a demência vascular, a demência mista, as demências frontotemporais, a demência por distúrbios metabólicos, a hidrocefalia de pressão compensada ou normal, e a doença de Parkinson. Trata da importância da avaliação clínica e neurológica, incluindo exames neuropsicológicos, laboratoriais e de diagnóstico por imagem.

No Capítulo 2 (Capovilla, A., & Capovilla, F., 2002b) intitulado Etiologia, avaliação e intervenção em dislexia do desenvolvimento, os psicólogos Alessandra G. S. Capovilla e Fernando C. Capovilla analisam o conceito de dislexia do desenvolvimento como resultante da interação entre fatores biológicos (i.e., genéticos e neurológicos),

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cognitivos, e ambientais. Explicam a Hipótese de Déficit Fonológico, segundo a qual o distúrbio no processamento fonológico é o principal aspecto prejudicado na dislexia, e descrevem as evidências genéticas, neurológicas e cognitivas que corroboram essa hipótese. Além disso, analisam as evidências mais recentes sobre os tipos de dislexia do desenvolvimento que caracterizam a dislexia fonológica como um distúrbio de natureza patológica e a dislexia morfêmica como apenas um padrão de atraso na aquisição da linguagem escrita. Finalmente os autores descrevem instrumentos para a avaliação quantitativa e qualitativa da dislexia do desenvolvimento, bem como procedimentos eficazes para seu tratamento e prevenção baseados em atividades de consciência fonológica e de ensino de correspondências grafofonêmicas.

No Capítulo 3 (Primi, 2002), intitulado Avanços na concepção psicométrica da inteligência, o psicólogo Ricardo Primi aborda as muitas definições do conceito de inteligência, aponta as confusões conceituais nas visões simplistas mais populares, descreve os avanços recentes da pesquisa a área, e apresenta o modelo de inteligência que é estado da arte na área, baseado na Psicometria. Esse modelo é sustentado na análise fatorial das diferenças individuais identificadas nas centenas de testes criados para avaliar as habilidades cognitivas, análise que tem como propósito a identificação dos subgrupos de testes que avaliam uma mesma capacidade cognitiva. Explica que os estudos psicométricos aplicam extensas baterias de testes que cobrem uma diversidade de capacidades intelectuais e, por meio da análise fatorial, procuram descobrir como estes testes estão correlacionados, identificando assim os fatores ou dimensões que compõem a inteligência. Descreve a evolução dos modelos de inteligência, desde a visão inicial polarizada em extremos -- em que Spearman (1927) defendia um fator geral único, enquanto que Thurstone (1938) rejeitava esse fator geral e privilegiava um conjunto de habilidades primárias independentes --, passando pela integração dos pólos no modelo hierárquico de inteligência fluida e cristalizada de Cattell (1941), aprimorado por Horn (1991), até chegar, a partir da reanálise fatorial de 60 anos de pesquisa científica, à teoria dos três estratos de Carroll (1993), e, mais recentemente, à integração dos modelos de inteligência fluida e cristalizada com o modelo dos três estratos, que ocorreu na teoria Cattell-Horn-Carroll, de McGrew e Flanagan (1998).

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Conforme o autor, tal modelo estado da arte, conhecido como CHC, identifica dez fatores amplos: Inteligência fluida, conhecimento quantitativo, inteligência cristalizada, leitura e escrita, memória de curto prazo, processamento visual, processamento auditivo, habilidade de armazenamento e recuperação da memória de longo prazo, velocidade de processamento, e rapidez de decisão. Finalmente, ressalta que, acima dessas dez capacidades estaria o fator g de Spearman, que representa a associação geral entre todas as habilidades cognitivas.

No Capítulo 4 (Portugal & Capovilla, 2002), intitulado Triagem audiológica: Efeitos de perda auditiva sobre vocabulário, consciência fonológica, articulação da fala e nota escolar de escolares de primeira série, a fonoaudióloga Amélia C. Portugal e o psicólogo Fernando C. Capovilla descrevem um estudo de triagem auditiva com audiômetro de baixo custo que avaliou os efeitos da perda auditiva sobre o atraso de linguagem em crianças de primeira série do ensino fundamental de escola pública. Nele 528 crianças da primeira série de oito escolas foram submetidas a uma triagem audiológica com um microaudiômetro portátil de campo. Das 528 crianças, 34 crianças (6,4%) apresentaram perda auditiva em uma ou em ambas as orelhas, com limiar elevado em qualquer de quatro freqüências (i.e., acima de 35 dB em 500 Hz, 30 dB em 1.000 Hz, 25 dB em 2.000 Hz, ou 25 dB em 4.000 Hz). Essas 34 crianças com perda auditiva identificada compuseram o grupo experimental. Outras 34 crianças da amostra, emparelhadas por sexo e idade, compuseram o grupo controle (i.e., sem perda). As 68 crianças foram, então, submetidas a avaliação de linguagem (i.e., em provas de vocabulário receptivo auditivo, consciência fonológica, e discriminação auditiva), nota escolar e inteligência não verbal. Os resultados revelaram que, quanto maior era a perda auditiva, tanto menores foram o vocabulário receptivo auditivo, a consciência fonológica, a discriminação auditiva e a nota escolar, e tanto maior foi a incidência de dificuldades articulatórias e de trocas e omissões articulatórias. Tais achados ressaltam a importância fundamental de conduzir triagem audiológica com toda a população escolar em idade de alfabetização, e a eficácia de aparelhos de muito baixo custo que podem viabilizar de fato tal triagem em todo o território nacional.

No Capítulo 5 (Ribeiro do Valle, L., 2002), intitulado

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Psicologia e prevenção na educação infantil, a psicóloga e psicopedagoga Luiza Elena L. Ribeiro do Valle adota o modelo ecológico do desenvolvimento infantil para compreender a criança de uma forma sistêmica em suas relações sociais com a família, a escola e o mundo mais amplo. Aborda a resiliência como a habilidade de buscar alternativas eficazes para lidar com os revezes da vida, e a sua ausência, que constitui um estado de vulnerabilidade, que expõe a criança a níveis elevados de estresse que podem resultar no desenvolvimento de comportamentos desadaptativos e, em situações mais extremas, psicopatológicos, especialmente na presença de fatores de risco e na ausência de fatores de proteção. Ressalta que, devido às suas competências sociais que lhe conferem autonomia, a criança resiliente apresenta estratégias adaptativas frente aos fatores de estresse significativo, sendo capaz de continuar brincando, trabalhando e se relacionando com as pessoas com alegria e boa disposição. Lembra que, além dessas características de personalidade da criança, é também muito importante a coesão da família com pais que, além de afetivos e envolvidos no mundo da criança, mostram-se competentes no cuidado prático diário e na sua disciplina. Finalmente, lembra também a importância de uma rede eficaz de apoio social e afetivo, capaz de permitir à criança vincular-se e identificar-se com outras pessoas que constituem modelos significativos e adequados. Segundo a autora, isto tudo confere à criança condições de suporte para lidar bem com o estresse, auxiliando a prevenir o desenvolvimento de comportamentos desadaptativos que, num contexto crônico, podem resultar em quadros de delinqüência ou, mesmo, psicopatologia. A partir desta base, a autora aborda a importância do desenvolvimento da resiliência da criança já a partir da pré-escola com vistas à prevenção de desajustes e promoção do desenvolvimento sadio.

No Capítulo 6 (Capovilla, 2002), intitulado Processamento auditivo central: Demonstrando a validade de uma bateria de triagem para crianças de 6 a 11 anos, o psicólogo Fernando C. Capovilla define processamento auditivo central e explica a sua importância para a aquisição de leitura e escrita. Explica, também, a natureza do distúrbio de processamento auditivo central e sua etiologia no histórico de otites repetidas durante o desenvolvimento da linguagem, bem como o seu envolvimento nos distúrbios processamento

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fonológico que subjazem aos problemas de linguagem oral e escrita, como ocorre na dislexia do desenvolvimento. Ressalta a necessidade de instrumentos para triagem de crianças com distúrbio de processamento auditivo central, com vistas a permitir experimentos dedicados ao teste de tratamentos para prevenção e remediação de distúrbios de linguagem oral e escrita. Examina a bateria de Zaidan (2001) para triagem de distúrbio de processamento auditivo central, desenvolvida no mestrado em Neurociências da USP. Trata-se de uma bateria de aplicação rápida em 15 minutos e composta de três testes de repetição de fala ouvida em condições de difícil audibilidade: Fala distorcida com corte de freqüências elevadas, fala contra ruído de fundo, e falas competitivas em escuta dicótica. Reanalisando os dados brutos daquela dissertação, o autor descobriu que a aparente inconclusividade dos achados sobre a sua validade deveu-se simplesmente à escolha de estatísticas inferenciais inadequadas ao delineamento. Reconduzindo as análises com estatísticas inferenciais apropriadas (i.e., Ancovas para controlar o efeito da ampla variação etária sobre os escores), descobriu que a bateria é, de fato, válida e sensível o suficiente para discriminar entre crianças de 6 a 11 anos com desenvolvimento normal e aquelas com diagnóstico clínico de distúrbio de processamento auditivo central. Adicionalmente, descobriu que, além da bateria como um todo, cada um dos três testes que a compõem é capaz de, por si só, discriminar entre os grupos, identificando crianças com distúrbios de processamento auditivo central. Isto corrobora a adequação das listas de palavras e de sua gravação, revelando todo o esmero com que a bateria foi elaborada.

No Capítulo 7 (Tessaro, 2002), intitulado Mediação no processo de construção do conhecimento infantil, a psicóloga Nilza S. Tessaro aborda a construção do conhecimento infantil a partir da ótica socioconstrutivista de Vygotsky (1991), que distingue entre processos elementares determinados pela biologia e funções superiores determinadas pelo meio sociocultural. Compreende o desenvolvimento da criança a partir das interações com o meio social, especialmente com indivíduos mais experientes, que criam situações de aprendizagem fundamentais ao processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Ressalta que o desenvolvimento da linguagem oral depende da pertinência a uma cultura de falantes, e que o da escrita depende da pertinência a uma cultura letrada. Lembra,

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ainda, que os fatores orgânicos não são suficientes para o aprendizado, já que este requer a interação interpessoal e, no caso da leitura e escrita, o ensino sistemático. A autora lembra a importância de que o meio sociocultural proporcione condições para que a criança se desenvolva pelo aprendizado, e de que a professora organize o ambiente de ensino e trabalhe objetivamente com o conteúdo, garantindo o envolvimento dos educandos em tarefas objetivas capazes de produzir abundante processamento de informações relevantes. Assim, o texto é bastante oportuno, também por lembrar a importância de que o professor supere a atitude de espera pedagógica e assuma a responsabilidade por interagir ativamente com o educando. Poderíamos ir ainda além: Conforme ressaltam Capovilla, A. e Capovilla, F. (2002a) e o Observatoire National de la Lecture (2001) da França, aprender a ler não um ato natural como a fala, mas requer o ensino sistemático por meio da escolarização. Enquanto o desenvolvimento da linguagem oral requer apenas a integridade orgânica (em termos de vias aferentes, eferentes e centrais) e a interação social natural que deriva da pertinência a uma cultura, o desenvolvimento da linguagem escrita não é assim tão natural, mas requer um ensino ativo e sistemático por parte do professor, sempre baseado na construção de competências a partir do que a criança já sabe e do que está pronta para vir a saber no próximo momento.

No Capítulo 8 (Capovilla, A., & Capovilla, F., 2002d), intitulado Método fônico para prevenção e tratamento de atraso de leitura e escrita: Efeito em crianças de 4 a 8 anos , os psicólogos Alessandra G. S. Capovilla e Fernando C. Capovilla explicam que o método de alfabetização fônico promove o desenvolvimento da consciência fonológica e o ensino explícito das correspondências entre grafemas e fonemas, e que progride sistematicamente desde os sons das letras, passando pelas sílabas, palavras e frases até chegar a textos cada vez mais complexos. Explicam também que o método de alfabetização global, a partir de sua concepção da leitura como um jogo psicolingüístico, introduz textos complexos desde o início da escolarização e procura desenvolver na criança a estratégia de leitura baseada na tentativa de adivinhar o significado das palavras a partir do contexto, isto é, de sua inserção no texto. Explicam que a superioridade do método fônico, documentada extensamente por meta-análise de 115 mil estudos publicados desde 1920 (Capovilla,

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A., & Capovilla, F., 2002a), decorre do fato de que a escrita alfabética mapeia a fala, e de que o ensino explícito das correspondências entre grafemas e fonemas auxilia a criança a empreender os processos de codificação fonografêmica (na escrita) e de decodificação grafofonêmica (na leitura). Descrevem os dados de dois estudos de intervenção com treino de consciência fonológica sobre habilidades metafonológicas: O primeiro com 121 crianças de 4 a 8 anos de idade estudantes de pré 1 a segunda série de escola particular, e o segundo com 55 crianças de 7 anos de idade estudantes da primeira série de escola pública. Os dois estudos dividiram as crianças em três grupos, com base no desempenho numa avaliação prévia de consciência fonológica: As crianças atrasadas foram divididas em dois grupos, um experimental e um controle de baixo desempenho. Já as crianças adiantadas compuseram o grupo controle de alto desempenho. Em seguida, as crianças do grupo experimental foram submetidas a um programa lúdico de desenvolvimento de consciência fonológica em pequenos grupos, enquanto que as dos grupos controle de alto e baixo desempenho continuavam suas atividades escolares regulares. Após 18-27 sessões de 30-40 minutos cada uma, os desempenhos dos três grupos foram comparados. Os resultados revelaram que as crianças do grupo experimental se tornaram tão competentes quanto as do grupo controle de alto desempenho. Isto ocorreu para habilidades metafonológicas em geral, bem como em habilidades de leitura e escrita das crianças em alfabetização. Tais dados constituem a primeira demonstração experimental documentada com crianças brasileiras da eficácia do método fônico.

No Capítulo 9 (Okamoto, 2002b), intitulado Perda de memória no idoso, o neurologista Ivan H. Okamoto afirma que a queixa de perda de memória é uma das mais freqüentes no idoso (atingindo 54% das pessoas acima de 65 anos), embora nem sempre chegue a prejudicar seu funcionamento no dia a dia (já que tal prejuízo é relatado em apenas 12% dos casos). O diagnóstico de síndrome demencial é feito quando há perda de memória e de outra função cognitiva como linguagem, praxia e orientação, sendo que tal perda deve ser detectável em exame neuropsicológico e suficiente para interferir nas atividades diárias do paciente. Dentre as causas da demência, destacam-se a doença de Alzheimer, a demência por corpúsculos de Lewy, a demência vascular ou por múltiplos infartos, e

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a demência frontotemporal, além do hipotireoidismo, da deficiência de vitamina B12, ácido fólico, ou causas infecciosas (lues 3a). A principal causa de demência é a doença de Alzheimer que atinge 50-60% dos casos. Nela inicialmente há um comprometimento progressivo de memória para fatos recentes, seguido de alteração de linguagem (anomia e afasia) e, depois, de outros déficits cognitivos, depressão, agitação, delírio, alucinação, comportamentos inadequado, perda de crítica e voracidade. Na demência por corpúsculos de Lewy, ocorrem perdas cognitivas associadas a sinais de parkinsonismo precoce e alucinações visuais e bem estruturadas. Na demência vascular, ou por múltiplos infartos, há um declínio cognitivo progressivo por etapas. O tratamento depende da etiologia. Para demência degenerativa como a doença de Alzheimer, é indicado tratamento com inibidores de acetilcolinesterase, numa tentativa de prolongar o funcionamento colinérgico. A Rivastigmina e o Donepezil tendem a melhorar a cognição, estabilizar os déficits ou reduzir alterações de comportamento. Dada a grande variação de sintomas de pacientes com síndromes demenciais, o tratamento é administrado por equipes multidisciplinares compostas de médicos, enfermeiros, psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas.

No Capítulo 10 (Capovilla, F., & Capovilla, A., 2002a), intitulado Atraso na aquisição de leitura: Relação com problemas de discriminação fonológica, velocidade de processamento e memória fonológica, os psicólogos Fernando C. Capovilla e Alessandra G. S. Capovilla ressaltam que o sucesso na compreensão, avaliação e tratamento de distúrbios depende de modelos teóricos robustos, testados experimentalmente, e que três modelos competem para explicar problemas cognitivos na aquisição de leitura e escrita, atribuindo-os a distúrbios de: Discriminação fonológica, memória fonológica, ou velocidade de processamento. Relatam um estudo que testou o efeito dos três fatores simultaneamente. Após avaliar habilidades de leitura de 103 escolares de primeira e segunda séries de ensino público, o estudo comparou 16 bons leitores (+1 d.p.) e 16 maus (-1 d.p.) em termos de discriminação, memória, e velocidade numa tarefa de julgar pares de sílabas ouvidas como iguais ou diferentes. Os resultados revelaram que os maus leitores de primeira série apresentaram maior dificuldade em discriminar entre sílabas sutilmente diferentes (i.e., discriminação fonológica pobre), sendo a

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dificuldade maior com intervalos entre sílabas muito curtos (i.e., baixa velocidade de processamento) ou muito longos (i.e., memória fonológica pobre). Os autores ressaltam que tais resultados corroboram tanto a Hipótese do Déficit Fonológico para explicar problemas de leitura e escrita, quanto à eficácia dos procedimentos educacionais e clínicos nela baseados.

No Capítulo 11 (Carvalho, 2002), intitulado Controle motor e suas alterações em pacientes com distúrbios neurológicos, a fisioterapeuta Regiane L. Carvalho faz revisão das características básicas do controle motor normal para permitir uma maior compreensão dos padrões anormais de movimento. Lembra que, na fisioterapia, as práticas de avaliação e reabilitação requerem um conhecimento apropriado do controle do movimento e de seus comprometimentos, e têm como base a teoria do controle motor. Revê, assim, essa teoria: Em tarefas simples, a atividade muscular típica mostra um padrão trifásico: 1) Ativação agonista que gera o movimento até o alvo, 2) Ativação antagonista que freia o movimento, e 3) Reativação agonista que estabiliza o movimento no alvo. Para que o movimento ocorra, são ativados os músculos envolvidos diretamente na execução do movimento (musculatura focal) e os que geram estabilidade postural (envolvendo membros, cabeça e tronco). O movimento voluntário gera perturbação postural e é afetado pelo desequilíbrio devido à transmissão de forças e torques e ao acoplamento mecânico das articulações. O sistema de controle motor prevê o desequilíbrio e emite reações antecipatórias (ativando musculatura não focal e gerando força compensatória). Tais reações antecipatórias são elicitadas por mecanismo feedforward e são enviadas para a musculatura postural antes do início da atividade muscular focal. Elas se desenvolvem na prática do ato motor, observando as conseqüências do movimento focal nas articulações posturais. Para o reequilíbrio postural que ocorre depois de iniciado o movimento, o sistema de controle motor usa reações compensatórias pré-programadas, disparadas por informações aferentes como feedback sensorial. O feedback compara a resposta motora obtida com a planejada e permite sua correção. A repetição da tarefa motora produz diminuição na variabilidade da reação antecipatória e da demanda por reações compensatórias. Explicada esta teoria, a autora a aplica para compreender os distúrbios motores observados na

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síndrome de Down, na doença de Parkinson, e nos distúrbios vestibulares. Descrevendo como os padrões motores na síndrome de Down diferem dos normais, a autora reconhece sua função adaptativa. Então, levanta a importante questão quanto ao propósito da intervenção fisioterapêutica: Deve ela objetivar produzir um padrão motor próximo ao da normalidade ou pode ela concentrar-se na melhoria da função? Conclui dizendo que a melhora da função deve ser considerada, e não apenas a normalização do padrão.

No Capítulo 12 (Capovilla, Thiers, & Macedo, 2002), intitulado Avaliação cognitiva de crianças com severos distúrbios motores: Versões computadorizadas, normatizadas e validadas de testes de vocabulário, compreensão auditiva, leitura e inteligência geral, os psicólogos Fernando C. Capovilla, Valéria O. Thiers, e Elizeu C. Macedo lembram a necessidade de avaliar as habilidades do educando para poder calibrar os procedimentos de ensino ao repertório inicial das crianças e ao ritmo de aprendizagem. Ressaltam que crianças com severos distúrbios motores e de fala (como aquelas com paralisia cerebral) colocam um desafio à nossa capacidade de avaliação, desafio que é tão mais contundente quanto mais ênfase for colocada na inclusão escolar e social dessas crianças. Os autores ressaltam que a política de inclusão escolar dessas crianças só terá uma chance de sucesso se as dotarmos de eficazes sistemas computadorizados falantes de comunicação alternativa que permitam operação por movimentos discretos (Capovilla, Capovilla, & Macedo, 2001), ao mesmo tempo que dotamos as escolas de sistemas computadorizados de avaliação válidos e que possam ser operados pelos mesmos movimentos discretos. Os autores descrevem versões computadorizadas de seis testes para avaliação de habilidades escolásticas de amplo uso na clínica de distúrbios de aprendizagem, bem como na psicologia escolar. Trata-se de testes de vocabulário receptivo auditivo, de discriminação visual fina, de aptidão para alfabetização, de compreensão auditiva, e de habilidade de executar operações complexas seguindo comandos (praxia ideomotora). Tais testes computadorizados são executáveis no ambiente Windows e em microcomputadores Pentium com acionadores adaptados pela porta do mouse. Administram instruções com voz digitalizada e coletam respostas diretamente por mouse ou indiretamente por varredura automática e seleção por dispositivos sensíveis a movimentos

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discretos ou gemidos, sendo que o tempo de varredura é facilmente calibrável a cada criança. Além disso, essas versões computadorizadas fazem análise automática de dados e relatório de desempenho. Os autores descrevem os resultados de um estudo preliminar em que crianças de escolas regulares e com desenvolvimento motor normal foram submetidas aos testes em todas as suas versões, permitindo obter tabelas de dados normativos que possibilitam estimar as habilidades cognitivas em cada teste independentemente do modo de acionamento (direto ou indireto) e do parâmetro temporal de varredura (1, 2, ou 3 segundos). Assim, essas versões permitem subtrair o efeito da dificuldade imposta pelos distúrbios motores sempre que fazemos estimativas do desempenho cognitivo de crianças com paralisia cerebral, permitindo resultados mais válidos, confiáveis.

No Capítulo 13 (Telg, 2002), intitulado Integração sensorial, a fisioterapeuta Elfriede A. Kogler Telg define a integração sensorial e os sistemas que a compõem: Os sistemas tátil, vestibular, proprioceptivo, visual e auditivo. Descreve, então, as etapas do desenvolvimento sensorial, e aprecia a variabilidade sensorial em bebês normais, hipossensíveis e hipersensíveis. Termina oferecendo sugestões de tratamento para crianças hipossensíveis e hipersensíveis.

No Capítulo 14 (Capovilla, F., & Capovilla, A., 2002b), intitulado Educação da criança surda: Evolução das abordagens, os psicólogos Fernando C. Capovilla e Alessandra G. S. Capovilla enfatizam a importância da linguagem para o desenvolvimento social, emocional e intelectual da criança, revêem alguns fatores psicossociais e concepções históricas que auxiliam a entender atitudes quanto ao surdo, desde a Antigüidade clássica até o início do século XXI. Relatam também alguns achados cruciais que auxiliam a compreender alguns dos motivos subjacentes à mudança de orientação nas abordagens à educação da criança surda, desde o oralismo que vigorou por cerca de um século de 1880 a 1970, passando pela comunicação total de 1970 a 1985, e desta ao bilingüismo desde 1985 até o presente. Os autores também descrevem alguns dos recursos oferecidos pela comunicação total, além de um programa bilíngüe pioneiro muito bem sucedido que integra a maior parte deles. A partir da importância crucial da linguagem para o desenvolvimento da criança e de dados que corroboram a importância a imersão da criança surda no universo lingüístico do sinal o mais precocemente possível,

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os autores exploram as vantagens da educação bilíngüe, mas concluem ressaltando a importância crucial de estudos experimentais rigorosos que comparem o desenvolvimento de crianças surdas congênitas sob diferentes abordagens educacionais (i.e., oralismo, comunicação total, e bilingüismo) plenamente assistidas por suas respectivas tecnologias (i.e., implante coclear, sistemas de sinais, e escrita visual direta de sinais, respectivamente).

No Capítulo 15 (Ribeiro do Valle, M., 2002), intitulado Cemada: Centro Municipal de Atendimento a Distúrbios de Aprendizagem, o neuropediatra Márcio Ribeiro do Valle descreve a história e a natureza do trabalho do Centro Municipal de Atendimento a Distúrbios de Aprendizagem (Cemada) que, como secretário da saúde da cidade mineira de Poços de Caldas, ele ajudou a criar em 1992 e continua dirigindo. O Cemada foi criado para lidar com a dificuldade, o fracasso e a evasão escolar observados especialmente em crianças de famílias de baixa renda, e para auxiliar a promover o desenvolvimento infantil dessas crianças de uma maneira orgânica e integrada. Assim, conta com uma equipe multidisciplinar de atendimento à criança portadora de distúrbios de aprendizagem que reúne neurologistas, psicólogos, fonoaudiólogos, pedagogos, e assistentes sociais, além de contar, ainda, com os serviços integrados de outros profissionais da rede pública de saúde como psiquiatras, oftalmologistas e otorrinolaringologistas, dentre outros. O Cemada recebe os alunos da rede pública municipal que são encaminhados com relatórios de suas professoras e coordenadoras pedagógicas, e procede à avaliação multidisciplinar da criança para compreender a natureza de suas dificuldades escolares e de seu baixo rendimento escolar, bem como de outros problemas que não puderam ser adequadamente resolvidos na escola. A partir dessa compreensão, o Cemada promove reuniões com pais e representantes da escola para proceder à implementação das medidas necessárias para auxiliar a criança a superar suas dificuldades de aprendizagem e relacionamento, e retomar seu desenvolvimento acadêmico e social. Desde sua criação, o Cemada já atendeu cerca de 2.500 crianças e seus respectivos pais e professores, além de promover palestras e simpósios de difusão cultural em saúde e educação infantil. Atualmente atende 170 crianças, e tem ainda outras 240 que aguardam atendimento.

No Capítulo 16 (Capovilla, Capovilla, Viggiano, Raphael, &

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Dente-Luz, 2002), intitulado O desafio do bilingüismo na educação do surdo: Descontinuidade entre a língua de sinais e a escrita alfabética e estratégias para resolvê-la, os psicólogos Fernando C. Capovilla, Alessandra G. S. Capovilla, Keila Q. F. Viggiano, Walkiria D. Raphael, e Renato D. Luz retomam a importância crucial da escrita como elemento de unificação geográfica e histórica de um povo, elemento que confere estabilidade e alcance a uma língua, permitindo que ela continue sendo entendida em toda a extensão territorial em que vive um povo, e ao longo das várias gerações. Ressaltam que o registro estável e confiável permitido pela escrita impede que as línguas se percam em variações geográficas e históricas, e que, por isso, a escrita visual direta de sinais SignWriting pode se tornar tão importante para a história dos surdos em todo o mundo quanto o alfabeto tem sido para a história dos ouvintes no mundo ocidental. SignWriting não é uma escrita ideográfica ou semantográfica já que não representa diretamente o significado, mas parece-se mais ao alfabeto na medida que, como o alfabeto, mapeia as propriedades fonológicas (i.e., quirêmicas) da língua primária, nativa, da cultura a que pertence o escritor. Enquanto o alfabeto registra os fonemas da fala do ouvinte, SignWriting registra os quiremas (i.e., as formas de mão) da sinalização do surdo. O código alfabético mapeia a fala e não o sinal, e sua mecânica resulta na evocação da fala interna, mas não na da sinalização interna. É um instrumento feito sob medida para desenvolver o pensamento do ouvinte, mas infelizmente não o do surdo. SignWriting permite registrar diretamente o pensar do surdo, nas dimensões quirêmicas da sinalização interna com que esse pensar ocorre. É, por isso, um poderoso instrumento de reflexão do surdo sobre sua própria língua de sinais, ou seja, é uma poderosa metalinguagem para o desenvolvimento lingüístico pleno do surdo. Daí a esperança de que a metalinguagem de sinais permitida por SignWriting permita uma formalização lingüística crescente da Libras, podendo produzir grandes benefícios para o desenvolvimento cognitivo da criança surda e para o florescimento cultural do povo surdo.

No Capítulo 17 (Ribeiro do Valle, A., 2002), intitulado O Estatuto da Criança e do Adolescente, o advogado Alexandre L. Ribeiro do Valle lembra que, desde a Declaração Universal dos Direitos da Criança, promulgada pela Organização das Nações Unidas

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em 1959, passaram-se 29 anos até que os mesmos princípios fossem incorporados à Constituição Federal de 1988. Os dispositivos da Constituição especificam que a Educação é um direito de todos e um dever do Estado, e que esse dever se efetiva mediante a garantia de itens como: Ensino fundamental obrigatório e gratuito; progressiva universalização do ensino médio gratuito; atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência de preferência na rede regular de ensino; atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; programas suplementares de materiais didático e escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; e especificações, dentre outras, de que o não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. Assim, a Constituição apresenta normas que garantem o acesso universal ao ensino público gratuito e de boa qualidade. Contudo, o autor lembra que tais normas constitucionais são de eficácia limitada e não têm aplicabilidade prática, exceto para servir de parâmetro para o legislador infraconstitucional editar normas referentes à educação. A promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pelo Congresso em 1990 foi feita com o objetivo de garantir eficácia plena às normas constitucionais referentes aos direitos sociais da criança e do adolescente. Contudo, conforme o autor, o ECA reflete uma importação de normas legais alienígenas sem a necessária adaptação socioeconômica, e não apresenta formas de materialização do exposto. Isto confere às normas do ECA um teor utópico e inaplicável que lhes rouba a eficácia, ainda que continuem em vigência. Ou seja, embora o ECA continue em vigência legal, ele não tem eficácia real, uma vez que não vincula a conduta daqueles que deveriam observá-lo. No ECA os direitos são difusos, sem sujeito ativo determinado, são de todo mundo e supõe-se que alguém deveria cumpri-los, embora ninguém tenha a quem exigir esse cumprimento. Os órgãos que deveriam poder impetrar as ações cíveis (i.e., o ministério público, a união, os estados e municípios) têm poder limitado, pois teriam que agir contra autoridades públicas vigentes. As normas constitucionais referentes à educação são, como classifica o Direito Romano, normas imperfeitas, já que estabelecem responsabilidades mas não punições para desobediência. Já o ECA é uma lei menos que perfeita, posto que impõe, para determinadas condutas, punições que devem ser aplicadas

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a aqueles que não cumprem com o ali disposto (e.g., os pais que não matriculam seus filhos na escola ficam sujeitos a processo criminal, nos termos do código penal brasileiro), mas não às autoridades. Em conseqüência, os pais são obrigados a manter a criança na escola ainda que a prefeitura -- que arrecada recursos por matrícula -- não forneça professores e materiais de ensino. O autor ressalta que a instituição de fundos como o FNDE e o Fundef na década de 1990 aumentou o número de matrículas, o que fez com que o Brasil subisse 4 pontos no índice de desenvolvimento humano da ONU em 2000. Contudo, como a alocação de recursos é proporcional às matrículas no ensino fundamental, muitos municípios têm deixado desassistida a educação infantil, e relatam um número maior de matrículas escolares do que de crianças ("clonagem" de alunos). O autor termina citando Franco Montoro para quem a legislação brasileira é perfeita, faltando apenas uma lei: A que mande pôr em vigor todas as outras.

No Capítulo 18 (Capovilla, A., & Capovilla, F., 2002e), intitulado Perfil cognitivo de crianças com atraso de escrita no International Dyslexia Test, os psicólogos Alessandra G. S. Capovilla e Fernando C. Capovilla descrevem o International Dyslexia Test (IDT), que avalia diferentes habilidades cognitivas relacionadas à aquisição de leitura e escrita, como consciência fonológica, processamento auditivo, processamento visual, velocidade de processamento, seqüenciamento, habilidades motoras, raciocínio e habilidades matemáticas. Ressaltam que o teste já foi traduzido para diferentes línguas e é usado como instrumento para o diagnóstico da dislexia em uma série de países, e descrevem os resultados de um estudo preliminar conduzido com alunos brasileiros de primeira série de escola pública que teve como objetivo adaptar o teste ao português brasileiro e verificar as habilidades cognitivas em que bons e maus leitores diferem. Os resultados desse estudo mostraram que crianças com dificuldades de escrita tiveram desempenhos significativamente inferiores às crianças sem dificuldades de escrita em consciência fonológica, processamento auditivo, seqüenciamento e velocidade de processamento. Entretanto, seus escores foram semelhantes em habilidades motoras, processamento visual e habilidades aritméticas. Os autores afirmam que tais resultados corroboram aqueles encontrados em outras ortografias alfabéticas, como o inglês e o alemão, o que confirma a importância da consciência fonológica, do

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processamento auditivo e do seqüenciamento para a aquisição de leitura e escrita em ortografias que mapeiam a fala no nível fonêmico.

No Capítulo 19 (Moraes, 2002), intitulado Sistema Único de Saúde: A reforma que está dando certo, o psiquiatra Adnei P. Moraes examina o surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS), desde sua idealização em 1982 no Programa de Ações Integradas de Saúde (PAIS) até sua oficialização na Constituição Federal de 1988. Relata a importância da reforma da legislação que possibilitou a autonomia dos municípios para administração da saúde, e a conseqüente criação das Secretarias Municipais de Saúde que passaram a oferecer assistência médica à população a partir do repasse das verbas pelo Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (Inamps), num sistema de produtividade similar ao da iniciativa privada. Descrevendo o histórico, relata que a criação do SUS foi proposta na organização dos secretários municipais e estaduais da saúde, na Conferência Nacional de Saúde de 1986. Ela possibilitou a descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo, a regionalização e a hierarquização da rede e participação comunitária nas decisões. Agora, o SUS é constituído por todas as unidades de saúde ambulatoriais e hospitalares, públicas e privadas, contratadas do Brasil, sob a gestão nacional do ministro da saúde, sendo representado em cada estado pelo secretário estadual e nos municípios pelo secretário municipal, numa rede de serviços de saúde com mais de 6.000 hospitais e mais de 50.000 pontos de atendimento ambulatorial que realiza desde ações básicas (e.g., vacinação, atendimento domiciliar, consultas e pequenas cirurgias), até procedimentos de alta complexidade (e.g., transplantes). O autor ressalta que o SUS é um sistema democrático pois as decisões não são verticais como eram no Inamps, mas são acordadas em reuniões mensais dos membros da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) eleitos pelos pares. Para mostrar a superioridade do SUS, o autor compara os dados do Inamps de 1981 com os do SUS de 1999, que mostram aumentos de 90% na freqüência de consultas e de 513% na de exames diagnósticos e terapias, e uma diminuição de 5,9% na freqüência de internações, apesar do crescimento populacional de 40 milhões no período. Segundo o autor, tais dados revelam que, com a instituição do SUS, houve um aumento da eficiência e uma redução das internações desnecessárias e fraudulentas que costumavam ser

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pagas pelo Inamps. Relata, ainda, que, na área de saúde mental, com a reforma psiquiátrica iniciada em 1992 na II Conferência Nacional de Saúde Mental, houve a reformulação de um modelo de internação para um modelo ambulatorial, com o fechamento de 25.000 leitos psiquiátricos. Finalmente, acrescenta que o mesmo progresso ocorreu na área de geriatria, com os programas de vacinação do idoso e de internação domiciliar remunerada, que humanizou o atendimento ao idoso, reduziu os riscos de infecção hospitalar e liberou os leitos para o atendimento de casos mais graves.

No Capítulo 20 (Capovilla, A., & Capovilla, F., 2002c), intitulado Instrumentos para avaliar desenvolvimento dos vocabulários receptivo e expressivo, e consciência fonológica, normatizados de maternal a segunda série e validados com medidas de leitura e escrita, os psicólogos Alessandra G. S. Capovilla e Fernando C. Capovilla lembram que o atraso de linguagem é o problema de desenvolvimento mais comum em pré-escolares, e que está correlacionado a distúrbios posteriores de aprendizagem. Lembram também que pode ser identificado por meio da avaliação do número de palavras faladas e compreendidas (já que aos 2 anos de idade o vocabulário expressivo mínimo é de 50 palavras com combinações de 2-3 palavras) e que metade das crianças com atraso de fala aos 24-30 meses continua apresentando atraso severo aos 3-4 anos. Acusam a falta de instrumentos normatizados no Brasil para identificar precocemente atraso de linguagem, e descrevem três instrumentos para avaliação da linguagem em termos de desenvolvimento lexical e metafonológico: Um teste de vocabulário receptivo auditivo, uma lista de checagem de vocabulário expressivo, e uma prova de consciência fonológica. Descrevem dois estudos preliminares que comprovam sua validade. O primeiro avaliou o desempenho de 238 crianças de 2-6 anos de idade no Teste de Vocabulário por Imagens Peabody (que avalia a compreensão de palavras faladas em crianças de 2 a 18 anos), e na Lista de Avaliação de Vocabulário Expressivo (que avalia a produção oral de palavras em crianças a partir de 2 anos para identificar aquelas com atraso de linguagem). Proporcionando validação cruzada, o estudo descobriu que os testes correlacionam-se bem e discriminam bem entre idades sucessivas. O segundo estudo avaliou o desempenho de 175 crianças de pré 1 a segunda série na Prova de Consciência Fonológica por

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produção oral (que avalia dez habilidades metafonológicas de 4-9 anos de idade), bem como das crianças de primeira e segunda séries em leitura. Os resultados revelaram também uma progressão no desenvolvimento ordenado das dez habilidades fonológicas, das silábicas às fonêmicas. Mas, mais importante, eles revelaram que a prova discrimina bem entre idades sucessivas e que tem correlação significativa com habilidade de leitura em voz alta, o que corrobora a importância da habilidade metafonológica para a alfabetização competente.

No Capítulo 21 (Sadalla, 2002), intitulado Psicologia, educação e escola: Analisando algumas relações, a psicóloga Ana Maria F. A. Sadalla discute algumas relações entre psicologia, educação e escola, chamando a atenção para a importância de considerar a abordagem epistemológica e teórica a partir da qual se dá essa discussão. Critica abordagens psicológicas que atribuem o fracasso escolar quer a fatores intrínsecos à criança, como os biológicos, quer a fatores extrínsecos a ela, como os sociais, e afirma que ambas têm deixado de oferecer à escola, enquanto instituição organizada para promover a aprendizagem, diretrizes concretas para auxiliá-la a prevenir e tratar efetivamente o fracasso escolar. A partir daí, baseada na abordagem de Rosenthal quanto à tendência dos educadores em cumprir suas próprias profecias nem sempre suficientemente conscientes, a autora procura chamar a atenção para a importância das crenças e expectativas que os professores nutrem em relação ao futuro sucesso ou fracasso de seus alunos.

No Capítulo 22 (Capovilla, Macedo, & Capovilla, 2002a), intitulado Tecnologia para análise de emissões vocálicas em nomeação e leitura oral nas afasias e dislexias, os psicólogos Fernando C. Capovilla, Elizeu C. Macedo, e Alessandra G. S. Capovilla descrevem versões computadorizadas do Teste Boston para Diagnóstico Diferencial das Afasias e do Teste Boston de Nomeação. Ambas as versões apresentam as instruções com voz digitalizada, coletam as respostas orais por microfone e as motoras por tela sensível ao toque e mouse, fazem análise automática de resultados e produzem relatórios na forma de perfis de desempenho. Os autores descrevem também um programa para análise do grau de desenvolvimento e de integridade das rotas de leitura fonológica e lexical por meio da análise automática dos padrões temporais de emissão vocálica durante

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a leitura em voz alta. Trata-se de um software que oferece uma medida oroarticulatória do processamento cognitivo. Na rota fonológica a pronúncia é construída segmento a segmento pelo processo de decodificação grafofonêmica, enquanto que na rota lexical a pronúncia é resgatada como um todo a partir do léxico imediatamente após o reconhecimento visual direto da forma ortográfica da palavra. Portanto, a leitura pela rota fonológica é mais segmentada que aquela pela rota lexical. O software computa o número de segmentos locucionais e subtrai dele o número de segmentos ortográficos. A leitura escandida, que é típica da rota fonológica, tende a apresentar tantos segmentos locucionais na pronúncia quantos segmentos ortográficos (i.e., silábicos) na escrita. Já a leitura rápida, típica da rota lexical, tende a apresentar menos segmentos locucionais do que ortográficos (i.e., o número de picos de energia na pronúncia é menor que o número de sílabas da palavra). Assim, comparando o número de segmentos locucionais com o número de ortográficos (i.e., sílabas escritas), o software identifica se o padrão de leitura é fonológico ou lexical. Além disso, o software também computa a duração locucional e o tempo de reação locucional, já que estes parâmetros tendem a ser menores na leitura lexical do que na fonológica. Cruzando as evidências quanto aos três padrões temporais, o software identifica o padrão de leitura como sendo primordialmente fonológico ou lexical. Finalmente, o software também cruza esses padrões temporais com as características psicolingüísticas do item escrito. Ou seja, se o item constitui uma palavra ou pseudopalavra, se é uma palavra de alta freqüência de ocorrência no idioma ou baixa, se sua pronúncia é regular ou irregular em termos de relações grafofonêmicas, e se o item é extenso ou curto. As pseudopalavras só podem ser lidas pela rota fonológica pois elas não têm representação lexical e não podem ser reconhecidas de maneira visual direta. Já as palavras que são irregulares do ponto de vista grafofonêmico só podem ser lidas pela rota lexical, pois sua decodificação fonológica produziria um erro de regularização e a conseqüente forma fonológica seria irreconhecível. Assim, contrastando o desempenho frente a palavras irregulares e a pseudopalavras, o software faz checagem da validade interna de seus achados e propicia uma refinada validação de construto sobre as entidades nosológicas diagnosticadas, ou sobre o grau de

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desenvolvimento psicolingüístico das rotas de leitura. Os autores descrevem um experimento conduzido com crianças de 7 a 9 anos de idade, que mostra a passagem da rota fonológica para a lexical à medida que as crianças adquirem proficiência na leitura. Tal passagem é revelada por uma diminuição em todos os três parâmetros temporais (i.e., tempo de reação, duração e freqüência de segmentação), bem como por uma redução nos efeitos de regularidade grafofonêmica e de extensão (que indicam o processamento fonológico típico do estágio alfabético), e por um aumento nos efeitos de lexicalidade e freqüência de ocorrência da palavra no idioma (que indicam o processamento lexical típico do estágio ortográfico).

No Capítulo 23 (Santos, 2002), intitulado O papel da leitura e da escrita na terapia fonoaudiológica com sujeitos jargonafásicos, a fonoaudióloga Luciana C. L. F. dos Santos tenta, a partir de uma concepção discursiva de avaliação de linguagem, compreender de que mecanismos ou estruturas da língua uma paciente afásica se serve para produzir e interpretar sentidos, para significar, em sua fala repleta de jargões. Trata-se de um estudo de caso que relata sobre uma paciente de 52 anos que havia sido acometida por acidente vascular cerebral isquêmico um ano antes da coleta de dados, resultando em lesão no lobo parietal esquerdo. Aos três meses após a lesão, a paciente não se dava conta do seu jargão, nem de sua hemiparesia e hemiassomatognosia. No quarto mês desde a lesão, a paciente começou a recorrer a gestos expressivos, como balançar os ombros indicando descaso, a emitir gestos descritivos do contorno dos objetos, e a usar escrita pictorial e ideográfica como auxílio à comunicação, sendo que o jargão indiferenciado tendia a diminuir sempre que a paciente era levada a ler o que ela própria havia escrito.

No Capítulo 24 (Capovilla, Macedo, & Capovilla, 2002b), intitulado Usando testes computadorizados de competência de leitura silenciosa e em voz alta para mapear desenvolvimento de rotas de leitura, e testes de compreensão auditiva e de leitura para diagnóstico diferencial da dislexia, os psicólogos Fernando C. Capovilla, Elizeu C. Macedo, e Alessandra G. S. Capovilla descrevem uma versão computadorizada de um teste que contrasta a compreensão auditiva com a de leitura, bem como uma versão computadorizada de um teste de competência de leitura silenciosa. O objetivo do primeiro teste é de servir de avaliação inicial, em substituição ao WISC-III-R, de crianças

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em quem se suspeita a presença de distúrbio específico de aquisição de leitura. A lógica é a seguinte: Para afirmar que o problema é especificamente de leitura, é preciso demonstrar que a criança é capaz de entender o texto quando o ouve, mas não quando o lê. Se for esse o caso, demonstra-se que a dificuldade lingüística não é geral, mas é específica à leitura. A criança só será encaminhada para avaliação com WISC-III-R para determinar se o atraso é especificamente lingüístico ou mais generalizado (i.e., mental) se ela apresentar escores rebaixados em ambas as provas de compreensão (i.e., auditiva e de leitura). Contudo, se ela mostrar boa compreensão auditiva mas pobre compreensão de leitura, ela pode ser submetida a uma avaliação mais especificamente concentrada em leitura. O objetivo do segundo teste é precisamente este: Avaliar a habilidade de leitura em termos das estratégias empregadas pela criança: se logográfica, fonológica ou lexical. Isto permite aferir o estágio de desenvolvimento das rotas de leitura, isto é, se a criança ainda está no primeiro estágio (i.e., o logográfico), ou se está no segundo estágio (i.e., o alfabético em que se desenvolve a rota fonológica), ou se já chegou ao terceiro estágio (i.e., o ortográfico em que se desenvolve a rota lexical). O estágio em que se encontra a criança é revelado pelo seu padrão específico de erros nos vários subtestes. Por exemplo, se a criança estiver no estágio logográfico, ela não conseguirá identificar pseudopalavras com trocas visuais, já se estiver no estágio alfabético ela não conseguirá identificar pseudopalavras homófonas, e assim por diante. A resposta da criança a este teste de leitura silenciosa é, então, comparada à sua resposta no teste de leitura em voz alta, que é o terceiro teste apresentado neste capítulo. O cruzamento das informações de todos esses três testes permite a exploração sistemática do grau de desenvolvimento ou preservação dos mecanismos de processamento de leitura, e uma validação cruzada do diagnóstico diferencial para maior precisão e segurança do clínico e pesquisador.

Referências bibliográficas

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Capítulo 1

Diagnóstico diferencial das demências

Ivan Hideyo OkamotoNeurologista e Pós-graduandoUniversidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicinae-mail: [email protected]

As demências podem ser causadas por cerca de 70 tipos de doenças diversas, ocorrendo primariamente em fases mais tardias da vida, com uma prevalência de 1% aos 60 anos, dobrando a cada cinco anos até atingir 30% a 40% aos 85 anos (Kokmen, Beard, Offord, & Kurland, 1989).

O diagnóstico preciso das síndromes demenciais é importante para detectar causas possíveis de tratamento. Além disso, o diagnóstico apurado propicia ao clínico dar informações aos familiares sobre o curso e evolução da doença, facilitando o planejamento e preparo de todas as necessidades que a doença requer. Um outro motivo para melhora no diagnóstico das demências e da doença de Alzheimer, a maior causa de perda cognitiva no envelhecimento, é a sua importância na pesquisa clínica (estudos epidemiológicos e ensaios terapêuticos). Atualmente cerca de 4 milhões de americanos sofrem da doença de Alzheimer, e este número atingirá perto de 7 milhões de americanos no começo do século XXI, com um custo aproximado de 50 bilhões de dólares por ano em gastos diretos e indiretos com médicos, e custos de serviço social (Corey-Bloom, 1998).

O Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais (DSM-IV) da Academia Americana de Psiquiatria (1994) define o termo demência como uma síndrome (causada por diversas doenças) caracterizada pelo prejuízo de um nível de funcionamento intelectual

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previamente mais alto. O comprometimento envolve memória e outras áreas cognitivas (incluindo linguagem, orientação, habilidades construtivas, pensamento abstrato, resolução de problemas e praxias) e deve ser severo o suficiente para interferir no desempenho profissional ou social ou ambos, ou seja, um prejuízo funcional. Mudanças na personalidade e afeto são freqüentemente observadas, mas um nível normal de consciência está preservado, pelo menos até estádios mais severos da doença. Pessoas com dificuldade cognitiva, porém sem evidência de prejuízo funcional, não preenchem critério do DSM-IV para demência. Estes pacientes serão diagnosticados como apresentando “esquecimento benigno da senescência” ou “perda de memória associada à idade”, representando um diagnóstico diferencial ás demências, muito embora, alguns autores a considerem como fator de risco para as demências.

O diagnóstico clínico das demências passa por avaliação clínica e neurológica, incluindo o exame (teste) neuropsicológico, exames laboratoriais e diagnóstico por imagem, sendo que nas demências degenerativas primárias, o diagnóstico definitivo dar-se-á somente com confirmação anatomopatológica, muito embora a exatidão do diagnóstico clínico, quando comparado com o diagnóstico anatomopatológico, possa atingir 91,4% na DA e cerca de 85% na demência vascular. O diagnóstico definitivo ocorre apenas após a morte do paciente, uma vez que não é realizado o exame anatomopatológico (biópsia cerebral), como forma de investigação diagnóstica.

No Quadro 1 podemos observar as principais causas de síndrome demencial, em sua ordem de freqüência. Neste capítulo passaremos a discutir alguns aspectos das principais causas de demência.

Doença de Alzheimer (DA)

A doença de Alzheimer (DA) é a forma mais freqüente das síndromes demenciais, responsável por cerca de 50% a 70% das causas de demência (isolada ou em associação) em países industrializados (Kokmen, Beard, Offord, & Kurland, 1989).

O cérebro do paciente com doença de Alzheimer encontra-se

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atrofiado difusamente, mais acentuado em regiões temporais, frontais e parietais, quando observado macroscopicamente pós-morte. Ao exame microscópico, observar-se-á perda de neurônios e degeneração sináptica cortical. Além disso encontraremos dois tipos de lesões que são características da doença de Alzheimer: As placas senis (extracelulares) e os “novelos” neurofibrilares (intracelulares). Estas alterações histológicas parecem estar relacionadas com o declínio cognitivo observado na doença de Alzheimer (McKhann, Drachman, Folstein et. al., 1984).

Quadro 1. Causas freqüentes de síndromes demenciais (Corey-Bloom, 1996).

Doença de AlzheimerDemência por corpúsculos de LewyDoença de Alzheimer e demência vascular (demência mista)DepressãoDemência vascularDistúrbios metabólicosIntoxicação por drogasInfecçõesLesões estruturaisDemência secundária ao álcoolHidrocefalia de pressão normalDoença de ParkinsonDegeneração lobo frontotemporal

Há comprometimento principalmente da memória, da linguagem, das gnosias, das praxias e de funções executivas, que podem ser evidenciados por meio de testes neuropsicológicos, que além de servirem para diagnóstico, são úteis na evolução da doença de Alzheimer, uma vez que o curso da doença é, em média, cerca de dez anos de evolução.

A memória está comprometida precocemente, na forma de déficit de aprendizado de informações, a nível episódico, ou seja, o aprendizado de eventos e de pessoas está prejudicado. Outra marca da doença de Alzheimer é a dificuldade em resolver problemas do dia a dia e de planejar atividades corretamente (secundárias ao déficit de aprendizado de informações). Um déficit em evocar fatos e eventos, principalmente os adquiridos mais recentemente, também está

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presente, sendo proporcional ao prejuízo de aprendizado episódico, e pode ser percebido na dificuldade dos pacientes em reconhecer locais e a relação das pessoas e objetos com esses locais. Isso explica a confusão, precocemente notada nos indivíduos, quando têm de enfrentar mudanças rápidas de cena e locais (Damasio, Tranel, & Damasio, 1991).

A linguagem na doença de Alzheimer também está precocemente acometida, podendo ser notada na dificuldade em nomear objetos, análise de discurso, vocabulário, capacidade descritiva, e compreensão de leitura. A fala pode se tornar um pouco lenta, podendo haver perseveração, repetição de palavras e frases fora de contexto. Nas demais áreas cognitivas, as funções visoespaciais estão comprometidas no curso da doença, com os pacientes se perdendo, com desorientação espacial e dificuldade em manusear aparelhos complexos. As funções executivas podem estar comprometidas, porém parece não ocorrer em estágios iniciais da doença.

Os sintomas não cognitivos ou alterações de comportamento constituem um grande problema na doença de Alzheimer, porém freqüentemente são ignorados; muito embora produzam mais ansiedade nos cuidadores e causam muito mais institucionalização dos pacientes do que os déficits cognitivos. As alterações de comportamento variam desde uma progressiva passividade até uma marcante hostilidade e agressividade e podem surgir antes das dificuldades cognitivas na evolução da doença. Os delírios, comumente os delírios paranóides, afetam cerca de 50% dos pacientes com doença de Alzheimer, levando os pacientes a acusações de roubo, infidelidade conjugal e perseguição. Muitos dos pacientes com doença de Alzheimer desenvolvem perturbações do ciclo sono-vigília, alteração na alimentação (voracidade ou anorexia), mudanças no comportamento sexual (desinibição).

O tratamento da doença de Alzheimer envolve o controle destes sintomas de alteração de comportamento, com uso de antipsicóticos para os delírios e alucinações, uso de antidepressivos para os quadros depressivos, incluindo-se os tricíclicos e os inibidores seletivos de recaptação da serotonina, e os distúrbios de ciclo- sono-vigília com indutores de sono ou outras drogas associadas.

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Os distúrbios cognitivos na doença de Alzheimer têm sido o alvo principal da terapêutica farmacológica, com enfoque maior na neurotransmissão colinérgica. Atualmente em nosso país, estão disponibilizadas duas medicações que agem na inibição da acetilcolinesterase, a tacrina (tetrahidroaminoacridina) e a rivastigmina. Nos Estados Unidos uma outra droga, donepezil, que também age no sistema colinérgico, está sendo comercializada. Com maiores facilidades ou dificuldades, entenda-se efeitos colaterais e manutenção de dose, estas medicações apresentam um efeito discreto a moderado, muitas vezes se conseguindo uma estabilização do declínio cognitivo. Além disso, outras drogas como a fisostigmina, metrifonato, galantamina xanomelina têm sido testadas. Aqui salientamos que estas medicações são recentes, algumas ainda em fase de pesquisa, e que nosso tratamento deve ser criterioso. Em nosso serviço, o uso de rivastigmina ou donepezil têm sido criteriosamente empregado, principalmente nas fases iniciais da doença de Alzheimer.

O apoio de uma equipe multidisciplinar de profissionais no tratamento do doente, dos familiares e dos cuidadores, envolvendo médicos, psicólogos, enfermagem, fonoaudiólogas, nutricionistas, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, têm se mostrado de grande valia, pois há melhora no diagnóstico clínico, aderência a tratamento, redução de institucionalização, melhor compreensão da doença, com melhor programação e preparo para as fases mais tardias da doença de Alzheimer, e por conseguinte uma maior aceitação da doença.

Doença por corpúsculos de Lewy (DLB)

A demência por corpúsculos de Lewy corresponde á segunda causa mais freqüente de demência em alguns estudos (Mackeith, Galasko, Kosaka et al., 1996). A presença de corpúsculos de Lewy (corpúsculos eosinofílicos esféricos) no interior de neurônios distribuídos difusamente no córtex define o diagnóstico de doença por corpúsculos de Lewy, muito embora este diagnóstico anatomopatológico, na maioria das vezes, só ocorra após a morte do indivíduo, assim como na doença de Alzheimer.

O diagnóstico clínico de demência por corpúsculos de Lewy inclui um progressivo declínio cognitivo, que interfere nas atividades de vida diária do indivíduo. Além das alterações cognitivas, para um

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diagnóstico de doença por corpúsculos de Lewy, o paciente pode apresentar alucinações visuais recorrentes (em geral bem estruturadas e detalhadas) e alterações motoras de parkinsonismo (mais a forma rígido-acinética). A ocorrência de síncopes, quedas, perdas transitórias de consciência, e hipersensibilidade á neurolépticos reforçam um possível diagnóstico de doença por corpúsculos de Lewy. Uma das características em doença por corpúsculos de Lewy é a flutuação das funções cognitivas, havendo a possibilidade de o indivíduo alternar períodos (horas, dias ou semanas) de profundo déficit cognitivo com períodos de quase normalidade (Mackeith, Galasko, Kosaka, et al., 1996). Quando comparados com o exame anatomopatológico, o diagnóstico clínico pode atingir até 90% de sensibilidade e 97% de especificidade no diagnóstico de doença por corpúsculos de Lewy (Mackeith, Fairbairn, Bothwell et al., 1994).

Testes de exame mental podem confirmar a presença de alteração cognitiva, mas podem ser insuficientes para diferenciar doença por corpúsculos de Lewy de doença de Alzheimer e outras demências, necessitando de testes neuropsicológicos mais detalhados. A memória nem sempre está alterada de maneira persistente no início da doença, porém tornam-se evidentes com a evolução da doença. Os pacientes com doença por corpúsculos de Lewy estão particularmente comprometidos nos testes de evocação de memória, enquanto que na doença de Alzheimer parece haver prejuízo na aquisição e consolidação da memória. Outro indicadores neuropsicológicos no diagnóstico em doença por corpúsculos de Lewy são o mal desempenho nos testes de funções executivas e de resolução de problemas, com relativa preservação de funções em testes de desempenho visoespacial. Com o progredir da demência, estas diferenças podem perder-se, tornando difícil o exame clínico com a diferenciação com outras demências em estágio severo (Mackeith, Galasko, Kosaka et al., 1996).

O uso de inibidores de acetilcolinesterase em doença por corpúsculos de Lewy ainda se encontra em fase de pesquisa, com poucas respostas até o momento, muito embora o nível de colina acetiltransferase se encontre mais baixa em córtex cerebral de doença por corpúsculos de Lewy do que em doença de Alzheimer, indicando um possível embasamento teórico para este tratamento (Levy, Eagger, Griffths et al., 1994).

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A hipersensibilidade á neurolépticos em doença por corpúsculos de Lewy têm nos levado a utilizar muito pouco destes chamados neurolépticos típicos (halloperidol e thioridazida), nossa opção de tratamento têm sido o emprego de risperidona (atividade dopaminérgica e serotoninérgica), e carbamazepina, com algumas boas respostas no controle de alterações de comportamento (mais agitação e alucinações).

Demência Vascular (DV) e Demência Mista (DM)

Cerca de 5-10% dos pacientes com demência mostram evidência de doença cerebrovascular. Os sintomas aparecem quando determinado volume de tecido cerebral está infartado ou se pequenos infartos estão estrategicamente localizados. Os significados de outras alterações vasculares, como leukoaraiose (desmielinização de substância branca profunda), microinfartos corticais múltiplos e hipoperfusão cerebral não estão muito bem esclarecidos.

Características sugestivas de demência vascular como início súbito dos déficits em mais de uma função cognitiva, com uma difusa distribuição dos déficits e uma deterioração “em degraus” são o suficiente para um diagnóstico diferencial com doença de Alzheimer. O exame neurológico freqüentemente apresenta sinais neurológicos focais, como paresia de membro, exacerbação de reflexos tendíneos, alterações de marcha. Além disso, alterações afetivas e sintomas psicóticos, também são comuns em demência vascular, com depressão e alucinações muito prevalecentes nestes pacientes. Com o avanço da doença, incontinência emocional e paralisia pseudobulbar, podem surgir. Há história de acidentes vasculares cerebrais (AVCs) prévios, ataques isquêmicos transitórios (TIAs), e risco para acidentes vasculares cerebrais como hipertensão, doenças coronarianas e fibrilação atrial

O diagnóstico de demência vascular têm melhorado com a introdução de critérios clínicos e de técnicas de neuroimagem capazes de demonstrar lesões isquêmicas, porém ainda com menor grau de especificidade e sensibilidade das usadas em doença de Alzheimer. Quando comparados com o diagnóstico anatomopatológico, o diagnóstico clínico para demência vascular varia de 25-85%.

A coexistência de doença de Alzheimer e demência vascular,

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chamada demência mista (DM), é vista em 10% dos pacientes com demência, e complica o diagnóstico diferencial entre doença de Alzheimer e demência vascular. Embora alguns métodos tenham sido propostos para distinguir clinicamente entre doença de Alzheimer e demência vascular, quando características de ambas estão presentes, é muito difícil separar clinicamente onde uma doença , ou ambas, contribuem para a presença da demência. Apesar do escores isquêmicos terem algum sucesso para diferenciar doença de Alzheimer e demência vascular, eles falham em separar demência mista dos casos de demência vascular (Corey-Bloom, 1998).

Demências Frontotemporais (DFT)

A doença de Pick e outras demências Frontotemporais (DFT) são caracterizadas por apresentarem alteração em funções executivas (iniciativa, atingir objetivo, planejamento), com comportamento apático ou de desinibição. O desempenho em testes de screening cognitivo, como o Mini-Exame do Estado Mental (MEM), pode ser normal ou com mínimo déficit. Muitos pacientes têm dificuldade em aceitar estas mudanças de ,e por vezes negam a existência de problemas. Critérios clínicos têm sido publicados para demências frontotemporais, e cada vez mais utilizados para o diagnóstico (The Lund & Manchester Group, 1994). Clinicamente, o termo doença de Pick é mais apropriado para pacientes com maiores alterações de linguagem (Geldmacher & Whitehouse, 1997).

Demência por distúrbios metabólicos

As demências têm diversas causas que podem ser tratadas, incluindo hipotireoidismo, deficiência de vitamina B12, vasculite cerebral, neurossífilis e vírus de imunodeficiência humana (HIV), e suas complicações. Estas causas raramente ocasionam déficits corticais superiores, como apraxia, afasia, acalculia e agnosia, que são freqüentes em doença de Alzheimer. O comprometimento de memória pode não ser distinguível na avaliação neuropsicológica. Ainda raramente, algumas apresentações clínicas podem auxiliar no diagnóstico diferencial das causas reversíveis de demência, por exemplo, depressão, irritabilidade e lentificação no hipotireoidismo,

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ou sintomas psiquiátricos, mielopatia e neuropatia na deficiência de vitamina B12. Assim sendo, é de grande importância a investigação laboratorial destas causas tratáveis, diante de um paciente com queixa de alteração cognitiva e/ou alteração de comportamento (Geldmacher & Whitehouse, 1997).

Hidrocefalia de pressão compensada ou normal (HPN)

A hidrocefalia de pressão compensada ou normal é caracterizada por alteração de marcha, incontinência urinária, e declínio cognitivo, em geral aparecendo nesta ordem (Geldmacher & Whitehouse, 1997). Os sintomas cognitivos incluem lentificação psicomotora, dificuldade em concentração, e leves alterações de memória. Sintomas corticais focais, como afasia, apraxia e agnosia são raros, assim como as psicoses. O tratamento é a derivação ventrículo peritoneal, entretanto nem todos os pacientes melhoram da maneira esperada. O tap-test (punções repetidas e seriadas de líquido cefalorraquidiano) positivo tem sido sugerido como melhor preditor ao sucesso do tratamento com derivação ventrículo peritoneal (Vanneste, Augustijn, Davies, Dirven, & Tan, 1992).

Doença de Parkinson (DP)

Muitos pacientes com doença de Parkinson idiopática desenvolvem alterações cognitivas, com alguns estudos indicando cerca de 65% dos pacientes com doença de Parkinson apresentando demência. Pacientes mais velhos e com história familiar de demência parecem ter um risco maior de desenvolver demência com doença de Parkinson.

As alterações visoespaciais são comuns na doença de Parkinson, e déficits de função executiva, similares às demências frontotemporais, têm sido descritas. Estas alterações cognitivas ocorrem mesmo em testes que se controla as dificuldades motoras que estes pacientes apresentam. Mudanças psiquiátricas também ocorrem, particularmente depressão, que pode afetar quase 90% dos pacientes com doença de Parkinson, além de delírios e alucinações. O tratamento com agentes dopaminérgicos podem exacerbar os delírios e as alucinações (Geldmacher & Whitehouse, 1997).

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Capítulo 2

Etiologia, avaliação e intervenção em dislexia do desenvolvimento 1

Alessandra G. S. Capovilla Psicóloga, Mestre, Doutora e Pós-Doutora pela Universidade de São PauloOrientadora do Doutorado em Psicopedagogia, Universidade de Santo AmaroPesquisadora Associada do Laboratório de Neuropsicolingüística CognitivaUniversidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Fernando C. CapovillaPsicólogo, Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília Ph.D. em Psicologia Experimental pela Temple University of PhiladelphiaLivre Docente em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de São PauloProfessor Associado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Os distúrbios de leitura e escrita atingem de forma severa cerca de 10% das crianças em idade escolar. Se forem considerados também os distúrbios leves, este percentual chega a 25% (Piérart, 1997). Logo, uma das tarefas mais freqüentes de psicólogos, fonoaudiólogos e psicopedagogos é a avaliação de distúrbios de leitura. É essencial, portanto, que o profissional conheça os vários tipos de distúrbios de leitura, que possa conduzir o diagnóstico diferencial entre eles e que, com base neste diagnóstico, realize a intervenção apropriada.

Uma primeira distinção importante a ser feita é aquela entre os problemas gerais de simbolização e os problemas específicos de linguagem. No primeiro caso, as dificuldades não se restringem ao uso das linguagens oral e escrita, mas abrangem qualquer tipo de 1 Apoio: CNPq e FAPESP.

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simbolização. Podem estar presentes problemas com o raciocínio abstrato de forma geral, incluindo as habilidades não-verbais. Por outro lado, nos distúrbios específicos de linguagem, as dificuldades são restritas à linguagem e não são observadas nas tarefas não-verbais. Tais distúrbios envolvem todos os tipos de linguagem usados pelo indivíduo, incluindo a linguagem oral, a linguagem escrita e a linguagem de sinais, no caso de surdos sinalizadores.

O distúrbio específico de linguagem, por sua vez, é distinto do distúrbio específico de leitura. Neste último quadro, as dificuldades não são observadas em relação à linguagem oral, mas são restritas à linguagem escrita. Assim, as habilidades relacionadas à compreensão de informação oral estão preservadas, tais como a compreensão de vocabulário, a análise sintática e o uso do contexto, entre outras (Lecocq, 1991). Apenas as habilidades próprias da linguagem escrita encontram-se prejudicadas. Ou seja, o indivíduo é capaz de compreender a informação quando a ouve, mas não quando a lê. Somente neste caso o distúrbio pode ser considerado como específico à leitura (Braibant, 1997).

Conforme colocado por Grégoire (1997), o distúrbio específico de leitura é geralmente chamado de dislexia nos países de língua francesa e de distúrbio de leitura (reading disability) nos países de língua inglesa. Apesar das divergências quanto ao nome da síndrome, há uma razoável concordância sobre sua definição. Segundo a World Federation of Neurologists (1968), dislexia do desenvolvimento é o distúrbio em que a criança, apesar de ter acesso à escolarização regular, falha em adquirir as habilidades de leitura, escrita e soletração que seriam esperadas de acordo com seu desempenho intelectual. Segundo a definição do National Institute of Health americano, a dislexia é “um dos vários tipos de distúrbios de aprendizagem. É um distúrbio específico de linguagem de origem constitucional e caracterizado por dificuldades em decodificar palavras isoladas, geralmente refletindo habilidades de processamento fonológico deficientes. Essas dificuldades em decodificar palavras isoladas são freqüentemente inesperadas em relação à idade e outras habilidades cognitivas e acadêmicas, elas não são resultantes de um distúrbio geral do desenvolvimento ou de problemas sensoriais.” (Orton Dyslexia So-ciety, 1995, p. 2).

Para diagnosticar a dislexia, deve ser excluída a presença de

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alguns outros distúrbios. Segundo Tallal et al. (1997), a dislexia caracteriza-se por um distúrbio na linguagem expressiva e/ou receptiva que não pode ser atribuído a atraso geral do desenvolvimento, distúrbios auditivos, lesões neurológicas importantes (como paralisia cerebral e epilepsia) ou distúrbios emocionais.

Atualmente, com os avanços da neurociência cognitiva, é possível compreender os aspectos neurológicos e cognitivos que subjazem aos padrões comportamentais encontrados na dislexia. Torna-se possível, portanto, estabelecer a relação entre cérebro, mente e comportamento, permitindo não somente uma compreensão teórica mais abrangente da dislexia, mas também uma atuação prática mais eficaz. Segundo Frith (1997), a dislexia pode ser compreendida como sendo resultante de uma interação entre aspectos biológicos, cognitivos e ambientais que não podem ser separados uns dos outros.

Conforme a explanação de Frith, num primeiro momento condições biológicas (como os aspectos genéticos), em interação com condições ambientais (como a exposição a toxinas ou a baixa qualidade da nutrição da mãe durante a gestação), podem ter efeitos adversos sobre o desenvolvimento cerebral, predispondo o indivíduo a distúrbios do desenvolvimento. Num segundo momento, este desenvolvimento neurológico não usual pode levar a sutis alterações no funcionamento cognitivo. Num terceiro momento, esta alteração cognitiva poderá levar a padrões específicos de desempenho comportamental. Tais padrões poderão ou não consistir em problemas de leitura e escrita, dependendo de fatores ambientais como o tipo de ortografia e o tipo de instrução ao qual a criança está exposta. A adaptação da criança diante desses problemas de leitura e escrita também dependerá de outros fatores, como motivação, relações afetivas, habilidades intelectuais gerais, idade e condições sociais.

Torna-se claro, portanto, que todos os fatores envolvidos na dislexia interagem entre si. Nenhum deles consiste em um fator causal direto da dislexia, ou seja, nenhum deles isoladamente é a causa única da dislexia. Somente com uma junção de diversos fatores é que o quadro disléxico torna-se evidente. Por exemplo, certas alterações neurológicas podem afetar o desenvolvimento cerebral (fator neurológico) e, consequentemente, prejudicar o processamento fonológico (fator cognitivo). Mas tais alterações somente levarão ao

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quadro disléxico se o indivíduo estiver exposto a uma ortografia alfabética, isto é, a uma ortografia que mapeie a fala no nível fonêmico (fator ambiental), pois, neste caso, o processamento fonológico é essencial à aquisição da leitura e da escrita. Se este indivíduo, com as mesmas alterações neurológicas e cognitivas, estiver exposto a uma ortografia ideomorfêmica (como o chinês, por exemplo), provavelmente ele não apresentará maiores dificuldades na aquisição de leitura e escrita, visto que em tais ortografias o processamento fonológico é menos importante e a maior demanda está sobre o processamento visual.

A seguir serão abordados mais detalhadamente cada um dos três aspectos que podem interagir levando à dislexia: Os aspectos biológicos (incluindo os genéticos e os neurológicos), os cognitivos e os ambientais.

Aspectos genéticos

Há fortes evidências de que a dislexia é, ao menos em parte, devida a influências genéticas (DeFries, Alarcón & Olson, 1997). Tais evidências provêm, em grande parte, das pesquisas com gêmeos. Nestas pesquisas participam pares de gêmeos monozigóticos (idênticos) e dizigóticos (fraternos), e é calculada a taxa de concordância de dislexia entre os pares, ou seja, a porcentagem de pares em que, se um dos irmãos gêmeos apresenta dislexia, o outro irmão também apresenta. Se a taxa de concordância for maior entre os gêmeos monozigóticos do que entre os dizigóticos, isto corroborará a importância do fator genético na dislexia. Isto porque os gêmeos monozigóticos são idênticos geneticamente, enquanto os gêmeos dizigóticos compartilham apenas cerca de 50% dos genes. Logo, uma concordância maior entre os monozigóticos sugeriria fortemente que a dislexia tem uma causa genética importante.

No estudo de Bakwin (1973), foram avaliados 31 pares de gêmeos idênticos (monozigóticos) e 31 pares fraternos (dizigóticos). A taxa de concordância foi de 91% nos gêmeos idênticos e de 54% nos gêmeos fraternos. Ou seja, entre os gêmeos monozigóticos houve uma concordância muito maior do que entre os dizigóticos.

Num estudo mais controlado e abrangente conduzido por

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DeFries, Alarcón e Olson (1997), os resultados seguiram a mesma tendência. Foram avaliados 195 pares de gêmeos idênticos e 145 pares fraternos. A taxa de concordância foi de 67% nos gêmeos idênticos e de 37% nos gêmeos fraternos. Análises de regressão mostraram que, em gêmeos jovens (i.e., com idades inferiores a 11 anos e seis meses), influências hereditárias explicavam 61% do distúrbio. Em pares de gêmeos mais velhos (idades entre 11 anos e seis meses e 20 anos e dois meses), influências hereditárias explicavam 49% do distúrbio. Ou seja, a influência da hereditariedade foi bastante forte e significativa em diferentes idades, apesar de mostrar-se menos evidente em crianças mais velhas, provavelmente devido à maior influência de outros fatores, pessoais e ambientais, como inteligência geral, motivação, condições socioeconômicas e apoio profissional.

Aspectos neurológicos

Diversos estudos têm mostrado alterações nos cérebros de indivíduos disléxicos (Galaburda, 1993; Hynd & Hiemenz, 1997). Apesar de não se poder afirmar que tais alterações causam diretamente a dislexia, é possível relacionar os padrões de alteração cerebral com os padrões cognitivos e comportamentais observados na dislexia.

Algumas das principais alterações encontradas são as polimicrogirias (excesso de pequenos giros no córtex), as displasias corticais (desenvolvimento cerebral anormal), as anormalidades citoarquitetônicas (problemas no arranjo das células no córtex), as alterações na distribuição das fissuras e giros corticais, especialmente na região perissilviana esquerda, e alterações no tamanho do plano temporal (Hynd & Hiemenz, 1997). Esta última alteração será abordada mais detalhadamente a seguir.

O plano temporal é uma região localizada no lobo temporal de ambos os hemisférios cerebrais, esquerdo e direito. O plano temporal esquerdo localiza-se na região de Wernicke, que está relacionada ao processamento fonológico e, mais especificamente, à compreensão da fala e da escrita. Na maior parte das pessoas os tamanhos dos planos temporais são assimétricos, sendo maior o plano temporal do hemisfério dominante para a linguagem (geralmente o esquerdo). Ou seja, o plano temporal esquerdo é normalmente maior que o direito. Este padrão é denominado assimetria do plano temporal.

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De fato, entre os indivíduos não disléxicos, 70% têm os planos temporais assimétricos, com o plano temporal esquerdo maior que o direito. Porém, entre os disléxicos, somente cerca de 30% apresentam tal assimetria (Hynd & Hiemenz, 1997). Os demais 70% apresentam simetria (planos temporais com o mesmo tamanho) ou assimetria reversa (plano temporal direito maior que o esquerdo). A definição do tamanho dos planos temporais ocorre entre o quinto e o sétimo mês de gestação. Portanto, esta alteração nos disléxicos é congênita, podendo ocorrer devido a influências genéticas ou traumáticas. A simetria do plano temporal não é um fator diagnóstico da dislexia, visto que alguns indivíduos não disléxicos também apresentam este padrão. Porém, a simetria é um fator de risco, especialmente quando ocorre simultaneamente com outras alterações genéticas ou anormalidades neurológicas.

É interessante observar que esta alteração neurológica está relacionada a padrões cognitivos observados na dislexia. Estudos de ressonância magnética funcional (Larsen et al., 1990; Morgan et al., 1996) confirmam os achados de que os planos temporais são simétricos em 70% dos disléxicos e correlacionam a simetria nos planos temporais com os distúrbios de processamento fonológico.

Em um estudo com imagem cerebral (Paulesu et al., 1996), foram avaliados indivíduos adultos não disléxicos e disléxicos compensados (i.e., disléxicos que conseguiram alcançar um desenvolvimento esperado em provas formais de leitura). Todos os participantes foram avaliados em provas de memória visual e verbal. Na prova de memória visual, cada participante devia julgar se uma figura (um caractere coreano) havia sido apresentada numa série prévia de seis figuras. Na prova de memória verbal, eles deviam julgar se uma letra havia sido apresentada numa série prévia de seis letras. Apesar de todos os estímulos serem apresentados visualmente, o tipo de processamento cognitivo requerido por cada prova era diferente. A tarefa de memória verbal envolvia o sistema fonológico, visto que os participantes ensaiavam subvocalmente os nomes das letras para responderem à questão. Já na tarefa de memória visual, a nomeação encoberta não era possível, pois as figuras não eram conhecidas dos participantes; logo, a tarefa exigia exclusivamente o processamento visual.

Enquanto os participantes realizavam as provas, eles eram

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expostos ao PET scan (tomografia por emissão de pósitrons), que permite verificar qual área do cérebro está sendo ativada numa determinada tarefa, por meio da análise do fluxo sangüíneo.

Os resultados mostraram que, na tarefa de memória visual, houve uma ativação similar entre os disléxicos e os não disléxicos. Porém, na tarefa de memória verbal, a ativação foi diferentes entre os dois grupos. Os indivíduos não disléxicos ativaram as áreas de Wernicke (responsável pela compreensão da fala), Broca (produção da fala), ínsula (repetição da fala) e lobo parietal inferior (importante para a evocação de seqüências fonológicas). Por outro lado, os indivíduos disléxicos mostraram um padrão bastante diferente: Houve menor ativação de todas estas áreas, e nenhuma ativação da ínsula. Isto sugere que os disléxicos apresentam severa dificuldade em evocar sons de fala internamente, bem como em analisá-los e compará-los. Esta disfunção cerebral é condizente com os problemas de processamento fonológico presentes na dislexia.

Aspectos cognitivos

Diversas habilidades cognitivas têm sido apontadas como causas da dislexia, como o processamento visual, o processamento fonológico, a memória de trabalho, a velocidade de processamento, entre outros (Capovilla & Capovilla, 2000). Entretanto, a teoria mais aceita atualmente é a Hipótese do Déficit Fonológico. Segundo esta teoria, as anormalidades cerebrais na região perissilviana do hemisfério esquerdo levariam às dificuldades cognitivas no processamento fonológico, ou seja, no processamento de informação baseada na estrutura fonológica da linguagem oral. Tais dificuldades de processamento fonológico levariam aos problemas em leitura e escrita observados na dislexia (Frith, 1997).

A hipótese de um distúrbio fonológico subjacente à dislexia é corroborada pelas evidências de que os disléxicos apresentam menor velocidade e precisão de nomeação que os normoléxicos, têm dificuldades em tarefas de memória verbal, de repetição de pseudopalavras e de consciência fonêmica (i.e., de segmentação da fala em fonemas e manipulação destes fonemas). Segundo Frith (1997), há 3 evidências que reforçam a hipótese de distúrbios fonológicos subjacentes à dislexia: A persistência de tais distúrbios,

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sua universalidade e sua especificidade. Os distúrbios de processamento fonológico são persistentes: É

possível observar tais distúrbios nos disléxicos desde muito cedo, e eles permanecem mesmo quando os indivíduos conseguem alcançar níveis de leitura e escrita adequados. Já aos dois anos de idade é possível detectar alguns sinais de problemas fonológicos, como o desenvolvimento rebaixado de vocabulário e de sintaxe (Scarborough, 1990). Aos três anos, outros sinais podem estar presentes, como dificuldades em repetir pseudopalavras, em lembrar rimas, em detectar e corrigir erros em rimas, e menor vocabulário (Frith, 1997). Tais dificuldades estão presentes apesar da articulação e das habilidades não-verbais apresentarem, geralmente, um desenvolvimento adequado.

As dificuldades fonológicas subjacentes à dislexia, que surgem tão cedo, persistem na vida adulta, e podem ser observadas em tarefas que envolvam a manipulação de fonemas como os trocadilhos (inverter os fonemas iniciais de duas palavras) e a fluência verbal (dizer o máximo de palavras começadas com determinada letra em um período limitado de tempo). Mesmo quando os testes formais de leitura e escrita não distinguem entre disléxicos compensados e não disléxicos, os testes de manipulação fonêmica e fluência verbal distinguem (Gallagher et al., 1996). Ou seja, os problemas fonológicos subjacentes às dificuldades de leitura e escrita permanecem, mesmo quando as habilidades de ler e escrever encontram-se dentro dos escores normais.

Além da persistência, outra característica do distúrbio fonológico é a universalidade. É esperado que este distúrbio ocorra em indivíduos expostos a todas as línguas, visto que alterações causais neurológicas, genéticas e cognitivas independem da língua falada em cada região. De fato, há relatos de distúrbios fonológicos em diversos países. Porém, a conseqüência que este distúrbio tem sobre a aquisição de leitura e escrita difere em função do tipo de ortografia. Assim, em ortografias que mapeiam a fala no nível silábico (como o kana japonês) ou no nível morfêmico (como o chinês), a demanda sobre o processamento fonológico é menor e, portanto, o distúrbio fonológico tem poucas implicações sobre a aquisição da linguagem escrita. Mas em ortografias alfabéticas como o português e o inglês, a demanda sobre o processamento fonológico é muito grande e, portanto, as

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conseqüentes dificuldades em leitura e escrita são bastante expressivas.

Um último aspecto do distúrbio fonológico é a especificidade. As dificuldades são restritas às habilidades que implicam no processamento fonológico. Logo, os problemas com leitura e escrita tendem a ser inesperados diante de outras habilidades, como a inteligência geral e o processamento não verbal.

Aspectos ambientais

As alterações neurológicas e cognitivas podem levar a determinados padrões de processamento de informação, com dificuldades específicas em determinados tipos de processamento. Tais dificuldades poderão levar a distúrbios de leitura e escrita dependendo de alguns aspectos ambientais, como o tipo de ortografia e o método de alfabetização.

Dependendo da demanda requerida pela ortografia à qual a criança está exposta, a alteração cognitiva pode ou não prejudicar a aquisição da linguagem escrita. As demandas são diferentes porque as ortografias variam no tipo de mapeamento da fala. Há ortografias alfabéticas transparentes (e.g., espanhol, alemão, italiano), que mapeiam a fala no nível fonêmico e cuja relação entre letras e sons é bastante regular. Há ortografias alfabéticas opacas (e.g., inglês, francês), que também mapeiam a fala no nível fonêmico, mas cuja relação entre letras e sons é muito irregular. Há ortografias silábicas (e.g., o silabário japonês kana), que mapeiam a fala no nível silábico. Finalmente, há ortografias ideográficas (e.g., chinês), que mapeiam a fala no nível morfêmico (palavras ou morfemas). O português é uma ortografia alfabética razoavelmente transparente, apesar de possuir maior número de irregularidades que o alemão, o espanhol e o italiano.

Visto que as ortografias mapeiam a fala de diversas formas e, portanto, demandam habilidades cognitivas específicas dos leitores, é esperado que diferentes distúrbios estejam subjacentes aos problemas de leitura e escrita em diferentes ortografias. Estudos com ortografias alfabéticas de diferentes graus de transparência revelam que, de fato, o tipo de ortografia influi na expressão do funcionamento cognitivo.

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Por exemplo, crianças disléxicas da língua inglesa, quando comparadas a crianças-controle de mesmo nível de leitura, apresentaram dificuldades em rimas, aliterações e fonemas. Porém, não houve diferença significativa entre disléxicos e não disléxicos em tarefas de consciência silábica. Este padrão é previsível visto que, no inglês, a unidade mais saliente é a rima (Goswami, 1997). Assim, para aprender o inglês escrito, a criança tende a associar as unidades fonológicas no nível da rima com as unidades ortográficas correspondentes. Logo, se a criança tiver dificuldades no processamento fonológico no nível da rima, ela provavelmente terá dificuldades na aquisição da linguagem escrita, pois não conseguirá segmentar a fala em rimas e converter tais segmentos em conjuntos de letras.

Em idiomas cujas ortografias são mais transparentes, a unidade fonológica mais saliente tende a ser o fonema. Logo, é esperado que dificuldades fonêmicas estejam subjacentes a problemas de leitura em tais idiomas, mas não dificuldades em outros níveis, como rimas e sílabas. As pesquisas têm confirmado tal hipótese. Crianças disléxicas holandesas, quando comparadas a crianças-controle de mesmo nível de leitura, apresentaram dificuldades apenas em fonemas. Elas não apresentaram dificuldades em rimas, aliterações ou sílabas, e esta dificuldade fonêmica permanece mesmo nos disléxicos adultos (De Gelder & Vrooman, 1991). O mesmo ocorre com crianças disléxicas alemãs (Wimmer, 1993). Quando comparadas a crianças-controle de mesmo nível de leitura, elas apresentam dificuldades apenas em fonemas (Wimmer, 1993). Tanto o holandês quanto o alemão são ortografias bastante transparentes e, em ambos, a unidade fonológica mais saliente é o fonema.

Portanto conclui-se que, em ortografias alfabéticas transparentes, os disléxicos apresentam basicamente dificuldades fonêmicas. Segundo Goswami (1997), as ortografias transparentes são mais facilmente aprendidas pelos disléxicos do que as ortografias opacas, provavelmente porque esta transparência promove um desenvolvimento mais sistemático da consciência fonêmica. Em ortografias transparentes, o código grafofonêmico é mais rapidamente desenvolvido e sua aplicação promove maior sucesso do que em ortografias irregulares, facilitando a aquisição e o domínio da linguagem escrita. Tais estudos mostram claramente a influência da

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ortografia sobre o desempenho das crianças, numa interação indissociável com as características neurológicas e cognitivas.

Tipos de dislexia: Corroborando a importância do processamento fonológico

As dislexias podem ser divididas em dislexias adquiridas e dislexias do desenvolvimento. Nas dislexias adquiridas, a perda da habilidade de leitura é devida a uma lesão cerebral específica e ocorre após o domínio da leitura pelo indivíduo. Nas dislexias do desenvolvimento, ao contrário, não há uma lesão cerebral evidente, e a dificuldade já surge durante a aquisição da leitura pela criança. A divisão clássica dos tipos de dislexia foi feita com base nos quadros de dislexia adquirida, e baseiam-se em qual etapa do processamento de informação está afetada (Morais, 1995). Para tanto, é usado o modelo de duplo processamento de leitura (Ellis & Young, 1988; Frith, 1985; Morton, 1989). De acordo com o modelo, há basicamente duas rotas para a leitura, a fonológica e a lexical.

Na rota fonológica, a pronúncia da palavra é construída por meio da aplicação de regras de correspondência grafo-fonêmica, ou seja, entre letras e sons. O acesso ao significado é alcançado posteriormente, quando a pronúncia da palavra (i.e., sua forma fonológica) ativa o sistema semântico. Logo, na rota fonológica a pronúncia é construída por meio da conversão de segmentos ortográficos em fonológicos, e o acesso ao significado, caso ocorra, é alcançado mais tarde, pela mediação da forma auditiva da palavra. À medida que o leitor se torna mais competente, o processo de conversão de segmentos ortográficos em fonológicos torna-se progressivamente mais automático, e usa maiores seqüências de letras como unidades de processamento.

A rota lexical faz uso de um processo visual direto para a leitura, mas somente pode ser empregada quando o item a ser lido tem sua representação ortográfica pré-armazenada no léxico mental ortográfico. Na leitura por esta rota, o item é reconhecido visualmente e suas formas ortográficas (i.e., morfemas e palavras) são ativadas. A forma ortográfica ativa sua representação semântica antes de ativar a forma fonológica. Ou seja, nesta rota a pronúncia é obtida a partir do reconhecimento visual do item escrito, e o leitor tem acesso ao

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significado daquilo que está sendo lido antes de emitir a pronúncia propriamente dita. Maiores detalhes sobre as rotas de leitura e os diferentes tipos de processamento da informação escrita podem ser encontrados em Capovilla e Capovilla (2000).

Com base nas etapas do processamento da informação escrita ao longo das rotas de leitura, foram delimitados os tipos de dislexia. Os principais quadros são:

Dislexia visual: Há distúrbios na análise visual das palavras. Os erros de leitura mostram uma semelhança visual entre a escrita da palavra pronunciada e a da palavra alvo. Por exemplo, diante de “bandagem” ler “bobagem”.

Dislexia de negligência: Os distúrbios também estão no sistema de análise visual, e o leitor consistentemente ignora partes das palavras, geralmente deixando de ler a parte inicial.

Leitura letra a letra: Há distúrbios no reconhecimento global de palavras, ou seja, no processamento paralelo das letras. A leitura é feita corretamente somente após a soletração (em voz alta ou não) de cada letra. Há dificuldade com letras cursivas, pois a separação das letras é menos evidente, sendo mais fácil ler palavras escritas em letra de fôrma.

Dislexia atencional: Há dificuldades na codificação das posições das letras nas palavras, mas a identificação paralela das letras está preservada. Assim, pode haver migrações de letras dentro de uma mesma palavra ou, principalmente, de uma palavra a outra durante a leitura de frases.

Dislexia fonológica: Há dificuldades na leitura pela rota fonológica, que faz uso do processamento fonológico. Porém, a leitura visual direta pela rota lexical está preservada. Logo, há dificuldades na leitura de pseudopalavras e palavras desconhecidas, mas a leitura de palavras familiares é adequada. Representa cerca de 67% dos quadros disléxicos (Boder, 1973).

Dislexia morfêmica ou semântica: Há dificuldades na leitura pela rota lexical, sendo a leitura feita principalmente pela rota fonológica. Logo, há dificuldades na leitura de palavras irregulares e longas, com regularizações. Representa cerca de 10% dos quadros disléxicos.

Esta divisão das dislexias adquiridas tem sido aplicada às

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dislexias do desenvolvimento, especialmente a distinção entre a dislexia fonológica e a dislexia morfêmica, ou seja, o distúrbio na rota fonológica e o distúrbio na rota lexical (Stanovich, Siegel, & Gottardo, 1997). Porém, os achados mais recentes sobre os tipos de dislexia têm sido mais negativos que positivos, ou seja, há cada vez menos evidências de que as dislexias do desenvolvimento tenham, de fato, diferentes tipos com padrões de leitura distintos entre si. Ao contrário, as pesquisas têm sugerido que as dislexias do desenvolvimento caracterizam-se, basicamente, pelos distúrbios na leitura fonológica, e não pelos distúrbios na leitura lexical. A dislexia morfêmica seria mais o resultado de um atraso geral da leitura do que de um padrão desviante. Será abordado, a seguir, um dos estudos que confirmam tal suposição.

Stanovich, Siegel, e Gottardo (1997) avaliaram 68 crianças disléxicas em tarefas de leitura de palavras irregulares (i.e., com relações entre letra e som imprevisíveis, como táxi) e de pseudopalavras. Enquanto a leitura de palavras irregulares só pode ser feita corretamente pela rota lexical, a leitura de pseudopalavras só pode ser feita corretamente pela rota fonológica. Com base nos resultados, as crianças foram divididas em três grupos: Disléxicas fonológicas (que apresentavam pobre leitura de pseudopalavras mas boa leitura de palavras irregulares), disléxicas morfêmicas (boa leitura de pseudopalavras mas pobre leitura de palavras irregulares) e disléxicas mistas (leitura similar em ambas as tarefas).

Tais crianças foram, então, comparadas a 44 crianças-controle não disléxicas. Ambos os grupos tinham o mesmo nível de leitura, ou seja, foi controlado o efeito da exposição à leitura e as possíveis conseqüências que tal exposição poderia ter sobre o desenvolvimento cognitivo das crianças. Assim, enquanto as crianças disléxicas freqüentavam a terceira série, as crianças não disléxicas freqüentavam da primeira à segunda série.

Quando os resultados das crianças disléxicas foram comparados aos resultados das crianças não disléxicas com mesmo nível de leitura, mas idade cronológica inferior, foi observado que:

Os disléxicos morfêmicos apresentaram um padrão de leitura bastante similar ao padrão das crianças-controle mais novas em idade cronológica, mas com mesmo nível de leitura. Ou seja, os

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disléxicos morfêmicos tinham mais um atraso na leitura do que um desvio;

Os disléxicos fonológicos apresentaram, de fato, um padrão desviante. Seus desempenhos não foram similares aos de crianças mais jovens. Ao contrário, enquanto sua leitura lexical foi significativamente superior à do grupo controle mais jovem, sua leitura fonológica foi significativamente inferior. Ou seja, apesar do escore geral ter sido o mesmo entre o grupo controle e o grupo de disléxicos fonológicos, a distribuição dos escores foi diferente.Além do desempenho em leitura, os disléxicos morfêmicos

apresentaram desempenhos semelhantes ao grupo controle mais jovem em habilidades de consciência fonológica, processamento sintático e memória de trabalho. Por outro lado, os disléxicos fonológicos tiveram desempenhos rebaixados em relação às crianças de mesmo nível de leitura nestas três habilidades.

Este estudo sugere, portanto, que a dislexia fonológica é, realmente, um padrão desviante de leitura, enquanto a dislexia morfêmica parece ser mais um atraso na leitura, apresentando um padrão consistente com um nível de leitura menos desenvolvido. Os disléxicos fonológicos parecem ter, na verdade, um processamento fonológico alterado, que não pode ser simplesmente devido à falta de exposição à leitura.

Outro achado do estudo é que grande parte dos disléxicos apresenta um perfil misto, isto é, apresentam dificuldades significativas em ambas as rotas fonológica e lexical. Porém, essa proporção de disléxicos mistos é maior com crianças jovens (27,9%) do que com crianças mais velhas (9,8%), sendo que os disléxicos jovens mistos podem evoluir para disléxicos fonológicos quando mais velhos. Tal evolução provavelmente ocorre porque essas crianças conseguem desenvolver habilidades de leitura lexical, com estratégias de reconhecimento visual, diminuindo portanto suas dificuldades com palavras irregulares de alta freqüência.

Avaliação da dislexia

A avaliação do indivíduo disléxico deve ser tanto qualitativa

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quanto quantitativa. A avaliação qualitativa deve abranger entrevistas com os pais ou responsáveis e com a criança, observação clínica, e análise de relatos e de registros escolares. Conforme diretrizes da British Dyslexia Association, a avaliação qualitativa deve incluir a observação de sinais que podem indicar a dislexia. Tais sinais não são determinantes, ou seja, a criança que apresenta tais sinais não é necessariamente uma criança disléxica. Porém, tais sinais são fatores de risco e, portanto, se a criança apresentar estas características, ela deve ser encaminhada para avaliação.

Os sinais que podem indicar dislexia em crianças pré-escolares são:

Histórico familiar de problemas de leitura e escrita; Atraso para começar a falar de modo inteligível; Frases confusas, com migrações de letras: “A gata preta

prendeu o filhote” em vez de “a gata preta perdeu o filhote”; Impulsividade no agir; Uso excessivo de palavras substitutas ou imprecisas (como

“coisa”, “negócio”); Nomeação imprecisa (como “helóptero” para “helicóptero”); Dificuldade para lembrar nomes de cores e objetos; Confusão no uso de palavras que indicam direção, como

dentro/fora, em cima/embaixo, direita/esquerda; Tropeços, colisões com objetos ou quedas freqüentes; Dificuldade em aprender cantigas infantis com rimas; Dificuldade em encontrar palavras que rimam e em julgar se

palavras rimam ou não; Dificuldade com seqüências verbais (como os dias da semana)

ou visuais (como seqüências de blocos coloridos); Criatividade aguçada; Facilidade com desenhos e boa noção de cores; Aptidão para brinquedos de construção ou técnicos, como

quebra-cabeças, lego, controle remoto de TV ou vídeo, teclados de computadores;

Prazer em ouvir outras pessoas lendo para ela, mas falta de interesse em conhecer letras e palavras;

Discrepância entre diferentes habilidades, parecendo uma criança brilhante em alguns aspectos mas desinteressada em outros.

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Os sinais que podem indicar dislexia em crianças escolares de até 9 anos são:

Dificuldade especial em aprender a ler e escrever; Dificuldade em aprender o alfabeto, as tabuadas e seqüências

como meses do ano; Falta de atenção ou pobre concentração; Dificuldade continuada com certas atividades motoras como

amarrar cadarços de sapato, agarrar bolas, saltar etc.; Dificuldade com direita e esquerda; Reversão de letras e números (15 - 51; b - d); Frustração, podendo levar a problemas comportamentais.

Os sinais que podem indicar dislexia em adolescentes e adultos são:

Tendência a ler inacuradamente ou sem compreensão; Escrita incorreta, com letras faltando ou na ordem errada; Maior tempo que a média para conseguir terminar trabalhos

escritos; Dificuldade com planejamento e organização de trabalhos

escritos; Dificuldade em copiar acuradamente da lousa ou de livros; Tendência a confundir instruções verbais e números de

telefone; Dificuldades severas para aprender línguas estrangeiras; Crescente perda da autoconfiança, frustração e baixa

autoestima.

A avaliação quantitativa deve buscar analisar os aspectos específicos da leitura e da escrita, verificando a integridade das rotas de leitura e de outras habilidades cognitivas relevantes como o processamento fonológico, o processamento visual, o seqüenciamento, a memória de trabalho e de longo prazo. Para tanto, podem ser usados instrumentos padronizados, psicométricos ou neuropsicológicos. Há instrumentos disponíveis com normatização brasileira, como a Prova de Consciência Fonológica (disponível em Capovilla & Capovilla, 2000), as Provas de Leitura em voz alta e de Escrita sob ditado (Capovilla & Capovilla, 2000), o Teste de Competência de Leitura

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Silenciosa (Capovilla & Capovilla, 2001a, 2001b; Capovilla, Macedo et al., 1998), e o International Dyslexia Test - versão brasileira (Capovilla, Smythe, Capovilla & Everatt, 2001).

Intervenções na dislexia

Após a avaliação do indivíduo disléxico, é possível proceder à intervenção. Inicialmente serão descritos alguns procedimentos que podem ser adotados por professores e pais de crianças disléxicas:

A criança disléxica deve sentar-se próxima à professora, de modo que a professora possa observá-la e encorajá-la a solicitar ajuda;

Cada ponto do ensino deve ser revisto várias vezes. Mesmo que a criança esteja atenta à explicação, isso não garante que ela lembrará o que foi dito no dia seguinte;

Professores e pais devem evitar sugerir que a criança é lenta, preguiçosa ou pouco inteligente, bem como evitar comparar o seu trabalho escrito aos de seus colegas;

Não solicitar para que ela leia em voz alta na frente da classe; Sua habilidade e conhecimentos devem ser julgados mais pelas

respostas orais que escritas; Não esperar que ela use corretamente um dicionário para

verificar como é a escrita correta das palavras. Tais habilidades de uso de dicionário devem ser cuidadosamente ensinadas;

Evitar dar várias regras de escrita numa mesma semana. Por exemplo, os vários sons do “c” ou do “g”. Dar listas de palavras com uma mesma regra para a criança aprender;

Sempre que possível a criança deve repetir, com suas próprias palavras, o que a professora pediu para ela fazer, pois isso ajuda a memorização;

A apresentação de material escrito deve ser cuidadosa, com cabeçalhos destacados, letras claras, maior uso de diagramas e menor uso de palavras escritas;

O ambiente de trabalho deve ser quieto e sem distratores; A escrita cursiva é mais fácil do que a de forma, pois auxilia a

velocidade e a memorização da forma ortográfica da palavra; Esforços devem ser feitos para auxiliar a autoconfiança da

criança, mostrando suas habilidades em outras áreas (música,

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esporte, artes, tecnologia etc.).

Dois métodos de alfabetização são especialmente indicados para os indivíduos disléxicos: O método multissensorial e o método fônico. Enquanto o método multissensorial é mais indicado para crianças mais velhas, que já possuem histórico de fracasso escolar, o método fônico é indicado para crianças mais jovens e deve ser introduzido logo no início da alfabetização.

O método multissensorial busca combinar diferentes modalidades sensoriais no ensino da linguagem escrita às crianças. Ao unir as modalidades auditiva, visual, cinestésica e tátil, este método facilita leitura e a escrita ao estabelecer a conexão entre aspectos visuais (a forma ortográfica da palavra), auditivos (a forma fonológica) e cinestésicos (os movimentos necessários para escrever aquela palavra).

Maria Montessori foi uma das precursoras do método multissensorial. Ela defendia a participação ativa da criança durante a aprendizagem e o movimento era visto como um dos aspectos mais importantes da alfabetização. A criança devia, por exemplo, traçar a letra enquanto o professor dizia o som correspondente (Montessori, 1948). Fernald e Keller (1921), outros proponentes do método multissensorial, também incentivavam as crianças a pronunciar em voz alta os nomes das letras enquanto as escrevessem.

Orton deu continuidade ao desenvolvimento de técnicas do método multissensorial, mantendo a associação tríplice visual, auditiva e cinestésica. Orton e Gillingham (Orton, 1925) propuseram uma variação do método multissensorial, em que inicialmente devem ser ensinadas as correspondências entre as letras e seus sons, aumentando as unidades progressivamente para palavras e, somente depois, para frases. Neste procedimento, cada letra deve ser apresentada separadamente e são ensinados, desde o início, seu nome e seu som. Após a apresentação de cada letra a criança deve traçá-la enquanto diz seu nome, inicialmente com o modelo visual e, depois, sem ele. Após a introdução das letras isoladas são apresentadas as sílabas simples com sons regulares. Depois, tais sílabas são combinadas de modo a formar palavras. Finalmente, são introduzidas palavras com correspondências irregulares e, em seguida, tais palavras

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são combinadas em frases.A principal técnica do método multissensorial é o soletrar oral

simultâneo, em que a criança inicialmente vê a palavra escrita, repete a pronúncia da palavra fornecida pelo adulto, e escreve a palavra dizendo o nome de cada letra. Ao final, a criança lê novamente a palavra que escreveu. A vantagem desta técnica é fortalecer a conexão entre a leitura e a escrita.

Algumas variantes do método multissensorial trabalham apenas com os sons das letras, e não com seus nomes. A maioria delas parte das unidades mínimas (no nível da letra) para o unidades mais complexas (nível da palavra e, depois, da frase).

Apesar de requerer muito tempo de intervenção, o método multissensorial é um dos procedimentos mais eficazes para crianças mais velhas, que apresentam problemas de leitura e escrita há vários anos e que possuem histórico de fracasso escolar.

O método fônico tem dois objetivos principais: Desenvolver as habilidades metafonológicas e ensinar as correspondências grafo-fonêmicas. Este método baseia-se na constatação experimental de que as crianças disléxicas têm dificuldade em discriminar, segmentar e manipular, de forma consciente, os sons da fala. Esta dificuldade, porém, pode ser diminuída significativamente com a introdução de atividades explícitas e sistemáticas de consciência fonológica, durante ou mesmo antes da alfabetização. Quando associadas ao ensino das correspondências entre letras e sons, as instruções de consciência fonológica têm efeito ainda maior sobre a aquisição de leitura e escrita. Além de ser um procedimento bastante eficaz para a alfabetização de crianças disléxicas, o método fônico também tem se mostrado o mais adequado ao ensino regular de crianças sem distúrbios de leitura e escrita.

Nas diretrizes da British Dyslexia Association para o ensino de crianças disléxicas, é recomendada a inclusão de atividades do método fônico. Os professores são incentivados a desenvolver habilidades de rima, segmentação fonêmica e discriminação de sons, e a ensinar as relações entre as letras e os sons. É interessante observar que tais diretrizes são recomendadas em países de língua inglesa, cuja ortografia tem relações grafo-fonêmicas bastante irregulares, com correspondências imprevisíveis entre letras e sons. Logo, se o método

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fônico é recomendado para o inglês (que é extremamente irregular), certamente ele é ainda muito mais eficaz no português, cujas relações entre letras e sons são bem mais regulares e que, portanto, propicia maior sucesso na aplicação de regras de conversão grafo-fonêmicas.

Intervenções com atividades fônicas e metafonológicas (i.e., ensino das correspondências grafo-fonêmicas e desenvolvimento da consciência fonológica) têm sido conduzidas em diversos países, como Alemanha (Schneider et al., 1997), Austrália (Byrne, Freebody, & Gates, 1992), Canadá (Vandervelden & Siegel, 1995), Dinamarca (Elbro, Rasmussen, & Spelling, 1996), Estados Unidos (Torgesen & Davis, 1996), Inglaterra (Bradley & Bryant, 1983), Noruega (Lie, 1991) e Suécia (Lundberg, Frost, & Petersen, 1988). Todas essas pesquisas são consistentes em mostrar que a introdução de instruções de consciência fonológica e de correspondências grafo-fonêmicas facilitam a alfabetização, diminuindo a incidência de dificuldades de leitura e escrita.

Diante de tais evidências, o método fônico tem sido recomendado não somente para o ensino de disléxicos, mas também para todas as crianças. A Grã-Bretanha, os Estados Unidos e a França, por exemplo, já adotaram as atividades metafonológicas e o ensino das correspondências grafo-fonêmicas como parte do currículo educacional oficial.

No Brasil, diversos estudos foram conduzidos introduzindo procedimentos fônicos e metafonológicos em contexto clínico com crianças que apresentavam problemas de leitura e escrita (Capovilla & Capovilla, 2000), e em contexto educacional regular com classes de alfabetização (Capovilla & Capovilla, 2002). Em ambos os casos, as crianças que participaram da intervenção apresentaram ganhos significativos em leitura, escrita, conhecimento de letras e consciência fonológica, quando comparadas às crianças-controle, expostas ao currículo escolar regular que focalizava atividades globais baseadas em textos. Tais estudos trazem fortes evidências sobre a importância dos procedimentos fônicos e metafonológicos para a remediação de problemas de leitura e escrita em crianças. É essencial que os profissionais da área de reabilitação de leitura e escrita conheçam e usem este procedimento, e que os responsáveis governamentais incentivem seu uso pelos educadores.

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Prevenção da dislexia

Crianças com pobre sensibilidade aos segmentos da fala na pré-escola (ou seja, com pobre consciência fonológica) são crianças de risco para desenvolver problemas de leitura e escrita. Diversos estudos têm mostrado que é possível desenvolver a consciência fonológica em crianças pré-escolares (Ball & Blachman, 1991; Cunningham, 1990). Estudos mostram ainda que, quanto maior a idade da criança e, portanto, quanto mais tempo se passa com a dificuldade de leitura e escrita, tanto menores são os efeitos da intervenção (Olson et al., no prelo). Portanto, é essencial intervir o mais precocemente possível, de preferência antes da introdução formal de leitura, prevenindo ulteriores problemas na aquisição de leitura e escrita.

Borstrom e Elbro (1997) conduziram um estudo com crianças pré-escolares, cujos pais eram disléxicos. Tais crianças, portanto, eram consideradas de risco para desenvolver dislexia. A pesquisa buscou responder a duas questões principais: a) É possível desenvolver a consciência fonêmica em crianças pré-escolares de risco cujos pais são disléxicos?, e b) O procedimento de consciência fonêmica pode reduzir a incidência de dislexia nessas crianças de risco?

Para responder às questões, os pesquisadores selecionaram 136 crianças dinamarquesas, alunas da pré-escola. Nenhuma dela havia tido qualquer instrução prévia sobre leitura e escrita. Tais crianças foram divididas em três grupos:

Grupo experimental com pais disléxicos (GED): 36 crianças, filhas de pais disléxicos, que participaram do procedimento de intervenção;

Grupo controle com pais disléxicos (GCD): 52 crianças, filhas de pais disléxicos, que continuaram participando apenas das atividades escolares regulares;

Grupo controle com pais não disléxicos (GCND): 48 crianças, filhas de pais não disléxicos, que também participaram apenas das atividades escolares regulares.As crianças do GED participaram de um programa de

intervenção, com atividades de consciência fonêmica, que era ministrado pelas próprias professoras na pré-escola. Neste programa,

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todas as letras do alfabeto eram introduzidas segundo um ordem predeterminada. As vogais eram introduzidas nas duas primeiras semanas do procedimento e depois eram introduzidas duas consoantes por semana. As consoantes facilmente pronunciáveis eram ensinadas primeiro. O som de cada letra era relacionado a uma expressão ou objeto (e.g., o som /m/ era relacionado ao “gosto bom”), e era ensinada a forma de articulação de cada som (e.g., para pronunciar o som /m/, os lábios devem estar fechados, o som sai pelo nariz, a língua fica relaxada e não se movimenta). Para cada consoante eram sempre apresentados o nome da letra e o seu som.

Alternadamente ao ensino das letras, eram realizadas atividades de rima e consciência fonêmica, como identificação do fonema inicial (e.g., dentre várias figuras, selecionar aquelas cujos nomes começavam com determinado som) e adição fonêmica (e.g., a professora desenhava uma asa e depois escrevia c na frente do desenho, e as crianças deviam dizer a palavra resultante casa). Todos os sons já aprendidos eram periodicamente revisados. O procedimento durava 30 minutos por dia escolar, ao longo de 17 semanas.

As crianças dos três grupos foram avaliadas em três diferentes momentos: No início da pré-escola, no início da primeira série e da segunda série. Os resultados mostraram que as crianças que participaram do procedimento (GED) tiveram ganhos superiores aos das crianças dos demais grupos, entre a pré-escola e a primeira série, nas tarefas de consciência fonêmica, nomeação de letras e leitura de palavras. Entre a pré-escola e a segunda série, tais ganhos foram superiores nas tarefas de leitura de palavras e de pseudopalavras.

Os resultados mais interessantes foram sobre a incidência de uma possível dislexia nas crianças da segunda série (i.e., crianças que apresentavam características que provavelmente levariam a uma dislexia nos anos posteriores). Entre as crianças do GED (experimental, com pais disléxicos), havia 17% de possíveis disléxicos; no GCD (controle, com pais disléxicos), havia 40% de possíveis disléxicos; no GCND (controle, com pais não disléxicos), havia 8% de possíveis disléxicos. Ou seja, dentre as crianças de risco que não participaram da intervenção, 40% provavelmente se tornariam disléxicas. Este número foi reduzido para 17% com a exposição das crianças às atividades de consciência fonêmica e ensino das correspondências entre letras e sons.

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Os resultados deste estudo mostram, portanto, que a intervenção na pré-escola diminuiu em mais de 50% a incidência de dislexia na segunda série, sugerindo que é possível desenvolver a consciência fonológica no contexto de sala de aula, mesmo com crianças de risco, que são as que menos respondem ao procedimento.

Conforme Borstrom e Elbro (1997), as crianças tendem a aprender aquilo que lhes é ensinado. O currículo escolar regular na Dinamarca (e, certamente, também no Brasil) não é vantajoso para as crianças de risco, pois faz uso de práticas globais de alfabetização, dando pouca ênfase ao ensino fônico. As práticas globais tendem a aumentar a discrepância entre as crianças de risco e as crianças com boas habilidades lingüísticas. Porém, quando tais práticas são alteradas, passando a enfatizar instruções fônicas explícitas e sistemáticas, essas crianças de risco podem atingir um nível adequado de leitura, superando suas dificuldade na aquisição da linguagem escrita.

Discussão

Neste capítulo foi analisado o conceito de dislexia e seus aspectos causais, destacando os fatores genéticos, neurológicos, cognitivos e ambientais. Conforme uma série de pesquisas descritas, o processamento fonológico é a habilidade cognitiva mais afetada nas dislexias, levando a certas características que surgem muito cedo na vida da criança e permanecem mesmo no adulto compensado. Essas características envolvem os mais diferentes tipos de processamento de informação baseada na estrutura da linguagem oral, como por exemplo a consciência fonológica.

Apesar dos distúrbios fonológicos serem persistentes, os indivíduos disléxicos podem alcançar níveis regulares de leitura e escrita, desde que expostos às atividades adequadas. Os métodos multissensorial e fônico de alfabetização são os mais indicados. Estudos mais recentes mostram que, além da intervir nas dificuldades de leitura e escrita apresentadas pelos disléxicos, é possível também prevenir tais dificuldades. Quando expostas a atividades que desenvolvem a consciência fonológica e ensinam as correspondências grafo-fonêmicas, crianças pré-escolares de risco têm a incidência de dislexia diminuída em mais de 50%. Torna-se urgente, portanto, que

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tais atividades fônicas e metafonológicas sejam incorporadas, tanto pelos professores na própria sala de aula, quanto pelos profissionais da área educacional em suas atuações clínicas e orientações escolares. Estas atividades, já disponíveis no Brasil (Capovilla & Capovilla, 2000, 2002), podem ajudar a prevenir e a intervir em dificuldades de aquisição da linguagem escrita.

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Capítulo 3

Avanços na concepção psicométrica da inteligência

Ricardo PrimiPsicólogo e Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de CampinasDoutor em Psicologia pela Universidade de São PauloLaboratório de Avaliação Psicológica e EducacionalOrientador do Programa de Estudos Pós-graduados em PsicologiaUniversidade São Francisco, Itatiba, SP2.e-mail: [email protected]

Apresentação

O que é inteligência? O que são os testes de QI? Se fizéssemos estas perguntas aos especialistas da área não surpreenderia receber diferentes respostas muitas vezes conflitantes. Esta multiplicidade de visões tem origem na imensa quantidade de informação publicada a respeito desse tema. Uma estimativa grosseira a partir da base de dados PsycINFO indicou que em pouco mais de um século existem mais de 18.400 artigos com as palavras inteligência em seu título.

Aliado a essa diversidade de teorias e opiniões existe o grande interesse da mídia por este tema que muitas vezes acaba divulgando idéias errôneas sobre o assunto. É muito comum nos depararmos com informações veiculadas nesses canais afirmando que as antigas teorias de inteligência e os testes de QI estão ultrapassados, que o sucesso pessoal não depende da inteligência e sim de outras capacidades. Mas estas idéias representam fielmente as teorias desenvolvidas pela Psicologia? Na verdade nesta visão, e mesmo na visão de alguns profissionais especializados, existem muitas distorções talvez pela ignorância dos avanços científicos internacionais na área.

2 Apoio: FAPESP (processo n. 2000/05913-4).

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O exame da literatura revela que as antigas teorias vêm evoluindo gradualmente em um processo cumulativo e integrativo, os testes de avaliação da inteligência estão cada vez mais sofisticados e as concepções sobre inteligência são mais balanceadas e não tão extremas quanto aquelas veiculadas na mídia. Neste contexto este capítulo tem o propósito de apresentar o modelo da inteligência baseado na Psicometria que vem sendo considerado o “estado da arte” na área e com isso divulgar em nosso meio estes avanços e contribuir para a dissolução de algumas confusões sobre o tema.

A teoria psicométrica de Cattell-Horn-Carroll (CHC) das habilidades cognitivas

A concepção de inteligência da abordagem psicométrica está sustentada na análise fatorial das diferenças individuais identificadas nas centenas de testes criados para avaliar as habilidades cognitivas. O propósito da análise fatorial é identificar subgrupos de testes que avaliam uma mesma capacidade cognitiva. A lógica é simples. Se dois testes requerem uma mesma habilidade cognitiva, então pessoas que tiverem esta capacidade desenvolvida tenderão apresentar escores mais altos nos dois testes simultaneamente. Ao contrário, pessoas com menor desenvolvimento nesta capacidade tenderão a apresentar escores baixos nestes dois testes simultaneamente. As diferenças inter-individuais de capacidade nestas duas provas estarão correlacionadas porque as duas avaliam uma mesma capacidade mental subjacente. Mayer e Salovey (1999) utilizam uma analogia interessante para explicar a lógica subjacente à análise fatorial:

Diz-se que duas inteligências são as mesmas se tiverem uma grande relação entre si. Uma forte correlação entre duas variáveis significa que ambas tendem a aumentar e diminuir juntas. Por exemplo o comprimento do braço direito e do braço esquerdo de uma pessoa são altamente correlacionados: Algumas pessoas têm os braços direito e esquerdo longos; algumas pessoas têm os braços direito e esquerdo curtos; e braços com diferença muito grande de tamanho na mesma pessoa são incomuns. Da mesma maneira, duas inteligências são correlatas se os níveis de inteligência correspondem dentro de cada pessoa, isto é, as duas inteligências são aguçadas na pessoa A, pouco

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desenvolvidas na pessoa B, medianas na pessoa C e assim por diante (p. 18).

Os estudos psicométricos aplicam uma extensa bateria de testes cobrindo uma diversidade de capacidades intelectuais e por meio da análise fatorial descobrem como estes testes estão correlacionados, identificando os fatores ou dimensões da inteligência.

Na primeira metade do século passado os estudos fatoriais da inteligência debatiam a estrutura e definição das capacidades intelectuais. A questão fundamental que se procurava responder era: Quantas e quais são as capacidades cognitivas básicas do ser humano? As posições extremas eram duas:

1) A de Spearman (1927) que defendia que toda a atividade intelectual se exprime num fator geral (g) definido pela conjugação de três operações mentais: a apreensão da informação, a edução de relações, e a edução de correlatos (generalização);

2) A de Thurstone (1938) chamada teoria das aptidões primárias que defendia a inexistência de um fator geral e, em vez disso, um conjunto de habilidades básicas ou primárias, independentes entre si: S (espacial), P (perceptivo), N (numérico), V (compreensão verbal), W (fluência verbal), M (memória), I (indução), R (raciocínio aritmético), e D (dedução).

Na segunda metade do século passado esta concepção polarizada evoluiu para um modelo integrado hierárquico chamado teoria Gf-Gc (inteligência fluida e cristalizada) iniciada por Cattell (1941, 1971) e desenvolvida e aprimorada por Horn (1991), um de seus estudantes. Mas foi na década de 1990, em 1993, que um dos mais importantes estudos foi publicado: O livro de John B. Carroll Human Cognitive Abilities: A survey of factor analytic studies (Carroll, 1993). Neste estudo Carroll fez uma varredura dos últimos 60 anos na literatura científica, selecionou 461 conjuntos de dados de 1.500 referências nas quais estavam incluídos quase todos os mais importantes e clássicos estudos da estrutura da inteligência feitos pela abordagem fatorial, e efetuou uma reanálise utilizando métodos mais avançados. Este estudo resultou em um modelo da inteligência chamado teoria dos três estratos muito semelhante à concepção moderna da teoria Gf-Gc de Horn (1991) que não poderia deixar de ocorrer já que ambos descrevem o mesmo fenômeno.

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No final da década de noventa McGrew e Flanagan (1998) propuseram uma integração das teorias Gf-Gc e dos três estrados criando-se a teoria de Cattell-Horn-Carroll - CHC das habilidades cognitivas. Esta teoria consiste em uma visão hierárquica multidimensional das habilidades cognitivas sendo considerada pelos pesquisadores da área como uma das mais completas descrições da inteligência disponíveis e a que será a mais influente nos estudos da inteligência nas próximas décadas. Ela vem gradualmente sendo integrada como uma taxonomia e nomenclatura padrão entre profissionais e pesquisadores no entendimento da inteligência comparada a tabela periódica de elementos da química. McGrew e Flanagan elaboraram um procedimento chamado cross-battery approach para análise das principais baterias de testes disponíveis aplicando teoria CHC. Um dos achados importantes desta abordagem é que os dois testes mais usados no mundo para avaliação da inteligência, o WISC-III e WAIS-R, são muito limitados avaliando com qualidade somente dois fatores da inteligência Gc e Gv (ver Woodcock, 1990 para mais detalhes)3

Este modelo consiste numa visão multidimensional com dez fatores ligados a áreas amplas do funcionamento cognitivo nos domínios da linguagem, raciocínio, memória, percepção visual, recepção auditiva, produção de idéias, velocidade cognitiva, conhecimento e rendimento acadêmico (Carroll, 1997). Descreve-se a seguir cada um dos dez fatores amplos do modelo CHC baseando-se nas definições propostas por Flanagan, McGrew e Ortiz (2000), e Flanagan e Ortiz (2001).

O primeiro fator chamado de inteligência fluida (Gf) refere-se às operações mentais de raciocínio em situações novas minimamente dependente de conhecimentos adquiridos. Refere-se a capacidade de resolver problemas novos, relacionar idéias, induzir conceitos abstratos, compreender implicações, extrapolação e reorganização de informações, identificar relações, perceber relações em padrões. Os testes psicométricos do fator g geralmente avaliam a inteligência fluida.3 Os leitores interessados na Teoria CHC podem consultar o site do Institute for Applied Psychometrics, http://www.iapsych.com/, especializado na divulgação e aplicação da Teoria CHC e que disponibiliza vários materiais e informações e tem uma lista de discussão sobre a teoria

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O segundo fator chamado de conhecimento quantitativo (Gq) refere-se ao estoque de conhecimentos declarativos e de procedimentos quantitativos e à habilidade em usar informação quantitativa e manipular símbolos numéricos. Muitas vezes este fator pode ser entendido como subclasse da inteligência cristalizada por tratar do conhecimento matemático. Neste fator é necessário distinguir o raciocínio matemático do conhecimento matemático. O raciocínio subjacente à resolução de problemas matemáticos consiste em um fator específico de Gf, já o conhecimento de fatos e procedimentos específicos da matemática são aspectos de Gq.

O terceiro fator chamado inteligência cristalizada (Gc) refere-se à extensão e profundidade dos conhecimentos adquiridos de uma determinada cultura e a aplicação efetiva deste conhecimento Este fator representa a habilidade de raciocínio adquirida pelo investimento da capacidade geral em experiências de aprendizagem sendo primariamente baseado na linguagem. Está associado ao conhecimento declarativo (conhecimento de fatos, idéias, conceitos) e ao conhecimento de procedimentos (raciocinar com procedimentos aprendidos previamente para transformar o conhecimento).

O quarto fator, leitura e escrita (Grw), refere-se ao conhecimento adquirido em habilidades básicas requeridas na compreensão de textos e expressão escrita. Inclui desde habilidades elementares como decodificação em leitura e ortografia até habilidades mais complexas como a compreensão de texto e a composição de histórias. Muitas vezes este fator é entendido como uma subclasse da inteligência cristalizada.

O quinto fator chamado memória de curto prazo (Gsm) representa a habilidade associada à manutenção de informações na consciência por um curto espaço de tempo para poder recuperá-las logo em seguida. Também está ligado à quantidade de informação retida após exposição a uma situação de aprendizagem geralmente de conteúdos simples. Atualmente as pesquisas sobre este domínio chegaram a uma nova definição chamada de memória de trabalho que difere da concepção tradicional de memória de curto prazo por envolver além do componente de armazenamento um componente de processamento cognitivo. No modelo CHC a memória de trabalho foi incluída como fator específico de Gsm por razões práticas (Flanagan, Ortiz, Alfonso, & Mascolo, 2002), mas no futuro esta concepção

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certamente deverá ser revista uma vez que a memória de trabalho consiste em um construto mais amplo com componentes ligados ao raciocínio (Primi, 2002a, 2002b).

O sexo fator chamado processamento visual (Gv) está ligado à habilidade de gerar, perceber, armazenar, analisar, manipular, transformar imagens visuais isto é aos diferentes aspectos do processamento imagético (geração, transformação, armazenamento e recuperação).

O sétimo fator chamado processamento auditivo (Ga) refere-se à habilidade associada à percepção, análise e síntese de padrões sonoros. A habilidade Ga está ligada à discriminação de padrões sonoros (incluindo a linguagem oral) particularmente quando apresentados em contextos mais complexos como, por exemplo, a percepção de nuances em estruturas musicais complexas.

Como o desenvolvimento da linguagem pressupõe o processamento dos sons da fala o fator Ga está ligado aos primórdios do desenvolvimento da habilidade Gc mas não pode ser considerado o mesmo construto. A inteligência cristalizada, particularmente as habilidades mediadas pela linguagem, são afetadas pelo fator Ga pelo efeito “cascata” já que a linguagem está sustentada no processamento básico de padrões sonoros (fonologia, morfologia) evoluindo para estruturas mais complexas (sintaxe, semântica, e pragmática). A dislexia e as intervenções visando o desenvolvimento da consciência fonológica estão associados as diferenças individuais neste construto.

O oitavo fator chamado habilidade de armazenamento e tecuperação da memória de longo prazo (Glr) é definido como a habilidade associada à extensão e fluência que itens de informação ou conceitos são recuperados da memória de longo prazo por associação. Está ligado ao processo de armazenamento e recuperação posterior por associação. Deve-se diferenciar a quantidade de informações que uma pessoa possui armazenada em sua memória, isto é, o estoque de informações, representado pelo fator Gc do fator Glr. Este último refere-se à habilidade de recuperar os itens de informação desta base de conhecimentos por meio de associações. Este fator agrupa os testes psicométricos criados para avaliar a criatividade sendo muitas vezes chamado de domínio da produção de idéias.

Pode parecer estranho associar criatividade aos conhecimentos

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armazenados na memória de longo prazo, mas quando se pensa no componente principal deste fator, isto é, a recuperação por associação, a conexão com a criatividade se torna compreensível. A fluência de recuperação de idéias está associada à capacidade de iniciar o processo de ativação de redes semânticas a partir de algum atributo ou idéia inicial. A maior capacidade está associada à facilidade de ativação desta rede semântica incluindo idéias que possuam tênues relações com a idéia inicial. Nessas condições torna-se mais provável a reclassificação da idéia inicial culminando em novos modos de concebe-la, isto é, de transformações criativas da idéia inicial.

O nono fator chamado velocidade de processamento (Gs) relaciona-se à habilidade de manter a atenção e realizar rapidamente tarefas simples automatizadas em situações de pressionam o foco da atenção. Está geralmente ligado a situações em que há um intervalo fixo definido para que a pessoa execute o maior número possível de tarefas simples e repetitivas. Está associado à idéia de que a capacidade de processamento é limitada e, portanto, quanto mais rápido for o processamento, mais recursos de processamento sobrarão para processos adicionais.

O décimo e último fator do modelo CHC é chamado de rapidez de decisão (Gt) e refere-se a rapidez em reagir ou tomar decisões envolvendo processamentos mais complexos. Enquanto Gs refere-se a eficiência em se trabalhar rapidamente executando tarefas cognitivas simples por um tempo mais longo (sustentabilidade), Gt refere-se à reação rápida a um problema envolvendo processamento e decisão (imediaticidade).

Estas dez capacidades chamadas de fatores amplos organizam-se no segundo nível de uma hierarquia de três níveis. Em uma camada abaixo deste nível existem aproximadamente 70 fatores específicos de cada um dos dez fatores amplos. Por exemplo, ligados ao fator amplo inteligência fluida (Gf), existem quatro fatores específicos:

a) Raciocínio seqüencial geral (RG) ou raciocínio dedutivo, definido como uma habilidade associada ao raciocínio lógico seqüencial, isto é, iniciar com regras, premissas e condições declaradas e engajar-se em um ou mais passos para chegar a solução para problemas novos.

b) Indução (I) definida como uma habilidade para descobrir as

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características fundamentais ou basais (e.g. regras, conceitos, processos, tendências, pertinência a uma classe) que governam um problema,

c) Raciocínio quantitativo (RQ) definido como a habilidade de raciocinar de maneira indutiva e dedutiva sobre conceitos que envolvem relações e propriedades matemáticas, e

d) Raciocínio piagetiano (RP) incluindo a habilidade para resolver os problemas de seriação, conservação, classificação e outras tarefas cognitivas definidas por Piaget.

Acima dos fatores amplos existe o fator g de Spearman representando existência de uma associação geral entre todas as habilidades cognitivas. O movimento do nível mais alto da hierarquia (fator g) ao nível mais baixo (fatores específicos) indica o progressivo aumento da especialização das habilidades cognitivas diferenciadas dos componentes cognitivos gerais associados ao fator g.

Considerações finais

Como pode ser notado o modelo CHC enfatiza a natureza mutidimensional da inteligência em vez da visão unidimensional que dominou o início do desenvolvimento dos testes psicométricos. Como foi dito anteriormente as baterias de avaliação da inteligência estão sendo revisadas a luz do modelo CHC com o objetivo de entender mais profundamente a natureza das funções cognitivas que estes instrumentos avaliam.

Um dos pontos observados é que os instrumentos consistem em baterias compostas de subtestes avaliando vários fatores específicos da inteligência e partir do qual se calcula uma nota global o QI. Entretanto um QI de um teste A não é igual ao QI de um teste B já que as duas baterias podem ser compostas de subtestes diferentes. O QI é simplesmente uma escala numérica padronizada sendo que seu significado dependerá da combinação de fatores específicos avaliados na bateria.

Por exemplo, na Escala de Inteligência Infantil de Wechsler ou WISC-III (Figueiredo, Pinheiro & Nascimento, 1998) os subtestes informação, semelhanças, vocabulário, e compreensão são medidas associadas ao fator Gc, o subteste aritmética ao fator Gq, o subteste

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dígitos ao fator Gsm, os subtestes completar figuras, arranjo de figuras, cubos e armar objetos são medidas associadas ao fator Gv, e os subtestes código e procurar Símbolos medidas associadas ao fator Gs. Portanto, o QI total das escalas de Wechsler reflete principalmente os fatores amplos inteligência cristalizada (Gc) e processamento visual (Gv), e consiste em uma representação limitada da inteligência, já que na possui medidas de fatores importantes como o domínio do raciocínio ou inteligência fluida.

A revisão das principais baterias de avaliação da inteligência à luz do modelo CHC indica que nenhuma delas apresenta uma avaliação completa das dez principais habilidades apresentadas acima. Sendo assim, para o avanço da área, é muito importante que sejam criadas novas baterias oriundas do modelo CHC que representem mais equilibradamente os vários fatores cognitivos. Além disso, é necessário integrar a compreensão dessas várias funções cognitivas reveladas pela psicometria com os avanços sobre a compreensão do cérebro que vêm sendo consolidados na neurociência cognitiva.

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Capítulo 4

Triagem audiológica: Efeitos de perda auditiva sobre vocabulário, consciência fonológica,

articulação da fala e nota escolar em escolares de primeira série 4

Amélia C. PortugalDoutora em Fonoaudiologia pela Universidade Complutense de MadriDocente da Faculdade de Fonoaudiologia, Universidade Católica de Goiás

Fernando C. CapovillaPsicólogo, Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília Ph.D. em Psicologia Experimental pela Temple University of PhiladelphiaLivre Docente em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de São PauloProfessor Associado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Visão geral

O estudo avaliou efeitos da perda auditiva sobre atraso de linguagem. Nele 528 crianças da primeira série de oito escolas de ensino fundamental público de Goiânia passaram por triagem audiológica com microaudiômetro. Delas, 34 (6,4%) apresentaram perda auditiva numa ou ambas as orelhas, com limiar elevado em qualquer de quatro freqüências (acima de 35 dB em 500 Hz, 30 dB em 1.000 Hz, 25 dB em 2.000 Hz, ou 25 dB em 4.000 Hz). Elas compuseram o grupo experimental. Outras 34 crianças da amostra, emparelhadas por sexo e idade, compuseram o grupo controle (sem perda). As 68 crianças foram submetidas a avaliação de linguagem (vocabulário receptivo auditivo, consciência fonológica,

4 Apoio: CNPq e FAPESP.

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discriminação auditiva), nota escolar e inteligência não verbal. Resultados mostraram que, quanto maior a perda auditiva, tanto menores: Vocabulário receptivo auditivo, consciência fonológica, discriminação auditiva e nota escolar, e maior a incidência de dificuldades articulatórias e de trocas e omissões articulatórias.

Introdução

A perda auditiva na criança compromete seriamente o desenvolvimento da linguagem. A identificação precoce de crianças com perda auditiva permite adaptar próteses auditivas com o objetivo de prevenir as perdas de linguagem oral e escrita. A audição é de vital importância para o desenvolvimento da linguagem oral e escrita, conforme modelos de processamento cognitivo da leitura em ouvintes (A. Capovilla & F. Capovilla, 2000b, 2002) e surdos (F. Capovilla & A. Capovilla, 2001b). Testemunha disso são a demonstração de dificuldades de discriminação fonológica subjacentes a problemas de leitura (F. Capovilla & A. Capovilla, 2001a), e dos grandes benefícios produzidos por treinos de consciência fonológica (A. Capovilla & F. Capovilla, 1997, 1998, 2000a), pelo método fônico de alfabetização (A. Capovilla & F. Capovilla, 2002), bem como pelo implante coclear (F. Capovilla, 2001).

É preciso desenvolver aparelhos de triagem audiológica de baixo custo, validá-los por comparação com audiômetros, avaliar a incidência de perda auditiva em crianças do ensino fundamental público logo ao início do mesmo, e coletar dados precisos acerca do efeito da perda auditiva sobre medidas estandardizadas do desenvolvimento da linguagem. O presente estudo produz avanços nas seguintes frentes:

1) Valida um instrumento de triagem audiológica de baixo custo por comparação de suas medidas com as de um audiômetro tradicional;

2) Avalia a incidência de perda auditiva numa amostra de 528 crianças de primeira série do ensino fundamental;

3) Mensura o efeito do grau da perda auditiva sobre o desempenho em testes padronizados de vocabulário receptivo

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auditivo, consciência fonológica, discriminação auditiva, bem como sobre a nota escolar e a incidência de problemas articulatórios; e

4) Avalia as inter-relações entre todas essas habilidades de linguagem (vocabulário receptivo auditivo, consciência fonológica, discriminação auditiva, nota escolar e incidência de problemas articulatórios).

Método

Participantes

Participaram do estudo 68 crianças de primeira série do ensino fundamental da rede pública de Goiânia, 34 delas com limiares auditivos acima do normal (grupo experimental) e 34 com limiares auditivos na faixa de normalidade (grupo controle), emparelhadas por sexo e idade (até 6 meses de diferença). As crianças do grupo experimental apresentavam limiares elevados em qualquer uma das quatro freqüências: Acima de 35 dB em 500 Hz, acima de 30 dB em 1.000 Hz, acima de 25 dB em 2.000 Hz, ou acima de 25 dB em 4.000 Hz. A amostra de 68 crianças apresentava idade média de 7 anos e 3 meses, variando de 6 anos e 2 meses até 8 anos e 11 meses. A média de escolaridade paterna era de 4 anos e 6 meses (variando de zero ou analfabeto até 11 anos), e materna era de 4 anos e 10 meses (variando de zero ou analfabeta até 14 anos). Portanto, a média de escolaridade dos pais era de 4 anos e 8 meses. Na amostra, a pontuação média no Teste de Inteligência Não verbal era de 31,9 pontos (variando de 24 a 43), correspondendo ao percentil 50 das normas do teste, no Teste de Vocabulário por Imagens Peabody era de 57,8 pontos (variando de 31 a 84 pontos), e na Prova de Consciência Fonológica era de 16.5 pontos (variando de 4 a 31 pontos). Além disso, a amostra tinha nota escolar média de 57,4 pontos (variando de 20 a 100 pontos), e sua discriminação auditiva média era de 97,9 % (variando de 84 a 100 %).

Instrumentos

Para o presente estudo foram empregados: 1) Um aparelho de triagem audiológica modelo 1996 (Parada, n.

p.). Consiste num estimulador que apresenta um tom puro na freqüência de 1.000 Hz em 35 dB. Por meio de fones de ouvido,

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apresenta tons de duração padrão na orelha direita e depois no esquerdo. Sua principal vantagem é o baixo custo unitário de mercado, de cerca de R$ 20,00 contra R$ 1.400,00 do microaudiômetro DSP. Suas vantagens em relação a um microaudiômetro convencional são seu menor custo, sua aplicação mais rápida, prática e extensiva. Pode ser adquirido por R$ 20,00 enquanto o preço do microaudiômetro é de R$ 1.400,00. Sua aplicação consome até apenas 5 minutos, enquanto que a do microaudiômetro convencional consome cerca de 15 a 20 minutos Para fins de triagem inicial nas escolas de ensino fundamental, pode ser aplicado pelas próprias professoras ou por auxiliares técnicos, prescindindo da aplicação por profissionais altamente gabaritados e especializados. Finalmente, pode ser aplicado a crianças de faixas etárias muito inferiores, como a partir de 2 anos e 2 meses de idade.

2) Um microaudiômetro DSP (pure tone audiometer, modelo 1980, marca HP),

3) Uma lista de palavras e pseudopalavras monossilábicas a ser repetida (Mangabeira-Albernaz, 1997). A lista inclui os seguintes itens: til, jaz, rol, pus, faz, gim, rir, gol, vai, mel, nu, lhe, cal, mil, tem, dil, dor, cha, zum, nha, cão, tom, seis, ler.

4) O Teste de Vocabulário por Imagens Peabody (Dunn & Dunn, 1981; Dunn, Padilla, Lugo, & Dunn, 1986). Consiste em 125 itens de teste arranjados em ordem crescente de dificuldade, e avalia o vocabulário receptivo auditivo na faixa etária de 2 anos e 6 meses até 18 anos de idade. Encontra-se normatizado no Brasil para crianças de 2 a 6 anos de idade (F. Capovilla & A. Capovilla, 1997), bem como de 6 a 14 anos de idade (F. Capovilla, Nunes et al., 1997b), e validado por comparação com o desempenho escolar em sala de aula e de leitura e escrita na faixa etária de 6 a 14 anos de idade (F. Capovilla, Nunes et al., 1997a).

5) A Prova de Consciência Fonológica (A. Capovilla & F. Capovilla, 2000b). Consiste em 40 itens, com 4 itens em cada um de 10 subtestes: Rima, aliteração, segmentação silábica, síntese silábica, manipulação silábica, transposição silábica, segmentação fonêmica, síntese fonêmica, manipulação fonêmica e transposição fonêmica. Encontra-se normatizada e validada para crianças de pré1, pré-2, pré-3, primeira e segunda séries no início, meio e fim do ano escolar.

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Encontra-se também validada por comparação com os desempenhos de leitura e escrita em crianças de seis a oito anos de idade.

6) O Teste de Inteligência Não verbal, Fator G, Forma C (Weil, n. d. ) da Bateria CEPA (CEPA, n. d.). Foi inspirado em vários testes como o no Teste de Matrizes Progressivas de Raven, o teste Dearborn, o Mosaico de Gille e o teste de Inteligência de Meili. Avalia funções como inclusão numa classe, seriações concretas e numéricas, e relações espaciais. A Forma C é mais indicada para populações de zona rural e para crianças de primeira série do ensino fundamental não-alfabetizadas. A Forma C é composta de um caderno de seis páginas com 60 itens e um crivo de apuração de resultados.

Procedimento

Inicialmente foram examinadas 530 crianças da primeira série de 18 classes de oito escolas de ensino fundamental da rede pública (municipal e estadual) de Goiânia, GO. A Sessão 1, de avaliação individual, durava cerca de 20 a 25 minutos. Nela, cada uma das crianças passava por três avaliações, na seguinte ordem:

1) Triagem audiológica com o aparelho de baixo custo (em cerca de 2 minutos);

2) Exame audiológico com audiômetro (em cerca de 15 a 20 minutos); e

3) Avaliação de discriminação auditiva e de trocas articulatórias, com a repetição da lista de 25 palavras e pseudopalavras (em cerca de 4 minutos).

Das 530 crianças, foram selecionadas todas aquelas (i.e., 35) que apresentaram, quer na orelha direita, quer na esquerda ou em ambas as orelhas, limiar elevado em qualquer uma de quatro freqüências (i.e., limiar acima de 35 dB em 500 Hz, acima de 30 dB em 1.000 Hz, acima de 25 dB em 2.000 Hz, ou acima de 25 dB em 4.000 Hz) tal como avaliado pelo microaudiômetro DSP. Das 35 crianças, foi excluída uma, cuja perda auditiva em ambas as orelhas era de 72,5%. A exclusão do estudo dessa criança justifica-se metodologicamente, já que estava 5,89 desvios padrão acima da média do grupo das outras 34 que apresentavam perda (este grupo apresentou perda média de 22,75% em ambas as orelhas, com d. p. = 8,45). Assim, como esta 35a. criança não pertencia à mesma população, ela

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foi considerada como outlier e excluída do grupo experimental. Portanto, o grupo experimental era composto de 34 crianças (19 meninas e 15 meninos), e apresentava uma perda média de 24,93% (d. p. = 10,95) na orelha esquerda, 30,15% na orelha direita, e perda média em ambas as orelhas de 22,75% (d. p. = 8,45).

O grupo controle consistia de 34 crianças sem perda auditiva (i.e., com perda auditiva dentro dos limites da normalidade) emparelhadas por sexo e idade às do grupo experimental. Ele apresentava perda média de 12,43% (d. p. = 6,61) na orelha esquerda, de 12,21% (d. p. = 6,70) na orelha direita, e de 11,75% (d. p. = 6,61) em ambas as orelhas. Para a composição do grupo controle foi empregado o seguinte procedimento: A partir das listas de nomes das crianças das 18 classes, foi localizado cada um dos nomes das crianças do grupo experimental (com perda auditiva) e, então, foi selecionado o nome seguinte na lista, desde que essa criança sem perda auditiva fosse do mesmo sexo da criança com perda e que sua idade não diferisse da idade dela por mais que 6 meses. Apenas as 68 crianças (i.e., 34 do grupo experimental, com perda auditiva; e 34 do grupo controle, sem perda auditiva) é que eram expostas às sessões seguintes.

Na Sessão 2, de aplicação coletiva, as 68 crianças (i.e., 34 de cada grupo) passavam pelo Teste INV (cuja resposta individual em tempo livre variou de 10 a 55 minutos). Na Sessão 3, elas passavam pelo TVIP (em cerca de 60 minutos). Na Sessão 4, de avaliação individual, elas passavam pela PCF (em cerca de 10 a 15 minutos).

Critério para obtenção do grau de perda auditiva em cada orelha

O grau de perda auditiva em cada orelha foi obtido a partir do procedimento de Davis e Silverman (1970, apud Santos & Russo, 1986, p. 191), que considera o efeito da perda em termos de graus de dificuldade para a comunicação. Tal procedimento consiste na simples obtenção da média aritmética dos limiares de cada orelha sob 500 Hz, 1.000 Hz e 2.000 Hz. Assim, por exemplo, o grau de perda auditiva na orelha esquerda = (limiar em 500 Hz + limiar em 1.000 Hz + limiar em 2.000 Hz) / 3. A classificação do grau de perda auditiva de Davis e Silverman (1970, apud Santos & Russo, 1986) é a seguinte: Sem

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perda (limiar médio de 0-25 dB), perda leve (limiar médio de 26-40 dB), perda moderada (limiar médio de 41-70 dB), perda severa (limiar médio de 71-90 dB), e perda profunda ( limiar médio a partir de 91 dB).

Critério para calcular as porcentagens de perda auditiva em cada orelha e binaural

De acordo com a Academia Americana de Oftalmologia e Otorrinolaringologia (Sebastián, 1986), pode-se avaliar a dificuldade auditiva na faixa da fala usando apenas as freqüências de 500 Hz, 1.000 Hz e 2.000 Hz. De acordo com ela, uma perda inferior a 15 dB deve ser ignorada, uma vez que não acarreta problemas para a compreensão da fala na conversação normal, enquanto que uma queda superior a 82 dB equivale à surdez total para conversação normal. O procedimento para calcular a porcentagem de perda auditiva numa dada orelha consiste em obter a média aritmética dos três limiares (em 500 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz), subtrair dela os 15 dB (que não afetam a audição na conversação), e multiplicar o resto por 1,5%. Para encontrar a perda binaural, é preciso obter a porcentagem de perda auditiva de cada orelha. E então, tomando a orelha com menor perda, multiplicar a porcentagem de perda auditiva por cinco, somar a porcentagem da perda auditiva da pior orelha, e dividir a soma por seis.

Assim, de acordo com o critério da Academia Americana de Oftalmologia e Otorrinolaringologia (Sebastián, 1986, pp. 209-210), a porcentagem de perda auditiva de cada orelha na faixa de freqüências da fala é assim obtido:

% perda auditiva = (limiar em 500 Hz + limiar em 1.000 Hz + limiar em 2.000 Hz) / 3) - 15 x 1,5

% perda binaural = ((% perda auditiva na melhor orelha x 5) + (% perda auditiva na pior orelha)) / 6

A aplicação desta fórmula para o grupo controle (i.e., crianças que, na avaliação audiológica conforme os critérios de triagem, não foram identificadas como tendo perda auditiva, ou seja, com limiares dentro da normalidade) resultou numa estimativa de perda média de 11,75%, que deve ser considerada irrelevante para fins de compreensão auditiva na conversação.

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Critério para calcular as faixas de porcentagem de perda auditiva binaural

No presente estudo, conforme explicado anteriormente, a perda auditiva binaural na faixa da conversação (500 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz) foi calculada conforme fórmula da Academia Americana de Oftalmologia e Otorrinolaringologia (Sebastián, 1986, pp. 209-210). Como a maior porcentagem de perda auditiva binaural verificada foi de 42,9%, para facilitar as análises estatísticas do efeito da porcentagem de perda auditiva sobre as medidas de desenvolvimento da linguagem, as perdas auditivas biaurais foram distribuídas em três faixas de porcentagem: 1) Porcentagem inferior a 15%; 2) porcentagem de 16-30%; e 3) porcentagem de 31-45%.

Critério para a obtenção das faixas de inteligência não verbal

No presente estudo, os escores brutos das crianças no Teste INV foram transformados em percentis conforme as instruções do manual CEPA (CEPA, n. d., tabela p. 15), e estes foram distribuídos nas categorias usuais (CEPA, n. d., p. 43): 1 (infradotado): percentis inferiores a 11; 2 (inferior): percentis de 11 a 23; 3 (médio-inferior): percentis de 24 a 40; 4 (médio): percentis de 41 a 60; 5 (médio-superior): percentis de 61 a 77; 6 (superior): percentis de 78 a 89; 7 (superdotado): percentis superiores a 89.

Critério para a obtenção das categorias de discriminação auditiva

As crianças eram expostas à tarefa de repetição da lista de itens monossilábicos de Mangabeira-Albernaz (1997). Para a obtenção das categorias de discriminação auditiva, inicialmente a freqüência de acertos era multiplicada por 4, produzindo um total de até 100%. Tais porcentagens foram então divididas em cinco categorias: P: inferior a 50 (dificuldade profunda); S: de 50 a 60 (dificuldade severa); M: de 60 a 75 (dificuldade moderada); L: de 75 a 90 (dificuldade leve); e N: de 90 a 100 (sem dificuldade).

Resultados

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1. Efeito da faixa de porcentagem da perda auditiva sobre medidas de linguagem

1.1. Efeito da perda auditiva sobre vocabulário receptivo auditivo

Conforme a Figura 1, quanto maior a perda auditiva, tanto menor o vocabulário receptivo auditivo. Análise de variância (Anova) do efeito da faixa de porcentagem de perda auditiva sobre o vocabulário receptivo auditivo (escore TVIP) revelou efeito significativo da perda auditiva, F (2, 65) = 4,07; p = 0,022. Análises de comparação de pares de Fisher LSD (teste Least Significant Difference de Fisher, cf. Systat, 1992) revelaram que o vocabulário receptivo auditivo de crianças com perda auditiva até 30% foi maior que aquele de crianças com perda auditiva maior que 30%.

Figura 1. Pontuação no Teste de Vocabulário por Imagens Peabody como função da faixa de porcentagem de perda auditiva.

Uma vez que o vocabulário receptivo auditivo é adquirido por meio de inferências (Sternberg, 1985), o desempenho no Teste de Vocabulário por Imagens Peabody tem sido descrito como refletindo o efeito da inteligência (F. Capovilla & A. Capovilla, 1997). Assim, para aumentar a precisão da avaliação do efeito da perda auditiva sobre o vocabulário receptivo auditivo, deve-se controlar a variável inteligência. Tal controle pode ser obtido por meio da análise de covariância (Ancova), em que o grau de inteligência é controlado como covariante. Ancova do efeito da faixa de porcentagem de perda auditiva sobre o vocabulário receptivo auditivo (escore TVIP), tendo

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como covariante as faixas de inteligência não verbal (Teste INV) revelou efeito significativo da perda auditiva, F (2, 64) = 4,34; p = 0,017, bem como do covariante inteligência não verbal, F (1, 64) = 11,91; p = 0,001. Análises de comparação de pares de Fisher LSD revelaram que o vocabulário receptivo auditivo de crianças com perda auditiva até 30% foi maior que aquele de crianças com perda auditiva maior que 30%.

1.2. Efeito da perda auditiva sobre a consciência fonológica

Conforme a Figura 2 quanto maior a perda auditiva, tanto menor a consciência fonológica. Anova do efeito da faixa de porcentagem de perda auditiva sobre a consciência fonológica (escore PCF) revelou efeito significativo da perda auditiva, F (3, 66) = 3,90; p = 0,013. Análises de comparação de pares de Fisher LSD revelaram que a consciência fonológica de crianças com perda auditiva até 15% foi maior que aquela de crianças com perda auditiva maior que 30%, e que a consciência fonológica de crianças com perda auditiva até 30% foi maior que a daquelas com perda superior a 60%. Ancova do efeito da faixa de porcentagem de perda auditiva sobre a consciência fonológica (escore PCF), tendo como covariante as faixas de inteligência não verbal (no Teste INV) revelou efeito significativo da perda auditiva, F (3, 65) = 5,45; p = 0,002, bem como do covariante inteligência não verbal, F (1, 65) = 9,07; p = 0,004. Análises de comparação de pares de Fisher LSD revelaram que a consciência fonológica de crianças com perda auditiva até 15% foi maior que aquela de crianças com perda auditiva maior que 30%, e que a consciência fonológica de crianças com perda auditiva até 30% foi maior que a daquelas com perda superior a 60%.

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Figura 2. Pontuação na Prova de Consciência Fonológica como função da faixa de porcentagem de perda auditiva.

1.3. Efeito da perda auditiva sobre incidência de crianças com dificuldade articulatória e freqüência de dificuldade articulatória

A dificuldade articulatória foi avaliada pela análise das emissões articulatórias (i.e., trocas e omissões) durante a prova de discriminação auditiva (i.e., repetição da lista de 25 palavras e pseudopalavras monossilábicas). Seus resultados foram avaliados tanto em termos de simples incidência (1) ou não (0) em cada criança da amostra (i.e., em termos de número de crianças que apresentaram qualquer dificuldade articulatória), como também em termos da freqüência de diferentes trocas e omissões observadas nas emissões articulatórias durante a prova de discriminação auditiva para cada criança. Foram observadas trocas e omissões apenas em cinco das 68 crianças durante a prova de discriminação auditiva em que as crianças tinham que repetir as palavras e pseudopalavras da lista.

1.3.1. Efeito da perda auditiva sobre aincidência de crianças com dificuldade articulatória

Conforme a Figura 3 quanto maior a perda auditiva, tanto maior a incidência média de crianças com dificuldade articulatória. Anova do efeito da faixa de porcentagem de perda auditiva sobre a incidência média de crianças com dificuldade articulatória revelou efeito

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significativo da perda auditiva, F (2, 65) = 4,43; p = 0,016. Análises de comparação de pares de Fisher LSD revelaram que a incidência média de crianças com dificuldade articulatória foi menor na faixa de perda até 30%, do que na faixa de perda a partir de 30%.

Figura 3. Incidência média de crianças com dificuldade articulatória como função da faixa de porcentagem de perda auditiva.

1.3.2. Efeito da perda auditiva sobre afreqüência de dificuldade articulatória

Como mencionado anteriormente, foram observadas trocas ou omissões articulatórias em apenas cinco das 68 crianças, sendo que, destas, quatro apresentavam perda auditiva e uma não. Analisando a freqüência de diferentes trocas e omissões articulatórias como função da faixa de porcentagem de perda auditiva, observa-se que quanto maior a perda auditiva, tanto maior a freqüência média de diferentes trocas e omissões articulatórias. Tais dados encontram-se representados na Figura 4. Anova do efeito da faixa de porcentagem de perda auditiva sobre a freqüência média de diferentes trocas e omissões articulatórias revelou efeito significativo da perda auditiva, F (2, 65) = 4,75; p = 0,012. Análises de comparação de pares de Bonferroni (Systat, 1992) revelaram que a freqüência de diferentes trocas e omissões articulatórias de crianças na faixa de perda auditiva de até 30% foi menor que a de crianças na faixa de perda maior que 30%.

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Figura 4. Freqüência média de diferentes trocas e omissões articulatórias como função da faixa de porcentagem de perda auditiva.

1.4. Efeito da perda auditiva sobre a discriminação auditiva

Conforme a Figura 5 quanto maior a perda auditiva, tanto menor a discriminação auditiva na prova de repetição da lista de palavras e pseudopalavras monossilábicas (Mangabeira-Albernaz, 1997). Anova do efeito da faixa de porcentagem de perda auditiva sobre a discriminação auditiva revelou efeito significativo da perda auditiva, F (2, 64) = 4,06; p = 0,022. Análises de comparação de pares de Fisher LSD revelaram que a discriminação auditiva de crianças com perda auditiva até 30% foi maior que a de crianças com perda auditiva maior que 30%.

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Figura 5. Discriminação auditiva como função da faixa de porcentagem de perda auditiva.

1.5. Efeito da perda auditiva sobre a nota escolar

A Figura 6 representa o efeito da faixa de porcentagem de perda auditiva sobre a nota escolar. Ancova da faixa de porcentagem de perda auditiva sobre a nota escolar, tendo como covariantes a idade da criança (em meses) e o nível médio de escolaridade dos pais revelou efeito significativo da faixa de porcentagem de perda auditiva, F (2, 63) = 3,19; p = 0,048, mas não de qualquer covariante. Conforme a figura, quanto maior a faixa de porcentagem de perda auditiva, tanto menor a nota escolar. Análise de comparação de pares de Fisher LSD revelou que a nota de crianças com perda auditiva superior a 30% foi significativamente menor que a nota daquelas com perda auditiva inferior a 30%.

2. Diferenças entre grupos experimental e controle: Porcentagem de perda auditiva binaural, vocabulário receptivo

auditivo e discriminação auditiva

2.1. Porcentagem de perda auditiva binaural

Figura 6. Nota escolar como função da faixa de porcentagem de perda auditiva.

A identificação de perda auditiva em qualquer uma das quatro freqüências (i.e., presença de limiar elevado em qualquer uma das

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freqüências 500 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz, e 4.000 Hz) durante a triagem audiológica com o audiômetro foi o critério para a composição dos grupos experimental (i.e., com perda) e controle (i.e., sem perda). Conforme a Figura 7, a porcentagem média de perda auditiva binaural do grupo experimental foi significativamente superior àquela do grupo controle. Teste t de Student para amostras independentes revelou que a porcentagem de perda auditiva binaural do grupo experimental (com perda) foi significativamente superior à do grupo controle (sem perda), t (66) = 5,98; p < 0,000.

Figura 7. Porcentagem de perda auditiva binaural das crianças identificadas como tendo perda auditiva (grupo experimental) ou não (grupo controle) na triagem audiológica.

2.2. Vocabulário receptivo auditivo

Conforme a Figura 8, o vocabulário receptivo auditivo do grupo experimental (i.e., com perda identificada na triagem) mostrou-se significativamente inferior àquele do grupo controle (i.e., sem perda na triagem). Teste t de Student para amostras independentes revelou que o vocabulário receptivo auditivo do grupo experimental (com perda) foi significativamente inferior ao do grupo controle (sem perda), t (66) = 2,07; p = 0,043. Ancova controlando o efeito da inteligência não verbal revelou diferença significativa entre os grupos, F (1, 65) = 6,26; p = 0,015, bem como da inteligência, F (1, 65) = 13,65; p = 0,000.

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Figura 8. Pontuação no Teste de Vocabulário por Imagens Peabody das crianças identificadas como tendo perda auditiva (grupo experimental) ou não (grupo controle) na triagem audiológica.

2.3. Discriminação auditiva

A Figura 9 representa a discriminação auditiva registrada nos grupos sem perda auditiva (0) e com perda auditiva (1). Teste t de Student para amostras independentes revelou que a discriminação auditiva do grupo experimental (com perda) foi significativamente superior à do grupo controle (sem perda), t (66) = 2,80; p = 0,007.

3. Intercorrelações entre vocabulário receptivo auditivo, consciência fonológica, e nota escolar

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Figura 9. Discriminação auditiva das crianças identificadas como tendo perda auditiva (grupo experimental) ou não (grupo controle) na triagem audiológica.

3.1. Vocabulário receptivo auditivo e consciência fonológica

A Figura 10 representa o correlograma, com reta de regressão e intervalo de confiança, entre os desempenhos no Teste de Vocabulário por Imagens Peabody (TVIP) e na Prova de Consciência Fonológica (PCF). Análise de regressão da pontuação na PCF como função da pontuação no TVIP revelou correlação positiva (r = 0,55; r2 = 0,30) significativa entre os desempenhos em TVIP e PCF, F (1, 66) = 28,26; p = 0,000.

Figura 10. Correlograma, com reta de regressão e intervalo de confiança, entre os desempenhos de vocabulário receptivo auditivo (TVIP) e consciência fonológica (PCF).

3.2. Nota escolar e vocabulário receptivo auditivo

A Figura 11 representa o correlograma, com reta de regressão e intervalo de confiança, entre a nota escolar e o desempenho no Teste de Vocabulário por Imagens Peabody (TVIP). Análise de regressão da nota escolar como função da pontuação no TVIP revelou correlação positiva (r = 0,38; r2 = 0,15) significativa entre nota escolar e vocabulário, F (1, 66) = 11,38; p = 0,001.

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Figura 11. Correlograma, com reta de regressão e intervalo de confiança, entre nota escolar e vocabulário receptivo auditivo (TVIP).

3.3. Nota escolar e consciência fonológica

A Figura 12 representa o correlograma, com reta de regressão e intervalo de confiança, entre a nota escolar e o desempenho na Prova de Consciência Fonológica (PCF). Análise de regressão da nota escolar como função da pontuação na PCF revelou correlação positiva (r = 0,54; r2 = 0,29) significativa entre nota escolar e consciência fonológica, F (1, 66) = 27,30; p = 0,000.

4. Efeito da categoria de discriminação auditiva sobre vocabulário receptivo auditivo, consciência fonológica, e troca articulatória

Conforme explicado, a discriminação auditiva foi avaliada por meio da tarefa de repetição de uma lista de itens monossilábicos (Mangabeira-Albernaz, 1997). Para a obtenção das categorias de discriminação auditiva, inicialmente a freqüência de acertos era multiplicada por 4, produzindo um total de até 100%. Tais porcentagens eram então divididas em cinco categorias: P: inferior a 50% (dificuldade profunda); S: 50-60% (dificuldade severa); M: 60-75% (dificuldade moderada); L: 75-90% (dificuldade leve); N: 90-100% (sem dificuldade).

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Figura 12. Correlograma, com reta de regressão e intervalo de confiança, entre a nota escolar e a consciência fonológica (PCF).

4.1. Efeito da categoria de discriminação auditiva sobre ovocabulário receptivo auditivo

Conforme a Figura 13, o vocabulário receptivo auditivo foi maior em crianças com discriminação auditiva normal do que naquelas com dificuldade leve. Teste t de Student para amostras independentes revelou que o vocabulário receptivo auditivo das crianças com dificuldade de discriminação auditiva (L) foi significativamente menor que o das crianças sem dificuldade de discriminação auditiva (N), t (66) = 3,25; p = 0,002. Ancova do efeito da categoria de discriminação auditiva sobre o vocabulário receptivo auditivo, tendo como covariante as faixas de inteligência não verbal (no Teste INV) revelou efeito significativo da discriminação auditiva, F (1, 65) = 13,08; p = 0,001, bem como do covariante inteligência não verbal, F (1, 65) = 9,90; p = 0,003.

4.2. Efeito da categoria de discriminação auditiva sobre aconsciência fonológica

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Figura 13. Pontuação no Teste de Vocabulário por Imagens Peabody em crianças com discriminação auditiva na faixa da normalidade (N) ou com dificuldade leve (L).

Conforme a Figura 14, crianças com dificuldade de discriminação auditiva em grau leve apresentaram menor consciência fonológica do que as crianças sem dificuldade de discriminação auditiva. Teste t de Student para amostras independentes revelou que a consciência fonológica das crianças com dificuldade de discriminação auditiva (L) foi significativamente menor que o das crianças em dificuldade de discriminação auditiva (N), t (66) = 2,29; p = 0,025. Ancova do efeito da categoria de discriminação auditiva sobre a consciência fonológica (escore PCF), tendo como covariante a inteligência não verbal (Teste INV) revelou efeito significativo da discriminação auditiva, F (1, 65) = 7,24; p = 0,009, bem como do covariante inteligência não verbal, F (1, 65) = 13,78; p < 0,002.

Figura 14. Pontuação na Prova de Consciência Fonológica em crianças com discriminação auditiva na faixa da normalidade (N) ou com dificuldade leve (L).

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4.3. Efeito da categoria de discriminação auditiva sobre a dificuldade articulatória

Conforme a Figura 15, crianças com dificuldade de discriminação auditiva em grau leve apresentaram mais dificuldade articulatória que as crianças sem dificuldade de discriminação auditiva. Teste t de Student para amostras independentes revelou que a dificuldade articulatória das crianças com dificuldade de discriminação auditiva (L) foi significativamente menor que o das crianças em dificuldade de discriminação auditiva (N), t (66) = 2,27; p = 0,027. Ancova do efeito da categoria de discriminação auditiva sobre a dificuldade articulatória, tendo como covariante a inteligência não verbal (Teste INV) revelou efeito significativo da discriminação auditiva, F (1, 65) = 5,30; p = 0,024, mas não do covariante inteligência não verbal.

Figura 15. Troca articulatória em crianças com discriminação auditiva na faixa da normalidade (N) ou com dificuldade leve (L).

Conclusões

O presente estudo avaliou o efeito da perda auditiva sobre a linguagem, controlando a inteligência como covariante. Nele 528 crianças da primeira série de 18 classes de oito escolas de ensino fundamental da rede pública (municipal e estadual) de Goiânia foram submetidas, nas próprias escolas, a uma triagem audiológica com microaudiômetro. Das 528 crianças, 34 (i.e., 6,4%) apresentaram perda auditiva, numa orelha ou em ambas as orelhas, com limiar elevado em qualquer uma de quatro freqüências (i.e., limiar acima de

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35 dB em 500 Hz, acima de 30 dB em 1.000 Hz, acima de 25 dB em 2.000 Hz, ou acima de 25 dB em 4.000 Hz). Essas 34 crianças compuseram o grupo experimental. Outras 34 crianças, emparelhadas por sexo e idade, compuseram o grupo controle (i.e., sem perda) a partir da mesma amostra. As 68 crianças foram, então, submetidas a avaliação de linguagem oral receptiva (i.e., vocabulário receptivo auditivo, consciência fonológica, discriminação auditiva, articulação de fala) e de inteligência não verbal. Resultados mostraram que, quanto maior a perda auditiva, tanto menor o vocabulário receptivo auditivo, a consciência fonológica, e a discriminação auditiva. Além disso, quanto maior a perda auditiva, tanto maior a incidência de crianças com dificuldades articulatórias, bem como a freqüência de trocas e omissões articulatórias que apresentam.

O resultados revelaram que os critérios usados na triagem foram adequados: Quando comparadas às crianças-controle, as crianças identificadas como tendo qualquer perda auditiva na triagem apresentaram, em média, maior limiar auditivo em cada uma das orelhas, maior grau de perda auditiva em cada uma das orelhas, maior porcentagem de perda binaural, e menor vocabulário receptivo auditivo. Os testes de linguagem e inteligência empregados foram adequados: Houve correlação positiva significativa entre o vocabulário receptivo auditivo, a consciência fonológica, a inteligência não verbal e a nota escolar. Nas análises do efeito da perda auditiva sobre as medidas de linguagem, o controle da inteligência não verbal como covariante foi eficaz, já que o vocabulário receptivo auditivo, a consciência fonológica e a nota escolar foram afetados pela inteligência não verbal numa função direta.

Finalmente, o presente estudo também validou um aparelho de triagem audiológica que, em relação a um microaudiômetro convencional, tem muitas vantagens como menor custo (R$ 20,00 contra R$ 1.400,00), aplicação mais rápida (até 5 minutos contra 15-20 minutos), prática (não restrita a profissionais especializados) e extensiva (com aplicabilidade a partir de 2 anos e 2 meses de idade). Todas as crianças foram submetidas à triagem audiológica com esse aparelho regulado a 1.000 Hz e 35 dB, e os dados foram comparados com os do microaudiômetro de alto custo na mesma freqüência mas com livre variação de intensidade (dB). Para as crianças de 7 anos de

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idade deste estudo, a comparação entre os dados obtidos com o microaudiômetro em variação livre e aqueles do aparelho de baixo custo fixado em 35 dB (ambos em 1.000 Hz) indica que este último aparelho foi eficaz em discriminar entre audição normal (limiar até 35 dB em 1.000 Hz) e perda leve (limiar de 40 dB em 1.000 Hz). Assim, o aparelho de custo baixo e aplicação rápida, prática e extensiva foi válido para triagem audiológica eficaz e, sendo barato, prático e válido, parece ser bastante apropriado às condições de triagem audiológica em escolas de periferia no Brasil.

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Capítulo 5

Psicologia e prevenção na educação infantil

Luiza Elena Leite Ribeiro do VallePsicóloga clínica com especialização em Psicopedagogia, Mestre em Psicologia Escolar pela Pontifícia Universidade Católica de CampinasDoutoranda em Saúde Mental pelo Instituto de Ciências Médicas da Universidade Estadual de CampinasInterclínica Ribeiro do Valle, Poços de Caldase-mail: [email protected]

A saúde é um processo complexo, qualitativo, que define o funcionamento completo do organismo, integrando de forma sistêmica, o somático e o psicológico, formando uma unidade. Além disso, o indivíduo é influenciado pelas interações pessoais e transações com o meio, por isso, para compreender o desenvolvimento emocional, é preciso ter em mente uma perspectiva biopsicossocial, de aspectos que interagem e se complementam no sujeito em formação.

Bronfenbrenner (1989) afirma que cada criança cresce num ambiente social complexo (uma ecologia social), com um elenco de personagens (irmãos, pais, avós, babás, professores, amigos) que, também, se inserem num sistema social mais amplo da comunidade (emprego, vizinhança) que obedecem a sistemas sociais mais distantes (por exemplo, uma decisão governamental pode interferir no padrão de vida pessoal de alguém, como acontece com um aumento no salário ou em impostos).

O modelo ecológico do desenvolvimento humano, proposto por Bronfenbrenner (1989, 1991), privilegia a compreensão do ser humano de forma ampla e sistêmica. A criança deixa de ser alvo de atendimentos individuais, com base em seus processos internos, para ser entendida como uma pessoa em um sistema ecológico. Nessa visão mais global a relação da escola no contexto de vida da criança não

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ocorre apenas nos limites dos horários ou dos muros escolares. Cada família, e, portanto, cada criança, está inserida numa série

de contextos que se sobrepõem e afetam a interação dessa família: A posição econômica, o grupo étnico, o trabalho (ou desemprego) dos pais, a televisão, etc. O mesmo ambiente pode ter efeitos muito diferentes, dependendo das qualidades ou capacidades que a criança traz. Enquanto uma criança torna-se vulnerável aos estresses da infância, outra apresenta resistência diante da mesma situação e fica protegida das piores conseqüências (Garmezy, 1993; Garmezy & Rutter, 1983; Rutter, 1987). Partindo dessa constatação a abordagem ecológica do desenvolvimento humano aborda os conceitos de resiliência e vulnerabilidade, risco e proteção.

Resiliência, que deriva do verbo latino resilio e significa recuar, é definida, por Rutter (1987) como a capacidade de buscar alternativas eficazes que auxiliarão a enfrentar de forma satisfatória os eventos negativos de vida. A ausência desta capacidade ou a ação ineficaz dos recursos pessoais na superação de eventos negativos de vida é compreendida como vulnerabilidade, provocando comportamentos desadaptados ou, em casos extremos, sintomas psicopatológicos (Garmezy, 1993).

Ambos os conceitos relacionam-se a fatores de risco e de proteção aos quais a pessoa está exposta. Risco designa os eventos que podem levar a resultados ineficazes, enfraquecendo a pessoa diante dos fatores de estresse. Os fatores de proteção constituem aqueles que inibem o prejuízo do risco, pela diminuição de sua intensidade, como acontece com a criança que recebe um cuidado estável na família, reforçada com modelos saudáveis com os quais pode se identificar, além das características pessoais no relacionamento e na competência pessoal que essa criança apresente.

O conceito de resiliência na infância envolve dois elementos-chave: Bom ajustamento e presença de significativos fatores de estresse, sendo que este último aumenta diante de situações desadaptativas (Garmezy, 1993; Masten & Coatsworth, 1998). A criança resiliente é vista como aquela que "trabalha bem, brinca bem, ama bem e tem boas expectativas" diante de uma maior adversidade e deve focalizada pela Psicologia Positiva tendo em vista o enriquecimento de suas características que podem influenciar outras

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crianças (Cowen, 1994, 1996). As condições de reagir ao estresse incluem qualidades da criança, tais como bom temperamento, autonomia e competências sociais, além de fatores de competências parentais nos cuidados práticos e estilos de disciplina, no contexto da relação entre pais e filhos (Werner & Smith, 1992). Um outro estudo acrescenta um terceiro fator que inclui modelos de identificação fora da família, como os professores (Garmezy, 1993; Werner & Smith, 1992). Garmezy (1996), afirma que, para desenvolver a resiliência, os três fatores precisam ser coordenados dinamicamente: A coesão familiar, as características pessoais e uma rede de apoio social e afetivo eficaz. O que leva a criança a resultados ruins é uma dupla dificuldade, isto é, de vulnerabilidade num ambiente não facilitador. Um ambiente facilitador é aquele em que os pais são amorosos e responsáveis e a criança tem rica estimulação. As intervenções para enriquecimento efetivo de resiliência de crianças expostas a estresse crônico precisam:

Ser iniciadas precocemente no desenvolvimento da criança.

Ser dirigidas para a unidade de família, particularmente para os cuidadores primários que representam papéis cruciais na formação da criança (Masten & Coatsworth, 1998; Wyman et al., 1991).

Incluir novas reflexões sobre a maturidade da criança em desenvolvimento e sua capacidade cognitiva.

As conclusões desse contexto convergem de três revisões de programas de prevenção de delinqüência (Tolan & Guerra, 1994; Yoshikawa, 1994; Zigler, Tawssig, & Black, 1992), que garantem que um começo cedo e focalizado na família são elementos cruciais num trabalho de prevenção da delinqüência.

A escola e os programas que esta desenvolve focalizam tradicionalmente os casos de comprometimento. Há necessidade de uma mudança nesse pensar. Os programas de tratamento servem para experiências de problemas individuais, enquanto a intervenção preventiva dirige-se aos grupos em que as dificuldades começam a emergir ou à população de risco antes que ocorram, combinando pesquisas científicas com a atuação prática.

A resiliência precisa ser analisada na pré-escola porque, nesse

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momento, as conquistas cognitivas se combinam com novas e importantes habilidades motoras, com uma independência significativamente maior, que favorece, ainda mais, o desenvolvimento geral. Nessa faixa de desenvolvimento infantil as conexões neurológicas encontram-se em fase acentuadamente multiplicativa o que pode favorecer a aprendizagem adequadamente mediada (Ribeiro do Valle, 1999). Todas as facetas do desenvolvimento são uma combinação ou interação de influências externas e internas, sendo que os primeiros anos de vida são um período importante de estabelecimento dos modelos funcionais internos e altamente sensíveis à variação ambiental. Cada período pode ser visto, também, como tendo uma série de tarefas centrais com exigências de experiências "críticas" para cada fase, e a partir do sucesso ou não da criança na realização de suas tarefas ocorre a formação do autoconceito e da personalidade.

A dimensão de vulnerabilidade-resiliência pode ser considerada levando em conta as diferenças individuais, e as necessidades de cada um para seu ajustamento ao ambiente. A vulnerabilidade pode aumentar ou diminuir dependendo da adequação do ambiente em uma série de pontos do desenvolvimento: Qualidade e tempo de apoio que a criança recebe do ambiente.

As crianças originadas de famílias que não as compreendem em suas necessidades evolutivas ou de ambientes caracterizados por negligência ou violência (abuso de drogas, álcool, baixa renda familiar, desemprego dos pais, condições ruins de moradia, conflitos parentais, dificuldades no acesso a programas de saúde), estão mais expostas a riscos se não desenvolverem sua autorregulação.

Para Almeida e Guzzo (1992), a mudança para um enfoque preventivo decorre de movimentos da Educação e da Psicologia, rompendo com uma visão reducionista, para lançar-se a objetivos amplos, em que a saúde mental passa a ter relevância, abarcando a responsabilidade pelo desenvolvimento integral dos educandos. A necessidade de mudar de paradigmas de atividades diretas (solução de problemas) e indiretas (aconselhamentos) relacionadas a tratamentos de reabilitação, para programas preventivos, focalizados em grupos onde os problemas estão apenas começando ou antes que ocorram, exige uma transformação nas expectativas dos psicólogos escolares para que não anseiem por resultados imediatos e possam fortalecer

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adequadamente os passos do programa, orientando as pessoas envolvidas no processo. O trabalho do psicólogo precisa estar centrado na importância de fortalecer (empowerment) as características pessoais da criança, oferecer alternativa de apoio na comunidade e de propiciar um sentimento de coesão ecológica no ambiente escolar com relações de confiança e vínculo (Antoni & Koller, 2001).

A idéia geral, atrás da promoção de saúde, é aumentar as habilidades, força ou adaptação de grupos determinados, isto é, focalizar os aspectos positivos de saúde ou ajustamento, conforme destaca Durlak (1998). Segundo ele, a prevenção primária é a intervenção na população normal, que se destina a prevenir a ocorrência de futuras dificuldades. A prevenção secundária é a intervenção na população com problemas iniciais para evitar o desenvolvimento de conseqüências mais sérias. A essência da prevenção secundária é a identificação precoce de problemas e a intervenção antes que estes se tornem severos. Nos estágios iniciais, as intervenções podem encurtar a duração e intensidade dos problemas, e quanto mais novas as crianças, maior flexibilidade psicológica permitindo prognósticos mais favoráveis.

A prevenção primária, embora mais difícil, procura reduzir a incidência de novos casos, intervindo proativamente, isto é, antes que os distúrbios ocorram (Knoff, 1995). São diversas as vantagens da prevenção primária:

As competências podem ser aumentadas através da educação.

O treino pode auxiliar pessoas a desenvolver estratégias competitivas contra círculos viciosos de efeitos negativos ou situações estressantes de vida.

O ambiente pode ser modificado para reduzir ou conter circunstâncias prejudiciais.

Sistemas de apoio podem ser desenvolvidos mais amplamente.

Ao intervir na promoção da saúde, não se deve ignorar as forças genéticas que levam cada um a selecionar seu espaço e seus relacionamentos, resultando numa configuração individual única. Rutter et al. (1994) descreveram os fatores que influenciam as

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diferenças individuais na exposição ao risco ambiental, que incluem tanto domínios internos individuais (estruturas psicológicas, biológicas e bioquímicas), como domínios externos ao indivíduo (experiências socioculturais, ações do indivíduo e dos outros, acontecimentos vividos).

Mayers e Nastasi (1999) recomendam que os programas de intervenção primária e redução do risco sejam implementados nas escolas como parte do comportamento cotidiano, já que o enfoque preventivo dá oportunidades para o sucesso de um projeto educacional que leve em conta a aceitabilidade social e a integração de professores, alunos, família, escola e comunidade. Os programas de promoção de saúde têm que estar embebidos na cultura comunitária que cerca a escola, tendo em consideração primordial a família das crianças.

Gridley, Mucha, e Hatfield (1995) recomendam uma prioridade na observação da criança por ocasião de sua admissão na pré-escola com o propósito de:

Identificar precocemente possibilidades de dificuldades potenciais na aprendizagem

Indicar a criança para avaliação e pesquisa quando necessário

Obter informações de saúde e vivenciais da criança Promover programas baseados nas necessidades

individuais Envolver os pais para assegurar o desenvolvimento de

suas crianças com reconhecimento das características e vulnerabilidades individuais.

A intenção não é diagnóstica, nem de trabalhar com a criança individualmente, até porque, para a maioria das crianças, a pesquisa individual não é necessária. A idéia de estabelecer um quadro geral tem a função de ajudar as chances de sucesso inicial para todas as crianças, permitindo a instrumentação de pais e professores em suas experiências e nas formulações curriculares.

A prevenção, antes de ser um procedimento aplicável, "é conseqüência de uma conjunção social e política referendada num compromisso com a cidadania em seus mais variados aspectos"

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(Belisário, 1992). É preciso, portanto, articular diversos ângulos de uma pluralidade de vozes e estilos que compõem o mundo da criança. Como afirma Morin (1985), o problema não está em que cada um perca sua competência, mas em que a desenvolva suficientemente para articular com outras competências (disciplinas e conhecimentos) que, ligados numa cadeia, formariam o anel completo e dinâmico, o anel do conhecimento do conhecimento.

Enfim, faz-se necessário acrescentar que a Educação impõe-se como um caminho inevitável para atender às desigualdades sociais e permitir a inclusão de mais cidadãos numa convivência produtiva em que prevaleça uma qualidade de vida desejável. Acredita-se na constatação de Demo de que a "pobreza política é mais comprometedora para as oportunidades de desenvolvimento, do que a pobreza material; problema mais constrangedor é a ignorância, que inviabiliza a gestação de sujeitos capazes de história própria, ao obstruir a cidadania individual e coletiva; mudanças provêm menos de um pobre que tem fome (o qual acaba facilmente se contentando com qualquer sorte de assistencialismo), que de um pobre que sabe pensar" (Demo, 1999, p.15). Apesar disso, perpetua-se a busca de "soluções educativas" que apenas garantem a aquisição de conhecimentos que foram "decididos" como essenciais à convivência social, sem que se enfoque uma preocupação verdadeira com o indivíduo, pois, se assim fosse, o psicólogo escolar não poderia ser excluído de tal processo.

Os professores necessitam apoio em sua atividade tão especial, por isso é "necessário potencializar novos contornos na formação inicial de professores na articulação de saberes e fazeres compatíveis a uma nova visão de mundo em consonância com a realidade em que irão atuar" (Tavares et al., 2001, p.125). Witter (1996) destaca que a formação é um processo contínuo, permanente. Só, então, é possível ver cada criança na realidade única de sua existência e permitir que ela seja capaz de sentir suas experiências com a alegria da descoberta e da aventura de viver em integração social.

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Capítulo 6

Processamento auditivo central: Demonstrando a validade de uma bateria de

triagem para crianças de 6 a 11 anos 5

Fernando C. CapovillaPsicólogo, Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília Ph.D. em Psicologia Experimental pela Temple University of PhiladelphiaLivre Docente em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de São PauloProfessor Associado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Um dos fatores subjacentes às dificuldades de aquisição de leitura e escrita dos escolares vem sendo referido como distúrbio de processamento auditivo central (Katz & Wilde, 1989; Kraus et al., 1996; MacFarland & Cacace, 1995, 1998). De fato, num dos estudos de Katz (1992), dentre 95 crianças com distúrbio de aprendizagem, 93 apresentaram distúrbio de processamento auditivo central. O processa-mento auditivo central diz respeito à série de processos de decodifi-cação e transformação de informações das ondas sonoras, desde a orelha externa, passando pelas vias auditivas até o córtex. Ele envolve a detecção e interpretação de sons, a capacidade de identificar eventos sonoros quanto ao local, espectro, amplitude e tempo, além da realiza-ção de figura-fundo (e.g., identificação de sinal no ruído), e do recon-hecimento, categorização, e atribuição de significado às informações acústicas (Phillips, 1995).

Segundo a American Speech-Language and Hearing Associa-tion (1996), a habilidade de processamento auditivo central diz re-speito às habilidades de localização e lateralização sonora, discrimi-nação auditiva e reconhecimento de padrões acústicos, bem como de

5 Apoio: CNPq e FAPESP.

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padrões auditivos temporais como resolução, mascaramento, inte-gração e ordenação temporal, além do desempenho auditivo em pre-sença de sinais acústicos degradados (i.e., distorcidos) ou competi-tivos. Como a fala consiste numa série de eventos acústicos codifica-dos em termos de freqüência, intensidade e duração (Davis & Mc-Croskey, 1980), a habilidade de resolução temporal é essencial à per-cepção da fala (Kraus et al., 1995), e a de integração das pistas acústi-cas é vital à compreensão da fala (Balen, 1997). De fato, Capovilla e Capovilla (2001) descobriram que, na primeira série, crianças com ha-bilidade de leitura silenciosa rebaixada (1 desvio-padrão abaixo da média) apresentam rebaixamentos significativos nas habilidades de discriminação fonêmica, memória de trabalho fonológica, e veloci-dade de processamento fonológico.

Segundo Katz e Wilde (1989), as habilidades de processamento auditivo central desenvolvem-se até os 10 ou 12 anos de idade. Se-gundo Alvarez, Caetano, e Nastas (1997), a etiologia dos distúrbios de processamento auditivo central inclui otites freqüentes na primeira in-fância, febres altas e contínuas, distúrbios específicos do desenvolvi-mento da função auditiva, pequenas lesões nas vias de condução, e privação sensorial durante a primeira infância. Uma história de otites médias também foi identificada em crianças portadoras desse distúrbio por Chermak e Musiek (1997), que o relacionam a distúrbios de aprendizagem e do desenvolvimento da linguagem, e ao transtorno do déficit de atenção ou hiperatividade. De acordo com os pesquisadores, a privação auditiva intermitente decorrente de episódios repetidos de otite média antes dos dois anos de idade produz um efeito tampão de perda auditiva temporária no período crítico do desenvolvimento da linguagem (Katz & Wilde, 1989), o que predispõe a criança ao desen-volvimento de distúrbio de processamento auditivo central que pode persistir a vida toda, prejudicando as habilidades de compreender in-formações auditivas e o desempenho acadêmico (Downs, 1985). Tal privação parece produzir mudanças neuroanatomofisiologicas (Bran-des & Ehringer, 1981) que afetam a habilidade de perceber a fala em presença de ruído (Pillsbury, Grose, & Hall, 1991) e rebaixam o de-sempenho de reconhecimento de sentenças no ruído, a menos que a re-lação sinal-ruído seja muito elevada (Gravel & Wallace, 1992).

Segundo Keith e Pensak (1991), o distúrbio de processamento auditivo central consiste numa inabilidade de atentar, discriminar, re-

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conhecer, recordar ou compreender informações auditivas. Tal inabili-dade é verificada apesar da ausência de comprometimento de in-teligência geral e de audição periférica. Crianças com distúrbio de processamento auditivo central apresentam maior dificuldade em compreender a fala em presença de ruído de fundo, maior distratibili-dade, atenção reduzida, dificuldade de comunicação, e baixo desem-penho acadêmico, que é incompatível com seu nível de inteligência geral (Chermak & Musiek, 1992; Gordon & Ward, 1995). Elas apre-sentam dificuldades de recepção da linguagem que se revelam numa menor habilidade de memória auditiva, de apreensão do sentido prin-cipal de enunciados, e de interpretação de palavras, frases, anedotas, metáforas, trocadilhos e de analogias ambíguas. Além disso, elas tam-bém apresentam dificuldades de produção de linguagem, que se reve-lam numa redução na taxa de emissão verbal e de recuperação lexical (Bellis, 1996; Cruz & Pereira, 1996; Ferre, 1997).

De acordo com Keith (1988), essas crianças são, em sua maio-ria, meninos, e seus limiares auditivos são normais, embora sua re-sposta a estímulos auditivos seja inconsistente. Elas apresentam alter-ação na atenção concentrada, fatigam-se facilmente frente a tarefas complexas ou prolongadas, distraem-se com facilidade, mostram sen-sibilidade exacerbada a sons intensos, têm dificuldade em seguir in-struções verbais, solicitam freqüentes repetições da informação audi-tiva, têm dificuldade de memorização, de recitação da tabuada e do al-fabeto, demoram a responder, têm dificuldade em aprender as relações grafofonêmicas, e em compreender piadas e linguagem figurada. A di-ficuldade de compreensão da fala é maior em presença de ruído de fundo, de fala simultânea, ou no acompanhamento da fala de mais de dois interlocutores. Tais pré-escolares tendem a preferir um estilo de aprendizagem cinestésico, enquanto que os pré-escolares sem distúr-bio preferem um estilo mais auditivo e verbal.

A habilidade de processamento auditivo central pode ser avali-ada tanto por medidas eletrofisiológicas quanto por testes comporta-mentais (Musiek & Baran, 1987). Os testes comportamentais sempre usam como estratégia a redução da redundância do material apresen-tado à audição da criança, em termos das pistas acústicas, sintáticas, semânticas e lingüísticas no sinal ou mensagem (Bellis, 1996; Ferre, 1997; Schochat, 1998). Eles permitem diagnóstico diferencial das ha-bilidades auditivas específicas que se encontram comprometidas (Car-

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valho, 1997), mas sua validade e confiabilidade requer que o avaliando tenha suficiente audição periférica, nível cognitivo, e lin-guagem receptiva e expressiva (Bellis, 1996; Chermak & Musiek, 1997; Ferre, 1997). Tais testes compõem baterias, sendo que cada um dos testes avalia pelo menos duas das habilidades de atenção auditiva, discriminação e fechamento auditivo, interação binaural, integração e associação de sinais, e processamento temporal (Ferre, 1997). Como o comprometimento pode ser específico e mostrar-se apenas em um teste e não nos outros (Baran & Musiek, 1999), é essencial usar bate-rias de testes e não apenas um ou outro teste isolado (Hood & Berlin, 1996). Além disso, como lembra Keith (1995), é preciso demonstrar que a bateria é válida (i.e., que ela mede aquilo que objetiva medir, ou seja, que seus resultados correspondem aos de outros instrumentos e da observação clínica) e que ela é também confiável (i.e., que seus re-sultados mostram-se estáveis em avaliações repetidas). Finalmente, feito isto, é preciso obter tabelas de dados normativos do desempenho nos subtestes das baterias para cada faixa etária, já que em escolares o desempenho auditivo nesses testes melhora com a idade (Musiek & Lamb, 1999).

Embora ainda não haja dados epidemiológicos sobre a incidên-cia de distúrbios de processamento auditivo central, de acordo pesquisadores (Bellis, 1996; Chermak & Musiek, 1997; Lewis, 1986), 70% das crianças até 3 anos de idade já tiveram um ou mais episódios de otite média, sendo que mais de 30% tiveram três ou mais. Além disso, 10% dos escolares apresentam distúrbios de aprendizagem; 10-20% apresentam transtorno do déficit de atenção, sendo que 25-50% deles apresentam distúrbios de aprendizagem; e 70-80% das crianças que apresentam distúrbio de aprendizagem e de processamento audi-tivo central também apresentam distúrbio do desenvolvimento da lin-guagem.

A ausência de levantamentos epidemiológicos da incidência de distúrbios de processamento auditivo central se deve à falta de instru-mentos de triagem das habilidades de processamento auditivo central. Por isso, com o objetivo de fornecer um instrumento de triagem capaz de identificar rápida e facilmente crianças com transtornos de proces-samento auditivo central, e inspirada na bateria SCAN (Screening Test for Auditory Processing Disorders) de Keith (1986), Zaidan (2001) dedicou-se à elaboração de uma bateria de testes de triagem do pro-

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cessamento auditivo central em sua dissertação de mestrado em Neu-rociências e Comportamento na Universidade de São Paulo. A triagem objetiva apenas identificar crianças que podem apresentar alteração no processamento auditivo central, ou seja, detectar as crianças que ne-cessitam de avaliação para fins diagnósticos, mas não fornecer o diag-nóstico propriamente dito. A triagem contribui para diminuir avali-ações desnecessárias, reduzindo desperdícios de recursos materiais e humanos, e auxiliando a adequar os delineamentos educacionais às características da população escolar.

Além de válida e fidedigna, a triagem deve ser um procedi-mento uniforme e padronizado, bem aceito pelos avaliandos, e de apli-cação e interpretação simples, fácil e rápida em ambiente natural (Bess & Hulmes, 1998; Cherry, 1992). Coerente com tais objetivos, a bateria de triagem de Zaidan (2001) é composta por apenas três testes, contrastando com baterias de avaliação para um exame mais detido e extenso, como a de Pereira e Schochat (1997b) que tem 12 testes: 1) Fala no ruído (Schochat & Pereira, 1997), 2) Baixa redundância: Fala filtrada e fusão biaural (Pereira & Schochat, 1997a), 3) PSI em por-tuguês (Kalil, Ziliotto, & Almeida, 1997), 4) SSI em português (Kalil, Ziliotto, & Almeida, 1997), 5) Consoante-vogal de escuta direcionada (Tedesco, 1997), 6) Escuta com dígitos (Santos, M. F., & Pereira, 1997), 7) Não-verbal de escuta direcionada (Ortiz & Pereira, 1997), 8) Sons ambientais competitivos CES (Schochat, 1997), 9) Dissílabos al-ternados SSW (Borges, 1997a), 10) Sentenças para avaliar reconheci-mento da fala (Costa, Iorio, & Mangabeira Albernaz, 1997b), 11) Consciênca fonológica (Santos. M. T., & Pereira, 1997), 12) Per-cepção auditiva para deficientes auditivos com palavras MTS (Borges, 1997b).

A bateria SCAN (Screening Test for Auditory Processing Disor-ders) de Keith (1986)

A bateria de Zaidan (2001) é inspirada na bateria SCAN (Screening Test for Auditory Processing Disorders) de Keith (1986), uma das baterias comportamentais mais empregadas por audiologistas nos Estados Unidos, embora seja criticada por carecer de teste de pro-cessamento temporal e de validação com cérebro-lesados (Chermak et al., 1998) e por produzir efeito de carreamento (Amos & Humes,

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1998). A bateria SCAN requer apenas um aparelho de som estere-ofônico portátil e dois conjuntos de fone de ouvido, e pode ser apli-cada numa sala silenciosa em apenas 20 minutos. Foi normatizada na faixa etária de 3 a 11 anos de idade. Apresenta listas de palavras monossílabas familiares e de fácil reconhecimento a crianças de primeira série, incluindo substantivos, adjetivos, verbs e pronomes. SCAN compõe-se de três testes:

1) Escuta dicótica de palavras competitivas: Repetição de 108 palavras alvo monossílabas (i.e., 2 listas de 25 pares de palavras cada uma, mais 8 itens de prática) apresentadas dicoticamente (i.e., em cada par de palavras, uma é apresentada à orelha esquerda e a outra à dire-ita, ambas simultaneamente ou com diferença de no máximo 5 milési-mos de segundo). Nesse teste, a criança é solicitada a ouvir duas palavras simultaneamente e a repetir ambas. Segundo Bellis (1996) e Ferre (1997), este teste avalia as habilidades de atenção dividida, inte-gração binaural, discriminação, associação, recuperação e organiza-ção. Diferentes testes variam o material apresentado, como dígitos, ri-mas (Musiek et al., 1989), e consoante-vogal (Berlin et al., 1972).

2) Escuta de fala filtrada passa-baixo: Repetição de 44 palavras monossílabas ouvidas em apresentação monaural com atenuação de freqüências elevadas (i.e., cortes a partir de 1.000 Hz). Segundo Machado (1996), tal corte dificulta a identificação dos fonemas conso-nantais, especialmente os fricativos que têm maior concentração de componentes de alta freqüência. Segundo Keith (1986), este teste avalia a habilidade de decodificar a fala em situação de baixa re-dundância e de realizar fechamento auditivo do sinal. Diferentes testes variam a freqüência de corte em vários níveis como 400 Hz, 500 Hz, ou outra.

3) Escuta de fala no ruído: Repetição de 44 palavras-alvo monossílabas (i.e., 2 listas de 22 palavras cada uma) apresentadas monoauralmente contra rumor de conversa de fundo, sendo a relação sinal-ruído de +8dB. Sinal e ruído podem ser apresentados ambos na mesma orelha (ipsilateralmente), ou cada qual numa orelha diferente (contralateralmente). Esse teste avalia a dificuldade em compreender fala contra ruídos de fundo, que é uma das queixas mais freqüentes de crianças com problemas de aprendizagem. Ele avalia as habilidades de atenção seletiva e sustentada, fechamento auditivo e decodificação de fala de baixa redundância. Diferentes testes variam a relação sinal-

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ruído, sendo que a inteligibilidade é tão maior quanto maior for a diferença do sinal para o ruído em dB (Pereira, 1993), embora tal diferença normalmente fique entre 0 e 10 dB. Diferentes testes tam-bém variam no tipo de ruído de fundo (e.g., ruído branco, burburinho, cafeteria), sendo que quanto maior for a semelhança entre sinal e ruído, tanto mais difícil será o teste.

A bateria de Zaidan (2001)

A bateria de Zaidan (2001) tem apenas três testes, todos envol-vendo repetição de palavras sob escuta difícil, com um tempo total de aplicação de 15 minutos:

1) Teste de escuta de fala filtrada passa-baixo que dura 4 minu-tos e 16 segundos e apresenta 44 palavras (sendo 4 de treino e 40 de teste) separadamente, 20 a cada orelha, e filtradas com corte de fre-qüências acima de 1.000 Hz;

2) Teste monótico de escuta de fala no ruído que dura 4 minu-tos e 7 segundos e apresenta 44 palavras (sendo 4 de treino e 40 de teste, 20 apresentadas à orelha direita e 20 à esquerda), com ruído de conversação filtrado eletronicamente (i.e., sem nenhuma palavra iden-tificável) e relação sinal-ruído de +5dB (i.e., o sinal tem intensidade 5dB superior à do ruído);

3) Teste de escuta dicótica de palavras competitivas que dura 6 minutos e 37 segundos, e apresenta 108 palavras (i.e., 4 pares de treino e 50 pares de teste), sendo as palavras do par apresentadas si-multaneamente, cada palavra numa orelha (e sendo que as palavras têm a mesma acentuação tônica e duração, com coincidência nas con-centrações de energia dos espectros).

Em cada teste há três listas de palavras dissílabas paroxítonas que a criança deve repetir sob situação de escuta difícil. Respeitando critérios de elaboração de materiais de avaliação de linguagem, foram escolhidas palavras familiares à idade dos avaliandos (para evitar efeito de vocabulário), e com extensão controlada e distribuição fonética representativa da língua portuguesa. Além disso, foi feito um certo esforço para levar em consideração a distribuição de freqüência de ocorrência das palavras do Minidicionário Aurélio como função da classe gramatical (58% são substantivos, 23% são adjetivos, 17% são

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

verbos, 1,5% são advérbios, adjetivos e pronomes), número de sílabas (34,5% são trissílabos, 30% são tetrassílabos, 15% são bissílabos, 15% são pentassílabos, e 0,6% são monossílabos), e tonicidade (54% são paroxítonos, 35% são oxítinos, e 11% são proparoxítonos).

A partir do material de leitura das crianças de primeira série, foram escolhidas palavras bissílabas paroxítonas, a maioria correpon-dendo a substantivos, seguidos de adjetivos, verbos e pronomes. Para balanceamento fonético, foi empregado como critério a distribuição de freqüência de ocorrência dos segmentos fônicos do léxico do Minidi-cionário Aurélio. Em cada uma das listas, o índice de correlação entre a distribuição de freqüência de ocorrência dos segmentos fônicos da lista e os do dicionário sempre foi maior que r = 0,95. Após o bal-anceamento, as listas foram submetidas a juízes, e foram eliminadas as palavras com alta freqüência de acerto, erro ou substituições. Depois disso, após novo balanceamento, as listas foram gravadas em estúdio profissional em formato digital e, por meio do software Wave, foram removidos os picos de amplitude de modo a estreitar e uniformizar a faixa dinâmica, controando artefatos audíveis. As três listas empre-gadas encontram-se no Quadro 1.

Os estudos de Zaidan

Zaidan (2001) conduziu dois estudos, o primeiro para testar a adequação das três listas de palavras que compõem a bateria, e o se-gundo para testar a validade da bateria. O primeiro estudo envolveu 90 crianças de 6 a 11 anos de idade, e teve duas etapas, a primeira com 30 crianças para eliminar palavras inadequadas das listas, e a segunda com 60 crianças para checar se as novas listas estavam aceitáveis. Como esta segunda etapa produziu resultados aceitáveis, as 60 cri-anças foram aproveitadas como grupo controle e seus dados foram us-ados para o segundo estudo. Todas as 90 crianças avaliadas no primeiro estudo eram destras, estudavam em escola particular e apre-sentavam níveis de audição normais e simétricos nas duas orelhas (i.e., limiares auditivos até 15 dBNA), além de ausência de alterações de linguagem, fala, aprendizagem e processamento auditivo central, conforme dados de anamnese e escores no Perfil de Habilidades Fonológicas (Carvalho, Alvarez, & Caetano, 1998).

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Quadro 1. Listas de palavras empregadas nos testes da bateria de triagem.

fala filtrada fala no ruído palavras competitivasOD OE OD OE ordem OD OEbode suco disse trave 1 bola timemilho dente pano dança 2 zero milhonave pura noite missa 3 ninho fundofundo cesta gorda roça 4 lente nuncalado grade risco fibra 5 quente pulgalouco manga corpo gente 6 gripe pistaminha riso nunca lixo 7 susto mundouva rua zebra soro 8 manda cintopires tira circo manda 9 sete gorrosino cinto verde lente 10 dente verde

O segundo estudo usou os resultados dessas 60 crianças cont-role (10 crianças de cada faixa etária, dos 6 aos 11 anos) como critério contra o qual comparar os resultados de 11 outras crianças com diag-nóstico clínico de distúrbio de processamento auditivo central e idades variando de 6 anos e 4 meses a 11 anos e 11 meses. O objetivo do es-tudo era testar a validade da bateria por meio da comparação dos es-cores entre os dois grupos (i.s., o grupo experimental de 11 crianças previamente diagnosticadas como tendo distúrbio de processamento auditivo central e o grupo controle de 60 crianças sem esse diagnós-tico) com vistas a verificar se a bateria toda, ou pelo menos um ou dois de seus três testes, seria capaz de discriminar entre esses dois gru-pos.

Resultados originais relatados

Quanto à qualidade do material, foi observado que as três listas de palavras mostraram-se foneticamente representativas do português, uma vez que o coeficiente de correlação não paramétrico de Spearman entre as freqüências de distribuição dos fonemas nelas e no corpus de palavras do Minidicionário Aurélio variou de 0,979 a 0,997.

Quanto à distribuição de erros como função da faixa etária, não

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

houve análise de dados. Apesar do claro declínio no número médio de erros com a idade que aparece nas Tabelas 4 a 8 da dissertação, nen-huma análise foi feita para avaliar se a bateria (ou qualquer um de seus testes) efetivamente discriminaria entre séries sucessivas. A re-sposta a esta pergunta requereria análise de variância (Anova) seguida de análises de comparação entre pares. Contudo, em vez disso, foi apenas aplicado o teste Runs para avaliar se houve tendência de de-clínio (e.g., por fadiga) ou aumento (e.g., por aprendizagem) no acerto ao longo das três listas, sendo os resultados negativos.

Quanto à capacidade dos testes de discriminar entre os grupos experimental e controle, curiosamente, nenhum teste estatístico foi conduzido. Aparentemente, a variação dos escores dentro dos grupos (que, conforme esperado pela ampla variação etária de 6 a 11 anos, foi muito grande) acabou chamando mais atenção do que a variação entre os grupos (i.e., a variação intra-grupo mostrou-se maior do que a en-tre-grupos, como seria esperado, dada a ampla variação etária). Assim, em vez de comparar os escores entre os grupos, as análises limitaram-se a comparar os escores dentro de cada grupo. Ou seja, dada a forte variação de escores intra-grupo devido à ampla variação etária (6 a 11 anos), as análises limitaram-se a regressões lineares elementares do efeito geral da idade sobre o desempenho em cada grupo e em cada teste, perdendo-se por completo o objetivo central do estudo, que foi o de verificar se a bateria (ou qualquer um de seus testes) seria ou não capaz de discriminar entre os grupos experimental e controle.

Para obter a resposta a esta questão central que motivou o es-tudo (i.e., a questão de se há ou não diferença discriminável entre os grupos) é necessário comparar os escores entre os grupos. Para fazê-lo, contudo, dada a grande variação nos escores dentro de cada um dos grupos, esperada devido à ampla variação etária, seria necessário con-trolar o efeito da idade sobre a variação dos escores dentro de cada grupo. Isto poderia ter sido feito simplesmente por meio de análise de covariância (Ancova), em que o efeito do tipo de grupo sobre o escore nos testes seria avaliado a partir do controle, como covariante, do efeito da idade da criança.

Quanto à confiabilidade do teste, em vez de ter sido calculada a correlação entre os escores de teste e reteste, foi calculado se haveria

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diferença significativa entre os escores da primeira para a segunda aplicação a 30 crianças do grupo controle (i.e., sem distúrbios diag-nosticados). Os resultados mostraram-se significativos em todos os três testes, ou seja, os desempenhos na segunda aplicação foram signi-ficativamente diferentes daqueles da primeira aplicação, o que depõe contra a confiabilidade ou fidedignidade da bateria. Se há diferença nos escores entre a primeira e a segunda aplicações, isto significa que os resultados não são confiáveis. Contudo, comparando as médias da primeira à segunda aplicações, como não há qualquer ganho ou perda aparente, isto sugere que os escores variaram de maneira espúria entre as aplicações. Ou seja, enquanto alguns aumentaram da primeira à se-gunda, outros diminuíram, sendo que os grupos como um todo não ap-resentaram qualquer tendência, mas apenas variações espúrias intra-grupo.

Assim, infelizmente, devido ao relativamente baixo número de crianças do grupo experimental (N = 11) e à grande variação da faixa etária (entre 6 e 11 anos), mas principalmente ao emprego de estatísti-cas descritivas e inferenciais não-paramétricas inadequadas à questão levantada no estudo e à natureza do delineamento experimental em-pregado, os resultados daquele estudo não foram conclusivos.

Resultados reanalisados

Efeito da faixa etária: Reanálises estatísticas levando em consider-ação as 60 crianças do grupo controle

A Figura 1 representa os escores médios no teste de repetição de fala filtrada como função da faixa etária. Conforme a figura, houve uma tendência geral de alta na freqüência de acertos como função da idade.

Anova do escore de repetição de fala filtrada como função de faixa etária revelou efeito significativo, F (5, 54) = 8,77, p< 0,000. Análises de comparação de pares de Bonferroni revelaram que cri-anças de 6 anos tiveram desempenho abaixo de todas as demais, que crianças de 5 anos tiveram desempenho inferior ao das de 10 anos. Ou

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

seja, o teste de fala filtrada foi capaz de discriminar entre crianças de 6 anos e as demais. Análises de comparação de pares de Fisher LSD revelaram que crianças de 6 anos tiveram desempenho abaixo de todas as demais crianças; que crianças de 7 anos tiveram desempenhos abaixo do das crianças de 10 anos; e que crianças de 9 anos tiveram desempenho abaixo do das de 10 anos; e que as crianças de 10 anos tiveram desempenho abaixo do das de 11 anos. Ancova do escore de repetição de fala filtrada como função do sexo das crianças, tendo como covariante a idade falhou em revelar efeito significativo do sexo das crianças, mas revelou efeito do covariante idade das crianças, F (1, 57) = 15,60, p < 0,000. Ou seja, os desempenhos de meninos e meninas no teste de fala filtrada podem ser considerados equivalentes entre si.

Figura 1. Escores médios no teste de repetição de fala filtrada como função da faixa etária da amostra de 60 crianças do grupo controle (i.e., sem diag-nóstico de distúrbio de processamento auditivo central).

A Figura 2 representa os escores médios no teste de repetição de fala no ruído como função da faixa etária. Conforme a figura, houve uma tendência geral de alta na freqüência de acertos como função da idade.

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Figura 2. Escores médios no teste de repetição de fala no ruído como função da faixa etária da amostra de 60 crianças do grupo controle (i.e., sem diag-nóstico de distúrbio de processamento auditivo central).

Anova do escore de repetição da fala no ruído como função de faixa etária revelou efeito significativo, F (5, 54) = 5,36, p < 0,000. Análises de comparação de pares de Bonferroni revelaram que cri-anças de 6 anos tiveram desempenho abaixo dos das crianças de 10 e 11 anos. Análises de comparação de pares de Fisher LSD revelaram que crianças de 6 anos tiveram desempenho abaixo de todas as demais crianças; que crianças de 7 anos tiveram desempenhos abaixo dos das crianças de 10 e 11 anos; e que crianças de 8 e de 9 anos tiveram de-sempenho abaixo das de 11 anos. Ancova do escore de repetição da fala filtrada como função do sexo das crianças, tendo como covariante a idade falhou em revelar efeito significativo do sexo das crianças, mas revelou efeito do covariante idade das crianças, F (1, 57) = 21,05, p < 0,000. Ou seja, os desempenhos de meninos e meninas no teste de fala no ruído também podem ser considerados equivalentes entre si.

A Figura 3 representa os escores médios no teste de repetição de palavras competitivas como função da faixa etária. Conforme a figura, houve uma tendência geral de alta na freqüência de acertos como função da idade.

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

Figura 3. Escores médios no teste de repetição de palavras competitivas como função da faixa etária da amostra de 60 crianças do grupo controle (i.e., sem diagnóstico de distúrbio de processamento auditivo central).

Anova de escore de repetição de palavras competitivas como função de faixa etária revelou efeito significativo, F (5, 54) = 14,41, p < 0,000. Análises de comparação de pares de Bonferroni revelaram que crianças de 6 anos tiveram desempenho abaixo de todas as demais crianças. Análises de comparação de pares de Fisher LSD revelaram que crianças de 6 anos tiveram desempenho abaixo de todas as demais crianças; que crianças de 7 anos tiveram desempenhos abaixo dos das crianças de 10 e 11 anos. Ancova do escore de repetição da fala fil -trada como função do sexo das crianças, tendo como covariante a idade falhou em revelar efeito significativo do sexo das crianças, mas revelou efeito do covariante idade das crianças, F (1, 57) = 45,00, p < 0,000. Ou seja, os desempenhos de meninos e meninas no teste de palavras competitivas também podem ser considerados equivalentes entre si.

A Figura 4 representa os escores médios na bateria de processa-mento auditivo central como função da faixa etária. Conforme a figura, houve uma tendência geral de alta na freqüência de acertos como função da idade.

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Figura 4. Escores médios na bateria de triagem de distúrbio de processamento auditivo central como função da faixa etária da amostra de 60 crianças do grupo controle (i.e., sem diagnóstico de distúrbio de processamento auditivo central).

Anova do escore de repetição de palavras competitivas como função de faixa etária revelou efeito significativo, F (5, 54) = 20,55, p < 0,000. Análises de comparação de pares de Bonferroni revelaram que crianças de 6 anos tiveram desempenho abaixo de todas as demais crianças; e que crianças de 7 anos tiveram desempenho abaixo dos das crianças de 10 e 11 anos de idade. Análises de comparação de pares de Fisher LSD revelaram que crianças de 6 anos tiveram desempenho abaixo de todas as demais crianças; que crianças de 7 anos tiveram de-sempenhos abaixo dos das crianças de 10 e 11 anos; e que crianças de 9 anos tiveram desempenho abaixo do das crianças de 10 anos. An-cova do escore total como função do sexo das crianças, tendo como covariante a idade falhou em revelar efeito significativo do sexo das crianças, mas revelou efeito do covariante idade das crianças, F (1, 57) = 55,75, p < 0,000. Ou seja, os desempenhos de meninos e meni-nas na bateria de triagem de distúrbios de processamento auditivo cen-tral, como um todo, também podem ser considerados equivalentes en-tre si.

Efeito do status “normal” versus “paciente”: Reanálises estatísticas considerando as 60 crianças do

grupo controle e as 11 do grupo experimental

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A Figura 5 representa os escores médios no teste de fala filtrada como função do status das crianças (N: normal, P: paciente). Encon-tram-se representadas as médias em fala filtrada das duas amostras, as 60 crianças normais (N) e as 11 crianças com diagnóstico de distúrbio de processamento auditivo central (P).

Figura 5. Escores médios no teste de fala filtrada como função do status das crianças (N: normal, P: paciente).

Ancova do escore de fala filtrada como função do status ("nor-mal" versus "paciente") das 71 crianças, tendo como covariante a idade das crianças, revelou efeito significativo do status das crianças, F (1, 68) = 10,29, p < 0,000, bem como do covariante idade das cri-anças, F (1, 68) = 16,51, p < 0,000. Ou seja, uma vez controlada a variação produzida pela idade das crianças, notou-se que as crianças com diagnóstico de distúrbio de processamento auditivo central apre-sentaram, no teste de fala filtrada, escore significativamente inferior ao escore das crianças normais (i.e., sem esse diagnóstico). Assim, pode-se dizer que o teste de fala filtrada da presente bateria foi eficaz em identificar crianças com distúrbio de processamento auditivo cen-tral, discriminando-as das normais. As médias, ajustadas pela análise (diferentemente das médias não ajustadas representadas na figura), com respectivos erros-padrão foram as seguintes: Para as 60 crianças normais: 33,09 (e.p. = 0,45), e para as 11 crianças com distúrbio de processamento auditivo central: 29,35 (e.p. = 1,07).

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A Figura 6 representa os escores médios no teste de fala no ruído como função do status das crianças (N: normal, P: paciente). Encontram-se representadas as médias em fala no ruído das duas amostras, as 60 crianças normais (N) e as 11 crianças com diagnóstico de distúrbio de processamento auditivo central (P).

Figura 6. Escores médios no teste de fala no ruído como função do status das crianças (N: normal, P: paciente).

Ancova do escore de fala no ruído como função do status ("nor-mal" versus "paciente") das 71 crianças, tendo como covariante a idade das crianças revelou efeito significativo do status das crianças, F (1, 68) = 61,68, p < 0,000, bem como do covariante idade das cri-anças, F (1, 68) = 23,23, p < 0,000. Ou seja, uma vez controlada a variação produzida pela idade das crianças, notou-se que as crianças com diagnóstico de distúrbio de processamento auditivo central apre-sentaram, no teste de fala no ruído, escore significativamente inferior ao escore das crianças normais (i.e., sem esse diagnóstico). Assim, pode-se dizer que o teste de fala no ruído da bateria de Zaidan foi efi-caz em identificar crianças com distúrbio de processamento auditivo central, discriminando-as das normais. As médias, ajustadas pela análise (diferentemente das médias não ajustadas representadas pela figura), com respectivos erros-padrão foram as seguintes: Para as 60 crianças normais (do grupo controle): 35,06 (e.p. = 0,31), e para as 11 crianças com distúrbio de processamento auditivo central (do grupo experimental): 28,76 (e.p. = 0,74).

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

A Figura 7 representa os escores médios no teste de palavras competitivas como função do status das crianças (N: normal, P: pa-ciente). Encontram-se representadas as médias em palavras competiti-vas das duas amostras, as 60 crianças normais (N) e as 11 crianças com diagnóstico de distúrbio de processamento auditivo central (P).

Figura 7. Escores médios no teste de palavras competitivas como função do status das crianças (N: normal, P: paciente).

Ancova do escore de palavras competitivas como função do sta-tus ("normal" versus "paciente") das 71 crianças, tendo como covari-ante a idade das crianças revelou efeito significativo do status das cri-anças, F (1, 68) = 62,16, p < 0,000, bem como do covariante idade das crianças, F (1, 68) = 40,13, p < 0,000. Ou seja, uma vez controlada a variação produzida pela idade das crianças, notou-se que as crianças com diagnóstico de distúrbio de processamento auditivo central apre-sentaram, no teste de palavras competitivas, escore significativamente inferior ao escore das crianças normais (i.e., sem esse diagnóstico). Assim, pode-se dizer que o teste de palavras competitivas da presente bateria foi eficaz em identificar crianças com distúrbio de processa-mento auditivo central, discriminando-as das normais. As médias, ajustadas pela análise (diferentemente das médias não ajustadas repre-sentadas pela figura), com respectivos erros-padrão foram as seguintes: Para as 60 crianças normais: 87,10 (e.p. = 0,87), e para as 11 crianças com distúrbio de processamento auditivo central: 69,52 (e.p. = 2,04).

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A Figura 8 representa os escores totais na bateria de triagem de processamento auditivo central como função do status das crianças (N: normal, P: paciente). Encontram-se representados os escores totais das duas amostras, as 60 crianças normais (N) e as 11 crianças com di-agnóstico de distúrbio de processamento auditivo central (P).

Figura 8. Escores médios na bateria de triagem de distúrbio de processamento auditivo central como função do status das crianças (N: normal, P: paciente).

Ancova do escore total como função do status ("normal" versus "paciente") das 71 crianças, tendo como covariante a idade das cri-anças revelou efeito significativo do status das crianças, F (1, 68) = 73,64, p < 0,000, bem como do covariante idade das crianças, F (1, 68) = 49,78, p < 0,000. Ou seja, uma vez controlada a variação pro-duzida pela idade das crianças, notou-se que as crianças com diagnós-tico de distúrbio de processamento auditivo central apresentaram, na bateria como um todo, escore significativamente inferior ao escore das crianças normais (i.e., sem esse diagnóstico). Assim, pode-se dizer que a bateria de triagem de distúrbio de processamento auditivo cen-tral de Zaidan foi eficaz em identificar crianças com distúrbio de pro-cessamento auditivo central, discriminando-as das normais. As mé-dias, ajustadas pela análise (diferentemente das médias não ajustadas representadas pela figura), com respectivos erros-padrão foram as seguintes: Para as 60 crianças normais: 155,23 (e.p. = 1,25), e para as 11 crianças com distúrbio de processamento auditivo central: 127,63 (e.p. = 2,95).

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

Conclusão geral

Quando aplicada a duas amostras de crianças de 6 a 11 anos de idade, sendo a primeira amostra de 60 crianças normais (i.e., sem queixa de distúrbio de processamento auditivo central) e a segunda amostra de 11 crianças com diagnóstico de distúrbio de processa-mento auditivo central, a bateria de Zaidan (2001) para triagem de dis-túrbio de processamento auditivo central mostrou-se válida e eficaz em discriminar entre os dois grupos de crianças, tanto em termos do escore total na bateria, quanto em termos dos escores individuais de cada um de seus três testes: O teste de fala filtrada, o teste de fala no ruído, e o teste de palavras competitivas.

Este capítulo reanalisou os resultados do mesmo estudo a partir de estatísticas inferenciais paramétricas, mais precisamente, Ancovas seguidas de análises de comparação de pares. Controlando, assim, o efeito da idade das crianças como covariante, foi possível demonstrar claramente a eficácia da bateria toda em discriminar entre crianças com e sem queixa de distúrbio de processamento auditivo central. Contudo, é bom lembrar que isto só pôde ser feito devido ao meritório cuidado de Zaidan (2001) em fornecer os dados brutos em que se basearam suas análises (ver Tabela 16). Sem tais dados, as presentes reanálises teriam sido impossíveis.

Este capítulo demonstra que todos os três testes da bateria de triagem de Zaidan conseguiram, de fato, discriminar entre os grupos de maneira significativa e clara, e que o teor inconclusivo dos achados de sua dissertação não se deveu a qualquer inadequação da bateria mas, sim, à inadequação da escolha das estatísticas empregadas para a análise de dados. Como a amostra do grupo experimental era bastante pequena (N = 11) e apresentava uma grande variação etária (de 6 a 11 anos), não haveria praticamente nenhuma chance de poder demonstrar a sensibilidade do teste em identificar diferença significativa entre os grupos, a menos que a variabilidade dos desempenhos dentro desses grupos fosse controlada pelo emprego de análise de covariância tendo a idade como covariante, como foi feito neste capítulo.

Assim, o presente capítulo demonstrou não apenas a validade da bateria de Zaidan para triagem de processamento auditivo central como, também, a necessidade de usar estatísticas mais apropriadas às

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questões experimentais levantadas, de modo a obter respostas mais ad-equadas quanto à sensibilidade e validade de instrumentos tão impor-tantes quanto a bateria de Zaidan para triagem de processamento audi-tivo central. Ressaltou, também a importância de que as dissertações e teses sempre forneçam os dados brutos em que se baseiam suas análises para permitir o constante avanço da ciência e a valorização plena de cada estudo experimental conduzido.

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Capítulo 7

Mediação no processo de construção do conhecimento infantil

Nilza Sanches TessaroPsicóloga, Mestre em Psicologia Escolar, Doutoranda em PsicologiaProfessora do Programa de Psicologia no Centro Universitário de Maringáe-mail: [email protected]

Como sabemos são várias as vertentes teóricas que se propõem a explicar os processos de desenvolvimento e aprendizagem infantil, dentre as quais temos as tendências humanista, behaviorista, psicanalítica, construtivista e a histórico cultural.

Vygotsky (1991), um dos precursores da vertente histórico cultural, atribuiu uma relevância ao papel da interação social no desenvolvimento da criança. Para ele, as características inatas e a estrutura fisiológica de uma criança não são suficientes para transformá-la em um indivíduo humano, pois todas as características individuais como o agir, o pensar, o sentir e o conhecer estão estritamente ligadas à interação do ser humano com seu meio físico e social.

Podemos afirmar, então, que, ao nascer, a criança é um ser frágil e indefeso, e apenas terá sua sobrevivência e desenvolvimento garantido se as pessoas mais experientes de seu grupo assumirem a responsabilidade pelo atendimento de suas necessidades básicas.

Nesse sentindo, Vygotsky (1991) afirma que a atividade psicológica inicial de uma criança é muito elementar e determinada pela sua carga biológica herdada. Aos poucos as interações com seu grupo e sua cultura, passam a determinar e governar o desenvolvimento do seu pensamento e comportamento. Para Vygotsky (1991) existem duas linhas qualitativamente diferentes de

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desenvolvimento, uma que se refere aos processos elementares (que são determinados pela biologia) e a outra às funções superiores (que são determinadas pelo meio sociocultural).

O desenvolvimento da criança se dá a partir das interações com o meio social. Portanto, é por meio das interações com indivíduos mais experientes que a criança tem possibilidade de se desenvolver, saindo de uma atividade psicológica muito elementar e caminhando para um estado superior de funcionamento psicológico (Rego, 1995).

A importância da atuação de outros indivíduos no desenvolvimento da criança torna-se evidente em situações em que o aprendizado é resultado claramente desejável das interações sociais (Silva Neto, 1999), pois o papel do outro é decisivo na internalização de determinadas funções pela criança.

O ambiente social é definitivamente significativo no desenvolvimento da criança, o que nos leva a afirmar que seu desenvolvimento está extremamente entrelaçado com a qualidade de suas interações com seu meio sociocultural. Uma criança, então, apenas poderá caminhar de um nível elementar para um estado mais superior de funcionamento psicológico se lhe forem propiciadas situações de aprendizagem.

Para Vygotsky (1991), o aprendizado é fundamental ao processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores. É o aprendizado que leva ao despertar de processos internos de desenvolvimento, e esse despertar torna-se possível a partir do momento em que o indivíduo entra em contato com o ambiente cultural.

Podemos afirmar, portanto, que uma criança, apenas aprenderá a ler e escrever se pertencer a uma cultura “letrada”, como também aprenderá a falar se pertencer a uma cultura de falantes. Suas condições orgânicas, embora importantes, não são suficientes para fazer com que tenha qualquer aprendizado. Isto porque, para humanizar-se, o indivíduo necessita viver e crescer em um ambiente social e interagir com pessoas. Rego (1995), ao discutir a importância do meio sociocultural no desenvolvimento do ser humano, cita o exemplo das duas meninas que foram encontradas, na Índia, vivendo com lobos. Quando encontradas apresentavam comportamentos muito distintos do humano, não conseguiam falar ou permanecer em pé, e

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alimentavam-se de carne crua ou podre. Essa autora apontou também que quando uma pessoa é privada de contato com outras pessoas, entregue apenas às suas condições biológicas e à natureza, ela se torna fraca, insuficiente e sem condições de desenvolver-se.

Torna-se cada vez mais evidente que o desenvolvimento do ser humano está intimamente relacionado com o seu contexto sociocultural, sendo o aprendizado a força motriz do desenvolvimento das características humanas e culturais.

Vygotsky (1991) identificou dois níveis de desenvolvimento. O primeiro refere-se ao nível de desenvolvimento real, que é caracterizado pelas etapas já alcançadas pela criança, ou seja, aquilo que a criança consegue fazer de modo independente. O segundo nível refere-se ao desenvolvimento proximal ou próximo que se define como aquelas funções que estão em vias de amadurecer e que podem ser percebidas por meio de solução de tarefas com o auxílio do adulto. Abarca, portanto, o que a criança não consegue fazer sozinha, mas apenas com ajuda de outra pessoa.

A partir do momento que a criança passa a interagir e ser auxiliada pelo outro, ela se torna capaz de acionar vários processos de desenvolvimento. Portanto, como já havia proposto Vygotsky (1991), o bom ensino é aquele que trabalha com a zona de desenvolvimento proximal. Ensinar o que a criança já sabe é perda de tempo.

A zona de desenvolvimento proximal permite-nos determinar os passos que uma criança pode dar em seu desenvolvimento. Os indivíduos mais experientes devem, então, identificar aquilo que a criança já conquistou e proporcionar situações para que ela avance do patamar do conhecimento já conquistado para outro mais evoluído (Weisz, 2000).

O que uma criança consegue fazer hoje apenas com auxílio do outro, ela pode tornar-se capaz de realizar sozinha amanhã. Isto dependerá da intervenção do outro e dessa intervenção incidir sobre a zona de desenvolvimento proximal, já que a aprendizagem e o desenvolvimento são processos interdependentes

Torna-se cada vez mais evidente que, para Vygotsky, o sujeito apenas terá condições de se desenvolver se interagir com seu meio sociocultural, já que as formas psicológicas mais sofisticadas (superiores) emergem da vida social com indivíduos mais experientes.

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Segundo Rego (1995), na perspectiva vygotskiana, o desenvolvimento das funções intelectuais especificamente humanas é mediado por signos e pelo outro ser humano, pois, ao internalizar as experiências de sua cultura, a criança reconstrói individualmente os modos da ação realizados externamente e aprende a organizar os próprios processos mentais, deixando, portanto, de se basear em signos externos para se apoiar em recursos internalizados como imagens, representações mentais, e conceitos.

O meio sociocultural deve, então, proporcionar condições para que a criança se desenvolva. É pelo aprendizado que uma criança pode passar de um estágio para o outro. De fato, segundo Vygotsky (1991), "a aprendizagem e o desenvolvimento estão interrelacionados desde o primeiro dia de vida da criança" (p.95).

Podemos, portanto, dizer que é o aprendizado que possibilita e movimenta o processo de construção do conhecimento infantil. A criança vai construindo o seu conhecimento a partir do momento que lhes são oferecidas oportunidades de aprendizagem.

Compete, então, à escola, ao professor, aos pais e a todas as pessoas que fazem parte do mundo da criança, criar situações de aprendizagem que façam com que ela avance de um nível mais elementar para um estado mais superior de funcionamento psicológico.

Nesse sentido, Weisz (2000) contribui enfatizando que boas situações de aprendizagem são aquelas que reúnem algumas condições e respeitam alguns princípios básicos tais como:

Os alunos precisam pôr em jogo tudo o que sabem e pensam sobre o conteúdo que se quer ensinar;

Os alunos têm problemas a resolver e decisões a tomar em função do que se propõem produzir;

A organização da tarefa pelo professor garante a máxima circulação de informação possível;

O conteúdo trabalhado mantém suas características de objeto real, sem se transformar em objeto escolar de significado social. (p. 66).

Há que se considerar que boas situações de aprendizagem devem ser propiciadas não apenas pelo professor mas, também, por

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todos os adultos significativos com os quais a criança convive.Dentro de uma perspectiva de construção do conhecimento, é

totalmente inadequado acreditar que a intervenção de pessoas mais experientes seja desnecessária, pois é da qualidade dessas intervenções que depende o progresso da criança. Como lembra Weisz (2000), a construção do conhecimento na criança, não ocorre de forma solitária mas, sim, a partir de situações em que a criança tem condições de agir sobre o objeto de seu conhecimento, pensar sobre ele, recebendo ajuda, e sendo desafiada a pensar e interagir com outras pessoas.

A criança não pode ser percebida como um indivíduo passivo, em quem a informação seja apenas dispensada mas, sim, como uma pessoa ativa que vai transformar essa informação para poder assimilá-la. O papel do outro, do mediador, é determinante, pois é ele quem vai propor atividades, provocar desafios, encorajar e levar à reflexão.

Em uma situação de aprendizagem escolar em que a criança constrói o seu conhecimento acadêmico, o papel do professor como agente mediador é fundamental. É ele quem cria situações que para levar a criança a pensar e refletir sobre o objeto. E, para isto, precisa ser ativo e atuar o tempo todo.

Acreditar que a criança aprende sozinha sem a intervenção de um agente mediador é utopia. A criança apenas terá condições de construir o seu conhecimento a partir das intervenções realizadas pelo outro.

Na escola, em que o aprendizado é o objetivo do processo de condução do desenvolvimento, a intervenção se torna um processo pedagógico privilegiado e imprescindível (Silva Neto, 1999). Procedimentos como a demonstração, a assistência, o fornecimento de pistas, as instruções são essenciais para a promoção de um ensino eficiente capaz de promover desenvolvimento. Podemos, então, supor que a intervenção pelo professor ocupa um papel central na vida das crianças que passam pela escola.

Torna-se importante frisar que não basta apenas colocar uma criança junto com indivíduos mais experientes para que ela se desenvolva. Seu progresso depende também do tipo de interação que vai estabelecer com essas pessoas, e da qualidade das intervenções realizadas por seu meio sociocultural.

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Não podemos deixar de apontar que o processo de escolarização é muito importante ao desenvolvimento do indivíduo, tendo em vista a relevância dos processos de aprendizagem no desenvolvimento das funções mentais superiores no campo da subjetividade (Silva Neto, 1999).

A escola e o professor devem funcionar como veículos para levar a criança ao pleno desenvolvimento. O professor tem que ser competente e deve ser capaz de fazer com que a criança seja bem sucedida na construção do seu conhecimento. Ele precisa fazer com que o intelecto da criança caminhe para estágios mais elevados de raciocínio.

Certamente que a escola e o professor apenas terão condições de fazer com que a criança avance ao máximo se deixarem de percebê-la apenas como ser apenas biológico, único responsável pelo seu próprio desenvolvimento. É preciso que percebam que o desenvolvimento da criança não depende apenas de suas capacidades e habilidades inatas e naturais. É preciso que compreendam a criança como um membro do meio sociocultural, que influencia e é influenciado por esse meio, e que pode transformar a realidade, não apenas no nível físico pelo uso de instrumentos, mas também no nível social, por meio do psicológico, ao trabalhar com o pensamento e ao usar signos (Silva Neto, 1999).

Sabemos que são muitas as crianças que não estão se desenvolvendo na escola. É muito alto o índice de crianças que estão tendo baixo desempenho escolar, principalmente nas escolas públicas. Segundo dados do IBGE (Weis, 2000) 40% das crianças de 8 anos, 59% das crianças de 11 anos e 76% das crianças de 14 anos cursam séries atrasadas em relação à sua idade. Tal defasagem entre série e idade evidencia uma alta taxa de reprovação nas escolas brasileiras.

Concluímos, então, que a escola e o professor não estão conseguindo funcionar como agentes mediadores, ou seja, não estão interagindo e intervindo de forma eficaz, e não estão possibilitando, portanto, o desenvolvimento do aluno.

É preciso ter clareza na percepção do fato de que a criança não evolui sozinha, mas precisa que seu meio sociocultural lhe propicie as condições necessárias ao seu desenvolvimento. Sua herança biológica e características hereditárias não são suficientes para promover seu

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desenvolvimento.Parece que esse panorama da escola brasileira apenas poderá ser

revertido se as pessoas mais experientes, como os adultos, os professores e os pais se conscientizarem de seu papel e de seu poder em propiciar à criança as condições necessárias ao seu desenvolvimento.

Hoje precisamos de escolas democráticas e de professores dinâmicos que acreditem na criança, que identifiquem a importância e a força da interação social e da intervenção pedagógica. Como apontam Beane e Apple (1997), necessitamos também de professores que estejam sempre procurando assegurar que não ocorram barreiras institucionais aos alunos, evitando, com todos os esforços, eliminar a formação de grupos com base na capacidade individual, em preconceitos e procedimentos que impeçam o acesso e o desenvolvimento do aluno na escola, sob o pretexto de raça, sexo e classe socioeconômica.

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Capítulo 8

Método fônico para prevenção e tratamento de atraso de leitura e escrita:

Efeito em crianças de 4 a 8 anos 6

Alessandra G. S. Capovilla Psicóloga, Mestre, Doutora e Pós-Doutora pela Universidade de São PauloOrientadora do Doutorado em Psicopedagogia, Universidade de Santo AmaroPesquisadora Associada do Laboratório de Neuropsicolingüística CognitivaUniversidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Fernando C. CapovillaPsicólogo, Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília Ph.D. em Psicologia Experimental pela Temple University of PhiladelphiaLivre Docente em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de São PauloProfessor Associado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Há muito tempo pesquisadores e educadores estudam as dificuldades em leitura e escrita. Segundo Hempenstall (1997), a maior disputa nessa área diz respeito à relevância de estratégias fônicas durante a alfabetização. Duas abordagens principais se destacam: O método fônico e o método global.

O método de alfabetização fônico promove o desenvolvimento da consciência fonológica e o ensino explícito das correspondências entre grafemas e fonemas, e progride sistematicamente desde os sons das letras, passando pelas sílabas, palavras e frases até chegar a textos cada vez mais complexos. Em contraste, o método de alfabetização global, a partir de sua concepção da leitura como um jogo

6 Apoio: CNPq e FAPESP.

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psicolingüístico, introduz textos complexos desde o início da escolarização e procura desenvolver na criança a estratégia de leitura baseada na tentativa de adivinhar o significado das palavras a partir do contexto, isto é, de sua inserção no texto. A superioridade do método fônico, documentada extensamente por meta-análise de 115 mil estudos publicados desde 1920 (Capovilla & Capovilla, 2002), decorre do fato de que a escrita alfabética mapeia a fala, e de que o ensino explícito das correspondências entre grafemas e fonemas auxilia a criança a empreender os processos de codificação fonografêmica (na escrita) e de decodificação grafofonêmica (na leitura).

Nos primeiros séculos de ensino de leitura e escrita predominava o uso de instruções fônicas (Hempenstall, 1997). O método fônico propriamente dito, que preconiza o ensino das correspondências entre as letras e seus sons, nasceu provavelmente no século XVI, com educadores alemães. Já o método global nasceu provavelmente no século XVII (Morais, 1995). Segundo esse método, seria mais econômico ensinar a palavra como um todo às crianças, sem focalizar unidades menores. Tais idéias foram reforçadas pela Gestalt, segundo a qual a forma global das palavras forneceria dicas importantes aos leitores iniciantes. O conhecimento das correspondências entre letra e som seria adquirido naturalmente após o reconhecimento total da palavra estar bem estabelecido. O método global difundiu-se nas escolas no presente século. Suas idéias soavam como progressistas e sensíveis às necessidades das crianças. Porém, pesquisas começavam a mostrar resultados diferentes.

O primeiro grande ataque ao método global foi feito no estudo de Flesch (1955). Outros estudos de grande porte se seguiram, como os de Chall (1967) e de Bond e Dykstra (1967). Pesquisas começaram a mostrar que o método global é especialmente inferior ao fônico quando as crianças apresentam risco de atraso em leitura e escrita ou desvantagens socioculturais (Stahl & Kuhn, 1995).

Diante da importância de instruções fônicas na alfabetização, pesquisadores têm estudado quais habilidades fonológicas são importantes para a leitura e a escrita, e como elas podem ser desenvolvidas em crianças com risco de fracasso. A consciência fonológica é uma delas, e refere-se à consciência de que a fala pode ser segmentada e à habilidade de manipular tais segmentos (Bertelson & De Gelder, 1989). O tratamento explícito de consciência fonológica

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e de correspondências entre grafemas e fonemas parece facilitar a aquisição de leitura e escrita (Blachman, 1991). Este capítulo descreve os efeitos desse tratamento em crianças de nível socioeconômico (NSE) médio (Estudo 1) e baixo (Estudo 2).

Estudo 1

Os objetivos foram verificar se alunos do pré 1 à segunda série de escola particular, provenientes de famílias de NSE médio, e com desempenho em consciência fonológica abaixo da média podem beneficiar-se do tratamento, e se tais benefícios estendem-se às habilidades de leitura em voz alta, escrita sob ditado, conhecimento de letras, estocagem de informação na memória de trabalho e acesso à informação fonológica na memória de longo prazo. Participaram 121 crianças (59 meninos e 62 meninas) do pré 1 à segunda série de escola particular de uma cidade do interior do estado de São Paulo. A abordagem da escola à alfabetização era predominantemente global. Foram usados os seguintes instrumentos:

1. Prova de Consciência Fonológica por produção oral, ou PCF-Oral (Capovilla & Capovilla, 1998b, 2000) avalia dez habilidades, incluindo julgamento de rima e aliteração, e síntese, segmentação, manipulação e transposição de sílabas e fonemas. O escore corresponde à freqüência de acertos, e varia de 0 a 40 na PCF-Oral como um todo e de 0 a 4 em cada um dos subtestes. Ainda que de um ponto de vista estritamente lingüístico possa ser levantado uma crítica à avaliação da consciência fonológica por meio de provas de síntese e de segmentação fonêmica com consoantes oclusivas, do ponto de vista psicológico tal crítica parece-nos sem fundamento. Em primeiro lugar, nessas provas não há a concepção de que a criança ou o aplicador devam pronunciar a consoante de forma totalmente isolada da vogal, mesmo porque sabe-se perfeitamente que o fonema não pode ser articulado isoladamente (Morais, 1995). O teste avalia a experiência psicológica de que as sílabas são constituídas por unidades menores, os fonemas, e a capacidade de reconhecer e manipular tais segmentos. Nossa ênfase ao avaliar os resultados da PCF-Oral não era sobre o traço fonoarticulatório exato pronunciado pela criança, mas sim sobre sua habilidade de segmentar sílabas em fonemas, tais como o avaliador os percebe. Crer que a experiência psicológica se reduz a conceitos puramente lingüísticos elementares seria ignorar boa parte da literatura em psicologia cognitiva

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experimental sobre a interação de processamentos bottom-up e top-down (Eysenck & Keane, 1990; McGurk & MacDonald, 1976; Repp, 1984; Warren & Warren, 1970). Maiores detalhes podem ser obtidos em Capovilla, Macedo, e Charin (2002).

2. Prova de leitura em voz alta: O software CronoFonos (Capovilla et al., 1997) analisa habilidades de leitura em voz alta de itens isolados. Foi apresentada uma lista de 90 itens psicolingüísticos (Pinheiro, 1994) que variavam em termos de lexicalidade, extensão, freqüência de ocorrência, e regularidade das correspondências grafofonêmicas. Foram calculadas as freqüências de erro para leitura total, de palavras apenas e de pseudopalavras apenas. Os critérios de correção e pontuação da leitura em voz alta, bem como as tabelas de dados normativos para essa lista encontram-se em Capovilla e Capovilla (2000).

3. Prova de escrita sob ditado (Capovilla & Capovilla, 1997) consistia numa lista de 72 itens, dos 90 da prova de Leitura, que também variavam em extensão, freqüência, lexicalidade, e regularidade. Foram obtidas freqüências de erro para ditado total, de palavras apenas e de pseudopalavras. Os critérios de correção e pontuação da escrita sob ditado, bem como as tabelas de dados normativos para essa lista encontram-se em Capovilla e Capovilla (2000).

4. Prova de Conhecimento de Letras (Capovilla & Capovilla, 1997): CronoFonos apresentava cada uma das 23 letras do alfabeto em ordem aleatória. As crianças deviam nomeá-las em voz alta. A pontuação na freqüência total de letras nomeadas corretamente.

5. Prova de Nomeação Rápida de Cores (Capovilla & Capovilla, 1997): Avaliava o acesso fonológico à memória de longo prazo. CronoFonos apresentava uma matriz de três linhas por oito colunas, com 24 quadrados coloridos, e as crianças deviam nomear as cores o mais rapidamente possível. Foi computada a razão freqüência de quadrados corretamente nomeados sobre o tempo total despendido.

6. Subteste de Números do WISC (Wechsler, 1984): Avaliava a codificação fonológica na memória de trabalho, e requeria a repetição de seqüências de dígitos. Os escores variavam de 0 a 17 pontos.

7. Escala de Maturidade Mental Colúmbia ou EMMC (Burgemeister, Blum & Lorge, 1971): Avaliava raciocínio geral. Os resultados na forma de estanino (1 a 9 pontos) foram usados como covariante.

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O estudo consistiu em três fases: Avaliação pré-tratamento, tratamento e reavaliação pós-tratamento. No pré-tratamento, as 121 crianças foram avaliadas nas provas de consciência fonológica, conhecimento de letras, nomeação rápida de cores e subteste de números do WISC. As crianças a partir do pré 3 foram avaliadas ainda em leitura e ditado. Com base nos desempenhos na PCF-Oral, cada nível escolar foi dividido em três grupos: Grupo controle com desempenho abaixo da média (GCb), grupo experimental abaixo da média (GEb) e grupo controle acima da média (GCa). Foi então conduzido o tratamento com os GEbs de cada nível escolar. Para cada grupo foram conduzidas 18 sessões durante nove semanas, sendo duas sessões de 40 minutos cada por semana. As atividades do treino objetivavam desenvolver a consciência de rimas, aliterações, palavras, sílabas e finalmente fonemas. Foram ainda ensinadas às crianças as correspondências entre as 23 letras do alfabeto e seus respectivos sons. Tais atividades encontram-se descritas em Capovilla e Capovilla (1998a, 2000, 2002). Após o tratamento foi conduzida a reavaliação, que consistiu na reaplicação dos testes administrados no pré-tratamento.

Para cada medida, em ambas as avaliações, foram conduzidas Ancovas com três grupos (GCb, GEb, GCa) e cinco níveis escolares, tendo o estanino na EMMC como covariante. Após as Ancovas foram conduzidas análises de comparação de pares por meio do teste de Bonferroni. Os resultados demonstram que o tratamento produziu melhoras em várias medidas do pré 2 à segunda série. Em termos de efeitos principais, que eram esperados ou próximos ao esperado, o tratamento produziu ganhos sobre as pontuações na PCF-Oral, em síntese fonêmica, segmentação fonêmica, manipulação silábica e fonêmica, transposição silábica e fonêmica; e em leitura total, de palavras e de pseudopalavras.

Em termos de interação entre tipo de grupo e nível escolar, houve ganhos significativos nas seguintes medidas:

1) Para o pré 2: Pontuação em transposição silábica; 2) Para o pré 3: Pontuação na PCF-Oral, em transposição

silábica, na leitura total, de palavras e de pseudopalavras, e na escrita sob ditado total e de palavras;

3) Para a primeira e a segunda séries: Pontuação geral na PCF-

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Oral e em segmentação fonêmica.

Assim, o tratamento produziu ganhos em tarefas de consciência fonológica, leitura e escrita. Efeitos sobre leitura e escrita foram encontrados apenas para pré 3. Nas três medidas de leitura, após o tratamento, o desempenho do GEb tornou-se equivalente ao do grupo mais avançado (GCa), e superior ao do grupo que antes do treino era igualmente atrasado (GCb). No ditado total e de palavras, o desempenho do GEb, que antes era inferior ao do GCb, tornou-se após o tratamento equivalente a ele. Os resultados na PCF-Oral, na leitura e no ditado encontram-se representados nas Figuras 1 e 2.

GCb GEb GCa

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Figura 1. Pontuação geral na PCF-Oral nas avaliações pré e pós-treino para os três grupos em cada um dos cinco níveis escolares. (Amplitude da pontuação na PCF-Oral: 0-40 pontos).

GCb GEb GCa

Figura 2. Freqüências de erro nas leituras total, de palavras e de pseudopalavras, e nas escritas sob ditado total e de palavras, nas avaliações pré e pós-treino, para os três grupos no nível escolar pré 3.

Este estudo de intervenção apresenta quatro aspectos importantes:

1) É possível fazer tratamento eficaz de consciência fonológica com crianças brasileiras, aprimorando habilidades de consciência fonológica de crianças do pré 2 à segunda série;

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2) O tratamento aprimorou também a leitura total, de palavras e de pseudopalavras, e a escrita sob ditado total e de palavras em crianças que estão no processo de alfabetização (i.e., pré 3);

3) Tais importantes melhoras foram obtidas com crianças cujas pontuações iniciais em consciência fonológica estavam abaixo da média e que, portanto, têm a maior necessidade de intervenção (cf. Torgesen & Davis, 1996);

4) O estudo corroborou a noção de que, se as crianças que têm maior necessidade de intervenção não a receberem, suas pontuações tenderão a continuar inferiores às de seus colegas inicialmente com desempenho acima da média. Isto foi demonstrado pelo desempenho pós-tratamento exibido pelos grupos controle de baixo desempenho.

Estudo 2

Como o tratamento mostrou-se eficaz em aprimorar o desempenho das crianças de NSE médio, o Estudo 2 teve como objetivo replicá-lo, porém com crianças provenientes de uma escola pública e pertencentes a uma população de baixo NSE. Como os ganhos em leitura e escrita do Estudo 1 ocorreram para as crianças em seu primeiro ano de alfabetização (i.e., pré 3 de escola particular), o Estudo 2 foi conduzido com crianças de primeira série que, na escola pública, também corresponde ao primeiro ano de alfabetização. Nesta escola, o método de alfabetização adotado também era predominantemente global. Segundo Morais (1995), as crianças provenientes de famílias de baixo NSE tendem a apresentar maiores dificuldades com o método global do que aquelas com NSE mais elevado. Isto porque estas crianças não dispõem de outros recursos para sanar suas dificuldades, como a própria família ou professores de reforço, e tampouco de um ambiente rico em informações sobre a linguagem escrita. Logo, um tratamento, mesmo que de pequeno alcance, pode produzir grandes efeitos devido à ausência de outros meios para auxiliar as crianças na superação de suas dificuldades.

Os objetivos deste estudo foram verificar se alunos da primeira série de uma escola pública com desempenho abaixo da média em

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consciência fonológica podem beneficiar-se do mesmo tratamento que produziu ganhos com crianças de NSE médio; e se tais benefícios estendem-se à leitura em voz alta, à escrita sob ditado, ao conhecimento de letras, à habilidade de estocar informação na memória de trabalho e ao acesso à informação fonológica na memória de longo prazo.

Participaram 55 crianças (33 meninos e 22 meninas) das primeiras séries A e B da Escola Municipal Myrthes Pupo Negreiros, de Marília, SP. As crianças pertenciam a uma população de baixo NSE, com renda familiar média entre 1 e 5 salários mínimos, e escolaridade média dos pais de ensino fundamental incompleto. Foram usados os mesmos instrumentos do Estudo 1: PCF-Oral, prova de leitura em voz alta, escrita sob ditado, conhecimento de letras, nomeação de cores, repetição de números e EMMC.

Este estudo também consistiu em três fases: Avaliação pré-tratamento, tratamento, e reavaliação pós-tratamento. Na primeira fase, todas as 55 crianças foram avaliadas em todas as sete provas. Então, com base nos desempenhos na PCF-Oral, as crianças de cada turma foram divididas em três grupos: Grupo controle com desempenhos abaixo da média (GCb), grupo experimental com desempenho abaixo da média (GEb), e grupo controle com desempenho acima da média (GCa). Foi, então, conduzido o tratamento com os GEbs de cada turma. Ele consistiu em 27 sessões para cada um dos dois GEbs, com cerca de 30 minutos cada um, três vezes por semana. As atividades de tratamento foram as mesmas do Estudo 1. Após o tratamento, foi conduzida a reavaliação, com a reaplicação de todos os testes da primeira avaliação.

Foram conduzidas Ancovas unifatoriais intergrupos para verificar o efeito do tipo de grupo (GCb, GEb, GCa) sobre cada uma das habilidades medidas pré-tratamento. Para a condução das análises, ambas as turmas (1a. A e 1a. B) foram colapsadas, formando um único nível escolar de primeira série. Foi usado como covariante o estanino na EMMC. Os resultados demonstraram que o tratamento produziu ganhos sobre as seguintes medidas: Escore total na PCF, escore nos subtestes de síntese fonêmica, segmentação fonêmica, manipulação silábica e fonêmica, transposição silábica e fonêmica; freqüência de erros em leitura total, de palavras e de pseudopalavras; freqüência de erros em ditado total, de palavras e de pseudopalavras; e escore em

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conhecimento de letras. Não houve evidência de ganhos sobre: Escore em síntese silábica, rima, aliteração e segmentação silábica; escore em números; e razão (escore/duração) em nomeação de cores. As Figuras 3 e 4 representam tais resultados.

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GCb GEb GCa

Figura 3. Freqüências de acerto na PCF-Oral, em manipulação e transposição silábicas, em síntese, manipulação, segmentação e transposição fonêmicas, e em conhecimento de letras, obtidas as avaliações pré e pós-intervenção.

GCb GEb GCa

Figura 4. Freqüências de erro nas provas de leitura e de ditados total, de palavras e de pseudopalavras, obtidas nas avaliações pré e pós-intervenção.

O tratamento de consciência fonológica foi eficaz em melhorar os desempenhos em consciência fonológica, leitura, escrita e conhecimento de letras do grupo treinado. Portanto foi confirmada a hipótese de que tal tratamento pode produzir ganhos nos desempenhos de crianças com baixo NSE. Os ganhos tais crianças foram maiores do que aqueles obtidos pelas crianças de NSE médio do Estudo 1, visto

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que os efeitos sobre os desempenhos em Ditado de pseudopalavras e em conhecimento de letras foram observados apenas para as crianças de NSE baixo. Além disso, os efeitos sobre Ditado foram conforme o esperado para as crianças de primeira série com NSE baixo, mas apenas parcialmente conforme o esperado para as de pré 3 com NSE médio.

Tais diferenças entre os resultados dos dois estudos podem ser atribuídos a alguns outros fatores além do NSE e da idade (ou nível escolar), como a diferença de distribuição dos tratamentos (duas sessões de 40 minutos por semana em nove semanas no Estudo 1, totalizando 12h, e três sessões de 30 minutos por semana em nove semanas no Estudo 2, totalizando 13 horas e 30 minutos). Assim, o tratamento do Estudo 2 foi um pouco mais longo, e as sessões, embora mais curtas, tiveram maior freqüência.

Apesar de tais diferenças, ambos os estudos dão suporte à hipótese de que as habilidades de consciência fonológica encontram-se envolvidas de uma maneira importante na aquisição da leitura e da escrita, especialmente no início da alfabetização, e que intervenções de tratamento fonológico podem ser usadas para aprimorar tais habilidades, promovendo assim fortes melhoras em leitura e escrita tanto em crianças de NSE médio quanto em crianças de NSE baixo.

A presença de correlação entre o desempenho em consciência fonológica e em leitura e escrita e, principalmente, os ganhos obtidos em leitura e escrita após o treino, corroboram a validade dos procedimentos de teste e de treino de consciência fonológica empregados neste trabalho. Conforme dito anteriormente, há uma crítica à avaliação da consciência fonológica por meio de testes que incluam síntese e segmentação com consoantes oclusivas. Porém, este estudo de intervenção mostrou que a inclusão de tais habilidades é válida do ponto de vista psicológico e educacional, uma vez que elas mostraram-se correlacionadas com leitura e escrita e o treino que as incluía promoveu ganhos sobre leitura e escrita. Apesar do fato de que, no treino, o examinador e as crianças pronunciavam as consoantes oclusivas de modo não puro, com ele as crianças passaram a conseguir segmentar e sintetizar as sílabas em que tais consoantes apareciam, ou seja, elas tiveram sua consciência fonológica aumentada apesar da "impureza" lingüística. Vemos, assim, que a percepção psicológica da consoante como um segmento independente

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parece ser importante para o desenvolvimento de um tipo de consciência fonológica que é relevante à leitura e à escrita. Além disso, procedimentos de intervenção e avaliação deste tipo vêm sendo usados com sucesso em todo o mundo há décadas. Os presentes experimentos inauguram estudos do mesmo tipo em nosso país, e constituem a afirmação de nossa posição de que o cientista deve ultrapassar os muros da torre de marfim da universidade e testar se os seus modelos têm alguma relevância prática à sociedade, para além dos pressupostos puramente teóricos e das pesquisas básicas. É reconfortante saber que, no encerramento da década do cérebro, nós cientistas podemos mostrar à sociedade que podemos fazer uso de nosso conhecimento científico de maneira socialmente responsável para a melhoria de problemas de educação e saúde.

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Capítulo 9

Perda de memória no idoso

Ivan Hideyo OkamotoNeurologista e Pós-graduandoUniversidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicinae-mail: [email protected]

A queixa de dificuldade de memória é uma das mais freqüentes em pessoas idosas, entretanto queixa não é sinônimo de perda significativa de memória, como mostra um estudo realizado na área metropolitana de São Paulo, em que 54% das pessoas com mais de 65 anos se queixavam de dificuldade de memória, porém apenas 12% admitiram que esta dificuldade prejudicaria no dia a dia dessas pessoas (Brucki et al., 1994). Isto significa que, embora a queixa seja freqüente, não necessariamente terá maior implicação clínica.

Pessoas idosas se queixam de esquecer fatos da semana passada, mas podem se lembrar de fatos ocorridos em suas infâncias. Isto pode ser explicado pela carga emocional diferente em cada acontecimento, e possivelmente a pessoa se lembrará mais facilmente de fatos com forte apelo emocional. Uma outra queixa é de repetição da mesma história para a mesma pessoa em diferentes ocasiões, o que pode ser justificado pelo comprometimento da memória contextual, no qual um fato pode ser lembrado, mas não onde foi contado ou ouvido.

A memória de evocação apresenta declínio, o que pode ser comprovado em testes (Albert, Heller, & Milberg, 1987), e se relaciona com a freqüente queixa de dificuldade em lembrar recados ou trechos de conversa. Outras áreas da memória estão preservadas, como o vocabulário, manejo de aparelhos e definição de conceitos, pois são áreas mais sedimentadas.

A história do paciente pode nos ajudar no detalhamento da

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queixa de perda de memória, e se ocorre isoladamente ou em conjunto com outras alterações cognitivas. Então deve-se questionar sobre atividades do dia a dia, como dificuldade em controlar o próprio dinheiro, localizar-se em ambientes diferentes de sua casa (viagens, visitas), encontrar palavras corriqueiras, manter passatempos prévios como leituras e jogos, realizar pequenos consertos em casa, bem como manter habilidade em manusear aparelhos eletrodomésticos. Quando se verifica alteração em muitos desses itens, faz-se necessário avaliar mais objetivamente estes déficits, por meio de consulta a profissional da área.

O profissional buscará, por meio do levantamento de história, exame físico, exames subsidiários de sangue e de imagem, bem como testagem neuropsicológica, subsídios para o diagnóstico correto deste idoso que se queixa de perda de memória.

Entre os diagnósticos possíveis, pode-se concluir que esta pessoa esteja com alteração de memória devido a dificuldade de atenção, decorrente de uso de medicação (principalmente benzodiazepínicos, neurolépticos e antidepressivos). Outra possibilidade para que esteja ocorrendo queixa de memória correlacionada com déficit objetivo na avaliação é que haja alteração de afeto, em particular a depressão em suas diversas formas de apresentação. A depressão, levando a alterações cognitivas, vem recebendo diversas denominações, tais como pseudodemência, síndrome demencial da depressão, distúrbio cognitivo-afetivo, todas salientando as alterações de humor e afeto que acompanham os distúrbios cognitivos.

O diagnóstico de declínio cognitivo leve deve ser considerado quando existe um comprometimento de uma área cognitiva, como memória, porém sem critérios para o diagnóstico de demência. Enquanto alguns trabalhos concluem que o diagnóstico de declínio cognitivo leve pode ser um quadro inicial de demência (Schmand et al., 1996), ou que este diagnóstico aumenta em cerca de oito vezes a possibilidade de desenvolver demência em relação a uma população sem queixa (Petersen, 1999), outros concluem que a alteração cognitiva não é fator de risco para o desenvolvimento de demência (Flicker, Ferris, & Reisberg, 1993), não havendo, portanto, um consenso na literatura. Aqui, é preciso ressaltar a importância de acompanhamento clínico cognitivo para estes pacientes por um

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período de tempo prolongado.

O diagnóstico de síndrome demencial é feito quando há comprometimento de memória e de mais uma outra área cognitiva (e.g., linguagem, praxias, orientação, função executiva), detectável em exame neuropsicológico, e suficiente para interferir nas atividades diárias do paciente.

A principal causa de demência é a doença de Alzheimer, em cerca de 50-60% dos pacientes, em que ocorre inicialmente o comprometimento de memória para fatos recentes, de forma progressiva, em geral seguida de alteração de linguagem (anomia e afasia). A evolução da doença pode apresentar qualquer outro déficit cognitivo, além de distúrbios de comportamento como depressão, agitação, delírio, alucinação, comportamento inadequado, perda de crítica, e voracidade.

Uma outra causa de demência é a demência por corpúsculos de Lewy, em que ocorrem alterações cognitivas (demência) associadas a sinais de parkinsonismo precoce e alucinações (mais visuais e bem estruturadas) (Okamoto, 1998).

A demência vascular ou por múltiplos infartos progride em etapas, ou seja, há um declínio cognitivo percebido nitidamente pelo paciente ou pela família. Nesse caso, os exames por imagem podem corroborar um diagnóstico clínico.

Quando encontramos precocemente um quadro de muita alteração de comportamento, associado a uma síndrome demencial, o diagnóstico pode ser de demência frontotemporal, uma causa menos freqüente que as anteriores.

Outras causas de demência podem ser diagnosticadas, evidenciando o hipotireoidismo, a deficiência de vitamina B12, ácido fólico, ou causas infecciosas (lues 3a).

Os tratamentos para as demências dependem, portanto, do diagnóstico da causa da demência. Atualmente a demência degenerativa, como a doença de Alzheimer, recebe tratamento com inibidores de acetilcolinesterase, numa tentativa de prolongar o funcionamento colinérgico. Entre as drogas utilizadas comercialmente, a Rivastigmina e o Donepezil apresentam algum

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efeito na evolução clínica desta demência, quer melhorando a cognição e reduzindo as alterações de comportamento, ou mesmo estabilizando os déficits.

O tratamento das síndromes demenciais, com a grande variação de sintomas que estes pacientes apresentam, exige cada vez mais uma abordagem multidisciplinar com médicos, enfermeiros, psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, voltados a dar ao paciente e à sua família uma melhor condição (i.e., qualidade de vida) para enfrentar estas doenças.

O idoso com queixa de memória deve estar atento para este problema, e procurar o auxílio de um profissional, e não apenas atribuir o esquecimento ao famoso chavão popular “... isso é coisa da idade...”.

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Capítulo 10

Atraso na aquisição de leitura: Relação com problemas de discriminação fonológica, velocidade

de processamento e memória fonológica 7

Fernando C. CapovillaPsicólogo, Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília Ph.D. em Psicologia Experimental pela Temple University of PhiladelphiaLivre Docente em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de São PauloProfessor Associado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Alessandra G. S. CapovillaPsicóloga, Mestre, Doutora e Pós-Doutora pela Universidade de São PauloOrientadora do Doutorado em Psicopedagogia, Universidade de Santo AmaroPesquisadora Associada do Laboratório de Neuropsicolingüística CognitivaUniversidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Visão geral

O sucesso na compreensão, avaliação e tratamento de distúrbios depende de modelos teóricos robustos, testados experimentalmente. Três modelos competem para explicar problemas cognitivos na aquisição de leitura e escrita, atribuindo-os a distúrbios de: Discriminação fonológica, memória fonológica, ou velocidade de processamento. Este estudo testou o efeito dos três fatores. Após avaliar habilidades de leitura de 103 escolares de primeira e segunda séries de ensino público, comparou 16 bons leitores (+1 d. p.) e 16 maus (-1 d. p.) em termos de discriminação, memória, e velocidade

7 Apoio: CNPq e FAPESP.

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numa tarefa de julgar pares de sílabas ouvidas como iguais ou diferentes. Maus leitores de primeira série apresentaram maior dificuldade em discriminar entre sílabas sutilmente diferentes (i.e., discriminação fonológica pobre), sendo a dificuldade maior com intervalos entre sílabas muito curtos (i.e., baixa velocidade de processamento) ou muito longos (i.e., memória fonológica pobre). Resultados corroboram a Hipótese do Déficit Fonológico para explicar problemas de leitura e escrita, sugerindo que procedimentos educacionais e clínicos nela baseados são eficazes.

Introdução

A natureza dos distúrbios subjacentes a problemas de leitura e escrita tem sido objeto de estudos de uma série de teorias, sendo a mais antiga delas a Hipótese do Déficit Visual (Ajuriaguerra, 1953; De Hirsh & Jansky, 1968; Orton, 1937), segundo a qual problemas de leitura e escrita devem-se a dificuldades com o processamento de padrões visuais. Tal hipótese dominou o cenário da psicopedagogia nos 40 anos seguintes à sua formulação. Entretanto, a partir da década de 1970, evidências negativas com respeito à primazia do envolvimento do processamento visual começaram a acumular-se, ao mesmo tempo em que uma nova série de estudos começou a revelar a importância do processamento fonológico para a aquisição da leitura e da escrita (e.g., Shankweiler & Liberman, 1972; Vellutino et al., 1975, 1977).

A década de 1970 marcou a substituição da Hipótese do Déficit Visual pela Hipótese do Déficit Fonológico, que foi corroborada por um crescente número de pesquisas demonstrando que dificuldades fonológicas (i.e., com a percepção e o processamento automáticos da fala) e metafonológicas (i.e., com a percepção e o processamento propositais da fala) são capazes de predizer dificuldades ulteriores na aprendizagem da leitura e escrita, e que procedimentos de intervenção voltados ao desenvolvimento de habilidades metafonológicas (especialmente procedimentos de treino de consciência fonológica) são capazes de produzir ganhos significativos importantes em leitura e escrita (Bradley & Bryant, 1983; Byrne, Freebody, & Gates, 1992; Capovilla & Capovilla, 2000b; Cunningham, 1990; Elbro, Rasmussen, & Spelling, 1996; Lie, 1991; Lundberg, Frost, & Petersen, 1988;

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Schneider et al., 1997; Torgesen & Davis, 1996, Vandervelden & Siegel, 1995).

Ao final do século XX, o Brasil incorporou-se ao contexto internacional na área, a partir de uma série de estudos de intervenção voltados ao desenvolvimento da consciência fonológica e ao ensino das correspondências entre grafemas e fonemas que demonstraram grande sucesso em elevar significativamente os níveis de leitura e escrita de escolares do ensino fundamental privado (Capovilla & Capovilla, 1999) e público (Capovilla & Capovilla, 2000a) que apresentavam atrasos substanciais, sendo tal eficácia observada mesmo em se tratando de escolares com severos distúrbios motores e de fala, como na paralisia cerebral (Capovilla, Capovilla, Silveira et al., 1998). Do ponto de vista teórico, tais estudos corroboraram a Hipótese do Déficit Fonológico no português brasileiro, ao mesmo tempo em que, do ponto de vista prático, apontaram um caminho certo para prevenir e tratar atrasos de leitura e escrita nos contextos educacional e clínico.

Numa perspectiva ampla, a nova hipótese sugeria o envolvimento desses distúrbios fonológicos numa série de dificuldades características dos maus leitores como, por exemplo, o rebaixamento de desempenho nos subtestes de Dígitos (Repetição de Números), Informação, Código e Aritmética do WISC (Wechsler, 1984). Tal perfil clássico, conhecido como DICA, já vinha sendo apontado como característico dos maus leitores (Kaufman, 1981, Sattler, 1988, Spafford, 1989), embora os processos subjacentes ainda fossem obscuros. De fato, segundo Nicolson e Fawcett (1994), distúrbios fonológicos poderiam explicar o rebaixamento nos subtestes de Dígitos e de Informação. Enquanto o primeiro seria decorrente de um distúrbio no armazenamento fonológico devido a deficiências nas representações lexicais (Elbro, 1998), o segundo seria devido a baixo vocabulário e a dificuldades em extrair informações do texto. Porém, o rebaixamento nos subtestes de Código e Aritmética não poderiam ser bem explicados apenas pela Hipótese do Déficit Fonológico. Outros distúrbios parecem estar subjacentes a tais dificuldades. Miles (1983) relaciona o baixo desempenho em Aritmética a uma dificuldade em aprender associações (e.g., relacionar o número ao seu nome e valor, ou memorizar resultados de operações básicas). Já o subteste de Código estaria relacionado à

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velocidade de processamento não lingüístico. Atualmente há vastas evidências de que maus leitores têm

desempenhos inferiores em memória de trabalho, consciência fonológica, discriminação de fonemas, velocidade e precisão de acesso léxico (Olson, 1992), e de que, além disso tudo, apresentam freqüentemente, ainda, baixa velocidade de processamento cognitivo geral. Diversos modelos teóricos têm buscado determinar os fatores que poderiam subjazer a tais dificuldades. Conforme a breve revisão a seguir, têm sido apontados principalmente os distúrbios em: a) Problemas com a percepção da fala ou discriminação fonológica insuficiente; b) Problemas no processamento seqüencial de estímulos apresentados rapidamente ou com curtos intervalos; c) Problemas no processamento de informação sob alta demanda sobre a memória de trabalho; e d) Problemas na memória de longo prazo.

Na abordagem apontando problemas específicos com a percepção da fala ou discriminação fonológica insuficiente, uma série de estudos sugere uma dissociação entre as dificuldades fonológicas e as não lingüísticas dos disléxicos. Por exemplo, Morais, Cluytens, & Alegria, (1984) demonstraram que disléxicos apresentam dificuldades em subtração fonêmica, mas não na subtração da primeira nota de uma série de notas musicais. Segundo Morais (no prelo), problemas de percepção da fala (i.e., discriminação fonológica) dificultariam o desenvolvimento da consciência fonêmica, acarretando problemas com a decodificação grafo-fonêmica e a codificação fonografêmica, que constituem a essência da leitura e da rescrita pela rota fonológica. Mody, Studdert-Kennedy e Brady (1997) também defendem a hipótese de um distúrbio de discriminação fonológica (i.e., de percepção da fala). Tais autores demonstraram que maus leitores têm desempenhos inferiores em discriminação e julgamento da ordem temporal de sílabas apresentadas quando essas sílabas são foneticamente semelhantes entre si e quando o intervalo entre elas é pequeno. Mais precisamente a importância de tal estudo consiste em demonstrar que a dificuldade dos maus leitores estaria na identificação de categorias de sons da fala foneticamente similares entre si, mais do que no julgamento da sua ordem temporal ou no processamento de breves mudanças acústicas.

Na abordagem apontando a lentidão de processamento cognitivo serial, Tallal, Miller e Fitch (1993) sugerem que os maus

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leitores apresentam dificuldade com o processamento de estímulos apresentados em rápida sucessão, com curtos intervalos entre estímulos. Tal dificuldade não seria limitada ao processamento fonológico, já que inclui estímulos auditivos de dois tipos, tanto os lingüísticos quanto os não lingüísticos. Estudiosos como Nicolson e Fawcett (1994) e Share (1995) corroboram tal hipótese e arrolam uma série de evidências de que disléxicos apresentam um processamento geral mais lento do que o de normoléxicos de mesma idade.

Na abordagem apontando a insuficiência na memória de trabalho, há evidência de que a maior lentidão de processamento dos disléxicos parece ocorrer apenas quando a sua memória de trabalho encontra-se sobrecarregada. Por exemplo, em seu estudo, Gerber (1996) demonstrou que bons leitores desempenham-se melhor que maus leitores na recuperação de itens fonologicamente similares, mas apenas quando os estímulos são em número suficientemente grande para sobrecarregar a memória de trabalho. Do mesmo modo, Swanson, Ashbaker, e Lee (1996) demonstraram que maus leitores apresentam desempenhos lingüístico e visoespacial inferiores aos dos bons leitores, mas apenas desde que haja forte demanda sobre a sua memória. Tais resultados sugerem que as dificuldades dos maus leitores não são limitadas ao material lingüístico, mas também englobam material visoespacial sempre que uma alta demanda for colocada sobre a sua memória de trabalho.

Na abordagem apontando problemas com a memória de longo prazo, as dificuldades dos maus leitores estariam no estabelecimento de representações fonológicas precisas na memória de longo prazo. Para Elbro (1998), tais representações das palavras ouvidas estariam armazenadas de forma pouco precisa na memória, de modo que uma representação acabaria sendo pouco distinta das representações fonemicamente semelhantes. Isto acarretaria dificuldades em uma série de habilidades, tais como as de discriminação, nomeação, memória de trabalho e consciência fonológica.

Portanto, há uma variedade de teorias que buscam explicar os problemas básicos dos maus leitores. Algumas enfatizam problemas com a percepção da fala (ou discriminação fonológica); outras enfatizam deficiências na velocidade de processamento serial de informação; outras, ainda, deficiências de processamento sob alta demanda sobre a memória de trabalho; e outras, finalmente,

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problemas na estocagem e recuperação de informação fonológica na memória de longo prazo. Uma idéia importante e bastante difundida é a de que tais fatores não precisam ser mutuamente excludentes, mas podem encontrar-se combinados de um ou outro modo nos maus leitores. Assim, a causa subjacente às dificuldades dos maus leitores não precisaria ser um fator único, mas poderia ser um compósito de fatores, cuja articulação poderia ser responsável pelos atrasos e distúrbios observados no desempenho dos maus leitores. Experimentos críticos deveriam ser delineados para cruzar os diferentes fatores, de modo a permitir descobrir interações entre eles capazes de revelar efeitos interessantes, revelando sob que condições um fator seria efetivo ou deixaria de sê-lo.

O presente estudo buscou testar, num único delineamento, três das hipóteses explanatórias dos distúrbios de leitura e escrita: A de que derivam de distúrbios de discriminação fonológica (i.e., percepção da fala), de problemas de memória de trabalho fonológica, ou de um retardamento na velocidade de processamento de informações (no presente caso, de processamento fonológico). O estudo implementou uma tarefa de julgamento de identidade ou de diferença entre sílabas ouvidas, manipulando o tipo de diferença entre as sílabas e a duração do intervalo entre elas. Escolares de primeira e segunda série ouviam pares de sílabas ora iguais (i.e., uma mesma sílaba), ora diferentes (i.e., duas sílabas), e sua tarefa era discriminar se as sílabas do par eram iguais ou diferentes. O objetivo era verificar a existência de diferenças entre bons e maus leitores no julgamento dos pares (i.e., se a percepção da fala dos maus leitores seria inferior à dos bons leitores), se tais diferenças interagem com o tipo de par apresentado (i.e., se a desvantagem dos maus leitores seria maior quando houvesse pouca diferenciação fonética entre as sílabas), e se tais diferenças interagem com a duração do intervalo entre estímulos ou IEE (i.e., se a desvantagem dos maus leitores seria maior quando as sílabas fossem apresentadas com IEEs suficientemente curtos para sobrecarregar a velocidade de processamento fonológico, ou suficientemente longos para sobrecarregar a memória de trabalho fonológica).

A ausência de interação entre o nível de leitura (i.e., bons e maus leitores) e a duração dos IEEs (curtos, médios, longos) sugeriria que a dificuldade dos maus leitores seria apenas de discriminação fonológica (i.e., a percepção da fala). Neste caso de ausência de

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interação, seria esperado que a percepção da fala pelos maus leitores fosse sempre inferior à dos bons leitores, independentemente da velocidade de processamento em IEEs muito curtos, ou da memória fonológica em IEEs muito longos. Por outro lado, se o nível de leitura interagisse com a duração do IEE, isto sugeriria a presença de envolvimento dos fatores adicionais de velocidade de processamento (neste caso, seria esperada uma queda de desempenho em julgamentos com IEEs muito curtos) ou de memória fonológica (neste caso, seria esperada uma queda de desempenho em julgamentos com IEEs muito longos). Assim, havendo interação entre nível de leitura e duração de IEE, se os maus leitores fossem pior em IEEs muito curtos, isto sugeriria que sua dificuldade está relacionada à sobrecarga de velocidade de processamento de informação (i.e., informação seqüencial rápida, com IEEs curtos). Já se os maus leitores fossem pior em IEEs muito longos, isto sugeriria que sua dificuldade está relacionada à sobrecarga da memória de trabalho.

Método

Participantes

Participaram do estudo 103 crianças de primeira e segunda séries do ensino fundamental público da cidade de Marília, SP.

Materiais

Foram empregados o Teste de Competência de Leitura Silenciosa (Capovilla & Capovilla, 2002) e o Teste de Discriminação Fonológica Computadorizado, implementado em microcomputador notebook Pentium 100 MHz.

O Teste de Competência de Leitura Silenciosa é inspirado no paradigma geral esboçado por Khomsi (1997) e aperfeiçoado por Braibant (1997). Trata-se de um instrumento psicométrico que, acompanhado de tabelas de normatização, permite avaliar o grau de desvio de cada criança em relação às normas de seu grupo de referência, em relação à idade e à escolaridade. Trata-se também de um instrumento neuropsicológico cognitivo que permite interpretar os dados da criança em termos de modelos do desenvolvimento de leitura e escrita (Capovilla & Capovilla, 2000b, 2002), e inferir a fase de

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desenvolvimento em que ela se encontra e as estratégias de leitura que prevalecem em seu desempenho. Consiste em oito itens de treino e 70 itens de teste, cada qual composto de uma palavra ou pseudopalavra escrita logo abaixo de uma figura (i.e., par figura-escrita). A escrita aparece em letras maiúsculas para permitir manipular o efeito de similaridade visual. A tarefa da criança é marcar com um X os pares figura-escrita incorretos. Há sete tipos de pares figura-escrita, dois tipos corretos e cinco tipos incorretos, todos distribuídos aleatoriamente ao longo das tentativas, com dez pares de teste para cada tipo. São eles:

1) Palavras corretas grafofonemicamente regulares como, por exemplo, a palavra escrita FADA sob a figura de uma fada. Outros exemplos: BATATA, TOMADA, BUZINA, MAPA, PIJAMA, MAIÔ, BONÉ, MENINA, PIPA;

2) Palavras corretas grafofonemicamente irregulares, como a palavra TÁXI sob a figura de um táxi. Outros exemplos: XADREZ, CALÇAS, AGASALHO, TESOURA, PINCEL, EXÉRCITO, PRINCESA, EXERCÍCIO, BRUXA;

3) Palavras incorretas semanticamente, como a palavra TREM sob a figura de um ônibus. Outros exemplos: CACHORRO (sob figura de camundongo), ROSA (sob árvore), SOFÁ (casa), COBRA (peixe), RÁDIO (telefone), AVIÃO (águia), MAÇÃ (morango), CHINELO (sapato), SORVETE (bombom);

4) Pseudopalavras (incorretas) com trocas visuais, como CAEBÇA sob a figura de uma cabeça. Outros exemplos: GAIO (gato), FÊRA (pêra), CRIANQAS (crianças), TEIEUISÃO (televisão), CAINELO (chinelo), JACAPÉ (jacaré), PAROUE (parque), ESTERLA (estrela), CADEPMO (caderno);

5) Pseudopalavras (incorretas) com trocas fonológicas, como CANCURU sob a figura de um canguru. Outros exemplos: FACA (vaca), HAPELHA (abelha), MÁCHICO (mágico), APATAR (apagar), PIPOTA (pipoca), RELÓCHIO (relógio), OFELHA (ovelha), PONECA (boneca), JUVEIRO (chuveiro);

6) Pseudopalavras (incorretas) homófonas, como BÓQUISSE sob a figura de uma luta de boxe. Outros exemplos: PÁÇARU (pássaro), CINAU (sinal), JÊLU (gelo), AUMOSSU (almoço), XAPEL (chapéu), HOSPITAU (hospital), MININU (menino), TÁCSI (táxi), ÓMI (homem);

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7) Pseudopalavras (incorretas) estranhas, como RASSUNO sob a figura de uma mão. Outros exemplos: PAZIDO (xarope), ASPELO (coelho), MITU (óculos), DILHA (pião), MELOCE (palhaço), FOTIS (meia), JAMELO (tigre), SOCATI (urso), CATUDO (tênis).

A Figura 1 ilustra exemplos dos sete tipos de pares figura-escrita do Teste de Competência de Leitura Silenciosa.

FADA PRINCESA RÁDIO TEIEUISÃO

MÁCHICO MININU TÁCSI MELOCE

Figura 1. Exemplos de cada um dos sete tipos de pares figura-escrita do Teste de Competência de Leitura Silenciosa: Duas palavras corretas, uma regular (FADA) e uma irregular (PRINCESA); uma palavra com incorreção semântica (RÁDIO); uma pseudopalavra com troca visual (TEIEUISÃO) e uma com troca fonológica (MÁCHICO); duas pseudopalavras homófonas (MININU, TÁCSI) e uma estranha (MELOCE).

Os pares figura-escrita compostos de palavras corretas grafofonemicamente regulares (tipo 1) e grafofonemicamente irregulares (tipo 2) devem ser aceitos; enquanto que aqueles compostos de palavras com incorreção semântica (tipo 3) ou de pseudopalavras (tipos 4, 5, 6, e 7) devem ser rejeitados. Assim, neste teste, os erros consistem em rejeitar (i.e., deixar de aceitar) os pares de

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tipo 1 e 2, ou em aceitar (i.e., deixar de rejeitar) os pares de tipo 3, 4, 5, 6, e 7. O padrão de distribuição dos tipos de erros tem um valor informativo importante na caracterização da natureza específica da dificuldade de leitura de uma dada criança.

O insucesso na aceitação de palavras corretas grafofonemicamente irregulares (tipo 2) pode indicar dificuldade com o processamento lexical, ou falta dele. Do mesmo modo, o insucesso na rejeição de pseudopalavras homófonas (tipo 6) pode indicar a mesma dificuldade com o processamento lexical (ou falta dele) num nível ainda mais acentuado, com uma leitura mais limitada à decodificação fonológica. Quando uma criança já tem pelo menos nove anos de idade e já foi bastante exposta a textos, se ela deixar de rejeitar pseudopalavras homófonas, isto indica que ela está lendo pela rota fonológica, i.e., por decodificação grafofonêmica estrita, sem fazer recurso à rota lexical. Se ela fizesse recurso ao léxico ortográfico e encontrasse nele as palavras alvo (e.g., PÁSSARO, SINAL, GELO, TÁXI, MENINO, HOSPITAL, HOMEM, BOXE, ALMOÇO), ela iria rejeitar as pseudopalavras homófonas. A falha em rejeitá-las sugere falta de representação apropriada no léxico ortográfico. Um pouco mais sério é o insucesso na rejeição de pseudopalavras com trocas fonológicas (tipo 5), que poderia indicar a mesma falta de recurso ao léxico, mas com o agravante de dificuldades adicionais no próprio processamento fonológico. Já o insucesso na rejeição de palavras semanticamente incorretas (tipo 3) poderia indicar falta de acesso ao léxico semântico. Ainda mais sério, o insucesso na rejeição de pseudopalavras com trocas visuais (tipo 4) poderia indicar dificuldade com o processamento fonológico, e recurso à estratégia de leitura logográfica. Finalmente, o insucesso na rejeição de pseudopalavras estranhas (tipo 7) poderia indicar sérios problemas de leitura, com ausência de processamento lexical, fonológico e, mesmo, logográfico.

Além do Teste de Competência de Leitura Silenciosa, foi também empregado o Teste de Discriminação Fonológica Computadorizado, implementado em microcomputador notebook Pentium 100 MHz. Tal teste é composto de cinco tipos de pares de sílabas, sendo cada uma das sílabas composta de uma consoante, seguida da vogal /a/. Nos cinco pares de sílabas, as consoantes podem ser:

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1) Iguais (e.g., /za/-/za/, /sa/-/sa/); 2) Diferentes quanto ao modo de articulação (/za/-/la/,

/ja/-/lha/); 3) Diferentes quanto à sonorização (/fa/-/va/; /ga/-/ca/); 4) Diferentes quanto ao ponto de articulação (/ba/-/da/,

/ta/-/pa/); 5) Diferentes quanto aos três fatores (/sa/-/ma/, /cha/-/Ra/).

O software apresenta cada um dos cinco tipos de pares de sílabas em cada uma de 20 durações de intervalos entre estímulos (IEEs), que variam entre zero e 60 segundos crescendo inicialmente numa escala de milésimos de segundo e, em seguida, de segundos (0 ms., 20 ms., 40 ms., 60 ms., 80 ms., 100 ms., 150 ms., 200 ms., 250 ms., 300 ms., 350 ms., 400 ms., 450 ms., 500 ms., 1 s., 2.5 s., 5 s., 15 s., 30 s., 60 s.).

A tarefa do examinando consiste em julgar se as sílabas ouvidas são iguais ou diferentes. As sílabas digitalizadas são apresentadas com voz digitalizada pelo computador. Após cada apresentação de pares de sílabas, aparecem na tela os sinais igual e diferente, e o examinando deve selecionar com o mouse um dos sinais.

Procedimento

Inicialmente, as 103 crianças de primeira e segunda séries foram expostas ao Teste de Competência de Leitura Silenciosa. A partir dos desempenhos, foram selecionados dois grupos: Maus leitores (i.e., aqueles cuja média era igual ou inferior a um desvio padrão em relação à média, i.e., -1 d.p.) e bons leitores (i.e., aqueles cuja média era igual ou superior a um desvio padrão em relação à média, i.e., +1 d.p.). A partir de tal critério, foram selecionadas 32 das 103 crianças, sendo oito bons leitores e oito maus leitores da primeira série, e oito bons leitores e oito maus leitores da segunda série.

As 32 crianças foram, então, expostas ao Teste de Discriminação Fonológica Computadorizado que apresentava com voz digitalizada cinco tipos de pares de sílabas, cada uma das quais com 20 diferentes intervalos entre estímulos (IEEs), sendo que tais intervalos variavam de 0 s a 60 s. A tarefa da criança era julgar se as sílabas ouvidas eram iguais ou diferentes. Após cada apresentação de

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pares de sílabas, apareciam na tela os sinais igual e diferente, e a criança devia selecionar com o mouse um deles.

Assim, o delineamento manipulou duas variáveis independentes intra-sujeitos: Tipo de pares de sílabas em cinco níveis (iguais, diferentes quanto ao modo de articulação, quanto à sonorização, quanto ao ponto de articulação, ou quanto aos três fatores) e duração de IEE em 20 níveis (0 ms., 20 ms., 40 ms., 60 ms., 80 ms., 100 ms., 150 ms., 200 ms., 250 ms., 300 ms., 350 ms., 400 ms., 450 ms., 500 ms., 1 s., 2.5 s., 5 s., 15 s., 30 s., 60 s.), e duas variáveis inter-sujeitos: Nível de leitura em dois níveis (bons leitores e maus leitores) e série escolar em dois níveis (primeira e segunda)

Resultados

Anova tetrafatorial com duas variáveis inter-sujeitos (nível de leitura e série) e duas intra-sujeitos (tipo de sílabas e duração do IEE) revelou efeito de nível de leitura, F (1, 28) = 9,52, p = 0,005), tipo de sílabas, F (4, 112) = 5,72, p = 0,000), e duração de IEE, F (19, 532) = 2,69, p = 0,000), bem como de interação entre tipo de sílabas, série e nível de leitura, F (4, 112) = 4,52, p = 0,002). Análise da proporção de acerto como função do nível de leitura das crianças (bons leitores ver-sus maus leitores) revelou que os bons leitores apresentaram proporção de acerto significativamente maior do que a dos maus leitores.

Análise da proporção de acerto como função do tipo de par de sílabas (i.e., iguais, diferentes somente quanto ao modo de articulação, diferentes somente quanto ao ponto de articulação, diferentes somente quando à sonorização, e diferentes quanto aos três fatores) revelou que os pares de sílabas diferentes quanto à sonorização e quanto ao ponto de articulação tiveram as menores proporções de acerto. Assim, tais tipos de diferenças foram de mais difícil discriminação. Os pares de sílabas diferentes quanto à sonorização tiveram as menores freqüências de acertos, estatisticamente inferiores às dos pares de sílabas iguais (p = 0,038), às dos pares de sílabas diferentes quanto ao modo de articulação (p = 0,005) e às dos pares de sílabas diferentes quanto aos três fatores (p < 0,000). Os pares de sílabas diferentes quanto ao ponto de articulação também tiveram freqüências de acerto inferiores às dos pares de sílabas diferentes quanto ao modo de

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articulação (p = 0,046) e às dos pares de sílabas diferentes quanto aos três fatores (p = 0,004). Ou seja, de modo geral, as diferenças entre os pares de sílabas que diferiam apenas quanto à sonorização e apenas quanto ao ponto de articulação foram mais dificilmente discriminadas do que aquelas dos demais tipos de pares.

A distribuição da proporção de acerto como função da duração do IEE revelou que o acerto foi maior nos intervalos intermediários e menor nos extremos. Tal achado era esperado, já que IEEs mais curtos demandam maior velocidade de processamento fonológico, e os IEEs mais longos, maior memória de trabalho fonológica. A proporção de acertos com o IEE de 2,5 s foi superior às demais, indicando que este é o intervalo ideal para que a discriminação ocorra com maior probabilidade de sucesso. Houve, portanto, uma tendência à diminuição da proporção de acerto nos IEEs extremos para as crianças de modo geral, considerando a amostra como um todo, incluindo bons e maus leitores.

Houve interação tripla entre série, nível de leitura e tipo de sílaba. De modo geral os bons leitores tiveram maiores proporções de acerto que os maus leitores. Na primeira série os bons leitores sempre discriminaram melhor que os maus leitores nos cinco tipos de pares de sílabas. Tal superioridade dos bons leitores em relação aos maus leitores foi maior quando as diferenças entre as sílabas eram sutis (i.e., quando diferiam em relação a apenas um fator, especialmente a sonorização, do que quando diferiam em relação aos três fatores). Já na segunda série houve diferença entre bons e maus leitores apenas nos pares diferentes quanto ao modo de articulação, sendo que, neste caso, novamente bons leitores discriminaram melhor que os maus. Assim, a relação entre atraso de leitura e dificuldade de discriminação fonológica parece ser mais efetiva na primeira série, ano em que as crianças da escola pública são alfabetizadas.

Portanto, os bons leitores tiveram desempenhos superiores aos dos maus leitores, os IEEs medianos promoveram maiores proporções de acerto que os IEEs extremos, e a diferença entre bons e maus leitores foi maior para a primeira série que para a segunda, e maior para as sílabas foneticamente semelhantes do que para aquelas mais distintas.

A Figura 2 representa a proporção de acerto como função da

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faixa de duração de IEEs para a primeira série considerando todos os cinco tipos de pares de sílabas (sílabas iguais, diferentes quanto à sonorização, ao ponto de articulação, ao modo de articulação e quanto aos três fatores). Conforme a figura, enquanto o desempenho dos bons leitores foi razoavelmente estável em todas as faixas de IEEs, o de-sempenho dos maus leitores mostrou-se bastante afetado nos extremos da distribuição dos IEEs. O IEE que produziu maior proporção de ac-erto foi o de 2,5 segundos, sendo que neste ponto o desempenho dos maus leitores foi apenas levemente inferior ao dos bons leitores. Já, à medida que os IEES se distanciavam dessa duração de intervalo ideal, quer diminuindo ou aumentando, o desempenho dos maus leitores tornou-se cada vez pior. Portanto, pode-se dizer que os maus leitores demonstraram problemas velocidade de processamento fonológico e de memória de trabalho fonológica.

Considerando as crianças de primeira série, Anova da pro-porção de acerto como função do nível de leitura e da faixa de IEEs revelou efeito significativo do nível de leitura, F (1, 14) = 8,86, p = 0,01, e da faixa de duração dos IEEs, F (5, 70) = 4,71, p = 0,001. A proporção de acerto mostrou-se uma função quadrática da faixa de IEE, F (1, 14) = 13,18, p = 0,003. Ou seja, a proporção de acerto foi maior nos intervalos mediais, e menor nos intervalos extremos. A in-ferioridade dos maus leitores em relação aos bons leitores aumentou nos IEEs extremos, sugerindo que os problemas fonológicos dos maus leitores estão relacionados à velocidade de processamento, bem como à memória de trabalho.

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Figura 2. Proporção de acerto como função do intervalo entre estímulos (IEE) para primeira série considerando todos os cinco tipos de pares de sílabas.

Análises por item

Em estudos que apresentam uma amostra de estímulos como representativa de uma categoria, deve ser conduzida a análise por item, conforme recomendado por Clark (1973). Tal análise assegura que os efeitos obtidos não são devidos à amostra específica do estudo, mas são generalizáveis. No presente estudo, dois pares de sílabas eram usados para representar cada nível da variável independente tipo de sílaba. Fez-se necessário, portanto, conduzir análises por item, em que as porcentagens de acertos dos sujeitos são agrupadas para cada par de sílaba em cada uma das condições.

Os dados foram, portanto, colapsados entre sujeitos, e as análises foram novamente conduzidas. Como o objetivo da análise de item era verificar a generalizabilidade especificamente dos tipos de sílaba, e não dos IEEs, os dados entre os diferentes IEEs foram colap-sados e foram reanalisados os efeitos de nível de leitura, série e tipo de sílaba. As análises por item revelaram efeitos significativos do nível de leitura, F (1, 4) = 40,20, p = 0,003; da série, F (1, 4) = 17,33, p = 0,014, e do tipo de sílaba, F (4, 16) = 5,47, p = 0,006, bem como interação entre nível de leitura e série, F (1, 4) = 17,33, p = 0,014.

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Assim, os efeitos de tipo de sílaba obtidos nas análises anteriores por sujeito foram confirmados nas análises por item. Portanto, ficou demonstrado que as diferenças de desempenho como função do tipo de sílaba não foram devidas às diferenças apenas do subconjunto de sílabas apresentadas no presente estudo, mas que têm generalidade su-ficiente

Discussão

Conforme abordado na introdução, diversas teorias apontam para diferentes fatores causais possivelmente subjacentes aos distúr-bios de leitura e escrita. Este estudo procurou determinar, dentre os diferentes aspectos do processamento fonológico, quais poderiam es-tar prejudicados nos maus leitores. Os resultados sugerem que difer-entes distúrbios podem estar presentes conjuntamente, como:

1) Problemas de percepção da fala, ou discriminação fonológ-ica, já que os maus leitores tiveram desempenhos inferiores ao dos bons leitores em todos os IEEs quando as diferenças entre as sílabas eram foneticamente sutis;

2) Problemas relacionados à velocidade de processamento de informação apresentada seqüencialmente com curtos IEEs, já que o desempenho dos maus leitores foi rebaixado em re-lação ao dos bons nos IEEs muito curtos; e

3) Problemas relacionados ao processamento de informação sob alta demanda sobre a memória de trabalho, visto que o desempenho dos maus leitores foi rebaixado em relação ao dos bons leitores nos IEEs longos.

Assim, os resultados corroboram a hipótese de que diferentes dístúrbios de processamento fonológico podem estar conjuntamente subjacentes às dificuldades de leitura e escrita. Parece não haver uma causa única mas, sim, uma combinação de várias dificuldades. Tais di-ficuldades podem estar funcionalmente relacionadas umas às outras ou podem meramente co-ocorrerer nos maus leitores. Tal noção é impor-tante tanto para estudos futuros quanto para a prática de intervenção.

Visando ao aprimoramento do modelo da Hipótese do Déficit Fonológico, aqui corroborada, pesquisas ulteriores devem buscar

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aprofundar a investigação das relações entre todas estas habilidades de processamento fonológico e as habilidades de leitura e escrita, com o objetivo de verificar quais relações são causais e quais são meramente correlacionais.

Há vastas evidências, por exemplo, de que as habilidades de leitura e escrita são função da consciência fonêmica. Tal fato foi esta-belecido por meio de estudos correlacionais demonstrando forte corre-lação positiva entre elas, bem como por estudos de intervenção, demonstrando que procedimentos voltados ao desenvolvimento da consciência fonológica são capazes de melhorar substancialmente a competência de leitura e escrita (Capovilla & Capovilla, 1999, 2000a, 2000b, 2002). Por outro lado, há também evidência de que 40% das crianças com dificuldades de leitura e escrita apresentam também um distúrbio de déficit de atenção, sendo que ambos os problemas (i.e., o fonológico e o de atenção) são funcionalmente independentes um do outro, e apenas co-ocorrem com alta freqüência (Shaywitz, Fletcher, & Shaywitz, 1994). Ao determinar as relações causais entre diferentes habilidades, o diagnóstico e as intervenções em problemas de leitura e escrita poderão ser realizados de modo mais preciso, válido, confiável e eficaz. E o presente estudo deu um passo importante neste sentido.

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Capítulo 11

Controle motor e suas alterações em pacientes com distúrbios neurológicos

Regiane L. Carvalho Fisioterapeuta, mestre em fisiologia e biofísica e doutoranda em fisiologia pela Universidade Estadual de CampinasDocente do Curso de Fisioterapia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Campus Poços de Caldas e-mail: [email protected]

A reabilitação efetiva deve levar em consideração o conhecimento sobre como o sistema nervoso participa do controle normal, e também anormal, do movimento. A teoria do controle motor tem sido uma parte integral da base para a avaliação e tratamento fisioterapêutico. Qualquer fisioterapeuta que trabalhe com pacientes com comprometimento neurológico deve compreender as principais interações neurais envolvidas na realização de um movimento.

Uma análise superficial nos levaria a crer que o movimento é uma tarefa simples de ser executada. Ao observarmos uma pessoa com um distúrbio motor causado por um acidente vascular cerebral (AVC), ou uma criança que se move continuamente de maneira incorreta como os portadores de paralisia cerebral atetóide, dá-se conta do quão complexo é o processo de controle dos movimentos. Um simples movimento exige que o sistema nervoso controle o tempo e a quantidade de contração dos agonistas primários, assim como calcule e organize o padrão de contração da musculatura antagonista e dos músculos posturais que estão envolvidos nesta ação.

Faremos uma breve revisão de algumas características básicas do controle motor normal que servirá de embasamento para a

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compreensão de padrões anormais de movimento.Em uma tarefa simples como alcançar um alvo, observa-se um

padrão motor típico, com a velocidade em forma de sino e dois picos de aceleração. A atividade muscular apresenta tipicamente um padrão denominado de trifásico. Este padrão se traduz em uma contração da musculatura agonista com intuito de gerar o movimento até o alvo. Em seguida observa-se uma contração do antagonista que freia o movimento e, por fim, um segundo envelope de atividade da musculatura agonista que estabiliza o movimento no alvo.

Os movimentos humanos compreendem dois componentes periféricos distintos. O primeiro está relacionado à ativação do músculo que participa diretamente do movimento, e o segundo é responsável pela estabilidade dos membros, da cabeça e do tronco. Em qualquer tarefa motora, ocorre a ativação de músculos envolvidos diretamente na execução dos movimentos (musculatura focal) e daqueles que geram estabilidade postural para que o movimento ocorra. Qualquer movimento voluntário por si só gera uma perturbação postural, e é afetado por este desequilíbrio devido ao acoplamento mecânico das articulações, e à transmissão de forças e torques do segmento que está se movendo através do corpo (Almeida & Latash, 1995; Brown & Frank, 1987; Cordo & Nashner, 1982; Lee, 1980; Massion, 1992). Para corrigir este desequilíbrio postural o sistema de controle motor deve ser capaz de prever o distúrbio e enviar uma resposta antecipada (reações antecipatórias). Esta resposta é caracterizada pela ativação da musculatura não focal, que gera uma força necessária para compensar o desequilíbrio. O fato das reações antecipatórias serem observadas também em indivíduos deaferentados mostra que elas são elicitadas por um mecanismo feedforward (Forget & Lamarre, 1990). Esta resposta feedforward é enviada para a musculatura não focal antes mesmo do início da atividade muscular focal. É desenvolvida durante a prática do ato motor, através da observação das conseqüências do movimento focal nas articulações posturais (não focais).

Para o desequilíbrio postural que ocorre depois do início do movimento, o sistema de controle motor utiliza reações compensatórias, também conhecidas como reações pré-programadas (Oddsson, 1990). Estas reações compensatórias são disparadas por

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informações aferentes na forma de um feedback sensorial. Um importante componente do feedback é uma unidade que compara a resposta motora obtida com a planejada e possibilita a sua correção. A repetição da tarefa motora produz uma diminuição na variabilidade da reação antecipatória e da demanda por reações compensatórias (Nashner & Cordo, 1981).

Tendo por base alguns conceitos básicos do controle motor revisados acima abordaremos algumas alterações observadas em diferentes populações.

Síndrome de Down

A síndrome de Down (SD) também chamada de trissomia do 21 está diretamente relacionada ao atraso motor e à deficiência mental. Para se realizar um movimento é necessário integrar o ato motor, a emoção e a postura. No entanto, esta junção está comprometida nos indivíduos portadores da síndrome de Down (Marins, 2001). Dentre os fatores que predispõem à síndrome de Down podemos citar: Erro de divisão celular, idade materna avançada, infecções adquiridas durante a gestação e exposição a radiações (Guimarães et al., 1996).

Os indivíduos portadores da síndrome de Down possuem vários tipos de déficits motores. Exibem uma seqüência atípica de desenvolvimento motor (Latash, Almeida, & Corcos, 1993) e apresentam uma defasagem cronológica na aquisição das etapas do desenvolvimento motor. Por exemplo, sentam e levantam sem apoio cerca de dez meses mais tarde do que as outras crianças (Carr, 1970) e adquirem o andar considerado normal com 2 anos de atraso (Parker, Bronks, & Snyder, 1986). Utilizam estratégias diferentes de controle de seus movimentos. Em geral eles usam mais a coativacão muscular para estabilizar as articulações posturais (Almeida, Aruin, & Latash, 1994). Eles também apresentam um atraso na aquisição das reações de equilíbrio e desta forma aprendem a usar respostas de proteção para evitar maiores distúrbios posturais, ou para substituir a falta de reações de equilíbrio (Haley, 1986). Durante a marcha adotam uma postura mais flexionada ao nível da articulação do quadril, com um aumento da flutuação da amplitude do movimento do tornozelo (Parker, Bronks, & Snyder, 1986). Têm como características de seus

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movimentos a lentidão e a dita falta de coordenação motora.

Estudos de Shumway-Cook e Woollacott (1985) mostram que as crianças portadoras da síndrome de Down apresentam uma seqüência hierárquica na utilização das informações aferentes. Entretanto suas respostas são mais variáveis e com grande latência.

Apesar de todos os déficits motores citados, os indivíduos portadores da síndrome de Down são capazes de utilizar reações pré-programadas (Latash, Almeida, & Corcos, 1993) e antecipatórias durante o desequilíbrio postural. Estas reações foram demonstradas no estudo de Aruin & Almeida (1997) em que os portadores da síndrome de Down e o grupo controle (GC) realizaram movimentos rápidos de flexão e extensão bilateral dos ombros. Os dois grupos apresentaram reações antecipatórias, entretanto algumas diferenças foram observadas. Os sujeitos do grupo controle apresentaram um padrão trifásico (agonista, antagonista, agonista) de ativação muscular. Os sujeitos com síndrome de Down ativaram simultaneamente a musculatura agonista e antagonista, adotando um padrão de coativação. Em termos cinemáticos a diferença foi que os sujeitos do grupo controle reagiram aos distúrbios gerados nos membros inferiores, movendo a pelve para frente, estendendo a articulação do quadril e fletindo o joelho. Já os sujeitos com síndrome de Down reagiram a este distúrbio movendo a pelve para trás com flexão do quadril e extensão do joelho. Estas duas maneiras de reagir foram capazes de manter o centro de massa dentro da base de suporte nos dois indivíduos. No entanto a estratégia utilizada pelos sujeitos com síndrome de Down é menos universal e requer um maior gasto energético.

Há duas opiniões que fundamentam as causas dos déficits motores nos indivíduos com síndrome de Down. A primeira diz que estes déficits se devem a disfunções orgânicas que ocorrem no sistema de controle motor (Davis & Sinning, 1987), tais como diminuição do cerebelo ou de outras estruturas cerebrais. Algumas falhas já foram apontadas nesta opinião, visto que a correlação entre uma disfunção orgânica e um déficit comportamental não é necessariamente causal. Um indivíduo pode ter um sistema de controle motor intacto e, mesmo assim, ser incapaz de realizar uma tarefa motora.

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A segunda opinião sugere que o sistema de controle motor destes indivíduos é neurologicamente intacto e que os déficits podem ser atribuídos à falta de oportunidade de praticar esses movimentos no dia a dia. A favor desta visão estão os estudos mostrando os efeitos benéficos da prática motora nestes indivíduos (Almeida, Aruin, & Latash, 1994; Kanode & Payne, 1989). Antes do treinamento, os movimentos uniarticulares destes indivíduos são lentos e a pouca atividade muscular observada é caracterizada por uma coativação. A princípio estes dados podem ser interpretados como um indicador de hipotonia cerebelar, caracterizada por uma diminuição da ativação dos neurônios motores (Davis & Sinning, 1987). Porém, depois da prática de movimentos uniarticulares, o nível de desempenho motor destes sujeitos torna-se similar aos de indivíduos normais. Eles aumentam a intensidade de ativação dos neurônios motores, diminuem o tempo de latência de ativação do músculo antagonista e produzem movimentos 67% mais velozes. Isto demonstra a capacidade destes indivíduos aprenderem uma tarefa motora, independentemente da disfunção orgânica. Contudo, quando expostos a situações mais complexas que exigem um ajuste postural preciso, como balançar em uma gangorra, o treino não se mostra tão eficiente, e eles falham na tentativa de adotar uma estratégia semelhante à adotada pela população em geral (Carvalho, 2000). A análise deste estudo nos leva a sugerir que a estratégia de manutenção do equilíbrio adotada pelos indivíduos síndrome de Down é uma adaptação a possíveis déficits nos mecanismos de controle postural.

Supondo que a estratégia utilizada pelos indivíduos com síndrome de Down seja uma resposta adaptativa, deveria o fisioterapeuta tentar incorporar a estratégia utilizada pelos sujeitos normais à realidade dos síndrome de Down ? Muitas vezes, os terapeutas optam por treinar os seus pacientes a adotarem um modelo motor o mais próximo possível do observado na população em geral. No entanto, tentativas de corrigir ajustes compensatórios sem entender as causas primárias destes ajustes podem prejudicar os movimentos. Winter, Rudez, & Mackinnon (1990) apresentaram uma análise biomecânica da marcha e concluíram que muitas características atípicas resultam de adaptações e não podem ser consideradas patológicas.

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Doença de Parkinson

A doença de Parkinson é o distúrbio mais comum que atinge os gânglios da base. A doença progride lentamente e, tipicamente, apresenta-se nos últimos anos da quinta década de vida. Na década de 1950 ocorreu um avanço importante no conhecimento desta doença, quando investigadores descobriram que o neurotransmissor dopamina está intensamente depletado no cérebro destes pacientes. Esta depleção resulta da degeneração de neurônios dopaminérgicos da substância negra que se projetam para o estriado, onde eles são críticos para o controle do processamento da informação pelos gânglios da base. Não se sabe precisamente como os complexos circuitos dos gânglios da base controlam os movimentos, contudo existem algumas hipóteses. Uma destas hipóteses seria que os gânglios da base facilitam os movimentos por desinibirem o tálamo, permitindo a ocorrência do movimento (Chevalier, 1990). Assim, quando o estriado está em repouso, ele mantém as áreas pré-motoras hiperpolarizadas, deixando o sistema em silêncio, enquanto o estriado ativo permite atividade nos circuitos motores. Outra hipótese seria que os gânglios da base previnem atividades musculares não desejadas durante a realização de tarefas focais e “desligam” a atividade postural normal permitindo que a atividade voluntária ocorra (Mink & Thach, 1991). Assim, tanto a via direta quanto a indireta estariam atuando de forma complementar. A primeira, desinibindo áreas motoras e permitindo o movimento, e a segunda prevenindo um movimento não desejado. E, uma outra hipótese foi elaborada a partir de observações clínicas onde pacientes apresentam grande dificuldade na realização de movimentos seqüenciais. Nesta, os gânglios da base teriam um importante papel na execução de movimentos previstos, complexos e automáticos (Marsden, 1989).

Considerando as características clínicas da doença de Parkinson, pode-se também presumir o papel essencialmente motor dos gânglios da base. Quatro são as principais: Rigidez, tremor, bradicinesia e déficit em reflexos posturais. A rigidez refere-se a um aumento de tônus sentido na manipulação passiva das articulações devido a uma dificuldade em relaxar os músculos e também a uma

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ativação anormal do reflexo de estiramento dos músculos. Não foi encontrada evidência de aumento na excitabilidade na via espinhal monossináptica, mas sim uma hiperatividade dos reflexos de longa latência. O tremor é caracterizado por um padrão alternado de ativação dos músculos agonistas e antagonistas de uma articulação levando a uma oscilação de 5 a 6 Hz. O aumento no reflexo de longa latência poderia levar a uma instabilidade no sistema reflexo e resultar em uma oscilação autocontrolada.

Uma quantidade considerável de coativação de músculos antagonistas (Hayashi, Kagamihara, & Narabayashi, 1988) pode ser o responsável pelas alterações no padrão de atividade muscular e cinemático durante movimentos voluntários. Os indivíduos com Parkinson demonstram um aumento do tempo de reação o qual aumenta com a complexidade do movimento. As reações antecipatórias estão diminuídas ou ausentes, e as pré-programadas estão alteradas: Apresentam longa latência para a resposta muscular em comparação ao grupo controle (Berardelli & Hallet, 1983).

Devido à causa do Parkinson ser supraespinhal tem sido sugerido que as desordens são causadas por alterações nos comandos descendentes. Em particular um déficit básico na composição de seqüências complexas de programas motores tem sido hipotetizado (Sanes, 1985). Supõe-se que a estrutura segmentar esteja intacta (Hallet & Khoshbin, 1980). Isto é com provado por reflexos miotáticos inalterados (Rothwell, Traub, & Marsden, 1983). Entretanto algumas alterações em mecanismos segmentares também têm sido relatadas. Estas incluem um déficit na inibição recíproca que poderia contribuir para a coativação durante a execução de movimentos voluntários (Johnson, 1991) e o fenômeno do reflexo paradoxal. Este fenômeno representa uma excitação reflexa abrupta do músculo em resposta a um movimento externo que diminui o comprimento muscular. Glendnning e Enoka (1994) descreveram alterações secundárias no modelo de disparo neuronal devido ao desuso.

Outra linha de pesquisadores sugere que a maioria dos problemas no Parkinson se deve a adaptações das causas primárias. Diferentes anormalidades motoras podem resultar em processos

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adaptativos do sistema nervoso. Ao se assumir que a disfunção primária seja a falta de reações antecipatórias e déficit nas reações compensatórias, o sistema tenta compensar este déficit diminuindo o limiar de disparo destas reações ou aumentando o seu ganho. Uma das conseqüências desta adaptação é uma supercompensação que pode gerar um movimento corretivo muito forte e, por sua vez, um novo distúrbio postural. Por este fato o sistema nervoso central provavelmente opta por mover com baixa velocidade e alta resistência.

Outro fato importante é que indivíduos com Parkinson têm dificuldade em se mover com um referencial interno, e facilidade com um referencial externo. Por exemplo, frente a estímulos visuais os movimentos destes pacientes se tornam rápidos e precisos. Assim, o sistema motor parece preferir um nível sub-ótimo de movimento do que correr o risco de uma falha total.

Desordens vestibulares

Pacientes com desordens vestibulares minimizam os deslocamentos da cabeça (Pozzo, Berthoz, & Lefort, 1990), reagem às perturbações posturais com grandes deslocamentos da articulação do tornozelo e perdem a capacidade de usar a estratégia do quadril (Horak, Nashner, & Diener, 1990). Este fato se deve ao menor deslocamento da cabeça gerado pela estratégia do tornozelo do que a do quadril.

Um aspecto que tem sido amplamente discutido por estudiosos de controle motor é se os padrões motores observados em pacientes com distúrbios neurológicos, que por sua vez diferem dos padrões observados em pessoas com o sistema nervoso intacto, são padrões errôneos que devem ser normalizados na reabilitação motora. Alguns pontos devem ser considerados neste aspecto: O padrão motor utilizado pela maioria da população é a única forma correta de execução de um determinado movimento? Desvios do padrão normal refletem uma falha do sistema nervoso central em se comportar corretamente?

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Pela análise dos dados disponíveis na literatura a idéia mais aceita é a de que a intervenção deve melhorar a função e não se direcionar apenas para a normalização do padrão motor. Entretanto mais estudos nesta área se fazem necessário para esclarecer se as respostas adaptativas usadas por alguns indivíduos podem e devem ser mudadas sem prejuízo da função motora.

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar 207

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Capítulo 12

Avaliação cognitiva de crianças com severos distúrbios motores: Versões computadorizadas,

normatizadas e validadas de testes de vocabulário, compreensão auditiva, leitura e inteligência geral 8

Fernando C. CapovillaPsicólogo, Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília Ph.D. em Psicologia Experimental pela Temple University of PhiladelphiaLivre Docente em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de São PauloProfessor Associado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Valéria de Oliveira ThiersDoutora em PsicologiaUniversidade BandeirantePesquisadora Associada a Neuropsicolingüística, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Elizeu C. MacedoPsicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade de São PauloProfessor do Curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana MackenziePesquisador Associado do Laboratório de Neuropsicolingüística CognitivaUniversidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Avaliar as habilidades de educando é importante para adequar os procedimentos de ensino ao repertório de entrada inicial, e ao seu ritmo de aprendizagem e desenvolvimento. Crianças com severos distúrbios motores, todavia, desafiam as avaliações dos instrumentos

8 Apoio: CNPq e FAPESP.

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

tradicionais. A ergonomia cognitiva em reabilitação, presta-nos um grande serviço ao estudar as capacidades do paciente, delinear ambientes ou produtos apropriados para compensar a perda de suas habilidades, e para remediá-las.

Os componentes do processo de reabilitação são a avaliação das capacidades do paciente, a terapia, a adaptação de instrumentos e o treino do paciente no uso desses instrumentos para conseguir um maior controle sobre suas funções físicas, comunicativas e cognitivas. Assim, avaliação e adaptação são pontos críticos para a ergonomia em reabilitação, que consiste no estudo e aplicação dos princípios ergonômicos na restauração de funções e em sua otimização (Redfern & Kumar, 1994).

As aplicações ergonômicas podem avaliar o nível das habilidades funcionais dos pacientes, comparando-os com os níveis normativos e os necessários para uma adaptação bem sucedida. Normas de avaliação funcional estabelecidas por sexo e idade são importantes, uma vez que critérios e normas são aplicados diretamente na reabilitação para definir níveis de linha de base de desempenho, e estabelecer objetivos no planejamento da terapia. As mesmas metodologias empregadas nas avaliações com crianças normais podem ser usadas na reabilitação para o acompanhamento da evolução da terapia ou dos distúrbios remanescentes.

A combinação de técnicas de avaliação funcional com avaliações das tarefas a serem desempenhadas é um campo promissor. Em ambos os casos, o objetivo final é fazer com que as capacidades dos pacientes sejam adequadas às suas necessidades. Programas de reabilitação que visem a reintegração na escola e na sociedade podem empregar adaptações especiais.

Para que a política de inclusão escolar de crianças com características especiais seja bem sucedida, é preciso dotar o sistema escolar de instrumentos que avaliem o desenvolvimento escolar e cognitivo de crianças com severos distúrbios motores (Capovilla, Thiers et al., 1997). De forma a oferecer instrumentos concretos e práticos de acompanhamento a professores, clínicos e pesquisadores, desenvolvemos versões computadorizadas de seis testes de avaliação de habilidades escolásticas de amplo uso na clínica de distúrbios de aprendizagem, bem como na psicologia escolar. Os testes empregados

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são descritos a seguir.

O Teste de Vocabulário por Imagens Peabody, ou TVIP (Capovilla & Capovilla, 1997; Dunn & Dunn, 1981; Dunn et al., 1986), avalia a linguagem receptivo auditiva. A tarefa da criança é escolher a figura que corresponde à palavra falada pelo experimentador. Consiste em 125 itens ordenados em grau crescente de dificuldade. O teste objetiva acompanhar a aquisição do vocabulário e avaliar aptidão escolar, como parte de uma bateria global de provas dos processos cognitivos.

O Teste de Prontidão para Leitura, ou TPL (Kunz, 1979), avalia a aptidão da criança para o início da instrução regular em leitura, considerando as habilidades de identificação e reconhecimento de formas, de composição e decomposição de gravuras, sentenças e palavras, de discriminação auditiva de palavras com sons semelhantes, de senso de orientação espacial, de compreensão da idéia central de uma gravura ou estória contada, e da seqüência dos fatos. Estas habilidades são avaliadas em 58 itens, distribuídos em oito partes.

A Escala de Maturidade Mental Colúmbia, ou EMMC (Rodrigues & Pio da Rocha, 1994), avalia o nível de funcionamento intelectual de crianças que apresentam deficiência auditiva ou distúrbio motor, bem como a maturação do pensamento conceitual em crianças normais. A tarefa é simples e não requer expressão oral, mas apenas o apontar da figura que é diferente das demais. Para tanto, a criança deve descobrir o princípio de organização das figuras, de modo a excluir uma delas. Há 92 cartões, com três a cinco figuras cada um, dispostos em ordem crescente de dificuldade. Foi normatizada, originalmente, para crianças com idade entre três anos e seis meses até nove anos e 11 meses.

O Reversal Test, também conhecido por Teste de Figuras Invertidas, ou TFI (Edfeldt, 1971), avalia a tendência de inversão de caracteres observada em crianças pré-escolares, como um dos fatores de prontidão de alfabetização e de detecção precoce de distúrbios visoespaciais correlacionados a certos distúrbios de aquisição de leitura. A avaliação é realizada por meio da apresentação de 84 pares de figuras. Destas, pelo menos, a metade apresenta inversões resultantes de espelhamento no eixo vertical ou horizontal. A tarefa da

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criança é riscar os pares de figuras que são diferentes.

O Teste Token, ou Token (DeRenzi & Vignolo, 1962; DiSimoni, 1978), avalia a linguagem receptiva. Consiste em cinco quadrados grandes e pequenos, e cinco círculos grandes e pequenos nas cores azul, vermelho, branco, amarelo e verde. A tarefa da criança consiste em tocar as figuras pedidas. É composto por cinco partes, com comandos progressivamente mais extensos e complexos. As instruções são apresentadas de forma clara e sem nenhuma ênfase prosódica especial. Cada comando é dado apenas uma vez e, após sua execução, as peças devem retornar à sua posição na mesa.

O Teste de Maturidade para Leitura, ou TML (Campos, 1994), avalia a identificação e complemento de figuras, as associações e analogias, o vocabulário e o raciocínio lógico envolvendo estórias contadas. A versão tradicional tem um total de 27 itens. Para a avaliação conduzida foram retiradas três questões, que diziam respeito à coordenação motora, à discriminação de quantidade, e à identificação e complemento de figuras.

As versões multimídia em Windows para o TVIP (Capovilla, Thiers et al., 1998b), o TPL, o TFI e o TML (Capovilla, Thiers et al., 1998a), a EMMC (Capovilla, Thiers et al., 1997), o Token (Macedo et al., 1998) são executáveis em microcomputadores Pentium, empregam voz digitalizada e permitem avaliar pessoas com os mais severos distúrbios motores, já que o seu modo de acionamento pode ser configurado de acordo com as necessidades e possibilidades do usuário. Assim, é possível pré-programar um acionamento direto (via mouse ou tela sensível ao toque) ou um acionamento indireto (por varredura automática e seleção via dispositivos sensíveis a movimento, sopro, gemidos, e direção do olhar), cujo parâmetro de tempo de varredura entre as opções também pode ser customizado. A Figura 1 ilustra uma das telas da EMMC-Comp (primeira acima), do TFI-Comp (segunda), do TML-Comp (terceira), do TPL-Comp (quarta), do TVIP-Comp (quinta), juntamente com as instruções verbais administradas pelo computador. A Figura 2 ilustra as duas telas do Token-Comp, com o arranjo A (acima) e o arranjo B (abaixo).

Mensagem: “Escolha a que não combina.”

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Mensagem: “Veja estas figuras”

Mensagem: “Se forem iguais, escolha igual. Se forem diferentes, escolha diferente.”

Mensagem: “Veja estes desenhos aqui. Escolha o desenho do bebê.”

Mensagem: “Escolha a coisa que se pode pôr num envelope.”

Mensagem: “Escolha: barco”.

Figura 1. Configuração de uma das telas das versões computadorizadas dos testes EMMC (primeira acima), TFI (segunda), TML (terceira), TPL (quarta), e TVIP (quinta), juntamente com instruções administradas em voz digitalizada pelo computador.

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

Figura 2. Configuração de tela da versão computadorizada do Teste Token. com o arranjo A (acima) e o arranjo B (abaixo).

Além da apresentação dos testes, tais programas encarregam-se

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da criação de um arquivo individual de registro, com dados sobre a data da aplicação, o horário, o tipo de teste, o modo de acionamento selecionado, as respostas obtidas e o tempo empregado item a item. Os arquivos de dados são gerados com a extensão .DB (Data Base), o que permite a sua importação para planilhas eletrônicas, do tipo Excel do Microsoft Office, acelerando o processo de tabulação e análise de dados.

A validade e a normatização das versões computadorizadas destes testes foram estabelecidas a partir de dois estudos conduzidos com uma população de pré-escolares com desenvolvimento normal. Dado que um dos objetivos preliminares era comparar o desempenho de respondentes nas versões tradicional e computadorizada por acionamento direto (via mouse ou tela sensível ao toque) e indireto (com parâmetros temporais de varredura variáveis), participaram do estudo crianças que pudessem responder a todas estas versões.

Estudo 1

No primeiro estudo a validade das versões computadorizadas de EMMC, TFI, TML, TPL, e TVIP foi analisada por comparação entre o desempenho nelas produzido e nas versões tradicionais. O objetivo era verificar se as computadorizadas seriam capazes de discriminar tão bem entre as sucessivas séries pré-escolares quanto as tradicionais. Para tanto, foram avaliadas 53 crianças de pré 1 a pré 3 de uma escola particular de São Paulo. Cada criança foi exposta às duas versões (tradicional e computadorizada com mouse) dos cinco testes. A ordem de apresentação das dez condições foi contrabalançada entre as crianças.

Para as versões tradicionais, Ancovas de pontuação obtida como função da série pré-escolar tendo a ordem de testagem (antes ou após computadorizada) como covariante revelaram efeitos significativos de série para TFI, F (2, 49) = 14,7, p = 0,000, TML, F (2, 49) = 10,5, p = 0,000, TPL, F (2, 49) = 53,9, p = 0,000, TVIP, F (2, 49) = 34,9, p = 0,000, e EMMC, F (2, 49) = 42,4, p = 0,000. Análises de comparação de pares via testes Fisher LSD e Bonferroni ( < 0,05) revelaram que em TFI e TML (Figura 3, gráficos 1 e 2) as crianças do pré 2 e do pré 3 foram melhor que as do pré 1, e que em TPL, TVIP e EMMC (Figura 3, gráficos 3 a 5) as crianças do pré 3

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foram melhor que as do pré 2, e estas, melhor que as do pré 1.

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Série Escolar (Jardim)

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Série Escolar (Jardim)

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Série Escolar (Jardim)

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Série Escolar (Jardim)

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Série Escolar (Jardim)

Pont

uaçã

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MC

Tra

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Figura 3. Efeito da série escolar (pré 1, pré 2 e pré 3) sobre a pontuação nas versões tradicionais dos testes TFI, TML, TPL, TVIP e EMMC.

Para as versões computadorizadas, Ancovas de pontuação obtida como função da série pré-escolar tendo a ordem de testagem (antes ou depois da tradicional) como covariante revelaram efeitos significativos de série para TFI, F (2, 49) = 6,6, p = 0,003, TPL, F (2, 49) = 10,3, p = 0,000, TVIP, F (2, 49) = 11,6, p = 0,000, e EMMC, F (2, 49) = 12,2, p = 0,000. Análises de comparação de pares via testes Fisher LSD e Bonferroni ( < 0,05) revelaram que em TFI e EMMC (Figura 4, gráficos 1 e 5) as crianças do pré 2 e do pré 3 foram melhor que as do pré 1, e que em TPL e TVIP (Figura 4, gráficos 3 e 4) as crianças do pré 3 foram melhor que as do pré 2, e estas, melhor que as do pré 1.

Resultados mostraram que o desempenho nas versões computadorizadas foi levemente inferior àquele nas versões tradicionais. No entanto, com exceção do TML, as versões computadorizadas do TFI, TPL e TVIP discriminaram tão bem entre

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as séries escolares sucessivas quanto as tradicionais e a versão computadorizada do EMMC discriminou quase tão bem quanto a tradicional. Foram geradas tabelas de dados normativos para as três séries escolares, nas duas versões de TFI, TPL, TVIP e EMMC. A partir delas, torna-se possível determinar a posição de uma criança em relação ao seu grupo de referência, quer possa usar a versão tradicional ou precise da computadorizada. Ou seja, as versões computadorizadas validadas e normatizadas permitem isolar o efeito do comprometimento motor de crianças com paralisia cerebral sobre a avaliação das diversas funções cognitivas a que se propõem.

1 2 364

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Série Escolar (Jardim)Pont

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510 12 14 16 18 20

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Pontuação TML Tradicional

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Série Escolar (Jardim)

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Série Escolar (Jardim)

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Figura 4. Efeito da série escolar (pré 1, pré 2 e pré 3) sobre a pontuação nas versões computadorizadas dos testes TFI, TPL, TVIP e EMMC. Correlograma entre as versões tradicional e computadorizada do TML.

Estudo 2

Validar as versões computadorizadas com acionamento direto via mouse com crianças com desenvolvimento normal foi um primeiro passo para desenvolver equipamentos de diagnóstico e

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acompanhamento de crianças com necessidades especiais decorrentes de distúrbios de desenvolvimento. Neste segundo estudo foram coletados dados comparativos com crianças usando outros periféricos com modos de acionamento direto (tela sensível ao toque) e indireto (por varredura dos itens), com parâmetros de tempo variando de 1 a 3 segundos, o que possibilitou gerar tabelas de dados normativos de crianças sem distúrbios motores para cada um dos dispositivos de acionamento.

O objetivo do experimento foi avaliar se as versões computadorizadas com acionamento direto (por tela sensível ao toque) e indireto (por varredura) poderiam discriminar entre as séries pré-escolares sucessivas tão bem quanto as tradicionais. Participaram do estudo 37 crianças, de pré 1 a pré 3 da mesma escola. Elas foram avaliadas nos testes EMMC, TPL, Token e TVIP, em cinco versões diferentes: Uma tradicional (tradicional) e quatro computadorizadas. Numa destas o acionamento era direto por tela sensível ao toque (tela) e nas outras três o acionamento era indireto por varredura automática e seleção pelo botão do mouse. Numa delas o tempo de varredura era de 1 segundo (atraso 1); na outra, de 2 segundos (atraso 2) e, na última, de 3 segundos (atraso 3). A ordem de apresentação das 20 condições foi contrabalançada para evitar efeitos diferenciais sistemáticos de fadiga e de aprendizagem.

Para cada uma das versões de cada um dos testes foram feitas Ancovas unifatoriais interséries de pontuação como função da série pré-escolar (pré1, pré 2, pré 3), tendo a ordem de testagem como covariante. As Ancovas foram sempre seguidas de análises de comparação de pares (pairwise) entre as séries via testes Bonferroni e Fisher LSD. Todas as análises revelaram efeitos significativos, exceto no Teste Token na versão de tela sensível ao toque. Em todos os testes e em todas as versões de cada um deles o desempenho das crianças do pré 3 foi superior às do pré 2, que por sua vez foi superior às do pré 1. A Tabela 1 sumaria a pontuação nas cinco versões (tradicional, computadorizada com escolha direta, computadorizada com varredura com atraso A1, A2, ou A3) dos quatro testes (TPL, TVIP, EMMC, Token) nas três séries escolares (pré 1, pré 2, pré 3).

O resultado mais importante deste estudo é que todas as quatro versões computadorizadas de cada um dos três testes (TVIP, EMMC,

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TPL) discriminaram entre séries escolares sucessivas tão bem quanto suas respectivas versões tradicionais (com exceção do Teste Token, em somente a versão com tela falhou em discriminar entre as séries). Ou seja, para TVIP, EMMC, TPL, todas as versões computadorizadas (mesmo aquelas com varredura e atraso de 3 segundos) discriminaram tão bem entre as séries quanto as suas respectivas versões tradicionais. E, mesmo para Token, as versões computadorizadas com varredura também discriminaram entre as séries tão bem quanto a tradicional. Fica, assim, estabelecida a validade das versões computadorizadas, que permitem testar crianças até então não passíveis de testagem com as versões tradicionais devido a severos distúrbios neuromotores.

Tabela 1. Pontuação nas cinco versões dos quatro testes nas três séries escolares. Dados representam média e respectivo erro padrão (entre parênteses).

Teste Versão Tradicional Tela Atraso 1 Atraso 2 Atraso 3Pré 1 67,57

(2,15)59,66 (2,15)

59,73 (2,15)

60,99 (2,15)

62,38 (2,15)

TVIP Pré 2 75,29 (1,71)

65,07 (1,71)

62,82 (1,71)

67,09 (1,71)

66,02 (1,71)

Pré 3 85,13 (2,25)

75,47 (2,25)

72,35 (2,25)

70,88 (2,25)

72,91 (2,25)

Pré 1 66,04 (2,15)

55,49 (2,15)

56,32 (2,15)

57,63 (2,15)

56,98 (2,15)

TPL Pré 2 76,04 (1,71)

66,87 (1,71)

62,38 (1,71)

67,76 (1,71)

68,80 (1,71)

Pré 3 78,25 (2,25)

71,32 (2,25)

69,38 (2,25)

72,28 (2,25)

72,90 (2,25)

Pré 1 63,12 (2,15)

54,53 (2,15)

51,51 (2,15)

50,79 (2,15)

55,92 (2,15)

EMMC Pré 2 72,21 (1,71)

61,33 (1,71)

57,85 (1,71)

61,06 (1,71)

61,44 (1,71)

Pré 3 75,83 (2,25)

64,53 (2,25)

57,36 (2,25)

63,76 (2,25)

65,43 (2,25)

Pré 1 48,55 (2,15)

51,12 (2,15)

45,78 (2,15)

18,56 (2,15)

14,98 (2,15)

Token Pré 2 54,97 52,23 53,98 23,12 17,66

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

(1,71) (1,71) (1,71) (1,71) (1,71)Pré 3 55,44

(2,25)50,09 (2,25)

49,24 (2,25)

43,86 (2,25)

35,58 (2,25)

O estudo também gerou tabelas de normatização de cada uma das versões destes testes para as três séries pré-escolares. As tabelas de normatização obtidas permitem corrigir as estimativas a respeito do desempenho de crianças que, devido aos seus distúrbios motores, só podem ser avaliadas por meio de versões computadorizadas com elevado tempo de varredura entre alternativas na tela. Com estes dados, crianças com severos distúrbios motores podem ter suas habilidades cognitivas avaliadas de uma maneira mais justa e que considere o rebaixamento usualmente ocasionado pelo comprometimento motor.

Neste ponto, cabe apenas ressaltar que o parâmetro temporal de varredura que é o ideal para cada criança pode ser descoberto com facilidade e rapidez por meio do uso do Programa para Determinação do Parâmetro de Varredura ou PDPV (Capovilla, Capovilla, & Macedo, 2001). Trata-se de um software que apresenta oito quadrados de cores diferentes numa matriz de 2 linhas por 4 colunas, e, por meio de voz digitalizada, solicita ao avaliando para escolher um dado quadrado quando ele estiver disponibilizado pela varredura. Tal escolha pode ser feita por meio da chave mais adequada ao sistema motor de preferência da criança (e.g., acionador de movimento de cabeça, de mão, de pé). O programa solicita a escolha de cada uma das oito cores por seis vezes, cada qual sob um diferente tempo de varredura (0,5; 1,0; 1,5; 2,0; 2,5; 3,0 segundos), sendo que a cor solicitada e o tempo de varredura são contrabalançados de escolha a escolha para controlar qualquer viés de posição espacial ou ordenação temporal. Assim, em cada tentativa de escolha, o computador solicita uma cor diferente sob um tempo de varredura diferente, e analisa tanto a proporção de acerto quanto o tempo total despendido em função do parâmetro temporal de varredura. Para crianças com comprometimento neuromotor considerável e que precisam fazer uso de seleção indireta por varredura automática e seleção por dispositivos sensíveis a movimento, o emprego do Programa para Determinação do Parâmetro de Varredura previamente ao emprego de qualquer uma das versões computadorizadas descritas neste capítulo assegura o uso do parâmetro temporal mais adequado para reduzir tanto quanto possível

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o efeito do distúrbio motor da criança sobre a avaliação de suas diversas habilidades cognitivas relevantes à sua alfabetização e escolarização.

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Capítulo 13

Integração sensorial

Elfriede A. Kogler Telg FisioterapeutaClínica Morumbie-mail: [email protected]

Integrar significa criar um todo, um centro de força e liberdade para que uma criança não seja por mais tempo só um objeto dirigido por forças

externas, mas sim um ser que saia de si próprio, tome decisões e atue. (Schumaker, 1977)

1. Introdução

As atividades de integração sensorial têm sido usadas em vários métodos escolares e em muitas terapias. A terapeuta ocupacional Jean Ayres foi a grande precursora, nos anos 1960, da integração sensorial como abordagem para a explicação da origem das dificuldades e para o trabalho terapêutico. Já em 1964, Ayres descreveu pela primeira vez a integração sensorial como lidando com a sensação de desconforto e o desejo da pessoa de escapar a situações nociceptivas (Ayres, 1979). Hoje existem muitos trabalhos no mundo todo que se aprofundam no estudo da integração sensorial, não só para casos de distúrbios e dificuldades escolares, mas também para casos de pacientes neurológicos mais comprometidos, tanto bebês como crianças e adultos. Como exemplo desses trabalhos, podemos citar os estudos de Albrecht (1978), Ayres (1978), Bienstein e Fröhlich (1991), Bly (1994), Bly e Whiteside, A. (1997), Dick, Weitbrecht e Lindroth (1999), Doering (1992), Fischer (1998), Fischer, Murray, e Bundy (1998), Gamper (1995), Grossmann-Schnyder (1996), Kesper e Hottinger (1999), Klein-Vogelbach (1981), Miske-Flemming (1977),

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Robinault (1973), Röttger (1993), Schöning (1988), Zinke-Wolter (1992).

Integração sensorial é um processo que ocorre no cérebro, em especial no tronco cerebral onde se situam os sistemas sensoriais que influem no desenvolvimento sensoriomotor. Um distúrbio sensorial não decorre de lesão neurológica, e os estímulos sensoriais nem chegam ao córtex cerebral, pois já são aproveitados no tronco cerebral. Isto também ocorre com as funções autônomas, onde a pessoa nem percebe conscientemente as informações recebidas.

2. Sistemas que compõem a integração sensorial

No tronco cerebral a integração sensorial divide-se em cinco sistemas, como veremos a seguir. Desde o nascimento, estão presentes os sistemas tátil, vestibular, e proprioceptivo. Desde o nascimento mas a partir do segundo mês de vida estão mais presentes os sistemas visual e auditivo.

2.1. Sistema tátil

O sistema tátil, ou percepção tátil superficial é o primeiro e o maior sistema que se desenvolve ainda na vida intra-uterina. Esse sistema possibilita que o bebê ou a criança receba informações que passam pelos receptores da pele. A função exercida por esse sistema fornece proteção, isto é, possibilita que a pessoa localize um estímulo recebido, identifique-o como agradável ou desagradável na pele, e o tolere e aceite ou o rejeite e se retraia. Além disso, possibilita a discriminação de um objeto entre os dedos, a identificação de cada dedo, a estereognosia, a grafestesia e facilita que a criança se localize e se perceba no espaço.

2.2. Sistema vestibular

O sistema vestibular ou a percepção do equilíbrio influencia no controle de cabeça e na verticalização do tronco, desenvolvendo a sensação da posição da cabeça contra a gravidade, levando a

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aceleração ou a desaceleração do movimento. Facilita perceber o movimento da cabeça, dos olhos e do corpo inteiro em relação ao espaço, estando relacionado à manutenção do equilíbrio e do tônus postural.2.3. Sistema proprioceptivo

O sistema proprioceptivo, ou percepção profunda, propicia a sensação das articulações, dos músculos e tendões, promovendo a sensação da posição do corpo no espaço que informa sobre o movimento, a amplitude, a direção e a força.

Esses três sistemas estão presentes desde o nascimento. Se eles atuam harmoniosamente, as informações que chegam ao tronco cerebral serão bem integradas, o que é fundamental para o desenvolvimento sensoriomotor.

A partir do segundo mês, dois novos sistemas entram mais em ação, o sistema visual e o sistema auditivo.

2.4. Sistema visual

O beneficio que a integração do sistema visual traz pode ser visto por meio de: 1) Atenção e mobilidade visual; 2) Habilidade de atender, seguir e localizar o estímulo; e 3) Informações que a criança tem sobre o meio ambiente

Se o sistema visual estiver comprometido em uma criança com distúrbio motor é muito mais difícil conseguir acompanhar o desenvolvimento motor e adquirir um bom controle de tronco e cabeça, já que não existe interesse em manter a cabeça na posição ereta, para se observar o que existe ao redor.

2.5. Sistema auditivo

As vibrações acústicas existentes no ar estimulam as células auditivas no ouvido interno, que enviam impulsos aos centros auditivos no tronco cerebral. Com isso, são produzidos impulsos auditivos, impulsos do sistema de equilíbrio, dos músculos e da pele. Os sistemas que visam integrar os estímulos auditivos estão no tronco

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cerebral e bem próximos à região onde se processa a integração visual. Esses dois processos podem trocar informações. Esses dois sistemas trocam informações com os outros sistemas. Apesar de mencionarmos o sistema auditivo, que faz parte da integração sensorial, não daremos tanto enfoque a ele nesse trabalho de integração sensorial.

3. Etapas do desenvolvimento sensorial

Sabe-se que o desenvolvimento físico e mental sofre influência genética, mas que precisa de uma integração sensorial normal para se conseguir, num trabalho em conjunto, o aproveitamento de todas essas capacidades funcionais. Este programa depende diretamente das sensações captadas e integradas em conjunto. Em casos onde a criança convive em ambientes com falta de estímulos adequados para a sua idade, a integração é comprometida, dificultando o desenvolvimento cognitivo e social necessário.

O bebê nasce com poucas sensações, mas sua integração sensorial se aperfeiçoa conforme ele recebe os estímulos adequados no meio ambiente que o cerca. O seu corpo e o seu cérebro recebem as sensações e se adaptam às mesmas. Podemos perceber isso, por exemplo, quando o bebê vê ou ouve um chocalho e procura alcançá-lo. Essa é a primeira informação, que denominamos antecipação ou feedforward. Se a primeira tentativa de alcance é bem sucedida, o bebê integra essa experiência alegre e feliz no seu SNC. Ao integrar a sensação positiva o bebê vai repetir e reforçar essa experiência, gravando e automatizando essa experiência. Tais movimentos e sensações vão produzir os movimentos e atividades funcionais, que vão estar presentes ao longo de toda a sua vida.

O processo sensorial nos primeiros meses do bebê influi no desenvolvimento dos reflexos, das reações posturais e no bem estar emocional.

Se, esta primeira vivência for triste e ocorrer com medo ou angústia, o bebê não vai querer repeti-la e, quando tentar novamente, sentirá insegurança, evitando esta experiência que é o inicio da aquisição dos movimentos funcionais para a sua vida futura.

Depois da primeira vivência, que é a antecipação ou feedforward, todas as outras experiências são chamadas de informação

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ou feedback, que serão repetidas e cada vez mais se integram às sensações recebidas. Atividades que dão prazer estimulam e organizam o cérebro. Por isso quanto mais lúdicas forem as atividades sensoriais, mais o cérebro irá assimilar adequadamente as sensações sensoriomotoras. Um bebê ou uma criança não se preocupa muito com o brinquedo mas, sim, em sentir o seu corpo em relação a ele.

O período de maior integração sensorial acontece dos 0 aos 7 anos de idade, em que a criança adquire toda a base sensorial e motora para o controle do tronco e ombros que, por sua vez, vai influir na coordenação motora fina e na escrita, deixando-a pronta para a escolaridade, tais como atividades relacionadas a leitura, escrita, comportamento e relacionamento adequado. Suas vivências sensoriais surgem mais das atividades músculo-esqueléticas do que do raciocínio. A criança que tem prazer em participar das atividades de sua idade é uma criança com boa integração sensorial. Este participar com satisfação e ser feliz faz com que a criança consiga vivenciar positivamente as sensações, que cada vez vão se tornando mais complexas. Isto é crescer com suas tarefas ou atividades.

A criança que apresentar uma lentidão ou distúrbio no seu desenvolvimento sensoriomotor já estará em defasagem em relação as outras crianças, mesmo sendo cognitiva e intelectualmente adequada. Depois dos sete anos de idade, o social e o intelectual se destacam substituindo ou abafando algumas atividades sensoriais que são construídas a partir de processos sensoriomotores.

4. Variabilidade sensorial

Existem os mais diversos graus de alterações e distúrbios sensoriais. Podemos classificar a integração sensorial em:

4.1. Normal

O bebê ou criança aprecia as sensações táteis como o toque, o ser acariciada e aconchegada, e o receber outros estímulos agradáveis, o que melhora o seu vínculo com os pais. Aprecia ser movimentada e balançada no colo e no espaço, e isto favorece o conhecimento da linha média e o senso de segurança no espaço.

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4.2. Hipossensível

O bebê ou a criança pode perceber pouco ou não assimilar as sensações táteis, como toque, pressão, carinho, aconchego e outros estímulos de movimento, estímulos visuais ou auditivos. Ela também pode ter dificuldade de perceber quando é tocada. A criança é inteligente, mas desajeitada nos seus movimentos. Ela apresenta frouxidão ligamentar, pois tem dificuldade de desenvolver tônus muscular e, com isso, tem dificuldade de resistir à gravidade no espaço (hipotonia). Ela pode apresentar falta de coordenação motora, e dificuldade de discriminar objetos com os dedos, dificuldade no esquema corporal, e dificuldade em se concentrar. Como se percebe pouco no espaço pode ficar apática, insegura e se comunicar pouco. Ela demora para perceber quando vai ser levantada ou balançada no espaço. Isto dificulta o contato afetivo e dificulta, para os pais, o estabelecimento de vínculo com ela. Como pode ter menos sensações e sentir menos dor, ela pode passar a se autoestimular fazendo uso de estímulos nociceptivos para conseguir produzir sensações táteis em si mesma. Além disso, tal criança pode ser tímida e não ter amigos. Todas essas dificuldades vão influir, mais tarde, no planejamento motor, na coordenação visomotora, na linguagem e na ação programada.

4.3. Hipersensível

O bebê ou a criança pode não tolerar as sensações táteis como toque, pressão, carinho, aconchego, estímulos visuais ou auditivos. Com isto, evita arrastar-se ou engatinhar, o que acaba contribuindo para um atraso no desenvolvimento sensoriomotor. Muitas crianças evitam os movimentos básicos e começam a andar sem terem as necessárias rotações corpóreas. Devido a isto, apresentam hipersensibilidade na planta dos pés e na palma das mãos. Têm hiperextensão do tronco com tendência a andar na ponta dos pés e a segurar objetos só com a ponta dos dedos. Devido a isto, não gostam da movimentação no espaço e não querem se manter em certas posturas.

Para essa criança, é difícil ter um contato físico ou afetivo. Ela é

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instável ao movimento e a postura no espaço, por isso chora ou se irrita com facilidade. Consequentemente, torna-se mais difícil para os pais desenvolverem o vínculo com ela. Tal criança pode tender a tornar-se hiperativa e agitada e, com isto, pode começar a apresentar dificuldades escolares, pois tem dificuldade em manter-se parado ou sentado, o que atrapalha, inclusive, o trabalho desenvolvido na sala de aula (Calatin, 1992). Com isto, a criança pode sentir-se desencorajada a fazer experiências motoras e acaba por apresentar movimentos estereotipados. Ela percebe desde cedo que quer participar das atividades do grupo, mas não consegue fazê-lo, pois não suporta os contatos. Tende a ser tímida, mas podem tornar-se facilmente agressiva quando não suporta a exposição aos estímulos.

4.4. Alteração sensorial

A alteração sensorial pode ser global (i.e., no corpo todo) ou parcial (i.e., em apenas parte do corpo). A criança pode apresentar sensações normais em partes do corpo, e, em outras partes, sensações pobres (regiões hipossensíveis) ou exageradas (regiões hipersensíveis). As crianças que apresentam partes do corpo com sensações normais, partes do corpo hipossensíveis e partes do corpo hipersensíveis são as mais difíceis de conseguir a normalização sensorial porque sofrem mais com a movimentação, toque e mudança no espaço. Por isso, tais crianças são também mais irritadiças e mais dadas ao choro.

Quanto menos alterações sensoriais o bebê apresentar, mais fácil será seu desenvolvimento motor e a normalização de seu tônus. Quanto mais hipossensibilidade o bebê apresenta, mais ele necessita de propriocepção, manuseio curto, lento e adequado. É preciso observar se ele responde bem ao toque, à pressão, ao ritmo do movimento, se ele consegue manter sua postura contra a gravidade, etc. A criança hipossensível sempre responderá melhor cognitivamente após conseguir integrar melhor as sensações.

Quanto mais hipersensível for o bebê, mais ele necessita de um ambiente pequeno, com pouca estimulação visual e auditiva, e, se possível, uma mãe tranqüila e que se movimente de maneira lenta e suave. As sensações devem ser lentas, seguras e repetitivas, de

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preferência, para que gerem segurança como o colo da mãe, as mãos seguras e fortes do pai, gerando experiências táteis, proprioceptivas e vestibulares agradáveis.

Para um plano de tratamento, é importante saber que o desenvolvimento motor ocorre de proximal a distal, isto é, do tronco superior, da cervical e da cabeça em direção aos membros; e que o desenvolvimento sensorial ocorre de distal a proximal, isto é, das mãos, dos pés e da região da boca em direção ao meio do corpo.

5. Sugestões de tratamento

Procuramos trabalhar com sensações de movimentos e vibrações, sempre que possível iniciando com movimentos anteroposteriores. À medida que a criança vai alcançando mais sensações e equilíbrio, passa-se a movimentos laterais e, mais tarde, quando tem mais desenvoltura e controle de cabeça e tronco, a movimentos em diagonal.

5.1. Sugestões de tratamento para crianças hipossensíveis

Para o tratamento de crianças hipossensíveis, é importante envolver e engajar a criança em atividades que favoreçam o contato físico, prover sensações táteis diferentes, fazer uso de massagem e hidromassagem, e levá-la a rolar e a pular em cama elástica. A criança também deve ser exposta a atividades de escovação (brushing), a brincadeiras em que ela é pressionada travesseiros e objetos como bolas e balões, e em que é balançada em todos tipos de balanços e trapézios. A criança também deve ser encorajada a engajar-se em brincadeiras com bolas, e a engajar-se em jogos e brincadeiras prazerosas envolvendo a fantasia e a criatividade.

5.2. Sugestões de tratamento para crianças hipersensíveis

Para o tratamento de crianças hipersensíveis, a terapia tem que revestir-se de um teor lúdico de brincadeira, com uso de fantasia, e criação de histórias envolventes. As atividades devem favorecer a rotação e a flexão do tronco, e fornecer estimulação tátil adequada. É importante que o terapeuta se lembre de sempre fazer contato com a

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criança pela frente. Atividades importantes incluem guerra de travesseiros, balanços de todos os tipos, jogar bola para o alto e em ângulos diferentes, jogar bola com bolas de tamanhos diferentes, colocar a bola na mão da criança e encorajá-la a que a jogue de volta, além de atividades ao ar livre como pular e brincar na beira do mar.

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Capítulo 14

Educação da criança surda:Evolução das abordagens 9

Fernando C. CapovillaPsicólogo, Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília Ph.D. em Psicologia Experimental pela Temple University of PhiladelphiaLivre Docente em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de São PauloProfessor Associado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Alessandra G. S. Capovilla Psicóloga, Mestre, Doutora e Pós-Doutora pela Universidade de São PauloOrientadora do Doutorado em Psicopedagogia, Universidade de Santo AmaroPesquisadora Associada do Laboratório de Neuropsicolingüística CognitivaUniversidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Nas mãos de seus mestres, a língua de sinais é extraordinariamente bela e expressiva, um veículo para atingir a mente dos surdos com facilidade e rapidez, e para permitir-lhes comunicar-se; um veículo para o qual nem a ciência nem a arte produziu um substituto à altura. Aqueles que não a entendem falham em perceber suas possibilidades para os surdos, sua poderosa influência sobre o moral e a felicidade social daqueles que são privados de audição, e seu admirável poder de conduzir o pensamento a mentes que, de outro modo, estariam em perpétua escuridão. Tampouco podem avaliar o poder que ela tem sobre os surdos. Enquanto houver dois surdos sobre a face da Terra e eles se encontrarem, haverá sinais. J. Schuyler Long (1910). The sign language.A linguagem de sinais é o verdadeiro equipamento da vida

9 Apoio: CNPq e FAPESP.

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mental do surdo; ele pensa e se comunica apenas por este meio, e ele recebe por este mesmo meio os conceitos e as idéias (...). Ela (...) precede qualquer outra linguagem e, abrindo caminho para o pensamento, permite ao surdo apreender a palavra e a própria idéia de linguagem. A língua de sinais um meio indispensável de comunicação entre o professor e o aluno, e é de enorme valia em sala de aula para a explicação de conceitos e palavras. Ela não apenas abre caminho para o ensino inicial, como também oferece um apoio contínuo para o processo de orientação e explicação. Otto F. Kruse (1853). Sobre surdos, educação de surdos, e instituições para surdos, juntamente com notas de meu diário de viagem.

Visão geral

Este capítulo enfatiza a importância da linguagem para o desenvolvimento social, emocional e intelectual da criança. Revê alguns fatores psicossociais e concepções históricas que auxiliam a entender atitudes quanto ao surdo, da Antigüidade clássica até o início do século XXI, e relata alguns achados que auxiliam a compreender alguns dos motivos subjacentes à mudança de orientação da filosofia educacional quanto ao surdo, do Oralismo à Comunicação Total, e desta ao Bilingüismo. Descreve também alguns dos recursos oferecidos pela Comunicação Total, além de um programa bilíngüe pioneiro muito bem sucedido que integra a maior parte daqueles recursos. A partir da importância crucial da linguagem para o desenvolvimento da criança, o capítulo defende a imersão da criança surda no universo lingüístico do Sinal o mais precocemente possível, e explora as vantagens da educação bilíngüe, exemplificando-a com a descrição de um projeto bem sucedido.

A importância da linguagem para o desenvolvimento da criança

A falta de uma linguagem tem graves conseqüências para o desenvolvimento social, emocional e intelectual do ser humano. O valor fundamental da linguagem está na comunicação social, em que as pessoas fazem-se entender umas pelas outras, compartilham

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experiências emocionais e intelectuais, e planejam a condução de suas vidas e a de sua comunidade. A linguagem permite comunicação ilimitada acerca de todos os aspectos da realidade, concretos e abstratos, presentes e ausentes. Permite também reinventar o mundo cultural, para além da experiência física direta do aqui e agora. Graças à linguagem, a criança pode aprender sobre o mundo, beneficiando-se da experiência vicária para além da mera imitação e observação direta. Pode também socializar-se, adquirindo valores, regras e normas sociais e, assim, aprender a viver em comunidade. A linguagem permite à criança obter explicações sobre o funcionamento das coisas do mundo e sobre as razões do comportamento das pessoas. Se não houver uma base lingüística suficientemente compartilhada, e um bom nível de competência lingüística para permitir uma comunicação ampla e eficaz, o mundo da criança ficará confinado a comportamentos estereotipados aprendidos em situações limitadas. Assim, se a linguagem tem a importante função interpessoal de permitir comunicação social, ela também tem a vital função intrapessoal de permitir o pensamento, a formação e o reconhecimento de conceitos, a deliberada resolução de problemas, a atuação refletida e a aprendizagem consciente.

Concepções históricas sobre os surdos e a surdez

As considerações acima são muito pertinentes. No entanto, se a elas se adicionar a falsa crença, tão disseminada na Lingüística até inícios da década de 1960, de que a linguagem falada é a única forma de linguagem, fica fácil entender boa parte dos preconceitos que cercam o surdo. Durante séculos a crença de que o surdo não seria educável ou responsável pelos seus atos foi justificada com base em textos clássicos, tanto sacros quanto seculares. No século IV a.C., Aristóteles supunha que todos os processos envolvidos na aprendizagem ocorressem através da audição e que, em conseqüência, os surdos seriam menos educáveis do que os cegos. Na Idade Média, supunha-se que os surdos não teriam acesso à salvação, já que, de acordo com Paulo na Epístola aos Romanos, a fé provém do ouvir a palavra de Cristo (Ergo fides ex audito, auditur autem per verbum Christi). A esse propósito, no entanto, como lembra Sacks (1990), é preciso reconhecer que, séculos mais tarde, seria essa mesma

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preocupação para com a salvação dos surdos que acabaria motivando religiosos no mundo todo, como o abade Charles Michel de l'Epée na França, o reverendo Thomas Hopkins Gallaudet nos Estados Unidos, e o padre Eugene Oates no Brasil, a trabalhar com surdos procurando resgatar seus sinais.

Mesmo nos séculos XVIII e XIX, filósofos da linguagem continuavam a disseminar a idéia de que o surdo seria incapaz de aprender e pensar. Uma honrosa exceção do século XVIII foi o filósofo Condillac. Embora a princípio considerasse os surdos como meras estátuas sensíveis e máquinas ambulantes, incapazes de pensamento e linguagem, depois de comparecer incógnito às aulas do abade de l'Epée, ele se converteu e forneceu o primeiro endosso filosófico da língua de sinais e de seu uso na educação do surdo (Lane, 1984). Infelizmente, no entanto, a quase totalidade dos filósofos não se dava ao trabalho de conhecer tudo aquilo sobre que escreviam. Por exemplo, em sua Antropologia a partir de uma perspectiva pragmática, após ressaltar que o caráter semiótico não-icônico dos sons da linguagem é a forma mais habilidosa de denominar as coisas, Kant (1793/1980) concluiu que os surdos "nunca podem atingir mais do que um análogo da razão" (1980, p. 49), e que, mesmo após aprender a sentir os movimentos dos órgãos da fala, o surdo "nunca chegará aos conceitos gerais porque os sinais de que ele precisará para tanto nunca serão capazes de representar uma generalidade" (1980, p. 54). Schopenhauer também expressava idéias semelhantes. Para ele, os surdos não teriam acesso direto ao raciocínio, já que o raciocínio depende da linguagem, e, à época, cria-se que toda linguagem plena teria de ser necessariamente oral. No campo das ciências, coube à Psicologia a honra de ter precedido a própria Lingüística no reconhecimento do status lingüístico da língua de sinais. Em sua Psicologia étnica, o fundador da Psicologia Experimental, Wilhelm Wundt (1911), foi o primeiro acadêmico a defender a concepção da língua de sinais como idioma autônomo, e do surdo como um povo com cultura própria. Enquanto isso, na Lingüística, a língua de sinais não era considerada com o objeto de estudo. Saussure (1916) enfatizava a arbitrariedade das relações entre o signo e o seu referente, e a iconicidade de certos sinais era vista como prova de sua inferioridade. À época concebia-se a língua de sinais como uma forma inferior de comunicação composta de um vocabulário limitado de

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sinais equivalentes à mera gesticulação mímica e pantomímica, sem estrutura hierárquica, gramática ou abstração, limitada a uma representação holística de certos aspectos concretos da realidade. Hoje, no início do século XXI, a falsidade de tal concepção é bastante conhecida (Bellugi, van Hoek, Lillo-Martin, & O'Grady, 1993; Ferreira Brito, 1995; Klima, Bellugi, & Poizner, 1988; Moura, 2000; Poizner, Klima, & Bellugi, 1987).

Ascensão e queda da filosofia educacional do Oralismo

Na segunda metade do século XVIII havia dois métodos de ensino de surdos: O Método Francês do abade de l'Epée, em Paris, que baseava-se num sistema algo artificial de sinais, e o Método Alemão (Hase, 1990) de Heinicke, em Hamburgo e Leipzig, que enfatizava o desenvolvimento da oralização. A partir do Congresso de Milão em 1880, o Método Oralista tornou-se dominante (Volterra, 1990). Em conseqüência, a educação do surdo reduziu-se ao ensino da oralização, os professores surdos foram expulsos, a língua de sinais foi banida, e a Comunidade surda foi excluída da política das instituições de ensino, por ser considerada um perigo para o desenvolvimento da linguagem oral (Sacks, 1990). Em resultado da concentração exclusiva da educação na oralização, o nível educacional do surdo caiu muito abaixo daquele dos ouvintes. Isto só começou a mudar em 1980 no mundo todo, inclusive na própria terra do método oralista, de onde partia boa parte das resistências ao avanço da língua de sinais na educação.

Pode ser elucidativo analisar mais atentamente a origem de tais resistências naquele país. De acordo com Prillwitz (1990), na Alemanha, a intolerância a qualquer outra forma de comunicação que não o Alemão falado derivava dos imperativos de sobrevivência e desenvolvimento político da nação alemã, já que essa nação, por muitos séculos dividida em várias dúzias de principados pequenos, era definida apenas e tão-somente por uma língua em comum. Além disso, seu nacionalismo encontrava-se exacerbado desde o final do século XIX, enfatizando uma identidade cultural única e uniforme, padronizada e forte, em que não havia lugar para fraquezas ou diferenças, especialmente de língua ou cultura. Nessa cultura, ser diferente era arriscado, e os surdos passaram a esconder-se e a isolar-

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se. Em conseqüência de sua falta de participação e representação política, seus interesses e cultura foram desconsiderados e sua imagem social foi sendo progressivamente prejudicada. Os surdos passaram a ser vistos unicamente como deficientes, e não como um povo com cultura própria. Com a ênfase na oralização e em seus déficits, os surdos passaram a ser tratados apenas e tão-somente como deficientes auditivos surdos-mudos. Em conseqüência da adoção universal do método oralista estrito nas escolas, uma forte ênfase foi colocada na habilidade de oralização pelos surdos, às custas de uma educação mais generalista e completa, capaz de levar ao desenvolvimento de habilidades cognitivas mais elevadas. Como resultado, foi observado um rebaixamento significativo no desempenho cognitivo dos surdos. Infelizmente, no entanto, em vez de ser percebido como conseqüência do método, tal rebaixamento passou a ser usado como prova da imprescindibilidade da linguagem oral para o desenvolvimento cognitivo dos surdos.

É preciso reconhecer que o papel central da linguagem para o desenvolvimento humano nunca foi negado por qualquer método, quer oralista ou de sinal. De fato, a ênfase no ensino intensivo da língua oral por parte dos oralistas era conseqüência direta de sua consciência da devida importância da linguagem e da competência lingüística. O método oralista objetivava levar o surdo a falar e a desenvolver competência lingüística oral, o que lhe permitiria desenvolver-se emocional, social e cognitivamente do modo mais normal possível, integrando-se como um membro produtivo ao mundo dos ouvintes.

Entretanto, apesar das intenções de integração, não se pode dizer que o método oralista tenha tido sucesso indiscutível em atingir seus objetivos, quer em termos de desenvolvimento da fala, quer da leitura e escrita. Em todo o mundo, apenas um pequeno percentual daqueles que perderam a audição precocemente consegue oralizar de modo suficientemente inteligível a terceiros. Na Alemanha, de acordo com o Frankfurter Allgemeine Zeitung (06/11/95), tal percentual é estimado em meio porcento Além disso, infelizmente, como sua articulação incomum tende a ser recebida com estranhamento pelos ouvintes, muitos dos que conseguiram aprender a oralizar sentem-se inibidos e desencorajados em fazê-lo fora de seu círculo de amizade no dia a dia. Na Inglaterra, foi observado que, após a educação

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especial oralista, apenas 25 porcento dos surdos que graduam-se aos 15-16 anos de idade conseguem articular a fala de um modo que seja inteligível, pelo menos por seus próprios professores (Conrad, 1979). Em termos de leitura e escrita, a mesma pesquisa mostrou que, dos graduados, 30 porcento eram analfabetos e menos de 10 porcento tinham um nível de leitura apropriado à sua idade. O nível de leitura médio era equivalente ao de crianças de nove anos. Os dados mostraram, ainda, que suas habilidades de leitura labial eram igualmente insatisfatórias. De acordo com Prillwitz (1990), apesar de todos os seus esforços, sob o método oralista, as habilidades de leitura e escrita dos surdos tendem a limitar-se ao nível da terceira a quinta série do primeiro grau. Além disso, em conseqüência das limitações no desenvolvimento das competências lingüísticas de leitura e escrita, tende a haver deficiências sérias também em outras áreas de conhecimento e matérias escolares.

Ainda assim, há sempre o argumento de que existem exceções, isto é, surdos que conseguiram desenvolver relativamente boas habilidades de leitura e escrita sob o método oralista. No entanto, tal argumento só revela quão rebaixadas tornaram-se as expectativas sob a filosofia oralista estrita. A partir da década de 1960, no entanto, tais expectativas começaram a ser revistas de modo que, a partir de então, sucessos ocasionais passaram a não ser o bastante: Era preciso torná-los regra. Um ultimato foi dado à filosofia de ensino oralista: Ou ela demonstrava que podia obter melhores resultados a partir de novos desenvolvimentos metodológicos e instrumentais capazes de reverter o quadro, ou ela deveria ser descartada em favor de uma outra filosofia de ensino baseada em sinais naturais.

E, de fato, vários desenvolvimentos metodológicos e tecnológicos surgiram desde a década de 1960 até o final do século XX, todos sempre acompanhados de grandes expectativas. Por exemplo, o desenvolvimento dos aparelhos auditivos na década de 1960, os projetos de intervenção precoce e o desenvolvimento de novos modelos de gramática na década de 1970. Na década de 1980, houve novos desenvolvimentos tecnológicos na acústica dos aparelhos auditivos, e programas de computador para auxiliar a percepção da fala como o Phonator e o Visible Speech. Na década de 1990, foram os implantes cocleares e os programas de treino auditivo intensivo nos

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primeiros anos de vida. Embora todos esses desenvolvimentos que procuram reparar a deficiência auditiva possam ter levado a indiscutíveis casos de sucesso individual, ainda assim parecem estar bastante aquém do objetivo maior que é permitir ao surdo, em geral, a aquisição e o desenvolvimento normais da linguagem.

A era da filosofia educacional da Comunicação Total

Apesar de seus resultados modestos, todos esses esforços voltados para permitir a audição e levar à oralização parecem justificar-se, dada a importância vital da linguagem para o desenvolvimento humano. No entanto, o que permaneceu esquecido durante todo um século desde o Congresso de Milão de 1880 até cerca da década de 1980, é que a linguagem oral não é a única forma de linguagem. Como o objetivo maior da filosofia educacional oralista era permitir o desenvolvimento da linguagem e como ela nunca chegou a realizar satisfatoriamente este objetivo, passou a tornar-se cada vez mais atraente a idéia de que aquele mesmo objetivo de permitir ao surdo a aquisição e o desenvolvimento normais da linguagem poderia vir a ser alcançado por uma outra filosofia educacional que enfatizasse não a linguagem oral, mas todo e qualquer meio possível, incluindo os próprios sinais. A filosofia educacional da Comunicação Total (Ciccone, 1990; Denton, 1970; Raymann & Warth, 1981) advoga o uso de todos os meios que possam facilitar a comunicação, desde a fala sinalizada, passando por uma série de sistemas artificiais, até chegar aos sinais naturais da língua de sinais. A seção seguinte descreve alguns dos sistemas de sinais desenvolvidos nessa época. A Comunicação Total advoga o uso de um ou mais desses sistemas, juntamente com a língua falada, com o objetivo básico de abrir canais de comunicação adicionais. É mais uma filosofia que se opõe ao Oralismo estrito do que propriamente um método.

A redenção dos sinais só começou a torna-se realidade a partir das pesquisas básicas seminais de Stokoe (1960) em seu instituto de pesquisas lingüísticas na Universidade Gallaudet, em Washington D.C., e, mais tarde, com Klima e Bellugi (1979). Desde então, em todo o mundo ocorreu uma explosão de pesquisas acerca da estrutura lingüística das línguas de sinais, tornando-se um rico objeto de estudos não apenas da Lingüística, como também da Psicologia,

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Neurologia, Educação, Sociologia e Antropologia. Sob o impacto dessas pesquisas básicas sobre a Língua de Sinais Americana, na década de 1970 a filosofia educacional Oralista estrita cedeu lugar à filosofia educacional da Comunicação Total, que propunha fazer uso de todo e qualquer meio de comunicação (quer palavras ou símbolos, quer sinais naturais ou artificiais) para permitir o desenvolvimento da linguagem da criança surda. Sob a proteção dessa nova filosofia educacional, nessa época começaram a surgir diversos sistemas de sinais cujo objetivo central era aumentar a visibilidade da língua falada, para além da mera leitura labial. Procurando tornar a língua falada mais discernível ao surdo, o objetivo de tais sistemas era auxiliar a compreensão da língua falada e, assim, melhorar o desempenho do surdo na leitura e na escrita. De acordo com Hansen (1990), com a filosofia da Comunicação Total e a conseqüente adoção da língua falada sinalizada nas escolas e nos lares, as crianças começaram a participar das conversas com seus professores e familiares, de um modo que jamais havia sido visto desde a adoção do Oralismo estrito. No fim da década de 1960 e início da década de 1970, na Dinamarca por exemplo, o progresso tornou-se tão aparente que a fala sinalizada usada na Comunicação Total foi logo adotada como "o método" por excelência.

Recursos oferecidos pela Comunicação Total

Consideremos agora um pouco mais atentamente alguns dos recursos da Comunicação Total que ajudaram a melhorar o desempenho acadêmico das crianças surdas. Os sistemas de sinais (Bornstein, 1979) podem basear-se no vocabulário da língua de sinais, mas adicionar a ele aspectos da língua falada ou, então, podem adotar um vocabulário artificial. Sua característica mais importante é que, neles, a ordem de produção dos sinais sempre segue a ordem da produção das palavras da língua falada, que é emitida simultaneamente. Sistemas de sinais podem ser empregados simultaneamente à língua falada, e permitem transmitir à criança surda algumas das regras das línguas faladas que aparecerão na escrita que ela deverá aprender. Assim, a estrutura das sentenças construídas por meio de sistemas de sinais transfere-se mais facilmente à língua escrita do que a estrutura das mensagens em língua de sinais.

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Há línguas faladas sinalizadas em uma série de países, tais como Estados Unidos, França, Rússia, Dinamarca, etc. Exemplos de sistemas que se baseiam no vocabulário de sinais são o Português Sinalizado (Rabelo, 1991), o Inglês Sinalizado (Bornstein & Saulner, 1984), o Seeing Exact English, o Seeing Essential English, e o Signing Exact English. Estes são conhecidos genericamente como Manually Coded English (Costello, 1994). O Seeing Essential English (Anthony, 1971) objetiva formar compostos de sinais básicos, e sinais de partes de palavras, afixos, prefixos, e assim por diante. O Signing Exact English (Gustason, Pfetzing, & Zawolkow, 1975) estende o princípio de composição ainda mais (por exemplo, decompondo today, tomorrow, e yesterday em to + day, to + morrow, e yester + day). O preço de tal princípio de composição é uma certa artificialidade semântica. Para contornar tal problema, o Inglês Sinalizado (Bornstein et al., 1975) tenta codificar o significado em vez da forma, inventando sinais de marcação para as formas flexionadas do Inglês falado. De acordo com Bornstein (1979), a grande desvantagem dos sistemas de sinais consiste no fato de que constituem uma solução de compromisso que, além de requerer em grande esforço por parte do aprendiz, acabam sendo sempre insuficientes como meio principal de comunicação, devido às complexidades de flexão da língua falada que se está tentando sinalizar com marcadores. Tais complexidades incluem a concordância nominal, a concordância verbal, a concordância figurada, e a regência, dentre outras.

Há ainda sistemas de sinais que adotam um vocabulário completamente artificial como, por exemplo, o sistema de sinais de Paget-Gorman (SSPG) que foi concebido para ajudar crianças surdas a aprender a língua falada e escrita, e que vem sendo empregado com crianças que apresentam severos distúrbios de aprendizagem (Rowe, 1982). Seu objetivo primário é dar suporte à aprendizagem da língua falada e escrita. Para tais crianças, ele pode ser usado com graus variados de marcação gramatical, começando a partir de uma forma telegráfica e progredindo até construir a estrutura lingüística plena (como, por exemplo: 1. João; 2. dê João; 3. dê para João; 4. dê para o João). Tal sistema deriva de um conjunto artificialmente criado de 21 posições manuais e 37 sinais básicos. De acordo com Crystal e Craig (1978), de todos os sistemas de sinais, SSPG é o que reflete a língua falada com maior precisão. Às vezes há alguma superposição icônica

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com a Língua de Sinais Britânica, mas o sistema de inflexão é totalmente diferente. Seu uso atingiu o pico na década de 1970, sendo que, no início da década de 1980, era usado em 34 porcento das escolas com 33 porcento das crianças, especialmente crianças com distúrbios de aprendizagem, com deficiência físicas e autistas (Kiernan, Reid, & Jones, 1982).

Os vocabulários de sinal objetivam dar suporte parcial à aprendizagem da língua escrita e falada. Como exemplos, temos a Cued Speech, que consiste num sistema ou método manual (Cornett, 1975) para transmissão fonêmica (Montgomery, 1981) e cujo objetivo é auxiliar a leitura labial; e o Vocabulário Makaton (Walker & Armfield, 1982; Walker et al., 1985) que objetiva dar suporte a crianças surdas com dificuldade de aprendizagem. Cued Speech consiste na classificação dos padrões labiais de acordo com sua aparência, e no oferecimento de dicas manuais para distinguir entre os mais parecidos. Tais dicas envolvem oito padrões manuais, e quatro posições manuais, todos executados pela mão dominante próxima ao lado do rosto, dentro do foco visual das crianças. O Vocabulário Makaton foi originalmente criado para surdos com deficiência mental, como um instrumento de capacitação de linguagem. Consiste em um sistema desenvolvimental de 350 sinais derivados de um dialeto da Língua de Sinais Britânica. Tais sinais podem ser combinados em sentenças à medida em que a criança desenvolve a habilidade de compreender e usar os sinais. Isto ocorre por meio de um sistema simples de ensino de sinais baseado em recompensas. No final da década de 1970, era usado em mais de 80 porcento das escolas para crianças com distúrbios severos de aprendizagem na Grã-Bretanha (Kiernan, Reid, & Jones, 1982). Era mais usado do que a Língua de Sinais Britânica, já que a incidência de distúrbios severos de aprendizagem é oito vezes maior do que a da surdez profunda.

A soletração digital por meio do alfabeto manual (Capovilla & Raphael, 2001; Wilcox, 1992) existe há mais de 300 anos (Anônimo, 1698; Dalgarno, 1661), e consiste na representação, ponto a ponto, das letras da escrita alfabética. Seu uso requer a clara representação de cada letra do alfabeto. Consequentemente, na China e em Israel, ela não é usada. É bastante empregada na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, onde os surdos empregam a soletração digital para a comunicação interpessoal, e onde seu uso incorporou-se às Línguas de

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Sinais Britânica e, especialmente, à Língua de Sinais Americana que, freqüentemente, “tomam emprestada” do Inglês a primeira letra, conforme documentado por Battison (1978) e Costello (1994). Na Língua de Sinais Britânica, é usada especialmente para nomes de pessoas e lugares; enquanto que na Língua de Sinais Americana é usada para iniciar os sinais de maneira geral. Como exemplo de um sinal em que a forma da mão representa a primeira letra da tradução do sinal para o Inglês, temos o sinal MONDAY, em que a mão articula a letra M. Isto também parece ser verdadeiro para a Libras, se bem que em muito menor grau. De fato, como pode ser constatado neste dicionário, nos sinais SÁBADO e DOMINGO a mão articula as letras S e D, respectivamente. De acordo com levantamentos computadorizados num Manual Ilustrado de Sinais preliminar (Capovilla, Raphael, & Macedo, 1998), apenas 10 porcento dos 1515 sinais compilados naquele manual são inicializados, ou seja, em apenas um a cada dez sinais a mão articula a letra-chave do nome escrito, em Português, correspondente ao sinal. Nas Línguas de Sinais Britânica e Americana, a inicialização parece ser bem mais freqüente do que na Libras. Tem sido documentado que a freqüência de inicialização de sinais tende a aumentar ao longo da evolução dessas línguas (Costello, 1994). Assim, espera-se que a freqüência de inicialização de sinais tenda a crescer na Libras, à medida em que esta se desenvolva.

A propósito, uma particularidade interessante da Libras, e que demonstra o efeito estruturador que ela vem sofrendo do Português falado e escrito, são os sinais dos dias da semana SEGUNDA-FEIRA a SEXTA-FEIRA, em que a mão articula os números correspondentes 2 a 6. Como se sabe, diferentemente de outras línguas, como o Espanhol e o Inglês, em que os nomes de deuses pagãos (e.g., o Sol, a Lua, Saturno, Marte) continuam a denominar os dias da semana (e.g., Sunday, Monday, Saturday); em Português, devido à ação da Igreja, o primeiro dia da semana é concebido como o dia do Senhor (i.e., Dominus, domingo), e os demais, a partir dele, são concebidos como férias (ou dias livres, não dedicados ao Senhor), e rotulados a partir do segundo dia da semana, como segunda-feira (ou féria), terça-feira, e assim por diante. Assim, o fato de que a articulação da mão acompanha estritamente esta característica muito peculiar da Língua Portuguesa pode ser tomado como evidência incontestável do efeito estruturador do Português sobre a Libras. Em suma, embora seja um

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sistema de comunicação em si, a soletração digital (Capovilla & Raphael, 2001) tornou-se parte da língua de sinais do surdo adulto. Desta maneira, a propósito, na medida em que incorpora elementos da escrita alfabética (mesmo quando os surdos conversam entre si em língua de sinais), não se pode dizer que a língua de sinais seja propriamente pura.

A substituição da Comunicação Total pelo BilingüismoSob a proteção da filosofia educacional liberal da Comunicação

Total, os diversos sistemas de sinais criados, de fato, conseguiram aumentar a visibilidade da língua falada, para além da mera leitura labial e, assim, em certa medida, lograram auxiliar a compreensão da língua falada. De fato, não se pode negar o valor dos métodos da Comunicação Total para a visualização da língua falada em uma série de áreas de aplicação para ensino da língua escrita. No entanto, havia outros aspectos críticos em que os problemas começavam a acumular-se. Tais problemas diziam respeito ao fato importante de que, embora, por princípio, a Comunicação Total apoiasse o uso simultâneo da língua de sinais com sistemas de sinais; na prática, tal conciliação nunca foi e nem seria efetivamente possível, devido à natureza extremamente distinta da língua de sinais.

De acordo com Hansen (1990), em meados da década de 1970, começaram a surgir problemas para os quais a Comunicação Total parecia não ter resposta. Embora a comunicação entre as crianças surdas e a comunidade ouvinte tivesse melhorado drasticamente com a adoção dos métodos da Comunicação Total, foi observado que as habilidades de leitura e escrita ainda continuavam muito mais limitadas do que o esperado. Para descobrir por que, na década de 1970, pesquisadores do Centro de Comunicação Total de Copenhague começaram a desenvolver uma série de pesquisas. Uma linha de pesquisa filmava as conversações entre surdos em língua de sinais. Outra linha de pesquisa filmava as professoras do centro enquanto ministravam aulas aos seus alunos, falando e sinalizando ao mesmo tempo. Enquanto a primeira linha de pesquisa permitiu a descoberta de regras fonológicas, morfológicas e sintáticas da Língua de Sinais Dinamarquesa, a segunda linha de pesquisa permitiu uma descoberta desconcertante.

Procurando descobrir por que as aulas em que se oralizava e

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sinalizava ao mesmo tempo não produziam a melhora esperada na aquisição da leitura e escrita alfabéticas, os pesquisadores decidiram registrar as aulas do ponto de vista de um aluno surdo e, então, discutir com as professoras o que poderia estar acontecendo. Para tanto, eles filmaram as aulas em Comunicação Total ministradas pelas professoras, em que elas sinalizavam e oralizavam ao mesmo tempo. Então, colocando as professoras "na pele" de seus alunos surdos, eles exibiram as fitas às professoras, mas sem o som da fala. Para a surpresa geral foi descoberto, então, que, quando estavam impossibilitadas de ouvir a fala que acompanhava a sua sinalização, as professoras exibiam uma grande dificuldade em entender o que elas mesmas haviam sinalizado! As próprias professoras perceberam então que, quando sinalizavam e falavam ao mesmo tempo, elas costumavam omitir sinais e pistas gramaticais que eram essenciais à compreensão das comunicações, embora até então costumassem crer que estavam a sinalizar cada palavra concreta e de função gramatical em cada sentença falada. A conclusão desconcertantemente óbvia foi a de que, durante todo o tempo, as crianças não estavam obtendo uma versão visual da língua falada na sala de aula mas, sim, uma amostra lingüística incompleta e inconsistente, em que nem os sinais nem as palavras faladas podiam ser compreendidos plenamente por si sós. Em conseqüência daquela abordagem, para sobreviver comunicativamente, as crianças estavam se tornando não bilíngües como se esperava, mas sim hemilíngües, por assim dizer, sem ter acesso pleno a qualquer uma das línguas, e sem conhecer os limites entre uma e outra.

Assim, com a Comunicação Total, embora os sinais tivessem sido admitidos à escola para auxiliar a aquisição da língua falada e escrita, e não como uma língua em seu próprio direito, a língua falada sinalizada não parecia mais suficiente para a comunidade que acabava de abrir os olhos à riqueza da língua de sinais. Ainda mais agora que dados experimentais haviam se acumulado o suficiente para fornecer um arsenal de razões concretas para questionar metodologicamente a prática exclusiva da língua falada sinalizada em sala de aula e para considerar seriamente a perspectiva do Bilingüismo.

Com a disseminação das pesquisas e o aprofundamento da compreensão da complexidade lingüística das línguas de sinais (e.g., Bellugi, 1983; Bellugi, Klima, & Poizner, 1988; Bellugi, Poizner, &

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Klima, 1983), não tardou a surgir a expectativa de que a própria língua de sinais natural da comunidade surda, e não mais a língua falada sinalizada, poderia ser o veículo mais apropriado para a educação e o desenvolvimento cognitivo e social da criança surda. Logo emergiu a posição de que a filosofia da Comunicação Total deveria ser substituída pela filosofia do Bilingüismo, em que a língua falada e a língua de sinais poderiam conviver lado a lado, mas não simultaneamente. No Bilingüismo, o objetivo é levar o surdo a desenvolver habilidades, primeiramente em sua língua de sinais natural e, subseqüentemente, na língua escrita do país a que pertence. Tais habilidades incluem compreender e sinalizar fluentemente em sua língua de sinais, e ler e escrever fluentemente no idioma do país ou cultura em que ele vive. De acordo com Hansen (1990), levando em consideração a deficiência auditiva, a educação bilíngüe do surdo deve excluir o objetivo prioritário de levá-lo a ser capaz de articular a fala. Assim, o surdo deve ser capaz de usar o meio de expressão que seja adequado à situação que encontrar, e com o qual ele se sinta mais confortável. Ao conversar com surdos ou ouvintes sinalizadores, ele pode usar sua língua de sinais. Ao conversar com ouvintes não sinalizadores, ele pode escrever, ou oralizar, ou usar um intérprete ouvinte. Ao conversar com ouvintes que falam e sinalizam ao mesmo tempo, ele pode escolher uma forma sinalizada da língua falada (pidgin) que, embora difira dos sinais naturais da língua de sinais, é mais inteligível ao ouvinte, já que baseia-se na língua falada.

Exemplo de um programa bilíngüe

Um passo seminal para concretizar o Bilingüismo foi dado pela Suécia, que foi o primeiro país a reconhecer politicamente os surdos como uma minoria lingüística com direitos políticos assegurados à educação na língua de sinais e na língua falada (Prillwitz & Vollhaber, 1990). É curioso observar que, em todos os países com exceção de Burundi, a mudança de atitude, que culminou na adoção regular das respectivas língua de sinais para a educação da criança surda, foi mediada pela aceitação da língua falada sinalizada (Lane, 1984). Hansen (1990) descreve um programa dinamarquês de pesquisa que acompanhou, durante oito anos, o desenvolvimento da aquisição da língua de sinais e das línguas falada e escrita por nove crianças surdas

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dos seis aos 14 anos sob a filosofia educacional do Bilingüismo. Filmando as interações comunicativas das crianças e obtendo registros de suas produções lingüísticas, o programa pôde acompanhar o desenvolvimento das habilidades de sinalização, leitura, escrita e, mesmo, oralização.

Nesse programa bilíngüe, foi decidido que o primeiro ano seria dedicado exclusivamente ao desenvolvimento da linguagem de sinais como língua materna que forneceria a base para a edificação escolar. Para avaliar experimentalmente o nível de desempenho lingüístico em língua de sinais, os pesquisadores usaram inicialmente uma tarefa de descrição de desenhos animados de televisão. Eles verificaram que, aos sete anos de idade, apenas duas das crianças conseguiam comunicar-se com sinais de um modo apropriado à sua idade. Dois anos depois, sete das nove crianças dominavam fluentemente a língua de sinais, sendo que em apenas duas o nível de sinalização não era condizente com sua idade. Todas as nove demonstraram uma grande expansão de vocabulário de sinais, conhecendo a gramática da língua de sinais e sendo capazes de contar uma estória sem as hesitações de ficar procurando pelos sinais apropriados. Ainda assim, as crianças apresentavam problemas com certos padrões gramaticais, como o uso de proformas, de topicalização e de expressões e movimentos faciais para modular os sinais. A propósito de metodologia de pesquisa, notando uma disparidade entre o nível de sinalização exibido pelas crianças em sua conversação espontânea e o desempenho na prova de contar uma estória a partir de trechos de filme, os pesquisadores perceberam a necessidade de usar amostras lingüísticas mais naturais como, por exemplo, pedir às crianças para descrever suas férias de verão. Embora de avaliação muito mais trabalhosa para o pesquisador, tais amostras livres mostraram-se muito mais informativas e representativas do nível real de desempenho lingüístico das crianças.

A partir do segundo ano do programa, o Dinamarquês falado e escrito foi introduzido como a primeira língua "estrangeira". Foi observado que algumas crianças tinham excelentes habilidades devido a programas de leitura precoces e/ou a alguma audição residual (duas das nove crianças não eram propriamente surdas, mas "duras de ouvido"). Assim, para fins de ensino da língua falada e escrita, as crianças foram divididas em dois grupos, conforme seu desempenho. Nesse programa de pesquisas baseado na filosofia do Bilingüismo,

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Hansen ressalta que "para o ensino de leitura e escrita em Dinamarquês foram empregados todos os recursos possíveis, incluindo a língua de sinais, a língua falada, textos escritos, correção da fala, exercícios de articulação, a leitura labial emparelhada com a fala, e a soletração digital, além do método dinamarquês mão - boca, e, finalmente, o treino de entoação e de ritmo da fala." (Hansen, 1990, p. 59). Após escolher uma estória, o professor escrevia as sentenças na lousa. Em seguida, ele pedia às crianças para ler essas sentenças em voz alta, e tentar traduzi-las em termos de seu significado geral. O professor explicava o conteúdo e o significado das palavras por meio da língua de sinais. Nos dias seguintes, as sentenças eram repetidas na conversação natural, e as crianças eram convidadas a ler as estórias inteiras sozinhas. Então o professor fazia questões sobre a estória em Dinamarquês e os alunos tinham de responder na mesma língua. Se as crianças o desejassem, podiam lançar mão de recursos adicionais de soletração digital, sinais de suporte, ou do sistema mão - boca. Se as crianças não entendessem a questão, o professor perguntaria novamente em Dinamarquês e, se necessário, traduziria em língua de sinais.

Nesse programa de pesquisa, foi observado que as crianças gostavam muito de brincar de um jogo que elas próprias haviam inventado e que consistia em assentar-se sobre as suas próprias mãos e tentar comunicar-se umas com as outras por meio da língua falada. Muitas das crianças também colocaram espontaneamente para si mesmas, como um objetivo próprio a ser alcançado, o desenvolvimento de sua habilidade de articular a língua falada, de modo a poderem ser entendidas pelos ouvintes. De modo geral, o programa foi muito bem sucedido em vários aspectos. Por exemplo, aos 12 anos de idade, cinco das nove crianças tinham um nível de leitura igual ao das crianças ouvintes; e aos 14 anos, sete das nove conseguiam ler com uma certa fluência. Aquelas crianças também passaram a escrever em Dinamarquês, sendo que o telefone de texto (Tetzchner, 1994a, 1994b) consistia no maior agente motivador para a aquisição da escrita fluente.

Em conseqüência do forte desenvolvimento das habilidades de leitura, houve uma grande expansão do vocabulário de palavras, o que, por sua vez, melhorou substancialmente as habilidades de leitura labial. Mais importante que qualquer habilidade isolada foi o

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progresso geral observado nas habilidades sociais, cognitivas e acadêmicas dos jovens, e nas habilidades de tomar decisões informadas acerca de si mesmos e de encontrar seu lugar no mundo. Graças a esse programa de pesquisas e a outros similares, a filosofia do Bilingüismo goza hoje de grande aceitação na Dinamarca, tanto por parte do governo quanto das escolas e da comunidade em geral. Hoje, assim que têm um filho diagnosticado como surdo, os pais começam a aprender língua de sinais e a tomar providências para que seu filho possa ser colocado em creche e pré-escola onde possa conviver com outras crianças surdas e desenvolver um léxico funcional de sinais naturais.

Os dados auspiciosos de tal programa de pesquisa longitudinal são plenamente compatíveis com as expectativas. De acordo com Oksaar (1990), os efeitos positivos da educação bilíngüe da criança surda são muitos. Eles incluem o desenvolvimento adequado de competências lingüística e comunicativa, a aquisição espontânea da língua de sinais, com o desenvolvimento intuitivo de regras lingüísticas em contextos sociais naturais motivados lingüisticamente, a conexão baseada na experiência entre o uso da linguagem e a formação de conceitos, o desenvolvimento de padrões de linguagem apropriados à faixa etária para auxiliar em uma série de funções (e.g., autorregulação, interação, obtenção e expressão de informação) e, finalmente, o desenvolvimento de respeito e identidade próprios como pessoa surda. É hoje geralmente aceito que a aprendizagem escolar e a aquisição das línguas falada e escrita possam desenvolver-se mais apropriadamente sob a filosofia do Bilingüismo, em que a criança tem oportunidade de crescer em interação com sinalizadores competentes.

Na citação que encabeça o presente capítulo, o surdo alemão Kruse enfatiza a íntima ligação entre o uso da língua de sinais e o desenvolvimento do pensamento e da aprendizagem da criança surda. De acordo com Prillwitz (1990), após sua viagem a Paris, Kruse expressou sua rejeição do uso de sinais orientados pela língua falada. Para ele, a tentativa de aproximar a língua de sinais da língua falada mutila a língua de sinais, a qual só poderia ser desenvolvida plenamente por surdos em instituições onde é cultivada. Hoje, no início do século XXI, é razoavelmente bem aceita a posição de que a filosofia educacional da Comunicação Total serviu de transição entre as filosofias opostas do Oralismo estrito e do Bilingüismo. Ao

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permitir a introdução dos sinais na prática educacional regular com os surdos, mesmo que como recurso para permitir aumentar a clareza da língua oral para os surdos, ela permitiu flexibilizar a rigidez do Método Oralista estrito e, assim, preparar o caminho para o resgate da língua de sinais como veículo formal para a educação escolar regular do surdo. Além desse importante papel histórico de propiciar a transição entre duas filosofias opostas, a filosofia liberal da Comunicação Total propiciou, e continua a propiciar em todo o mundo, a condução de uma vasta série de pesquisas experimentais aplicadas objetivando o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita a partir do ensino de sinais e de sistemas de sinais (Bellugi, Tzeng, Klima, & Fok, 1989). Assim, a língua falada sinalizada cumpriu o importante papel histórico de abrir caminho ao resgate da língua de sinais, permitindo introduzir sinais nas escolas, e continua sendo, hoje, um recurso adicional de grande importância para o ensino da leitura e escrita alfabéticas das línguas faladas, ao lado da escrita visual direta de sinais SignWriting (Capovilla & Sutton, 2001).

Então, que tipo de sinais deve ser empregado na escola para surdos? Hoje, no início do século XXI, parece ser bem reconhecida a importância de que professores e pais conheçam o maior número possível de alternativas de sinalização (Kyle & Woll, 1983, 1988), começando pela Língua de Sinais Brasileira (Capovilla & Raphael, 2001) escrita em SignWriting (Capovilla & Sutton, 2001) e incluindo os sistemas de sinais como SignoFone (Capovilla, Macedo, et al., 2001), o alfabeto manual ou soletração digital (Capovilla & Raphael, 2001) e os vocabulários de sinal.

Desafio para o Bilingüismo: O denominador comum às filosofias educacionais é a importância crucial da escrita alfabética

As três abordagens à educação da criança surda (i.e., o Oralismo, a Comunicação Total, e o Bilingüismo) reconhecem a importância vital da escrita alfabética para a inserção do surdo na cultura maior de seu país e como principal ponte para o mundo dos ouvintes. A questão fundamental é como produzir melhor aquisição e domínio da leitura e escrita alfabéticas pela criança surda. A proposta do Oralismo é que isto deva ser feito pela mediação da língua falada, da leitura labial e da articulação da fala. De fato, deve-se reconhecer

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que a evidência cotidiana sugere que o surdo que é capaz de articular a fala lê e escreve com maior correção e fluência que o surdo que apenas sinaliza, e que o advento e aperfeiçoamento das novas tecnologias de implante coclear multicanal (Capovilla, 2001) dá novo impulso à proposta do oralismo. Além disso, tal proposta encontra forte suporte teórico conceitual nas pesquisas da neuropsicolingüística da leitura e escrita, especialmente nos estudos acerca da importância da consciência fonológica no ouvinte e articulatória no surdo para a aquisição da leitura e escrita e da eficácia de intervenção com tratamento de consciência fonológica para melhorar fortemente a aquisição de leitura e escrita alfabética por parte de crianças com atrasos de alfabetização (Capovilla & Capovilla, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002).

Como vimos na seção descrevendo o programa bilingüe pioneiro da Dinamarca, na teoria, o bilingüismo não proíbe a oralização e, na prática, ele até a incentiva. No entanto, ele propõe que não se requeira a articulação da fala como pré-requisito ao trabalho educacional de desenvolvimento da cognição e da linguagem da criança surda, sob risco de privar a criança da estimulação lingüística imprescindível ao seu pleno desenvolvimento cognitivo e lingüístico. E ressalta que a melhor maneira de garantir o pleno acesso à estimulação lingüística da criança surda é a sua imersão na mais tenra idade numa comunidade surda sinalizadora. Sob tais condições tem sido demonstrado que o desenvolvimento lingüístico da criança surda passa inicialmente pelas mesmas etapas e em aproximadamente o mesmo ritmo que o das crianças ouvintes (Bellugi, 1988; Bellugi, Tzeng, Klima & Fok, 1989), contrastando com o atraso no progresso escolar que usualmente se aprendeu a esperar da criança surda. Na perspectiva do bilingüismo, espera-se que tal desenvolvimento cognitivo e lingüístico pleno permita à criança usar sua língua de sinais como metalinguagem para a aquisição da leitura e escrita alfabéticas.

No entanto, há uma dificuldade crucial com esta lógica, dificuldade que é esperada pelos modelos neuropsicolingüísticos de aquisição de leitura e escrita (Capovilla & Capovilla, 2000, 2002) e confirmada pela análise dos tipos de erros que a criança surda tende a cometer ao ler e escrever (Bellugi, Tzeng et al., 1989; Capovilla & Capovilla, 2001; Fok, van Hoek et al., 1988). Tais análises revelam

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que a escrita mapeia o processamento de informação na língua primária, que é a fala para a criança ouvinte e a língua de sinais para a surda.

Do mesmo modo que a criança ouvinte comete erros fonológicos (i.e., regularização fonológica), a surda comete erros visuais que revelam a mediação pelos sinais da língua de sinais. No entanto, como a escrita alfabética mapeia os sons da fala, os erros da criança ouvinte são muito menos graves que os da surda. Embora o processamento da fala algumas vezes induza a erros de regularização fonológica, no mais das vezes ele é um guia seguro para a escrita alfabética, já que esta consiste em grande parte em codificação fonológica. Como a criança surda não tem acesso aos sons da fala, esses não são de qualquer auxílio à escrita. A solução tradicional oralista apela a recursos visuais e proprioceptivos da leitura labial assistida por pistas visuais e freqüentemente pela própria articulação. A solução tecnológica do implante coclear tem adicionado recentemente nova dimensão e poder a esta abordagem oralista. De qualquer modo, estando clara a unanimidade entre as várias abordagens do oralismo ao bilingüismo quanto à importância da escrita alfabética para a educação e integração plenas do surdo, é vitalmente importante ressaltar o problema da descontinuidade entre a escrita alfabética e a língua de sinais, que constitui o principal risco e desafio à abordagem do bilingüismo.

O Bilingüismo pleno e eficaz supõe a escrita visual direta do sinal como ponte entre sinal e escrita alfabética

A pesquisa científica é de vital importância para identificar as falhas de uma abordagem e promover progressos metodológicos no ensino da criança surda. Quando pesquisadores dinamarqueses descobriram a descontinuidade entre a fala e o sinal, não havia outra alternativa honesta senão optar pela separação entre elas, e pela adoção de uma ordem para a sua introdução: Primeiro a imersão da criança na língua de sinais natural, tal como ela ocorre na comunidade surda, e só depois sua eventual exposição à fala para que ela possa atingir a tão almejada proficiência na leitura e escrita e o pleno desenvolvimento pessoal e profissional que ela possibilita. Tal mudança na abordagem à educação da criança surda constituiu a

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revolução paradigmática (Kuhn, 1970), desde a comunicação total ao bilingüismo. Revoluções paradigmáticas são ameaçadoras e evocam fortes temores, desconforto e resistências à mudança, especialmente por parte daqueles que, tendo sido eles próprios revolucionários em sua não tão distante juventude, ainda se vêem como tais, e se esquecem de que o tempo passa, e que eles próprios já podem ter-se tornado cristalizados em suas crenças e confortavelmente acomodados em seus modos. Revoluções paradigmáticas são desconfortáveis para professores e pensadores bem estabelecidos, mas são benéficas para o ensino e o conhecimento, pois produzem progresso a longo prazo, à medida que induzem à busca de soluções imediatas para problemas crônicos.

Embora a mudança paradigmática da comunicação total para o bilingüismo tenha sido extremamente forte e importante, ela ainda não se fez por completo e não amadureceu de todo. Tal mudança só chegará à plena maturidade quando os estudiosos do campo se dispuserem a conduzir a tão necessária, e há muito atrasada, pesquisa sistemática sobre a eficácia diferencial da abordagem bilingüe para a alfabetização de surdos. Quando isto finalmente ocorrer não haverá como furtar-se de reconhecer a revelação da falha que ameaça o sucesso da abordagem bilingüe em obter resultados superiores aos do antigo oralismo em elevar o nível de leitura da criança surda para além da terceira série do ensino fundamental. Tal falha, antevista mas pouco analisada, é constituída de outra descontinuidade envolvendo a língua de sinais, uma descontinuidade tão importante quanto aquela que derrubou o paradigma da Comunicação Total e entronizou o do Bilingüismo: A descontinuidade entre a língua de sinais e a escrita alfabética. Dada a importância da escrita alfabética para as três filosofias educacionais, essa descontinuidade não pode mais continuar a ser ignorada, mas precisa ser objeto de programas sistemáticos de experimentação em busca de soluções. Uma de tais soluções possíveis é a adoção experimental da escrita visual direta de sinais como ponte para transpor o fosso entre a língua de sinais e a escrita alfabética. Tal escrita foi extensamente descrita em Capovilla e Sutton (2001). Contudo, seu potencial como instrumento metalingüístico para o desenvolvimento psicolingüístico da criança surda aguarda análises experimentais rigorosas.

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Palavras finais

Neste capítulo foram revistos alguns fatores psicossociais e algumas concepções históricas acerca da surdez que auxiliam a entender as atitudes que vêm sendo demonstradas em relação ao surdo, desde a Antigüidade clássica até o primeiro dia do século XXI. Foram também analisados alguns dados de pesquisa que auxiliam a compreender alguns dos motivos subjacentes à mudança de orientação do Oralismo à Comunicação Total, e desta ao Bilingüismo, que foi observada na filosofia educacional em relação ao surdo ao longo de um período de mais de 120 anos. Em relação à área acadêmica da Lingüística, foi revisto como os preconceitos em relação ao surdo e às suas línguas tinham origem na noção de que línguas de sinais não seriam propriamente línguas plenas, já que os sinais eram vistos não como unidades arbitrárias, convencionais e recombinativas, mas apenas como representações analógicas e icônicas, típicas de um estágio pré-lingüístico de mímica e pantomima. De fato, porque a mímica e a pantomima usam o mesmo canal visoespacial e quiroarticulatório que o das línguas de sinais, e porque, no fluxo da sinalização, os gestos de mímica e pantomima freqüentemente ocorrem intercambiados com os sinais (Bellugi & Klima, 1976; Klima & Bellugi, 1979), durante muito tempo na Lingüística pensou-se que os sinais seriam apenas mera mímica e pantomima, indignos de um estudo lingüístico. Curiosamente, até os estudos pioneiros de Stokoe (1960) e de Klima e Bellugi (1979) que estabeleceram firmemente o status lingüístico das línguas de sinais, o único expoente a defender as concepções lingüística e antropológica das línguas de sinais como idiomas plenos próprios, e dos surdos como um povo com uma cultura autônoma, não foi um lingüista mas, sim, o pai da Psicologia Experimental, Wilhelm Wundt em 1911. Do mesmo modo, no Brasil, o primeiro Dicionário enciclopédico trilíngüe da Libras (Capovilla & Raphael, 2001) foi fruto dos esforços dedicados de uma equipe de neuropsicólogos e psicólogos experimentais.

Este capítulo estabeleceu a ascendência legítima da neuropsicologia e da psicologia experimental sobre a língua de sinais e a necessidade de pesquisas experimentais sobre processamento cognitivo na língua de sinais e na alfabetização de surdos. Ressaltou a necessidade de pesquisas para verificar a eficácia diferencial do

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Bilingüismo em relação às abordagens anteriores, como o Oralismo assistido pelo implante coclear multicanal, e a necessidade de buscar equacionar a descontinuidade entre a língua de sinais e a escrita alfabética pela adoção experimental de um bilingüismo pleno que inclui a escrita visual direta de sinais. Tal adoção experimental é uma condição sine qua non para a consumação da revolução paradigmática do Bilingüismo que, até então, continuará inacabado.

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Capítulo 15

Cemada: Centro Municipal de Atendimento a Distúrbios de Aprendizagem

Márcio Ribeiro do VallePediatra pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pós-graduado em Neurologia Infantil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de JaneiroCoordenador do Centro Municipal de Atendimento a Distúrbios de Aprendizagem, Poços de Caldas, MGe-mail: [email protected]

Os distúrbios da aprendizagem caracterizam-se por um aproveitamento escolar abaixo do esperado, tendo em vista a comparação com sujeitos da mesma idade cronológica, e são verificados, principalmente, no início do aprendizado, já na alfabetização. Segundo Vilanova (1986), o termo distúrbio de aprendizagem tem sido utilizado na prática neuropediátrica para designar a característica distintiva de um grupo numeroso de crianças que apresenta uma dificuldade maior em aprender, em circunstâncias nas quais se espera que isto se realize regularmente.

A alfabetização é o tipo de aprendizagem que permite ao indivíduo tomar conhecimento do mundo e dele participar e acompanhar suas grandes transformações. Quando a criança não consegue êxito em seu processo de aprendizagem há necessidade de intervenções que possam alterar a possibilidade de resultados insatisfatórios porque suas conseqüências não se limitam ao desempenho da criança numa situação escolar, mas inserem-se em suas chances de adaptação ao mundo e no seu desenvolvimento pessoal, através do conceito que o indivíduo forma de si mesmo. Entretanto, os estudos sobre as causas das dificuldades de aprendizagem não devem restringir-se à qualidade do ensino, ao número de vagas oferecidas aos alunos e a outros aspectos

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pedagógicos. É necessário que se tenha conhecimento das condições de saúde global da população a quem se oferece a educação.

A saúde é um processo complexo, qualitativo, que define o funcionamento completo do organismo, integrando, de forma sistêmica, o somático e o psicológico, formando uma unidade em que um atua sobre o outro. Além disso, o indivíduo é influenciado pelas interações pessoais e transações com o meio. Por isso, para compreender o desempenho escolar da criança em desenvolvimento é preciso ter em mente uma perspectiva biopsicossocial, de aspectos que interagem e se complementam no sujeito em formação. Sendo assim, carências alimentares ou afetivas, deficiências de visão ou audição, comprometimentos neurológicos, dentre diversos outros fatores, podem interferir no desempenho infantil, independente do esforço dos educadores.

A tentativa de buscar soluções sem o conhecimento especializado do assunto pode levar a interpretações distorcidas da realidade, que interferem no comprometimento observado e aumentam as dificuldades de adaptação, como acontece quando as pessoas que cercam a criança "resolvem" que ela é "preguiçosa" ou "teimosa", o que resulta em atitudes punitivas, no mínimo desnecessárias.

Por outro lado, o conhecimento de comprometimentos neurológicos, por exemplo, que podem interferir no rendimento infantil permite que se esclareça quanto ao tratamento necessário para que a criança cresça beneficiando-se com atendimentos que lhe seriam recomendados (Ribeiro do Valle & Ribeiro do Valle, 1995). Faz-se, então, necessária a compreensão das condições de saúde da criança que não acompanha os trabalhos da escola, para que sejam avaliadas as causas, de forma que se possa organizar um plano de trabalho, prognóstico e orientação que devem ser discutidos com os pais e com os profissionais da escola que lidam com a criança em benefício de um atendimento às suas necessidades individuais.

A desadaptação escolar pode ser resultado de diversas causas e está incluída no DSM IV (American Psychiatric Association, 1994), que descreve os sintomas de síndromes que podem prejudicar o rendimento da criança na escola. O DSM IV aponta, dentre diversos distúrbios, os seguintes: Transtornos do aprendizado (na leitura, matemática, expressão escrita), transtornos de comunicação,

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transtorno de déficit da atenção, transtorno do humor, transtorno de ansiedade, transtorno de conduta, e déficit cognitivo.

Como neuropediatra, a partir da grande demanda observada no atendimento público e no consultório particular de crianças que não conseguiam bons resultados nos trabalhos escolares, surgiu a necessidade da criação de um serviço que pudesse oferecer um suporte, especialmente àquelas crianças oriundas de meios mais pobres que não tinham recursos financeiros para buscar soluções para suas dificuldades e, freqüentemente, perdiam o interesse pela escola ou, ainda, desenvolviam comportamentos que prejudicavam não apenas o próprio relacionamento em casa e na aula como, também, interferiam na aprendizagem de outras crianças. Assim, em 1992, durante a administração do prefeito Dr. Sebastião Navarro Vieira Filho, no cargo de Secretário de Saúde, demos início ao Cemada .

O Cemada reúne uma equipe de profissionais voltados para o desenvolvimento infantil em diversas áreas disciplinares: Neurologia, Psicologia, Fonoaudiologia, Pedagogia e Serviço Social. Estando ligado à Prefeitura, o Cemada pode, ainda, contar com integração com outros profissionais da rede pública de saúde, quando há necessidade de suas avaliações em especialidades como psiquiatra, oftalmologista e otorrinolaringologista, entre outras.

Os alunos da rede pública do município de Poços de Caldas são encaminhados para o Cemada com o relatório da professora e coordenadora da escola. A partir da avaliação do caso pela equipe multidisciplinar e um estudo integrado do caso para compreensão das queixas apresentadas com relação ao baixo rendimento da criança ou às dificuldades que não puderam ser resolvidas na escola, são organizadas reuniões de orientação com os pais e com a escola para discussão de propostas, visando transmitir a compreensão obtida das questões apresentadas e os procedimentos necessários para que se possa auxiliar a criança a superar as dificuldades que estaria encontrando na aprendizagem.

Nesses dez anos atendemos aproximadamente 2.500 crianças, além dos respectivos familiares e professores ou pessoas relacionadas ao seu ambiente, organizando-se, também, reuniões para grupos e palestras ou simpósios, quando necessário. O número de crianças em tratamento, atualmente, é de 170, e a lista de espera é de 240 crianças.

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

Capítulo 16

O desafio do bilingüismo na educação do surdo: Descontinuidade entre a língua de sinais e a escrita

alfabética e estratégias para resolvê-la 10

Fernando C. CapovillaPsicólogo, Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília Ph.D. em Psicologia Experimental pela Temple University of PhiladelphiaLivre Docente em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de São PauloProfessor Associado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Alessandra G. S. Capovilla Psicóloga, Mestre, Doutora e Pós-Doutora pela Universidade de São PauloOrientadora do Doutorado em Psicopedagogia, Universidade de Santo AmaroPesquisadora Associada do Laboratório de Neuropsicolingüística CognitivaUniversidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Keila Q. F. Viggiano Psicóloga e Mestranda no Instituto de Psicologia, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Walkiria D. Raphael Psicóloga e Mestranda no Instituto de Psicologia, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Renato Dente Luz Psicólogo e Mestrando no Instituto de Psicologia, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Um dos componentes mais importantes para a invenção da escrita foi o desejo de imortalidade.

10 Apoio: CNPq e FAPESP.

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Robinson (1995). The story of writing: Alphabets, hieroglyphs and pictograms.

Para que um sistema de símbolos gráficos possa ser considerado um sistema de escrita completo, é preciso que, por meio dele, sejamos capazes de representar e transmitir todo e qualquer pensamento.DeFrancis (1989). Visible speech: The diverse oneness of writ-ing systems.

Visão geral

A escrita tem importância crucial como elemento de unificação geográfica e histórica de um povo. Ela confere estabilidade e alcance a uma língua, permitindo que ela continue sendo entendida em toda a extensão territorial em que vive um povo, e ao longo das várias gerações em que ele existe. Sem o registro estável e confiável da escrita, uma língua se perde em variações geográficas e históricas, impedindo o florescimento cultural. Pessoas surdas agora dispõem de uma ortografia própria, uma escrita visual direta de sinais que pode se tornar tão importante para a história dos surdos em todo o mundo quanto o alfabeto tem sido para a história dos ouvintes no mundo ocidental. Tal escrita não é ideográfica ou semantográfica, ou seja, não representa diretamente o significado. Em vez disso, parece-se mais com a escrita alfabética, uma vez que, assim como o alfabeto, mapeia as propriedades fonológicas (i.e., quirêmicas) da língua primária, nativa, da cultura a que pertence o escritor. Enquanto o alfabeto registra os fonemas da fala do ouvinte, a escrita visual direta registra os quiremas (i.e., as formas de mão) da sinalização do surdo. Como o código alfabético mapeia a fala e não o sinal, sua mecânica resulta na evocação da fala interna, mas não na da sinalização interna. É um instrumento feito sob medida para desenvolver o pensamento do ouvinte, mas não o do surdo. S escrita visual direta de sinais permite registrar diretamente o pensar do surdo, na dimensão quirêmica da sinalização interna com que esse pensar ocorre. É, por isso, um poderoso instrumento de reflexão do surdo sobre sua própria língua de sinais. Como ferramenta metalingüística para o desenvolvimento lingüístico pleno do surdo, espera-se que auxilie a promover a formalização lingüística crescente da língua de sinais, produzindo

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grandes benefícios para o desenvolvimento cognitivo da criança surda e para o florescimento cultural do povo surdo.

A importância crucial da escrita

A história nasce com a escrita. Ao fornecer um registro secundário e perene do ato lingüístico primário e transitório, a escrita permite a reflexão sobre o conteúdo da comunicação, sobre as coisas do mundo e o que delas sabemos. Enquanto registro perene, promove também a segurança e consolida o contrato social. Na história do conhecimento, é a escrita que dá luz à filosofia e à epistemologia (i.e., episteme ou conhecimento rigoroso), permitindo superar ortodoxias (i.e., doxa ou opinião). A escrita permite a reflexão sobre o próprio ato lingüístico, o avanço e o aprimoramento constantes da linguagem como veículo do pensamento para o pleno desenvolvimento social e cognitivo. É a escrita, mais que apenas a língua primária do dia a dia, que unifica as pessoas de um determinado território geográfico e ao longo do tempo, nas sucessivas gerações, constituindo sua identidade como um povo. Uma língua que não tem um registro escrito é limitada e incapaz de desenvolver-se e consolidar-se a ponto de servir de base para a constituição de um povo e de uma cultura. Agrupamentos que não têm registro escrito da própria língua não têm dela o domínio necessário para articular, de modo sólido e seguro, seu desenvolvimento cultural e organização social. Permanecem sem a união da organização central efetiva e sem tradições ou memória, dependentes de feudos dispersos e de intermediários para obter informações transitórias, instáveis e vulneráveis a distorções e boatos.

A escrita alfabética e seus benefícios para os ouvintes

No Ocidente a escrita é feita por meio de sistemas alfabéticos, que mapeiam as línguas faladas com maior eficiência recombinativa do que os sistemas do Oriente (silabários japoneses Kana, caracteres semântico - fonéticos chineses Kanji). A escrita alfabética serve muito bem aos ouvintes para representar, de maneira intuitiva, as propriedades fonológicas de suas línguas faladas. Tão forte é a relação entre as línguas faladas e a escrita alfabética que, em todo o mundo

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ouvinte, pesquisas demonstram que a alfabetização aumenta a consciência dos sons da fala (i.e., consciência fonológica, Morais, 1995) e que, por sua vez, exercícios sistemáticos para aumentar a consciência fonológica melhoram substancialmente as habilidades de leitura e escrita alfabéticas (Capovilla & Capovilla, 1997, 1998, 1999, 2000a, 2000b, 2002). Tão importante é a fonologia para a alfabetização que os distúrbios fonológicos estão por trás de, pelo menos, 67 porcento de todos os quadros de dislexia do desenvolvimento em crianças ouvintes (Grégoire & Piérart, 1997). Na fase alfabética do desenvolvimento da leitura e escrita, as crianças ouvintes aprendem a fazer codificação e decodificação fonológicas. Tão importante é esta estratégia, e tão forte a tendência da criança de escrever como fala que, nessa fase, ela tende a aplicar a decodificação fonológica estrita de maneira indiscriminada, mesmo em palavras com irregularidades grafofonêmicas. Isto explica porque os erros de regularização fonológica (Capovilla, Gonçalves et al., 1997; Luria, 1970) estão entre os mais comuns na alfabetização. Ao exercitar a habilidade de pensar em palavras atentando sistematicamente à sua fala interna, a criança ouvinte torna-se capaz de escrever com correção. Reciprocamente, ao exercitar sua escrita, ela aumenta a habilidade de estruturar o raciocínio em palavras, a fala interna (Capovilla & Capovilla, 2001, 2002; Eysenck & Keane, 1994).

Três contextos comunicativos: Continuidade versus descontinuidade

Na criança ouvinte e falante, há uma continuidade entre os três contextos comunicativos básicos: A comunicação transitória consigo mesma (i.e., o pensar), a comunicação transitória com outrem na relação face a face (i.e., o falar), e a comunicação perene na relação remota e mediada (i.e., o escrever). Com isto, todo o seu processamento lingüístico pode concentrar-se na palavra falada de uma mesma língua: Para pensar, comunicar-se e escrever, ela pode fazer uso das mesmas palavras de sua própria língua falada primária. Para essa criança há uma compatibilidade entre os sistemas de representação lingüística primária (i.e., a língua falada) e secundária (i.e., a língua escrita alfabética). Assim, ao escrever, ela pode fazer uso intuitivo das propriedades fonológicas das palavras da mesma

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língua que usa para pensar e se comunicar. Da criança surda, no entanto, espera-se muito mais. Ela pensa e se comunica em sua língua de sinais primária na modalidade visual e quiroarticulatória (i.e., quiro, do Grego, mão). Mas, frente à tarefa de escrever, espera-se que o faça por meio das palavras de uma língua falada estrangeira. O Português não é apenas uma língua estrangeira, mas se dá na modalidade auditiva e fonoarticulatória, enquanto que a da língua de sinais natural primária do surdo é visual e quiroarticulatória. Enquanto a criança ouvinte pode fazer uso intuitivo das propriedades fonológicas naturais de sua fala interna em auxílio à leitura e à escrita alfabéticas, a criança surda não. Como a operação de sistemas de representação externa (i.e., escrita) é sempre feita a partir do sistema de processamento interno, é natural à criança surda procurar fazer uso de sua sinalização interna em auxílio à leitura e escrita. Assim, enquanto a criança ouvinte recorre às propriedades fonológicas e fonoarticulatórias que constituem a forma de sua fala interna, a surda tende a recorrer às propriedades visuais e quiroarticulatórias que constituem a forma de sua sinalização interna.

Conseqüências da descontinuidade entre a representação interna (sinalização) e a externa (escrita alfabética)

Como aquilo que o sistema de escrita alfabético faz é mapear as propriedades fonológicas da fala, a fala interna é um bom guia para auxiliar a escrita alfabética. Logo, para a criança ouvinte, recorrer à sua fala interna é eficaz em facilitar os desempenhos de leitura e escrita. Por outro lado, as propriedades visuais e proprioceptivas da sinalização interna não se ajustam às da escrita alfabética, e recorrer a elas é de muito menor valia. Consequentemente, a criança surda tende a cometer mais erros do que a ouvinte. Seus erros não têm apenas uma freqüência maior como, também, uma natureza bastante distinta: Não são fonológicos, mas visuais, freqüentemente revelando a mediação pelo sinal (Capovilla & Capovilla, 2001). Na escrita comete paragrafias literais com trocas de ordem das letras e troca entre letras visualmente semelhantes. Comete também paralexias e paragrafias semânticas, com troca de palavras. A presença de tais erros em ouvintes seria considerada grave indício de distúrbio fonológico, já que revela uma tentativa de fazer uso exclusivo do processamento

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visual. Na surda, no entanto, tais erros são perfeitamente esperados. Bellugi et al. (1989) descobriram que ela tende a cometer troca de palavras na leitura e na escrita quando os sinais correspondentes compartilham elementos quirêmicos, sendo semelhantes em forma. Tais erros constituem prova cabal de que, ao processar a leitura e a escrita, a criança surda ancora o processo na sinalização interna. Mas, a limitação da sinalização interna em permitir processamento eficaz de leitura e escrita em sistemas alfabéticos extrapola o nível da morfologia do item lexical, manifestando-se também, e especialmente, no da sintaxe. Devido às diferenças de sintaxe entre a língua de sinais e a língua falada, normalmente a compreensão de leitura e a qualidade da escrita da criança surda são menores do que as da ouvinte. Dificuldades semelhantes de processamento sintático em ouvintes (cujo quadro mais severo é o do agramatismo, cf. Capovilla, 1997) denotam distúrbios no circuito de reverberação fonoarticulatória (Baddeley, 1966, 1986, 1992; Baddeley, Grant, Wight, & Thomsom, 1975; Baddeley & Hitch, 1974; Baddeley & Logie, 1992; Capovilla, Nunes et al., 1997; Eysenck & Keane, 1994). Assim, novamente, os desempenhos de leitura e de escrita pela criança surda em sistemas alfabéticos são plenamente esperados a partir das pesquisas em neuropsicolingüística cognitiva.

Desta forma, a criança surda encontra-se numa situação peculiar de descontinuidade entre os sistemas primário e secundário de representação lingüística, entre a sinalização interna visual e quiroarticulatória com que ela faz processamento interno, e o sistema de escrita alfabético fonológico com que se espera que ela se expresse. Na criança ouvinte, a fala (i.e., sistema de representação primária) funciona como base para a aquisição da leitura e da escrita (i.e., sistema de representação secundária); e, por sua vez, a aquisição da leitura e escrita tem um efeito extraordinário de reorganização sobre o desenvolvimento da fala. De fato, a compreensão auditiva e a expressão oral de uma pessoa alfabetizada tendem a ser nitidamente superiores às de um analfabeto. Em contraste, na surda devido à descontinuidade, não apenas a língua de sinais beneficia menos a aquisição da leitura e escrita alfabética, como também é menos beneficiada por ela. A descontinuidade entre os sistemas não só aumenta a dificuldade de aquisição de leitura e escrita e o esforço necessário para ela, como também reduz o efeito benéfico que tal

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aquisição deveria ter sobre a restruturação e o aperfeiçoamento da língua de sinais.

Equacionando os sistemas de representação de informação para reduzir a descontinuidade

Para equacionar tal problema de descontinuidade entre os sistemas de representação primária (i.e., língua de sinais) e secundária (i.e., escrita alfabética) em que se encontra a criança surda, pode-se operar sobre (i.e., substituir) um de dois fatores da equação. Assim,, pode-se operar ou sobre a língua de sinais (i.e., sistema de representação primário) ou sobre o sistema de escrita alfabético (sistema de representação secundário). No passado, a única saída proposta pelos estudiosos da área foi substituir a língua de sinais primária pela língua falada. A proposta da filosofia educacional do Oralismo consiste em levar a criança surda a abdicar da língua de sinais em favor da oralização. Embora não dos pontos de vista antropológico e cultural, mas do ponto de vista cognitivo funcional, tal proposta encontra uma certa justificação: Para a criança surda, o equivalente à consciência fonológica da ouvinte seria a consciência oroarticulatória. Assim, para aprimorar a leitura e a escrita, enquanto a criança ouvinte é levada a fazer exercícios fonológicos, aprendendo a fazer discriminação fina dos fonemas correspondentes aos grafemas da escrita, a criança surda é levada a fazer exercícios oroarticulatórios, aprendendo a fazer discriminação fina das articulações (inclusive com o auxílio da soletração digital, Capovilla & Raphael, 2001) correspondentes aos grafemas da escrita. Tal método, embora extremamente trabalhoso para a criança e a equipe, é indubitavelmente eficaz (ainda que menos para a sintaxe que para a morfologia), sendo que a leitura e a escrita das crianças surdas que oralizam tendem a ser bastante superiores às daquelas que não o fazem.

É interessante notar que a alternativa de operar sobre o segundo fator, com a substituição provisória do sistema de escrita alfabético, passou praticamente despercebida durante todo o século XX. Só com o início do século XXI é que estamos considerando a possibilidade de a descontinuidade entre os sistemas de representação não ser inerente à condição da surdez. Só agora estamos percebendo que o

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equacionamento da descontinuidade não requer necessariamente a proscrição da língua de sinais, mas que a continuidade pode ser restabelecida buscando um sistema de escrita para o surdo que seja mais apropriado à sua língua de sinais primária do que o alfabético (Capovilla & Capovilla, 2001; Capovilla & Sutton, 2001). Como vimos, para ser eficiente, a escrita deve sempre mapear as propriedades essenciais da linguagem que ela se propõe a representar (Robinson, 1995). Do mesmo modo que a criança ouvinte pode beneficiar-se do uso de uma escrita alfabética para mapear os fonemas de sua língua falada, a surda poderia beneficiar-se sobremaneira de uma escrita visual capaz de mapear os quiremas de sua língua de sinais.

Um tal sistema de escrita visual direta de sinais traria múltiplos benefícios psicológicos e sociológicos. Permitiria à criança surda tirar vantagem das propriedades visuais de sua língua materna para pensar, comunicar-se e escrever numa única língua, o que aceleraria seu desenvolvimento lingüístico e cognitivo, e a colocaria em pé de igualdade com a ouvinte. Ao mesmo tempo, como a aquisição do sistema secundário sempre resulta em reorganização, aprimoramento e desenvolvimento do primário, o uso de um tal sistema de escrita levaria naturalmente à expansão, ao desenvolvimento e ao refinamento lingüístico do sinal, culminando no enriquecimento da língua de sinais (na medida em que os sinais de grupos e subculturas variadas forem sendo incorporados) e em sua normatização como língua oficial da cultura surda e do povo surdo. Isto seria instrumental à constituição da identidade da cultura de sinais e do povo surdo, à sua integração espacial e temporal, no território geográfico e através das gerações, e ao seu desenvolvimento cultural e social pleno.

A inclusão do sistema de escrita visual direta de sinais como possível meio de atingir o bilingüismo pleno

SignWriting é um sistema de escrita visual direta de sinais, desenvolvido pela norte-americana Sutton (2000), e sistematicamente descrito e desenvolvido em Capovilla e Sutton (2001). Sendo uma estudiosa da dança, Sutton primeiro criou um sistema de notação de coreografias, conhecido como DanceWriting. Intrigada pelas possibilidades do sistema para registrar orientações e movimentos do

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corpo no espaço, na década de 1970 ela começou a fazer os primeiros ensaios sobre a possibilidade de fazer uso do sistema como uma maneira de registrar a mais fascinante e refinada de todas as coreografias, a língua de sinais. Hoje SignWriting é usado em 28 países de todo o mundo como um sistema de escrita visual prático para a comunicação escrita cotidiana entre surdos, e entre surdos e ouvintes, e como um sistema de notação lingüística para o estudo científico comparativo das línguas de sinais por parte de lingüistas. Há também um programa de computador, chamado SignWriter (Gleaves & Sutton, 1995), especialmente delineado para essa escrita. No Brasil, SignWriting vem sendo usado em cursos de informática e língua de sinais para crianças surdas (Stumpf, 1998), para escrever estórias de contos infantis em Libras (Strobel, 1995), para documentar a gramática da Língua de Sinais Brasileira (Quadros, 1999), para documentar os sinais dessa língua no Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngüe da Língua de Sinais Brasileira (Capovilla & Raphael, 2001), e para permitir a telecomunicação entre surdos, e a comunicação face a face entre surdos com distúrbios motores e ouvintes (Capovilla, Macedo, Duduchi, Raphael, Charin, & Capovilla, 2001).

Enquanto escrita, SignWriting é um sistema secundário de representação de informação, baseado no sistema primário que é a língua de sinais. Do mesmo modo como sistemas de escrita alfabéticos representam os fonemas de que se compõem as palavras das diversas línguas faladas, enquanto sistema de escrita visual direta, SignWriting representa os quiremas de que se compõem os sinais nas diversas línguas de sinais. Ele emprega diferentes símbolos visuais para representar as diversas dimensões relevantes à composição sublexical dos sinais, tais como as configurações (i.e., articulações) de mão; sua localização no espaço da sinalização e sua orientação nos planos da sinalização; os tipos, formas, freqüências e direções dos movimentos envolvidos; as expressões faciais associadas; e as modulações de mímica e pantomima para fazer a descrição analógica precisa de particularidades das situações descritas (Klima & Bellugi, 1979). Pode ser empregado fonologicamente (i.e., quiremicamente) para o registro científico das línguas de sinais, ou foneticamente para a sua escrita prática no dia a dia. No sentido fonológico, funciona como uma espécie de alfabeto fonético (i.e., quirêmico) internacional para a

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notação de sinais, permitindo descrições finas e minuciosas do modo específico (i.e., sotaque regional) com que um dado sinal é feito. Isto possibilita seu emprego como instrumento para o registro científico dos sinais e para análises lingüísticas refinadas comparando as características de diferentes línguas de sinais, ou da mesma língua de sinais, tal como ocorre em diferentes regiões. No sentido fonético, funciona como um sistema de escrita prático e funcional, que registra apenas e tão somente as unidades distintivas entre os sinais, enquanto ignora as demais. Ao ignorar variações sutis nos modos de sinalizar entre um e outro grupo de sinalizadores, variações essas que são irrelevantes ao significado do sinal, funciona exatamente como o sistema de escrita alfabético que ignora as variações de sotaque regional da fala, que são irrelevantes ao significado das palavras faladas.

Além de seu emprego em todo o mundo, SignWriting vem sendo usado há vários anos na Nicarágua, num programa pioneiro e bem sucedido de ensino de leitura e escrita para surdos que continua até o presente (Kegl, 1994). Foi também empregado em vários artigos e dissertações e teses (e.g., Gangel-Vasquez, 1998; Rosenberg, 1999; Quadros, 1999) sobre língua de sinais. Uma descrição detalhada de SignWriting e de seus desenvolvimentos em pesquisa internacional e brasileira pode ser encontrada neste dicionário no capítulo intitulado: Como ler e escrever sinais da Libras: A escrita visual direta de sinais SignWriting (Capovilla & Sutton, 2001). O objetivo deste breve capítulo foi apenas o de chamar a atenção para o potencial deste sistema de escrita visual direta de sinais como uma ferramenta para o desenvolvimento cognitivo e lingüístico da criança surda, a evolução da língua de sinais, a consolidação da cultura de sinais e a organização social do povo surdo. A filosofia educacional do bilingüismo nunca será plena até que inclua a adoção experimental da escrita visual direta de sinais e que teste sua eficácia em promover a educação e a proficiência de leitura média da criança surda para além do patamar histórico de terceira série do ensino fundamental (Prillwitz & Vollhaber, 1990).

Referências bibliográficas

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Capítulo 17

O Estatuto da Criança e do Adolescente

Alexandre Leite Ribeiro do ValleAdvogado pela Universidade Santa Úrsula, Rio de JaneiroPós-graduado em Magistério em Direito, Universidade Estácio de Sá, RJEspecialista pelo Instituto Brasileiro de Mercado de CapitaisNoronha Advogados, São Paulo (www.noronhaadvogados.com.br)e-mail: [email protected]

Em 20 de novembro de 1959 era promulgada por unanimidade de votos na Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) a Declaração Universal dos Direitos da Criança. Só 29 anos mais tarde, ao promulgar a Constituição da República Federativa Brasileira (Congresso Nacional, 1988; Custódio, 1998) os princípios estabelecidos pela ONU fizeram-se presentes em vários dispositivos, como os abaixo elencados:

Artigo 6. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência social aos desamparados na forma desta Constituição.

Artigo 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo par o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Artigo 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

i. Ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;

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ii. Progressiva universalização do ensino médio gratuito;iii. Atendimento educacional especializado aos portadores

de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

iv. Atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

v.Acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

vi. Oferta do ensino regular, adequado às condições do educando;

vii.Atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

Parágrafo 1°. O acesso ao ensino obrigatório é direito público subjetivo.

Parágrafo 2°. O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

Parágrafo 3º. Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, juntos aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

Em linhas gerais, pode-se concluir, em relação a educação, que a Constituição Federal de 1988 apresenta uma série de normas que garantem a todo o cidadão, em idade escolar ou não, o acesso ao ensino público gratuito e de boa qualidade.

Neste aspecto, é importante salientar que a ciência do Direito reconhece três tipos de normas: Normas de eficácia plena, normas de eficácia contida e normas com eficácia limitada.

Normas de eficácia plena ou autoaplicáveis são aquelas que dispensam a interveniência de norma reguladora, ou seja, por si só bastam a regular a matéria a que se propõem;

Normas de eficácia contida podem ser definidas como aquelas que, embora em princípio aplicáveis, dependem de norma

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reguladora posterior, que estabeleça a forma de sua aplicação; Normas de eficácia limitada são todas aquelas que se limitam a

definir princípios e diretrizes sobre determinado assunto, servindo principalmente como orientação ao legislador na edição de normas hierarquicamente inferiores. São, portanto, normas sem aplicabilidade prática, que, entretanto, vinculam o legislador quando da edição de normas sobre aquele assunto.

Dessa forma, é possível afirmar que as normas constitucionais acima expostas encaixam-se nesta última classe (normas de eficácia limitada), devendo portanto ser consideradas como parâmetros a serem seguidos pelo legislador infraconstitucional na edição de normas referentes a educação.

Com o intuito de garantir eficácia plena às normas constitucionais referentes aos direitos sociais da criança e do adolescente, foi promulgada em 13 de julho de 1990 a lei 8.069, também denominada Estatuto da Criança e do Adolescente ou ECA (Congresso Nacional, 1990), legislação esta que traz, em seus 267 artigos, um vasto rol de direitos, abrangendo, inclusive, o direito a educação.

Ao comparar o estatuto, acima referido, com determinadas legislações estrangeiras, torna-se evidente a influência que tais legislações exerceram sobre o legislador nacional, que procurou incluir, no ordenamento jurídico brasileiro, algumas das normas mais avançadas em matéria de direito infantil. Ocorre que, ao “importar” normas legais alienígenas sem a necessária adaptação socioeconômica, muitas vezes, esta acaba por tornar a norma sem efeito, haja vista a realidade adversa do local em que a norma deve ser aplicada. A norma legal torna-se mera utopia legislativa, face a sua não aplicabilidade prática no tempo e espaço em que se vive. De fato, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao dispor sobre a educação, repete, um pouco mais detalhadamente, o que se estabeleceu na Constituição, sem, contudo, apresentar formas de materialização do que ali se encontra disposto.

Neste aspecto, é importante distinguir a eficácia da norma de sua vigência legal. Salvo as exceções legais, ao ser publicada, uma norma jurídica gera efeitos, ou seja passa a vigorar, perante toda a

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sociedade que a ela se encontra submetida. Por sua vez a eficácia da norma encontra-se diretamente vinculada à conduta daqueles que deveriam observá-la. Na lição de Montoro (1996, p. 593) “uma norma jurídica que não é respeitada e cumprida poderá ter vigência legal, mas não tem eficácia real”.

O universo jurídico é de tal forma influenciado por fatores culturais, sociais, religiosos, enfim fatores psicológicos, que muitos doutrinadores definem o direito como o interesse social amparado por normas jurídicas. Tal influência se mostra bastante evidente em sociedades primitivas e até em algumas sociedades contemporâneas, onde há uma nítida identificação de normas morais e religiosas com normas de direito.

Para Marx (1867), apud Eagleton (1999, p. 16), “não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência”. Portanto, não basta a vigência de uma lei para que a sociedade seja alterada, mas ao contrário é preciso primeiro que a sociedade se altere para que então a lei tenha eficácia. A melhor das leis é aquela que, ainda que apresente menos direitos e garantias, pode ser aplicada.

Em relação a educação infantil, o Estatuto da Criança e do Adolescente, por ser demasiadamente utópico, carece, em muitos de seus dispositivos, de eficácia prática, posto que ainda que com a melhor da boa vontade daqueles que deveriam aplicá-las, algumas normas ainda se encontram demasiadamente distantes da realidade social brasileira.

Nos termos do artigo 6º da Constituição Federal, o direito a educação é um direito social, ou seja um direito subjetivo difuso, que pode ser definido como direitos cujos titulares são indeterminados e nos quais não há uma relação jurídica base. Em suma, são direitos que são de “todo mundo” mas que “ninguém” exige porque “alguém” deveria fazê-lo. Um dos elementos do direito subjetivo é o sujeito ativo, ou seja, aquele que é dada a possibilidade de exercê-lo, ou exigir do poder público a garantia de fazê-lo. Nos chamados direitos difusos, este sujeito ativo é indeterminado, mas não inexistente. Apenas não é possível mensurar com exatidão as pessoas abrangidas, ou seja, aquelas que se encontram ligadas a uma mesma situação fática.

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O artigo 75 do código civil dispõe que a todo direito corresponde uma ação que o assegura. Especificamente em relação à proteção a infância e a juventude, o artigo 210 do ECA dispõe:

Artigo 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados concorrentemente:

i. O Ministério Público;ii. A União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e

os territórios; iii. As associações legalmente constituídas há pelo menos 1

(um) ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por esta lei, dispensada a autorização prévia da assembléia, se houver prévia autorização estatutária.

Todavia, o poder destas entidades é limitado, uma vez que a lei se ressente, em muitos casos, de força coercitiva contra autoridades públicas negligentes, porque a lei que estabelece responsabilidades não estabelece sanções. Já no Direito Romano as normas jurídicas eram classificadas, de acordo com as sanções que lhes eram dotadas, em perfeitas, imperfeitas, mais que perfeitas e menos que perfeitas. Assim, normas perfeitas são aquelas que, em conseqüência de sua violação, acarretam a nulidade do ato; imperfeitas seriam as leis meramente formais, ou seja, as que não apresentam nenhum tipo de sanção ao seu descumprimento; mais que perfeitas quando, além da nulidade do ato praticado em desacordo com a norma, a lei impõe também a aplicação de determinada pena; e por fim, são consideradas menos que perfeitas as normas que, embora não acarretem a nulidade do ato, é imposta alguma sanção àqueles que não cumprirem com o que ali se determinou. As normas constitucionais referentes a educação são exemplos de normas imperfeitas, em que são estabelecidas responsabilidades mas sem a conseqüente punição a aqueles que a desobedecerem, até porque, como dito antes, são normas meramente pragmáticas.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, poderia, de forma geral, ser considerado como uma lei menos que perfeita, posto que impõe, para determinadas condutas, punições que devem ser aplicadas a aqueles que não cumprem com o ali disposto. É o caso dos

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pais que não matriculam seus filhos na escola ficando assim sujeitos a processo criminal, nos termos do código penal brasileiro. Assim, mesmo que em determinados casos não existam professores, materiais e todas as condições mínimas de aprendizagem também estabelecidas em lei, os pais estão obrigados a manter seus filhos devidamente matriculados, até porque, coincidentemente, criança na escola é dinheiro para prefeitura.

Para melhor organizar e fiscalizar os recursos financeiros destinados a melhoria do ensino no Brasil, foram instituídos dois fundos na década de 1990: o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), uma autarquia (a segunda maior em orçamento do Brasil) vinculada ao Ministério da Educação; e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), formado por 15% da arrecadação de estados e municípios, dos quais 60% deveriam ser destinados ao quadro de pessoal das escolas (Ministério da Educação, 2001). Após a instituição destes fundos, e segundo o relatório da ONU 2000 (Organização das Nações Unidas, 2000), o Brasil passou de 78º para 74º país no índice de desenvolvimento humano, mesmo assim atrás de Argentina, Chile, Uruguai, Colômbia, Venezuela, Cazaquistão e Suriname. De acordo com este relatório esta melhora deveu-se principalmente a constatação do aumento no número geral de matrículas escolares.

Todavia, ocorre que como o Fundef é constituído por 15% da arrecadação de estados e municípios, e, como o dinheiro dentro de cada estado é distribuído segundo o número de alunos matriculados no ensino fundamental, surgiram dois problemas:

O primeiro é que muitas prefeituras têm optado por investir e ampliar apenas as redes fundamentais do ensino, sobrepujando a educação infantil. O segundo refere-se a uma questão matemática um pouco complexa (e que não é ensinada em escolas), pois temos em alguns municípios mais alunos matriculados no ensino fundamental do que jovens em idade escolar. É o que se denomina fenômeno da "clonagem" de alunos.

Como se vê acima, não basta a existência de uma lei, em teoria excelente, para que as mazelas de uma sociedade com tantas diferenças sociais sejam dissipadas como passe de mágica. Quando a

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lei não condiz com a realidade do tempo e espaço em que deve viger torna-se letra morta, ou seja, perde sua eficácia prática.

As normas legais expressas em nossa carta magna são um ideal talvez impossível de alcançar, mas que, ainda assim, deve ser buscado. Assim, não podemos permitir que a discrepância existente entre a norma escrita e a realidade social obste a aplicação de medidas, senão ideais, pelo menos suficientes a garantir um mínimo de dignidade à população mais carente.

Montoro (1996, p. 594) atribui a Capistriano de Abreu a afirmação de que “O Brasil possui uma legislação perfeita, só faltando uma lei, a que mande pôr em vigor todas as outras”. Concluindo, emprestamos a lição de Blaise Pascal (1946, p. 298), para quem "A justiça sem força é impotente; e a força sem justiça é tirania. É preciso, pois, colocar juntas a justiça e a força e, assim, fazer com que o justo seja forte e com que o forte seja justo”. É preciso que nossas autoridades tenham em mente que nossas crianças um dia crescerão, e terão respeito por nós na exata medida do respeito que temos por elas hoje.

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Capítulo 18

Perfil cognitivo de crianças com atraso de escrita no International Dyslexia Test 11

Alessandra G. S. Capovilla Psicóloga, Mestre, Doutora e Pós-Doutora pela Universidade de São PauloOrientadora do Doutorado em Psicopedagogia, Universidade de Santo AmaroPesquisadora Associada do Laboratório de Neuropsicolingüística CognitivaUniversidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Fernando C. CapovillaPsicólogo, Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília Ph.D. em Psicologia Experimental pela Temple University of PhiladelphiaLivre Docente em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de São PauloProfessor Associado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Visão geral

O International Dyslexia Test (IDT) avalia diferentes habilidades cognitivas relacionadas à aquisição de leitura e escrita, como consciência fonológica, processamento auditivo, processamento visual, velocidade de processamento, seqüenciamento, habilidades motoras, raciocínio e habilidades matemáticas. Ele já foi traduzido para diferentes línguas e é usado como instrumento para o diagnóstico da dislexia em uma série de países. Este estudo preliminar, com alunos brasileiros de primeira série de escola pública, teve como objetivo adaptar o teste ao português brasileiro e verificar as habilidades cognitivas em que bons e maus leitores diferem. Os resultados mostraram que crianças com dificuldades de escrita tiveram 11 Apoio: CNPq e FAPESP.

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desempenhos significativamente inferiores às crianças sem dificuldades de escrita em consciência fonológica, processamento auditivo, seqüenciamento e velocidade de processamento. Entretanto, seus escores foram semelhantes em habilidades motoras, processamento visual e habilidades aritméticas. Tais resultados são similares àqueles encontrados em outras ortografias alfabéticas, como o inglês e o alemão. Isto confirma a importância da consciência fonológica, do processamento auditivo e do seqüenciamento para a aquisição de leitura e escrita em ortografias que mapeiam a fala no nível fonêmico.

Introdução

A dislexia do desenvolvimento tem sido estudada por diversos pesquisadores em todo o mundo. As definições deste conceito, porém, são variáveis. Segundo Harris e Hodges (1981), a dislexia pode ser definida como uma forma primária de problema de leitura devido a algum tipo de disfunção do sistema nervoso central. De acordo com a World Federation of Neurologists (1968), a dislexia do desenvolvimento é o distúrbio em que a criança, apesar de ter acesso à escolarização regular, falha em adquirir as habilidades de leitura, escrita e soletração que seriam esperadas de acordo com seu desempenho intelectual. O National Institute of Health americano define dislexia como "um dos vários tipos de distúrbios de aprendizagem. É um distúrbio específico de linguagem de origem constitucional e caracterizado por dificuldades em decodificar palavras isoladas, geralmente refletindo habilidades de processamento fonológico deficientes. Essas dificuldades em decodificar palavras isoladas são freqüentemente inesperadas em relação à idade e outras habilidades cognitivas e acadêmicas; elas não são resultantes de um distúrbio geral do desenvolvimento ou de problemas sensoriais" (Research Committee, The Orton Dyslexia Society, 1995, p. 2).

A palavra dislexia é derivada dos radicais gregos dis (dificuldade) e lexis (palavra). Um dos primeiros registros de dificuldades de leitura e escrita data de 1896, quando Pringle Morgan, um médico inglês, documentou o caso do menino Percy no British Medical Journal. O menino tinha sérias dificuldades com palavras escritas e letras, apesar de ter boas habilidades em outras áreas.

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Assim como variam as definições sobre a dislexia, também variam os fatores que são apontados como causais por diferentes teorias. Historicamente, de início, a dislexia foi relacionada a dificuldades de processamento visual (Bronner, 1917; Orton, 1937). De acordo com tal interpretação, as dificuldades de leitura e escrita seriam conseqüentes a problemas com discriminação visual, movimentos oculares, memória visual e convergência binocular (Catts, 1996; Eden et al., 1995). Tal hipótese, porém, não foi confirmada por estudos de intervenção em que disléxicos eram submetidos a programas para desenvolver o processamento visual. Naqueles estudos, apesar deles apresentarem ganhos em habilidades visoespaciais, seu desempenho em leitura e escrita continuava rebaixado (Grégoire & Piérart, 1997).

A partir dos anos 70, estudos como o de Shankweiler e Liberman (1972) e os de Vellutino et al. (1977) começaram a enfatizar a importância do processamento fonológico para a leitura e a escrita, e o foco passou do processamento visual para o fonológico (Liberman et al., 1982; Torgesen, 1988; Vellutino, 1979). A Hipótese do Déficit Fonológico foi corroborada por inúmeras pesquisas, com evidências de que dificuldades metafonológicas predizem dificuldades ulteriores na aprendizagem da leitura, e de que intervenções para desenvolver consciência fonológica produzem ganhos em leitura e escrita (Bradley & Bryant, 1983; Capovilla & Capovilla, 2000; Cunningham, 1990; Elbro, Rasmussen, & Spelling, 1996; Lie, 1991; Lundberg, Frost, & Petersen, 1988; Schneider et al., 1997; Torgesen & Davis, 1996).

Tais distúrbios fonológicos poderiam levar a diferentes dificuldades, freqüentemente encontradas nos maus leitores, como por exemplo o baixo desempenho em determinados subtestes do WISC, padrão conhecido como perfil ACID, que corresponde a desempenhos inferiores nos subtestes de Aritmética, Código, Informação e Dígitos. De acordo com Nicolson e Fawcett (1994), as dificuldades com o subteste de Dígitos (que requer a repetição de números nas ordens direta e inversa) seriam decorrentes de um distúrbio na estocagem fonológica que, por sua vez, poderia estar relacionada a representações lexicais deficientes (Elbro, 1998). Já as dificuldades no subteste de Informação seriam decorrentes, num primeiro momento, do baixo vocabulário e, num segundo momento, da dificuldade de extrair informação da palavra escrita. Ambas as dificuldades

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comporiam um círculo vicioso, de modo que as crianças que têm menor vocabulário teriam maior dificuldade em apreender significado a partir da leitura, o que levaria a um rebaixamento ainda maior do vocabulário, e assim sucessivamente. Tal processo é denominado por Stanovich (1986) de efeito de Mateus.

Porém, conforme Nicolson e Fawcett (1994), os baixos desempenhos nos subtestes de Código e Aritmética não podem ser bem explicados apenas pela Hipótese do Déficit Fonológico. Alguns outros distúrbios parecem estar subjacentes a tais dificuldades. Por exemplo, Miles (1983) sugere que o baixo desempenho em Aritmética pode estar relacionado a uma dificuldade em aprender associações (como relacionar o número ao seu nome e valor, ou memorizar resultados de operações básicas). Já o subteste de Código estaria relacionado à velocidade de processamento. Aliás, vários estudos têm relatado que os maus leitores e os disléxicos apresentam baixa velocidade de processamento de informação, tanto de informação auditiva quanto de informação visual ou tátil (e.g., Rudel, Denkla, & Broman, 1981; Swanson, 1987).

Assim, atualmente há vastas evidências de que os disléxicos apresentam desempenhos inferiores aos dos normoléxicos em tarefas de consciência fonológica (envolvendo manipulação de fonemas), memória de trabalho fonológica, discriminação de fonemas, velocidade e precisão de acesso léxico (Olson, 1992) e, freqüentemente, eles apresentam, ainda, dificuldades em uma série de tarefas não-verbais, como aritmética e velocidade de processamento de informação. Evidências de dificuldades significativas com memória de trabalho fonológica, discriminação de fonemas e velocidade de processamento foram recentemente documentadas num estudo experimental comparando bons e maus leitores brasileiros (Capovilla, Capovilla, & Silveira, 2000).

É importante considerar, ainda, a influência do sistema ortográfico sobre o tipo de dislexia em interação com o fator causal prevalecente. De acordo com Goswami (1997), em diferentes ortografias, as dificuldades e os padrões de erro dos disléxicos também são diferentes. É necessário, portanto, comparar os desempenhos de crianças brasileiras com os de crianças de outras nacionalidades. Do ponto de vista das correspondências entre grafemas e fonemas, enquanto a ortografia do português usado no

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

Brasil é bastante regular, a do inglês é consideravelmente menos regular (Parente, Silveira, & Lecours, 1997). A maior parte da pesquisa sobre dislexia do desenvolvimento é conduzida com crianças falantes do inglês (Smythe & Everatt, 2000). Os achados focalizando dificuldade de processamento fonológico em disléxicos podem, assim, estar refletindo a influência da ortografia alfabética sobre a aquisição da leitura e escrita em inglês.

Por exemplo, na ortografia ideofonêmica chinesa (Morais, 1994) as crianças freqüentemente apresentam erros por confusão visual, i.e., a troca de caracteres visualmente semelhantes, mas não relacionados fonologicamente. Um erro freqüente também no chinês é a troca semântica, em que um caractere é trocado por outro semanticamente semelhante, mas não relacionado a ele de modo visual ou fonético. Tais erros são bastantes incomuns em ortografias alfabéticas, como o inglês ou o português, e estão relacionados ao aspecto visomorfêmico da ortografia chinesa.

Nesta abordagem que considera a influência da ortografia, Smythe (2000) define dislexia como “uma dificuldade na aquisição de leitura, escrita e soletração que pode ser causada por uma combinação de distúrbios fonológicos, visuais e de processamento auditivo. Podem também estar presentes dificuldades na evocação de palavras e na velocidade de processamento”.

É necessário, portanto, investigar quais são as relações entre a ortografia e as diferentes dificuldades subjacentes aos problemas de leitura e escrita. Pode-se levantar a hipótese de que em cada ortografia haja diferentes fatores causais subjacentes a tais problemas. Ou, por outro lado, os mesmos distúrbios podem ser encontrados, mas com diferentes prevalências em função das características da ortografia.

Para que tal comparação possa ser feita, porém, é preciso desenvolver instrumentos internacionais de avaliação, de forma que crianças de diferentes países possam ser avaliadas com base em um teste padrão, possibilitando as comparações entre ortografias. Um dos instrumentos desenvolvidos com este objetivo é o International Dyslexia Test ou IDT (Smythe & Everatt, 2000), que avalia diferentes aspectos do processamento cognitivo e que está sendo traduzido para diferentes línguas, permitindo a comparação do desempenho de crianças disléxicas e normoléxicas em diferentes países. No presente estudo o International Dyslexia Test foi traduzido para o português

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brasileiro e aplicado a 12 crianças de primeira série de ensino fundamental público, com vistas a obter uma adaptação brasileira preliminar do mesmo e a avaliar os subtestes em que diferem crianças brasileiras com bom e mau desempenho de escrita sob ditado.

Método

Participantes

Participaram do presente estudo 12 crianças (i.e., seis sem dificuldade de escrita sob ditado, e seis com dificuldade de escrita sob ditado) selecionadas a partir de uma amostra de 90 crianças de três turmas de primeira série de uma escola pública de ensino fundamental do interior do estado de São Paulo.

Instrumento

O International Dyslexia Test (Smythe & Everatt, 2000) avalia diferentes aspectos do processamento cognitivo. É dividido em duas partes, uma de aplicação coletiva e outra de aplicação individual.

A parte coletiva contém os seguintes subtestes: 1. Alfabeto: A criança deve escrever as letras do alfabeto em

seqüência; 2. Cópia de formas: A criança deve copiar quatro diferentes formas

geométricas; 3. Aritmética: A criança deve solucionar 20 operações aritméticas

simples;4. Ditado: A criança deve escrever 30 palavras e 10 pseudopalavras

faladas pelo examinador; 5. Memória de curto prazo (digit span): O examinador diz 16

seqüências de dígitos, cada uma com 2-9 dígitos e, após cada uma das seqüências, a criança deve escrever os dígitos;

6. Raciocínio: A criança deve responder ao teste de Matrizes Progressivas Coloridas de Raven, escala especial.

Além desses subtestes, com base no desempenho da criança na parte coletiva são ainda analisados os fatores:

1. Qualidade da escrita;

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

2. Espelhamento de números eventualmente cometidos no subteste de memória de curto prazo.

A parte coletiva contém os seguintes subtestes:1. Leitura de palavras: A criança lê 14 linhas com cinco palavras

cada;2. Leitura de pseudopalavras: A criança lê 10 pseudopalavras;3. Aliteração: O examinador fala três palavras, e a criança deve

identificar qual delas começa com um som diferente das demais;

4. Rima: O examinador fala três palavras, e a criança deve dizer qual termina com um som diferente das demais;

5. Contagem decrescente: A criança deve contar de trás para frente, de três em três números, a partir do número 100;

6. Repetição de palavras: O examinador fala seqüências com 2-5 palavras, e a criança deve repeti-las;

7. Repetição de pseudopalavras: O examinador fala seqüências com 1-4 pseudopalavras, e a criança deve repeti-las;

8. Batidas rítmicas: O examinador bate seqüências rítmicas com um lápis e a criança deve reproduzi-las;

9. Nomeação rápida de figuras: A criança deve nomear uma seqüência de 40 desenhos, sendo quatro diferentes desenhos que aparecem 10 vezes cada um. É computado o tempo total despendido na nomeação;

10. Nomeação de números: A criança deve nomear rapidamente duas linhas com 54 números em cada uma delas. É computado o tempo total despendido na nomeação dos números;

11. Desenho de memória de formas: São mostradas à criança cinco figuras, uma por vez, que ela pode observar por cinco segundos e então deve desenhar de memória;

12. Seqüência de formas: A criança vê uma seqüência de figuras e, depois, sem o estímulo visual inicial, deve organizar um outro conjunto de figuras na mesma seqüência e orientação;

13. Habilidades motoras: O examinador faz uma seqüência de movimentos com as mãos, e a criança deve repeti-la;

14. Discriminação de sons: O examinador fala 20 pares de palavras e a criança deve dizer, para cada par, se as palavras começam ou não com o mesmo som;

15. Repetição inversa de números: O examinador fala oito seqüências com 2-5 dígitos cada uma, e a criança deve repetir a

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seqüência na ordem inversa;16. Seqüências: A criança deve dizer a seqüência dos dias da

semana e dos meses do ano.Assim, os subtestes do IDT avaliam diferentes habilidades

cognitivas, que podem ser agrupadas da seguinte forma:

1) Leitura: de palavras e de pseudopalavras;2) Escrita: Ditado e análise da qualidade da escrita;3) Habilidades matemáticas: Aritmética e contagem decrescente;4) Consciência fonológica: Rima e aliteração;5) Processamento auditivo:

Discriminação fonológica (discriminação de sons);Memória de curto prazo (digit span, repetição de números na ordem inversa, e batidas rítmicas); Memória seqüencial auditiva (repetição de palavras e pseudopalavras);

6) Processamento visual: Discriminação e percepção visual (cópia de formas);Memória de curto prazo visual (desenho de formas de memória); e Memória seqüencial visual (seqüência de formas);

7) Velocidade de processamento: Nomeação rápida de figuras e de números;

8) Seqüenciamento: Alfabeto e seqüências;9) Habilidades motoras;10) Raciocínio: Matrizes Progressivas de Raven.

Desta forma, o IDT objetiva traçar o perfil cognitivo da criança, descrevendo o seu desempenho em cada uma das habilidades avaliadas. Isto permite verificar em quais aspectos o desempenho da criança encontra-se dentro do esperado para sua idade e nível escolar, e em quais aspectos seu desempenho está abaixo ou acima do esperado. Com tal perfil, é possível diagnosticar as dificuldades subjacentes aos problemas de leitura e escrita, e promover intervenções focais e, portanto, bem mais eficazes para a remediação destes problemas.

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

Procedimento

A parte coletiva do IDT foi aplicada às 90 crianças. A partir dos resultados obtidos, foram selecionadas 12 crianças distribuídas em dois grupos: Seis crianças com altos escores em ditado (grupo controle) e seis crianças com baixos escores em ditado (grupo experimental). As seis crianças do grupo experimental eram emparelhadas às seis crianças do grupo controle em todas as características, exceto o desempenho em ditado. Ou seja, elas pertenciam à mesma turma, eram do mesmo sexo, tinham idades equivalentes (com tolerância de até 4 meses), e tinham escores equivalentes no teste Raven (com tolerância de até três pontos no escore bruto), mas tinham os desempenhos o mais discrepante possível no escore de ditado total (i.e., incluindo palavras e pseudopalavras). Este procedimento permitiu comparar crianças com habilidades de raciocínio equivalentes mas com diferentes habilidades de escrita. Para assegurar que a tolerância de até três pontos no escore no teste Raven não afetasse os resultados, os escores nesse teste foram usados como covariante nas análises estatísticas.

Tal delineamento permitiu comparar os desempenhos das crianças nos vários subtestes do IDT, analisando as diferenças de desempenho entre as crianças com e sem dificuldades de escrita, e mantendo controlados o raciocínio, a idade, o sexo e a turma das crianças (i.e., o currículo escolar ao qual elas eram expostas).

Resultados

Foram conduzidas análises de covariância (Ancovas) tendo como variável independente o desempenho de escrita sob ditado (bom e mau), e como variável dependente o desempenho em cada um dos subtestes do IDT. Foi também usado como covariante o desempenho das crianças no teste Raven. O controle do nível de raciocínio das crianças foi feito pois, apesar dos dois grupos serem estatisticamente equivalentes no teste Raven (p = .159), o escore médio do grupo experimental foi inferior ao do grupo controle (14.5 e 18.2, respectivamente).

A Tabela 1 sumaria os resultados, em cada subteste do IDT, dos grupos controle (com boa escrita sob ditado) e experimental (com

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pobre escrita sob ditado). São apresentados os escores médios, conforme as Ancovas, dos dois grupos, as estatísticas p e F obtidas. Os efeitos significativos encontram-se ressaltados em itálico. Após o nome de cada subteste encontra-se descrito, entre parênteses, o escore máximo que poderia ser obtido pelas crianças naquela tarefa.Tabela 1. Resultados dos grupos controle (boa escrita sob ditado) e experimental (pobre escrita sob ditado) em cada subteste do IDT. São apresentados os escores médios, as estatísticas p e F obtidas a partir das Análises de Covariância. Os efeitos significativos encontram-se ressaltados em itálico.

Leitura

Subteste GC GE p F (1, 9)Leitura de palavras Escore total (máximo = 14)

3,25 0,41 0,121 2,92

Leitura de palavras corretas em 1 min

13,87 0,96 0,025 7,22

Leitura de pseudopalavras (máximo = 10)

5,61 0,39 0,006 12,42

Escrita

Subteste GC GE p F (1, 9)Ditado de palavras (máximo = 30)

15,58 1,75 0,000 32,51

Ditado de pseudopalavras (máximo = 10)

5,17 0,17 0,000 30,63

Ditado total (máximo = 40)

20,75 1,91 0,000 35,46

Primeiras letras no ditado (máximo = 40)

35,0 11,0 0,000 45,19

Qualidade da escrita (máximo = 5)

4,17 3,33 0,026 7,09

Habilidades matemáticas

Subteste GC GE p F (1, 9)Aritmética (máximo = 20)

2,81 0,86 0,08 3,90

Contagem decrescente escore em 1 minuto

1,21 1,12 0,93 0,01

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

Consciência fonológica

Subteste GC GE p F (1, 9)

Aliteração (máximo = 10) 7,43 3,91 0,013 9,51

Rima (máximo = 20) 10,79 7,88 0,276 1,35

Processamento auditivo: Discriminação fonológica, memória de curto prazo e memória seqüencial

Subteste GC GE p F (1, 9)Discriminação de sons (máximo = 20)

18,7 16,5 0,208 1,84

Repetição númerosmaior seqüência (máximo = 9)

4,84 2,50 0,018 8,38

Repetição números, total (máximo = 16)

6,84 2,49 0,004 14,28

Repetição inversa números, maior comprim. (máximo = 5)

2,58 2,42 0,64 0,24

Repetição inversa números, total correto (máximo = 8)

2,75 2,42 0,45 0,62

Batidas rítmicas (máximo = 12)

4,23 3,10 0,28 1,35

Repetição de palavras (máximo = 7)

4,63 3,37 0,17 2,18

Repetição de pseudopalavras (máximo = 8)

4,23 3,77 0,46 0,6

Processamento visual: Discriminação e percepção visual, memória de curto prazo visual e memória seqüencial visual

Subteste GC GE p F (1, 9)

Cópia de formas (máximo = 7) 4,38 2,79 0,178 2,13Desenho de formas:

Forma 2 (máximo = 10) 6,05 6,11 0,958 0,003

Forma 3 (máximo = 10) 6,75 6,41 0,773 0,09

Forma 4 (máximo = 10) 4,4 3,8 0,187 2,04

Forma 5 (máximo = 10) 2,9 4,6 0,213 1,79Seqüência de formas:

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a) Total de linhas em seqüência (máximo = 8)

2,76 3,24 0,616 0,27

b) Máximo de cartas em se-qüência correta (máximo = 5)

2,72 3,44 0,33 1,06

c) Erros de rotação em seqüências corretas

1,53 2,31 0,61 0,28

d) Total de erros de rotação 14,01 11,32 0,18 2,12

Velocidade de processamento

Subteste GC GE p F (1, 9)Nomeação rápida de figuras (em segundos)

47,15 64,01 0,113 3,08

Nomeação rápida de números, linha 3 (em segundos)

49,56 82,27 0,006 13,05

Seqüenciamento

Subteste GC GE p F (1, 9)

Alfabeto (máximo = 1) 0,937 0,396 0,041 5,68

Seqüências (máximo = 2) 0,96 0,04 0,013 9,64

Habilidades motoras

Subteste GC GE p F (1, 9)Habilidades motoras: Mão direita (máximo = 3)

2,39 1,78 0,09 3,74

Mão esquerda (máximo = 3) 2,30 2,03 0,49 0,51

Ambas as mãos (máximo = 3) 2,32 2,80 0,75 0,11

Raciocínio: Matrizes Progressivas de RavenSubteste GC GE p F (1, 10)

Matrizes Progressivas de Raven(máximo = 36)

18,2 14,5 0,159 2,31

Reversões

Subteste GC GE p F

Reversões 0,09 0,95 0,50 0.49

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

Conforme a tabela, houve diferença significativa entre os grupos experimental e controle em diversas medidas. Além do escore no Ditado, com base no qual os grupos foram separados, houve diferenças em: Primeiras letras no Ditado, Alfabeto, Aliteração, Leitura de pseudopalavras, Leitura de palavras (total correto em 1 minuto), Nomeação rápida de números, Qualidade da escrita, Repetição de números (dígitos na maior seqüência, total de acertos) e Seqüências. Ou seja, crianças que têm desempenho pobre em escrita sob ditado tendem a ter desempenho significativamente mais pobre em uma série de habilidades avaliadas pelo IDT, em especial naquelas relacionadas a leitura, escrita, consciência fonológica, processamento auditivo, seqüenciamento e velocidade de processamento. Porém, não houve diferença entre os grupos em tarefas relacionadas a habilidades matemáticas, processamento visual e habilidades motoras.

Conclusões

No presente estudo o International Dyslexia Test, um instrumento internacional para a avaliação da dislexia, foi traduzido para o português brasileiro e aplicado a 12 crianças de primeira série de ensino fundamental público, com vistas a avaliar os subtestes em que diferem crianças brasileiras com bom e mau desempenho de escrita sob ditado. O estudo demonstrou que crianças com baixo desempenho em escrita sob ditado também tendem a obter escores rebaixados numa série de subtestes do International Dyslexia Test. Assim, pode-se dizer que a adaptação brasileira do International Dyslexia Test foi eficaz em discriminar entre crianças com bom e mau desempenho de escrita sob ditado e em identificar as várias habilidades cognitivas associadas a esse desempenho, quais sejam leitura, escrita, consciência fonológica, processamento auditivo, seqüenciamento e velocidade de processamento. Assim as dificuldades mais marcantes nas crianças com desempenho pobre em escrita sob ditado foram relacionadas principalmente ao processamento fonológico e seqüencial, e não ao processamento visual ou às habilidades motoras.

Tais achados são semelhantes aos de estudos conduzidos em outras ortografias alfabéticas, como o inglês e o alemão (Cunningham, 1990; Schneider et al., 1997; Torgesen & Davis, 1996), reforçando a

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importância das habilidades de consciência fonológica e de seqüenciamento para a aquisição de leitura e escrita em ortografias que mapeiem a fala no nível fonêmico. Os dados também são compatíveis com o levantamento de literatura de Grégoire (1997), bem como com os dados de Capovilla, Capovilla e Silveira (2000).

Estes resultados corroboram ainda a importância de desenvolver e implementar procedimentos de intervenção que desenvolvam o processamento fonológico, tal como descritos em Capovilla e Capovilla (1998). Tais procedimentos são eficazes para auxiliar a alfabetização em contexto regular de sala de aula, bem como para a remediação de atrasos ou distúrbios de leitura e escrita em crianças disléxicas, conforme comprovado em Capovilla e Capovilla (2000).

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Capítulo 19

Sistema Único de Saúde:A reforma que está dando certo

Adnei Pereira de MoraesPsiquiatra pela Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de BrasíliaEx-prefeito e Secretário Municipal de Saúde de Poços de Caldas, Ex-chefe de Gabinete da Presidência do Inamps, Ex-chefe de Gabinete da Secretaria Nacional de Assistência à Saúde do Ministério da SaúdeConsultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Assessor da Secretaria de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde.e-mail: [email protected]

O Sistema Único de Saúde (SUS) nasceu com a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), mas foi idealizado antes. Em 1982, um documento publicado pelo Ministério da Previdência Social e pelo Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (Inamps) deu iniciou a uma importante reforma no setor saúde, permitindo o acesso aos não previdenciários, ou seja aos que não contribuíam para a previdência social, os benefícios da assistência médica pelo Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social. Foi o Programa de Ações Integradas de Saúde (PAIS) que, depois, evoluiu para Ações Integradas de Saúde (AIS). Uma “concessão” da previdência aos não previdenciários.

Para possibilitar o acesso dos usuários, as prefeituras teriam que oferecer assistência à saúde de suas comunidades, recebendo do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social por produtividade, de forma similar aos prestadores de serviços privados contratados.

Esta abertura de financiamento possibilitou a criação de Secretarias Municipais de Saúde na maioria dos municípios

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brasileiros, que até então entendiam que saúde era uma responsabilidade e uma despesa do âmbito federal e não municipal.

Esta reforma gerou um movimento com novos atores no cenário da saúde: os Secretários Municipais de Saúde. Tais secretários logo se organizaram em uma associação nacional, o Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS). O CONASS, que congrega os secretários estaduais, juntamente com o CONASEMS, foram alavancas fundamentais para as decisões da VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, e que propôs a criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

As conclusões da VIII Conferência Nacional de Saúde (Ministério da Saúde, 1996) foram encaminhadas à Assembléia Nacional Constituinte, merecendo a inclusão dos Artigos 196 a 200 na Constituição Federal que criaram o Sistema Único de Saúde. As leis 8080 e 8142 de 1990, Leis Orgânicas da Saúde (Ministério da Saúde, 1990), regulamentaram a Constituição Federal, possibilitando o início de uma das mais inteligentes e ousadas reformas de saúde do mundo.

Pela primeira vez na história do Brasil a saúde passa a ser um direito de todos e um dever do Estado, com princípios bem definidos, tais como universalidade do acesso, integridade das ações e eqüidade na atenção aos usuários. Também foram delineadas diretrizes claras: Descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo, regionalização e hierarquização da rede e participação comunitária nas decisões (Ministério da Saúde, 2001).

O Sistema Único de Saúde é um sistema constituído por todas as unidades de saúde ambulatoriais e hospitalares, públicas e privadas, contratadas do Brasil, sob a gestão nacional do ministro da saúde, em cada estado pelo secretário estadual de saúde e nos municípios pelo secretário municipal.

Esta rede de serviços de saúde soma hoje mais de 6.000 hospitais e mais de 50.000 pontos de atendimento ambulatorial. Realiza desde ações básicas como vacinação, atendimento domiciliar, consultas e pequenas cirurgias, até procedimentos de alta complexidade como transplantes de coração, fígado, pulmão e medula óssea, hemodiálises, etc.

É um sistema absolutamente democrático pois as decisões não

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são mais verticais como no tempo do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (Inamps), mas pactuadas na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) que se reúne mensalmente, com 15 membros, sendo cinco representantes dos secretários municipais, cinco representantes dos secretários de estado e cinco representantes do ministério da saúde. É importante salientar que os representantes dos estados e municípios na Comissão Intergestores Tripartite são necessariamente escolhidos pelos seus pares, e cada um representa uma das cinco regiões do Brasil, para permitir o convívio com a diversidade da saúde nas decisões.

Embora seja um sistema ainda em construção, os resultados do Sistema Único de Saúde já começam a aparecer. Os quadros abaixo mostram alguns êxitos do Sistema Único de Saúde.

Quadro 1. Comparativo da produção Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (Inamps) de 1981, e Sistema Único de Saúde de 1999, considerando a população geral.

INAMPS 1981População

121.154.159

SUS 1999População

163.947.554%

Consultas 238.392.279 453.376.999 + 90,18%

Consultas1000/Hab./Ano 1.967 2.765

Internações 13.219.231 12.438.286 - 5,9%

Internações1000/Hab./Ano 109,1 75,8

DiagnósticosTerapias 190.141.791 975.445.818 + 513%

Fonte: SIA / Sistema Único de Saúde, SIH / Sistema Único de Saúde, Secretaria de Assistência à Saúde / Ministério da Saúde e Reorganização da Assistência Médica, Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social, 1982.

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Quadro 2. Comparativo da produção Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social de 1981 e Sistema Único de Saúde de 1999, considerando população previdenciária versus geral.

População previdenciária: 100.000.000

SUS 1999população: 163.947.554

Consultas 238.392.279 453.376.999

Consultas1000/Hab./Ano

2.383 2.765

Internações 13.219.231 12.438.286

Internações1000/Hab./Ano

132,1 75,8

DiagnósticosTerapias

190.141.791 975.445.818

Fonte: SIA / Sistema Único de Saúde, SIH / Sistema Único de Saúde, Secretaria de Assistência à Saúde / Ministério da Saúde e Reorganização da Assistência Médica, Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social, 1982.

Como se pode observar no Quadro 1, comparando-se os números dos anos 1981 e 1999, o Sistema Único de Saúde aumentou em 90% o número de consultas e em 513% a oferta de exames diagnósticos e terapias, enquanto diminuía em 5,9% o número de internações, considerando-se que a população cresceu mais de 40 milhões de habitantes no período.

O Quadro 2 compara os números de procedimentos ofertados aos 100.000.000 da população previdenciária em 1981 com o ofertado aos 163.947.554 da população geral do Brasil de 1999. Conforme o quadro, as consultas por 1.000 habitantes/ano e a oferta de exames laboratoriais foram muito maiores em 1999, contrastando com a diminuição das internações.

Nos dois quadros fica evidente o número de internações desnecessárias ou fraudulentas pagas pelo Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social em 1981. Tal situação

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somente foi corrigida com o Sistema Único de Saúde a partir de 1993, com a municipalização da saúde e gestão municipal (Ministério da Saúde, 1993).

Na área da saúde mental, então, as conquistas foram extraordinárias. Desde 1992, quando se iniciou a reforma psiquiátrica no Brasil, capitaneada pelo Dr. Domingos S. N. Alves (Alves, 1996) na coordenação nacional de saúde mental do Ministério da Saúde, os números mostram um avanço digno dos elogios que recebeu da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em função dos dispendiosos gastos com a assistência psiquiátrica hospitalar, com qualidade discutível e resultados duvidosos, o Ministério da Saúde realizou em 1992 a II Conferência Nacional de Saúde Mental e deu inicio à reforma criando uma Comissão Nacional de Reforma Psiquiátrica, envolvendo prestadores, trabalhadores em saúde mental e usuários dos serviços e, por meio de diversas portarias, implementou medidas para reformular o modelo de atenção, até então centrado nos hospitais.

Aquele modelo desumano e autoritário está sendo alterado, gradativamente e sem traumas, para um modelo centrado nas atividades ambulatoriais, nos hospitais gerais, nos hospitais-dia e nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), com base nas mais modernas técnicas terapêuticas contemporâneas, privilegiando as equipes multiprofissionais em substituição ao foco centrado no médico. Foram suspensos os contratos do Sistema Único de Saúde com hospitais públicos e privados que descumpriram as normas e quase 25.000 leitos psiquiátricos foram fechados em pouco mais de oito anos, conforme o Quadro 3. Simultaneamente, foram criadas alternativas mais humanas e de maior eficácia na atenção aos portadores de sofrimento psíquico.

Quadro 3. Evolução dos leitos psiquiátricos no Brasil.

Ano 1991 1999

Leitos 86.037 61.753

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Fonte: Coordenação de Saúde Mental / Secretaria de Assistência à Saúde / Ministério da Saúde.

Complementando estes avanços, o Ministério da Saúde está implementando uma revolucionária política de atenção à saúde do idoso. Além da vacinação contra a gripe que proporcionou uma considerável diminuição das internações e mortes de idosos, foram criados os hospitais de referência para idosos e a internação domiciliar remunerada, que preconiza o tratamento dos idosos menos graves em casa, remunerando o hospital e incentivando financeiramente o município que o adotar.

Com esta ação e regulamentação, humaniza-se o atendimento do idoso, que é afastado dos hospitais. Isto livra o idoso do risco de infecção hospitalar e, ao mesmo tempo, disponibiliza mais leitos para os usuários de urgência.

O Sistema Único de Saúde é ainda uma criança, e está evoluindo para a adolescência com os seus 12 anos de idade. O que já está apresentando de melhorias e de resultados nos faz projetar para a sua maturidade um enorme sucesso.

Referências bibliográficas

Alves, D.S.N. (1996). A reforma da assistência psiquiátrica no Brasil. Brasília, DF: Ministério da Saúde, Coordenação Nacional de Saúde Mental.

Brasil (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.

Ministério da Saúde (1990). Lei Orgânica da Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, Assessoria de Comunicação Social.

Ministério da Saúde (1996). Relatório Final da VIII Conferência Nacional de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, Assessoria de Comunicação Social.

Ministério da Saúde (1993). Descentralização das Ações e Serviços de Saúde: A ousadia de cumprir e fazer cumprir a Lei. Brasília, DF: Ministério da Saúde, Assessoria de Comunicação Social.

Ministério da Saúde (2001). Regionalização da Assistência à Saúde. Norma Operacional da Assistência à Saúde, Sistema Único de

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Saúde 01/01. Brasília, DF: Ministério da Saúde, Secretaria de Assistência à Saúde.

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Capítulo 20

Instrumentos para avaliar desenvolvimento dos vocabulários receptivo e expressivo, e consciência fonológica, normatizados de maternal a segunda

série e validados com medidas de leitura e escrita 12

Alessandra G. S. Capovilla Psicóloga, Mestre, Doutora e Pós-Doutora pela Universidade de São PauloOrientadora do Doutorado em Psicopedagogia, Universidade de Santo AmaroPesquisadora Associada do Laboratório de Neuropsicolingüística CognitivaUniversidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Fernando C. CapovillaPsicólogo, Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília Ph.D. em Psicologia Experimental pela Temple University of PhiladelphiaLivre Docente em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de São PauloProfessor Associado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Este capítulo descreve três instrumentos para avaliação da linguagem em termos de desenvolvimento lexical e metafonológico (um teste de vocabulário receptivo auditivo, uma lista de checagem de vocabulário expressivo, e uma prova de consciência fonológica), bem como dois estudos preliminares que comprovam sua validade.

Estudo 1. Desenvolvimento lingüístico na criança dos dois aos seis anos: Peabody Picture Vocabulary Test de Dunn &

Dunn, e Language Development Survey de Rescorla

12 Apoio: CNPq e FAPESP.

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Atraso de linguagem é o problema de desenvolvimento mais comum em pré-escolares e correlaciona-se com distúrbios posteriores de aprendizagem. Pode ser identificado por meio da avaliação do número de palavras faladas e compreendidas, já que aos dois anos de idade o vocabulário expressivo mínimo é de 50 palavras com combinações de duas a três palavras. Metade das crianças com atraso de fala aos 24-30 meses apresentará atraso severo entre três e quatro anos. No Brasil faltam instrumentos normatizados para identificar precocemente atraso de linguagem. O estudo trata das traduções brasileiras (Capovilla & Capovilla, 1997b; Capovilla, Capovilla et al., 1997) da versão hispanoamericana do Peabody Picture Vocabulary Test ou PPVT (Dunn et al., 1986a, 1998b), traduzido e adaptado como Teste de Vocabulário por Imagens Peabody (TVIP); e da Language Development Survey ou LDS (Rescorla, 1989), traduzida e adaptada como Lista de Avaliação de Vocabulário Expressivo (LAVE).

O TVIP é uma prova de vocabulário receptivo, uma vez que avalia a compreensão do vocabulário. Nele a criança deve apontar a figura que corresponde à palavra que ouve. A LAVE, por outro lado, é uma prova de vocabulário expressivo, uma vez que avalia o vocabulário em termos das palavras que a criança emite, segundo o relato da mãe. O vocabulário auditivo receptivo é um requisito para a recepção e o processamento de informação auditiva. Portanto, a extensão do vocabulário é uma importante medida da habilidade intelectual. O vocabulário receptivo está fortemente correlacionado à habilidade de leitura e ao quociente de inteligência (Eysenck & Keane, 1990). Além disso, programas voltados à expansão do vocabulário tendem a ter forte impacto sobre a compreensão da leitura.

O Teste de Vocabulário por Imagens Peabody (TVIP) avalia o desenvolvimento lexical no domínio receptivo, i.e., as habilidades de compreensão de vocabulário, de crianças de dois anos e seis meses até 18 anos de idade. É indicado para avaliar o nível de desenvolvimento da linguagem receptiva em pré-escolares, e em crianças ou adultos que não lêem, não escrevem ou não falam. Sua versão computadorizada TVIP-Comp (Capovilla, Thiers et al., 1998) permite avaliar crianças com severos impedimentos neuromotores e de fala e está sendo normatizada. A presente tradução foi feita a partir da adaptação hispanoamericana (Dunn et al., 1986a, 1986b), que consiste

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em cinco pranchas de prática e 125 pranchas de teste, organizadas em ordem crescente de dificuldade. As pranchas são compostas de quatro desenhos de linha preta em fundo branco. O teste é organizado de acordo com um modelo de múltipla escolha. A tarefa do examinando é apontar, dentre as alternativas, a figura que melhor representa a palavra falada pelo examinador. A reordernação dos 125 itens, conforme seu grau de dificuldade na tradução e adaptação brasileira, pode ser encontrada em Capovilla, Nunes et al. (1997b). Dados da validade do TVIP por comparação com o vocabulário expressivo podem ser encontrados em Capovilla e Capovilla (1997b), e dados de validade concorrente do TVIP por comparação com o desempenho escolar podem ser encontrados em Capovilla, Nunes et al. (1997a). Dados da versão computadorizada do TVIP por comparação com a versão em papel e lápis podem ser encontrados em Capovilla, Thiers et al. (1998).

A Lista de Avaliação de Vocabulário Expressivo (LAVE) foi desenvolvida por Rescorla (1989) para identificar atraso de linguagem em crianças a partir de dois anos de idade. Ao possibilitar uma detecção precoce de tal atraso, permite intervir a tempo de obter resultados satisfatórios. A LAVE foi por nós traduzida e adaptada (Capovilla & Capovilla, 1997b). Consiste em duas partes: Um questionário em que são pedidas informações sobre a criança e sua família, e uma lista com 309 palavras arranjadas em 14 categorias semânticas. A LAVE deve ser respondida preferencialmente pela mãe, que deve preencher o questionário e assinalar quais palavras a criança fala espontaneamente.

Participaram do estudo 238 crianças entre dois e seis anos de idade. Destas, 103 crianças eram de escola pública municipal e 135 de escola particular, alunas do maternal ao pré 3.

A Figura 1 representa os efeitos do nível escolar da criança sobre os escores no TVIP (à esquerda) e na LAVE (à direita). Os escores em os testes foram função direta monotônica do nível escolar da criança, F (3, 111) = 100,2, p = 0,000 e F (3, 109) = 7,03, p = 0,000, respectivamente. Houve maior regularidade e menor variabilidade na função do TVIP do que na função da LAVE.

Os escores no TVIP e na LAVE também foram função monotônica da idade da criança em anos, F (4, 110) = 56,04, p =

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

0,000 e F (4, 120) = 3,44, p = 0,011, respectivamente, e em semestres, F (8, 106) = 40,35, p = 0,000 e F (7, 117) = 2,9, p = 0,008. Além disso, houve efeito do tipo de escola (particular versus pública), sendo que de forma geral os desempenhos das crianças da escola particular foram superiores aos da escola pública no TVIP, F (1, 145) = 15,17, p = 0,000, e na LAVE, F (1, 161) = 4,87, p = 0,029. Análise de regressão dos escores na LAVE sobre os escores no TVIP revelou correlação positiva r = 0,36, F (1, 120) = 17,5, p = 0,000, ou seja, as crianças que se desempenham bem em um dos testes tendem a desempenhar-se bem também no outro, mostrando correlação entre os desenvolvimentos dos vocabulário receptivo e expressivo. Foram desenvolvidas tabelas preliminares de normatização dos escores de vocabulário receptivo no TVIP e expressivo na LAVE para maternal a pré 3 (Capovilla & Capovilla, 1997b). A metodologia da normatização foi a mesma empregada em Capovilla, Nunes et al. (1997).

M P1 P2 P310203040506070

Nível escolar da criança

Esco

re e

m T

VIP

M P1 P2 P3240

250

260

270

280

290

300

Nível escolar da criança

Esco

re e

m L

AVE

Figura 1. Efeitos do nível escolar da criança (M: Maternal; P1: Pré 1; P2: Pré 2; P3: Pré 3) sobre os escores no TVIP (à esquerda) e na LAVE (à direita). Dados de médias e erros padrão.

Nas presentes traduções, LAVE e TVIP mostraram-se instrumentos úteis para avaliar o desenvolvimento lingüístico da criança brasileira entre dois e seis anos de idade, em termos de vocabulários expressivo e receptivo, respectivamente. Foram bastante sensíveis ao nível escolar, à idade das crianças e ao tipo de escola. O estudo identificou correlação positiva significativa entre os

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desempenhos na LAVE e no TVIP. Forneceu também tabelas preliminares de normatização das presentes traduções de ambos os testes, com o objetivo de permitir um pano de fundo para avaliar o desempenho lingüístico de crianças entre dois e seis anos. Com base na análise de itens permitida pelo presente estudo e pelo estudo de Capovilla, Nunes et al. (1997b), a ordem das pranchas foi refeita de acordo com o grau de dificuldade apresentado pelas crianças do maternal à oitava série. Tal reordenação encontra-se no Apêndice 3 daquele estudo.

Dado o enorme uso do TVIP na bibliografia mundial em psicologia do desenvolvimento, a publicação de sua adaptação brasileira e normas fez com que o teste fosse ainda mais procurado em nosso país. Infelizmente, contudo, dada a ausência de fornecedores nacionais, os pesquisadores brasileiros têm tido que importar esse teste a um custo elevado. Com vistas a resolver de vez este problema, contornando direitos comerciais e copyright que impedem a publicação do teste propriamente dito, mais recentemente, temos trabalhado no Teste de Vocabulário por Figuras USP (TVFUSP) em suas versões papel e lápis (Capovilla & Capovilla, no prelo b) e computadorizada (Capovilla, Macedo, & Capovilla, no prelo). Estudos preliminares de validação e normatização (Capovilla & Capovilla, no prelo a) de TVFUSP por comparação com TVIP revelam que TVFUSP é tão válido e sensível quanto o TVIP. TVFUSP também foi recentemente adaptado para avaliar o vocabulário receptivo visual de crianças surdas na Língua de Sinais Brasileira Libras (Capovilla, Viggiano, Capovilla, no prelo) conforme o dicionário de Capovilla e Raphael (2001), sendo que essa versão em Libras (TVFUSP-Libras) encontra-se validada e normatizada com 600 crianças de primeira a oitava série do ensino fundamental de São Paulo.

Estudo 2. Desenvolvimento da consciência fonológica, correlações com leitura e escrita e tabelas de normatização

Conforme a teoria de duplo processo (Morton, 1989), a leitura competente faz uso de duas rotas. Na rota fonológica, o acesso à pronúncia e ao significado é indireto, já que é mediado por um processo de conversão de segmentos ortográficos em locucionais conforme regras de correspondência. Na lexical, não há tal mediação

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(ou as unidades são maiores, correspondendo aos morfemas ou às próprias palavras), mas um processo visual direto, holístico. A rota fonológica é essencial para adquirir leitura competente da ortografia alfabética. Por sua vez, o processamento fonológico envolvido na leitura fonológica requer boa capacidade de memória verbal de trabalho e de longo prazo, bem como habilidades de consciência fonológica (i.e., habilidade de discriminar e manipular sons da fala).

Neste estudo, 175 crianças de pré 1 a segunda série foram testadas em habilidades intelectuais, de leitura e escrita (no início do ano escolar) e fonológicas (no início, meio e fim do ano escolar). A Prova de Consciência Fonológica por produção oral (PCF-Oral) (Capovilla & Capovilla, 1998) foi desenvolvida para avaliar dez habilidades específicas de consciência fonológica. Ela é composta de dez subtestes, sendo cada subteste composto de dois itens de treino e de quatro itens de teste. Os escores da PCF-Oral correspondem à freqüência de acerto, e varia de zero a 40. A PCF-Oral avalia dez habilidades na seguinte ordem: 1) Síntese silábica (e.g., "junte essas sílabas /ca/, /ne/, /ta/": /caneta/); 2) Síntese fonêmica (e.g., "junte esses sons /g/ /a/ /t/ /o/”: /gato/); 3) Julgamento de rima (e.g., "repita as palavras que terminam com o mesmo som: /peito/, /rolha/, /bolha/”: /rolha/ e /bolha/); 4) Julgamento de aliteração (e.g., "repita as palavras que começam com o mesmo som: /colar/, /fada/, /coelho/": /colar/ e /coelho/); 5) Segmentação silábica (e.g., "separe as sílabas de /fazenda/": /fa/, /zen/, /da/); 6) Segmentação fonêmica (e.g., "separe os sons de /aço/": /a/, /ç/, /o/); 7) Manipulação silábica (e.g., "junte a sílaba /bo/ ao início de /neca/": /boneca/); 8) Manipulação fonêmica (e.g., "junte o som /l/ ao início de /ouça/": /louça/); 9) Transposição silábica (e.g., "repita de trás para frente as sílabas de /boca/": /cabo/); e 10) Transposição fonêmica (e.g., "repita de trás para frente os sons de /sala/": /alas/).

A leitura em voz alta foi avaliada por meio do software CronoFonos (Capovilla, Capovilla, & Macedo, 2001) que apresentou uma lista de 190 itens psicolingüísticos normatizada conforme a partir de critérios de erro definidos (Capovilla & Capovilla, 2000). O software registrava a resposta da criança, a freqüência de segmentos identificados, o tempo de reação e a duração locucionais. Os itens variavam em termos de regularidade, lexicalidade, freqüência e comprimento. A escrita foi avaliada por meio de uma prova de ditado

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composta por 72 dos 190 itens da Prova de Leitura, também controlados em termos das variáveis psicolingüísticas. A lista de 72 itens para ditado também encontra-se normatizada (Capovilla & Capovilla, 2000).

Finalmente, a inteligência geral foi avaliada por meio da Escala de Maturidade Mental Colúmbia ou EMMC (Burgemeister, Blum, & Lorge, 1959). O resultado na EMMC foi usado na forma de estanino, um escore padronizado que varia de 1 a 9 pontos.

O estudo teve três avaliações, nos meses de março, agosto e novembro. Na primeira avaliação, participaram todas as 175 crianças. As do pré 1, pré 2 e pré 3 foram avaliadas na EMMC e na PCF-Oral. As de primeira e segunda séries foram avaliadas também em leitura em voz alta e escrita sob ditado. Na segunda e na terceira avaliações, 122 das 175 crianças de pré 1 a segunda série foram novamente testadas na PCF-Oral. Neste estudo, foram analisados os dados referentes à primeira avaliação da PCF-Oral, da leitura e do ditado. Quanto à leitura, foram analisados somente os dados relativos à freqüência de erros. Os dados relativos aos padrões temporais (freqüência de segmentação, tempo de reação e duração locucionais) podem ser encontrados em Capovilla, Capovilla e Macedo (1998). Os dados referentes à segunda e à terceira avaliações da PCF-Oral foram usados para derivar as tabelas preliminares de normatização.

A Tabela 1 sumaria os escores médios de cada nível escolar na PCF-Oral e nos seus subtestes. Tais resultados referem-se à avaliação de março (início do ano escolar). O desempenho geral na PCF-Oral foi função da idade em anos, F (6, 164) = 3,68; p = 0,002, e em semestres, F (12, 16) = 2,26; p = 0,011, e do nível escolar das crianças, F (4, 17) = 6,19; p = 0,000. Os escores específicos em cada subteste também foram função direta da idade e do nível escolar. Os subtestes de consciência silábica tiveram maiores escores e menores tempos de reação que os de consciência fonêmica. Assim, o desenvolvimento da consciência silábica parece preceder claramente o da fonêmica.

A partir desses resultados obtidos no início do ano escolar, bem como dos resultados na PCF-Oral no meio e no final do ano escolar, foram obtidas tabelas de normatização dos escores na PCF-Oral, que podem ser encontradas em Capovilla e Capovilla (2000).

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De modo a verificar se houve diferenças nos escores e nos tempos de reação como função do nível escolar e do tipo de subteste, foram conduzidas Anovas bifatoriais mistas 5x10 (cinco níveis escolares e dez subtestes). De modo geral, os subtestes com menores escores foram aqueles com maiores tempos de reação. Ou seja, as crianças tenderam a despender mais tempo para realizar as tarefas em que erraram mais. Tais tarefas podem ser, por isso, concebidas como mais difíceis. Os subtestes de consciência fonêmica produziram escores menores e tempos de reação maiores do que os de consciência silábica. Conforme a literatura, tais dados sugerem que a consciência silábica desenvolve-se mais rapidamente que a fonêmica.

Tabela 1. Escores médios na PCF-Oral e nos subtestes componentes para cada nível escolar.

Pré 1 Pré 2 Pré 3 1ª Série 2ª Série Médias

PCF 10,45 13,67 18,94 27,57 31,79 22,94Síntese Silábica 3,89 3,91 3,85 3,97 3,98 3,93Síntese Fonêmica 0,48 0,87 1,59 2,40 2,98 1,95Rima 1,09 2,15 2,44 3,31 3,25 2,66Aliteração 1,59 1,59 2,16 3,47 3,73 2,78Segmentação Silábica 2,36 3,06 3,72 3,99 3,98 3,59Segmentação Fonêmica 0,09 0,15 0,26 1,03 1,73 0,85Manipulação Silábica 0,66 1,41 2,44 3,72 3,98 2,81Manipulação Fonêmica 0,29 0,33 1,09 2,25 3,19 1,78Transposição Silábica 0,00 0,17 1,35 3,10 3,62 2,08Transposição Fonêmica 0,00 0,04 0,03 0,33 1,35 0,51Médias 1,04 1,37 1,89 2,76 3,18

Análises de regressão da freqüência de erros na leitura e no ditado sobre o escore na PCF-Oral revelaram correlações negativas, r = -0,54 e -0,59, F (1, 90) = 37,6 e 48,32, p = 0,000 para ambas. Assim, o desempenho geral na PCF-Oral esteve positivamente correlacionado com os desempenhos em leitura e em ditado. Ou seja, quanto maior o

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escore na PCF-Oral, menor a freqüência de erros em leitura e ditado. O mesmo ocorreu com a maioria dos subtestes da PCF-Oral. Desta forma, o desenvolvimento da consciência fonológica parece ocorrer de forma paralela aos da leitura e escrita, o que corrobora a literatura (Share, 1995).

Assim, as hipóteses teóricas subjacentes ao estudo, de forma geral, foram confirmadas. Basicamente, encontrou-se evidência de correlação entre os desenvolvimentos da consciência fonológica, leitura e escrita. Com este estudo os pesquisadores brasileiros passam, ainda, a contar com um instrumento para avaliar o grau de desenvolvimento da consciência fonológica de crianças de pré-escola a segunda série. Com as tabelas de dados normativos, torna-se possível identificar crianças com atraso em consciência fonológica de modo a prover intervenção de treino para a prevenção e/ou a remediação de problemas de aquisição e desenvolvimento de leitura e escrita. Programas de intervenção com treino de consciência fonológica foram implementados (Capovilla & Capovilla, 1997a, 2000, 2002; Capovilla, Capovilla et al., 1998) e mostraram-se eficazes para melhorar o desempenho em consciência fonológica, leitura e escrita. Assim, as crianças brasileiras podem contar com recursos para melhorar seu desenvolvimento escolar e sua eficiência no manejo da língua nas formas oral e escrita.

A publicação de tabelas de dados normativos de crianças de 7 a 9 anos de idade na prova de leitura em voz alta CronoFonos e na Prova de Consciência Fonológica por produção oral (PCF-Oral) (Capovilla & Capovilla, 2000; Capovilla, Capovilla, & Silveira, 1998) permitiu a condução de pesquisa experimental clínica sobre aquisição de leitura e escrita em pequenos grupos de crianças. Com vistas a permitir pesquisas experimentais educacionais com grandes grupos de crianças, foram desenvolvidas e normatizadas provas de leitura e de consciência fonológica para aplicação coletiva em sala de aula: a Prova de Consciência Fonológica por Escolha de Figuras ou PCF-Figura (Capovilla & Capovilla, no prelo c) e o Teste de Competência de Leitura Silenciosa ou TeCoLeSi (Capovilla, Capovilla & Macedo, no prelo; Capovilla, Macedo & Charin, 2002). Estudo recente de validação do TeCoLeSi (Capovilla & Capovilla, 2001) demonstrou que crianças com desempenho médio igual ou abaixo de um desvio padrão no TeCoLeSi apresentam menor discriminação fonológica,

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menor velocidade de processamento fonológico, e menor capacidade de memória de trabalho fonológica.

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

Capítulo 21

Psicologia, educação e escola: Analisando algumas relações

Ana Maria F. A. SadallaPsicóloga e Doutora em Educação pela Universidade Estadual de CampinasDocente da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas13

e-mail: [email protected]

A discussão acerca da tríade Psicologia, Educação e Escola, sugerida neste título, poderia ser objeto de um evento científico inteiro porque cabe, aí, um grande número de possibilidades de análise. Assim, é mister informar que ao tema proposto foi acrescentado um subtítulo com o intuito de recortar a discussão de forma que não crie, no leitor, expectativas que não serão satisfeitas quanto ao que poderá aqui ser analisado.

Sempre que estamos diante de um contexto educativo e nos apresentamos como psicólogos, somos solicitados a informar algumas possibilidades de contribuições que podem ser oferecidas ao processo de ensino e aprendizagem. Se há o pressuposto de que a Psicologia é a ciência que estuda o comportamento, deve-se considerar o fato de que não há uma possibilidade de análise deste objeto, pois depende da abordagem epistemológica e metodológica, bem como das concepções subjacentes às teorias utilizadas para explicar este fenômeno.

Podemos considerar como exemplo uma sala de aula. Ela pode ser analisada sob diferentes perspectivas, dependendo das teorias implícitas e dos procedimentos de análise. O engenheiro pode analisá-la observando sua estrutura física, vigas e colunas. O terapeuta ocupacional pode entrar na sala e analisar as possibilidades que um deficiente físico tem para se movimentar dentro dela. O fonoaudiólogo poderá considerar suas dimensões para analisar os riscos que haverá

13 Agradeço a colaboração da colaboradora de pesquisa, Roberta G. Azzi.

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para a voz de um profissional que ficar durante o dia tentando falar com todos os alunos presentes. O psicólogo poderá buscar analisar o estabelecimento de relações interpessoais permitidas naquela sala de aula, com aquele mobiliário, ventilação, iluminação, etc. Assim, apesar de ser o mesmo objeto de estudo – a sala de aula – ele poderá ser observado e analisado sob diferentes perspectivas. O mesmo ocorre com a Psicologia. Sua definição aponta que o comportamento é seu objeto, mas, dependendo das teorias que buscam explicá-lo, estará em foco uma ou outra dimensão comportamental, recebendo maior ou menor influência dos aspectos hereditários e sociais. Não podemos afirmar que determinada teoria é a mais adequada para explicar o comportamento, mas sim, dizer que aí temos interlocutores com quem compartilhamos a visão de homem, de mundo, de ensino, de aprendizagem e de educação.

Voltando-nos, ainda, para os elementos da tríade apontada no título deste capítulo, é importante informar que entendemos por Educação o "processo por meio do qual indivíduos adquirem domínio e compreensão de certos conteúdos considerados valiosos" (Chaves, 1979, p. 13). Sem dúvida que há diversos elementos que merecem ser analisados nesta conceituação, mas para o objetivo deste capítulo, basta considerar que a educação envolve a compreensão e o domínio de certos conteúdos e que a educação ocorrida através de atividades de ensino tem um caráter intencional.14 Deixa-se, assim, de lado a idéia de acaso para abraçarmos a concepção de algo que foi planejado, analisado e elaborado por indivíduos inseridos num determinado contexto, que para nosso objetivo, pode ser a escola.

Sem entrar no mérito da educação formal e informal, pode-se dizer que a Escola é a instituição especialmente criada e organizada com o objetivo de educar. Nesta instituição, o psicólogo foi sendo chamado a entrar sob diferentes argumentos, sendo o principal aquele relacionado à busca de explicações acerca do fracasso escolar. Inicialmente, as teorias psicológicas contribuíam para que o psicólogo acreditasse que este fenômeno tinha sua origem nos determinantes situados prioritariamente no aluno. Esta crença oferecia explicações biológicas que buscavam compreender o fracasso como dependente unicamente da pessoa, de suas deficiências ou desajustamentos,

14 Para maiores detalhes a respeito do conceito de Educação, ver Chaves (1979) ou http://www.chaves.com.br.

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restando à educação apenas adaptá-la, o que tinha como conseqüência grupos marginalizados e estigmatizados. Apesar disto, a escola continuava sem saber como agir face à diversidade e do não aprender do aluno.

Depois, a explicação passou da dimensão biológica para a social, e os psicólogos novamente tendiam a justificar a queixa escolar com a pobreza, a carência, a desnutrição e a falta de interesse dos pais, por exemplo. Do mesmo modo, apesar de muitos programas que buscavam compensar as chamadas deficiências, as mudanças metodológicas e curriculares não trouxeram aos professores respostas ou a possibilidade de assumir sua parcela de responsabilidade diante das dificuldades, levando-os novamente às explicações provenientes dos psicólogos.

Deve-se ter em mente que se o fenômeno do fracasso escolar é produzido socialmente, como aponta Patto (1990), e apesar da abundância dos conhecidos cursos de capacitação docente organizados pelos órgãos públicos, estes não forneceram como resultado as mudanças efetivas previstas para ocorrerem na sala de aula porque deixaram de considerar um aspecto fundamental. Os professores não careciam de estratégias ou atividades específicas para aqueles alunos, já que isto é vastamente encontrado em publicações, com sugestões feitas para que sejam cumpridas mais ou menos à risca. Os docentes precisavam ser considerados como sujeitos do processo de ensino e aprendizagem, sendo seres pensantes e passíveis de análises e críticas fundamentais.

Estamos, então, diante de um impasse? Professores não sabem como agir e chamam psicólogos que justificam a queixa escolar como sendo proveniente de aspectos psicológicos, biológicos, sociais ou didático-pedagógicos. A solução, entretanto, não está na alteração destes aspectos para que o processo de ensino e aprendizagem possa ocorrer de modo satisfatório para todos. Se partirmos do princípio de que as crenças são as idéias fundamentais das pessoas a respeito de suas experiências de vida, e afetam diretamente as suas ações, quer se admita conscientemente estas crenças, quer não (Raymond & Santos, 1995), o que se deve questionar é como alterar as crenças dos professores. São essas crenças que influenciam as escolhas pedagógicas que, por sua vez, interferem nas práticas cotidianas e que acabam por influenciar as crenças (Sadalla, 1998). A Psicologia e, em

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especial, aquela diretamente voltada para as áreas Escolar e Educacional, pode fornecer uma contribuição inestimável para a discussão do fracasso escolar, auxiliando o professor a tomar consciência de suas crenças, clareando os elementos e as relações aí presentes.

Tomando um exemplo corrente na escola, o chamado olho clínico do professor, aquele que aponta desde o início do ano aqueles alunos que não vão aprender, não está baseado em premonições docentes. Desde Rosenthal e Jacobson (1966), os pesquisadores têm demonstrado que a relação entre crença e ação docente influencia sobremaneira a prática pedagógica cotidiana (Sadalla, 1998). No nosso exemplo, o professor é guiado, mesmo que de forma inconsciente, a atuar no sentido de confirmar suas previsões iniciais, não buscando estratégias de ação que sejam mais adequadas para aquele aluno em especial. Acaba deixando de contribuir com a promoção de sua aprendizagem e, ao final do ano, percebe que tinha razão: Aquele aluno realmente não aprendeu...

Na maioria das vezes, buscando desesperadamente soluções para casos de alunos que têm uma história de fracasso escolar, professores os têm encaminhado a atendimentos por profissionais especializados, na busca por explicações e justificativas, que continuam a colocar no aluno a responsabilidade pelo não aprender. Entretanto, alguns estudos a respeito dos encaminhamentos e atendimentos de crianças com queixa escolar têm demonstrado que quando um aluno não consegue aprender pelos padrões vigentes na escola, também os professores nem sempre sabem determinar ou interpretar quando a causa da não aprendizagem está relacionada a fatores intrínsecos ou extrínsecos à escola, sendo o caminho mais fácil atribuir à criança, principalmente por suas características orgânicas, o fracasso (Rossini, 1997).

Leite (1999) analisou como o corpo docente de uma região do estado de São Paulo julgava os determinantes do fracasso escolar, refazendo uma pesquisa já realizada em 1993. Surpreendem-nos os resultados, pois apesar de terem sido apontadas causas centradas no aluno (70%), na escola (52%), na família (44%) e na política educacional (22%), ainda persistem as explicações centradas no aluno como tendo a maior parcela de responsabilidade nos principais índices de queixa escolar.

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Deve haver uma alteração substancial nos paradigmas que a escola tem utilizado para explicar e justificar o fato de as crianças não conseguirem aprender. A escola, por não saber o que fazer, encaminha este aluno para o médico que, salvo raras e preciosas exceções, aponta a existência de causas orgânicas e prescreve medicamentos com a intenção de melhorar o seu desempenho escolar, contribuindo, apenas para referendar a idéia da medicalização do fracasso. Também por não saber o que fazer, a escola muitas vezes encaminha esta criança ao psicólogo que, a partir de uma visão psicologizante, retira o aluno da sala de aula, aplica uma bateria de testes e o devolve para a professora com um diagnóstico que, mesmo sendo bem fundamentado, não vai contribuir com a alteração da situação que levou ao encaminhamento.

Não estamos querendo dizer que não há crianças que tenham um problema de cunho orgânico e que, sem dúvida, precisam de medicamentos específicos que vão ajudá-la tanto no seu processo de aprendizagem como na sua vida. Sem dúvida, há também alunos que chegam a determinadas séries escolares sem os fundamentos necessários para que possam acompanhar aquilo que é ensinado na classe. Para estes casos, também a Psicologia pode contribuir com discussões que alterem as estratégias de ensino utilizadas em classe. Mas, principalmente, estamos falando da grande maioria dos alunos encaminhados para atendimentos, que em muitos casos, bastaria que o professor fosse bem orientado para que sua prática produzisse um ensino eficaz.

Em 1984, fomos contratados pela Secretaria Municipal de Saúde da cidade de Itu no estado de São Paulo, para substituir um psicólogo que estava deixando o atendimento que realizava no Centro de Saúde. Das 120 crianças que compunham a clientela daquele profissional, mais de 90 delas poderia ter sua dificuldade resolvida se a escola fosse orientada a agir de modo diferente. A partir desta análise, propusemos o serviço de saúde escolar municipal, atuando comuma equipe multidisciplinar, composta por médicos, fonoaudiólogos, psicólogos e auxiliares de saúde, que tinha na escola seu espaço de ação.15 Nossa atuação era fundamentada na idéia de que o professor e a família do aluno deveriam acompanhar todo o trabalho, havendo discussões sistemáticas e freqüentes em que analisávamos a relação entre saúde e educação. Estávamos na escola, mas não para 15 Este trabalho foi objeto da dissertação de mestrado de Sadalla (1989).

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diagnosticar apenas as crianças. E vez disso, principalmente participando da dinâmica escolar, podíamos contribuir com a constituição de um processo de ensino e aprendizagem eficaz e referendado em reflexões.

Devemos deixar claro que não basta deixar de culpar o aluno e, ainda equivocadamente, passar a responsabilizar o professor por toda a história de fracassos na qual a educação brasileira está mergulhada. A Psicologia precisa assumir seu compromisso social, buscando promover a autonomia dos membros participantes do processo de ensino e aprendizagem, contribuindo para desenvolver a reflexividade de professores, pais, funcionários e alunos, ajudando a escola a ter uma atuação mais competente, na direção daquilo que ela pretende alcançar.

Para ser psicólogo especialista nas áreas escolar e educacional, não basta ter feito um bom curso que tenha ensinado as mais modernas técnicas e procedimentos de avaliação. É fundamental que possamos ser capazes de devolver ao professor a sensação de alegria, eficácia e sucesso diante de escolas públicas cada vez menos equipadas, que remuneram mal e que são carentes tanto de material como de profissionais, mas que são passíveis de um trabalho de qualidade.

A experiência e as pesquisas têm demonstrado que o modelo antigamente utilizado de retirar as crianças da sala de aula, avaliar e devolver ao professor, não está funcionando há tempos. Não houve alterações substanciais que auxiliassem o processo de ensino e aprendizagem, ou mudanças de estratégias e de paradigmas. Este modelo é deficiente principalmente pelo fato de o professor continuar sem saber que decisões deva tomar.

Em outros trabalhos (Sadalla, 1998; Sadalla et al., 2000), já apontamos que o cotidiano do professor é constituído de uma sucessão de decisões, as quais, muitas vezes, levam-no a deparar-se com situações que devem ser gerenciadas e resolvidas imediatamente. Segundo Jackson (1968), em um período de aula, o professor toma mais de 200 microdecisões e estas, para serem conseqüentes, devem estar fundamentadas em algo que funcione como um eixo de ação. Se o professor continuar a agir apenas nas emergências, a partir do que imagina que vai efetivamente funcionar, cada tomada de decisão poderá ter como conseqüência resultados não planejados ou desejados,

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ficando ainda sem estar certo de como deverá proceder nos próximos acontecimentos. Escolher entre diferentes possibilidades é poder avaliar entre as vantagens e as desvantagens de cada decisão, as explicações teóricas e as metodológicas, sem esquecer que mesmo na ocorrência de situações semelhantes, há diferentes pessoas envolvidas, advindas de contextos diversos contribuindo para que a dinâmica da sala de aula seja singular, mas o caminho pode ser traçado sobre uma contribuição teórica pertinente.

Este modo de olhar para a formação docente deixa de lado aquilo que era chamado de capacitação docente e passa a constituir o desenvolvimento do profissional prático e reflexivo, em que o professor é auxiliado a refletir sobre suas ações, tendo cada vez mais consciência delas e das teorias a elas subjacentes. O psicólogo é um profissional que pode ajudar o professor a questionar suas certezas, a ser mais crítico e buscar outras explicações para os fenômenos que não estejam restritas a fatores biológicos e sociais. Se considerarmos, como diz Perrenoud (1993), que apenas 20% daquilo que foi inicialmente planejado é realmente colocado em prática na sala de aula, não há justificativa para continuar a considerar o professor como um cumpridor de tarefas que têm grande possibilidade de não darem certo, mas é fundamental que sejam devolvidas ao professor a vez e a voz no processo de ensino e aprendizagem

Neste sentido, é fundamental relembrar o que nos diz Guzzo (1996) a respeito da ação comprometida que deve ter o profissional de Psicologia:

Ser psicólogo escolar no e para o Brasil é conhecer as necessidades psicológicas de todas as crianças, ricas e pobres, capacitadas e deficientes, abandonadas e acolhidas por suas famílias; é defender os seus direitos ao atendimento de suas necessidades e à promoção de seu desenvolvimento, sem discriminação ou intolerância de qualquer tipo ou grau; é estar perto do professor no seu dia a dia, seja na creche da prefeitura ou na escola maternal particular, nas escolas de todos os níveis, entendendo o que se passa com ele e ajudando-o a enfrentar também suas dificuldades com técnica e sabedoria (p. 89).

A Psicologia poderá contribuir com o trabalho do professor em sala de aula por meio do fornecimento de explicações acerca do

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comportamento, de modo que o docente possa constituir e interpretar sua prática de maneira não ingênua, mas comprometida com a direção do desenvolvimento que pretende promover. Se considerarmos que, assim como o comportamento, o processo de ensino e aprendizagem é multifacetado, a Psicologia, aliada a outras ciências, estará oferecendo explicações acerca de uma das dimensões deste processo. A sala de aula é invadida por outras formas de explicação do processo de ensino e aprendizagem que devem estar articuladas e entrelaçadas para que possam subsidiar a ação docente eficaz

O professor deve ser levado a concluir que quando suas ações dão os resultados esperados, isto quase nunca ocorre em decorrência de iniciativas ocasionais, particulares e isoladas. Cada vez mais é fundamental que a discussão sobre o cotidiano escolar ocorra de forma coletiva e sistemática, de modo que, quando o psicólogo é chamado a opinar sobre o processo de ensino e aprendizagem, ele não seja responsável por fornecer boas idéias, mas auxilie o grupo de professores a analisar sua prática buscando teorizar sobre ela.

Já dissemos em outro trabalho (Sadalla et al., 2000) que acreditamos que a teoria na prática não é outra. O que precisamos é analisar as situações à luz de uma explicação teórica que efetivamente contribua para explicar e sugerir formas adequadas e conseqüentes de ação. A escola, como um todo, deve assumir uma política de construção efetiva de propostas educacionais coletivizadas, com objetivos que vão muito além dos limites da ação isolada e individual de cada professor.

Atuamos durante 14 anos em uma escola pública municipal da periferia de Campinas, quando fomos chamados a auxiliar os professores a analisar suas ações diante de crianças com problemas de aprendizagem. Mais do que fornecer sugestões de estratégias de ação, semanalmente, durante duas horas, coordenávamos o grupo de professores para buscar, junto com eles, teorizar e explicar sua prática. Assim, até podíamos analisar o caso isolado do Joãozinho, mas de maneira que nas próximas dificuldades o professor pudesse ser cada vez mais autônomo, melhor fundamentado, para que pudesse atuar de modo a conduzir o processo de ensino e aprendizagem na direção da promoção do desenvolvimento integral do aluno.

É fundamental deixar claro que o trabalho desenvolvido

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naquela escola não foi fruto de uma decisão individual e isolada de professores. A gestão educacional daquela instituição buscava construir espaços pedagógicos em que a reflexão estivesse constantemente entrelaçada à ação cotidiana. Esta, entretanto, não é uma decisão que ocorre de uma hora para outra. A escola democrática é um desafio para a maioria dos educadores e nesta direção é que devemos buscar contribuir.

Como nos lembra Leite (2000), a reflexão a respeito das ações cotidianas não garante, por si só, que o professor atue na direção de um ensino que tenha uma perspectiva transformadora. Esta busca por discussões acerca do processo de ensino e aprendizagem deve ser fundamentada teoricamente, de modo que também a Psicologia, ao lado de outras ciências, possa se constituir em um conjunto de referenciais que subsidiará interpretações deste processo. Assim, o psicólogo pode ajudar o professor a compreender as relações entre desenvolvimento e aprendizagem, pensamento e linguagem, afeto e cognição, professor e aluno, por exemplo, mas com base em explicações sempre fundamentadas em teorias psicológicas.

É possível que a discussão aqui apresentada tenha frustrado aqueles que esperavam sugestões de estratégias e ações eficazes, que pudessem ser aplicadas pelo profissional bem intencionado. Entretanto, gostaria de finalizar dizendo que a escola deve ser encarada como um dos elementos do processo de ensino e aprendizagem e que, ao lado da família e do aluno, deve buscar qual deve ser sua contrapartida para a constituição de uma prática democrática e emancipatória, envolvida e comprometida com a transformação social, que também pode ser iniciada no interior da escola, e neste sentido, o psicólogo tem muito a contribuir.

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Capítulo 22

Tecnologia para análise de emissões vocálicas em nomeação e leitura oral nas afasias e dislexias 16

Fernando C. CapovillaPsicólogo, Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília Ph.D. em Psicologia Experimental pela Temple University of PhiladelphiaLivre Docente em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de São PauloProfessor Associado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Elizeu C. MacedoPsicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade de São PauloProfessor do Curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana MackenziePesquisador Associado do Laboratório de Neuropsicolingüística CognitivaUniversidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Alessandra G. S. Capovilla Psicóloga, Mestre, Doutora e Pós-Doutora pela Universidade de São PauloOrientadora do Doutorado em Psicopedagogia, Universidade de Santo AmaroPesquisadora Associada do Laboratório de Neuropsicolingüística CognitivaUniversidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Avaliar distúrbios de linguagem interessa a clínicos e pesquisadores. Tal avaliação permite formular diagnósticos e prognósticos precisos dos distúrbios, escolher os mais adequados procedimentos de tratamento, e avaliar a eficácia destes procedimentos. Como o computador permite maior controle na apresentação de informações e registra de forma precisa os resultados,

16 Apoio: CNPq e FAPESP.

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a computadorização de testes e procedimentos para avaliação de distúrbios de linguagem permite maior compreensão de fenômenos lingüísticos, com análises mais precisas dos efeitos das variáveis psicolingüísticas. Este capítulo descreve as versões computadorizadas de um teste de nomeação, de um teste de diagnóstico diferencial das afasias, e de um teste de leitura em voz alta.

A primeira seção apresenta as versões computadorizadas do Teste Boston para Diagnóstico Diferencial das Afasias e do Teste Boston de Nomeação. Ambas as versões apresentam as instruções com voz digitalizada, coletam as respostas orais por microfone e as motoras por tela sensível ao toque e mouse, fazem análise automática de resultados, e produzem relatórios na forma de perfis de desempenho. A segunda seção apresenta um programa para análise do grau de desenvolvimento e de integridade das rotas de leitura fonológica e lexical por meio da análise automática dos padrões temporais de emissão vocálica durante a leitura em voz alta. Trata-se de um software que oferece uma medida oroarticulatória de processamento cognitivo. A mesma tecnologia avançada de análise dos padrões temporais da locução integra os três testes descritos a seguir.

Versão computadorizada do Teste Boston para Diagnóstico Diferencial das Afasias (Boston-Comp)

O Teste Boston para Diagnóstico das Afasias (Goodglass & Kaplan, 1983) objetiva diagnosticar a presença e o tipo de afasia, inferir sobre a área cerebral lesada, fornecer medidas periódicas do desempenho do paciente para identificar mudanças ao longo do tempo, e avaliar a presença de distúrbios e habilidades específicas para orientar a atividade terapêutica. O Teste Boston é composto de 27 subtestes distribuídos em cinco subtestes: Fala conversacional e expositória; Compreensão auditiva; Expressão oral; Leitura e Escrita. O subteste de Fala conversacional e expositória verifica o nível e a qualidade da fala em narrativa livre e da compreensão na conversação open-ended. O subteste de Compreensão auditiva avalia a habilidade de discriminar palavras, de identificar partes do corpo, de seguir ordens, e de lidar com material ideacional complexo. O subteste de Expressão oral avalia a agilidade oral, o tipo de articulação, a

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repetição de palavras e frases, a nomeação, e a leitura de palavras e de frases. O subteste de Leitura avalia a discriminação de palavras e símbolos, a associação fonética, a leitura de sentenças, e o emparelhamento palavra-figura. O subteste de Escrita avalia a mecânica da escrita, a recordação de símbolos escritos, o acesso ao léxico grafêmico, e a escrita. Assim, como avalia vários aspectos da linguagem, o Teste Boston é uma das provas mais completas para o diagnóstico diferencial das afasias, e sua aplicação demanda profundo conhecimento da estrutura do teste, e disponibilidade de tempo para analisar e interpretar os dados. A aplicação consome 90 min. ou mais, dependendo da severidade dos distúrbios. O tempo consumido no registro, na análise e na interpretação dos dados pode limitar o emprego do teste nas atividades clínicas diárias.

A versão computadorizada (Boston-Comp) foi desenvolvida em Borland Delphi 2.0. É executável em microcomputadores Pentium, com kit multimídia, microfone e hard drive disk de pelo menos 4.3 Gb. Apresenta os 27 subtestes sendo que alguns foram completamente computadorizados, e apenas parcialmente. Nos completamente computadorizados (e.g., discriminação auditiva, emparelhamento palavra-figura, discriminação de palavras e símbolos), ela automaticamente apresenta as instruções, registra as respostas, analisa e imprime os resultados. Outros subtestes ainda não foram inteiramente computadorizados devido ao tipo de prova ou a limitações tecnológicas (e.g., subtestes de denominação de partes do corpo, mecânica da escrita, recordação dos símbolos escritos). Neles, Boston-Comp funciona como protocolo de registro de dados, ferramenta de armazenamento e análise de dados; e instrumento auxiliar durante a testagem. O registro dos dados relevantes a testagem e o armazenamento das informações em mídia digital, possibilitam a formação de um corpus de dados de pacientes com diferentes quadros, ou do mesmo paciente em fases diferentes. Tais dados podem ser usados em normatizações e validações do teste. As Figuras 1 a 3 ilustram telas do Boston-Comp. A Figura 1 representa a tela de entrada ao teste. A Figura 2 representa a tela dos subtestes de denominação por confrontação visual (acima), e identificação de partes do corpo (abaixo). A Figura 3 representa a Ficha do paciente (acima), e a Escala de avaliação de características da linguagem (abaixo).

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Figura 1. Configuração de tela da versão computadorizada do Teste Boston para Diagnóstico Diferencial das Afasias (Boston-Comp). Tela de entrada ao teste, com a opção Testes desdobrada (acima), e continuação da tela de en-trada ao teste (abaixo).

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Figura 2. Configuração de tela do Boston-Comp. Tela do subteste de denomi-nação por confrontação visual (acima), e do subteste de identificação de partes do corpo (abaixo).

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Figura 3. Configuração de tela do Boston-Comp. Tela de entrada ao teste, com a opção Ficha do paciente desdobrada (acima), e escala de avaliação de características da linguagem (abaixo).

Versão computadorizada do

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Teste Boston de Nomeação (TBN-Comp)

O Teste Boston de Nomeação (Kaplan, Goodglass, & Weintraub, 1983) objetiva identificar os tipos de erro de nomeação de figuras e sua distribuição de freqüência de modo a estimar as dificuldades de nomeação na fala espontânea. É usado para avaliar habilidades de nomeação em pacientes com suspeitas de lesão cerebral focal ou difusa. É composto de 60 cartões com figuras em preto e branco organizados em grau crescente de dificuldade. A tarefa do examinando é falar o nome de cada uma das figuras. Pistas padronizadas semânticas ou fonológicas são oferecidas se houver falha em nomear ou se houver nomeação incorreta. As respostas são anotadas em formulário próprio para avaliar as habilidades de nomeação e a eficácia das pistas fornecidas. Sua versão computadorizada TBN-Comp apresenta um série de figuras, uma a uma, e registra a vocalização (nomeação) dada a cada figura, bem como após a apresentação das pistas padronizadas. A Figura 2 ilustra o layout de uma das telas. Na parte inferior da tela, encontram-se os botões: Finalizar, Seguinte, Pausa, e Dica. Essa versão computadorizada permite reexaminar auditivamente as locuções do paciente, o que possibilita ao examinador fazer análises qualitativas e quantitativas ulteriores. A forma de apresentação dos desenhos, o registro automático das locuções, a facilidade e automatismo da análise dos dados constituem vantagens de TBN-Comp em relação à forma tradicional. A Figura 4 representa a tela de entrada do TBN-Comp (acima) e a prancha 2 do teste (abaixo).

Teste de competência de leitura em voz alta CronoFonos: Avaliação articulatória do

processamento perilexical de pseudopalavras

CronoFonos apresenta listas de itens psicolingüísticos, um a um, e registra a leitura em voz alta de cada item. A Figura 5 (acima) representa uma das telas com a palavra criança. Na parte inferior estão os botões finalizar (X), seguinte (>), pausa (II), e ajuda (dica). O botão seguinte é pressionado pelo examinador ao término de cada locução, o que armazena a locução em arquivo de som, mas não afeta os parâmetros da locução.

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Figura 4. Configuração de tela da versão computadorizada do Teste Boston de Nomeação (TBN-Comp). Tela de entrada ao teste (acima) e prancha 2 do teste (abaixo).

O botão pausa interrompe momentaneamente a apresentação

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seqüencial dos estímulos escritos. O botão finalizar interrompe definitivamente sua apresentação. O botão ajuda pode ser pressionado pelo examinador caso a criança fracasse na nomeação de um item ou na leitura de uma palavra. A Figura 5 (abaixo) representa o layout da tela de programação, que contém a janela de seleção de tabelas com diferentes tipos de seqüências de itens de leitura.

A Figura 6 (acima) ilustra a configuração da tabela de programação que contém seis colunas: Palavra, msg1 (mensagem 1), ndicas (número de dicas), somdica1 (som da dica 1), somdica2 (som da dica 2), somdica3 (som da dica 3). A coluna palavra contém os nomes dos itens de leitura ou da figura a ser apresentada. A coluna msg1 contém o nome dos arquivos de som que podem soar antes do aparecimento do item (i.e., arquivo do tipo .WAV). A coluna ndicas contém um número 0-3 dependendo do número de dicas disponíveis para cada item. As colunas somdica1, somdica2 e somdica3 contêm os nomes dos arquivos de som com as mensagens de ajuda. A Figura 6 (abaixo) representa a configuração da tela configuração do tipo, estilo, tamanho e cor do caractere (letra) dos itens escritos a serem apresentados. O botão fonte determina o tipo, tamanho e cor do caractere (letra) da escrita.

A Figura 7 ilustra as representações gráficas dos sinais vocálicos de gostava, criança, posdava e friença. pronunciados por leitora de primeira série, obtidos por amostragem. Cada sinal vocálico consiste no registro de amplitude de sinal (ordenada) em função de duração locucional em ms. No sinal vocálico N0 indica o momento de apresentação do estímulo escrito, N1 indica o início da locução e N2, seu término. O tempo de reação locucional (TR) é calculado subtraindo N0 de N1. A duração locucional total (DLT), subtraindo N1 do último N registrado. Nos sinais vocálicos, a duração do item gostava é N4-N1, de criança é N2-N1, de posdava é N6-N1, e de friença é N8-N1. O número de segmentos locucionais (NS) corresponde ao índice do último N dividido por 2. Assim, NS de gostava é 2 (i.e., 4/2), de criança é 1 (i.e., 2/2), de posdava é 3 (i.e., 6/2), e de friença é 4 (i.e., 8/2). A duração do segmento locucional (DSL) (i.e., do primeiro segmento) é calculada subtraindo N1 de N2. Do mesmo modo, N3 indica o início do segundo segmento e N4 seu fim.

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Figura 5. CronoFonos. Configuração de tela de apresentação de item de leitura (acima) e da tela de seleção de tabela de item de leitura (abaixo).

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Figura 6. CronoFonos. Configuração da tela de programação de item de leitura (acima) e da tela de configuração do tipo, estilo, tamanho e cor do caractere (letra) dos itens de leitura (abaixo).

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Figura 7. Representação gráfica de quatro sinais vocálicos em CronoFonos. 1) palavra regular de alta freqüência gostava com subsegmentação (PS-1); 2) palavra de alta freqüência criança com forte subsegmentação (PS-2); 3)

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pseudopalavra regular posdava com igualação (PS0); 4) pseudopalavra friença com supersegmentação (PS+1). Padrões temporais da locução: Tempo de reação (de N0 a N1), duração locucional (de N1 ao último N), freqüência de segmentação (índice do último N dividido por 2).

Os itens para leitura em voz alta podem ser palavras ou pseudopalavras, com diferentes números de sílabas escritas ou NSO (número de segmentos ortográficos). Como as pseudopalavras são lidas fonologicamente, NSL é mais próximo a NSO, ou seja, matching (PS=) ou igualação (NSO - NSL 0). Como palavras de alta freqüência são lidas lexicalmente, NSL é mais baixo que NSO, ou seja, NSL < NSO. As disparidades entre NSL e NSO resultam em supersegmentação (excesso de NSL em relação a NSO) ou subsegmentação (déficit de NSL em relação a NSO). A freqüência de segmentos em excesso (super) ou déficit (sub), é obtida subtraindo NSO de NSL. PS- (i.e., NSL NSO) indica leitura lexical fluente, ou omissão de segmentos na leitura; PS= leitura fonológica escandida; e PS+ (i.e., NSL NSO) disfluência ou hesitação por incipiência da decodificação fonológica ou ansiedade de avaliação.

Na Figura 7, o sinal vocálico posdava exemplifica a igualação (PS=). A leitora incipiente fez decodificação fonológica da pseudopalavra e, assim, o NSL coincidiu com o NSO (NSL = NSO = 3). O tempo de reação locucional foi maior do que dos itens gostava e criança. O sinal vocálico da palavra de alta freqüência criança exemplifica a subsegmentação (PS-). Como é uma palavra de alta freqüência, sua leitura foi fluente e não-interrompida por pausas ou intervalos locucionais, e assim, NSL = 1, embora NSO = 3. Isto produziu subsegmentação 2, ou dois segmentos locucionais a menos que ortográficos (i.e., PS-2, já que PS = NSL - NSO = 1 - 3 = -2). O sinal vocálico da pseudopalavra friença exemplifica supersegmentação (PS+). A pronúncia da leitora incipiente foi hesitante e introduziu segmentos adicionais no registro. Consequentemente NSL = 4, embora NSO = 3. Isto produziu um padrão de supersegmentação igual a 1, i.e., um segmento locucional a mais que ortográfico (i.e., PS = NSL – NSO = 4 - 3 = +1).

Como CronoFonos oferece medida articulatória dos processamentos cognitivos envolvidos na leitura em voz alta, é preciso analisar o efeito da estrutura ortográfica sobre as variações nos

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

parâmetros temporais da articulação, independentemente de freqüência no idioma, familiaridade do leitor, concretude, etc. É importante submeter leitores a listas compostas só de pseudopalavras, controlando freqüência grafêmica, número de letras, de sílabas e a composição destas (grafemas simples ou compostos). Tais dados fornecem uma linha de base para analisar o efeito das variáveis psicolingüísticas, e permitem analisar o efeito de variáveis ortográficas sobre o processamento perilexical na leitura em voz alta, para testar hipóteses sobre a natureza segmentar e serial ou paralela daquela leitura. Conforme modelos de múltiplas vias (e.g., Lecours & Parente, 1997) a produção oral é silábica e várias operações mentais estão envolvidas no reconhecimento das letras como grafemas simples ou complexos, na identificação de sílabas escritas e em sua conversão em sílabas faladas. De tal modelo decorre que para um mesmo número de letras o TR deve ser maior quanto maior o número de sílabas. A estrutura silábica também deve ser relevante, sendo que a presença de dígrafos deve resultar em maior tempo de reação.

O estudo de Capovilla, Capovilla, e Macedo (2001) analisou o processamento perilexical na leitura em voz alta de pseudopalavras isoladas em adultos. Pesquisas anteriores (Parente & Manarini, no prelo) analisando apenas o tempo de reação e o tipo de erros indicaram que o processamento perilexical é segmentar. Este estudo expande a análise temporal da locução na leitura em voz alta, incluindo os parâmetros duração locucional e freqüência de segmentação locucional. Se o processamento perilexical é segmentar, não apenas tempo de reação, como também duração locucional e freqüência de segmentação locucional devem ser afetados pela extensão, complexidade grafêmica e estrutura silábica. Tais parâmetros foram medidos a partir das representações gráficas dos sinais vocálicos de 44 universitários lendo em voz alta três listas de 30 pseudopalavras cada (Manarini, 1996) registrados por CronoFonos. Os três parâmetros temporais e a proporção de acertos foram analisados como função da extensão, complexidade grafêmica e estrutura silábica das pseudopalavras escritas.

Os efeitos da complexidade grafêmica e extensão foram avaliados por meio de Anova unifatorial de medidas repetidas, tendo a variável lista três níveis (1A, 1B e 1C). A lista 1A continha itens de quatro letras bissílabos com estrutura silábica CV (e.g., dazu e rija), a

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lista 1B continha itens de seis letras trissílabos com estrutura silábica CV (e.g., dazuni e rejifa), e a lista 1C continha itens de seis letras bissílabos com estrutura silábica CVC (e.g., tirvel e disbor). A Anova foi seguida de análises de contrastes entre os desempenhos nas listas. Comparando os desempenhos nas listas 1A e 1B, temos o efeito de extensão em termos de número de sílabas e letras (i.e., bissílabos de quatro letras versus trissílabos de seis letras) para itens com a mesma estrutura silábica CV. Comparando os desempenhos nas listas 1A e 1C, temos o efeito da combinação entre a estrutura silábica e a extensão em termos de letras (itens com estrutura CV de quatro letras versus itens com estrutura CVC com seis letras) nos itens bissílabos. Comparando os desempenhos nas listas 1B e 1C, temos o contraste entre a extensão (em termos de número de sílabas) e a estrutura silábica (em termos de itens trissílabos com estrutura CV versus itens bissílabos com estrutura CVC) nos itens de seis letras.

A Figura 8 mostra a representação gráfica de uma amostra de três sinais vocálicos de um dos respondentes, os sinais do item dazu da lista 1A (i.e., itens bissílabos, de quatro letras, com estrutura silábica CV), do item rejifa da lista 1B (i.e., itens trissílabos, de seis letras, com estrutura CV), e do item tirvel da lista 1C (i.e., itens bis-sílabos, de seis letras, com estrutura silábica CVC).

Proporção de acerto

Em termos de proporção de acerto, observou-se que o acerto foi maior na lista 1A do que na lista 1B, e nesta do que na lista 1C. Assim, a proporção de acerto foi maior na lista 1A do que na 1B (i.e., nos itens com estrutura CV, a proporção de acerto foi maior nos bissílabos de quatro letras do que nos trissílabos de seis letras), e maior na lista 1A do que na 1C (i.e., nos itens bissílabos, a proporção de acerto foi maior naqueles com estrutura CV e quatro letras do que naqueles com estrutura CVC e seis letras), e finalmente maior na lista 1B do que na 1C (i.e., nos itens de seis letras, a proporção de acertos foi maior nos trissílabos com estrutura CV do que nos bissílabos com estrutura CVC).

A proporção de acerto também foi maior nos itens com estrutura silábica simples do que naqueles com estrutura silábica

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complexa (i.e., o acerto foi maior nos itens com estrutura CV do que nos itens com estrutura CVC), e maior nos itens curtos do que nos longos (i.e., o acerto foi maior nos itens bissílabos de quatro letras do que nos trissílabos de seis letras). Contrastando os efeitos da estrutura silábica e da extensão (i.e., itens trissílabos com estrutura CV versus itens bissílabos com estrutura CVC), observou-se que a proporção de acerto foi mais afetada pela estrutura silábica do item do que pela sua extensão (em termos de sílabas).

Figura 8. Representação gráfica de amostra de três sinais vocálicos das pseu-dopalavras dazu da lista 1A (bissílabas com estrutura silábica CV e quatro le-tras); rejifa da lista 1B (trissílabas com estrutura CV e seis letras); e tirvel da

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lista 1C (bissílabas com estrutura CVC e seis letras).Tempo de reação locucional

Em termos de tempo de reação locucional, observou-se que o tempo despendido foi maior na lista 1B do que na lista 1C, e nesta do que na lista 1A. Assim, o tempo de reação foi maior na lista 1B do que na lista 1C (i.e., nos itens com seis letras, o tempo de reação foi maior nos trissílabos com estrutura CV do que nos bissílabos com estrutura CVC), maior na lista 1B do que na lista 1A (i.e., nos itens com estrutura CV, o tempo de reação foi maior nos trissílabos de seis letras do que nos bissílabos de quatro letras), e maior na lista 1C do que na lista 1A (i.e., nos itens bissílabos, o tempo de reação foi maior nos itens com estrutura CVC e seis letras do que naqueles com estrutura CV e quatro letras).

O tempo de reação foi também maior nos itens longos do que nos curtos (i.e., nos itens trissílabos de seis letras do que nos bissílabos de quatro letras), e nos itens com estrutura silábica complexa do que naqueles com estrutura silábica simples (i.e., o tempo foi maior nos itens com estrutura CVC do que naqueles com estrutura CV, ainda que a evidência seja fraca devido ao efeito sinérgico da extensão, já que se comparou o tempo de reação nos itens com estrutura CVC e seis letras com aqueles com estrutura CV e quatro letras). Contrastando os efeitos de extensão e estrutura silábica (i.e., itens trissílabos com estrutura CV versus itens bissílabos com estrutura CVC), observou-se que o tempo de reação foi mais afetado pela extensão dos itens (em termos de sílabas) do que pela sua estrutura silábica.

Duração locucional

Em termos da duração de locução, foi observado o mesmo que com respeito ao tempo de reação: Observou-se que a duração da locução foi maior na lista 1B do que na lista 1C, e nesta do que na lista 1A. Assim, a duração locucional foi maior na lista 1B do que na lista 1C (i.e., nos itens de seis letras, a duração foi maior nos itens trissílabos com estrutura CV do que nos bissílabos com estrutura CVC). Foi também maior na lista 1B do que na lista 1A (i.e., nos itens com estrutura CV, a duração foi maior nos trissílabos com seis letras

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do que nos bissílabos com quatro letras). Foi finalmente também maior na lista 1C do que na lista 1A (i.e., nos itens bissílabos, a duração foi maior nos itens com estrutura CVC e seis letras do que naqueles com estrutura CV e quatro letras).

A duração locucional também foi maior nos itens longos do que nos curtos (i.e., a duração foi maior nos trissílabos de seis letras do que nos bissílabos de quatro letras), e nos itens com estrutura silábica complexa do que naqueles com estrutura silábica simples (i.e., a duração foi maior nos itens com estrutura CVC do que naqueles com estrutura CV, ainda que a evidência seja fraca devido ao efeito sinérgico da extensão, e esta comparação mostrou que a duração de itens com estrutura CVC e seis letras foi maior que aquela de itens com estrutura CV e quatro letras. Contrastando os efeitos de extensão e de estrutura silábica (i.e., itens trissílabos com estrutura CV versus itens bissílabos com estrutura CVC), observou-se que a duração locucional foi mais afetada pela extensão (em termos de sílabas) do que pela estrutura silábica.

Freqüência de segmentação locucional

Em termos de freqüência de segmentação locucional, observou-se que a segmentação dos itens da lista 1B foi maior que a dos itens da lista 1A, e que a segmentação destes foi maior que aquela dos itens da lista 1C. Assim, a freqüência de segmentação locucional foi maior na lista 1B do que na lista 1A (i.e., nos itens com estrutura CV, a segmentação dos trissílabos de seis letras foi maior que a dos bissílabos de quatro letras). Foi também maior na lista 1B do que na lista 1C (i.e., nos itens de seis letras, a segmentação dos trissílabos com estrutura CV foi maior do que a dos bissílabos com estrutura CVC). Finalmente, foi também maior na lista 1A do que na lista 1C (i.e., nos itens bissílabos, a segmentação foi maior nos itens com estrutura CV e quatro letras do que naqueles com estrutura CVC e seis letras).

A freqüência de segmentação locucional também foi maior nos itens longos do que nos curtos (i.e., a segmentação foi maior nos trissílabos de seis letras do que nos bissílabos de quatro letras), e maior nos itens com estrutura simples do que naqueles com estrutura complexa (i.e., foi maior nos itens com estrutura CV do que naqueles

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com estrutura CVC, ainda que a evidência seja fraca devido ao efeito sinérgico da extensão, já que foi observado que a segmentação dos trissílabos com estrutura CV foi maior do que nos bissílabos com estrutura CVC. Contrastando os efeitos de estrutura silábica e de extensão (i.e., itens com estrutura CV e quatro letras versus itens com estrutura CVC e seis letras), observou-se que a freqüência de segmentação locucional foi mais afetada pela estrutura silábica do que pela extensão (em termos de letras).

Conclusões

A proporção de acerto foi maior nos itens bissílabos do que nos trissílabos, e nos itens com estrutura silábica simples (CV) do que naqueles com estrutura silábica complexa (CVC). Contrastando os itens em termos do número e do tamanho das sílabas componentes, observou-se que, para a mesma extensão (em termos de número de letras), a proporção de acerto dos itens de três sílabas simples foi maior do que aquela dos itens de duas sílabas complexas. Observou-se também que o tempo de reação e a duração locucional foram maiores nos itens trissílabos com estrutura CV do que nos itens bissílabos com estrutura CVC (todos de seis letras), e nos itens bissílabos com estrutura CVC e seis letras do que nos itens bissílabos com estrutura CV e quatro letras. Portanto, o tempo de reação locucional e a duração locucional foram mais afetados pelo número de sílabas dos itens do que pela estrutura silábica desses itens. Contudo, dado um mesmo número de sílabas, a estrutura silábica passou a ser importante. Já a freqüência de segmentação locucional foi maior nos itens trissílabos com estrutura CV e seis letras do que nos itens bissílabos com estrutura CV e quatro letras, e nestes do que nos bissílabos com estrutura CVC e seis letras. Novamente o número de sílabas dos itens foi mais importante do que a estrutura silábica desses itens. Mas, dado um mesmo número de sílabas, a estrutura silábica mostrou-se mais importante do que o número de letras. Assim, a freqüência de segmentação locucional foi maior nos itens bissílabos com estrutura CV e quatro letras do que nos itens bissílabos com estrutura CVC e seis letras.

Em suma, quanto maior o número de sílabas, tanto maior o tempo de reação, a duração locucional e a freqüência de segmentação

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locucional. Para um mesmo número de sílabas, quanto maior a complexidade silábica (CVC em vez de CV), tanto maior o tempo de reação e a duração locucional. No entanto, a freqüência de segmentação locucional foi maior para itens compostos de sílabas simples CV do que de sílabas complexas CVC. Assim como a freqüência de segmentação locucional, a proporção de acerto também foi maior nos itens com estrutura CV do que naqueles com estrutura CVC. Tais dados sugerem fortemente a primazia da unidade silábica para o processamento da leitura, o que dá suporte à tese de Lecours e Parente (1997), e de Capovilla, Capovilla, e Macedo (2001) quanto à natureza segmentar do processamento perilexical na leitura em voz alta.

Referências bibliográficas

Capovilla, F. C., Capovilla, A. G. S., & Macedo, E. C. (2001). Rota perilexical na leitura em voz alta: Tempo de reação, duração e segmentação na pronúncia. Psicologia: Reflexão e Crítica, 14(2), 409-427.

Goodglass, H. & Kaplan, E. (1983). The assessment of aphasia and re-lated disorders (2nd. ed.). Philadelphia, PA: Lea & Febiger.

Kaplan, E., Goodglass, H., & Weintraub, S. (1983). Boston Naming Test. Philadelphia, PA: Lea & Febiger.

Lecours, A. R., & Parente, M. A. M. P. (1997). As dislexias no português: As manifestações das dislexias adquiridas no sistema ortográfico do português. Porto Alegre, RS: Artes Médicas.

Manarini, A. S. (1996). Influência do sistema de escrita do português nos processamentos perilexicais de leitura. Dissertação de Mestrado não publicada. Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.

Parente, M. A. M. P., & Manarini, A. S. (no prelo). Processamentos iniciais de leitura: Um estudo das características da leitura por conversão grafofonêmica. In F. C. Capovilla (Ed.), Psicologia da leitura: Uma abordagem neuropsicolingüística cognitiva. São Paulo, SP: Memnon.

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Capítulo 23

O papel da leitura e da escrita na terapia fonoaudiológica com sujeitos jargonafásicos

Luciana C. L. F. SantosFonoaudióloga e Mestranda em Lingüística, UnicampDocente no Curso de Fonoaudiologia da Universidade de Alfenas, MG. e-mail: [email protected]

Introdução

Este capítulo baseia-se em uma concepção discursiva de avaliação de linguagem - condição em que ocorrem processos de significação, patológicos ou não, bem como processos alternativos que os sujeitos afásicos produzem para lidar com suas dificuldades. Busca-se compreender como o sujeito significa por meio da semiose verbal e não verbal, ou seja, de que mecanismos ou estruturas da língua, e de sua relação com parâmetros antropoculturais, ele se serve para produzir e interpretar sentidos. O sujeito (MG) tematizado neste estudo foi acompanhado durante dezoito meses e apresentou uma relação com a escrita que possibilitou a ocorrência de processos de significação. Com base no conhecimento derivado da avaliação foi proposta uma orientação terapêutica que incidiu na relação da escrita com a atividade oral.

Com base no paradigma indiciário de Ginzburg (1989), foi feita a análise dos dados representativos da relação entre oralidade e escrita que se mantém na afasia. Na avaliação discursiva realizada com MG, além de outros acometimentos motores e gnósicos, ela apresentou, inicialmente, um jargão indiferenciado, presente nos momentos que assumia o turno para responder às perguntas da investigadora, e não “percebido” por MG. A escrita foi utilizada terapeuticamente para restringir contextos enunciativos muito amplos que favoreciam o

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jargão se manifestar no lugar das “palavras da língua”.

Materiais e Métodos

Na avaliação discursiva os dados são analisados do ponto de vista de uma neurolingüística que considera como o sujeito está se utilizando da linguagem para produzir e compreender os processos de significações, bem como os meios pelos quais o sujeito afásico os manipula e através do uso da linguagem, em sua convivência social, expressa-se e interage com o meio onde vive, apesar da afasia.

A partir da produção dos dados durante a avaliação discursiva, a pesquisa buscou também em dados singulares a manifestação de atividades lingüísticas que, apesar da lesão, encontravam-se íntegras e possibilitavam ao sujeito lidar com a afasia e participar de relações sociais e de interlocuções. A utilização de dados singulares segue a forma de pesquisa do paradigma indiciário (Ginzburg, 1989), método de pesquisa que possibilita uma análise qualitativa do material pesquisado. Nessa forma de pesquisa, foram eleitos os aspectos lingüísticos que se manifestavam na linguagem de MG sem sinais de afasias, e foi analisado como eles se apresentavam como recursos do sujeito afásico utilizados para a manutenção dos elementos pragmáticos e interacionais da linguagem. Cito, aqui, a escrita, os elementos prosódicos e os processos de significações não verbais como os gestos e as expressões faciais, que demonstram a intenção do sujeito avaliado para com o avaliador.

MG apresentava inicialmente um quadro afásico compatível com uma jargonafasia. Tinha 52 anos quando foi acometida por um acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi) em janeiro de 2000. O laudo da tomografia cerebral relata uma lesão isquêmica no lobo parietal esquerdo, determinando compressão sobre o ventrículo lateral e apagamento regional dos sulcos corticais. Após trinta dias desse acometimento, MG foi submetida a uma avaliação discursiva realizada por Coudry no Laboratório de Neurolingüística do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas. Inicialmente mostrou-se anosognósica, embora fosse difícil avaliar o quanto compreendia. Ainda assim quando perguntada, assumia o turno da resposta, que era preenchida com um jargão caracterizado por “palavras” que não são da língua. Nos três primeiros meses, suas

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dificuldades afásicas relativas à linguagem oral se caracterizavam pela presença abundante desse jargão somada a uma apraxia dos gestos articulatórios para produzir os sons da língua. MG também, nesse momento, não percebia o jargão que produzia e nem outros sinais neurológicos e neuropsicológicos como hemiparesia e hemiassomatognosia.

A metodologia utilizada na avaliação e na análise dos dados orientam o processo terapêutico, centrado no desafio de MG fazer novamente uso da linguagem para se expressar e compreender. Envolvida com atividades de leitura e escrita durante a interlocução, MG conseguia controlar o jargão de modo a acessar as unidades lexicais do Português Brasileiro, o que possibilitava que seu interlocutor a entendesse melhor, assim como ela mesma. Após três meses de acompanhamento terapêutico, MG, que na avaliação não recorria a nenhum gesto ou escrita para dar sentidos as suas enunciações, começou a recorrer a gestos expressivos, como balançar os ombros indicando descaso, e emitir gestos descritivos que representam os contornos dos objetos. A escrita nesses momentos, que se apresentava ideográfica e pictográfica e associada à oralidade, ajudava MG a produzir enunciados com sentido.

Foi interessante a utilização do registro em agenda nas sessões de avaliação. MG conseguia ler o que tinha escrito em sua agenda. Nesses momentos seu jargão indiferenciado não se manifestava.

Definição de afasia

Parte-se de uma definição (inicial) de afasia informada lingüisticamente: “A afasia se caracteriza por alterações de processos lingüísticos de significação de origem articulatória e discursiva (nesta incluindo aspectos gramaticais) produzidas por lesão focal adquirida no sistema nervoso central, em zonas responsáveis pela linguagem, podendo ou não se associarem a alterações de outros processos cognitivos”. (Coudry, 1996, p 5). Tal definição foi reformulada ao longo dos anos e estendida da seguinte forma. A afasia produz alterações em processos de significação verbais e não-verbais. Daí decorrem dificuldades em um nível lingüístico com repercussão em outros níveis no funcionamento da linguagem. Em resumo a afasia pode afetar o sistema da língua (ou a língua como sistema), bem como

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a relação desse sistema com os parâmetros culturais partilhados por uma dada comunidade de falantes (Freire, 1999; Novaes-Pinto, 1999). No primeiro caso, geralmente, estão implicados os níveis fonético fonológico e gramatical (sintaxe) e, no segundo, as dimensões semântica e pragmática da linguagem (Coudry, no prelo).

Do ponto de vista lingüístico, a condução do processo avaliativo e terapêutico e a análise dos dados encontram-se baseados na hipótese da indeterminação da linguagem. Tal hipótese foi formulada por Franchi (1976) e estendida por Coudry (1996) para o estudo lingüístico e discursivo das afasias. Isto significa que o sentido não é dado previamente mas se faz envolvendo uma série de fatores que relacionam a língua com coordenadas contextuais, espaciais, temporais e intersubjetivas (Benveniste 1989), o que resulta em um trabalho lingüístico produzido pelo sujeito em interação com seu interlocutor. Tal processo é conduzido com base na enunciação em seus diferentes papéis e lugares, a partir do que a linguagem é tomada como uma ação sobre e entre interlocutores mediada pela língua, gestualidade e percepção.

A leitura e a escrita receberam ampla utilização metodológica na avaliação e condução do processo terapêutico de MG. De acordo com Eco (apud Duarte, 1998), o processo de leitura funciona da seguinte forma. "Diante de um texto, o leitor elabora interpretações possíveis para as articulações feitas pelo autor. À medida que a leitura ocorre, o texto vai se realizando, as hipóteses interpretativas vão se restringindo ou se adequando àquela que deverá ser a mais provável de todas” (p. 19). Tal processo em muito se assemelha à produção de sentido de um texto oral no qual participam ativamente o locutor e o interlocutor. Bakhtin (1997) compara o ato da compreensão do ouvinte com o ato do leitor: “De fato, o ouvinte que recebe e compreende a significação (lingüística) de um discurso adota, simultaneamente para com este discurso, uma atitude responsiva ativa: Ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, prepara-se para executar, etc., e esta atitude do ouvinte está em elaboração constante durante todo o processo de audição e de compreensão desde o início do discurso, às vezes já nas primeiras palavras emitidas pelo locutor” (p. 290). A hipótese desenvolvida na dissertação de mestrado de Duarte (1998) é a de que podemos considerar a atividade de leitura como atividade de produção de

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sentido. A leitura pode também ser inerente à elaboração de textos, tanto

oras quanto escritos. Bakhtin (1997) considera como enunciado a produção desses textos. Isto significa que não há textos inéditos, eles são sempre a resposta a um texto anteriormente produzido. Dessa forma, para produzir um texto ou enunciado, de acordo com esse autor, é necessário já ter um contato com o tipo de conteúdo e forma que veicula, mediante leitura ou atividades orais.

No caso de MG, cuja afasia se caracterizava inicialmente por jargões, neologismos e depois por parafasias da língua em seu discurso oral, a leitura de um texto propiciava que fizesse comentários bem elaborados do ponto de vista lexical e gramatical e a escrita lhe dava o apoio para complementar suas enunciações orais e lhes conferir sentido.

Resultados

O trabalho terapêutico com MG teve como objetivo lidar com as dificuldades gnósicas e lingüísticas que ocorriam em sua produção oral caracterizada por “palavras” que não são da língua.

Amostras de enunciações colhidas em 02/01/2000 mostram, nos turnos iniciados por MG, a presença de jargões indiferenciados em meio a palavras do Português Brasileiro. Mostram também uma insatisfação com suas produções orais (ver Quadro 1).

Quadro 1. Ao término da sessão. MG tenta relatar algo que havia ocorrido no dia anterior.

Locutor Processos de significação oralMG (1) Eu sei é que o lino nassecarrão. Não consigo encontrei

conta.MI Não consegue contar o que você fez ontem?MG (2) ÉMI O que você fez ontem G?MG (3) Ah li onte na falina tudo.

Ao analisar esse dados observamos a presença de pseudopalavras (jargões com neologismos) que, nos termos de Kertesz (1981), caracterizam uma fala fluente com déficits evidentes de

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compreensão, com preservação sintática e prosódica, mas com muitas palavras irreconhecíveis.

A atividade de leitura realizada por MG, e anotada por sua irmã em uma agenda, mostra que MG consegue acessar as unidades lexicais do Português Brasileiro, o que possibilita que ela e a investigadora atuem como interlocutores. (ver Quadro 2)

Quadro 2. Leitura de texto escrito. 17

Texto escrito Interlocutor Texto lidoDeu alguns passos sozinha.

MG (1) Deu algun paulus sozinha.MI Deu passos sozinha.

Arrumou o quarto. MGMIMGMIMGMIMGMIMG

(2)ArrArrumou(3)AlguArrumou

(4)AO

(5)O Er CatoO QUAR:::to

(6)QuartoVisita do neurologista. MI

MGMI

Visita do neuro(7) Neu

Neu/ro/lo/gis/ta

Nos Quadros 2 e 3, em tarefa de leitura e de fala espontânea, o jargão presente se caracteriza pela presença de parafasias com traços do Português Brasileiro e não impossibilita a construção do sentido dos enunciados de MG.

Quadro 3. MG tenta informar onde fica sua casa em Bertioga.

Locutor Processos de significação oralT Vamos lá, o que é isso aqui? (apontando para o desenho)MG Dexa eu vê qdo, descendo aqui. (apontando para uma

determinada parte do desenho)T Isso aqui é a rua?

17 (....) representa silêncio, (:::) representa prolongamento de sílabas, (/) representa fala silabada. Letra maiúscula no enunciado marca tonicidade.

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MG Não aqui (completando o desenho) zá fica a rua.18

Considerações finais

O trabalho com afásicos deve objetivar auxiliá-los a reconstituir-se como sujeitos e, assim, possibilitar um convívio social e cultural. Foi por meio de atividades partilhadas culturalmente e com sentido que iniciamos o processo de avaliação e determinamos o tratamento que mais fornecia a MG condições de lidar com suas dificuldades. No caso aqui acompanhado foi utilizado para a produção de sentido a leitura e a escrita o que auxiliou MG a lidar com sua condição afásica, e lhe conferiu a possibilidade de se entender e fazer-se entender novamente.

Referências bibliográficas

Bakhtin, M. V. (1997). Marxismo e filosofia a linguagem (6a. edição). São Paulo, SP: Editora Hucitec.

Benveniste (1989). Problemas de lingüística geral II. Campinas, SP: Editora Pontes.

Coudry, M. I. H. (1993). Para um bom entendedor meia palavra basta. Anais do IX Congresso Internacional da Associação de Lingüística e Filologia da América Latina. Campinas, SP: Universidade Estadual de Campinas, pp. 385-403

Coudry, M. I. H. (1996). Diário de Narciso. São Paulo, SP: Martins Fontes.

Coudry, M. I. H. (no prelo). Linguagem e afasia.Duarte, C. (1998). Uma análise de procedimentos de leitura baseada no

paradigma indiciário. Dissertação de mestrado não publicada, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP.

Franchi, C. (1976). Linguagem: Atividade constitutiva. Cadernos de Estudos Lingüísticos, 22, 9-39.

Freire, F. M. P. (1999). Dizer e fazer no logográfico: Um caso de afasia semântica. Anais do II Congresso Iberoamericano de Educação Especial. Foz do Iguaçu, PR: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, pp.404-410.

Ginzburg, C. (1989). Sinais: Raízes de um paradigma indiciário. In G.

18 Aqui a escrita de MG é ideográfica. Ela faz um mapa concomitante à interlocução com a autora.

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

Einaudi (Org.), Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e história (pp. 143-179). São Paulo, SP: Companhia das Letras.

Kertesz, A. (1981). The anatomy of jargon. In J. Brown (Ed.), Jar-gonaphasia (pp. 63-112). New York, NY: Academic Press.

Novaes-Pinto, R.C. (1999). A contribuição do estudo discursivo para uma análise das categorias clínicas. Dissertação de mestrado não publicada, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP.

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Capítulo 24

Usando testes computadorizados de competência de leitura silenciosa e em voz alta para mapear

desenvolvimento de rotas de leitura, e testes de compreensão auditiva e de leitura para diagnóstico

diferencial da dislexia 19

Fernando C. CapovillaPsicólogo, Mestre pela Universidade de Brasília Ph.D. em Psicologia Experimental pela Temple University of PhiladelphiaLivre Docente em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de São PauloProfessor Associado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Elizeu C. MacedoPsicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade de São PauloProfessor do Curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana MackenziePesquisador Associado do Laboratório de Neuropsicolingüística CognitivaUniversidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Alessandra G. S. Capovilla Psicóloga, Mestre, Doutora e Pós-Doutora pela Universidade de São PauloOrientadora do Doutorado em Psicopedagogia, Universidade de Santo AmaroPesquisadora Associada do Laboratório de Neuropsicolingüística CognitivaUniversidade de São Pauloe-mail: [email protected]

Compreensão e processamento de unidades lingüísticas amplas como frases, enunciados e textos é uma habilidade complexa que envolve dois tipos de componentes, um específico à leitura e outro

19 Apoio: CNPq e FAPESP.

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geral, inespecífico. Os processos de reconhecimento visual e decodificação de palavras isoladas (Stanovich, 1988, 1991) são os únicos específicos à leitura. Os gerais, inespecíficos à leitura, dizem respeito à compreensão da linguagem e envolvem atenção, memória, inteligência e conhecimentos gerais, que permitem a integração sintática e semântica relacionada à compreensão e interpretação de textos (Perfetti, 1985), e à compreensão da fala (Content, 1990; Fayol, 1992).

Gough e Tunmer (1986) expressam isto na fórmula: L = D x C, em que L é a competência de leitura, D é a capacidade específica de decodificação ou reconhecimento, C é a capacidade lingüística geral de compreensão. O sinal x indica a natureza interativa e não aditiva da relação entre decodificação e compreensão. O produto (i.e., competência de leitura) será sempre zero se um dos componentes for zero. Uma criança não compreende um texto porque não consegue decodificar as palavras, ainda que tenha pleno conhecimento da situação de que trata o texto, como nos casos do analfabeto e do disléxico; ou porque não tem conhecimento da situação de que trata o texto, ainda que tenha ótima capacidade de decodificar, como no caso do hiperléxico (Content, 1990). Nos dois casos L = 0, no primeiro porque D = 0 (i.e., 0 x 1 = 0), e no segundo porque C = 0 (i.e., 1 x 0 = 0). A criança só é competente se for capaz de fazer boa decodificação, com reconhecimento preciso e rápido de palavras, e tiver boa compreensão de linguagem. Conforme Braibant (1997), é mais importante o grau de precisão, rapidez e automatismo da decodificação e reconhecimento visual, já que só quando tais processos se tornam automáticos é que os recursos cognitivos podem ser liberados para concentrar-se nos processos de compreensão do texto.

Para que o distúrbio da criança possa ser caracterizado como específico à leitura é preciso demonstrar que ela é capaz de compreender uma passagem quando a ouve, mas não quando a lê. Isto pode ser verificado pela nossa Prova Computadorizada de Compreensão de Sentenças Faladas e Escritas para diagnóstico diferencial de dificuldades de compreensão auditiva e de texto. Ela apresenta 40 telas com quatro figuras cada uma, e requer que a criança escolha uma das figuras com base numa mensagem com uma a três frases. Em 20 telas, as mensagens são escritas; nas outras 20, faladas

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com voz digitalizada. Nos subtestes de escrita a criança pode retornar ao texto enquanto inspeciona as figuras, nos subtestes de fala ela pode solicitar a repetição das mensagens tocando o botão repete. Crianças com dificuldade de compreensão de texto apresentam desempenho inferior nos escritos. A Figura 1 ilustra o layout de duas telas escritas dessa prova.

Figura 1. Duas telas da Prova Computadorizada de Compreensão de Sentenças Faladas e Escritas.

Se for observado um déficit diferencial da compreensão de leitura, pode-se prescindir de testes psicométricos de inteligência (Siegel, 1988) como o WISC III-R (Wechsler, 1991), e concentrar

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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar

esforços na avaliação neuropsicológica cognitiva específica à leitura para o diagnóstico diferencial da dislexia. Para começar a identificar os tipos de processamento que se encontram comprometidos, podem ser usadas as provas de competência de leitura silenciosa e em voz alta descritas neste texto. Por outro lado, se o déficit não for diferencial mas geral, comprometendo tanto a compreensão auditiva quanto de leitura, não se trata de um distúrbio específico de leitura, mas talvez de linguagem (com comprometimento de habilidades sintática e semântica) ou de rebaixamento cognitivo geral. Neste caso o WISC pode ser empregado para determinar se há um distúrbio lingüístico (com QI verbal rebaixado em relação ao QI de desempenho) ou um rebaixamento cognitivo geral (caso em que ambos são comparavelmente baixos).

Como as dificuldades dos disléxicos fonológicos concentram-se nos processos básicos de decodificação e reconhecimento específicos à leitura, mas não nos gerais de integração sintática e semântica, eles tendem a apresentar desempenho nitidamente rebaixado (i.e., lento e incorreto) em tarefas de consciência fonológica (e.g., Capovilla & Capovilla, 2000; Capovilla, Capovilla & Silveira, 1998), e de discriminação fonológica, memória de trabalho fonológica, e velocidade de processamento fonológico (conforme demonstrado por Capovilla & Capovilla, 2001a, 2002), além de em tarefas de decodificação de palavras e pseudopalavras envolvendo o uso de regras de correspondência grafofonêmica (Siegel & Ryan, 1989), mas tendem a usar compensatoriamente os conhecimentos gerais e lingüísticos para tentar facilitar a decodificação.

Teste de Competência de Leitura Silenciosa computadorizado (TeCoLeSi-Comp)

Nosso Teste de Competência de Leitura Silenciosa ou TeCoLeSi (Capovilla & Capovilla, 2001a, 2001b; Capovilla, Macedo, & Charin, 2002) foi inspirado em Khomsi (no prelo). Ele apresenta figuras emparelhadas a palavras escritas. A tarefa da criança é julgar se a escrita abaixo da figura corresponde ou não àquilo que a figura representa. Na versão original em papel e lápis, a criança deve assinalar como errado o par figura-escrita em que não há correspondência figura-escrita, e assinalar como correto o par figura-

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escrita em que há correspondência figura-escrita e em que a escrita corresponde a uma palavra correta. Em metade dos casos a ortografia da escrita é correta (i.e., a escrita consiste numa palavra); na outra, incorreta (i.e., a escrita consiste numa pseudopalavra). Metade das palavras correspondem à figura (i.e., são semanticamente apropriadas), metade não. A falha na identificação da troca semântica sugere que a criança não faz uso da estratégia léxico semântica ou da fonológica com compreensão. Em metade das pseudopalavras a troca é visual e a falha de identificação sugere leitura logográfica, na outra a troca é fonológica, e a falha sugere leitura exclusivamente por decodificação grafofonêmica, sem endereçamento lexical. Assim, a prova indica se, ao ler, a criança tende a usar a estratégia logográfica, fonológica, lexical ou léxico semântica.

A Figura 2 mostra a configuração de três telas ilustrativas desses casos. A figura à esquerda ilustra uma pseudopalavra homó-fona. Falhar sistematicamente em identificá-la indica processamento exclusivamente fonológico mas com recuperação semântica adequada, e ausência de processamento lexical. A criança só tem acesso ao sig-nificado da pseudopalavra porque está agindo como ouvinte de sua própria fala interna (i.e., forma fonológica) diante do texto. O fracasso sistemático em rejeitar tais itens indica que a criança falha em fazer endereçamento lexical.

A figura ao centro ilustra uma pseudopalavra heterófona, emb-ora visualmente semelhante à palavra que designa a figura. A falha sistemática em rejeitar tais itens indica dificuldade no processamento fonológico e confiança exclusiva na leitura logográfica (i.e., ideovi-sual), por reconhecimento visual direto. A criança seria capaz de re-jeitar tais itens se fizesse uso de alguma decodificação fonológica. Crianças que já são capazes de fazer decodificação grafofonêmica pre-cisa tendem a rejeitar com facilidade tais itens, uma vez que a imagem fonológica resultante dessa decodificação não pertence ao vocabulário receptivo-auditivo da criança e não é reconhecida.

A figura à direita ilustra uma palavra semanticamente incorreta. A falha sistemática em rejeitar tais itens indica falta de acesso e/ou re-cuperação semântica, devido a problemas semânticos (com processa-mento restrito à recuperação lexical direta ou à decodificação fonológ-ica sem compreensão devido a autiomatismo incipiente e deficitário. No caso de decodificação fonológica incipiente, como os processa-

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mentos cognitivos -- envolvendo a segmentação da seqúência ortográ-fica, a conversão de segmentos ortográficos em fonológicos, e a sín-tese destes últimos -- ainda não se encontram automatizados, seu con-sumo de recursos centrais de atenção e memória é tão elevado que pode dificultar o acesso semântico ulterior. Por outro lado, a presença de distúrbios fonológicos poderia levar a criança a confiar apenas no reconhecimento visual da palavra, e, se o item escrito for visualmente semelhante a uma representação já estocada no léxico ortográfico, a criança tende a aceitá-lo, independentemente de sua adequação semântica. Já se o item for visualmente diferente de qualquer repre-sentação estocada (e.g., a pseudopalavra homófona bóquisse), ele não terá entrada no sistema de reconhecimento visual e será rejeitado. Se a criança tiver inabilidade ou dificuldade fonológica (i.e., se confiar só na estratégia visual) ela irá rejeitar a maioria das pseudopalavras homófonas, mas terá menos sucesso em rejeitar pseudopalavras com semelhança visual e heterófonas. Se sua dificuldade for em formar uma representação lexical ortográfica para reconhecimento visual di-reto (i.e., se confiar só na estratégia fonológica), ela irá rejeitar as pseudopalavras com semelhaças visuais e heterófonas, mas terá difi-culdade em rejeitar pseudopalavras homófonas.

Figura 2. Três telas da versão computadorizada de TeCoLeSi, ilustrando re-lações incorretas figura-escrita que devem ser rejeitadas. À esquerda: Pseu-dopalavra homófona cuja forma fonológica é semanticamente apropriada à figura. Falha sistemática em assinalar o erro desses itens pode indicar proces-samento exclusivamente fonológico e ainda não-lexical. Ao centro: Pseu-dopalavra heterógrafa e heterófona, visualmente semelhante à palavra escrita correspondente à figura. Falha em notar incorreção pode indicar leitura lo-gográfica e ausência de processamento fonológico. À direita: Palavra seman-ticamente incorreta. Falha pode indicar falta de acesso semântico, incipiência

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ou distúrbio fonológico. TeCoLeSi2-Comp

Nossa prova TeCoLeSi2-Comp (Capovilla & Capovilla, 2001a, 2001b; Capovilla, Macedo, & Charin, 2002) foi inspirada na versão de Braibant (1997). O teste é constituído por 66 pares figura-escrita. As figuras representam objetos ou animais conhecidos por crianças da segunda série do ensino fundamental. Variando as relações entre a figura e o item escrito, criam-se categorias adicionais às de Khomsi. Os pares figura-escrita variam em proximidade viso-ortográfica, fonológica ou semântica. As palavras semanticamente corretas são divididas em dois tipos, dependendo da regularidade grafofonêmica: Palavras regulares (CR) que podem ser lidas por decodificação fonológica (e.g., vila), e palavras irregulares (CI) que só podem ser lidas por recuperação lexical (e.g., boxe). Palavras semanticamente incorretas são transformadas, gerando vizinhas ortográficas (VO) por troca de letra por outra (e.g., vaca e faca), ou vizinhas visuais (VV) por troca da ordem entre duas letras (e.g., perto e preto, parto e prato), e vizinhas fonológicas (VF) por troca da palavra por homófona (e.g., concerto e conserto, bota no sentido de sapato e bota no sentido de põe ovos).

Na troca, algumas palavras transformam-se em outras palavras ou em pseudopalavras. Tais itens são divididos em: Vizinhas ortográficas sem proximidade fonológica (VOsF) em que a letra substituída tem relação visual mas não fonológica com a letra alvo, como em n-r, t-f, q-p (e.g., cano e caro, teia e feia, queijo e puejo) e vizinhas ortográficas com proximidade fonológica (VOcF) em que a letra substituída não tem semelhança visual à letra alvo, mas tem valores acústicos de freqüência e intensidade semelhantes a ela, como em v-f, d-t, g-k, (e.g., bode e bote, faca e vaca, fogo e foco). Além das palavras corretas regulares (CR) e irregulares (CI), e das incorretas vizinhas ortográficas (VO), visuais (VV) e fonológicas (VF) das palavras corretas, há dois outros tipos de incorretas: As pseudopalavras homófonas (PH) cuja pronúncia eqüivale à da palavra correspondente à figura (e.g., bóquisse para boxe, aumossu para almoço), e pseudopalavras estranhas (PE) que não têm qualquer relação semântica, fonológica ou visual com a figura (e.g., palema para ventilador). No papel, os itens das diferentes categorias (as

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corretas CR e CI, e as incorretas VOsF, VOcF, VV, VF, PH e PE) são distribuídos aleatoriamente em quatro páginas encadernadas.

Plotando na abscissa o desempenho de cada uma das crianças no teste de reconhecimento de palavras TeCoLeSi2-Comp, e na ordenada o desempenho das mesmas crianças no teste de compreensão de leitura (e.g., Prova Computadorizada de Compreensão de Sentenças Faladas e Escritas), obtém-se um diagrama de dispersão (scatterplot) dividido em quatro quadrantes: No inferior esquerdo concentram-se as crianças com dificuldade em ambos os testes; no superior direito, as com facilidade em ambos; no superior esquerdo as com boa compreensão, mas reconhecimento ruim, e no inferior direito, as com bom reconhecimento, mas compreensão ruim. Há assim três perfis, um homogêneo, em que a compreensão de leitura é adequada à capacidade de identificação de palavras; e dois atípicos, um de decodificação forte e compreensão fraca (percentil igual ou superior a 70 em reconhecimento, e igual ou inferior a 30 em compreensão), e outro de compreensão forte e decodificação fraca (percentil igual ou superior a 70 em compreensão, e igual ou inferior a 30 em reconhecimento). De acordo com os dados de Braibant, mais de 10% das crianças da 2a. série das classes comuns apresentam perfis atípicos, em que as capacidades de compreensão de leitura e de reconhecimento de palavras encontram-se dissociadas num número não desprezível de crianças

O perfil de decodificação forte e compreensão fraca pode ser explicado por três fatores: 1) Insuficiência de capacidades lingüísticas e cognitivas (conforme equação de Gough & Tunmer, 1986), com dificuldade semântica (vocabulário), sintática ou inferencial, que não são específicas à escrita; 2) Falta de automação do processamento da escrita, o que reduz os recursos de atenção e memória necessários para a compreensão do texto (Lovett, 1987). Neste caso, embora a precisão da leitura de palavras isoladas seja normal, como é menos automática e mais lenta, tem alto custo cognitivo e demanda maiores recursos da memória de trabalho (Yuill & Oakhill, 1991); 3) Rigidez e passividade das crianças que concentram sua atenção e esforços na decodificação e processamento superficial da escrita, em detrimento do processamento profundo e da busca do significado. Embora sua leitura seja precisa e fluída, elas não buscam o significado e acabam com uma representação incoerente e remota do texto lido (Fayol,

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1992).Para explicar o perfil oposto de compreensão forte e

decodificação fraca, Aaron (1989), Conners e Olson (1990), e Yuill e Oakhill (1991) recorrem à hipótese de compensação (Stanovich, 1980), segundo a qual crianças com dificuldades em recodificar ou reconhecer de modo rápido e correto procuram compensar a deficiência usando informações contextuais para tentar adivinhar o significado do texto. O teste de Khomsi favorece tal estratégia compensatória baseada no uso de informações contextuais, já que no par a figura e a escrita são apresentadas simultaneamente e não há restrições de tempo, o que permite às crianças estudar o par antes de decidir rejeitá-lo ou não. Por isso é importante avaliar as crianças também no teste de leitura em voz alta CronoFonos.

Software CronoFonos para avaliação de leitura em voz alta

O software CronoFonos (Capovilla et al., 1999) consiste numa prova de leitura em voz alta de itens psicolingüísticos variados. Avalia as distribuições de erro e de parâmetros temporais da locução como função dessas características. Registra a locução, e permite analisar seus parâmetros temporais (i.e., tempo de reação, duração e freqüência de segmentação). Pode ser programado para apresentar diferentes listas como a de Pinheiro (1994), usada em Capovilla e Capovilla (2000) e em Capovilla, Capovilla, e Silveira (1998), e de Manarini (1996), usada em Capovilla, Capovilla, e Macedo (2001). Dependendo da lista, é possível avaliar os efeitos da lexicalidade, da regularidade das correspondências grafofonêmicas, da extensão, da freqüência de ocorrência da palavra no idioma, da concretude, etc. Na rota fonológica a pronúncia tende a ser segmentada, já que é construída por decodificação. Neste caso, espera-se que o número de segmentos locucionais seja próximo ao de segmentos ortográficos (i.e., silábicos). Já, na lexical, a pronúncia é menos segmentada, uma vez que é recuperada como um todo a partir do léxico. Neste caso, esperam-se menos segmentos locucionais que ortográficos. Assim, uma freqüência de segmentação relativa mais elevada indica leitura fonológica, e uma mais baixa, lexical. Avaliando o padrão de segmentação, a duração e o tempo de reação, o software CronoFonos fornece medidas articulatórias diretas do processamento de

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informação envolvido na leitura, que é eminentemente cognitivo.Para calcular o padrão de segmentação o software subtrai, a

cada item lido, a freqüência de segmentos ortográficos da freqüência de segmentos locucionais. Como a tarefa de leitura envolve uma amostra grande de itens com características psicolingüísticas variadas, o padrão de segmentação médio (PSM) de um dado leitor indica a estratégia ou rota preferencial para a leitura em voz alta. Uma média próxima a zero (i.e., padrão de segmentação de igualação PS=) é consistente com uma leitura escandida típica da rota fonológica. Uma média positiva (i.e., padrão de supersegmentação PS+) indica disfluência ou leitura incipiente pela rota fonológica, com hesitações e autocorreções. Uma média negativa (i.e., padrão de subsegmentação PS-) indica leitura lexical e tendência a ler as palavras visualmente como um todo.

A Figura 3 mostra as representações gráficas dos sinais vocálicos (waveforms) dos itens gostava, criança, posdava e friença. Cada sinal vocálico consiste num registro de amplitude de sinal (ordenada) em função de duração da locução numa escala de milésimos de segundo (abscissa). No sinal o ponto N0 indica o momento de apresentação do estímulo escrito, N1 o momento do início da locução (primeiro segmento locucional), e N2, o de seu término. O tempo de reação locucional (TRL) é calculado subtraindo N0 de N1. A duração locucional total (DLT) é calculada subtraindo N1 do último N registrado. Nos sinais vocálicos, a duração locucional total do item gostava é N4-N1, de criança é N2-N1, do item posdava é N6-N1, e do item friença é N8-N1. O número de segmentos locucionais (NSL) corresponde ao índice do último N dividido por 2. Assim, NSL de gostava é 2 (i.e., 4/2), de criança é 1 (i.e., 2/2), de posdava é 3 (i.e., 6/2), e de friença é 4 (i.e., 8/2). A duração do segmento locucional (DSL) (i.e., do primeiro segmento locucional) é calculada subtraindo N1 de N2. Do mesmo modo, N3 indica o momento do início do segundo segmento locucional e N4, de seu fim; e a duração deste segundo segmento é calculada subtraindo N3 de N4.

Os itens programados para leitura em voz alta são palavras ou pseudopalavras, com diferentes números de sílabas escritas ou NSO (número de segmentos ortográficos). Como pseudopalavras são lidas fonologicamente, NSL tende a ser próximo a NSO, ou seja NSO - NSL 0, uma situação de igualação ou matching (PS=). Como palavras

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de alta freqüência são lidas lexicalmente, NSL tende a ser mais baixo que NSO, ou seja, NSL < NSO, uma situação de subsegmentação (PS-). PS- (i.e., NSL NSO) indica leitura lexical fluente ou omissão de segmentos na leitura; PS=, leitura fonológica escandida; e PS+ (i.e., NSL NSO), disfluência ou hesitação por incipiência da decodificação fonológica ou ansiedade de avaliação.

Na Figura 3, o sinal vocálico posdava exemplifica a igualação (PS=). A leitora incipiente fez decodificação fonológica da pseudopalavra e, assim, o número de segmentos locucionais coincidiu com o de segmentos ortográficos (NSL = NSO = 3). O tempo de reação locucional (TRL) foi maior do que os dos itens gostava e criança. O sinal vocálico da palavra de alta freqüência criança exemplifica a subsegmentação (PS-). Como é uma palavra de alta freqüência, sua leitura foi fluente e não-interrompida por pausas ou intervalos locucionais, e assim, NSL = 1, embora NSO = 3. Isto produziu subsegmentação 2, ou seja, dois segmentos locucionais a menos que ortográficos (i.e., PS-2, já que PS = NSL - NSO = 1 - 3 = -2). O sinal vocálico da pseudopalavra friença exemplifica supersegmentação (PS+). A pronúncia da leitora incipiente foi hesitante a ponto de ter introduzido segmentos locucionais adicionais no registro. Consequentemente NSL = 4, embora NSO = 3. Isto produziu um padrão de supersegmentação igual a 1, ou seja, um segmento locucional a mais que ortográfico (i.e., PS = NSL – NSO = 4 - 3 = +1).

Numa série de estudos, CronoFonos tem confirmado a natureza segmentar e a primazia da sílaba na leitura perilexical (Capovilla, Capovilla, & Macedo, 2001). No estudo a seguir, CronoFonos foi usado para documentar a mudança da prevalência da rota fonológica para a lexical à medida em que a criança se alfabetiza (Capovilla, Capovilla, & Macedo, 1998). Tal mudança do efeito das variáveis psicolingüísticas ao longo da escolarização consiste numa redução dos efeitos de regularidade e extensão -- que indicam processamento fonológico, e num aumento dos efeitos de lexicalidade e freqüência -- que indicam processamento lexical (Capovilla, Macedo, & Charin, 2002). Conforme explicado em Capovilla e Capovilla (2001a, 2001b), na fase alfabética de aquisição de leitura vigora a estratégia de leitura fonológica e, logo, são fortes os efeitos de regularidade e extensão, com leitura mais rápida e precisa das palavras regulares do que das

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irregulares e das curtas que das longas. Já na fase ortográfica vigora a estratégia de leitura lexical e são fortes os efeitos de lexicalidade e de freqüência (com leitura mais rápida e precisa de palavras que de pseudopalavras, e de palavras mais freqüentes que menos freqüentes). De fato, os dados de CronoFonos revelam a mudança de prevalência da rota fonológica para a lexical ao longo da alfabetização, com queda dos efeitos de regularidade e extensão, e aumento dos efeitos de regularidade e freqüência, sendo que tais efeitos foram observados quanto à distribuição de freqüências de erros, bem como de tempos de reação locucional, de durações locucionais e de freqüências de segmentação locucional como função dessas variáveis psicolingüísticas (e.g., Capovilla, Macedo, & Charin, 2002).

Mudança de prevalência da rota fonológica para a lexical na aquisição de leitura e escrita

Este estudo explorou os efeitos sobre a leitura das variáveis psicolingüísticas da primeira à terceira série do ensino fundamental. Se ao longo da escolarização, de fato, ocorre uma diminuição da prevalência da rota fonológica e um aumento da lexical, então seria esperado uma diminuição do efeito das variáveis que afetam a leitura fonológica (i.e., regularidade e extensão) e um aumento do efeito das variáveis que afetam a lexical (i.e., lexicalidade e freqüência). O estudo examinou os efeitos das variáveis psicolingüísticas sobre quatro parâmetros da leitura em voz alta: A freqüência de erros, o tempo de reação, a duração e a freqüência de segmentação.

Participaram 122 crianças de primeira a terceira série do ensino fundamental de uma escola particular de São Paulo. A distribuição das crianças por nível escolar era de 36 na primeira série, 56 na segunda série e 30 na terceira série. A idade média por nível escolar era de 6 anos e 7 meses na primeira série, 7 anos e 5 meses na segunda série, e 8 anos e 5 meses na terceira série. A amplitude de variação da idade por nível escolar era de 6 anos e 5 meses a 7 anos e 6 meses na primeira série, 6 anos e 11 meses a 9 anos e 5 meses na segunda série. As crianças foram expostas individualmente ao software CronoFonos programado com a lista de itens de Pinheiro (1994).

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A Tabela 1 sumaria os efeitos esperados do nível escolar das crianças, e das variáveis psicolingüísticas dos itens sobre a prevalência de uso da rota fonológica ou lexical, bem como as interações esperadas entre as variáveis com o aumento na série escolar. Conforme a tabela, a prevalência do uso da rota fonológica ou da lexical deve ser função das variáveis série escolar das crianças, e regularidade, extensão, lexicalidade e freqüência dos itens.

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Figura 3. Representação gráfica dos sinais vocálicos registrado por CronoFonos de itens pronunciados por leitora de primeira série, obtidos por amostragem: 1) palavra regular de alta freqüência gostava em que há subsegmentação (PS = NSL – NSO = 2 – 3 = -1); 2) palavra de alta freqüência criança em que há forte subsegmentação (PS = NSL – NSO = 1 – 3 = -2); 3) pseudopalavra regular posdava em que há igualação ( PS = NSL – NSO = 3 – 3 = 0); 4) pseudopalavra friença em que há supersegmentação (PS = NSL – NSO = 4 – 3 = +1). Padrões temporais da locução: Tempo de reação (de N0 a N1), duração locucional (de N1 ao último N), freqüência de segmentação (índice do último N dividido por 2).

Assim, a prevalência da lexical deve ser maior na terceira série que na segunda, e nesta que na primeira; nos itens irregulares que nos regra, e nestes que nos regulares; nos itens trissílabos que nos bissílabos; nas palavras que nas pseudopalavras; e nas palavras de alta freqüência que nas de baixa freqüência. Como os efeitos de regularidade e de extensão ocorrem na leitura pela rota fonológica, mas não na leitura pela rota lexical, espera-se que tais efeitos diminuam com a prevalência da rota lexical. Por outro lado, como os efeitos de lexicalidade e de freqüência de ocorrência no idioma ocorrem na leitura pela rota lexical, mas não na fonológica, espera-se que tais efeitos aumentem com a prevalência da rota lexical. Assim, com o aumento no nível escolar, espera-se que ocorra uma diminuição nos efeitos de regularidade e extensão, e um aumento nos efeitos de lexicalidade e freqüência.

Os dados sumariados nas tabelas a seguir devem ser apreciados por comparação com as expectativas sumariadas na Tabela 1. A Tabela 2 sumaria o efeito das variáveis psicolingüísticas dos itens sobre a freqüência de erros em leitura, para cada série escolar. A tabela sumaria os resultados de análises de contraste subseqüentes a

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Anovas trifatoriais (regularidade, extensão, lexicalidade-freqüência) com medidas repetidas conduzidas independentemente para cada série. Conforme a tabela, em termos de regularidade, não houve efeito sobre a freqüência de erros em leitura no início da primeira série. No início da segunda série, no entanto, houve forte efeito e, conforme esperado, a freqüência de erros foi maior na leitura dos itens irregulares que na dos itens regra e regulares. No início da terceira série, conforme esperado, o efeito de regularidade se dissipou. Em termos de extensão, o efeito foi fortemente significativo na primeira série, diminuiu desta à segunda série, permanecendo significativo, e diminuiu ainda mais na terceira série, quando deixou de ser significativo. Em termos de lexicalidade-freqüência, o efeito foi significativo em todas as três séries, aumentando fortemente da primeira à segunda série conforme esperado, mas diminuindo levemente desta à terceira série.Tabela 1. Efeitos esperados do nível escolar das crianças, e das variáveis psicolingüísticas dos itens sobre a prevalência de uso da rota fonológica ou lexical. Interações esperadas entre as variáveis com o aumento na prevalência de uso da rota lexical.

rota prevalecente fonológica lexical

nível escolar 1a. série 2a. série 3a. sérieregularidade regular regra irregular

extensão bissílabo trissílabolexicalidade pseudopalavra palavrafreqüência palavra baixa freqüência palavra alta freqüênciainterações

esperadas com aumento da

prevalência da rota lexical

queda de efeito regularidadequeda de efeito extensão

aumento de efeito de lexicalidadeaumento de efeito de freqüência

Esperava-se que, com o aumento na série escolar (da primeira à terceira), houvesse um aumento na prevalência da rota lexical em relação à fonológica, com diminuição dos efeitos de regularidade e de extensão e aumento dos efeitos de lexicalidade e freqüência. Tais expectativas foram parcialmente satisfeitas. De fato, houve diminuição do efeito de regularidade, mas apenas da segunda à

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terceira série. As expectativas quanto ao efeito de extensão foram satisfeitas, pois ele diminuiu da primeira à segunda à terceira série. Finalmente, conforme esperado, o efeito de lexicalidade-freqüência aumentou da primeira à segunda série, embora tenha diminuído um pouco desta à terceira série. Tais resultados parecem confirmar as expectativas de uma mudança na prevalência da rota fonológica à lexical com o aumento no nível escolar. É possível que a presença do efeito de lexicalidade-freqüência e a ausência de efeito de regularidade na primeira série sejam explicados pelo método de ensino de leitura e escrita adotado pela escola, i.e., o método global. Como nesse método o ensino de leitura e escrita é iniciado com a associação entre as palavras e seus nomes correspondentes, mais que com o ensino de unidades sublexicais como sílabas e fonemas (Morais, 1995), espera-se que o efeito de lexicalidade-freqüência seja evidenciado já no início da alfabetização. O efeito de regularidade, porém, somente aparece com o início do ensino de correspondências entre grafemas e fonemas, o que, no método global, ocorre mais tardiamente. Isto, de fato, é o que foi observado.

Os resultados sugerem que no método global há uma postergação da passagem por uma leitura fonológica antes da consecução da leitura competente. Isto pode ser observado pelo forte efeito de regularidade na segunda série, que se tornou não significativo na terceira série, e pelo efeito significativo de extensão na primeira e na segunda séries, que se tornou não- significativo apenas na terceira série. Isto corrobora a importância de habilidades metafonológicas para a leitura competente (Capovilla & Capovilla, 2000, 2002).

Tabela 2. Efeito das variáveis psicolingüísticas sobre a freqüência de erros em leitura, para cada nível escolar. Resultados de análises de contraste subseqüentes a Anovas trifatoriais com medidas repetidas conduzidas independentemente para cada série.

Nível escolar série Anovas e análises de contraste

regularidade 1a. não significativoregul. = regra = irreg.

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2a. F[2, 110] = 20,31; p = 0,000[regul. (0,13) = regra (0,15)] < irreg. (0,20)

3a. não significativoregul. = regra = irreg.

extensão 1a. F[1, 35] = 15,26; p = 0,000bissíl. (0,99) < trissíl. (1,35)

2a. F[1, 55] = 8,16; p = 0,006bissíl. (0,14) < trissíl. (0,18)

3a. não significativobissíl. = trissíl.

lexicalidade-freqüência

1a. F[2, 70] = 8,04; p = 0,001[alta (1,13) = baixa (1,16)] < pseudo (1,23)

2a. F[2, 110] = 134,73; p = 0,000alta (0,07) < baixa (0,15) < pseudo (0,25)

3a. F[2, 58] = 81,63; p = 0,000alta (0,04) < baixa (0,08) < pseudo (0,20)

A Tabela 3 sumaria o efeito das variáveis psicolingüísticas sobre o tempo de reação locucional total em leitura, para cada série escolar. A tabela sumaria os resultados de análises de contraste subseqüentes a Anovas trifatoriais (regularidade, extensão, lexicalidade-freqüência) com medidas repetidas conduzidas independentemente para cada série. Conforme a tabela, as quedas dos efeitos de regularidade e extensão da segunda à terceira série indicam uma diminuição da prevalência da rota fonológica. Novamente, de modo semelhante aos dados de freqüência de erros, os presentes dados sugerem um desempenho atípico da primeira série, provavelmente devido ao método global de alfabetização. Conforme a tabela, o aumento sistemático do efeito de lexicalidade e freqüência da primeira à segunda e desta à terceira série indica o aumento esperado na prevalência da rota lexical.

Tabela 3. Efeito das variáveis psicolingüísticas sobre o tempo de reação locucional total em leitura. Resultados de análises de contraste subseqüentes a Anovas trifatoriais com medidas repetidas conduzidas independentemente para cada série escolar.

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Nível escolar série Anovas e análises de contraste

regularidade 1a. não significativoregul. = irreg. = regra

2a. F[2, 110] = 11,54; p = 0,000regul. (1,72) < regra (1,76) < irreg. (1,81)

3a. F[2, 58] = 6,71; p = 0,002[regul. (1,26) = regra (1,27)] < irreg. (1,32)

extensão 1a. não significativobissíl. = trissíl.

2a. F[1, 55] = 40,43; p = 0,000bissíl.(1,66) < trissíl. (1,87)

3a. F[1, 29] = 32,89; p = 0,000bissíl.(1,20) < trissíl. (1,37)

lexicalidade-freqüência

1a. F[2, 68] = 7,56; p = 0,001[alta (3,06) = baixa (3,08)] < pseudo (3,46)

2a. F[2, 110] = 67,39; p = 0,000alta (1,52) < baixa (1,71) < pseudo (2,06)

3a. F[2, 58] = 81,31; p = 0,000alta (1,12) < baixa (1,24) < pseudo (1,49)

A Tabela 4 sumaria o efeito das variáveis psicolingüísticas sobre a freqüência de segmentação para acertos em leitura. A tabela sumaria os resultados de análises de contraste subseqüentes a Anovas trifatoriais (regularidade, extensão, lexicalidade-freqüência) com medidas repetidas conduzidas independentemente para cada série escolar. Conforme a tabela, as quedas dos efeitos de regularidade e extensão da segunda à terceira série indicam uma diminuição da prevalência da rota fonológica. Novamente, de modo semelhante aos dados de freqüência de erros e de tempo de reação, os presentes dados sugerem um desempenho atípico da primeira série, provavelmente devido ao método global de alfabetização. Conforme a tabela, o aumento do efeito de lexicalidade-freqüência da primeira à segunda série indica um aumento na prevalência da rota lexical, embora tenha havido uma pequena diminuição da segunda à terceira série.

Tabela 4. Efeito das variáveis psicolingüísticas sobre a freqüência de segmentação de leitura correta. Resultados de análises de contraste

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subseqüentes a Anovas trifatoriais com medidas repetidas conduzidas independentemente para cada série escolar.

Nível escolar série Anovas e análises de contrasteregularidade 1a. F[2, 44] = 16,16; p = 0,000

regul. (-0,80) > irreg. (-0,88) > regra (-0,98) 2a. F[2, 108] = 66,38; p = 0,000

regul. (-1,12) > irreg. (-1,18) > regra (-1,26) 3a. F[2, 56] = 62,38; p = 0,000

regul. (-1,18) > irreg. (-1,29) > regra (-1,33)extensão 1a. não significativo

bissíl. = trissíl.2a. F[1, 54] = 49,54; p = 0,000

bissíl.(-1,22) < trissíl.(-1,15)3a. F[1, 28] = 20,96; p = 0,000

bissíl.(-1,29) < trissíl.(-1,24)lexicalidade-freqüência

1a. não significativoalta = baixa = pseudo

2a. F[2, 108] = 24,33; p = 0,000alta (-1,13) > pseudo (-1,18)> baixa (-1,23)

3a. F[2, 56] = 22,28; p = 0,000alta (-1,22) > pseudo (-1,27) > baixa (-1,31)

A Tabela 5 sumaria o efeito das variáveis psicolingüísticas sobre a duração locucional total em leitura para cada série escolar. A tabela sumaria os resultados de análises de contraste subseqüentes a Anovas trifatoriais (regularidade, extensão, lexicalidade-freqüência) com medidas repetidas conduzidas independentemente para cada série. Conforme a tabela, as quedas dos efeitos de regularidade e extensão da segunda à terceira série indicam uma diminuição da prevalência da rota fonológica. Novamente, de modo semelhante aos dados de freqüência de erros, tempo de reação locucional, e segmentação para acertos, os presentes dados sugerem um desempenho atípico da primeira série, devido método global de alfabetização. Conforme a Tabela, o aumento do efeito de lexicalidade e freqüência da primeira à segunda série indica um aumento na prevalência da rota lexical, embora tenha havido uma diminuição da segunda à terceira série.

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Tabela 5. Efeito das variáveis psicolingüísticas sobre a duração locucional total em leitura. Resultados de análises de contraste subseqüentes a Anovas trifatoriais com medidas repetidas conduzidas independentemente para cada série.

Nível escolar série Anovas e análises de contrasteregularidade 1a. F[2, 68] = 7,00; p = 0,002

regul. (2,26) < [regra (2,45) = irreg. (2,41)] 2a. F[2, 110] = 18,56; p = 0,000

[regul. (1,06) = regra (1,06)] < irreg. (1,14) 3a. F[2, 58] = 8,16; p = 0,001

regra (0,77) < regul. (0,80) < irreg. (0,83)extensão 1a. F[1, 34] = 37,44; p = 0,000

bissíl.(1,93) < trissíl.(2,82) 2a. F[1, 55] = 227,43; p = 0,000

bissíl.(0,92) < trissíl.(1,26)3a. F[1, 29] = 80,34; p = 0,000

bissíl.(0,68) < trissíl.(0,92)lexicalidade-freqüência

1a. F[2, 68] = 4,64; p = 0,013alta (2,28) < [baixa (2,39) = pseudo (2,45)]

2a. F[2, 110] = 100,86; p = 0,000alta (0,96) < baixa (1,05) < pseudo (1,25)

3a. F[2, 58] = 54,90; p = 0,000alta (0,70) < baixa (0,76) < pseudo (0,94)

De modo geral, os dados de leitura descritos neste primeiro estudo exploratório são compatíveis com a literatura em processamento de informação sobre o modelo de duplo processo de leitura, sugerindo uma mudança na prevalência desde a rota fonológica para a lexical durante a aquisição de leitura e escrita. No início da alfabetização sistemática, por exposição às regras de conversão de grafemas em fonemas, há uma prevalência da rota fonológica. Como a escola das crianças avaliadas no presente estudo usava um método de alfabetização predominantemente global (Hempenstall, 1997), tal exposição parece ter ocorrido ao longo da primeira série. Os efeitos inconsistentes observados no início da primeira série sugerem que nesse estágio as crianças já faziam uso de alguma decodificação, embora se baseassem fundamentalmente num vocabulário visual de leitura. O fato de que, já desde a primeira série,

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foi observada uma menor freqüência de erros nas palavras que nas pseudopalavras constitui evidência do uso de tal vocabulário visual direto. O fato de que o efeito de freqüência tenha sido nulo na primeira série e significativo nas demais séries confirma que o efeito de lexicalidade observado na primeira série não era indicativo do uso da rota lexical, mas apenas do uso do vocabulário visual direto, mais próximo a uma leitura logográfica. Já na terceira série parece prevalecer a rota lexical quando a exposição repetida ao texto ocasiona a leitura visual direta. Sugestivo disso é que os efeitos indicativos da rota fonológica (i.e., regularidade e extensão) não são mais significativos, enquanto os efeitos indicativos da rota lexical (i.e., lexicalidade e freqüência) permaneceram ambos significativos.

Em suma, os dados indicativos de uma diminuição da prevalência da rota fonológica e de um aumento da lexical foram os seguintes:

a) Queda do efeito da regularidade da segunda à terceira série para freqüência de erros, para segmentação para acertos, para tempo de reação locucional, e para duração locucional.

a1) Para freqüência de erros, conforme previsto para crianças alfabetizadas pelo método global, o efeito de regularidade ainda não era significativo na primeira série e passou a não ser na terceira. Já na segunda série, houve mais erros nos itens irregulares que nos demais.

a2) Para segmentação somente para acertos, também conforme previsto, a leitura de itens regulares foi mais segmentada que a dos demais para todas as séries. No entanto, contrário ao esperado, a leitura de itens com pronúncia regrada por posição foi menos segmentada que a dos irregulares.

a3) Para tempo de reação locucional, conforme previsto para crianças alfabetizadas pelo método global, o efeito de regularidade ainda não era significativo na primeira série. Também conforme previsto, na segunda série, o tempo de reação na leitura de itens irregulares foi maior que na leitura de itens com pronúncia regrada por posição, e nesta que na de itens com pronúncia regular. Na terceira série, o tempo de reação na leitura de itens com pronúncia irregular foi maior que na dos demais.

a4) Para duração locucional total, conforme previsto, na primeira série a duração da leitura de itens com pronúncia regular foi menor que a dos demais itens. Na segunda série, a duração dos itens com pronúncia irregular foi maior que a dos demais. O mesmo foi encontrado na terceira série, no entanto nesta a duração dos itens com pronúncia regular foi maior que a dos itens com pronúncia regrada por posição.

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b) Queda do efeito de extensão para freqüência de erros da primeira à segunda à terceira série; e para segmentação para certos, tempo de reação locucional e duração locucional da segunda à terceira série.

b1) Para freqüência de erros, conforme previsto, para primeira e segunda séries, os erros nos itens trissílabos foram maiores que nos bissílabos. Já para terceira série, tal diferença se dissipou.

b2) Para segmentação somente para acertos e para o tempo de reação locucional, não houve diferenças entre bissílabos e trissílabos na primeira série, mas tanto a segmentação quanto o tempo de reação de itens trissílabos foram maiores que os de bissílabos na segunda e terceira séries.

b3) Para duração locucional total, a duração da leitura de itens trissílabos foi maior que a da leitura de bissílabos para as três séries.

c) Aumento do efeito de lexicalidade-freqüência para freqüência de erros, segmentação para acertos, tempo de reação e duração locucional da primeira à segunda série.

c1) Para freqüência de erros e tempo de reação locucional, na primeira série foi observado apenas efeito de lexicalidade, mas não de freqüência (sendo essas medidas maiores que para as pseudopalavras que para as palavras). Já na segunda e terceira série, foram observados ambos os efeitos de lexicalidade e freqüência (sendo essas medidas maiores para as pseudopalavras que para as palavras, e para as palavras de baixa que de alta freqüência).

c2) Para duração locucional total, foram observados ambos os efeitos para as três séries, sendo que o efeito da freqüência foi maior a partir da segunda série, em que a duração de leitura de palavras de baixa freqüência foi menor que a leitura das pseudopalavras.

c3) Para segmentação somente para acertos, no entanto, na segunda e na terceira séries, a segmentação foi maior nas palavras de alta freqüência que nas pseudopalavras e nestas que nas de baixa freqüência. Tal achado específico contrariou as expectativas. Este resultado pode ter sido devido a falta de ajuste dos parâmetros de programação do software. A detecção do número de segmentos que compõem uma dada locução depende diretamente do arranjo, pelo pesquisador, de cinco parâmetros computacionais usados no algoritmo. Na decisão de como fazer tal arranjo, o pesquisador pode levar em consideração uma série de fatores. No presente estudo os parâmetros haviam sido fixados previamente a partir de outras corpora de um estudo paralelo, sem calibragem especificamente dedicada ao presente corpus. É provável que as discrepâncias entre os resultados esperados e os obtidos com respeito à

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freqüência de segmentação locucional possam ter sido devidas à falta de um melhor ajuste prévio dos parâmetros ao corpus específico do presente estudo.

Assim, o presente estudo preliminar caracterizou a mudança na prevalência das rotas de leitura durante a alfabetização. Usando o software CronoFonos e a lista de itens de Pinheiro (1994), o estudo avaliou tal mudança em três parâmetros temporais (i.e., tempo de reação locucional, padrão de segmentação locucional e duração locucional), verificando se as mudanças nos efeitos das variáveis psicolingüísticas nesses parâmetros ao longo da alfabetização seriam compatíveis com aquelas observadas para freqüência de erros. Tal objetivo parece ser especialmente importante visto que os parâmetros temporais de duração locucional e de padrão de segmentação locucional não tendem a ser incluídos em análises cognitivas acerca do desenvolvimento da leitura. Os resultados desse estudo preliminar sugerem que análises incluindo tais parâmetros são promissoras para uma melhor compreensão do desenvolvimento dos processos cognitivos subjacentes à leitura.

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Equipe clínica

Márcio Ribeiro do Valle (Neurologista infantil e Pediatra)

Marcelo L. Ribeiro do Valle (Cardiologista e Médico do Trabalho)

Luiza Elena L. Ribeiro do Valle (Psicóloga Clínica e Psicopedagoga)

Maria Cristina (Cardiologista e Clínica Geral)

Izabella Perez Corrêa (Fisioterapeuta)

Maria C. Williams (Fisioterapeuta)

Odésia Chiavegatti (Fonoaudióloga)

Flávia B. V. Freitas (Fonoaudióloga)

Douglas H. F. Matos(Ortodontista)

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