Neurociência Aplicada à Aprendizagem€¦ · As relações entre o cérebro e a aprendizagem...

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NEUROCIÊNCIA APLICADA ÀAPRENDIZAGEM

São José dos Campos

Telma PantanoJaime Luiz Zorzi

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da editora. A violação dos direitos de autor (Lei no 5.988/73) é crimeestabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Editor responsável: Vicente José Assencio-FerreiraDiagramação: Dimitri Ribeiro FerreiraCapa: Isabel Cardoso e Dimitri Ribeiro FerreiraImpressão e acabamento: Parma Editora e Gráfica Ltda.

Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)

Pantano, Telma e Zorzi, Jaime Luiz / . Neurociência aplicada àaprendizagem. - Telma Pantano e Jaime Luiz Zorzi. - SãoJosé dos Campos: Pulso, 2009.

Os autores dos capítulos foram organizadores desta obra.ISBN 978-85-89892-63-6192p

1. Neurociência2. Educação3. Aprendizagem

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As relações entre o cérebro e a aprendizagem tornam-se, acada dia que passa, cada vez mais explícitas. Antes relegado a uma“biologização” do ato de aprender o cérebro é considerado, atualmente,a fonte de registro e integração dos conhecimentos que permitem aoindivíduo atuar sobre o mundo e adquirir consciência do mesmo.Este é um papel de indiscutível relevância.

Nos tempos atuais, falar em aprendizagem e negligenciaros mecanismos cerebrais responsáveis pelo ato de aprender, conservar,recuperar e associar conhecimentos, significa desconsiderar um dosprincipais componentes responsáveis pelo processo evolutivo humano. Não há como negar a importância do funcionamento mental comobase para a aprendizagem.

Este livro pretende apresentar conhecimentos recentesrelativos às neurociências e relacioná-los com o processo de ensino-aprendizagem trazendo perspectivas e novos horizontes no raciocínioe atuação nas áreas de saúde e educação.

Simplesmente conhecer como o cérebro funciona podenão ser a garantia de uma atuação eficaz nas situações envolvendo aaprendizagem. Porém, tal conhecimento, aliado a uma posturareflexiva, que permita levar a teoria até uma aplicação prática, podegerar uma atuação mais consciente e eficaz, fundamentada em dadoscientíficos seguros.

Nosso cérebro está preparado para interagir com oambiente, reagindo aos estímulos e formando novas sinapses que setraduzem em novos conhecimentos. Conseqüentemente, destadinâmica dependerá a adaptação do sujeito ao mundo em que vive.Graças à sua capacidade de garantir a aprendizagem, o cérebro podemodificar-se, constantemente, a fim de garantir adaptações cada vezmais complexas.

Desta forma, a aprendizagem pode ser vista como umprocesso pelo qual o cérebro reage aos estímulos ou demandas doambiente, transformando-se e permitindo uma atuação do indivíduono mundo em que vive. Promover situações que facilitem aaprendizagem, fornecer os estímulos adequados ao cérebro emformação, sempre considerando o seu desenvolvimento e maturação,é função daqueles que se preocupam e atuam diretamente com a

ApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentação

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aprendizagem. Este é, fundamentalmente, o caso da Educação e detodos os demais profissionais ligados ao desenvolvimento humano.

Propostas de ensino bem planejadas, fundamentadas, quelevem em consideração o modo como o cérebro trabalha, podemfacilitar e aumentar a conectividade sináptica, garantindo uma maioreficiência no processo de aprendizagem. Pessoas ensinam e pessoasaprendem. A todo o momento desempenhamos ambos os papéis.Porém, o tanto que conseguimos aprender e o tanto que conseguimosensinar depende dos mecanismos subjacentes responsáveis por taisfenômenos. E é neste incrível universo de possibilidades detransformações que este livro pretende conduzir os seus leitores.

Faça um ótimo proveito...

Telma PantanoJaime Luiz Zorzi

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Ana Paula Sabatini de Mello BragaGraduação em Psicologia pela Universidade Metodista de São Pauloe pós-graduação em Neuropsicologia pela Universidade Federal deSão Paulo (Unifesp). Atualmente é Neuropsicóloga e Coordenadorado Setor de Neuropsicologia do Serviço de Psicologia Hospitalar da

Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo ecoordenadora do curso de pós-graduação em Neuropsicologia da

Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Realizaatendimento clínico em Avaliação e Reabilitação Neuropsicológica,

com experiência em distúrbios de aprendizagem, distúrbiospsiquiátricos, quadros degenerativos e avaliação pré e pós-cirúrgica

em Neurocirurgia.

Adriana FozEducadora, Psicopedagoga, Neuropsicóloga, Membro da diretoria

da SBNp, pesquisadora CNPq - Neurociência na Educação.

Beatriz de Andrade Sant’AnnaPsicóloga Clínica e Professora Universitária, formada pelaUniversidade de São Paulo - USP, com especialização em

Neuropsicologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade deMedicina da Universidade de São Paulo - USP. Neuropsicóloga doNANI (Núcleo de Atendimento Interdisciplinar Infantil), Centro

Paulista de Neuropsicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências daUniversidade Estadual Paulista - FFC/UNESP - Marília - SP.

Claudia Berlim de MelloPsicóloga, Especialista em Neuropsicologia, Mestre em Psicologia do

Desenvolvimento no Contexto Socio-cultural pela UnB. Doutoraem Psicologia (Neurociências e Comportamento) pela USP,

Coordenadora do Núcleo de Atendimento Interdisciplinar Infantil(NANI), Centro Paulista de Neuropsicologia.

Giseli Donadon GermanoMestre e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação.

AUTORES

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Jaime Luiz ZorziFonoaudiólogo, especialista em linguagem e Doutor em Educação.

Professor e diretor do CEFAC Pós-Graduação em Saúde e Educação.Presidente do Instituto CEFAC.

Kátia A. Hühn ChedidPsicopedagoga. Orientadora Educacional. Curso de extensão em

Neuropsicologia. Participante do grupo de pesquisa na Faculdadede Educação da

Mari Ivone MisarelliFonoaudióloga clínica, graduada pela Unifesp no curso deFonoaudiologia, mestre em Fonoaudiologia pela PUC/SP

USP- Neurociências e Educação.

Mirella Liberatore PrandoFonoaudióloga, membro do Grupo de Neuropsicologia Clínica eExperimental - GNCE PUCRS, Mestranda em Psicologia, área deconcentração em Cognição Humana da Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, Porto Alegre, RS, Brasil;Especialização em Neuropsicologia pela UFRGS.

Rubens WajnsteinMédico neuropediatra pela FMUSP, Mestre em Distúrbios da

Comunicação pela UNIFESP, Professor da cadeira de Neurologiapela UNIABC, Faculdades São Camilo e Universidade Metodista de

São Paulo.

Rudá AlessiMédico residente em Neurologia pela Faculdade de medicina do

ABC.

Simone Aparecida CapelliniFonoaudióloga. Doutora e Pós-Doutora em Ciências Médicas -Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual deCampinas - FCM/UNICAMP - Campinas - SP. Docente do

Departamento de Fonoaudiologia e do Programa de Pós-Graduaçãoem Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade

Estadual Paulista - FFC/UNESP-Marília - SP.

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Telma PantanoFonoaudióloga, Psicopedagoga, Mestre e Doutora em Ciências pelaFMUSP, Colaboradora pelo SEPIA-IPQ-HC-FMUSP, coordenadora

do curso de Neurociências do CEFAC – Centro de Especializaçãoem Saúde e Educação, Professora do curso de Psicopedagogia dasFaculdades Mozarteum de São Paulo, Sócia titular e membro da

diretoria da ABPp gestão 2008/2010.

Vera Lúcia Orlandi CunhaMestre e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação

da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade EstadualPaulista - FFC/UNESP-Marília - SP.

Vicente José Assencio-FerreiraMédico, Neuropediatra e Doutor em Medicina (Neurologia) pelaUSP, Professor do CEFAC e Diretor Clínico do CEMTE (CentroEducacional Municipal Terapêutico Especializado) de Taubaté

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SumárioSumárioSumárioSumárioSumárioCapítulo 1

Introdução às Neurociências ......................................... 11Capítulo 2

Atenção e Memória ....................................................... 23

Capítulo 3Crescimento, Desenvolvimento e Envelhecimento do

Sistema Nervoso .............................................. 37

Capítulo 4Funções Vísuo-construtivas, Praxias e Agnosias ........... 61

Capítulo 5Pensamento, Inteligência e Funções Executivas ........... 81

Capítulo 6Linguagem e Cognição ................................................ 105

Capitulo 7Processamento Auditivo Central ................................ 113

Capítulo 8Aprendizagem e Habilidades Acadêmicas .................. 125

Capítulo 9A análise do Processamento Ortográfico e suas

Implicações no Diagnóstico dos Transtornos de Aprendizagem ........................................... 141

Capítulo 10Avaliação das Funções Cognitivas na Criança, no

Adolescente e no Adulto .............................. 157

Capítulo 11Neurociência na Educação I ......................................... 171

Capítulo 12Neurociência na Educação II ....................................... 183

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Capítulo 1Introdução às Neurociências

Telma Pantano e Vicente José Assencio-Ferreira

Este capítulo abordará alguns conhecimentos deneuroanatomia e neurofisiologia que formarão a base para os tópicosdiscutidos nos capítulos posteriores.

As neurociências cognitivas fornecem aos profissionais desaúde e educação bases consistentes sobre o funcionamento do cérebroe suas possíveis aplicações no processo de ensino-aprendizagem. Deuma forma geral, conhecer o cérebro e o seu funcionamento, podepermitir agregar à atuação clínica e pedagógica, conhecimentos sobrea maturação neurológica e o desenvolvimento de funções superiores,fornecendo melhores condições para oferecer estímulos coerentes eadequados a cada faixa etária.

Uma estimulação em tempo inadequado pode causar tantosdanos quanto a ausência de estimulação. Crianças que “pulam” estágiosde desenvolvimento encontram dificuldades enormes para recuperar oque perderam1. Da mesma forma a estimulação que não respeita asetapas do desenvolvimento cognitivo e neurológico da criança podefornecer aprendizagens incompletas e imaturas cuja re-significação podeser, extremamente, complexa de ser realizada.

O cérebro é a matéria prima para o processo deaprendizagem. É o principal responsável pela integração do organismocom o seu meio ambiente. Se considerarmos a aprendizagem aresultante da interação do indivíduo com o meio ambiente,perceberemos que é ele que propicia o arcabouço biológico para odesenvolvimento das habilidades cognitivas.

Sem dúvida nenhuma para o profissional de saúde eeducação torna-se incoerente que trabalhe com processamentoscognitivos como a linguagem e a aprendizagem, sem o conhecimentoda estrutura biológica em que se dá esses processos. Da mesma forma,é necessário compreender o funcionamento neurológico, o

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desenvolvimento e a maturação cerebral para que possamos conhecere desenvolver o potencial cognitivo de um indivíduo para as funçõesrelacionadas à linguagem e à aprendizagem.

O cérebro é uma estrutura formada por aproximadamente100 bilhões de neurônios (1x1011) de formas e tamanhos diferentesconjuntamente com as células da glia (na proporção aproximada de10 células da glia para cada neurônio) que lhe oferecem alimento esustentação. Atualmente tem-se discutido no meio científico evidênciasde que as células da glia teriam um papel importante nofuncionamento neuronal e, até mesmo, diferenciar-se em neurônios,porém esses estudos ainda não são conclusivos2,3,4.

Cada neurônio comunica-se com milhares de outrosneurônios utilizando prolongamentos curtos (dendritos) ou longos(axônios) (Figura 1) formando, assim, incontáveis possibilidades deconexões neuronais, à semelhança de uma rede (Figura 2).

Figura 1. Célula nervosa (neurônio) com corpo celular, axônio edendritos (retirado de http://www.cerebromente.org.br/n17/history/neurons2_p.htm).

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Figura 2. Comunicação entre neurônios formando redes ou retículosneurais (retirado de http://www.cerebromente.org.br/n17/history/neurons2_p.htm).

A cada novo estímulo, que gera um novo conhecimento, umanova rede se forma conectando-se às antigas, sendo infinitas aspossibilidades de formação de redes. Assim, para que se estabeleça umaadequada utilização destas conexões existe um sistema complexo deprocessamento que seleciona as redes importantes para cada ocasião, afim de possibilitar respostas rápidas a cada estímulo, seja ele verbal ounão verbal. Por exemplo, se estamos estabelecendo um diálogo sobreborboletas, o sistema nervoso central seleciona as redes neuronais emque este inseto está inserido, facilitando a fluidez e ritmo da conversação.Se estamos sendo atacados por um animal feroz, o sistema nervososeleciona as redes que registraram anteriores ataques, para favorecer umaresposta rápida necessária num momento como este. Obviamente, pessoasexperientes em ataques deste tipo, terão respostas mais rápidas e precisas;aquelas que nunca antes vivenciaram tal circunstância ficarão paralisadas,sem opor qualquer atividade motora para fugir ou impedir o ataque.

A “comunicação” neuronal acontece através da transmissãodo impulso elétrico (criado no corpo da célula nervosa) utilizando estes“fios” (dendritos e axônios); no final de cada um destesprolongamentos existem estruturas denominadas sinapses, onde estãolocalizadas inúmeras vesículas sinápticas, preenchidas com substânciasquímicas denominadas neurotransmissores (NT); com a chegada doimpulso elétrico estas vesículas se rompem os neurotransmissores sãolançados no espaço denominado de fenda sináptica, transformando oestímulo elétrico em estímulo químico (Figura 3).

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Figura 3. Desenho esquemático da sinapse nervosa com vesículassinápticas e os neurotransmissores sendo eliminados após estímuloelétrico.

Surgem as denominações de neurônio pré-sináptico (o queenviará o estímulo elétrico) e neurônio pós-sináptico (o que receberáesse estímulo). Porém, o impulso elétrico não atravessa a fendasináptica; na sinapse, o neurônio pré-sináptico libera o NT que ativaou inibe o neurônio pós-sináptico modificando seu receptor. O quedetermina a ativação ou inibição pós-sináptica é a característica do NTem ter ação excitadora (exemplo: adrenalina) ou inibidora (exemplo:ácido gamaminobutírico – GABA). Isto explica e justifica porque umimpulso elétrico pode determinar excitação ou depressão das funçõesencefálicas.

Na tabela 1 estão descritos alguns dos NT já classificadospelos neurocientistas, que afirmam existir muitos deles ainda nãoidentificados.

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Tabela 1. Relação de alguns neurotransmissores conhecidos dosneurocientistas e seus locais de síntese.

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Porém o neurônio não possui função passiva nesseprocesso5. Ele é extremamente ativo e integra a informação transmitidapor outros neurônios que chegam até ele, estruturando assim umanova informação.

Os neurônios organizam-se no que chamamos de SistemaNervoso Central (SNC) e Periférico (SNP). A porção central é compostapelo encéfalo e pela medula espinhal. O encéfalo, que é protegidopelo crânio, compõe-se de estruturas denominadas cérebro, cerebelo,diencéfalo e tronco encefálico (mesencéfalo, formação reticular, pontee bulbo) (Figura 4).

Figura 4. Encéfalo em corte sagital, vista lateral direita e corte coronal(retirado de http://www.neuroanatomia.ufba.br/imagens.htm).

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A medula espinhal, que é protegida pelas vértebras,compõe-se de substância cinzenta (com acúmulo de corpos celularesdos neurônios) central em forma de “H” e substância branca (comacúmulo de axônios ascendentes e descendentes) circunjacente.

A porção periférica é composta pelos nervos: 12 pares denervos cranianos (responsáveis pela sensibilidade e ativação motorada região da cabeça) e 33 pares raquidianos (responsáveis pelasensibilidade e ativação motora do resto do corpo).

O cérebro é constituído por dois hemisférios e cadahemisfério propriamente dito é dividido em cinco lobos: occipital,temporal, parietal, frontal e insular (Figura 5). O córtex cerebral éconstituído por seis camadas corpos celulares, portanto, de substânciacinzenta, situados na periferia do córtex e formando giros cerebrais,que revestem os dois hemisférios (direito e esquerdo). Ofuncionamento cerebral é integrado, ou seja, uma região depende dasoutras para realizar suas funções.

Figura 5. Esquema do encéfalo mostrando a localização dos loboscerebrais.

É desse emaranhado de células que surge então um dosmais complexos (senão o mais complexo) órgão do ser humano que opossibilita a funções extremamente elaboradas como a linguagem, aaprendizagem, o pensamento e a consciência.

Apesar da aparente semelhança anatômica entre os doishemisférios são grandes as diferenças funcionais que existem entre eles.

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a) Hemisfério Cerebral Esquerdo- em 98% das pessoas é no hemisfério cerebral esquerdo que está

localizado a função de linguagem, fala e escrita.;- os neurotransmissores dominantes são a dopamina e a acetilcolina, que

proporcionam o controle motor fino tanto manual como para a fala;- é responsável pela sintaxe e semântica do idioma;- permite a compreensão do significado literal das palavras;- favorece a praticidade nas ações, a ser prático nas atividades e na

conclusões;- permite a interpretação linear e seqüencial dos acontecimentos;- reduz algo complexo em partes mais simples;- procura por detalhes;- classifica e ordena os estímulos- faz interpretação e justificação dos acontecimentos;- realiza observação focada, dirigida do acontecimento;- segue um padrão lógico;- é objetivo;- estima o tempo cronologicamente, hora a hora, dia a dia;- encara os fatos como verdadeiro ou falso, branco ou preto;- retém a memória recente;- tem espírito crítico e “vocação pessimista”.

b) Hemisfério Cerebral Direito- o neurotransmissor dominante é a norepinefrina que estimula a

percepção de novos estímulos visio-espaciais;- avalia o contexto, entonação, ritmo da fala (prosódia);- capta o simbolismo, a metáfora do texto e fala;- percebe o humor e a estética do acontecimento;- permite uma visão holística da situação;- percebe o todo e o padrão do acontecimento;- possibilita a criatividade, imaginação;- oferece a percepção de profundidade, reconhecimento do rosto e do

estado emocional;- oferece a sensação de antipatia, mesmo imotivada, sem ter certeza

da razão, do porque;- avalia o acontecimento de forma global, sem se deter em detalhes.- Segue a intuição;- Estabelece padrões sem seguir um processo etapa por etapa;- É subjetivo;- Vê o tempo como um todo – um projeto, uma carreira;- Pensa positivamente, sem preocupar-se com midéias preconcebidas;- Pergunta-se “porque não?”e quebra as regras.

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Para a neurociência essas funções extremamente elaboradascomo a linguagem e a aprendizagem são processamentos cognitivosresultantes de processos cognitivos primários como: sensação,percepção, atenção e memória(s).

Tudo tem início com a transformação dos estímulossensoriais nos nossos receptores por impulsos elétricos num processoconhecido como transdução. É dessa forma que fazemos contato como mundo que nos cerca uma vez que a rede interna do nosso cérebrosó consegue entender sinais elétricos6.

Dessa forma, o que conhecemos do mundo é uma re-leiturado que foi transmitido ao nosso cérebro pelos estímulos sensoriais. Osreceptores periféricos transmitem impulsos ao cérebro de acordo como que conseguem perceber do mundo externo7,8. Esses impulsosdevem ser integrados e re-construídos num processo que se denominapercepção. Essas percepções somente podem ser compreendidas ereconhecidas depois de um processo de aprendizagem contínuo queclassifica, organiza, compara e integra os estímulos sensoriais em umúnico objeto.

Após os processos de sensação e de percepção a informaçãoem processamento chega ao nosso sistema límbico responsável pelaatribuição emocional ao estímulo. É assim que a informação recebeum colorido emocional9.

Porém, como o nosso cérebro é inundado a todo momentopor inúmeros estímulos advindos de diversos canais sensoriais (alémde diversos estímulos advindos do mesmo canal sensorial) torna-senecessário assim uma seleção dos estímulos externos e umahierarquização desses estímulos através de um processo cognitivodenominado atenção. A atenção faz com que alguns estímulos sejampreferencialmente processados enquanto outros são reduzidos ou nãosão processados.

Esta é uma das características mais importantes da atenção:para que possamos ter atenção a um estímulo específico devemos ter“desatenção” aos outros estímulos. É através dessa seleção de estímuloso nosso cérebro pode realizar processamentos cada vez maissofisticados com os estímulos selecionados.

A atenção tem algumas características que devem serinvestigadas por profissionais de saúde e educação que trabalhemcom qualquer processamento cognitivo. O sujeito deve poderfocalizar a atenção - o princípio da atenção propriamente dito;sustentá-la por um determinado período de tempo enquanto serealizam os processos cognitivos necessários; alterná-la entre dois

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estímulos e dividi-la deixando um processamento automático e ooutro consciente.

Da mesma forma a atenção pode ser automática – atravésde estímulos intensos, súbitos, em movimento ou contrastantes como fundo que deslocam nosso foco atencional sem o controle do sujeito;e voluntária – no qual o indivíduo pode ter controle na escolha de seufoco atencional.

Não se sabe exatamente como o cérebro faz para selecionarum estímulo em detrimento de outros, porém sabe-se que essa seleçãoacontece de dois modos: pela intensidade dos estímulos que estimulamos receptores sensoriais e por mecanismos de memória baseado nasexperiências anteriormente vividas pelo indivíduo. Memória e atençãosão assim funções intrinsecamente relacionadas.

Memória é uma atividade eletrofisiológica a nível neuronalque tem a função de fixação, retenção e resgate de informações. Compõe-se de sistemas inter-relacionados, ou seja, sistemas que funcionam deforma independente cujo funcionamento pode ser diferente, porém écolaborativo com os outros. Dessa forma uma lesão neuronal na regiãode determinada memória poderá fazer com que deixe de desempenhara função daquela região, porém outros módulos são capazes deminimizar as deficiências alterando seu próprio funcionamento10.

A primeira grande dissociação entre sistemas dememória diz respeito ao tempo no qual a memória pode serarmazenada. Surge então a memória operacional cujo funcionamentoé descrito por Baddeley desde a década de 197011 e relaciona-se com oarmazenamento e significação de conteúdos por um curto espaço detempo; e as memórias a longo-prazo cuja função é o estoque a porlongo tempo da informação.

Dissociações de diferentes memórias de longo-prazotambém são descritas12, sendo as mais aceitas aquelas relacionadas amemórias explícitas ou declarativa (que podem ser expressas de formaverbal) e memórias implícitas ou de procedimentos (cuja expressãonão pode ser explicitada ou pode ser explicitada somente através deatos motores).

As memórias explícitas tem sua origem principalmenteno córtex temporal e as memórias implícitas no núcleo estriado, noneocórtex, amígdala e cerebelo. O hipocampo é a principal estruturaresponsável pela organização e passagem da informação da memóriaoperacional para as memórias de longo-prazo.

Assim, como foi dito anteriormente tanto a linguagemquanto a aprendizagem têm suas origens nos processos acima

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explicitados. A linguagem é um sistema cognitivo que permite aohomem classificar as coisas desse mundo, dar-lhes uma ordem e torná-los manejáveis9. Já a aprendizagem organiza, integra, dá forma e nomeaos estímulos perceptivos vindos do mundo externo ao mesmo tempoque permite integrações e elaborações mentais das informaçõesadvindas do mundo externo, permitindo elaborações cada vez maissubjetivas e simbólicas. O processo de aprendizagem envolve áreasmotoras, sensitivas, auditivas, ópticas, olfativas, vestibulares, térmicas...

Tanto os estímulos a que somos submetidos como aquelesque conseguimos organizar e elaborar mentalmente são dependentesde aspectos culturais e sociais. Dessa forma, somente o resultado daaprendizagem pode ser observado através das mudanças decomportamento ou de elaborações mentais de um indivíduo.

Chegamos por fim às funções executivas que secaracterizam por ser uma série de funções complexas dependentestambém dos processamentos anteriores. Tem sua origem no córtexfrontal (área pré-frontal) e são funções extremamente necessárias paraum comportamento eficaz e apropriado. Envolvem a capacidade deiniciar uma determinada tarefa; o planejamento de ações ou mesmode discursos relacionando-os com o contexto; o levantamento dehipóteses; a flexibilidade de pensamento; tomada de decisões; auto-regulações; julgamento de si mesmo (auto-crítica e análise contextual)e a utilização de feedback.

Cabe ao profissional de saúde e educação que atua coma aprendizagem conhecer, avaliar e intervir no funcionamentocognitivo da criança, adolescente ou adulto de forma a favorecer umfuncionamento que permita a aquisição de novos conceitos esignificados de forma flexível e organizada permitindo ao sujeitoadquirir assim autonomia no seu processo de elaboração mental eaprendizagem.

Bibliografia

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22 Neurociências

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Capítulo 2Atenção e Memória

Telma Pantano e Vicente José Assencio-Ferreira

O processo de aprendizagem necessariamente envolvecompreensão, assimilação (memória), atribuição de significado eestabelecimento de relações entre o conteúdo a ser apreendido e osconteúdos a ele relacionados e já armazenados. Nessa visão cognitiva,a aprendizagem é um processamento resultante de processoscognitivos que envolvem sensação, percepção, atenção e memórias(operacional e de longo prazo).

Uma vez que a atenção e as memórias são processosanteriores aos de aprendizagem, o profissional de saúde e educação quese ocupe da aprendizagem deve conhecer profundamente e saber avaliartais processos para realizar uma avaliação bem estruturada e elaborada.

Assim, conhecimentos básicos sobre a neuroanatomia eneurofisiologia da atenção e memória, permitem uma melhorcompreensão dos achados teóricos que os neurocientistas nos oferecemtodo dia. Apesar de ser matéria em franco desenvolvimento, suas asbases anatomofisiológicas já estão bastante sistematizadas.

Neste capítulo, os aspectos relacionados à atenção e àmemória serão abordados separadamente apenas como uma divisãodidática, uma vez que ambos estão intimamente imbricados nodecorrer do processamento cognitivo.

Neuroanatomotofisiologia da AtençãoPara que o sistema nervoso estabeleça a função atenção, é

necessário o trabalho/envolvimento de grandes áreas corticais esubcorticais. Através de exames funcionais é possível perceber que odesenvolvimento da atenção determina o aumento de impulsoselétricos de neurônios localizados em várias áreas do encéfalo.

Quando um animal presta atenção em um estímulo, osneurônios do córtex frontal e do colículo superior (ponto de passagem

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de estímulos visuais) aumentam sua atividade nervosa. As células docórtex parietal relacionadas ao processamento visual (percepção dacor, forma e detalhes finos) também respondem mais fortemente. Istosugere que a atenção acentua o processamento sensorial como umtodo, o que facilita o movimento planejado para uma provável/possívelresposta. De uma forma simplista podemos afirmar que os elementoscorticais participantes do controle atencional envolvem o lobo parietalposterior, a área pré-motora e o córtex pré-frontal. De um lado o lobofrontal detecta o alvo e prepara a adequada resposta, enquanto o loboparietal orienta a atenção.

Uma outra abordagem, com visão integrativa propõe umsistema que inclui, também, participação co córtex intraparietal efrontal superior, o qual está envolvido no controle da seleção dosestímulos e respostas, relacionando-se com a rede neural temporo-parietal-frontal inferior, especializada na detecção de estímuloscomportamentalmente relevantes.

Quanto as áreas subcorticais são evidentes as participaçõesdo tálamo, área cingulada e formação reticular do tronco encefálico.

A formação reticular situado no tronco encefálico éconstituído por grupos mais ou menos bem definidos de neurônios,que promovem o controle eferente da sensibilidade, selecionandoinformações sensoriais que lhe chegam, eliminando ou diminuindoalgumas e concentrando-se em outras, promovendo a atenção seletiva.Depende da ativação do córtex frontal anterior que determina o quedeve ou não deve “passar” para o córtex, funcionando como um filtro.É o denominado filtro atencional em que estímulos seriam selecionadoscom base em características físicas pré-estabelecidas pelo córtex frontalanterior. Estímulos filtrados não teriam prioridade de acesso aossistemas corticais de processamento, a não ser que eventos inesperados,surpreendentes ou incongruentes no ambiente, “furem o bloqueio” esejam prontamente, de forma quase inevitável, elevados à categoriade foco de atenção.

Existe, portanto, um selecionador ou um processamentopré-atencional antes que a informação se torne consciente e estabeleçauma resposta específica.

Na Figura 1 estão esquematizados os sistemas de “filtros”que os estímulos têm que percorrer para desenvolverem ou não aatenção e serem processados.

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Entr

ada

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form

ação

Estím

ulos

sel

ecio

nado

s

A. Filtro Simples

B. Filtro Atenuador

C. Filtro Amplificador

FiltroPré

filtragem Pós filtragem

Neuroanatomofisiologia da MemóriaNa contextualização da memória a participação de

estruturas encefálicas subcorticais é marcante, em especial asrelacionadas com o Sistema Límbico. Sabe-se que este mesmo sistemaparticipa intimimamente com os processos emocionais, em conjuntocom o Hipotálamo e a área Pré-Frontal. Falar de memória nos obrigaa falar das atividades relacionadas à emoção, pois as bases dos impulsosda motivação, principalmente a motivação para o processo deaprendizagem, bem como as sensações de prazer ou punição, são

Figura 1. Modelo representativo de filtros seletivos de informações.(A) com filtro simples, que impede a passagem de informações nãoselecionadas e deixa apenas os estímulos selecionados alcançaremníveis superiores de processamento. (B) com filtro atenuador, querestringe, mas não impede a passagem de informações nãoselecionadas. Dessa forma permite que as informações selecionadaschegem com maior intensidade relativa nos sistemas de processamentoe (C) com filtro amplificador, em que as informações selecionadastêm sua atividade amplificada pelo filtro1,2,3,4,5.

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realizadas em grande parte pelas regiões basais do cérebro, as quais, emconjunto, são derivadas do Sistema Límbico. Na Figura 2 estão citadasas áreas corticais e subcorticais que se conectam com o sistema límbico.

A memória de curto prazo permanece no córtex cerebral,mas a retenção da mesma como memória de longo prazo, promove odeslocamento dos estímulos para áreas encefálicas mais profundas,sumarizadas na Figura 3.

Enquanto permanece no córtex, a informação arquivadatemporariamente, sofre ação de dois sistemas de suporte: um denatureza vísuo-espacial e outro de natureza fonológica. Posteriormente,para lidar com as associações entre as informações mantidas nossistemae de suporte e promover as integração com as memórias delonga duração é necessário tornar-se consciente (ou seja, cortical) asmemórias de longa duração. Assim, Baddeley7 estruturou outro

Corpo Caloso

Cerebelo(vermis)

Hipocampo

Amígdala

Lobo Temporal

Hipotálamo

Tálamo

Córtex pré-frontal

Figura 2. Esquema representativo das estruturas corticais esubcorticais que se conectam com o sistema límbico (Tálamo,hipotálamo, Amígdala e Hipocampo).

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elemento no modelo de memória de curto prazo, em que existe aparticipação de estruturas subcorticais, primariamente, inconscientes.

A atenção é um processo neural que se expressa nocomportamento dos indivíduos8 e é observada pela capacidade defiltrar informações em diferentes pontos do processo perceptivo. Aatenção faz com que haja a percepção de alguns estímulos e anegligência de outros dentro do processamento cognitivo.

De todos os estímulos perceptivos que invadem o nossocórtex, a atenção atua como um mecanismo que escolhe os estímulosrelevantes para serem processados enquanto os demais são atenuadosou não processados9,10. São características do processo atencional apossibilidade de controle voluntário sobre ele, bem como a suacapacidade limitada. Assim, pode-se escolher os estímulos a receberemseleção atencional; da mesma forma, não é possível ter mais de um focoatencional em um processamento cognitivo complexo ao mesmo tempo.

Com relação à origem do processo atencional, a atençãopode ser classificada como automática e voluntária ou controlada8,11,12.A atenção automática não tem o controle voluntário e é destinada aestímulos salientes sensorialmente ou relevantes biologicamente, ouseja, estímulos súbitos, intensos, em movimento, contrastantes com ofundo (exemplo: parede versus animal) e significativos em um dadocontexto (ex.: alguém chamando o seu nome numa festa).

Figura 3. Esquema de localização dos sistemas de memória de longaduração (adaptado de Squire & Knowlton6)

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Já a atenção voluntária pode ser dirigida a motivaçõesfisiológicas como dor de barriga, fome e sede, assim como a motivaçõessociais como sugestões verbais e a procura na internet de umdeterminado tema.

A atenção voluntária pode ser operacionalizada de acordocom algumas características8,12:• Seletiva: privilegiar determinados estímulos em detrimento de outros

– mecanismo atencional básico;• Sustentada: manter atenção em um estímulo durante um

determinado tempo;• Alternada: alternar o foco atencional – desengajar-se de um estímulo

e engajar-se em outro;• Dividida: desempenhar simultaneamente duas tarefas – um estímulo

torna-se um processamento automático e o outro, um processamentocontrolado.

Por sua vez, os focos atencionais podem estar relacionadosa estímulos sensoriais, memórias, pensamentos, recordações e aexecução de cálculos mentais. A atenção está diretamente relacionadaao contexto em que o indivíduo está inserido, às características dosestímulos, expectativas individuais, motivação, relevância da tarefadesempenhada e experiências anteriores13,14.

Pode-se avaliar o funcionamento da atenção através deexames de ressonância magnética funcional, em que é possível verificaras estruturas cerebrais envolvidas nos diferentes tipos de informaçãosensorial, bem como através de testes atencionais como o stroop23

(Figura 4), escuta dicótica, testes de performance contínua e o digitspam, entre outros.

Figura 4. O Canadá está utilizando o efeito Stroop nas estradas parachamar a atenção dos motoristas, pois eles não costumam prestar muitaatenção nas placas convencionais.

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A maior parte das alterações atencionais são resultantes dequadros lesionais e disfuncionais orgânicos e podem sofrer alteraçõesde intensidade, sendo consideradas: alterações simples, brandas,oscilatórias e flutuantes. As alterações relacionadas aos aspectosquantitativos de atenção são classificadas como distração,hiperprosexia, hipoprosexia e aprosexia8,15,25.

Distração ou distraibilidade é a dificuldade para concentrara atenção sobre um estímulo contextualmente mais significativo. Podeocorrer por excesso de concentrção como em pessoas ansiosas, oupessoas com interesse por estímulos exclusivos (pensamentos,sensações e percepções). Em situações de hipervigilância, como porexemplo em situações focos emocionais: filme de terror, terrornoturno, condições paranóides, quadros fóbicos e uso de cocaína eestimulantes, há a flutuação da atenção com qualquer estímulo doambiente. Nesses casos há um aumento da atenção voluntária e umaqueda da atenção espontânea.

A hiperprosexia relaciona-se ao aumento quantitativo daatenção e, conseqüentemente, à diminuição dos aspectos qualitativosda mesma. Nesse caso, o indivíduo interessa-se pelas mais variadassolicitações sensoriais sem se fixar em um objeto específico, ou seja,sem produzir processamentos mais complexos aos estímulos querecebem a atenção. Tal quadro envolve estados patológicos queenvolvem excitação psicomotora, tais como episódios maníacos,transtorno hipercinético da infância, intoxicações por cocaína ouestimulantes.

Por sua vez, a hipoprosexia envolve o enfraquecimentoacentuado da atenção tanto automática quanto voluntária. Relaciona-se a quadros como transtornos depressivos, embriaguez alcóolicaaguda e embriaguez patológica, autismo, demências, paralisias,esquizofrenia, transtorno cognitivo leve, epilepsia, paralisia geral edeficiências mentais.

Por último, a aprosexia representa ausência total de atençãopor mais intensos que sejam os estímulos. É observada em quadrosde acentuada deficiência mental, distúrbios metabólicos e tóxicos,traumas cranioencefálicos (TCEs) subcorticais, inibição cortical eestados demenciais graves.

Em função de memórias previamente armazenadas, ocórtex cerebral sabe quais estímulos devem ser selecionados emdetrimento de outros. Atenção e memória formam, assim, uma via demão dupla em que um é dependente do outro para a seleção dosestímulos e para o seu armazenamento.

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A memória é uma atividade eletrofisiológica que possui afunção de permitir o registro, manutenção e evocação de fatos jáacontecidos8. É modulada por fenômenos psíquicos como:consciência, atenção e concentração, interesse, emoção,sensopercepção, repetição e associação dos estímulos a serempercebidos.

De acordo com Nogueira15, os dados de memória podemser armazenados de forma isolada (dados vazios e aleatórios – númerode telefone), relacionados (uma relação simples com um objeto oupessoa – nomes próprios) e de forma integrada (relacionam-se comuma série de significados)15. Os dados armazenados de forma integradasão considerados numa postura cognitiva como a aprendizagempropriamente dita. Toda memória possui as fases de fixação, retençãoe evocação dos estímulos.

O processo de fixação depende de vários fatores, tais comonível de consciência do indivíduo, estado geral do organismo (nutrição,cansaço, calma), atenção global, capacidade de manutenção da atençãosustentada, interesse e conteúdo emocional que o indivíduo atribuiao estímulo, assim como de seu conhecimento prévio, da capacidadede compreensão do conteúdo e dos canais senso-perceptivosenvolvidos. O tempo de fixação é limitado pelo grau de importância epelo tipo de utilização que faremos de cada evento registrado. Acapacidade de fixação pode ser trabalhada, treinada e,consequentemente, melhorada.

A conservação depende da repetição e utilização dosestímulos e da sua associação com outros elementos é, portanto, umprocesso dinâmico e integrativo com as memórias já armazenadas peloindivíduo. A evocação é a reprodução dos dados fixados15. Problemasno resgate (evocação) da informação podem estar relacionados a falhasnos processos de fixação e conservação, mecanismos fisiológicosrelacionados ao desinteresse ou desuso, lesões, quadros demenciais eemocionais.

O material evocado nunca é o mesmo que o fixado, umavez que sofreu alterações decorrentes do processo de conservação emque são atribuídas características pessoais aos elementos armazenados.Fazemos muito mais fixação do que evocação uma vez que nem todamaterial preparado para armazenamento é conservado eposteriormente evocado.

As memórias podem receber diferentes classificaçõescomo, por exemplo, serclassificadas conforme as percepções ecapacidades funcionais, sendo consideradas memórias visual,

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espacial, gustativa, olfativa, tátil, proprioceptiva, aritmética oumusical15,16.

Fisiologicamente, de acordo com o tempo dearmazenamento, a memória pode ser dividida em operacional, quefunciona através de estímulos bioquímicos, e a longo prazo, cujaconsolidação se dá através de reorganização neuronal e de“brotamento” neuronal17.

A memória operacional é um conjunto de habilidadescognitivas que permite que informações novas e antigas sejammantidas ativas (on-line) a fim de serem manipuladas com o objetivode realizar determinada tarefa18. O material armazenado na memóriaoperacional deve ser utilizado imediatamente para não sertransformado ou descartado. É uma das principais memóriasrelacionadas à produção e compreensão da linguagem, aprendizagem,funções executivas e raciocínio. Envolve principalmente ofuncionamento do córtex pré-frontal22,24.

Por serem estruturadas de forma mais estável (através debrotamento neuronal ou reorganização dendrítica, como já explicado),as memórias a longo prazo podem receber várias classificações. A maisutilizada relaciona-se ao tipo de informação armazenada. De acordocom essa proposta de classificação, tais memórias podem ser divididasem explícitas (semântica, autobiográfica, episódica), que podem serreproduzidas por meio de linguagem, e implícitas, que não podem serexpressas de forma lingüística12,16,19,20.

As memórias implícitas são utilizadas em habilidadesmotoras, perceptivas, aprendizado de regras e procedimentos. Estãorelacionadas ao sistema sensorial e/ou motor envolvido no processo deaprendizado de regras (exemplo: regras gramaticais, conjugação verbalem língua estrangeira). São memórias não declarantes mais relacionadasa habilidades e estratégias motoras, sofrendo pouco prejuízo em quadrosde demência. Porém, em quadros degenarativos como a doença deHuntington, o seu comprometimento é bastante evidente.

A memória explícita envolve o processo de registrar eevocar de forma consciente informações relacionadas a pessoas, eventose conhecimentos factuais. Depende das regiões mesiais dos lobosparietais. Os processos patológicos envolvidos no prejuízo dessamemória são a síndrome de Wernicke-Korsakoff e lesões no lobotemporal que envolvam o hipocampo. Nesses casos, há perda decapacidade de fixar e lembrar eventos ocorridos há mais de algunsminutos, incluindo eventos marcantes e traumáticos11. A memóriaexplícita divide-se em semântica, autobiográfica e episódica.

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As falhas e/ou lapsos de memória comumente observadosem pessoas jovens parecem estar relacionados com a avalanche deinformações do mundo moderno, o que provocaria uma assimilaçãosuperficial dos conteúdos e conseqüentemente pouca retenção devidoa falhas na etapa de fixação. As principais causas desses quadros sãousualmente atribuídas a pouca concentração, estresse (uma vez que oexcesso de cortisol provoca uma “atrofia” do hipocampo), ansiedade,depressão e o uso contínuo e excessivo de drogas, álcool, maconha ecalmantes.

Em relação às alterações quantitativas da memória, pode-secitar a hipermnésia, que envolve a recordação em quantidade aumentada,porém com redução dos aspectos qualitativos, como nos casos detranstornos orgânicos gerais, excitação maníaca ou hipomaníaca,epilepsia, sonhos, hipnose, situações limites de risco (sofrimento oumorte iminente), manifestações tóxicas por cocaína ou anfetamina e oinício de certas evoluções demenciais. Na hipermnésia as capacidadesde fixação e conservação encontram-se diminuídas e está associada asituações de aceleração do ritmo psíquico.

A amnésia é a perda da capacidade de fixar, armazenar ouevocar conteúdos. De acordo com Nogueira15 pode afetar conteúdosespecíficos ou sistematizados (nomes próprios, palavras, fatos, pessoasou números); tempo (inespecíficas ou localizadas)15. As amnésiaspodem também ser classificadas como psicogênicas (perda de lementosfocais com valor psicológico) ou orgânicas (menos seletiva em relaçãoao conteúdo esquecido), ou então, conforme a relação temporal comum evento específico, como anterógradas (depois da causadeterminante ou do distúrbio) ou retrógradas (antes da causadeterminante).

A amnésia pode ser reversível ou irreversível 12. Écomumente observada em casos de transtornos psicogênicos comoamnésia dissociativa, psicoses agudas e em caso de transtornosorgânicos como as demências orgânicas, Alzheimer, síndrome deKorsakov, epilesia, alcoolismo, uso de benzodiazepínicos e anestesiasgerais, traumatismos cranianos e retardo mental.

Quanto aos aspectos qualitativos da memória, as principaisalterações relacionam-se às paramnésias que são deformações doprocesso de evocação de conteúdos previamente fixados com distorçõesque incluem acréscimos de detalhes, significados ou emoções falsasaos fatos. São observados em transtornos orgânicos como aesquizofrenia paranóide, síndorme maníaca e histeria grave,transtornos de personalidade e transtornos mentais orgânicos como a

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síndorme de Korsakov, Alzheimer21, alcoolismo, epilepsia e retardomental de grau moderado.

Outra alteração qualitativa é denominada memóriaenxertada, que se caracteriza pelo acréscimo de informações falsas aum núcleo verdadeiro de informações. Outras alterações possíveis sãoos delírios e alucinações mnêmicas, além das fabulações (nas quaiselementos da imaginação do paciente ou lembranças isoladascompletam lacunas da memória, comuns em encefalites, intoxicaçõese alcoolismo crônico).

Os quadros patológicos mais freqüentemente relacionadosa alterações de memória são a criptomnésia (falseamentos de memórianos quais as lembranças aparecem como novas recordações); lembrançasobsessivas; agnosias (falsos reconhecimentos); quadros demenciais(exemplo: mal de Alzheimer); traumatismos crânio-encefálicos; acidentesvasculares cerebrais; epilepsias; hipóxia e encefalites.

Nogueira (2005)14 apresenta um esquema bastantesimplificado sobre as alterações de memória (Quadro 1).

Quadro 1. Possibilidades diagnósticas das alterações da memóriaquantitativas e qualitativas14.

Todas essas alterações de memória assim como de atençãopodem ter repercussões importantes para a aprendizagem, elaboraçãoe compreensão de linguagem. Cabe então aos profissionais quetrabalham com essas alterações investigá-las e conhecê-las emprofundidade para que o seu trabalho possa se tornar cada vez maisefetivo e completo.

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Capítulo 3Crescimento, Desenvolvimento e

Envelhecimento do Sistema Nervoso

Rubens Wajnsztejn e Rudá Alessi

Introdução

O desenvolvimento humano consiste em interagir sobre arealidade, perceber e significar o mundo que nos rodeia, transformar,ou seja, responder a essas informações da maneira que acompreendemos e interiorizar aquilo que nos foi significativo emtermos de aprendizagem. O Sistema Nervoso, desenvolvido maisrecentemente na escala filogenética, é o elemento que permite aohomem a modulação de seu comportamento para sobrevivência eadaptação ao meio ambiente. Em outras palavras, através do sistemanervoso os indivíduos aprendem a otimizar recursos para viver bem.

Os cinco primeiros anos na espécie humana são cruciaispara seu desenvolvimento. É a fase em que nosso encéfalo sai dos 400gramas do nascimento para chegar perto de 1,5 quilo da idade adulta.A diferença de tamanho é explicada pelas conexões que vãoacontecendo nos cinco primeiros anos entre os neurônios das crianças,formando uma rede de informações que fundamenta o que chamamosde inteligência.

O desempenho do sistema nervoso humano está de talmodo relacionado à cultura, consciência, linguagem, memória, que odistingue dos outros animais. Este é um problema que discutiremosneste capítulo, na tentativa de entender o sistema nervoso através desua intelectualização. É de suma importância, também, entender aprópria evolução do cérebro humano através de sua neurogênese, jáque desta resultará a base anatômica para o seu desenvolvimento, desdea infância, passando pela adolescência e chegando à vida adulta. Assimsendo abordaremos, num primeiro tempo, a organogênese do sistemanervoso, suas correlações e implicações.

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Diferenciação e especialização celular

Durante o período embrionário inicia-se a cadeia deprocessos que vai culminar no que conhecemos como diferenciação eespecialização celular. No caso das células nervosas, este processoimplica na capacidade de sintetizar neurotransmissores e enzimas,desenvolver receptores protéicos e formar conexões específicas comoutras células na sua periferia e à distância.

Resumidamente, podemos dizer que a seqüência deeventos que levam uma célula indiferenciada a se transformar emum neurônio inclui a determinação (“separação” de um grupo decélulas que vai se expressar geneticamente como neurônios e suadisposição em regiões específicas do embrião), diferenciação (englobaa proliferação e formação de neurônios de certa linha, sua migraçãopara os locais adequados e desenvolvimento de suas interconexõesespecíficas). Estes dois processos são determinados pela interaçãobalanceada da expressão genética intrínseca das células e fatorespresentes no microambiente embrionário, sendo que cada eventoocorrido desencadeia uma seqüência de outros eventos, e assimsucessivamente, numa cadeia interdependente. O último estágiodeste processo, a formação de interconexões entre os neurônios,inicia-se no período embrionário, porém só vai se completar na fasepós-embrionária, através da influência adequada de fatoresambientais.

Embriologia

O sistema nervoso dos vertebrados desenvolve-se a partirdo ectoderma, camada mais externa dos três folhetos embrionários.O ectoderma se espessa dando origem à placa neural, a qual se invaginapara formar uma estrutura tubular, denominada de tubo neural. Esteevento ocorre entre a terceira e a quarta semana de idade gestacional,onde sinais provenientes do mesoderma subjacente (notocorda)induzem a formação da placa neural, fato este, descoberto em 1924por Hans Spemann e Hilde Mangold apud Jessel e Sanes, 2000a31.Assim, o mesoderma libera substâncias químicas específicas para oectoderma, as quais influenciarão na expressão gênica das célulasectodermais, cruciais para a formação do tubo neural.

Dentre essas substâncias temos o ácido retinóico, umderivado da vitamina A e um dos membros da família dos esteróides,o qual ativa uma classe de fatores de transcrição – os receptores

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retinóicos – que modulam a expressão de genes particulares. Umaoutra classe de indutores é conhecida como fatores tróficos, dentreeles, podemos citar o fator de crescimento fibroblástico (fibroblastgrowth factor – FGF) e a família dos fatores de crescimentotransformantes (transforming growth factor – TGF)1.

Quando da formação do tubo neural, as duas semanassubseqüentes, ou seja, quinta e sexta semana de idade gestacionalserão marcadas pela indução das vesículas encefálicas, as quais sediferenciarão, morfologicamente, em todas as estruturas encefálicas(Figura 1). Temos, assim, as três vesículas encefálicas primáriascompostas pelo prosencéfalo (encéfalo anterior), mesencéfalo(encéfalo médio) e o rombencéfalo (encéfalo posterior). Comoconseqüência do desenvolvimento embrionário, o prosencéfalooriginará duas vesículas secundárias: o telencéfalo ou cérebropropriamente dito, e o diencéfalo; o mesenséfalo não se modifica e orombencéfalo originará duas outras vesículas secundárias: ometencéfalo, o qual se tornará cerebelo e ponte, e o mielencéfalo, oqual se tornará bulbo43.

Durante todo este processo, a luz do tubo neural seencontra repleta de líquido cerebrospinal e constituirá o sistemaventricular, composto pelos ventrículos laterais direito e esquerdo,terceiro e quarto ventrículos e os forames interventriculares queconectam os ventrículos laterais ao terceiro ventrículo e o aquedutomesencefálico que une o terceiro ao quarto ventrículo1.

Constituição do Sistema Nervoso

Os hemisférios cerebrais são incompletamente separados,sendo principalmente unidos pelo corpo caloso. Cada hemisfériopossui quatro lobos: frontal, parietal, temporal e occipital.

A camada superficial do encéfalo apresenta depressõesdenominadas sulcos, que delimitam os giros ou circunvoluçõescerebrais e permite considerável aumento de superfície do chamadocórtex cerebral, onde serão processadas as informações maiscomplexas. O padrão de giros e sulcos varia em cada cérebro, podendoser diferente nos dois hemisférios de um mesmo indivíduo. Os doissulcos mais importantes são o lateral e o central. O sulco lateral separao lobo temporal, situado abaixo dos lobos frontal e parietal situadosacima. O sulco central está localizado no lobo parietal, ladeado pordois giros paralelos, um anterior, o giro pré-central e outro posterior,giro pós-central.

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O córtex cerebral é a fina camada de substância cinzenta(corpo celular de neurônios) que reveste o centro branco (área deprojeção das terminações nervosas) do encéfalo. No córtex cerebralchegam impulsos provenientes de todas as vias da sensibilidadeinclusive formação reticular) que aí se tornam conscientes e sãointerpretadas. Do córtex saem impulsos nervosos que iniciam ecomandam os movimentos voluntários e com ele estão relacionadosos fenômenos psíquicos. O córtex cerebral, durante o desenvolvimentofilogenético, sofreu um aumento progressivo atingindo seu maiordesenvolvimento na espécie humana, o que pode ser correlacionadocom o grande desenvolvimento das funções intelectuais nesta espécie.Assim, ele está correlacionado com o desenvolvimento das funçõesnervosas superiores43. Sua superfície se tornou, relativamente, maiorque o seu volume, uma condição que explica o aparecimento de sulcose giros, necessários para acomodar o crescimento do cérebro dentrodo crânio10. No período da adolescência observamos um grandeaumento de circuitos cerebrais, com várias interconexões se formando,utilizando-se das informações básicas adquiridas durante os primeirosanos de vida, como descreveremos a seguir.

A Especialização do Sistema Nervoso

Nos recém-nascidos, o cérebro é um órgão de grandeplasticidade. Seus dois hemisférios, o esquerdo e o direito, ainda nãoestão completamente especializados. Isso só acontecerá entre os cincoe dez anos de idade. Dentro de cada hemisfério, não se conectaram asterminações nervosas responsáveis por dons elementares, como a fala,a visão, o tato ou tão refinados quanto raciocínio matemático,pensamento lógico ou musical.

Para se desenvolver, o cérebro precisa de ginástica. Bastadizer que cada pessoa pode realizar de 3 a 150.000 conexões neurais.O pico acontece por volta dos dois anos de idade (vide abaixo),havendo uma perda gradual com o passar do tempo. São muitasconexões, e melhores também. Isso porque, nessa fase, entre outrascoisas, o organismo produz mielina – substância que envolve osneurônios, cuja finalidade é aumentar a velocidade e lisura durantea transmissão de informações. Só que essa produção termina naterceira década de vida. É por isso que, apesar de o adulto possuirneurônios e, conseqüentemente, ser capaz de aprender uma línguaestrangeira ou um esporte novo, o tempo necessário é habitualmentemaior.

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Mielinização

Concomitantemente aos processos de migração eorganização cortical está ocorrendo a mielogênese47. A bainha demielina é um complexo lipoprotéico, caracterizado pela superposiçãode várias membranas celulares que revestem o axônio ao longo de seucomprimento, deixando pequenos intervalos denominados de nódulosde Ranvier. No SNC está bainha é formada pelo oligodendrócito, oqual pode envolver, aproximadamente, 15 axônios de uma só vez. Aproporção entre as células do tecido nervoso é de aproximadamente10 células da glia para cada neurônio33.

O pico de mielinização ocorre de 24 semanas de vida intra-uterina ao nascimento e do nascimento até, aproximadamente, 24meses de vida pós-natal47. Entre o sexto e o décimo-oitavo mês devida pós-natal a substância branca é, proporcionalmente, de menorvolume em relação ao córtex mais maduro. O crescimento dasubstância branca continua por um período longo até o fim da primeiradécada, tendo a substância cinzenta já adquirida proporções adultas7.

Sinaptogênese

O mecanismo de formação de sinapses entre as célulasnervosas é um mecanismo altamente complexo, pois exige que um númeroimenso de células “encontre” seus alvos adequados a fim de formar osdiferentes tratos e regiões cerebrais, para constituir finalmente todo osistema nervoso central e periférico. É um processo delicado e de altaprecisão, cujos fenômenos ainda não são completamente compreendidos.De maneira simplificada, podemos entender que um grupo de célulasnervosas “sabe” qual o seu destino através do reconhecimento demarcadores moleculares presentes em sua constituição que devem “casar-se” com os do local alvo. Através da completa combinação de marcadores,como uma “senha” estabelece-se a conexão entre as células. Além disso,os axônios também devem ser guiados, por mecanismos semelhantes, aseus alvos, que também serão reconhecidos através de marcadoresquímicos. Após o estabelecimento inicial destas conexões, ocorremmodificações adicionais levando à moldagem da massa de células, comaumento da diferenciação, retirada da população excedente (em geralpor privação de fatores de crescimento e nutricionais) e remodelação dassinapses. Finalmente, haverá um ajuste mais fino, sendo que neste últimoe mais sofisticado processo o aprendizado passa a ter um papel crucial.Todas estas etapas de interação celular são altamente complexas e, portanto,

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são etapas críticas para um correto desenvolvimento de toda a futurarede neuronal. Erros de migração celular levam a uma série de outrasaberrações no processo, que culminam com as chamadas malformaçõescongênitas acometendo o sistema nervoso, muitas vezes induzidas, porexemplo, pelo uso de drogas durante o período crítico de diferenciaçãocelular (primeiro trimestre da gestação)51.

Para que o neurônio seja capaz de realizar uma sinapse, torna-se mister, após a migração ou, em alguns casos, durante a migração,estender seus prolongamentos, os quais se tornarão axônios e ou dendritos.Após o processo de projeção do axônio, o qual é mediado por diversasproteínas, ele se conectará com seus alvos, com o objetivo de estabelecerum circuito responsável pela comunicação entre as diversas regiões doSN e a comunicação do SN com os outros sistemas do organismo.

O contato estabelecido entre o neurônio e outras célulasexcitáveis (outros neurônios, músculos e glândulas) é denominado desinapse, conceito este estabelecido em 1887 por Charles Sherringtonapud Bear et al., 20018.

Parece difícil determinar quando uma sinapse surge e quandoo seu desenvolvimento está completo. Mas, uma vez formada, as junçõessinápticas são estruturas dinâmicas que podem, grosseiramente, serremodeladas até mesmo durante a vida adulta38.

As sinapses podem ser elétricas ou químicas. Nasprimeiras, a transmissão do impulso ocorre através de corrente elétrica,esta se propaga de forma instantânea, ou seja, as membranasplasmáticas dos neurônios pré e pós sinápticos entram em contato,permitindo a passagem direta de pequenas moléculas, como íons. Estassinapses ocorrem, principalmente, entre um neurônio e outro (sinapseinterneural) e representam uma pequena quantidade nos sereshumanos, os quais têm, na sua grande maioria, sinapses químicas,onde o contato que se estabelece entre os neurônios e as células efetoras(sinapse neuro-efetora) só ocorre na dependência de um mediadorquímico, denominado neurotransmissor11 ou neuromodulador42.

Durante o desenvolvimento dos contatos sinápticos tem-se a especialização pós-sináptica com o alargamento da fenda sinápticae a formação dos receptores. Na região pré-sináptica ocorre a formaçãode vesículas, neurotransmissores e neuromoduladores47.

Com o decorrer da maturação do SNC, há um aumento(no número e densidade dos receptores38, maturação dos componentespré-sinápticos e aumento do comprimento dendrítico47.

O período que compreende o mais alto nível desinaptogênese está entre o sétimo mês de gestação e dois anos de idade47.

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Nutrição e desenvolvimento do sistema nervoso

A literatura é controversa quanto ao fator de maturaçãomais importante, porém nos períodos gestacional e pós–natal precoce,evidencia-se decisivamente o fator nutricional. Ocorre intensoanabolismo e a matéria prima para os processos maturativos provémdo aporte nutricional2,3. Entretanto, a simples assimilação de nutrientesnão está ligada de modo direto ao desenvolvimento cerebral. A idéia“alimente-se e seja inteligente” é uma compreensão simplória3. O aportenutritivo necessita atender à demanda variável do SN como um todoe a das diferentes regiões encefálicas em particular, e a cada tempo doperíodo maturativo. A carência de um mesmo nutriente pode portantocausar anormalidades diversas com diferente gravidade. Tambémrestrições até moderadas podem produzir lesões permanentes,conforme o período evolutivo do SN, em que ocorra4-7. Em estudosde experimentação animal existe descrição as alterações no sistemanervoso jovem por carência nutricional – celularidade reduzida,numérica e funcionalmente, diminuição da síntese de DNA, erros nareplicação, diferenciação neural alterada, redução do número desinapses por célula cortical, alteração na densidade neuronal e dosseus circuitos, transtornos no desenvolvimento dos sistemasneurotransmissores, ainda, modificação nas células de Bell do cérebro,alterações na glia da córtex cerebral, redução da mielinogênese, etambém, alterações no metabolismo da glicose e do glutamato. Algunsdestes resultados são persistentes, outros revertem, se houver correçãoalimentar. Verifica-se que ocorre acometimento em todas as fases doneurodesenvolvimento, inclusive cruciais como proliferação, migração,organização e mielinação. Há evidências de sucederem fatossemelhantes no cerebelo humano. Sabe-se, portanto da possibilidadedo SN ser distorcido quanto a nobres funções, em decorrência dedéficit nutricional na fase de rápido desenvolvimento.

Morte celular programada

A morte celular programada (programmed cell death –PCD) é um fenômeno que ocorre tanto no SNC, quanto no SNP,resultando na perda de até metade de todos os neurônios geradosinicialmente. Este processo de superprodução, seguido por drásticaredução no número de células é, comumente, descrito como umfenômeno que ocorre após os axônios ter atingido seu alvo e oestabelecimento das sinapses haver iniciado8,31. Acredita-se que este

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declínio no número de células seja um reflexo da competição entre osdiferentes axônios que inervam a mesma célula-alvo e por umaregulação na quantidade limitada de fatores tróficos16.

No entanto, Rakic e Zecevic48, em pesquisando odesenvolvimento do telencéfalo humano, postularam dois tipos dePCD, uma no período embrionário, onde a PCD é sincrônica com aproliferação e migração das células neurais e, provavelmente, nãoestaria relacionada com a estabilização do circuito neuronal e a PCDno período fetal, esta sim, coincide com a diferenciação e sinaptogêneseestando, pois, relacionada com o desenvolvimento das conexões dosalvos axonais.

Todavia, a PCD de neurônios e células da glia égeneticamente regulada e a maioria, se não todas as PCDs ocorremem forma de apoptose, estes dois termos são, comumente, usadoscomo sinônimos48. A apoptose é um tipo de PCD morfologicamentecaracterizada por retração celular, convoluções da membrana,condensação da cromatina no núcleo, fragmentação do núcleo, porémexiste a integridade de organelas citoplasmáticas e da membrana,ausência de reação inflamatória e os corpos apoptóticos são removidospela ação fagocitária dos macrófagos ou das células glias adjacentes40.Mas, faz-se necessário saber que há outro tipo de morte celular naqual a célula sofre necrose, onde há a ruptura da membrana celular eliberação dos conteúdos intracelulares. A necrose é causada por insultoao SNC e se caracteriza por reação inflamatória52, não sendo estacaracterística de PCD no desenvolvimento normal do SN.

Desenvolvimento e crescimento

Sabemos que, para sobreviver, o animal interage com seumeio ambiente a partir de comportamentos instintivos, consideradosinatos, isto é, geneticamente determinados para uma dada espécie. Essescomportamentos por mais estereotipados que sejam, podem sofreralguma espécie de modificação de acordo com a pressão do meioambiente. A atividade de alimentação é um exemplo dessa condição:programas pré-determinados geneticamente garantem a atividademuscular relacionada à alimentação: uma seqüência de movimentosencadeados que tem como resultado final o transporte do alimento aotrato digestivo. Tal condição “pré-programada” pode ser alterada, poisos padrões de alimentação podem ser variados de acordo com o tipo dealimento, volume e densidade do alimento ingerido e a adaptação dosistema nervoso desenvolve-se ao longo da vida27.

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Para que o desenvolvimento e crescimento ocorramadequadamente, sofrerão, ao longo do tempo, influências chamadasde: hereditariedade, ambiente, maturação e aprendizagem.

Hereditariedade

O desenvolvimento e crescimento do ser humanocomeçam no momento da fecundação, e é a partir desse momentoque a hereditariedade começa a exercer sua influência, pois ela significaa transmissão das características da espécie e, em particular, de certascaracterísticas individuais dos pais aos filhos. A hereditariedade étransmitida pelos genes, que têm em seu interior um conjunto deinstruções ou programações para o desenvolvimento do indivíduo.Tais instruções ou programações dependerão de vários fatores, sendoo fator ambiental um deles.

Ambiente

É tido como a soma total de estímulos que atinge umorganismo vivo, de modo a traduzir o código genético determinadono momento da concepção. O ambiente pode ser: intracelular (dedentro da célula), intercelular (existe entre as várias células orgânicas),intra-uterino (antes do nascimento) e pós-uterino (depois donascimento). Vimos desta forma, que o fator ambiental está presentedesde o momento da concepção.

Além da hereditariedade e ambiente, temos a maturação eaprendizagem como indispensáveis ao desenvolvimento humano.

Maturação do Sistema Nervoso na adolescência

É definida como o desenvolvimento das estruturascorporais neurofisiológicas, determinado pelas potencialidades inatase independentemente de experiência prévia, que poderá tantopossibilitar quanto limitar o desenvolvimento do comportamento.

O indivíduo, ao nascer, não tem ainda condições de tersuas células nervosas em funcionamento, e necessitará de doisprocessos para que isto ocorra: a mielinização das fibras nervosas (jádescrito) e um meio ambiente que estimule adequadamente. Assim,desde que a maturação das ligações nervosas esteja realizada, aaprendizagem de uma função pode fazer-se facilmente; como amotricidade e a inteligência desenvolvem-se por etapas sucessivas, é

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necessário que em cada estágio, o indivíduo receba as estimulações eo tipo de ensino compatíveis com seu potencial cerebral. Temos então,a partir de um certo estágio do desenvolvimento, o aumento daimportância do fator ambiental na expressão da maturação do sistemanervoso, o que é fundamental na puberdade e adolescência. Aexperiência e o aprendizado passarão a desempenhar um papelfundamental para a integração das regiões cerebrais e mesmo parapromover alterações estruturais celulares. Nesse estágio, a plasticidadeassume o sentido e garante a especialização crescente.

Também nessa fase temos os chamados “períodos críticos”,em que o indivíduo deverá ser exposto a determinados fatoresambientais a fim de permitir o adequado desenvolvimento de suashabilidades perceptuais, motoras, cognitivas e sociais. Váriosexperimentos em recém-nascidos têm demonstrado a importância demanter um nível de estimulação sensorial e motora, associado àinteração social adequada para permitir que o sistema nervoso completea sua maturação (Ex: recém-nascidos hospitalizados por longo tempo,privados de contato físico e estimulação ambiental adequada,apresentam desempenhos cognitivos e sociais bem abaixo do normal,com atraso na aquisição da marcha, linguagem e sua interação comoutras crianças e adultos torna-se deficitária). Outro exemplo queilustra bem o papel da estimulação ambiental como determinante dafase final de maturação do sistema nervoso pode ser inferido a partirda seguinte observação: indivíduos com estrabismo congênito, nãosendo capaz de fixar os dois olhos no mesmo foco pela presença dedesvio em um deles, favorecem um dos olhos, e podem perder parteda visão no olho não favorecido, por privação sensorial. Oreconhecimento deste fato permitiu que os oftalmologistas passassema intervir mais cedo, mesmo cirurgicamente, para a correção doestrabismo, a fim de preservar a acuidade visual normal e permitir arestauração da visão binocular.

A natureza pode moldar processos após o nascimentotambém de outra maneira, mais claramente através da programaçãogenética, que determina seqüências inteiras do desenvolvimentoposterior. Arnold Gesell, 1925, empregou o termo maturação paradescrever esses padrões seqüenciais de mudanças geneticamenteprogramadas, e este termo ainda é utilizado uniformemente hoje emdia. Mudanças no tamanho e na forma corporal, mudanças noshormônios na puberdade, mudanças nos músculos e ossos, emudanças no sistema nervoso, todas elas podem ser programadas destamaneira. O Timing (o momento no tempo) das mudanças puberais

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difere de um adolescente para outro, mas a seqüência básica éessencialmente a mesma em todos os indivíduos. Tais seqüências, quecomeçam na concepção e continuam até a morte, são compartilhadaspor todos os membros da nossa espécie. As instruções para essasseqüências são parte da informação hereditária específica que étransmitida no momento da concepção.

A maioria dos comportamentos do ser humano éaprendida, ou seja, são produtos da aprendizagem, excentuando-seos reflexos que são automatismos inatos. Por isso, é de sumaimportância que tomemos a aprendizagem como objeto de nossoestudo.

A evolução da aprendizagem

A partir do nascimento, o indivíduo começa a apresentarcomportamentos que lhe dão condições de sobrevivência no novoambiente, que agora é diferente do que tinha no ambiente intra-uterino. Estes comportamentos são assim chamados de condutasreflexas, involuntárias e que surgem em função de estimulaçãoambiental. Pouco a pouco, os reflexos começam a desaparecer, dandolugar então, às condutas adquiridas. Para que estas condutas tenhamcondições de serem adquiridas, serão necessárias as oportunidades.

O processo de aprendizagem terá início então, quando oindivíduo, ao exercitar seu próprio reflexo, o generaliza, aplicando-o àsituação diversa. Por exemplo, o reflexo de sucção ao ser “exercitado”pelo bebê, lhe permite dali um tempo, sugar o próprio dedo,modificando uma conduta reflexa. A aprendizagem neste exemplo,não teria condições de ocorrer, se não houvesse o que falamosanteriormente, a maturação. Se a maturação nervosa não dessecondições ao recém-nascido fazer o movimento de levar o dedo à boca,o comportamento não seria observado.

São muitas conhecidas as experiências de Pavlov, onde omecanismo de base da aprendizagem é o reflexo condicionado, masum reflexo não pode ser condicionado senão a partir de uma maturaçãosuficiente das funções nervosas.

Chauchard diz que “o homem nasce com o cérebroinacabado e imaturo que não é rico senão de possibilidades: estaspossibilidades, o homem aprende a desenvolvê-las copiando o seuambiente”.

A um dado momento da evolução do indivíduo, aaprendizagem deixa de ser tida como um condicionamento, para

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tornar-se ato intencional, pois é desta forma que se integra napersonalidade daquele que aprende.

Em sua forma pura, como Gesell descreveu, odesenvolvimento maturacional determinado vai ocorrer independenteda prática ou treinamento. Mas mesmo os teóricos maturacionaisconvictos concordam que a experiência tem algum efeito. Essespadrões maturacionais poderosos, aparentemente automáticos,requerem um mínimo de apoio ambiental, como uma dieta adequadae oportunidade de movimentos e experimentação.

Experiências específicas também podem interagircom padrões maturacionais de maneiras intrincadas. Por exemplo,Greenough (1991), salienta o fato de que uma das proteínasnecessárias para o desenvolvimento do sistema visual é controladapor um gene cuja ação só é desencadeada pela experiência visual.Portanto, alguma experiência visual é necessária para que oprograma genético opere. No desenvolvimento normal,evidentemente, todas as crianças (não-cegas) terão algumaexperiência visual. Mas exemplos como este afirmam que asseqüências maturacionais não se “desdobram” automaticamenteapenas. O sistema parece estar “pronto” para se desenvolver emdeterminados caminhos, mas é necessária a experiência paradesencadear o movimento.

O termo maturação não significa o mesmo exatamente quecrescimento. Crescimento se refere a um tipo de mudança passo – a –passo em quantidade, como no tamanho, e pode ocorrer com ou semum processo maturacional subjacente. O termo crescimento é umadescrição da mudança, enquanto o conceito maturação é umaexplicação da mudança.

Existe uma correlação entre o nível intelectual e aorganização cortical nervosa. A ontogênese das funções cognitivas éesclarecedor neste ponto, passamos sucessivamente de estruturas (nãoreversíveis) sensorio-motoras permitindo reflexos, uma coordenaçãoe uma adaptação intencional, a uma inteligência pré-operacionalsimbólica (cujas estruturas são parcialmente reversíveis), e a umainteligência operacional concreta sustentada estruturalmente porgrupos, e por fim a uma inteligência operacional formal cuja estruturadepende de redes neuronais dotadas de flexibilidade e plasticidade.

As capacidades intelectuais parecem, portanto, estaremrelacionadas à riqueza da rede dendrítica cortical, mas também, àplasticidade dos contatos sinápticos, e isto sob a influência ativadoraou moderadora das estruturas sub-corticais, e em particular da rede

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difusa proveniente da substância reticular do tronco cerebral quepermite a ativação cortical.

A capacidade cognitiva será a exteriorização destesmecanismos e os distúrbios destas faculdades se traduzirão pordistúrbios de aprendizagem, confusão mental, demência, delírios ealucinações.

Vale a pena salientar que graças à capacidade plástica dainteligência, ela se torna um “sistema flexível à mudança durantetoda a vida” através da qual podemos e devemos atuar para suaotimização.

Processo de construção da inteligência

Piaget postula que a inteligência humana é sempre umconjunto da maturação, da experiência física e social, e de um princípiodinâmico dominante: a equilibração. A experiência dá origem a novasestruturas mentais que ampliam a gama de experiência potencial dacriança, o que, por sua vez, origina novas estruturas mentais. De acordocom sua teoria, pode-se verificar a diferença entre dois processos, jácitados, que são relacionados, mas muito diferentes conceitualmente:desenvolvimento e aprendizagem. O desenvolvimento refere-se aosmecanismos gerais do ato de pensar: pertence à inteligência em seumais amplo e completo sentido. Tudo quanto pode ser chamadocaracterístico da inteligência humana vem à tona, principalmente,através do processo de desenvolvimento, como que destacado doprocesso de aprendizado. O aprendizado refere-se à aquisição dehabilidades e fatos específicos. Ainda segundo Piaget, a inteligência é orecurso que o indivíduo utiliza quando não sabe o que fazer. O insighté, sem dúvida alguma, comportamento inteligente. A aleatoriedade nãoo é. A inteligência diz respeito ao processo de improvisação eaprimoramento na escala temporal do pensamento e da razão, eis porqueconclui que “a maturação não é o único fator em jogo no desenvolvimento[...] limita-se a abrir possibilidades, [...], mas é preciso atualizá-las”.

Apesar do grau de desenvolvimento suceder sempre namesma ordem, ele não corresponde a idades absolutas. A idéia central desua teoria é que a lógica de funcionamento mental da criança se desenvolvegradativamente e qualitativamente diferente da lógica adulta. Suaaceleração ou retardamento irá ocorrer de acordo com os diversos meiossociais e a experiência adquirida. Assim, é preciso a escola reconhecerque não se trata de algo que exclua do aluno a possibilidade de aprendere sim, algo que lhe conduz a um modo particular de aprendizagem.

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As estruturas variam de acordo com o estágio dedesenvolvimento, que seguem a mesma seqüência em todos osindivíduos, independente do grupo, lugar ou sociedade em que vivem.Segundo Piaget, nenhum dos estágios, apresentados abaixo, pode seromitido ou saltado. Embora haja certo limite de idade para atingircada um dos estágios, pode haver alterações em torno do padrãomédio, dependendo de fatores genéticos e experiências específicas doindivíduo. A psicogênese é universal, todos se desenvolvemobedecendo este paradigma básico podendo ocorrer defasagens oualterações nas idades para cada estágio.

A construção do pensamento, de acordo com a sua teoriaepistemológica definida como estudo da aquisição, modificação edesenvolvimento de idéias e capacidades abstratas sobre base de umsubstrato herdado ou biológico distingue-se quatro principais estágios:

· Estagio sensório motor (do nascimento a dois anos)Corresponde aos dois primeiros anos de vida, onde a

inteligência começa a ser construída, numa ampliação constante deesquemas. É a fase do comportamento inteligente antes dodesenvolvimento da linguagem.

Durante este período, a criança organiza a informaçãoobtida através dos sentidos e desenvolve resposta aos estímulosambientais.

A aquisição mais importante deste estágio é o esquema doobjeto permanente, tido como básico para a construção das noções deespaço, tempo e causalidade.

O estágio sensório-motor é composto de seis fases:1ª fase: Exercício dos reflexos (do nascimento até um mês).Nesta fase ainda não há consciência do “eu”, nem distinção

entre o “eu” e mundo exterior.2ª fase: As primeiras adaptações adquiridas e a reação

circular primária (um a quatro meses).Nesta fase o bebê começa a definir os limites do próprio corpo.3ª fase: As reações circulares secundárias e os processos

destinados a fazer durar os espetáculos interessantes (quatro a oito meses).Esta fase caracteriza-se pelo surgimento da coordenação

entre a preensão e a visão e pelo aparecimento da reação circularsecundária, que consiste em reencontrar os gestos que exerceram umaação interessante sobre os objetos. Exemplo: Se o pé do bebê bateu nagrade do móbile e balançou, e esse fato lhe agradou, ele vai repetir omovimento do pé sobre a grade para reproduzir o mesmo espetáculo.

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4ª fase: Coordenação dos esquemas secundários e suaaplicação às novas situações (8 a 12 meses).

Nesta fase surgem as adaptações sensório-motorasintencionais (coordenação intencional dos esquemas habituais),simultaneamente com diferenciações entre meios e fins.

Ao entrar em contato com objetos novos, o bebê vaiexplorá-los, procurando compreender a natureza dos mesmos.

5ª fase: A reação circular terciária e a descoberta de novosmeios por experimentação ativa (de 12 a 18 meses).

Nesta fase a criança age por “ensaio e erro” (tentativas).A criança é capaz de resolver os novos problemas que

aparecem e descobrir meios para atingir os objetivos.6ª fase: A invenção dos novos meios para combinação

mental (18 a 24 meses).Fase caracterizada pelo momento de transição entre a

inteligência prática (sensório-motora) e a inteligência representativa,quando começa a função simbólica.

· Estágio de pensamento pré-operatório (2 a 7 anos)Durante este estágio a criança, além de utilizar a

inteligência prática, decorrente dos esquemas sensório-motores iniciaa capacidade de representar uma coisa por outra e formar esquemassimbólicos.

O egocentrismo caracteriza todos os comportamentos dacriança pré-operatória; vêem a si mesma como o centro do universo.

A criança no período pré-operatório usa o pensamentointuitivo para compreender o ambiente. Há um processo crescenteda formação de conceitos. Observa-se uma evolução na capacidadeinfantil de seriar objetos. Nesta fase, as crianças começam a usar alinguagem de maneira mais elaborada.

Neste período ocorre a função semiótica, a criança poderepresentar algo como um objeto, evento ou esquema conceitual comum significador capaz de utilizar um símbolo ou sinal para representaruma coisa.

· Estagio das operações concretas (Sete a 11/12 anos)Observa-se, neste período, um declínio do egocentrismo

intelectual e um aumento gradativo do pensamento lógico. Caracteriza-se pelas operações mentais, as quais constituem em transformaçõesreversíveis. Neste estágio, a criança já possui noção de reversibilidade,conservação de quantidades descontínuas, classificação e seriação.

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· Estagio das operações formais (a partir dos 11/12 anos)Neste período já se tem capacidade de pensar

abstratamente, raciocinar, e definir conceitos. Representa o grau maiscomplexo do desenvolvimento cognitivo. A partir dele, a tarefa passaa ser o ajustamento e solidificação das estruturas cognitivas.Caracteriza-se pelo pensamento hipotético-dedutivo que o adolescentepassa a ter e pela capacidade de fazer especulações teóricas, morais,valorativas, científicas e ideológicas, que independem de seu cotidiano,da realidade e do concreto.

O adolescente, nesse período, experimenta todas asalternativas considerando e combinando todas as relações de ordem etodas as classes possíveis, surgindo o que Piaget chamou decombinatória.

Sobre o item da maturação não podemos deixar de citarPiaget num aspecto que se reflete na ciência social contemporânea: ointeracionismo. Para este autor, interacionismo significa que nunca sepode atribuir uma capacidade, traço ou comportamento humanounicamente à hereditariedade ou ao meio ambiente, mas sim às suastransações seqüenciais.

O reconhecimento, pela escola, dos processosmaturacionais da criança e do adolescente – bem como de suas relaçãocom os processos de ensino-aprendizagem – são um fator prioritáriopara que se possa promover um trabalho integrado entre os camposclínico e educacional objetivando a necessidade de uma política públicade informação e prevenção em saúde ocular, bem como substituir orótulo “fracasso escolar” por um trabalho de investimento no aluno.

Na relação entre os alunos e os processos educacionais, apercepção exerce um papel, não só necessário, do ponto de vista lógico,como preponderante, à medida que, é a partir dela que o sujeito sepõe em posição de interação com a experiência do mundo. Toda alinguagem subjacente e decorrente dos processos educacionais estáirremediavelmente mediada pela percepção, motivo pelo qual se tornaum dos aspectos relevantes a serem abordados nos estudos sobre ofracasso escolar.

A percepção é o processo com o qual o sistema nervosocentral inicia o tratamento cognitivo, envolvendo funções de pré-reconhecimento, como a discriminação e a identificação, e dereconhecimento, como a análise e a síntese, utilizando, para tanto, avisão. Através da maturação do sistema nervoso, o aparelho visual dacriança amadurece, permitindo que ela faça a distinção entre os objetose pessoas de seu meio ambiente de maneira satisfatória e aprenda a

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controlar o movimento de seus olhos através dos músculos extra-oculares. Caso a criança apresente distúrbios sensório motores ocularestais como, baixa amplitude fusional e/ou insuficiência de convergênciaocular, poderá apresentar, como conseqüência, cefaléia, sono, dorocular, embaralhamento de letras durante a leitura, ou outrossintomas, reconhecidos na escola como indicadores que levam aofracasso escolar.

Esta alteração poderá provocar dificuldades nas suashabilidades perceptivo-visuais (constância de percepção, relaçãoespacial, coordenação visomotora, figura-fundo), gerando, assim,inúmeros problemas de aprendizagem escolar.

A integração de todas as informações é o objetivo padrãoimplícito no comportamento da mente. A atividade mental aglutina dadosadquiridos em diferentes momentos no tempo e em diferentes tipos desituações, ordenando-as em uma relação global de interdependências.Este processo, que deriva de generalizações, pode-se dar em nível de umasimples resposta motora desencadeada no nível motor, a partir de umelemento perceptivo no nível de percepção ou, mais tardiamente, de umfato isolado no nível conceitual. Uma alteração orgânica pode alterar odomínio destas aquisições, provocando dificuldades nas habilidadesperceptivo-visuais (constância de percepção, relação espacial, coordenaçãovisomotora, figura-fundo) da criança.

Neuroplasticidade

A neuroplasticidade é uma propriedade inerente ao sistemanervoso com a capacidade de modificar o seu funcionamento e de sereorganizar através de alterações ambientais ou de lesão. No presenteartigo revemos alguns dos principais ensaios experimentais e clínicossobre a plasticidade de áreas corticais somatomotoras relacionadas comlesões do SNC.

Nos últimos dez anos, descobertas importantes motivaramum grande interesse na neuroplasticidade. A potenciação e depressãoa longo prazo reconhecem-se como movimentos sinápticos básicosda recuperação funcional, modulados pelo equilíbrio excitatório-inibitório relacionado com a atividade do GABA, acetilcolina eglutamato, entre outros neurotransmissores.

Em humanos existem provas de reorganização do hemisférioafetado e ativação de áreas homólogas. O uso de técnicas não invasivascomo o EEG multicanal, potenciais evocados, estimulação magnéticatranscraniana, ressonância magnética funcional e a TC por emissão de

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prótons, demonstrou a existência de alterações significativas natopografia dos mapas somatomotores em pacientes com lesões do SNC.Em animais de experiência, descreveu-se a existência de crescimentodendrítico e axonal, contudo, a regeneração efetiva não parece ummecanismo plausível na recuperação neurológica.

As alterações plásticas que ocorrem após lesão o SNCpossibilitam a recuperação funcional em um grande número dedoentes. É necessário entender quais destas modificações se associama melhora clínica, como se deve agir no sentido de facilitar a melhorae inibir os fenômenos de má adaptação, permitindo o desenho deestratégias terapêuticas racionais com influência moduladora sobreestes processos.

Com o tempo, uma lesão de áreas motoras pode apresentarcerta recuperação à curto prazo relacionada com fatores como areabsorção do edema e do tecido necrótico. A recuperação à longoprazo relaciona-se com fenômenos como o crescimento dendríticocom formação de novas sinapses; a reorganização funcional da própriaárea lesada; a participação de áreas vizinhas e homólogas do hemisfériocontralateral.

Hoje se sabe que todas as drogas que aumentam aexcitabilidade cortical de forma geral favorecendo o aparecimento detrocas neuroplásticas agem provavelmente por aumento danoradrenalina tissular.

Basicamente os mesmos mecanismos são os responsáveispelos fenômenos plásticos em áreas motoras e somáticas em funçõesrelacionadas com linguagem e cognição, entre outros.

Os avanços científicos com a aplicação das novastecnologias têm motivado o estudo dos fenômenos que mediam arestauração das funções nervosas após lesões cerebrais de diversasetiologias.

Mecanismos de recuperaçãoO aumento da eficácia sináptica com ativação ou

desinibição de vias existentes e pouco ativas no momento.O crescimento dendrítico dos neurônios sobreviventes com

formação de novas sinapses.O aumento da atividade de vias paralelas às lesionadas

também por reforço da atividade sináptica e a desinibição de vias ecircuitos redundantes.

No ser humano, tem-se obtido evidências de ao menosquatro possíveis formas de plasciticidade funcional:

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1. A adaptação de áreas homólogas (contralaterais, por mecanismosde desinibição).

2. Plasticidade de modalidades cruzadas (reativação de funções emuma área não primariamente destinada a processar uma modalidadeparticular).

3. A expansão de mapas somatotóprios (reorganização funcional)4. Ativação compensatória (desinibição – reorganização funcional).

Quanto às experiências de plasticidade corticalsomatomotora em humanos, a introdução do método de EMTpossibilitou explorar a fisiologia do sistema nervoso, na área deinvestigação de sua capacidade plástica.

Envelhecimento Cerebral

Senescência é o envelhecimento natural, que permiteconviver de maneira serena com as limitações impostas pela idade emanter-se ativo até fases tardias da vida. Em uma parcela significativade idosos ocorre de forma anormal ou patológica, incapacitando demaneira progressiva – o que recebe o nome de senilidade1.

A expectativa de vida vem aumentando de forma linear apartir de 1840, em uma média de três meses por ano, chegandoatualmente a quase 85 anos para as mulheres em países desenvolvidos2.Até que ponto a expectativa de vida pode chegar é motivo de discussãoentre os gerontologistas, porém é fato o pouco conhecimento atualsobre os mecanismos regulatórios do envelhecimento cerebral não-patológico3,4.

Os estudos experimentais sobre os efeitos deletérios daidade na memória demonstram uma correlação entre perda celularno hipocampo e no córtex entorrinal (regiões cruciais para oaprendizado espacial e contextual) e perirrinal e piores resultados.

Alterações AnatômicasEstudos comparativos mostram uma redução de volume

mais pronunciada na substância cinzenta (especialmente pré-frontal)e nos córtices sensitivos e entorrinal2.

Com o avançar da idade, particularmente após a sextadécada, acelera-se o processo de atrofia cerebral, com dilatação desulcos e ventrículos, perda de neurônios, presença de placas neuríticas(PN) e emaranhados neurofibrilares (ENF), depósitos de proteína beta-amilóide e degeneração granulovacuolar, os quais aparecem

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precocemente nas regiões temporais mediais e espalham-se por todoo neocórtex. Na DA, já em suas fases iniciais, estas alterações são maisacentuadas, particularmente a maior densidade de ENF no córtex peri-e entorrinal, subiculum e região CA1 do hipocampo, em correlaçãocom os distúrbios precoces e proeminentes da memória factual(“secundária”) observados nesta doença.

Em sujeitos idosos sadios, a neuroimagem estrutural comTC e RM mostra redução do volume total do cérebro, com dilataçãodos sulcos e sistema ventricular, especialmente dos ventrículos lateraise III ventrículo. Estas alterações são mais acentuadas nos sujeitosdementes quando analisados como grupo, podendo estar ausentesem casos indivíduais com franca demência e presentes em outroscognitivamente intactos.

Aspectos neuropsicológicos relevantes

Memória – O padrão de deterioração da memória no velhonormal assemelha-se ao encontrado nas fases iniciais da DA: declínioda memória “operacional” e da memória “secundária” (“recente”)maior que o da memória “primária” (“imediata”) e da memória“terciária” (“remota”). O aprendizado de situações ou informaçõesnovas, a evocação retardada e repetição de números em ordem inversasão as funções mnésicas mais alteradas, enquanto o vocabulário, ofundo de informações, a repetição de números em ordem direta e arealização de tarefas rotineiras e automatizadas mantêm-serelativamente intactas. As dificuldades de memória relacionadas à idadesão maiores para a memória episódica do que para a memória semânticae pioram em ordem crescente na seguinte sequência: memória deprocedimentos, reaprendizado, memória de reconhecimento,evocação baseada em pistas contextuais, evocação livre, memóriaprospectiva (lembrar de lembrar). O envelhecimento afeta sobretudoa memória prospectiva e a evocação livre e retardada de material verbalaprendido.

Linguagem – De modo geral, a linguagem do idoso saudávelou demente tem sido avaliada com testes metalinguísticos, limitadosaos níveis fonológico, sintático e semântico-lexical, dando poucaimportância ao nível discursivo-pragmático, que pode mostraralterações precoces nessas situações.

No nível discursivo, podemos ver dificuldades narrativas(especialmente com inferências, sumarização e interpretação moralde estórias) e omissão de informações sobre a “situação” da estória;

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omissão de passos essenciais durante a descrição de procedimentos; ena conversação, dificuldade de compreensão, falta de clareza doenunciado, “parafasias narrativas” e problemas com inferências epressuposições.

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Capítulo 4Funções Gnósicas, Práxicas e

Vísuo-construtivas

Claudia Berlim de Mello e Beatriz Sant´Anna

Funções gnósicas

Continuamente, o individuo é exposto a uma profusão deestímulos ambientais, sejam visuais, sonoros, táteis, gustativos ouolfativos. Estes estímulos têm o potencial de ativar respostas internas,vinculadas aos processos reguladores da motivação e emoção. Essasinformações externas e as mensagens internas são interpretadas combase no conhecimento previamente adquirido, armazenado nossistemas de memória de longa duração, de forma a organizar ocomportamento consciente. A identificação eficiente dos estímulosambientais depende essencialmente da integridade dos sistemassensoriais e perceptivos.

A sensação diz respeito à detecção de estímulos sensoriais(auditivos, visuais, táteis) nos órgãos dos sentidos1. A estimulaçãosensorial consiste essencialmente na transformação de diferentes fontesde energia (luminosa, mecânica, térmica) presentes no mundo externoem modalidades (ou qualidades) sensoriais especificas. Cadamodalidade sensorial é mediada por determinadas fibras nervosas cujaspropriedades são adaptadas a apenas um tipo de sensação. Os estimulosrecebidos são convertidos em impulsos nervosos por meio do processode transdução, para serem transmitidos para o sistema nervoso central.

A eficácia dos sistemas sensoriais deve-se a existência deum grande número de neurônios interconectados funcionando emparalelo1. O processamento da informação envolve ainda processosascendentes (bottom-up) e descendentes (up-down). Os processosascendentes são dirigidos pela natureza da estimulação que entra nosistema (data-driven). A influência dos conhecimentos prévios sobreas formas como percebemos os objetos caracteriza os processos

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descendentes. Por exemplo, uma imagem visual não é percebidaexclusivamente com base nas mensagens da retina, como revelam osfenômenos das ilusões perceptivas. A imagem abaixo ilustra comocontornos e sombras nos dão a impressão de “ver” um triângulo(triângulo de Kanizsa).

As ilusões perceptivas nos dão uma pista de como o cérebroorganiza as informações sensoriais que recebe a partir de inferências sobreo que é percebido2. O processo de organização perceptiva é contínuo edinâmico, e determinado pela similiaridade e proximidade dos elementosque compõem um padrão. A percepção, portanto, pode ser definida comoum processo ativo de integração dos estímulos sensoriais em um todocoerente, de forma extrair-se um significado. Uma melodia não éidentificada apenas pela seqüência das notas, mas pelas ligações entreelas. Uma imagem visual é construída por meio de uma combinação desuas partes em um todo com significado. A percepção tem ainda umaintrínseca relação com os processos de categorização, ou seja, a inclusãode um objeto percebido a uma categoria conceitual específica. Abrange,portanto, a discriminação dos estímulos perceptuais e sua interpretaçãocom base no conhecimento e nas experiências prévias, sendo aindainfluenciada pelas expectativas e pelo estado emocional do indivíduo. Osmodos de funcionamento das funções perceptivas e suas implicaçõessobre a natureza do comportamento humano fundamentou os conceitosda Psicologia da Gestalt3.

Uma questão interessante a respeito dos mecanismosperceptivos diz respeito a observações de que a percepção pode sofrerinterferências caso o processamento priorize a configuração global(processamento global) ou o estímulo especifico (processamentolocalizado)4. Esta questão foi analisada em experimentos nos quais

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foram usadas figuras como as ilustradas abaixo. Observou-se que letrasou formas são mais rapidamente nomeadas ou identificadas quandohá uma congruência entre a configuração e o estimulo especifico(modelo a) do que em condições de incongruência (modelo b).

a) b)

XXXXXXX XX XX XX XXXXXXX

Os sistemas perceptuais são associados a uma complexacircuitaria neural, que envolve a recepção do estímulo nas célulasespecializadas dos varios órgãos sensoriais periféricos e umprocessamento intermediário em estruturas subcorticais, de onde osimpulsos são transmitidos para regiões corticais específicas1. O tálamoé um núcleo subcortical que funciona como um integrador das funçõesperceptivas. As informações da maior parte dos sistemas sensoriaisconvergem para este núcleo e deste são projetadas para as áreas corticais(áreas primárias e secundárias) correspondentes. Por fim, viasintracorticais são envolvidas na formulação da representação conscientedos estímulos percebidos (áreas de associação).

Em relação ao sistema visual, os estímulos são detectadosna retina e então encaminhados por meio do nervo óptico até o núcleogeniculado lateral do tálamo1. As projeções deste núcleo se dirigementão para o córtex visual primário situado no lobo occipital, no qualas informações visuais são processadas. O córtex occipital é subdivididoem áreas distintas (denominadas com a letra V), e cada uma é envolvidano processamento de diferentes características do objeto percebido,como formas, movimento e cores. O córtex visual primário representao estágio inicial da formação das representações visuais. Suas áreasprojetam-se para outras regiões corticais, nas quais se identifica o quêestá sendo percebido visualmente. A representação de formascomplexas e das faces se dá no córtex temporal inferior. O movimentoé representado em regiões mediais e superiores do córtex temporal.

No que diz respeito ao sistema auditivo, a detecção dosestímulos sonoros ocorre nas células ciliadas do órgão de Corti,

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localizadas na cóclea1. As informações são então enviadas pelo nervoauditivo que percorre o conduto auditivo interno. As fibras auditivassão integradas ao lemnisco lateral e se projetam para o corpo geniculadomedial, e em seguida para as áreas auditivas primárias e secundáriassituadas em regiões especificas no córtex temporal superior.

O córtex somestésico é relacionado à recepção dasinformações exteroceptivas e proprioceptivas envolvidas naidentificação dos objetos pelo tato1. É constituído pela área primáriasituada no giro pós-central, caracterizada por uma somatotopiaprecisa (o homúnculo) e por outra área na porção superior da fissurade Sylvius, que separa o lobo parietal do temporal. O giro pós-central recebe as projeções do núcleo ventro-postero-lateral dotálamo, para o qual os estímulos táteis (dor, pressão, temperatura)detectados em estruturas especializadas na superfície da pele foramtransmitidos por meio das vias ascendentes da medula espinhal. Aregião parietal posterior também está envolvida no processamentodas informações táteis, sendo associada à análise de atributosespaciais dos objetos.

Distúrbios dos sistemas percepto-gnósicos: as agnosias

A síntese das sensações para compor percepçõesconscientes dá-se nas zonas corticais do sistema nervoso central. Noscasos em que as vias nervosas aferentes estão conservadas, masexistem lesões corticais nos arredores da área de projeção (naschamadas áreas para-sensoriais), mantém-se a integridade dassensações elementares, porém, há alteração do ato perceptivo. Nessescasos, fala-se de agnosia.5

A agnosia (ou perda do conhecimento), portanto, é definidacomo a incapacidade de perceber objetos através de determinadoscanais sensoriais, sendo a percepção normal nas demais modalidades6.Os pacientes não mais reconhecem os objetos ou sinais ambientais,embora a acuidade sensorial e a capacidade cognitiva estejampreservadas. O tipo de agnosia depende do nível de processamentoda informação que foi afetado, que corresponde a partes distintas dasvias senso-perceptivas.

Para uma compreensão adequada das agnosias é necessárioconsiderar assim a seqüência do processamento da informação nossistemas perceptuais:1) Nível das sensações – as alterações se manifestam em déficits de

acuidade sensorial (por exemplo, a hipoacusia);

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2) Nível das percepções – diz respeito aos distúrbios da discriminaçãodo objeto: agnosia aperceptiva. A disfunção, portanto, está na etapadiscriminativa do processamento da informação;

3) Nível associativo – se relaciona aos distúrbios no reconhecimentodo objeto: agnosia associativa;

4) Nível das denominações – as alterações decorrem de disfunções naintegração objeto-nome, resultando em anomia. Trata-se dedificuldades de nomeação, e envolvem disfunções associadas emáreas da linguagem.

Em suma, a agnosia não é uma alteração específica dassensações ou da capacidade de perceber objetos externos, mas simuma alteração intermediária entre as sensações e a percepção. Emalguns casos, observa-se a perda da intensidade e da extensão dassensações, continuando inalteradas as sensações básicas, em outroshá perda da capacidade de reconhecimento dos objetos.5

Uma descrição dos tipos de agnosia considerando o sistemapercepto-gnósico envolvido é apresentada a seguir.

Agnosia visualDentre as agnosias, as mais estudadas são as visuais. A

agnosia visual é a incapacidade de ter acesso ao conhecimento doscomponentes visuais dos estímulos, incluindo objetos, formas, cores,ou movimentos6. Os tipos de agnosia visual se diferenciam de acordocom a área cerebral que foi lesionada, que implica em um prejuízoespecífico do processamento da informação visual.

Na agnosia para objetos, o processamento das formas epadrões é afetado. O paciente não é capaz de reconhecer os objetos seestes lhe são apresentados visualmente, ainda que tenha preservado oseu conhecimento sobre ele, acessado através de outros canaissensoriais7. Ou seja, não consegue reconhecer visualmente mas é capazde fazê-lo por outros sentidos como o tato. A agnosia visual aperceptivarefere-se à incapacidade de realizar a síntese visual dos elementos visuaispercebidos. O paciente descreve partes ou detalhes dos objetos masnão consegue integra-los em um todo coerente. Uma vez que a agnosiaaperceptiva envolve dano na etapa discriminativa do processamentovisual, o paciente também não é capaz de desenhar ou parear objetossemelhantes apresentados concretamente ou em figuras. Na agnosiavisual associativa, por outro lado, há uma incapacidade de denominaçãovisual do objeto, estando íntegra a percepção visual propriamente dita.O paciente não reconhece os objetos visualmente, mas é capaz dedesenhá-los. Isso ocorre porque o que está comprometido é a associaçãodo objeto percebido com seu conceito correspondente.

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Na agnosia para objetos desenhados, as dificuldades sãoseletivas para o reconhecimento de desenhos de objetos.

A agnosia para cor diz respeito à incapacidade para associarcores e objetos verbalmente (por exemplo, tomate é vermelho). Opareamento de estímulos coloridos expressos em figuras, por outrolado, é preservado. Outro distúrbio que afeta o processamento dascores é a acromatopsia, que significa a incapacidade de reconhecercores (visão em cinza).

As agnosias para espaço e movimentos são decorrentes delesões parietais do hemisfério direito. A agnosia visuo-espacial secaracteriza por um distúrbio da apreensão de informações de naturezavisuo-espacial, o que leva a uma desorganização topográfica. Asdificuldades situam-se na apreensão visual global, de forma que oindividuo só detecta partes do todo, e na incapacidade de exploraçãosistemática do espaço por meio da visão. Como conseqüência, opaciente tem dificuldades de situar-se no espaço (mapas, rua) e paraorientar-se mesmo nos ambientes familiares. Na agnosia de movimentos,há um discernimento prejudicado de objetos em movimentos.

No contexto cotidiano, esses distúrbios gnósicos visuais semanifestam ainda em dificuldades para localizar objetos no espaço, etambém para julgar a distância e direção entre o próprio corpo e essesobjetos eles.

As principais agnosias visuais estão resumidas no quadro 1.

Quadro 1. Principais agnosias visuais

Os números se referem às áreas cerebrais segundo Brodmann.

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Agnosia auditivaAgnosia auditiva é o déficit na recepção cortical das

mensagens sensoriais auditivas. O paciente ouve sons e ruídos, masnão tem a habilidade em identificá-los.5

Assim como ocorre em relação à agnosia visual, a naturezado distúrbio será determinada pelo nível de processamento dainformação afetado. Há assim a agnosia auditiva aperceptiva,caracterizada por um déficit na discriminação dos estímulos sonoros,e a agnosia auditiva associativa, que afeta a associação som-objeto. Noprimeiro caso, o paciente é incapaz de discriminar sons ambientais dafala humana. Na agnosia associativa, consegue discriminar os sonsmas não identifica se trata-se de uma campainha ou da sirene de umaambulância.

A surdez verbal é um tipo de agnosia específica para osfonemas da língua, decorrente de lesões cortico-subcorticaisbitemporais ou temporais a esquerda. Trata-se de uma incapacidadepara compreender a linguagem falada. A surdez verbal se distingueda afasia de Wernicke (embora seja frequentemente associada a estequadro) porque não há desordens da leitura e escrita.

Há ainda a agnosia musical, ou amusia receptiva, quese caracteriza por uma alteração na capacidade de reconhecer melodias,assim como de identificar propriedades musicais como timbre, alturatonal ou ritmo. Lesões nos dois hemisférios podem levar a disfunçõesgnósicas associadas à percepção musical. A discriminação da melodiaem comparação a outros estímulos ambientais parece ser associada aohemisfério direito. A incapacidade de identificar melodias é freqüenteem casos de lesões no hemisfério esquerdo.

Agnosia tátilA agnosia tátil, ou astereognosia, é a incapacidade de

reconhecer objetos pelo tato, estando as vias somatossensoriais intactas.É decorrente de lesões na região parietal posterior, uma regiãoenvolvida na análise espacial e precisão da apreensão manual. A pessoaperde a capacidade de discriminar as diferenças de intensidade ealcance das sensações táteis.5

A agnosia digital é um tipo específico de distúrbio queenvolve prejuízos da função perceptiva. O paciente é incapaz deidentificar e designar os dedos da mão tocados pelo examinador. Aagnosia digital é associada a alterações na compreensão direita eesquerda, a agrafia e a discalculia na chamada síndrome de Gerstmann.Envolve lesões em região parietal posterior do hemisfério dominante6.

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Outro distúrbio que afeta as funções perceptivas é aheminegligência. Trata-se de um prejuízo na percepção e atençãodirecionada ao espaço egocêntrico contralateral ao hemisfério lesado,associada ainda a hemiplegia esquerda. Esta condição é decorrentede lesões em regiões occipito-parietais do hemisfério não-dominante(em geral o direito), que resultam em deficits importantes da imagemcorporal e da percepção de estímulos de todas as modalidadessensoriais recebidos no hemicorpo esquerdo6. O quadro éacompanhado por uma anosognosia, ou perda da consciência daprópria condição. Os pacientes acham que não há nada errado comeles, não reconhecem partes do lado esquerdo do próprio corpo eignoram tudo o que ocorre no espaço externo a esquerda. Emboraas alterações típicas da heminegligência possam ser traduzidas comoalterações de percepção, frequentemente esta condição é consideradacomo um transtorno da atenção.

Avaliação neuropsicológica das agnosiasO exame neuropsicológico nos casos de disfunções gnósicas

se baseia em provas qualitativas e medidas mais quantitativas8. Umadescrição de alguns dos procedimentos tradicionais na prática clínicaé apresentada a seguir.

(a) Agnosia visual• Provas de transposição visuo-verbal – A tarefa envolve nomear

estímulos visuais (verbais ou não verbais) apresentados em figurasou objetos concretos;

• Provas de transposição auditivo-visual - Após solicitação verbal doexaminador, o indivíduo é solicitado a apontar um objeto específicoentre várias alternativas, seja um objeto concreto ou desenhado emuma folha de papel;

• Provas de pareamento (associação) de estímulos visuais apresentadospictoricamente (ou objetos concretos);

• Identificação de figuras sobrepostas (Teste de Poppelreuter) – umdesenho com figuras sobrepostas é apresentado ao paciente, que deveidentificar os objetos representados;

• Identificação de imagens fragmentadas – O principio do teste éidentificar figuras quando apenas partes são apresentadas.

(b) Agnosia auditiva• Repetir sons verbais (palavras ou números) e nomear sons não verbais

(ex: campainha, sirene, ronco do motor, trovão). Trata-se de umaprova de transposição auditivo-verbal.

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• Apontar o objeto correspondente desenhado em uma folha entrevárias alternativas após a apresentação oral do examinador(transposição auditivo-visual).

• Identificar estímulos auditivos semelhantes, sejam fonemas ou sonsambientais.

(c) Astereognosia• Identificação de objetos pelo tato, sem apoio visual (mão direita e

esquerda)É importante mencionar que as mensagens que chegam

ao hemisfério direito (por vias contralaterais ou ipsilaterais) precisamser transferidas para o hemisfério esquerdo para que sejam verbalizadas.Portanto, em casos de lesões afetando a comunicação entre oshemisférios, como ocorre nas secções de corpo caloso em casos deepilepsias de difícil controle, o distúrbio gnósico pode ter umaapresentação unilateral.

Praxias

As praxias podem ser definidas como a seqüênciaharmônica dos movimentos necessários para a execução de atosmotores complexos, como a atividade gestual e o uso de objetos. Paraseu entendimento, é necessário antes de mais nada analisar as basesneurobiológicas do movimento.

A função motora é decisiva para o comportamento, já queo comportamento é um movimento físico prescrito pela cognição9. Ocomportamento pode ser entendido como a tradução de pensamentoem atos concretos; da mesma forma, é comum pensarmos através deseqüências de ação. O início da experiência que culminará nummovimento se dá quando as informações sobre o mundo chegamatravés dos sentidos e depende de como estas informações sãocombinadas com estados internos para causar uma ação.

Os sistemas sensoriais formam uma representação internado mundo exterior e uma das principais funções desta representaçãoé guiar movimentos. Para isso, áreas do córtex somatossensorialprocessam informações do ambiente externo. O processamento motortem seu início numa representação interna que envolve a construçãode atos motores através da montagem e coordenação de componentesmotores elementares1.

Os movimentos podem ser divididos em três categorias1:• Respostas reflexas: movimentos mais simples e de menor controle

voluntário, como reflexo patelar, retirar a mão de objeto quente,

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deglutição; são respostas rápidas, estereotipadas e involuntárias;• Padrões motores rítmicos: combinam ações voluntárias e reflexas,

como andar e correr e mastigar. Frequentemente, apenas o início e otérmino da seqüência motora são voluntários; os demaiscomportamentos costumam ser repetitivos e relativamenteestereotipados.

• Movimentos voluntários: são mais complexos, proposicionais(dirigidos a um objetivo) e normalmente aprendidos, como tocarum instrumento ou pentear os cabelos. Quanto mais foremdominados pela prática, menos conscientes eles ficam.

Qualquer movimento ocorre, basicamente, do relaxamentoe da contração muscular controlado pelo sistema nervoso. Contudo,o processo como um todo é bem mais complexo. Primeiro é necessárioque comandos muito específicos sejam enviados a diversos grupos demúsculos. Em seguida, os sistemas motores têm que levar em conta adistribuição da massa corporal e planejar ajustes posturais adequados.Finalmente, os sistemas motores devem ajustar seu comando paracompensar a inércia dos membros, a disposição mecânica dosmúsculos, ossos e articulações. Para tanto, os sistemas motores contamcom uma complexa rede de informações sensoriais, do ambiente, daposição e orientação do corpo e do grau de contração dos músculos.Com base nestas informações o corpo seleciona a resposta motoraapropriada e ajusta movimentos em curso.

Os sistemas motores são organizados em três “centros” decontrole que se interligam de modo hierárquico como também emparalelo: a medula espinal, o tronco encefálico e o córtex cerebral1. Osníveis menos complexos geram reflexos sem a intervenção de níveismais complexos, que ficam livres para emissão de comandos geraissem a necessidade de especificar todos os detalhes do ato motor.Quando organizados em paralelo, os sistemas motores podem regulardeterminadas funções de forma quase independente.

Na hierarquia das estruturas que controlam a funçãomotora, a medula espinal é a mais básica e fundamental, é o ponto dedecisão para as ações voluntárias e também para os reflexosautomáticos e estereotipados. A medula recebe informaçõesdiretamente dos músculos, das articulações e da pele, e seurecrutamento para a geração de comportamentos mais complexos éessencial. A seguir no nível hierárquico vem o tronco encefálico, quedesempenha importante papel no controle postural, além de controlaros músculos distais dos membros, cabeça e olhos e por isso são

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importantes para movimentos isolados e direcionados a um objetivo.O nível mais complexo da hierarquia do sistema motor está no córtexcerebral, nas divisões do córtex motor primário, córtex pré-motor eárea motora suplementar. Além destas regiões, participam do sistemamotor o cerebelo e os gânglios da base, formatando e refinando omovimento, e influenciando-o através de conexões com áreas motorasdo córtex.

Os centros motores superiores respondem por duascaracterísticas essenciais ao movimento voluntário: o planejamentode acordo com objetivos específicos e a formatação do movimento deacordo com fatores ambientais. Existem duas áreas motoras principaisno córtex frontal: a área motora primária e a área pré-motora. Ambastêm mapas somatotópicos do corpo e exercem efeito direto sobre osneurônios motores. A área motora primária tem informações sobre aposição e a velocidade do movimento. Assim, o córtex motor primárioparece desempenhar um papel primário no controle dos músculosimportantes nas fases iniciais da orientação do corpo e do braço emdireção a um alvo e ainda participar do controle dos movimentos porindícios visuais e somatossensoriais. A área pré-motora primária, quese divide em área motora suplementar e córtex pré-motor, com papelprimordial no planejamento dos movimentos direcionados a umobjetivo. A área motora suplementar é importante na programaçãode seqüências motoras complexas. A figura abaixo ilustra subdivisõesdeste sistema.

Córtex pré-motor

Córtex somatossensorial

Córtex pré-central

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Lesões no córtex motor primário causam fraqueza dosmovimentos e lesões em áreas pré-motoras prejudicam a capacidadede desenvolver uma estratégia adequada. Pacientes com apraxia nãoapresentam fraqueza ou perda sensorial e podem realizar com precisãomovimentos simples, mas não são capazes de realizar atos complexosque exigem seqüência de contração muscular ou estratégias planejada,como pentear o cabelo ou escovar os dentes.

Existem evidências de que a área motora suplementar façaparte de uma das etapas fundamentais para transformar e introduziras representações temporais e espaciais do movimento, formadas nolobo parietal inferior, a fim de ativar corretamente sistemas motoresdescendentes.

O cerebelo processa as informações sobre o movimento ea posição do corpo no espaço, sendo responsável pelo equilíbrio,postura e coordenação. Suas projeções enviam sinais que contribuempara modificar a postura e coordenar o movimento muscular de formaa ajustar o movimento em curso e melhora sua precisão9. A atividadedo cerebelo é modificada pela experiência, tendo um importante papelna aprendizagem dos movimentos. Sua estrutura é formada por ummanto externo de massa cinzenta (córtex cerebelar), uma substânciabranca interna e três núcleos profundos (fastígio, interpósito edenteado)1.

Lesões no cerebelo provocam perturbação da coordenaçãodos movimentos dos membros e dos olhos, afetam o equilíbrio ediminuem o tônus muscular. Dentre suas conseqüências, pode sercitada a ataxia. A ataxia consiste na falha de coordenação dosmovimentos, podendo se manifestar em um retardo na iniciação derespostas, erros de alcance ou força e erros na freqüência e regularidadedos movimentos. É normalmente associada a uma degeneração oudesconexão de áreas específicas do cerebelo.

Existem evidências de que o cerebelo, além de coordenaro movimento físico, também é necessário para a coordenação do“movimento” dos pensamentos, desempenhando um papel naseqüência de pensamentos necessários para determinada ação, comimplicações importantes na cognição9.

Em relação aos gânglios da base, estes recebem entradasde todas as áreas do córtex frontal relacionadas ao planejamento daação. São formados por: núcleo caudado, putâmen, globo pálido,núcleo subtalâmico e substância negra1. Dentre as doenças que afetamos gânglios da base, está a doença de Parkinson. Nessa doençaprogressiva, os gânglios da base afetados produzem distúrbios de

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movimentos involuntários e aumento do tônus muscular. Hádificuldade em iniciar movimentos, que se tornam rígidos, lentificadose apresentam temor de repouso característico. A produção dedopamina, neurotransmissor crítico para o controle do processamentodas informações por meio dos núcleos da base, também está alterada.

No processo de programação motora ocorre ainda aparticipação do giro cingulado anterior, interligado à amígdala e outrasestruturas límbicas, que parece desempenhar um papel importantena iniciação e na motivação dos comportamentos dirigidos a um alvo9.

Distúrbios das funções práxicas: as apraxiasO DSM-IV define apraxia como um prejuízo na capacidade

de executar atividades motoras, mesmo que as capacidades motoras,função sensorial e compreensão estejam intactas. Podem apresentarapraxia indivíduos com demência, por exemplo, que teriamdificuldade em demonstrar através da mímica o uso de algum objetoou de executar atos motores conhecidos. Desta forma a apraxia podeinterferir em atividades de vida diária como cozinhar, vestir-se oudesenhar.

A apraxia pode ocorrer quando há uma ruptura na conexãodo processamento das informações nos centros de programação motoraou quando há falha na interação entre os sistemas motores e as áreasfrontais relacionadas a funções executivas, envolvidas no aprendizadode ações complexas8. Tende ainda a se manifestar através deagrupamentos (clusters) de distúrbios que compartilham o mesmo localcerebral da lesão, como é o caso da apraxia facial e a afasia de Broca.

Os distúrbios práxicos parecem ocorrer em três domínios,1) perda do entendimento do tipo de ação relacionada a instrumentos

e objetos, resultando em erros de conceito de seu uso;2) perda do conhecimento associativo instrumento-objeto, levando a

uma seleção imprópria de ferramentas adequadas para a tarefa;3) déficit na compreensão da natureza de problemas mecânicos básicos

e as vantagens do uso de determinada ferramenta, levando àincapacidade de desenvolver ferramentas adequadas para soluçãode problemas10.

A classificação das apraxias é descrita a seguir.(a) Apraxia ideomotora. Trata-se da inabilidade para

realizar gestos sob comando verbal, embora esses atos sejam facilmenterealizados de modo espontâneo. São associadas a lesões do fascículoarqueado e da porção anterior do corpo caloso.10

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Nos anos 60, Geschwind propôs um modelo de “síndromede desconexão” para explicar as apraxias ideomotoras. O estímuloauditivo chega ao lobo temporal e é processado na área de Wernicke,conectada às regiões pré-motoras através do fascículo arqueado. Asinformações chegam ao hemisfério não-dominante através do corpocaloso. Assim, uma ruptura no arco de Wernicke e de suas conexõespara as áreas de associação motoras corticais pré-frontais poderiaexplicar grande parte das apraxias motoras de membros. O problemanão estaria na execução do plano motor, mas na compreensãoparcialmente prejudicada10. Este quadro pode aparecer em pacientesque sofreram um acidente vascular cerebral ou doenças degenerativascomo a Doença de Alzheimer9.

(b) Apraxia ideatória. Comum igualmente em doençasdegenerativas difusas como a Doença de Alzheimer, a apraxia ideatóriapode ser entendida como uma desorganização na seqüência lógica eharmoniosa de diversos gestos básicos que compõem um ato de maiorcomplexidade. Uma manifestação típica é quando o paciente com estaapraxia é solicitado a acender um cigarro e coloca-lo na boca. Estatarefa pode ser realizada passo-a-passo, mas a tentativa de fazer todo oprocesso seria marcada por omissões e trocas de ordem da seqüência.10

Na tentativa de diferenciar a apraxia ideomotora da apraxiaideatória, vários critérios têm sido criados10. Um deles diz respeito aoconceito de movimentos transitivos e intransitivos: os transitivos sãoações do sujeito para o objeto (por exemplo, abrir uma porta), enquantoque os intransitivos não dependem de objeto algum, e podem sersimbólicos (por exemplo, gesto de despedir-se) ou sem propósitodeterminado. Parece que na apraxia ideomotora haveria dificuldadeem imitar gestos intransitivos e na ideatória o desafio maior estaria naimitação de gestos transitivos.

Outro critério seria baseado na noção de gestos simples ecomplexos. Os gestos simples seriam os que utilizam apenas um objeto,ao passo que os complexos envolveriam o uso de vários objetos. Supõe-se que na apraxia ideomotora existiria uma desordem no cumprimentode gestos simples e na ideatória, por sua vez, a dificuldade residiria narealização de gestos complexos.

Existem ainda os critérios relacionados ao padrão deresposta ao comando verbal (a fim de verificar se a compreensão verbalestá preservada, se o déficit ocorre em nível ideatório ou executivo),de imitação (que se expressa teoricamente através de componenteexecutivo) e, finalmente, no reconhecimento gestual e tipos de resposta(através de demonstração de uso de objeto, já que um uso inadequado

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do objeto sugere uma apraxia dos membros, sendo de extremaimportância saber se o paciente reconhece o erro ou não).10

Apraxias caracterizadas por um distúrbio não-verbal desimbolização, como prejuízos na gesticulação, incapacidade dedemonstrar ou compreender uma atividade em pantomima (expressãoatravés de gestos) normalmente estão associadas a lesões que envolvemáreas de compreensão da linguagem e áreas de sobreposição para zonassinestésica e visual do hemisfério esquerdo. Prejuízos na seqüência demovimentos das mãos estão fortemente associados a lesões no loboparietal esquerdo. A agrafia pura pode estar associada a lesões no córtexposterior esquerdo.8

Outros tipos de apraxia incluem a apraxia oral (apraxia dodiscurso), que diz respeito à incapacidade de imitar simples gestosorais devido a problemas na organização dos músculos do aparatodiscursivo a fim de formar sons ou grupos de sons em palavras.Envolve um prejuízo em iniciar, posicionar, coordenar e sequenciarcomponentes motores do discurso, podendo ser confundida comdisartria.

A apraxia de vestir-se, por fim, diz respeito à dificuldadeem relacionar e em organizar partes de seu corpo com peças de roupas.Este tipo de apraxia está relacionado a lesões no lobo parietal direito. 8

Avaliação neuropsicológica das apraxiasAlguns instrumentos foram criados com o intuito de avaliar

perdas do conhecimento sobre ações necessárias de como usar umobjeto ou ações específicas8. O teste FAST-R (Florida Apraxia ScreeningTest-Revised) procura avaliar gestos através de 30 comandos verbaispra demonstração, 20 itens envolve o uso de objetos e 10 requeremgestos sem objetos (como por exemplo, saudar alguém). O teste FLART(Florida Action Recall Test) consiste em 45 desenhos de objetos emcenas que implicam uma ação. Aos sujeitos é perguntado que tipo deutensílio foi usado para aquela ação e depois é pedido que eles façama mímica da ação. No Test For Apraxia, nove objetos são usados paratestar a habilidade de mímica através do comando verbal na ausênciae na presença de objetos, além de imitação gestual e verbal doexaminador, de olhos abertos e fechados.

Outras provas de funções práxicas são propostas no ExameNeurológico Evolutivo – ENE, desenvolvido por Lefévre.• Ideomotora: Reproduzir ações por comando oral e demonstração.

Ex. Mandar beijo; fazer o gesto de tchau; escovar os dentes; usar ummartelo;

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• Ideatória - realizar sequências motoras com objetos. Ex. Acenderum fósforo; colocar água em um copo; colocar uma carta dentro doenvelope;

• Praxia motora. Provas de coordenação apendicular, por exemplo,manobra índex-nariz com os olhos fechados;

• Praxia oral. Ex: Mandar beijo, encher bochechas.

Funções visuo-construtivas

No funcionamento cotidiano, frequentemente o indivíduoencontra-se envolvido em situações nas quais necessita reproduzirgraficamente representações diversas como objetos, faces ou trajetos.As reproduções podem ser feitas de uma forma bidimensional, comoem desenhos ou mapas, ou por construções tridimensionais, comoesculturas ou maquetes, dependendo das especificidades dasrepresentações. Habilidades desta natureza envolvem as funções visuo-construtivas. Executar tarefas que impliquem em construção envolvecomponentes espaciais, percepção visual e trabalho motor e pode serdesignada como “praxia construtiva”, que é a integração da açãomotora empregada na execução de movimentos complexosaprendidos.

Portanto, as habilidades visuo-construtivas se traduzemcomo uma seqüência de processos envolvendo as seguintes funções:1) Percepção visual – síntese visual: esta etapa envolve a discriminação

de detalhes perceptivos (visualmente ou por tato) do objeto a serreproduzido, incluindo componentes visuais e espaciais, e suasíntese visual em um todo coerente;

2) Elaboração de uma representação mental dos objetos – após adiscriminação, os componentes do objeto devem ser integrados emum todo único;

3) Reprodução – O processo de execução abrange as funções motorase habilidades de coordenação. Envolve planejamento e controle dosatos motores necessários à reprodução.

A função visuo-construtiva é muito ligada à habilidadeespacial. Para manipular objetos adequadamente e deslocar-se noespaço, é necessário ter conhecimento de aspectos do ambiente comoa distância entre os objetos, suas localizações precisas e as relações queeles mantêm entre si, ou seja, suas coordenadas. Além disso, temosum vocabulário que permite a expressão correta de valores métricos euma experiência visual adequada para distinguir diferenças detamanhos e distâncias, a fim de formar uma percepção por categorias12.

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Disfunções das funções visuo-construtivas

A perda das capacidades de reprodução bi outridimensional de objetos são definidas como apraxias visuo-construtivas. Trata-se de um distúrbio de atividade formativa, comojuntar, construir e desenhar, no qual a forma espacial do resultadofinal não é satisfatória, sem que haja apraxia para movimentos isolados.Estes distúrbios consistem, portanto, na inabilidade de reproduzir oucopiar um modelo visual apresentado, ou seja, traduzir uma percepçãovisual em ação motora adequada, sem que haja alterações visuais,perceptivas ou motoras. Uma vez que a atividade visuo-construtiva émarcada pela confluência de processos motores e visuais, seus déficitsse refletem em atividades de montar, desmontar e manipularobjetos11,12.

Com relação à participação do hemisfério direito nestafunção, seu papel situa-se na percepção e interpretação dos estímulosvísuo-espaciais. Lesões parietais à direita levam a dificuldades emperceber o objeto como um todo; mesmo que os detalhes sejampercebidos corretamente, dificilmente são integrados num todo deforma correta. É freqüente observar deslocamentos e distorções daspartes, perda da relação espacial entre elas e também o julgamentoadequado quanto aos erros cometidos pode ficar prejudicado12.

Quanto a lesões à esquerda, estas parecem prejudicar aprogramação de movimentos necessária à realização da tarefa.Consequentemente, as cópias são simplificadas, detalhes são omitidos,ângulos retificados e existe uma tendência a aproximar a cópia dodesenho (fenômeno designado de closing-in). A execução tambémtende a ser mais lenta12.

Em síntese, as apraxias se diferenciam se acordo com asregiões cerebrais atingidas, como segue abaixo.

Lesões posteriores occipitais e parietais:• Predominando à direita: os prejuízos predominam na configuração

global da representação. São observados em termos de deslocamentoe distorção das partes e perda das relações espaciais. A dificuldadeencontra-se essencialmente na etapa de percepção, de síntese visual.

• Predominando à esquerda: os prejuízos estão na discriminação departes de um padrão. Envolvem assim dificuldades para programaros movimentos necessários à execução da reprodução, resultandoem copias simplificadas, detalhes negligenciados e execução lenta. Amaior dificuldade é de planejamento dos atos motores. A tentativa

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de copiar diretamente sobre o modelo (closing in) é associada a lesõesa esquerda.

Na vida cotidiana, estes déficits podem se manifestar emdificuldades para arrumar uma mesa, para organizar os móveis dacasa ou desenhar mapas de ambientes familiares.

Avaliação neuropsicológica das funções visuo-construtivas

A avaliação das funções visuo-construtivas pode ser atravésde tarefas que utilizam lápis e papel, construção de duas ou trêsdimensões, com ou sem modelo. É preciso que o examinador estejaatento à capacidade do individuo de discriminação de aspectosperceptivos, espaciais, motores, na capacidade de atenção e motivação.A observação das formas como o paciente busca estratégias dereprodução e de padrões de erro podem denunciar dificuldade deexecução11,12.

Na avaliação da capacidade visuo-espacial, pode-seressaltar tarefas de descrição de trajetos conhecidos ou entre cidadesnum mapa, testes de trilhas e provas de orientação de linhas (por viavisual ou tátil). É importante levar em conta também uma possívellimitação de movimentos oculares, negligência de hemi-espaço,desorientação esquerda-direita, alterações periféricas (como perda departes dos campos visuais ou dificuldades práxicas em tarefas queexijam movimento). Além disso, distúrbios visuo-espaciais podeminfluenciar bastante o desempenho em atividades visuo-construtivas12.

Alguns testes tradicionais de funções visuo-construtivassão descritos a seguir8.• Desenho livre, desenho do relógio, da figura humana;• Copia de figura complexa: Figura complexa de Rey.• Cópias de padrões visuais: Teste Guestaltico Visomotor de Bender;

Prova de cópia de cubos;• Reprodução de padrões visuais com base em material concreto: Prova

dos bastões de Goldstein e Scheerer ou Benson e Barton;• Construção com blocos: Teste de Cubos de Kohs; Cubos (Escalas de

Inteligência Wechsler), blocos de Stanford-Binet, Teste de Construçãode Blocos Tridimensionais de Benton;

• Armar Objetos (Escalas de Inteligência Wechsler).

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Capítulo 5Pensamento, inteligência e funções executivas

Claudia Berlim de Mello

A evolução humana pode ser associada à aquisição decomplexas capacidades cognitivas, que permitiram ao indivíduoresponder adequadamente aos estímulos ambientais e engajar-se emum comportamento dirigido a metas, determinado pela motivação eregulado pela emoção. Tais capacidades incluem (a) manutenção emanipulação mental das informações, (b) auto-regulação docomportamento, o que envolve agir com base em escolhas prévias enão por impulso, e (c) pronta adaptação a mudanças na ação em curso.Trata-se, respectivamente, da memória operacional, do controleinibitório e da flexibilidade mental que, no âmbito da neuropsicologia,são referidos como funções executivas. Na Psicologia Cognitiva,capacidades desta natureza são relacionadas aos processos depensamento e também ao comportamento inteligente.

Neste capitulo, serão tratados alguns aspectos dos processoscognitivos abrangidos sob os conceitos de pensamento, inteligência efunções executivas, considerando características funcionais,neurobiológicas e métodos de investigação.

PENSAMENTO

DefiniçõesO estudo do pensamento tem uma longa história na

Filosofia e na Psicologia. Na Filosofia, seu objetivo principal édeterminar as leis ideais do pensamento correto, com base nosfundamentos da lógica1. Na Psicologia Cognitiva, busca-seessencialmente o entendimento da natureza do pensamento, bemcomo das condições e leis experimentais de seu exercício2.Investigações sobre as habilidades de pensamento em diferentesidades consolidaram teorias do desenvolvimento cognitivo3,4. O

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interesse por este processo cognitivo também é observado na áreadas neurociências5.

No âmbito da lógica, o pensamento é definido como oprocesso de conhecer, de descobrir em que consistem as coisas e querelações essas coisas têm entre si. Suas operações incluem:• Concepção de idéias – se relaciona ao propósito de apreender o que

uma coisa é (ex: triângulo);• Juízo – permite ao indivíduo afirmar (ou negar) uma relação de

conveniência entre várias idéias (ex: o triângulo tem três lados; ohomem é racional);

• Raciocínio – a faculdade de estabelecer uma ligação lógica entre váriosjuízos.

Na Psicologia, algumas das definições de pensamento são:• Processo simbólico de integração conceitual de percepções,

representações e afetos;• Método de formular decisões e tirar conclusões, marcado pela

intencionalidade;• Instrumento para operações de abstração e generalização de

informações recebidas.

Pensamento e integração de conceitosPara o entendimento do pensamento como processo

simbólico de integração conceitual torna-se necessário considerar seuconteúdo, ou unidade fundamental, que são as representaçõesmentais2. As representações mentais dizem respeito aos conceitos eidéias que formamos a partir de nossas experiências cotidianas e daaprendizagem formal. Elas podem ser expressas em imagens mentaisquando seus atributos são captados pelos sistemas de senso-percepção.Conceitos naturais como maçã ou elefante, por exemplo, são passíveisde serem expressos em imagens mentais. Outras representações, noentanto, não podem ser expressas em imagens, uma vez que sãodesvinculadas do mundo físico. Trata-se do caso dos sentimentos edas intenções. Os conceitos formais são definidos por regras lógicas.As idéias resultam das operações de abstração e generalização. Abstrairé considerar a parte os elementos que compõem um todo complexo;generalizar envolve aplicar uma idéia abstrata a exemplares da mesmaespécie. Pensar envolve, portanto, a manipulação de representaçõesmentais de forma a fazer inferências e obter conclusões6. O instrumentodo pensamento é a linguagem. É pela linguagem, oral ou escrita, queo pensamento “ganha corpo”, se expressa4.

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O interesse científico acerca da natureza dos conceitosresultou em diferentes visões na Psicologia a este respeito7. NaPsicologia Cognitiva, a visão clássica, que perdurou até os anos 60,propunha que os conceitos constituem representações sumárias deeventos ou objetos de uma mesma classe ou categoria. Nestaperspectiva, os conceitos resultariam de um processo de abstração,em que aspectos essenciais e comuns a estes eventos ou objetos sãoseparados do que lhes é apenas acidental. Os atributos essenciais seriamsingularmente necessários e conjuntamente suficientes para definir umconceito, estando presentes em todos os subconjuntos de sua classeou categoria. Por exemplo, o conceito de “ave” abrange atributos comovoar, cantar, ter penas, por ovos. Por outro lado, a visão prototípica,que surgiu nos anos 70, sustentava que certos exemplares de umacategoria detém um maior número de atributos definidores e, portanto,são mais representativos que outros membros. Por exemplo, “sabiá”seria um exemplo mais típico da categoria ”aves“ do que “pingüim”.Outra visão, a visão dos exemplares, postula que a inclusão ou não deum conceito em uma dada categoria ocorre pela comparação a certosexemplares, que funcionam como padrões de referência da categoriaem questão. A partir da década de 80, uma nova abordagem foiestabelecida, a visão teórica, segundo a qual o significado de umconceito é inferido a partir de sua rede de relações com outros conceitos.Por teoria entende-se aqui o conhecimento construído pelo indivíduoa partir de suas experiências cotidianas com exemplares da categoriada qual deriva o significado.

O pensamento associativo simbólico envolve, portanto,processos de categorização que permitem ao indivíduo reconhecerconceitos pela identificação de seus atributos ou exemplaresprototípicos e sua inclusão a uma dada categoria. Além dopensamento, a integração de conceitos tem sido relacionada amodelos de memória de longa duração. Por exemplo, a teoria deativação difusa do processamento semântico de Collins e Loftus8 partedo pressuposto de que os conceitos são representados na memóriasemântica como “nós”, conectados entre si por propriedadesespecíficas e relações de categoria, formando assim redes semânticas.Quando uma representação conceitual é acessada, pela nomeaçãoou recordação, seria desencadeada uma ativação automática e difusados outros conceitos a ela conectados. Este mecanismo facilitaria arecordação de estímulos verbais semanticamente relacionados, comopalavras ou figuras, estando ainda envolvido em estratégias dememória9.

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Pensamento e resolução de problemasO pensamento também tem seu significado associado ao

processo de resolução de problemas. Problemas podem sersolucionados por meio de diferentes estratégias, como por tentativa eerro, pelo uso de um algoritmo ou por meio de estratégias heurísticas2.Tentativa e erro significa testar várias soluções de forma a identificar amais eficaz. O algoritmo é um procedimento passo a passo deresolução, como é o caso das fórmulas matemáticas. As estratégiasheurísticas, por sua vez, abrangem regras gerais que permitem dividirum problema em objetivos secundários ou estimar a probabilidadede ocorrência de um evento, de forma a reduzir o número de soluçõespossíveis. A seleção da estratégia depende, portanto, do problema emquestão e do número de soluções alternativas.

Solucionar problemas refere-se, em suma, ao pensamento eao comportamento direcionados a um objetivo específico. Esse processocomporta etapas sucessivas e interdependentes, descritas a seguir.1) Identificação do problema. Uma primeira etapa envolve considerar

se se trata efetivamente de um problema ou não;2) Definição e representação do problema. Em seguida, o processo

demanda analisar as reais dimensões do problema.3) Geração de estratégias de solução. Possíveis estratégias de solução

podem ser geradas pela análise do problema a partir de suadecomposição em elementos menores que podem ser maisfacilmente abordados e por sua síntese, que implica na reorganizaçãodestes elementos em uma nova perspectiva. Um pensamentodivergente permite a identificação de estratégias alternativas e umpensamento convergente envolve a seleção da alternativa maisadequada. A escolha depende da natureza do problema e dosrecursos e preferências do indivíduo.

4) Organização da informação. Uma aplicação assertiva da umaestratégia demanda uma organização das informações necessáriaspara a solução do problema

5) Alocação de recursos. Inclui-se aqui tanto os recursos do própriosujeito como recursos externos, como financeiros e instrumentais,necessários à resolução do problema.

6) Monitoração do processo de resolução. Neste contexto, enfatiza-se aimportância da flexibilidade cognitiva para a percepção e execuçãode mudanças na estratégia adotada que podem ser úteis;

7) Avaliação dos resultados atingidos.A resolução de um problema nem sempre requer estes

mecanismos explícitos de abordagem, uma vez que a solução pode

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advir de um insight10. O insight é definido como uma compreensãonítida e súbita da forma como solucionar um problema, em geralresultante do esforço mental prévio dedicado no processo. Tratar-sede uma conceituação do problema ou das estratégias de solução emuma perspectiva totalmente nova. O insight é explicado na PsicologiaGuestaltista quando partes de um problema passam a ser percebidascomo um todo coerente.

Pensamento e raciocínioNa Psicologia Cognitiva, o pensamento também abrange

o julgamento e a tomada de decisões, além do raciocínio2. Julgar etomar decisões envolve avaliar oportunidades e fazer escolhas. Oraciocínio, por sua vez, diz respeito ao processo de extrair conclusõesa partir de princípios ou evidências.

O raciocínio pode ser dedutivo, quando se parte de umaverdade universal para se chegar a uma verdade singular. Em outraspalavras, por meio do raciocínio dedutivo, um indivíduo obtémconclusões a partir de proposições condicionais. Trata-se do caso doraciocínio silogístico. Silogismos constituem argumentos nos quaisconclusões são obtidas a partir de duas premissas, uma maior e outramenor. Por exemplo, todo ser vivo é mortal, o homem é um ser vivo, logoo homem é mortal. Outro tipo de raciocínio dedutivo é o condicional,no qual a conclusão é baseada na proposição se... então. A formulaçãode hipóteses de pesquisa se fundamenta em geral neste tipo depensamento. O raciocínio indutivo, por outro lado, é o que parte deverdades singulares para chegar a uma verdade universal. Por exemplo,o calor dilata o ferro, o cobre, o bronze, o aço. Logo, o calor dilata todosos metais. Ou seja, adotando um raciocínio indutivo, o indivíduo baseia-se na observação sistemática dos fatos e eventos de forma a fazerinferências causais sobre possíveis explicações para esses fatos.

INTELIGÊNCIA

A inteligência é um constructo teórico de grandecomplexidade, uma vez que é vinculada a diversas habilidadescognitivas, como o raciocínio, o pensamento abstrato, a solução deproblemas, a capacidade de adquirir conhecimentos relevantes e acriatividade. O estudo da inteligência acompanhou a evolução daPsicologia como ciência independente. O advento da psicometria, navirada do século XX, fundamentou os métodos de investigaçãocientífica das aptidões intelectuais e de outras faculdades psicológicas

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individuais11,12. A mensuração da inteligência foi inaugurada em 1890com o conceito de teste mental, de Cattell, e se ampliou com apublicação das primeiras escalas, a desenvolvida na França por AlfredBinet e sua posterior adaptação por Lewis Terman nos Estados Unidosda América. O conceito de QI foi proposto a partir desta adaptação, aescala de inteligência Stanford-Binet, e supõe uma relação direta entrea Idade Cronológica (IC) e a Idade Mental (IM). Seu cálculo envolve aequação IM/IC X 100.

Uma discussão teórica que se impôs desde estes estudospioneiros é se a inteligência se refere a uma habilidade intelectual globalou a uma diversidade de capacidades qualitativamente diferenciáveis,embora interdependentes. A concepção de inteligência geral foi adotadapor Charles Spearman, que formulou o conceito de fator g comorepresentando a somatória das atividades mentais complexas, e queestaria presente em todas as habilidades específicas. A favor da noçãode um conjunto de aptidões isoladas cita-se teóricos como Louis L.Thurstone, que propôs a existência de sete habilidades mentaisprimárias, incluindo a compreensão verbal, a habilidade matemática, oraciocínio e a velocidade de percepção. Na mesma perspectiva, DavidWechsler, que desenvolveu nos anos 40 e 50 as mais usadas escalas deavaliação do desempenho intelectual, definiu a inteligência como acapacidade global de um indivíduo para pensar racionalmente, agir compropósito e lidar eficazmente com o meio ambiente13. Sua ênfase,portanto, estava na expressão do comportamento inteligente e não emcapacidades específicas. Outro conceito relevante foi o proposto porLuria14, que descreveu o comportamento inteligente como resultadodo interjogo dinâmico de funções mentais complexas que incluem aativação, o processamento de informações do ambiente e a regulaçãoda ação. A concepção multidimensional da inteligência inicialmenteproposta por Thurstone foi posteriormente revisada por HowardGardner em um trabalho publicado em 1983, Estruturas da Mente – aTeoria das Múltiplas Inteligências15. Neste modelo, foi considerada aexistência de pelo menos sete inteligências, a lingüística, a lógico-matemática, a espacial, a musical, a corporal-cinestésica, a interpessoal e aintrapessoal. Mais recentemente, o autor incluiu novas modalidades:naturalista, espiritual e existencial16. Gardner enfatizou a importânciada cultura, uma vez que considerou que as habilidades associadas aocomportamento inteligente tendem a ser valorizadas de forma diferente,dependendo do grupo social ao qual o indivíduo pertence.

Outro teórico importante no campo dos estudos dainteligência é Robert Sternberg2. Este autor interpretou as inteligências

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tal como definidas por Gardner mais como talentos especiais, e nãocomo qualidades intelectuais específicas. Desenvolveu o conceito deinteligência bem sucedida, que compreende três tipos básicos: (1)inteligência analítica, abrangendo os processos mentais empregadosna aprendizagem de como solucionar problemas, tais como selecionare aplicar uma estratégia de resolução; (2) inteligência criativa, que dizrespeito ao uso de conhecimentos e habilidades de forma a lidar comsituações novas e (3) inteligência prática, associada à capacidade deadaptar-se ao meio.

Na evolução da Psicologia aplicada, o uso dos testes deinteligência se consolidou no âmbito do psicodiagnóstico e nodiagnóstico nosológico de diversos transtornos doneurodesenvolvimento descritos em manuais como o DSM-IV17.Alguns dos instrumentos mais freqüentemente utilizados comomedidas cognitivas são descritos a seguir.

As escalas WechslerA primeira escala desenvolvida por Wechsler foi publicada

em 1939, a Wechsler -Bellevue Intelligence Scale Form I.Posteriormente, novas versões foram sistematicamente sendopropostas. Em 1967, foi publicada a versão inicial da Wechsler Preschooland Primary Scale of Intelligence – WPPIS –, destinada a criançasentre 3 anos e meio e 7 anos de idade. Atualmente, são amplamenteutilizadas a Wechsler Adult Intelligence Scale – WAIS - para adultos, ea Wechsler Intelligence Scale for Children – WISC para crianças, ambasem sua terceira edição. São comercializadas no Brasil pela Casa doPsicólogo. Para um maior entendimento das alterações nas versõesoriginais decorrentes das adaptações para a população brasileira verNascimento e Figueiredo13. Revisões atuais estão sendo elaboradaspela editora americana das escalas Wechsler, a PsychologicalCorporation, o WISC-IV e o WPPSI-III.

A escala WISC-III engloba um conjunto de 13 subtestes,agrupados em uma escala verbal (Informação, Semelhanças,Aritmética, Vocabulário, Compreensão e Dígitos) e em uma escala deexecução ou não-verbal (Completar Figuras, Arranjo de Figuras,Código, Cubos, Armar Objetos, Procurar Símbolos e Labirintos). Aescala WAIS-III é composta por 14 subtestes, também agrupados emuma escala verbal (Vocabulário, Semelhanças, Aritmética, Dígitos,Informação, Compreensão e Seqüência de Números e Letras) e outrade execução (Completar Figuras, Códigos, Cubos, Raciocínio Matricial,Arranjo de Figuras, Procurar Símbolos e Armar Objetos).

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A partir dos escores ponderados obtidos nos subtestes,chega-se ao QI verbal e ao QI de execução, além do QI global. Alémdos QI´s, as escalas provêm índices fatoriais associados a competênciasespecificas: Compreensão Verbal (abrangendo os subtestes informação,semelhanças, vocabulário e compreensão), Organização Perceptual(completar figuras, arranjo de figuras, cubos e armar objetos)Resistência a Distração (aritmética e dígitos) e Velocidade deProcessamento da Informação (códigos e procurar símbolos).

Uma estimativa de QI é obtida por meio do uso de apenasdois subtestes, cubos e vocabulário18. O uso do QI estimado é maisfreqüente em situações de pesquisa, devendo ser restrito na práticaclínica.

Matrizes Progressivas de RavenO teste das Matrizes Progressivas de Raven é uma medida

de inteligência não verbal, e avalia o fator g19. Há três escalas, Standard(ou Escala Geral), Colorida e Avançada. A primeira é destinada aavaliação de indivíduos entre 12 e 65 anos, e consta de 5 séries de 12problemas cada. A escala das Matrizes Coloridas de Raven é a versãopara crianças de 5 a 11 anos de idade, e contém 3 séries de 12 problemas.São editadas no Brasil pelo Centro Editor de Testes e Pesquisas emPsicologia.

Escala de Maturidade Mental ColúmbiaO teste Columbia envolve um material composto por 92

pranchas, nas quais são dispostos estímulos pictóricos ou figurativos.Cada prancha contém 3 a 5 estímulos, que são associados perceptivaou semanticamente exceto um. A criança deve apontar qual dosestímulos não se associa, ou não combina, com os demais. Há normaspara as idades de 3 anos e seis meses a 9 anos e onze meses20.

Tanto as Matrizes de Raven quanto a Escala Colúmbiaconstituem instrumentos que não requerem resposta verbal oumanipulação do material, sendo assim indicados para uso emindivíduos com alterações de linguagem oral e dificuldades motoras,como ocorre em casos de Paralisia Cerebral.

Teste do Desenho da Figura Humana - DFHO Teste do Desenho da Figura Humana (DFH) é uma medida

de desenvolvimento cognitivo não-verbal21. A criança é solicitada adesenhar duas figuras humanas, uma feminina e outra masculina. Odesempenho é avaliado considerando a presença de elementos

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específicos dos desenhos. Há normas para as idades de 5 a 12 anos.Uma das utilidades deste instrumento é que envolve uma tarefa deinteresse da maioria das crianças, e teria assim o potencial de minimizarefeitos de diferenças sócio-econômicas e culturais sobre o desempenho.

Uma questão importante a considerar em testes deinteligência é sua propriedade psicométrica, baseada em parâmetroscomo validade e precisão11. O Conselho Federal de Psicologia temestabelecido as regras para o uso destes instrumentos, enfatizandoainda a necessidade da obtenção de normas para a população brasileira.Cabe ainda considerar que o desempenho em testes de inteligênciapode ser influenciado por variáveis como o nível sócio-econômico, aidade, o sexo e o grau de escolaridade dos indivíduos22.

É importante ressaltar, por fim, que a avaliação daspotencialidades intelectuais e psicológicas individuais não deve seresumir a dados quantitativos. Procedimentos qualitativos, que dêemconta da subjetividade e que permitam analisar os processos envolvidosna execução das tarefas e não apenas o resultado final, forneceminformações muito valiosas para a compreensão fenomenológica dostranstornos do neurodesenvolvimento e para a proposição deestratégias de intervenção23.

A questão da deficiência intelectualUma questão importante a ser discutida em relação ao tema

da inteligência é o da deficiência intelectual. Os processos de avaliaçãocognitiva em casos de hipótese de deficiência intelectual em geral sebaseiam exclusivamente nos parâmetros da normalidade, definidos peloQI < 70. Ainda são poucos os programas nas áreas de educação e saúdeque buscam uma identificação mais ampla das potencialidades da pessoacom deficiência intelectual, e que adotem suportes teóricos como o dasinteligências múltiplas. Uma avaliação de competências, como sociais,musicais, artísticas e deve complementar as medidas cognitivas.

Em 1992, a Academia Americana de Retardo Mental -American Association on Mental Retardation- divulgou um modelo deabordagem para a deficiência intelectual24. O sistema 1992, como ficouconhecido, ampliou os critérios diagnósticos de forma a incluir nãoapenas o resultado do teste de QI como também a presença delimitações em pelo menos duas áreas de habilidades adaptativas, comocomunicação, atividades de vida prática e habilidades sociais. Oprocedimento após o diagnóstico é descrever (a) as capacidades elimitações do indivíduo relacionadas com aspectos psicológicos e

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emocionais; (b) o quadro clínico (saúde física) e a possível etiologia dadeficiência; e (c) o ambiente atual e o ambiente mais propício quefacilitaria o continuado progresso e desenvolvimento da pessoa comdeficiência. Portanto, esse sistema, revisado em 2001, incentivaprocessos de avaliação na deficiência intelectual que não se restringemao individuo e seu status atual.

Uma abordagem da deficiência intelectual exclusivamentepor meio de resultados de testes de QI se sustenta no pressuposto dainteligência como uma entidade única, hereditária e inata. Conformeextensamente discutido pelo antropólogo Stephen J. Gould em seulivro A Falsa Medida do Homem25, a concepção do determinismobiológico foi adotada em muitas pesquisas do início do século XX eteve como resultado o uso de testes de inteligência com objetivos desegregação de populações em função da classe social, origem ou raça.A este respeito o autor enfatiza que “passamos por este mundo apenasuma vez. Poucas tragédias podem ser maiores que a atrofia da vida, poucasinjustiças podem ser mais profundas do que ser privado da oportunidadede competir, ou mesmo de ter esperança, por causa de um limite externo,mas que se tenta passar por interno (...) Vivemos em um mundo de diferençase predileções humanas, mas extrapolar estes fatos para transformá-los emteorias de limites rígidos constitui ideologia” (Gould, 1991, p.13).

Funções executivasO termo função executiva refere-se a uma habilidade geral de

planejamento e uso de estratégias de resolução de problemas visando àexecução de metas. Esta definição, assim como sua associação com o córtexfrontal, tem sido proposta desde os trabalhos pioneiros de Luria14 na áreada neuropsicologia. Posteriormente, estudos clínicos e experimentais,auxiliados pelo advento das técnicas de neuroimagem, vêm ampliando oconhecimento sobre essas funções e suas bases neurobiológicas.

Diversas habilidades são descritas como funções executivas.Dentre elas, podem ser citadas:• Organização e planejamento da ação;• Comportamento orientado a metas;• Manutenção da disposição para agir;• Verificação e regulação da ação – auto-regulação;• Inibição seletiva do comportamento – controle inibitório• Capacidade de mudar o plano de ação diante de mudanças na tarefa

– flexibilidade mental;• Memória Operacional;• Atenção seletiva e vigilância;

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• Resolução de problemas;• Controle emocional;• Metacognição.

Esta diversidade de habilidades abrangidas sob o conceitogeral de funções executivas resultou em algumas dificuldades para aclassificação das medidas e testes neuropsicológicos destinados a suainvestigação. Esta questão levou Lezak26 a propor a seguinteclassificação: (1) Volição ou estabelecimento de metas; (2) planejamento;(3) execução de planos dirigidos à meta; (4) desempenho efetivo.Estabelecer metas envolve a iniciativa para gerar comportamentosintencionais (motivação) e a consciência de si mesmo. O planejamentodepende da capacidade para identificar, organizar os passos eelementos necessários para finalizar uma intenção e alcançar umobjetivo. Neste componente, estariam abrangidos a capacidadeconceitual e a abstração, o pensamento antecipatório e a capacidadede organizar passos em seqüência. O desempenho envolveria, porexemplo, a atenção sustentada e o controle de impulsos, ou seja, umcomportamento inibitório seletivo.

Esta heterogeneidade do conceito global de funçãoexecutiva tem gerado muitas controvérsias entre pesquisadores naárea27,28,29. Uma questão central é se as funções executivas representamum único mecanismo relacionado ao controle e regulação dodesempenho cognitivo como um todo ou, por outro lado, abrangemdiferentes habilidades associadas ao funcionamento dos lobosfrontais29. A concepção de mecanismo único parece estar presente noconceito de executivo central, do modelo de memória operacional deBaddeley30, e no Sistema Supervisor Atencional, do modelo de Normane Shallice31. A hipótese de múltiplas habilidades se sustenta, porexemplo, em baixas correlações entre testes tradicionais de funçõesexecutivas freqüentemente observadas em pesquisas emneuropsicologia, o que sugere que de fato é necessário especificar asfunções que estes procedimentos realmente avaliam. O teste deClassificação de Cartões de Wisconsin (ver adiante), por exemplo, temsido empregado como medida de flexibilidade mental, inibição,resolução de problemas e categorização.

Recentemente, Miyake e cols29 propuseram que as funçõesexecutivas podem ser associadas a três componentes fundamentais: (a)mudanças de padrões mentais (mental set shifting); (b) atualização emonitoramento da informação (information updating and monitoring) e(c) inibição de respostas predominantes (inhibition of prepotent responses).

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Neurobiologia das Funções executivasUma dos primeiros teóricos a destacar o envolvimento dos

lobos frontais na regulação do comportamento foi Luria14. Seu modeloda organização dinâmica e hierarquizada das funções mentaissuperiores, desenvolvido em 1964, se baseia na concepção dofuncionamento cerebral em unidades funcionais, explicitadas a seguir.- 1a unidade: responsável pela regulação do tônus cortical e vigília

(consciência), é anatomicamente localizada no tronco cerebral,formação reticular e mesencéfalo.

- 2a unidade: associada à obtenção, processamento e armazenamentodas informações provenientes do meio externo, e inclui as regiõesdos lobos parietal, occipital e temporal (áreas de associação). É divididaem zonas primárias, secundárias e terciárias. A primeira é envolvidana classificação e no registro das informações entrantes; a zonasecundária organiza e codifica estas informações e a zona terciária,por fim, está direcionada à organização do comportamento.

- 3a unidade: responsável pelos processos envolvidos na programação,regulação e verificação da atividade mental, envolvendoprincipalmente os lobos frontais.

O córtex frontal é subdividido em três áreas, (a) o córtexpré-central (área 4 de Brodmann), que constitui a área motoraprimária; (b) o córtex pré-motor (área 6), que inclui a área motorasuplementar na face interna dos hemisférios e a área de Broca (área44); e (c) o córtex pré-frontal. Estas subdivisões estão ilustradas nafigura abaixo.

Córtex pré-frontal

Córtex pré-motorCórtex pré-central

Área 44

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O papel do Córtex Pré-Frontal (CPF) no controle dopensamento e na organização do comportamento em concordânciacom metas internamente definidas vem sendo sistematicamenteconfirmado por evidências neuropsicológicas, neurofisiológicas e deneuroimagem32. O CPF é subdividido em três regiões distintas emborasem delimitação precisa, associadas a funções específicas33.1) Córtex dorso-lateral (porções laterais das áreas 9-12, 44-45 e parte

superior da área 47, de Broadmann), relacionado aos processosassociados do funcionamento executivo;

2) Córtex órbito-frontal (porções mediais das áreas 9-12 e parte inferiorda área 47), relacionado ao comportamento socialmente orientado;

3) Córtex mesial, que envolve o cingulado anterior (áreas 24, 25 e 32,e porções internas das áreas 6, 8, 9 e 10), uma parte do sistemalímbico, com funções associadas à reorientação da atenção e àdetecção de erros provocados por esquemas comportamentaisautomáticos.

O papel modulador do CPF é exercido por meio de umacomplexa rede neural, envolvendo suas conexões com outras áreascorticais e subcorticais. Nessa rede converge o conjunto de informaçõesprovenientes do meio externo (procedentes dos sistemas sensoriais) einterno (como estados afetivos e da motivação), a partir dos quais seestabelece o plano de ação. O CPF tem, portanto, relações intrínsecascom as regiões associadas à análise e tratamento das informaçõessensoriais (áreas somestésica, visual e auditiva), áreas corticaisassociativas, sistema límbico (córtex cingulado, giro parahipocampal,amígdala e hipotálamo) e estruturas implicadas no controle motor(núcleos da base). As projeções do núcleo médio-dorsal do tálamopara o cortex orbito-frontal fornecem informações das vias deprocessamento visual e dos sistemas somatosensorial, olfativo egustativo, e suas projeções para o córtex dorso-lateral são associadas ainformações da memória de curto prazo de natureza espacial,provenientes de regiões parietais34.

As vias de conexão fronto-subcorticais foram descritascomo sistemas funcionais, que seriam implicados na representaçãodo mundo e do self por meio de coordenadas específicas35: (1) umsistema perceptual, envolvendo as conexões ventro-laterais dohemisfério direito, provendo coordenadas do objeto; (2) um sistemaverbalizador, abrangendo as conexões ventro-laterais no hemisférioesquerdo, proveria as coordenadas da linguagem; (3) um sistemamotivador, associado a vias subcorticais da amígdala, envolveria

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conexões ventro-mediais e orbitais que representariam o mundo e oself em coordenadas motivacionais e emocionais; (4) um sistemaatencional, associado a uma via subcortical do hipocampo, abrangeriaas conexões dorso-mediais e do giro cingulado anterior de forma apermitir orientar a atenção para eventos internos e externos a partirde coordenadas espaço-temporais; e (5) um sistema de coordenação,que envolveria as conexões dorso-laterais, provendo coordenadascorporais e visuais para o controle do comportamento dirigido a metase da memória operacional.

Disfunções executivas decorrentes de danos frontaisLesões no córtex pré-frontal, causadas por processos

vasculares, traumáticos ou infecciosos, podem comprometer apercepção do mundo exterior, o controle motor, o planejamento, oraciocínio, a atenção, a memória operacional, a aprendizagemassociativa e a expressão da afetividade e da personalidade, dentreoutras funções. Distúrbios desta natureza também são descritos emalguns transtornos neuropsiquiátricos, como a esquizofrenia36, oTranstorno Obsessivo-Compulsivo37 e o Transtorno do Déficit deAtenção-Hiperatividade38.

A natureza dos distúrbios cognitivos e comportamentaisdecorrentes de danos frontais depende das regiões e circuitosafetados39. Danos ao córtex pré-frontal dorso-lateral se caracterizampor alterações no funcionamento executivo, e também podem levara um estado contínuo de inércia ou incapacidade de iniciar ocomportamento. Estes sintomas têm sido descritos como a síndromedorso-lateral, anteriormente conhecida como pseudo-depressão. Nasíndrome órbito-frontal, por sua vez, predominam sintomas comodesinibição, humor oscilando entre euforia e raiva, controle pobredos impulsos e dificuldades para inibir o anseio por gratificaçãoimediata. Uma das primeiras descrições do impacto de lesões nocórtex orbito-frontal sobre a personalidade envolveu o famoso casode Phineas Gage, um operário de 25 anos que teve a base do cérebrotranspassada por uma barra de ferro em um acidente de trabalho.Após esse incidente, o jovem passou a apresentar mudançasacentuadas de comportamento, que incluíram oscilações de humore falta de inibição comportamental, embora sua inteligência geral efunções perceptivas e de linguagem tenham se mostrado preservadas.De fato, outros estudos mostraram que lesões frontais podem co-existir com desempenhos satisfatórios em testes de inteligências comoo WAIS40.

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As alterações causadas por danos no cortex pré-frontaltêm sido ainda descritas como síndrome disexecutiva30. Trata-se deuma constelação de alterações cognitivas e de comportamento, quecompreende dificuldades para concentrar-se em uma tarefa e finalizá-la sem um controle ambiental externo; presença de comportamentorígido, perseverativo e às vezes com condutas estereotipadas;dificuldades de estabelecimento de novos repertórios de condutas emconjunto com a perda da capacidade para utilizar estratégiasoperacionais; limitações na produção e criatividade com poucaflexibilidade cognitiva.

As demências associadas ao envelhecimento, como dasdoenças de Alzheimer e Parkinson, também são tipicamente associadasa alterações das funções executivas41,42. Com freqüência, as primeirasmanifestações dessas alterações incluem dificuldades para lidar comas finanças da casa e com o controle bancário, comportamentos rígidose oscilações de humor, que expressam prejuízos da capacidade deplanejamento, do controle inibitório e da flexibilidade mental. Asdisfunções do funcionamento executivo e da memória nestas doençassão associadas à progressiva degeneração neural em regiões frontais ecircuitos fronto-subcorticais.

Desenvolvimento das funções executivasA aquisição das mais diversas competências, como

cognitivas, acadêmicas e sociais, depende fortemente dodesenvolvimento das capacidades de auto-regulação, queprogressivamente permitem à criança agir de forma independente eorganizar o próprio comportamento. Tal desenvolvimento ocorre emfunção de uma complexa interação entre a programação cronológicados eventos da maturação neuronal e fatores ambientais, como asoportunidades de aprendizagem. No córtex pré-frontal, a maturaçãosegue um curso mais prolongado, completando-se por volta do finalda adolescência ou inicio da vida adulta43. Em relação aos fatoresambientais, capacidades de auto-regulação são estimuladas, porexemplo, nas interações sociais, nas brincadeiras e nas atividadesescolares, situações nas quais regras e limites socialmente relevantessão vivenciados.

O processo de maturação cerebral não ocorre de formalinear e sim em saltos, caracterizando assim os períodos críticos dodesenvolvimento44. Esses períodos são determinados pela evoluçãodiferencial de mecanismos neurais como a sinaptogênese e a eliminaçãoprogramada de sinapses e neurônios (apoptose) nas várias áreas

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cerebrais. A progressão da maturação nas regiões pré-frontais tem sidoassociada ao grau de controle executivo envolvido em uma habilidade,sendo que as requerem maior demanda de controle amadureceriammais tardiamente45. Dessa forma, verifica-se um maior período dedesenvolvimento das funções executivas entre os 6 e 8 anos de idade;entre 12 e 14 anos, geralmente as crianças já apresentam umdesempenho bastante semelhante ao observado em adultos.

Em conformidade com a noção dos períodos críticos,lesões na infância em geral repercutem de formas distintas nodesenvolvimento dependendo da idade da criança44. Em uma revisãoda literatura, Moses e Stiles46 descrevem evidências de que lesõesadquiridas entre 1 a 4 anos de idade foram associadas a um maiorprejuízo no desenvolvimento cognitivo em comparação a casos delesões congênitas ou adquiridas entre os 4 e os 10 anos. Outros estudoscitados indicaram que efeitos de lesões frontais tendem a serobservados apenas por volta da adolescência, quando há uma maiordemanda de habilidades associadas ao funcionamento executivo.Haveria assim um perfil de déficit latente. Em estudos mais recentes,observou-se que crianças que sofreram danos frontais nos anosescolares apresentaram menos déficits em vários domínios executivosquando comparadas a casos de lesão pré-natal47,48. A compreensão dosefeitos de lesões no cérebro imaturo sobre o desenvolvimento dasfunções executivas depende, portanto, de muitas variáveis além daidade por ocasião da lesão. Em geral, entende-se que os períodoscríticos são de maior vulnerabilidade para efeitos de lesões.

Tem sido também observado que lesões envolvendo ocórtex pré-frontal no hemisfério direito tendem a comprometer odesempenho de crianças em tarefas de funções de planejamento,resolução de problemas e que envolvem habilidades mais complexasde atenção, o que aponta para um papel especial deste hemisfério nodesenvolvimento das funções executivas49. Alterações nofuncionamento executivo podem ainda ser causadas por lesões extra-frontais, abrangendo por exemplo regiões parietais ou temporaisassociadas a processos cognitivos necessários para um desempenhoexecutivo eficiente em medidas de funções executivas, ou ainda seremdecorrentes de rupturas nas vias de conexão entre as áreas corticais esubcorticais47.

Assim como ocorre em adultos, crianças com diagnósticode Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e Transtorno do Déficitde Atenção-Hiperatividade (TDA-H) tendem a apresentar baixodesempenho em tarefas que demandam habilidades executivas como

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planejamento e controle inibitório50,51. O autismo também tem sidoassociado a comprometimento desta natureza52. Muitas dascaracterísticas dessa síndrome, como inflexibilidade, perseveração, focono detalhe em detrimento do todo e dificuldades no relacionamentointerpessoal, seriam explicadas por déficits executivos.

Avaliação neuropsicológica das funções executivasDiversos testes neuropsicológicos têm sido utilizados

como medidas de funções executivas na prática clínica e em pesquisasna área. Uma descrição sumária de alguns destes testes é apresentadaa seguir26.

- Teste de Classificação de Cartões de Wisconsin (WisconsinSorting Card Test-WCST).

O Teste de Classificação de Cartões de Wisconsin (WCST)envolve um material composto por um conjunto de 128 cartas e outrasquatro que constituem modelos ou alvos (ver ilustração abaixo). Ascartas têm estímulos impressos variando em forma (triângulo, estrela,cruz e círculo), número (1 a 4) e cor (vermelho, verde, amarelo e azul).As cartas modelo são expostas ao sujeito em seguida ele recebesucessivamente, uma a uma, as cartas resposta. O princípio do teste éclassificar as cartas em função de uma dessas variáveis, segundo umcritério a ser descoberto por dedução lógica em função das respostasverbais do examinador (“certo” e “errado”), que deve ser mantidonas classificações subseqüentes. Após dez tentativas, o critério declassificação é mudado pelo examinador, sem que o sujeito sejapreviamente advertido a respeito. Segue uma alternância dos critérios,cor-forma-número.

O desempenho no teste envolve, portanto, habilidades decategorização e flexibilidade mental. No estudo desenvolvido porMiyake e cols29, análises de correlação mostraram que o teste de WCSTfoi relacionado à habilidade de efetuar mudanças de padrões mentais(mental set shifting);

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- Testes de TorresOs testes de torres envolvem um material caracterizado

por uma base com três pinos na qual são dispostos elementos comodiscos de tamanhos diferentes (Torre de Hanói) ou esferas de coresdiferentes (Torre de Londres). Uma disposição especifica desteselementos é proposta como modelo, e o sujeito é solicitado a mover oselementos de forma a atingir uma configuração alvo, seguindo umnúmero de movimentos previamente determinado. Envolvecapacidade de planejamento e, no modelo de Myiake29, foi associadaà capacidade de inibição. Uma ilustração do material da Torre deLondres encontra-se abaixo, sendo (a) posição inicial e (b) posição alvo.

a)

b)

- Testes do tipo GO-NO GO.Neste tipo de tarefa o sujeito deve inibir respostas

automáticas. Por exemplo, é solicitado que aperte a mão doexaminador quando este disser “vermelho” e que não aperte quandodisser “verde”. Permite, dessa forma, a investigação de habilidades decontrole inibitório e atenção.

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- Teste de Trilhas (Trail Making Test)Neste tipo de tarefa, uma folha de papel na qual são

dispostos números e letras de forma não organizada (ver ilustraçãoabaixo) é fornecida ao sujeito, que deve ligar os números em ordemcrescente (forma A) ou os números em ordem crescente e as letras emordem alfabética alternadamente (forma B). A prova é consideradacomo uma medida de velocidade motora e atenção seletiva.

- Teste de cores-palavras (Stroop)Este teste avalia a capacidade individual para mudar um

padrão perceptivo em conformidade com novas demandas na tarefa.O sujeito deve nomear quatro cores, depois ler os nomes das coresescritos em palavras impressas em preto e em seguida dizer a cor daletra com que as palavras são escritas, sendo que a cor pode ou nãocorresponder à palavra escrita. O desempenho nesta tarefa requertambém controle inibitório e sensibilidade a interferências.

- Fluência verbalNa prova de fluência verbal, o sujeito é solicitado a gerar o

maior número de exemplares de uma dada categoria, como animaisou frutas (fluência verbal semântica), ou que iniciem com uma certaletra, como F (fluência verbal fonológica), em um período de tempogeralmente de 60 segundos. As letras mais usadas são F, A e S. A prova

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requer, além de acesso a conhecimento lexical, uma capacidade deauto-monitoramento. Uma ocorrência de repetições ou intrusões éconsiderada como indicador de dificuldades executivas.

Outros exemplos de tarefas verbais incluem a geraçãorandômica de números e as provas do tipo n‘back. Na prova de geraçãode números, o indivíduo é solicitado a gerar números aleatoriamentesem repeti-los. Envolve tanto controle inibitório quanto atualizaçãode informações29. Tarefas n´back requerem respostas a um dadoestímulo quando este se repetir na seqüência em n’ posições anteriores.Um exemplo adicional de prova não verbal é a fluência de desenhos,na qual o sujeito é solicitado a ligar pontos dispostos em forma dequadrado formando assim desenhos sempre diferentes em um períodode tempo estipulado.

Na prática clínica, é ainda freqüente o uso de bateriasecológicas como o BADS – Behavioral Assessment of DisexecutiveSyndrome - que consta de diversas tarefas que investigam funçõesexecutivas de uma forma mais semelhante a situações cotidianas26.

Reabilitação neuropsicológica nos distúrbios executivosA sistematização dos processos de reabilitação

neuropsicológica vem sendo implementada na prática clínica graçasao trabalho de autores influentes como Ben-Yishay, George Prigatanoe Bárbara Wilson54. As técnicas incluem o treino cognitivo e estratégiascompensatórias, que têm por objetivo melhorar o grau defuncionalidade e autonomia de pacientes com alteraçõesneuropsicológicas como as decorrentes de lesões cerebrais. Muitasdessas técnicas se baseiam na estimulação de habilidadesmetacognitivas, que envolvem práticas que procuram estimular opaciente a regular o próprio comportamento, por meio de exercícioscognitivos ou uso de recursos externos.

Programas de intervenção com foco em técnicasmetacognitivas visam uma maior percepção dos sintomas e o controleinibitório. Um exemplo neste sentido é o programa Attention ProcessTraining (APT) desenvolvido por Sohlberg e Mateer55 com o objetivode treino de funções de atenção. Segue alguns exemplos de atividadese habilidades que procuram estimular.

• Atenção sustentada visualAs instruções são: “eu vou mostrar a você estes cartões,

um de cada vez. Cada vez que você ver uma pessoa com cabelocastanho seguida de uma pessoa com cabelo loiro, aperte o botãovermelho. Você tem alguma dúvida? Preste atenção (pay attention).

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• Atenção seletiva auditivaNesta tarefa o sujeito é solicitado a prestar atenção a uma

seqüência de estímulos e responder quando ouvir um estímulo alvo(palavras, números ascendentes ou descendentes).

• Treino MetacognitivoO foco aqui é a auto-regulação e auto-monitoração do

comportamento. Algumas das tarefas são:a) registrar rotineiramente o próprio comportamento:

regularidade e repetição.Por exemplo, o sujeito é orientado a se perguntar “eu estou

prestando atenção nisso?” e em seguida a registrar sua impressão numafolha de papel.

b) esquema de auto-questionamento. Por exemplo, ao lerum parágrafo em um texto, a pessoa é estimulada a se perguntar “qualfoi a idéia principal desse parágrafo”.

No que se refere a reabilitação de funções executivas nainfância56, tem sido ressaltado que (a) embora lesões cerebrais possamacarretar diretamente dificuldades de auto-regulação, aspectosambientais podem contribuir para reduzir ou ampliar seu impacto;(b) as intervenções devem ser sensíveis ao contexto; (c) rotinas deinstruções e uma adequada interação com a criança são o contextoideal para prover a facilitação de funções executivas e (d) especialistasem reabilitação tem um papel primordial na ajuda cotidiana paraorganizar e apoiar as interações sociais da criança com estas disfunções.É fundamental que pais e professores trabalhem de forma cooperativacom os profissionais de reabilitação, de forma a proverprogressivamente para as crianças uma maior autonomia em termosde habilidades auto-reguladoras necessárias para a vida adulta.

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Capítulo 6Linguagem e Cognição

Telma Pantano

A comunicação não é exclusiva da espécie humana, poréma fala e a escrita da forma como se apresentam são únicas no serhumano. Lent1 define linguagem como um sistema de comunicaçãoque envolve a emissão de uma determinada mensagem por um emissore a sua compreensão por um receptor. Tem-se assim dois polos queenvolvem a linguagem: a emissão e a compreensão que devem estarpresentes para que a linguagem possa ser constituída de forma efetiva.

De uma forma mais específicas podemos nos referir alinguagem de acordo com a forma como ela é emitida pelo emissor.Teríamos então a linguagem oral, escrita, gestual, musical e tantaoutras presentes no nosso dia-a-dia. As duas formas de linguagem aque se centrará esse estudo relacionam-se com a linguagem oral e aescrita.

Tanto a linguagem oral (que envolve uma emissão oral euma recepção auditiva) quanto a escrita (que envolve uma emissãomotora e uma recepção visual) servem para expressar o conhecimento,as sensações e os sentimentos e constituem-se a partir das mesmasbases de conhecimento e das mesmas habilidades de planejamento.Porém as informações sobre a fala e a escrita estão estocadas em léxicosdistintos e os processos cognitivos relacionados diferenciam-se amedida que se aproximam dos estágios finais de processamento, umavez que originam respostas orais ou motoras2. O quadro 1 apresentaalgumas das diferenças entre esses dois processos de expressãolingüística:

De uma forma geral utilizamos a linguagem para expressarpensamentos. Considera-se assim que o pensamento é a capacidadede ter idéias e de inferir novas idéias a partir das antigas. A linguagemé a capacidade de codificar essas idéias em sinais para a comunicação.A linguagem reproduz traços de memória porém, é ela que organiza e

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constitui a memória. Percebemos então que a relação entre memóriae linguagem e co-dependente.

O pensamento é expresso através da linguagem e esta podeexpressar-se de inúmeras formas como por exemplo, a oralidade,escrita, gestual, desenho, música, artes...

Os estudos mais atuais3,4 consideram o pensamento como oresultado da interação entre as funções executivas e a linguagem. Sendoassim a compreensão de processos como sensação, percepção, atenção,memórias e funções executivas torna-se fundamental para a compreensãocognitiva da linguagem com relação a sua elaboração e compreensão.

Entendemos como sensação a transdução de estímulosambientais em impulsos elétricos. Esses estímulos são captados etransmitidos de forma isolada ao cérebro que tem como primeirafunção unir esses traços sensoriais num processo conhecido comopercepção. Posteriormente, com a atuação da atenção nesse canalsensorial começarão a ser acopladas a essas percepções característicasmais subjetivas como traços de linguagem e memórias relacionadasao seu armazenamento (como traços emocionais, cheiros, cores,...).

As funções executivas (dentre elas a memória operacional)são responsáveis pelo controle atencional desse processamento, namanutenção dessa informação enquanto unidades de significado sãoanalisadas e associadas a essa informações (através do acesso àsmemórias de longo prazo) e a elaboração de um palnejamento e/ouraciocínio associado a essas informações. Temos então a construçãode “idéias” que tomarão forma e serão expressas e/ou compreendidascom o auxílio da linguagem.

Quadro 1. Diferenças entre os dois processos de expressão lingüística:Oral e Escrita.

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As unidades mais simples da linguagem falada são osfonemas que são sons distintos os quais associados com outros sonsformam sílabas e palavras. Temos a percepção como o processo essencialpara o desenvolvimento e a construção do inventário fonético da criança,uma vez que permite a organização das representações internas arespeito da língua materna para produzir os sons de determinada língua– processo ativo. Os processos perceptivos também estão diretamenterelacionados com a produção e a compreensão da linguagem5,6,7,8.

A união desses traços perceptivos dão origem assim aosfonemas no caso da expressão oral e aos grafemas no caso da escrita(aqui também os processos perceptivos são fundamentais para oreconhecimento e diferenciação dos traços gráficos). São os fonemase os grafemas que permitem a elaboração de significantes pararepresentar determinados significados.

Essa associação de um significante (forma oral ou escrita) aum significado (conteúdo) é conhecida como semântica. O léxico torna-se assim um armazenamento individual que envolve a relação diretaentre os sons dos fonemas, sílabas e palavras, a gramática que acompanhadeterminada palavra e o conteúdo final de significados que os envolve.

O léxico mental deve ser organizado de forma eficientepara que o sujeito possa fazer uso de forma significativa econtextualizada do seu conteúdo. O acesso ao léxico mental se dáatravés de traços auditivos (semelhança fonológica), traços visuais oumesmo de traços semânticos (relacionados às condições conceituaispara a sua utilização). O léxico mental está diretamente relacionado àsmemórias semanticas e episódicas já que a atribuição do significadodas palavras comumente é realizada através da análise do contextodas situações. Freqüentemente observamos no léxico mental o “efeitode vizinhança” que constitui no fato de que as palavras utilizadas commaior freqüência possuem acesso mais rápido e, portanto, tendem aser mais facilmente recordadas e utilizadas com maior freqüência.

É dessa forma que são originadas as palavras que emneurociências9 são divididas em palavras de vocabulário (as querepresentam conceitos, objetos, ações, qualidades e lugares incluindoassim os substantivos, adjetivos e advérbios) e palavras de gramática(que estão relacionadas às noções de tempo, lógica e as relações entre aspalavras de conteúdo). Essa divisão torna-se bastante interessante a partirdo momento em que nos ajuda a compreender as dificuldades queencontramos nos nossos alunos e pacientes com às palavras degramática. O aprendizado e a utilização dessas palavras é bastante difícilde ser ensinado e corretamente utilizado.

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As palavras se associam em frases cujo conjunto de regrasgramaticais é denominado sintaxe. Mais do que estruturar as frase asintática é importante já que o significado expresso também serelaciona com a utilização da estrutura sintática. Dessa forma, só épossível a expressão e a compreensão de conteúdos semânticoscomplexos com o apoio de regras sintáticas10.

Shankweiler e Smith11 referem em seus estudos que osignificado de uma sentença não é meramente a soma dos significadosdas palavras, mas o resultado das relações entre os componentesdeterminados pela estrutura sintática.

Porém, utilizar somente palavras de vocabulário e degramática e uma estrutura sintática coerente não é suficiente para quepossamos produzir ou compreender uma frase, quanto mais um texto.Para a produção, por exemplo, é necessário ter um foco atencionalbem delimitado, escolher as palavras corretas, utilizar regrasgramaticais para uni-las de acordo com as regras de uma determinadalíngua e gerar comandos motores para a expressão das idéias. No casoda compreensão faz-se necessário acionar o sistema atencional ecoordenar as informações sensoriais com a gramática e o vocabulárioe enviar as informações para os sistemas de memória e ao raciocínio.

Esses padrões de funcionamento dependem de um grandenúmero de áreas encefálicas e de padrões de funcionamentoextemamente complexos. Os estudos de linguagem mais atuais queabordam uma linha cognitiva podem ser divididos entre aqueles quereferem-se a bases neuroanatômicas (fornecem as áreas cerebraiscorrespondentes a determinada tarefa e o tempo de ativação dasmesmas) e os que se referem ao funcionamento cognitivo (preocupam-se em correlacionar as áreas e as funções um vez que tenta realizar oseqüenciamento das funções cognitivas).

Esses estudos são complementares, uma vez que os estudosbaseados em neuroimagem conseguem definir quais as áreasenvolvidas mas não quais as funções que se encontram na áreaobservada. Porém com o advento desses estudos foi possível verificarque as áreas até então destinadas a linguagem não eram tão restritas edefinidas como vinha sendo considerado até então12. Percebe-se nessesestudos que várias áreas associativas do cérebro encontram-seintegradas para a realização de cada processo que resulta em o quedefinimos como linguagem.

Conhecer uma ampla rede de conexões encefálicas torna-se assim fundamental para o profissional que estuda o funcionamentoda linguagem. A linguagem torna-se um processo extremamente

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amplo que envolve o funcionamento neurológico como um todo. Nãoé possível, numa abordagem cognitiva, pensar em estudos queenvolvam linguagem em que não sejam considerados aspectos comomemória e atenção, assim como os fatores que levam o indivíduo aadquirir os conceitos, uma vez que essa aquisição envolve relaçõesestreitas com os canais sensoriais e as percepções.

Áreas associativas nas regiões temporal, frontal e parietalesquerdas estão envolvidas na mediação de conceitos e na produção ecompreensão de linguagem; o córtex insular esquerdo é considerado

planejamento motor comando motortato esensibilidade

visão

direcionamentoda atenção

memória funcionalespacial

controle daescrita

reconhecimentode objetos audição

compreensãodas palavras

movimentovisual

inteligênciaespacial

envolvido na articulação de fala e áreas pré-frontais estão intimamenterelacionadas uma vez que fazem a mediação da memória e dos processosatencionais necessários. Dessa forma, o esquema atualmente em usopara a linguagem envolve um sistema de implementação de linguagem,um sistema mediador e um sistema conceitual12.

O sistema de implementação de linguagem é um sistemaque envolve as áreas de Broca, Wernicke, áreas do córtex insular e osnúcleos da base. É uma região responsável pela análise dos sinais auditivos

Córtex motorprimário

Fascículoarqueado

Giro angularÁrea deBroca

Córtexauditivoprimário

Córtexvisualprimário

Área deWernicke

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aferentes de forma a ativar o conhecimento conceitual e assegurar aconstrução fonêmica e gramatical, bem como o controle articulatório.

O sistema mediador é intermediário entre o sistema deimplementação e o conceitual e está localizado de forma a circundar osistema de implementação e até o momento9 relaciona-se ao poloínfero-temporal esquerdo e o córtex pré-frontal esquerdo. Por fim, osistema conceitual é aquele que embasa a estruturação de conceitosenvolvidos na compreensão e na produção lingüística e está localizadoem diversas regiões entre os córtex associativos.

Dessa forma, graças ao advento das neuroimagensassociam-se novas áreas relacionadas a linguagem ás áreasanteriormente atribuídas e observa-se que para a organização,

produção e compreensão da linguagem o cérebro deve organizar-se e trabalhar em conjunto com diversas outras áreas relacionadasao processamento sensorial, ao controle atencional e à memóriaoperacional. Cabe ao profissional de linguagem conhecer e seaprofundar nos estudos dessas áreas e suas conexões para umamelhor compreeensão e elaboração do seu trabalho e raciocíniodiário.

Córtex Motor

Área deWernicke

GiroAngular

Área VisualPrimária

Área de Broca

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Capítulo 7Processamento Auditivo

Mari Ivone Lanfredi Misorelli e Mirella Liberatore Prando

Os clínicos interessados na avaliação das habilidadesauditivas centrais e no tratamento de suas alterações, necessitamaprofundar seus conhecimentos na neurociência em geral,especificamente a neurociência auditiva, especialmente em áreas comoanatomia, fisiologia, farmacologia e plasticidade do sistema nervososauditivo central, que são relevantes para o campo do processamentoauditivo (central)1. O conhecimento do sistema nervoso auditivo central(SNAC) permite diagnóstico e programa de intervenção terapêuticamais preciso e pontual.

Definição

Processamento auditivo (central) [PA(C)] refere-se àeficiência e à efetividade com que o SNAC utiliza a informaçãoauditiva. PA(C) refere-se ao processamento perceptual da informaçãoauditiva no SNAC e a atividade neurobiológica subjacente aoprocessamento, que permite os potenciais auditivos eletrofisiológicos.E inclui os mecanismos auditivos que permitem as seguinteshabilidades ou funções: localização e lateralização do som;discriminação auditiva; reconhecimento de padrão auditivo; aspectostemporais da audição, incluindo integração temporal, discriminaçãotemporal, ordenação temporal e mascaramento temporal, desempenhoauditivo com sinais acústicos competitivos e com sinais acústicosdegradados2.

Apesar de habilidades como consciência fonológica, atençãoe memória para informação auditiva, síntese auditiva, compreensão einterpretação de informação apresentada auditivamente, dependeremda função auditiva central intacta, elas são consideradas funções superioresde linguagem e, assim, não estão incluídas na definição de PAC2.

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O distúrbio de processamento auditivo (central) [DPA(C)]é uma falha no processamento neural do estímulo auditivo, que podecoexistir, mas não é resultado de uma disfunção em outrasmodalidades2. As alterações de processamento auditivo podemocorrer em 2 a 3% de crianças, na relação de dois meninos para cadamenina3.

A dificuldade no PA(C) pode estar associada a dificuldadesde aprendizagem, fala e linguagem. No entanto, esta relação não ésimples, já que a privação auditiva não tem o mesmo impacto naspessoas, devido à organização cerebral individual e às condições queafetam sua organização, como idade desenvolvimental e cronológica,experiência e tempo de linguagem; habilidades cognitivas, incluindoatenção e memória; educação; ambiente social, cultural e lingüístico;medicação; motivação; processos de decisão; acuidade visual,habilidades motoras; e outras variáveis podem influenciar nodesempenho dos indivíduos2-4.

Apesar do DPA(C) poder coexistir com outras desordens,em quadros que freqüentemente apresentam dificuldades decompreensão de linguagem falada e/ou escuta - síndrome de espectroautista ou transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH);nem sempre essas dificuldades são devidas a déficit de PA(C) per si,mas a funções superiores, a desordens mais globais. Por isso, não seriaapropriado aplicar o rótulo diagnóstico de DPA(C) para dificuldadesauditivas exibidas por estas crianças3, 4.

Assim, os termos processamento de linguagem eprocessamento auditivo não são sinônimos; apesar de desordens delinguagem e de processamento auditivo poderem levar a sintomascomportamentais similares2.

Sintomas

Os indivíduos com dificuldade na função auditiva centralpodem apresentar um ou mais dos seguintes comportamentos2:- Dificuldade de compreensão de linguagem falada em ambientes

ruidosos ou com mensagem competitiva- Interpretação incorreta de mensagens- Respostas inapropriadas ou inconsistentes- Solicitação freqüente de repetição- Utilização de “Hã?” “O que?”- Necessidade de mais tempo para responder em situações de

comunicação oral

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- Dificuldade em manter a atenção- Distrai-se facilmente- Dificuldade em seguir ordens ou comandos auditivos complexos- Dificuldade de localização- Dificuldade em aprender rimas e músicas infantis- Problemas de leitura e escrita e de aprendizagem associados.

Anatomia

O nervo auditivo é a primeira estrutura central a receberos estímulos via cóclea, apresenta organização tonotópica, ou seja, asfibras são organizadas espacialmente segundo as característicasacústicas, essa organização está presente em toda a via auditiva até ocórtex auditivo primário. As vias aferentes originam-se nos núcleoscocleares (NC) que recebem informação da orelha ipsilateral, suafunção é ampliar o contraste dos estímulos e diminuir os sinais deruído. Esses estímulos seguem para os núcleos do complexo olivarsuperior (COS), que recebem informação tanto da orelha ipsilateralquanto da orelha contralateral, essa condição anatômica é base para acomparação de informações entre as orelhas como diferenças deintensidade e de tempo interaural, possibilitando as habilidades delocalização, lateralização e fala no ruído.

Os estímulos seguem via lemnisco lateral, com estruturasascendentes e descendentes, tendo assim um papel sensorial e motor,até o colículo inferior que continua a análise sensorial dos estímulos. Acomissura que une essas duas estruturas, também desempenha umpapel na localização da fonte sonora. O corpo geniculado medial (CGM)continua a análise dos estímulos, aplicando um filtro ativo nainformação.

O córtex auditivo primário (giro de Heschl) recebeprojeções do tálamo e da ínsula e tem representado fibras tanto daorelha ipsilateral quanto da orelha contralateral, embora compredomínio de fibras contralaterais, é especializado na análise rápidade eventos acústicos fundamentais para discriminação de consoantes.O córtex auditivo secundário (área de Wernicke) é responsável peloreconhecimento de palavras e de outros estímulos de linguagem.

O hemisfério esquerdo, para a maioria da população, édominante para as funções de linguagem, o hemisfério direito éresponsável pela percepção do estímulo não lingüístico, como ritmo eentonação e pela percepção do contorno acústico de informaçõeslingüísticas ou não.

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O corpo caloso (CC) é a maior fibra comissural do sistemanervoso central e é responsável pela conexão das áreas corticais,permitindo a integração de informações analisadas pelos hemisférios.

As vias eferentes apresentam trajetos tanto ipsi quantocontralateral, inclui tanto atividade excitatória quanto inibitória,embora sua função não seja totalmente conhecida pode-se citar aredução da atividade nervosa eliciada por estímulo sonoro, adiminuição de ruído, o envolvimento nos mecanismos de feedback e oaprimoramento da resolução temporal5.

Toda a passagem do estímulo acústico de uma estrutura aoutra acontece via sinapses, essas sinapses vão permitir a passagemou não do estímulo, isso acontece devido ao trabalho dosneurotransmissores que podem ser inibitórios ou excitatórios.

Os conceitos de neuromaturação e de neuroplasticidadedo sistema auditivo têm importantes implicações na avaliação eintervenção de crianças com DPA(C). Maturação e plasticidadeneural não são sinônimos, embora sejam fenômenos muito próximos.Como a neuromaturação de algumas porções do sistema auditivopodem não estar completas até a idade de 12 anos ou mais, dadosnormativos com a faixa etária devem ser obtidos através deinstrumentos de avaliação utilizados na clínica. Além disso, devidoao alto grau de variação em crianças abaixo de sete anos de idade,muitos testes centrais não são apropriados ao uso em populaçõesjovens. O conceito de plasticidade neural está relacionado àsmodificações que o SNAC faz frente à estimulação interna ou externa.Existem três tipos de plasticidade: a plasticidade desenvolvimental,que ocorre devido aos processos maturacionais, a plasticidadecompensatória e a aprendizagem. A plasticidade neural é a base paraa intervenção6.

Avaliação

A proposta da bateria comportamental que avalia afunção auditiva central é examinar a integridade do SNAC, edeterminar a presença de DPA(C) e descrever seus parâmetros. Paraisto o examinador deve avaliar uma variedade de áreas dedesempenho auditivo. Os testes devem incluir testes verbais e não-verbais para examinar diferente s aspectos do PA(C) e diferentesníveis do SNAC2.

A bateria de avaliação do PA(C) será apresentada segundoos principais mecanismos auditivos:

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Processamento temporalProcessamento temporal refere-se ao modo como o

SNAC analisa aspectos temporais do sinal acústico, é o mecanismoauditivo mais elaborado, pois inclui muitas habilidades auditivas emuitos níveis do SNAC e seus mecanismos ainda não são totalmenteconhecidos 3.

A habilidade de reconhecer o contorno do sinal acústicocontribui muito para tarefas como extração e utilização de aspectosde prosódia, como ritmo, tonicidade e entonação. Essas habilidadespermitem ao ouvinte reconhecer palavras-chave em uma frase,reconhecer a sílaba tônica de uma palavra, permitindo, porconseguinte, a diferenciação de palavras que se opõem, apenas, pelamudança da tonicidade, ou de frases que têm seu significado mudadopela variação da prosódia. A entonação fornece indícios sobre a intençãoda mensagem, assim como o estado emocional do falante. O ritmo dafala também pode afetar o significado da expressão4.

O processamento temporal inclui quatro categorias:ordenação temporal, resolução ou discriminação temporal, integraçãotemporal e mascaramento temporal.

Ordenação temporal refere-se ao processamento demúltiplos estímulos em uma seqüência temporal, habilidadeimportante na percepção da fala. É avaliada por meio de testes depadrão de freqüência ou duração em que é solicitado ao indivíduoque nomeie a ordem da seqüência de três tons. A ordenação temporalde padrões auditivos requer o processamento de ambos os hemisférioscerebrais: o hemisfério esquerdo, para a ordenação das respostas, e ohemisfério direito, para o reconhecimento do padrão gestáltico,considerando este dominante para o reconhecimento desse padrão.Se a gestalt dos padrões é reconhecida pelo hemisfério direito e aseqüenciação dos padrões é finalizada no hemisfério esquerdo, aintegração inter-hemisférica e a transferência de informação pelo corpocaloso estão envolvidas. A resposta verbal para padrões de freqüênciarequer, ainda, uma rota neural da seqüência decodificada da regiãosubcortical da área temporoparietal posterior, via tratos intra-hemisféricos para as regiões frontais do cérebro próximas, ou na fissuracentral, onde a resposta motora seria organizada e iniciada4.

Discriminação ou resolução temporal refere-se ao menortempo que uma pessoa precisa para discriminar entre dois estímulosauditivos.

Os testes disponíveis para avaliar essas habilidades sãoimportados e foram padronizados para a população brasileira:

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- Pitch Pattern Sequence (PPS)7,8

- Duration Pattern Sequence (DPS)7,8

- Gaps in Noise (GIN)9,10

- Randon Gap Detection Test (RGDT)11,12

Integração temporal resulta da somatória da atividadeneuronal ocasionando em um aumento da energia do som tanto naduração quanto na intensidade do estímulo. Mascaramento temporalé mudança de um som na presença de outro estímulo subseqüente.Atualmente não há ferramentas disponíveis para avaliar a integraçãoe o mascaramento temporal3.

Escuta dicótica de falaO termo dicótico refere-se à condição em que diferentes

estímulos são apresentados para cada orelha simultaneamente. Avaliaa função hemisférica, a transferência interhemisférica de informação,maturação e desenvolvimento do SNAC.

A teoria relativa ao mecanismo da escuta dicótica sugereque, apesar da entrada auditiva estar representada tanto contra comoipsilateral através do SNAC, vias contralaterais de uma orelha ao córtexauditivo são mais fortes e mais numerosas que as vias ipsilaterais. Paraestímulos monóticos, ambas as vias realizam a transmissão do sinal.Entretanto, para estímulos dicóticos, as vias contralaterais dominam esuprimem as vias ipsilaterais.

Como um dos hemisférios é dominante para linguagem(usualmente o esquerdo), a informação apresentada na orelha esquerdachega inicialmente ao hemisfério direito e precisa passar pelo corpocaloso para ser percebida e analisada pelo hemisfério esquerdo. Já ainformação apresentada na orelha direita é transmitida diretamenteao hemisfério esquerdo sem a necessidade de processamento pelohemisfério direito ou pelo corpo caloso.

Clinicamente, podem-se identificar dois tipos principais,os de separação binaural (escuta dirigida) e os de integração binaural.Nos testes de separação binaural é solicitado ao ouvinte que presteatenção em apenas uma orelha desprezando a informação da outra, jána tarefa de integração binaural é solicitada à atenção na informaçãodas duas orelhas.

Os testes de escuta dicótica podem apresentarcaracterísticas muito diferentes, incluindo o tipo de estímulo a serutilizado, nível de dificuldade, grau de demanda lingüística e solicitaçãode tarefa ao ouvinte. Os estímulos apresentados podem ser não-verbais

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e verbais, os estímulos verbais incluem sílabas, dígitos, palavras atésentenças completas. A resposta pode ser global, com o ouvinterepetindo tudo o que ouviu (integração binaural/atenção dividida) oulimitada, com o ouvinte repetindo somente parte da informação(separação binaural/ atenção dirigida).

As tarefas de fala dicóticas são sensíveis a disfunçõescorticais e do corpo caloso, assim como às disfunções de troncoencefálico, apesar de que em um grau menor.

Os testes de escuta dicótica de fala disponíveis, no Brasil,são 13:- Teste dicótico de dígitos- Dicótico Consoante-Vogal- Teste de escuta de dissílabos alternados – SSW em Português- Teste de sentenças sintéticas com mensagem competitiva contralateral

– SSI-MCC em Português- Teste de inteligibilidade pediátrica com mensagem competitiva

contralateral – PSI-MCC em Português

Monoaurais de baixa redundãncia

Esses testes reduzem a redundância extrínseca do sinal defala, distorcendo o sinal por modificações digitais ou eletroacústicas defreqüência, de intensidade ou das características temporais do sinal equando sem distorção, com mensagem competitiva ou com ruídocompetitivo. Avaliam a função auditiva central de fechamento auditivo,que é a habilidade do indivíduo completar a informação, fazem partedesta habilidade a discriminação auditiva e a decodificação. Essahabilidade tem importante papel no dia a dia, já que são comuns situaçõesde comunicação em ambientes ruidosos ou com vários falantes.

Os testes disponíveis, no Brasil, são 13:- Teste com fala filtrada/passa baixo- Teste com fala no ruído- Teste de sentenças sintéticas com mensagem competitiva ipsilateral

– SSI-MCI em Português- Teste de inteligibilidade pediátrica com mensagem competitiva

ipsilateral – PSI-MCI em Português

Interação binaural

O mecanismo de interação binaural refere-se à habilidadedo SNAC em receber informações díspares, embora complementares

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e unificá-las em um evento perceptual. Este processo dependeprimariamente da integridade de estruturas do tronco encefálico, noentanto, podem ser afetados por disfunções/lesões corticais.

As funções auditivas que dependem da interação são:localização e lateralização, diminuição de mascaramento binaural,detecção de sinais no ruído e fusão binaural.

O teste utilizado para avaliar essa habilidade é o Maskinglevel difference (MLD)14.

Sugere-se o uso de medidas eletroacústicas: emissãootoacústica, limiares do reflexo acústico e reflexo acústico decay emedidas eletrofisiológicos, que avaliam os potenciais elétricos querefletem a sincronia da atividade gerada pelo SNC em resposta a umavariedade de eventos acústicos2.

Diagnóstico

A interpretação dos resultados deve incluir2:- análise intra-teste, que compara padrões observados em um dado

teste que forneça informação interpretativa adicional.- análise intertestes, que é a comparação das tendências observada na

bateria de testes, consistência de resultados com os princípios daneurociência.

- análise interdisciplinar, que é a comparação dos resultados observadosna avaliação do PAC e de outras áreas não auditivas

O diagnóstico de DPAC requer déficit de desempenho empelo menos dois ou mais testes da bateria. O avaliador deve estar atento,entretanto, a inconsistências nos resultados que seria sinal de presençade uma alteração não auditiva. Se o desempenho pobre for observadoem só um teste, deve-se observar o desvio padrão, além disso, éindicado que o avaliador reaplique o teste em questão ou outro similarpara avaliar o mesmo processo e confirmar seus achados.

A interpretação dos dados interteste e interdisciplinar deveser relacionada com os princípios da neurociência sempre que possível,particularmente quando o objetivo é topodiagnóstico. O avaliadortambém deve observar e descrever indicadores qualitativos decomportamentos de desempenho que ocorreram durante a avaliação,como tempo de resposta, distribuição de erros durante a avaliação,atenção, memória, fatiga e motivação.

Existem sistemas ou modelos de classificação, que sãousados para classificar os indivíduos diagnosticados com DPAC13, 15,16.Cada modelo usa os resultados da bateria de testes auditivos centrais

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para construir um perfil que pode ser utilizado para auxiliar a equipemultidisciplinar na determinação estratégias de intervenção do déficit.Apesar de, estes modelos serem métodos úteis na interpretação dosresultados da bateria e no programa de intervenção, é importanteenfatizar que seu uso não é universalmente aceito2.

Intervenção

A literatura da neurociência auditiva e cognitiva forneceum programa amplo, que incorpora tanto uma abordagem botton-upcomo top-down baseada nos princípios da neurociência.

Treinamento auditivo deve ser implementado tão logoquanto possível, deve ser intensivo, explorando a reorganização eplasticidade cortical, deve ser amplo, maximizando generalização ereduzindo os déficits funcionais, e deve fornecer forte reforço parapromover a aprendizagem. Além disso, é importante que os princípiosdo treinamento sejam ampliados para a escola, lugar de trabalho ouno lar para maximizar as habilidades trabalhadas2.

Os objetivos da intervenção são determinados com basenos achados da bateria de testes, na história clínica individual, e nosdados de avaliação de linguagem e educacional, e deve focar tanto areabilitação das habilidades comprometidas assim como os impactosque esses comprometimentos trouxeram para o indivíduo. O programade intervenção deve atuar em três aspectos: atividades de reabilitação,estratégias compensatórias e modificações ambientais2, 4,15.

Atividades de reabilitação, ou treinamento auditivo,consistem de estratégias idealizadas com o objetivo de reabilitar as funçõesauditivas deficitárias envolvidas no PAC. As atividades de treinamentoauditivo podem incluir, mas não estão limitadas a procedimentos dediscriminação de freqüência, intensidade e duração, discriminação defonemas e atividades de fonema-grafema, discriminação de gap,seqüencialização e ordenação temporal, reconhecimento de padrão verbalou não, localização e lateralização de sons e reconhecimentos deinformação auditiva com presença de competição ou ruído. Como atransferência interhemisférica subsidia o processamento e a escutabinaural, exercícios para treinar a transferência interhemisférica usandodiferenças interaurais de intensidade, assim como outros exercícios detransferência interhemisférica que podem ser unimodais (unindocaracterísticas acústicas lingüísticas e prosódicas) ou multimodais(escrevendo um ditado, descrição de uma figura enquanto desenha) sãoimportantes para o programa de treinamento auditivo2-4.

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Treinamento das estratégias compensatórias é umaabordagem idealizada com o objetivo de minimizar o impacto que aalteração das funções auditivas trouxe ao desenvolvimento doindivíduo e que não são resolvidas com o treinamento auditivo, estãoespecialmente relacionadas à memória, atenção e linguagem. Asestratégias utilizadas são as metalingüísticas e as metacognitivas eincluem: derivação contextual, construção de vocabulário, consciênciafonológica, solução de problemas e auto-instrução2-4,15.

As modificações ambientais têm o objetivo de melhorar oacesso à informação auditiva, diminuindo o impacto que as alterações dafunção auditiva possam trazer para o dia-a-dia do indivíduo. Entre asmudanças pode-se incluir a melhora do ambiente acústico comdiminuição do ruído e da reverberação e a escolha de assento preferencial,que considera as características acústicas da sala de aula ou do ambientede trabalho e a sua distribuição espacial, designando o local de melhoraproveitamento da informação do ponto de vista auditiva e visual2, 4,15.

Considerações Finais

O capítulo foi escrito com o intuito de fornecer aos clínicosenvolvidos em diagnóstico e reabilitação um panorama atual dosprincipais conceitos envolvidos na área de processamento auditivo. Oprocessamento auditivo impulsionado por novas descobertas naneurociência nos trará cada vez mais uma melhor compreensão dosprocessos envolvidos, uma bateria de avaliação de processamento cadavez mais específica e novas abordagens terapêuticas.

Outro objetivo foi valorizar a avaliação do processamentoauditivo como ferramenta eficaz na elucidação da etiologia, fornecendodados para o diagnóstico diferencial e colaborando na elaboração deestratégias específicas. No entanto, a avaliação do processamento sótrará essa contribuição com a leitura e a interpretação criteriosa deseus achados, sob a luz do conhecimento da neurobiologia do sistemanervoso auditivo central.

A investigação da função auditiva central deve ser consideradaparte integrante de uma investigação que envolva a análise completa dasdificuldades apresentadas pelo indivíduo devido à estreita relação que osaspectos perceptuais auditivos estabelecem com outras funções superiores.

A correlação entre os achados da avaliação da função auditivae os da avaliação de linguagem oral e/ou escrita permitem umacompreensão mais abrangente das dificuldades e facilidades do indivíduopossibilitando a escolha de um caminho mais produtivo pelo terapeuta.

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Capítulo 8Aprendizagem e Habilidades Acadêmicas

Simone Aparecida Capellini , Giseli Donadon Germanoe Vera Lúcia Orlandi Cunha

Introdução

A entrada na escola para o chamado processo deescolarização requer uma série de habilidades e competências que seconstituem como pré-requisitos para as aprendizagens que irão serprocessadas. É muito comum que escolares enfrentem problemas nosprimeiros anos de escolarização, pois, neste período, existem variáveispresentes na própria criança, bem como na escola ou em seu ambientefamiliar e social que são capazes de interferir na aprendizagem,constituindo-se como obstáculos para a aprendizagem acadêmica.

Na realidade educacional brasileira, há um grande númerode crianças que apresentam dificuldade de aprendizagem e que nãoconseguem acompanhar as atividades de leitura e escrita no contextoescolar. Ao entrar na escola, a criança aprenderá que as palavras esentenças escritas correspondem às unidades de fala, assim, aconsciência dos fonemas é importante para a aprendizagem da leituraem um sistema de escrita alfabético como o do português. Entretanto,se algo prejudicar o desenvolvimento desta relação oralidade-escrita,problemas de aprendizagem poderão aparecer.

Muitas condições genético-neurológicas contribuemdesfavoravelmente para que as crianças que as portam apresentemdificuldades específicas, como a falta de atenção, alteração de memória,falhas na percepção auditiva e visual, dificuldade para percepção eprodução de sons na fala que podem de forma direta ou indiretaocasionar estas mesmas dificuldades no momento da leitura e daescrita.

Entre estas condições determinadas genética eneurologicamente encontram-se a dislexia do desenvolvimento, o

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distúrbio de aprendizagem e o transtorno do déficit de atenção ehiperatividade (TDAH). Apesar destas condições serem distintasdevido ao fato de a dislexia do desenvolvimento e o distúrbio deaprendizagem serem transtornos de aprendizagem, o TDAH é umtranstorno do comportamento, entretanto, estas condições acarretamprejuízos acadêmicos que comprometem o uso de habilidadescognitivas e lingüísticas que merecem ser identificadas e tratadasprecocemente no contexto clínico e educacional.

Desta forma, compreender os chamados “problemas deaprendizagem”, que envolvem crianças que não aprendem ou quenão realizam tarefas acadêmicas de forma satisfatória, vai além dapercepção do professor, do fonoaudiólogo, psicólogo oupsicopedagogo. Essa compreensão abrange o entendimento, por partedestes profissionais, de que fatores neurológicos, neuropsicológicos,cognitivos e lingüísticos estão inter-relacionados e susceptíveis àinterferência sociocultural e pedagógica (no caso específico dametodologia de alfabetização) para a determinação do sucesso ou dofracasso escolar.

Diante disso, este capítulo objetiva abordar os fatoresneurológicos, neuropsicológicos, cognitivos e lingüísticos daaprendizagem das habilidades acadêmicas.

Bases neuropsicológicas da aprendizagem

Na perspectiva neurológica e neuropsicológica, a linguagemconstitui forma complexa de comportamento que exige integridadede zonas ou áreas cerebrais consideradas necessárias para a suaaquisição e desenvolvimento. Desta forma, as funções corticaissuperiores desempenham papel importante na aprendizagem, pois aintegridade das funções gnósico-interpretativas e práxico-produtivassão fundamentais para a evolução do aprendizado da linguagem faladapara o aprendizado da linguagem escrita.

Segundo Lúria1, os processos mentais humanos sãosistemas funcionais complexos que não estão localizados em áreasespecíficas do cérebro, mas que ocorrem pela participação mútuadas estruturas cerebrais, contribuindo para a organização dessesistema funcional. As funções corticais estão relacionadas aodesenvolvimento de Unidades Cerebrais Funcionais. A participaçãodestas unidades se torna necessária para qualquer tipo de atividademental, podendo subdividir-se da seguinte maneira: uma unidadepara regular o tono ou a vigília, uma unidade para obter, processar e

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armazenar as informações que chegam do mundo exterior e umaunidade para programar, regular e verificar a atividade mental. Osprocessos mentais e a atividade consciente ocorrem com aparticipação das três unidades, cada uma desempenhando seu papelnos processos mentais e contribuindo para o desempenho dessesprocessos. Neste contexto, o autor descreveu as três unidadesfuncionais, quais sejam:

1. A primeira unidade funcional ou de vigília, compostapor: estruturas do Tronco Cerebral que participam do controle dociclo sono-vigília; Sistema Reticular Ascendente, representadasfundamentalmente pelos núcleos colinérgicos, noradrenérgicos,dopaminérgicos e serotoninérgicos; Ponte e Medula. O córtex cerebraltambém participa, especialmente o córtex pré-frontal (manutençãoda atenção para formação da memória). A alteração anatômica oufuncional deste sistema produz diversas alterações clínicas, desdedistração até síndrome comatosa.

2. A segunda unidade funcional ou de recepção é a área daanálise e do armazenamento de informação, representada pelo córtextemporal, parietal e occipital, existindo as áreas primárias, secundáriase terciárias.- As áreas primárias são aquelas onde terminam as fibras sensitivas

que provêm do tálamo. No lobo Temporal estão as áreas auditivasprimárias 41 e 42, no primeiro giro temporal superior; no lobo Parietalestá a área somestésica que ocupa o giro pós-central e; no loboOccipital, na face interna, a área visual 17. As áreas primárias sóregistram os elementos da experiência sem caráter simbólico.

- As áreas secundárias se situam junto às primárias. A área 22 é a áreaauditiva secundária; as áreas 18 e 19 constituem a área visual e asáreas 5 e 7 do lobo parietal, a área somestésica. A principal funçãodestas áreas é processar a informação que chega às áreas primárias edar-lhes conteúdo simbólico.

- As áreas terciárias não têm localização tão precisa. São áreas deassociação entre as áreas secundárias, integrando experiênciamultisensorial. Assim, integram-se funções complexas, como alinguagem, esquema corporal, espaço-tempo e cálculo, entre outras.O desenvolvimento destas áreas determina o estabelecimento dohemisfério esquerdo em relação à linguagem.

3. A terceira unidade de programação, regulação everificação da atividade é representada pelos lobos frontais, quetornam possível a intencionalidade, a planificação e a organização daconduta em relação à percepção e ao conhecimento do mundo.

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Quando é evidenciada a presença de dislexia dodesenvolvimento e do distúrbio de aprendizagem, deve serconsiderada a presença de disfunções neuropsicológicas que acometemas funções gnósico-interpretativas e práxico-produtivas que ocasionamfalhas na decodificação, processamento, programação e execução dalinguagem-aprendizagem2.

Qualquer disfunção que ocorra na etapa dedesenvolvimento das unidades funcionais cerebrais acarreta alteraçõesperceptomotoras que podem resultar em problemas de linguagem eaprendizagem, ou seja, a disfunção nas zonas primárias pode acarretarproblemas de atenção; nas zonas secundárias, pode resultar emdificuldade na aprendizagem básica de leitura, escrita e matemática;nas zonas terciárias, pode resultar em baixo rendimento intelectual,dificuldade na compreensão da linguagem, dificuldade na leitura,escrita e habilidade matemática3,4.

Habilidades necessárias para a aprendizagem da leitura

Segundo Capellini5, a criança ao ingressar na escola possuio domínio do sistema lingüístico em sua modalidade oral e, portanto,encontra-se com suas habilidades lingüístico-cognitivas adequadaspara a aprendizagem de leitura e escrita. No entanto, apesar de terdomínio destas habilidades na oralidade, a criança não tem noção dequais aspectos fonológicos relacionados à linguagem oral sãonecessários para ler e escrever. Assim, quando entra em contato coma escrita, ela se depara com um novo sistema, no qual precisa utilizarnovas regras e voltar sua atenção para elementos até entãoimperceptíveis.

Para isso, é necessário que a criança desenvolva suascapacidades metalingüísticas, ou seja, que ela passe a refletir sobresua linguagem. Esta reflexão envolve a atenção aos aspectos dalinguagem (níveis fonológico, morfológico e sintático) e não apenasao seu conteúdo (nível semântico). A capacidade metalingüística, emseu nível fonológico, faz com que a criança reflita sobre o sistemasonoro da língua, tendo consciência de frases, palavras, sílabas efonemas como unidades menores6.

A sensibilidade geral das crianças para a estrutura dos sonsda linguagem representa papel importante para aprender a ler e asoletrar dentro de um sistema de escrita com o princípio alfabéticocomo o português. Segundo Anthony et al7, a sensibilidade fonológicapode influenciar o início da aquisição de leitura por múltiplos caminhos,

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inclusive pela leitura por analogia e leitura por meio decorrespondências de letra-som. A sensibilidade para rima acrescentauma vantagem para ler por analogia e a sensibilidade de fonemas somauma vantagem para ler pela correspondência de letra–som. Os autorestambém reconhecem que a maioria da influência na leitura écompartilhada por estas duas habilidades de sensibilidade fonológicas.

A correlação entre a consciência fonológica e o desempenhoem atividades de leitura e escrita foi abordada em diversos estudos,sendo motivo de controvérsias.

Três diferentes posições são apontadas pelos pesquisadores.Em uma primeira posição, estão aqueles que acreditam que aconsciência fonológica (enquanto habilidade para detectar rima ealiteração) ocorre a partir do progresso na aquisição da leitura e escrita,devido ao uso de analogias, da habilidade de perceber que duaspalavras rimam, tornando a criança sensível às semelhanças ortográficasno final destas palavras e, assim, possibilitar o estabelecimento deconexões entre padrões ortográficos e sons no final das palavras.

Para estes autores, a consciência fonológica é consideradaa chave para o desenvolvimento da alfabetização. Este papel centralda consciência fonológica sobre a aprendizagem da leitura e da escritaé atestado, segundo os autores, por numerosos trabalhos de pesquisa,com seus resultados demonstrando que o desempenho de criançaspré-escolares em determinadas tarefas de consciência fonológicarelaciona-se com o sucesso na aquisição da leitura e da escrita7-18.

Na segunda posição, encontram-se aqueles que defendemque a instrução formal do sistema alfabético é o fator ou causaprimordial para o desenvolvimento da consciência fonológica. Acapacidade de fazer analogias no final das palavras pressupõecapacidade de decodificação letra-som, sendo que a capacidade dedetectar fonemas em uma palavra é influenciada pelo conhecimentoortográfico6,19,20.

Já em uma terceira posição, destacam-se os autores quevêem uma relação de reciprocidade entre consciência fonológica e aaquisição da leitura e escrita. Estes autores explicam que os estágiosiniciais da consciência fonológica contribuem para o estabelecimentodos estágios iniciais do processo de leitura e estes, por sua vez,contribuem para o desenvolvimento de habilidades fonológicas maiscomplexas. Desta forma, enquanto a consciência de alguns segmentossonoros (supra-fonêmicos) parece se desenvolver naturalmente, aconsciência fonêmica parece exigir experiência específica em atividadesque possibilitam a identificação da correspondência entre os elementos

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fonêmicos da fala e os elementos grafêmicos da escrita. Este processode associação grafema-fonema exige um desenvolvimento de análisee síntese de fonemas.

Para se chegar à descoberta do fonema, é necessárioadquirir e desenvolver a consciência fonológica, que se trata dacompetência metalingüística que possibilita o acesso consciente ao nívelfonológico da fala e à manipulação cognitiva das representações nestenível. O contato com a linguagem escrita possibilita o desenvolvimentodesta capacidade, sendo que, este desenvolvimento auxilia nos níveismais avançados de leitura e escrita 21-35.

Apesar das controvérsias, pesquisas realizadas no âmbitonacional e internacional são unânimes em considerar a importânciada avaliação das habilidades de consciência fonológica em escolaresem fase de alfabetização de um sistema de escrita com base alfabética,como o português brasileiro.

Durante a leitura, um estoque fonológico é recuperado.Este código consiste em segmentos fonológicos que são ativados ereunidos em uma seqüência que controla a produção. Durante a leitura,os códigos ortográficos são postulados para ter conexões com os códigosfonológicos36.

Katzir, Misra e Poldrack37 mencionam que os processosfonológicos são aqueles envolvidos na representação, análise emanipulação de informações especificamente relacionadas com ossons da fala ou fonemas. É necessário generalizar representaçõesfonológicas internas de estruturas de palavras de sua forma escrita,antes de o significado desta palavra ser acessado. O modelo de duplarota de leitura sugere que os bons leitores têm dois modos de leituraà disposição: um indireto que passa pelo sistema visual para o sistemafonológico e depois ao semântico; e outro direto, que passa do sistemaortográfico visual para o sistema semântico, contornando o sistemafonológico.

A pobre habilidade fonológica implica uma leitura lenta emenos automática, interferindo na compreensão. Os déficitsfonológicos estão associados à memória verbal de curta-duração,danificada nos indivíduos com distúrbios de leitura, pois estesapresentam dificuldades em planejar, monitorar e revisar durante aaprendizagem ou solução de problemas ou, ainda, podem apresentardificuldade em coordenar e integrar informações, como ocorre naleitura. A memória de trabalho envolve armazenagem temporária, decapacidade limitada e que realiza o processamento da informação,enquanto processa simultaneamente outra ou a mesma informação.

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É composta pelo centro executivo, o loop fonológico e o registrovisuoespacial14,38,39,40.

Esses autores afirmam que, em termos de processamentode informação, o centro executivo apresenta capacidade limitada derecursos, sendo o déficit neste aspecto caracterizado pela dificuldadeem executar dois testes simultâneos ou realizar a decodificação da leiturae não realizar a compreensão da mesma. O loop fonológico éespecializado na manutenção da codificação verbal do material, retidopor uns segundos e associado à memória de curta duração. É subdivididoem duas partes, o estoque fonológico (relaciona a informação da falacom a articulação) e o processamento de controle articulatório (recuperainformação pelo ensaio subvocal). E por fim, o registro espacial se refereà capacidade de manipular e armazenar informações visuoespaciais.Em contraste, a memória de curta duração é utilizada quandoquantidades pequenas de materiais são armazenadas.

Desse modo, Thomson, Richardson e Goswami41

afirmaram que a memória fonológica de curta duração representa umpapel importante no desenvolvimento do léxico, de novas palavras. Amemória fonológica de curta duração ou loop articulatório retém ainformação verbal em bases temporárias, sendo que essa retenção éaumentada pela representação de palavras na memória fonológica delonga duração, a qual auxilia na reintegração ou reconstrução,facilitando a recuperação da palavra. Devido a este processo dereintegração, não-palavras ou palavras não-familiares são bem maisdifíceis de serem recuperadas que palavras familiares, ou seja, palavrassimilares e de alta freqüência são mais facilmente recuperadas que aspalavras de baixa freqüência.

Alterações neuropsicolingüísticas na dislexia dodesenvolvimento

Dislexia é um distúrbio específico de aprendizagem, deorigem neurológica, caracterizado pela dificuldade com a fluênciacorreta na leitura e dificuldade na habilidade de decodificação esoletração, resultantes de um déficit no componente fonológico dalinguagem. Ainda sobre a definição, é importante reconhecer que háindivíduos com dislexia que apresentam déficits cognitivos eacadêmicos em outras áreas, como a atenção, matemática e/ousoletração e expressão escrita ou, ainda, a habilidade de usarinformações supra-segmentais (rima e prosódia) na generalização dasoletração de sons na correspondência de palavras42-45.

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Os indivíduos com dislexia apresentam dificuldades emdiferenciar mudanças rápidas entre consoante e vogal nas sílabas. Nessesentido, foi realizado um programa de intervenção acusticamentemodificado, no qual a criança deveria identificar as mudanças rápidasde estímulo sonoro e, assim, melhorar as habilidades auditivas delinguagem. O estudo concluiu que houve melhora na percepçãoauditiva dos sons e discriminação sonora nas crianças disléxicas e quehá evidência eletrofisiológica de que crianças com transtorno de leituraapresentam uma anormal representação cortical de mudançassucessivas de sons breves e rápidos no nível de entrada cortical auditivade representações sonoras46,47,48.

A memória fonológica de curta duração ou looparticulatório não é muito eficiente nos indivíduos com dislexia. Amemória fonológica de curta duração retém a informação verbal embases temporárias, sendo que essa retenção é aumentada pelarepresentação de palavras na memória fonológica de longa duração.O sistema fonológico destas crianças atua de forma a tentarreconstruir e recuperar a palavra na memória de longa duração, masnão o faz de forma eficiente devido à pobre qualidade dasrepresentações de longa duração, pois ocorrem problemas noprocessamento auditivo41.

Os disléxicos tendem a apresentar dificuldades deprocessamento de estímulos lingüísticos e não-lingüísticos breves, rápidose sucessivos. Essa dificuldade se deve a disfunções em mecanismos depercepção, responsáveis pelo processamento auditivo temporal dainformação. Conseqüentemente, o problema da percepção da fala causaum efeito em cascata, iniciando com o rompimento do desenvolvimentonormal do sistema fonológico e resultando em problemas naaprendizagem da leitura e da soletração49.

Nesse estudo, os autores afirmaram também que oprocessamento fonológico dos disléxicos apresenta uma considerávelredução da atividade nas regiões da linguagem (região temporoparietal)e das regiões do giro frontal inferior (área de Broca). Sobre o argumentoda teoria do processamento auditivo, evidências sugerem que océrebro do disléxico não apenas apresenta uma redução da assimetriaesquerdo-direita da região temporal, mas apresenta também umadesorganização e menor volume de massa branca. Em sujeitos normais,o volume do córtex auditivo é tipicamente maior no lado esquerdo,bem como no direito devido a uma maior mielinização. Outra hipóteserefere-se à reduzida mielinização de áreas responsáveis pela análise doestímulo auditivo.

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Há evidências de uma base fisiológica para a dislexia,fazendo com que o cérebro do leitor disléxico tenha um desempenhodiferente do indivíduo sem a dislexia. Exames de ressonância magnéticafuncional vêm sendo usados para comparar o fluxo de sangue emcérebros de pessoas com e sem a dislexia durante provas de leituras.Os resultados indicaram que nos indivíduos com a dislexia ocorreuuma atividade menor em algumas partes do cérebro em comparaçãoaos indivíduos normais50.

Áreas cerebrais responsáveis pelo processamentofonológico, como o córtex perisilviano esquerdo, córtex temporalinferior e mediano, apresentaram-se como hipofuncionais em algunsestudos. Outras áreas, como a inervação magnocelular visual e aauditiva, também foram encontradas como sendo responsáveis pordisfunções da atenção visuoespacial. Alguns achados indicaram quehouve alteração da medida do corpo caloso, do istmo, dos girustemporal e frontal, e do cerebelo51.

Os estudos para a descoberta da base neurobiológica dadislexia iniciaram-se em 1978 por Galaburda, com a observação de umcérebro de um disléxico após sua morte. Foi observado que o cérebroinvestigado apresentava anormal migração de neurônios, referente aoperíodo de desenvolvimento do cérebro quando os neurônios jovensvão à busca de sua localização final52.

Galaburda52 ainda afirmou que os neurônios nascem decélulas de tronco neural em zonas de proliferação longe das áreascerebrais, onde elas deverão migrar. Este controle de migração é dadopela função genética. Desse modo, o cérebro do disléxico contémgrupos de células e glias (células de suporte) localizadas fora de lugar,ou seja, em áreas cerebrais que não deveriam ter essas células. Essefenômeno é conhecido como heterotopias e ocorre durante odesenvolvimento do cérebro no período gestacional, entre 16 e 24semanas. Neste caso, a migração neuronal anormal afetapredominantemente o córtex do hemisfério esquerdo, em volta dafissura perisilviana, incluindo regiões do córtex temporo-occipital .

Arduini, Capellini e Ciasca53 analisaram exames deneuroimagem de crianças com diagnóstico de dislexia ecorrelacionaram com as funções corticais superiores. Os resultadosindicaram que a maioria das crianças apresentou exames alterados,como hipoperfusão no lobo temporal, sendo que as funções corticaissuperiores prejudicadas foram leitura, escrita e memória.

Brambati54 realizaram avaliações neurofisiológicas e deneuroimagem durante a leitura de palavras e de pseudopalavras em

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amostras de disléxicos com herança familial. A avaliaçãoneurofisiológica revelou baixo desempenho em memória de curtaduração, consciência fonológica e habilidades de automatização e,ainda, redução de volume de massa cinzenta nas regiões do girofusiforme esquerdo, giro temporal superior esquerdo, giro temporalmedial direito e cerebelo. A avaliação de neuroimagem revelou poucaativação na região occipital-temporal, que está relacionada com aárea visual da formação da palavra que realiza a organização dasseqüências de letras. Também observaram hipoativação da regiãoposterior do giro temporal superior, responsável pelo processo deleitura sublexical.

Capellini et al4 realizaram estudo com o objetivo decaracterizar o desempenho na consciência fonológica, memóriaoperacional, leitura e escrita do probando com dislexia e de seusfamiliares afetados. Participaram deste estudo 10 núcleos familiais deparentesco natural de indivíduos com queixa específica de problemasde leitura e compreensão. Foram selecionadas famílias de probandosnaturais e residentes na região do oeste do estado de São Paulo. Osrequisitos de inclusão dos probandos foram: ser falante nativo doportuguês brasileiro; ter idade acima de oito anos; apresentar históricofamilial positivo para os problemas de aprendizagem, ou seja,apresentar, no mínimo, um outro parente com dificuldade paraaprender em 3 gerações. Os critérios de exclusão para o grupo deprobandos foram: apresentar qualquer distúrbio neurológico-genético,como distonia, doenças extras piramidais, deficiência mental, epilepsia,transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH); sintomasou condições psiquiátricas; ou outras condições pertinentes quepoderiam gerar erros no diagnóstico. Para o diagnóstico de dislexiado desenvolvimento, foram coletados dados de antecedente familialna história clínica com os pais das crianças e adolescentes pararealização do heredograma. Foram realizadas avaliações neurológicas,fonoaudiológicas, psicológicas e de desempenho escolar nos probandose em seus parentes. Os resultados deste estudo sugeriram que osprobandos e seus familiares com dislexia apresentaram desempenhoinferior ao grupo-controle quanto à nomeação rápida, leitura, escritae consciência fonológica. As autoras concluíram que as alterações emconsciência fonológica, memória de trabalho, leitura e escrita têmsusceptibilidade genética que possivelmente, em interação com o meioambiente, determinam o quadro de dislexia.

Os componentes da rede funcional envolvidos noprocessamento fonológico e atribuídos ao giro inferior frontal direito

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e esquerdo e o cerebelo foram comparados em bons leitores edisléxicos. Para os leitores disléxicos, as conexões funcionais entre ogiro frontal inferior esquerdo com as regiões direitas do frontal,occipital e cerebelar estavam interrompidas, sendo relacionadas à falhade decodificação de palavras55.

McCrory et al56 afirmaram ainda que os disléxicosapresentam padrões diferentes de ativação em três áreas do hemisférioesquerdo, sendo o giro frontal inferior, região temporoparietal,incluindo o giro supramarginal e giro posterior temporal (Área deWernecke) e o lobo temporal inferior ou região occipitotemporal,relacionada ao processamento visual das palavras.

Nos sujeitos com dislexia, a codificação neural de cadarepresentação fonológica não pode ser ativada de forma efetiva,acarretando dificuldades em discriminar sons foneticamente próximosde pares de fonemas. Essas anormalidades de representação fonológicapodem ser detectadas em exames de neuroimagem56,57.

Entretanto, essas características, referentes à alteração depercepção de sinais acústicos, decodificação de palavras, organizaçãodas seqüências de sons e letras para leitura e escrita de palavras, podemestar presentes em crianças devido aos motivos relacionados àmetodologia de alfabetização que não enfoca o ensino das habilidadesnecessárias para a aquisição do princípio alfabético (relação letra-somem fase inicial de alfabetização), conforme estudos realizados porConrado58, Lanza59, Capellini; Lanza; Conrado4.

Desta forma, ainda há uma lacuna na fonoaudiologia quese refere à falta do estabelecimento do perfil do mau leitor e do leitordisléxico. O conhecimento de ambos perfis evitaria a confusãodiagnóstica e suas conseqüências, que geralmente afetam a qualidadede vida das crianças no contexto familiar, social e educacional.

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Capítulo 9Processamento fonológico e ortográficoe suas implicações no diagnóstico dos

transtornos de aprendizagem

Jaime Luiz Zorzi

Alterações ortográficas e os transtornos deaprendizagem

O Manual de Classificação Estatística Internacional deDoenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) define uma categoriade problemas (F.81) que engloba alguns transtornos “nos quais asmodalidades habituais de aprendizado estão alteradas desde as primeirasetapas do desenvolvimento. O comprometimento não é somente aconseqüência da falta de oportunidade de aprendizagem ou de um retardomental, e ele não é devido a um traumatismo ou doença cerebrais”1.

A alteração mais conhecida dentro desta categoria é adislexia, definida como um Transtorno Específico de Leitura” (F81.0).O aspecto principal da dislexia é um comprometimento específico eimportante no que se refere à aquisição de habilidades envolvidas noaprendizado da leitura. Tal comprometimento, que pode prejudicar acompreensão leitora, o reconhecimento de palavras, a leitura em vozalta, assim como a realização de atividades que envolvem a leitura,não resulta diretamente da idade mental, de problemas sensoriaisvisuais e auditivos ou de uma escolarização ineficiente.

Outro tipo de problema apontado pelo CID10, diz respeitoao Transtorno Específico da Soletração (F81.1). Definido como umaalteração específica e significativa nas habilidades envolvidas nasoletração, manifesta-se como uma dificuldade para soletrar oralmentee para grafar corretamente as palavras escritas. Quando o transtornode soletração vem associado a um transtorno específico de leitura(dislexia) e ou de matemática, pode caracterizar o Transtorno Mistodas Habilidades Escolares (F81.3).

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Por sua vez, o Manual Diagnóstico e Estatístico deTranstornos Mentais (DSM-IVTM) aponta na mesma direção, definindouma categoria semelhante denominada Transtornos de Aprendizagem.Tal classe engloba problemas como o Transtorno de Leitura, ou Dislexia(código 315.00), o qual tem como característica essencial umdesempenho em leitura significativamente inferior àquele esperadopara a idade cronológica, o nível de inteligência e o grau de escolaridadedo sujeito. Envolve também o Transtorno da Expressão Escrita (código315.2), caracterizado por dificuldades acentuadas que se manifestamna capacidade para compor textos escritos, erros de gramática epontuação, múltiplos erros ortográficos e traçado da letra muito ruim.Mais geral, o Transtorno da Aprendizagem sem outra Especificação(código 315.9), caracteriza-se por déficits nas áreas de leitura,matemática e expressão escrita os quais, em conjunto, prejudicam demodo marcante o rendimento escolar2.

Apesar de o CID10 e o DSM-IV apontarem a existência detranstornos expressivos de escrita, sendo os problemas ortográficosuma de suas manifestações mais comuns, pouco se tem pesquisado arespeito, em comparação com os problemas de leitura. De qualquermodo, fica evidente que, em tratando-se dos problemas deaprendizagem, o foco de investigação não deve ficar reduzido àscaracterísticas da leitura, necessitando estender-se à análise da escrita,procurando compreender, também, o quanto de domínio da ortografiao sujeito avaliado apresenta.

Os erros de escrita fazem parte da aprendizagem “normal”.Embora sejam progressivamente superados na medida em que as criançascompreendem com mais profundidade as características do sistemaortográfico que usam para escrever, a permanência de erros, assim comoos tipos de erros produzidos, podem ser indicadores de transtornos deaprendizagem ou de falhas nas metodologias de ensino3,4.

Na prática, é muito comum encontrarmos, em criançascom problemas de leitura, como no caso da dislexia e outros distúrbiosde aprendizagem, a presença de dificuldades ortográficas associadas,pondo em evidência que o desempenho em leitura tem relações como domínio da ortografia. Em outras palavras, quem lê mal tende aescrever também mal. Porém, a relação inversa não se apresenta coma mesma evidência. É possível encontrarmos pessoas escrevendo malortograficamente, embora não apresentem problemas na leitura, ouaté mesmo em casos de leitores bastante ativos, como já foidemonstrado em estudo relacionando perfil de leitor com desempenhoem ortografia 5. Ficou comprovado que, mesmo leitores muito ativos,

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com leituras freqüentes, podem ter um perfil de domínio ortográficobaixo, resultando em uma escrita com muitos erros.

Tais fatos nos levam a pensar nas condições que permitemuma boa aprendizagem da escrita, quais as habilidades e capacidadesenvolvidas e, fundamentalmente, como se dá o processamentoortográfico o qual ativará procedimentos que influenciarão na decisãode como escrever cada palavra, podendo gerar o acerto ou o erro.

O objetivo deste capítulo é o de analisar a aprendizagemda escrita do ponto de vista do domínio da ortografia, assim como decompreender o seu processamento em termos de atividade mental ede habilidades envolvidas. Estes dados podem ser de grande valia nosprocessos de avaliação, diagnóstico e intervenção nos distúrbios deaprendizagem.

Fases mais iniciais da evolução da escrita e o início doprocessamento fonológico

Uma das habilidades fundamentais para o aprendizadode escritas de natureza alfabética, como tem sido sistematicamentecomprovado, está ligada ao desenvolvimento da consciênciafonológica, ou seja, da capacidade para compreender a estrutura sonoradas palavras, decompondo-as em unidades menores, como sílabas efonemas6-8. Neste sentido, a descoberta do fonema permite, comclareza, a compreensão do papel das letras enquanto representaçõesfonêmicas. Por esta razão, existe uma forte relação entre o desenrolardas fases mais iniciais da escrita e a evolução das habilidades deconsciência fonológica.

Considerando a classificação de Ferreiro e Teberosky9, emtermos do aprendizado da escrita, pode-se inferir que, na fase pré-silábica, a criança ainda não descobriu as relações entre a oralidade e aescrita. Trabalhando em sua mente com a representação da palavracomo um todo, ela não entende que a extensão da fala determina aextensão da escrita, assim como não compreende que as letras a seremusadas devem corresponder aos fonemas que estão presentes naspalavras faladas. Desta forma, de acordo com tal perspectiva, aquantidade de letras usadas nada tem a ver com a extensão da palavrafalada, da mesma forma que as letras empregadas no escrito podemser aleatoriamente escolhidas, independentemente dos fonemas quedeveriam representar.

Na medida em que a criança passe a compreender queuma palavra pode ser segmentada em unidades silábicas, tal

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conhecimento pode servir de parâmetro para a decisão do número deletras necessárias para a escrita, gerando uma fórmula bastante eficaz:para cada sílaba da palavra falada, uma letra. Desta forma tem início afase silábica. Primeiramente, qualquer letra pode ser empregada namedida em que não existe uma análise fonológica da palavrapropriamente dita, sendo tal análise apenas quantitativa. Porém, operarao nível da sílaba parece facilitar a percepção de unidades menores,ou seja dos fonemas. Graças à descoberta dos fonemas, uma novafórmula mais refinada pode surgir na escrita da criança, caracterizandoa fase silábica com valor sonoro: para cada sílaba uma letra, mas usandoletras que, de fato, representam um dos fonemas componentes dasílaba, com uma tendência mais acentuada para a representação dasvogais. É talvez, neste momento em que a correspondência fonema-grafema tem lugar, que se inicia o processamento verdadeiramentefonológico, demandando maior ativação das áreas cerebraisresponsáveis pela análise das representações fonológicas e suaassociação com os grafemas correspondentes.

Narbona e Fernandéz10 , descrevendo o processamento daleitura, apontam que as primeiras aferências visuais chegam no nívelda área visual primária (bordo da fissura calcarina), sendo que a primeiraidentificação dos sinais gráficos e de sua disposição seqüencial é realizadano nível do córtex occipital esquerdo. A partir daí, e principalmente nasfases iniciais de aquisição da escrita, a informação é enviada em direçãoà parte posterior do plano temporal (área de Wernicke), onde é realizadaa transposição dos sinais grafêmicos em sinais fonéticos. Tais sinais serãotratados, na fase da identificação morfossintática e léxico-semântica, nonível do giro supramarginal e angular, no hemisfério esquerdo. Emoutras palavras, ocorre a ativação da rota fonológica. Por outro lado, achamada rota lexical reúne a área de associação visual secundária aogiro angular, de tal forma que os sinais visuais sejam por si mesmosdotados de significação, dispensando o processamento fonológico.Provavelmente, neste momento em que tem início a correspondênciafonema-grafema, poderão surgir os primeiros sinais dos problemas deaprendizagem ligados a falhas no processamento fonológico, como é ocaso da dislexia11,12.

A fase de escrita denominada silábico-alfabética irá secaracterizar por um refinamento no processamento fonológico graçasa avanços na consciência fonológica e na correspondência fonema-grafema. Esta evolução permite uma análise mais depurada dacomposição fonêmica das palavras a serem escritas e uma associaçãofonema-grafema mais precisa e sistematizada. As representações

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fonológicas tornam-se mais claras permitindo a escrita de palavrascom sílabas já completas (com precisão na correspondência fonema-grafema em certas sílabas) enquanto que outras sílabas permanecemrepresentadas de modo incompleto. Esta forma de escrever caracteriza-se, principalmente, pela omissão de algumas letras.

A continuidade do processo evolutivo, que irá gerar aescrita alfabética, torna-se cada vez mais dependente das condiçõesde ensino ou da capacidade de auto-ensinamento que a criança possaapresentar 8. A permanência prolongada nesta fase, marcada por muitasomissões de letras ou por trocas revelando confusões entre fonemas,pode ser indicativa de falhas pedagógicas e/ou de dificuldades quantoao processamento fonológico e a correspondente associação fonema-grafema13.

A fase alfabética de escrita e o processamento fonológico

Quais são os sinalizadores que permitem afirmar que umacriança chegou ao nível alfabético de escrita? O melhor indício de talprogresso pode ser considerado como a capacidade de escrever novaspalavras, com todos os fonemas representados, ainda que comsubstituições de letras em razão de representações múltiplas ou porapoio na oralidade, por exemplo. Mais especificamente, a criança torna-se capaz de escrever palavras ainda não conhecidas quanto à sua grafia,o que elimina o efeito da memória visual. Para escrever uma palavranão conhecida visualmente, a criança tem que recorrer, a principio, aum jogo de associações entre fonemas e grafemas muito intenso.

Fica evidenciado, nos próprios escritos infantis, que acriança toma como referência as representações de palavras de seuléxico oral, procedendo a uma análise fonêmica das mesmas efazendo as correspondências fonema-grafema que são necessárias.Como tendência geral, observa-se uma escrita com forte influênciafonética, isto é, a criança tenderá a escrever da maneira comopronuncia ou ouve a palavra, nem sempre escolhendo a letraconvencional, como no caso das confusões entre “s/c/ç/ss”, “j/g”,“x/ch” e assim por diante3.

Se este procedimento coincide com a forma convencionalda palavra, teremos uma escrita correta ou, caso contrário, poderemosencontrar “erros”. Porém, do ponto de vista do processamentofonológico, ou seja, da análise dos fonemas componentes da palavra,tal e qual a mesma está representada em seu léxico oral, e dacorrespondência entre fonemas e grafemas, podemos afirmar que a

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alfabetização está consolidada em seus procedimentos básicos: “quesom que tem, que letra que escreve”.

Chegar ao nível alfabético não significa escrever todas aspalavras corretamente. Significa, fundamentalmente, compreender omodo de funcionamento básico da escrita. A partir deste procedimentode análise das representações fonológicas de palavras que fazem partedo léxico oral, e da correspondência fonema-grafema, a criança põeem evidência o uso de processos fonológicos, dependentes da ativaçãode áreas cerebrais correspondentes. Como foi apontado, falhas em talprocessamento poderão se manifestar em dificuldades significativaspara ler e escrever, ou seja, limitações para a criança chegar a um nívelalfabético de escrita, ou mesmo na forma de uma evolução muitolentificada12.

Os erros de escrita que podem manifestar dificuldades naconsolidação da fase alfabética dizem respeito, principalmente, àsalterações por omissão de letras, trocas surdas/sonoras, outras alterações(substituições atípicas revelando possíveis confusões entre fonemas oufalhas na correspondência fonema/grafema) e os acréscimos de letras,considerando-se que alteram a estrutura sonora da palavra. Nestes casos,é o processamento fonológico que se mostra deficitário. Errosdecorrentes de representações múltiplas, apoio na oralidade,generalização e confusão entre “am” e “ão”, revelam um processamentofonológico adequado, embora a grafia possa estar inadequada do pontode vista ortográfico 13.

A fase alfabética significa um grande avanço no domíniode uma escrita de natureza alfabética. Porém, dependendo dacomplexidade ortográfica de cada língua, muitos poderão ser osdesafios que a criança encontrará pela frente para poder escrever deum modo convencional. E este é o caso do português escrito.

A fase ortográfica e os processamentos ortográficos maiscomplexos

A fase ortográfica corresponde a uma etapa na qual aescrita das palavras já não depende unicamente de uma análisefonológica e sua correspondente associação fonema-grafema. Outrosrecursos ou processos mentais também são aplicados na decisão decomo escrever palavras, principalmente quando a ortografia é irregularou desconhecida, como acontece no português. Podemos imaginarsituações variadas, as quais ativarão diversos procedimentos ouestratégias para levar à escrita correta das palavras 14:

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1. Uso da memória: recuperação de representações ortográficas jáarmazenadas

Como resultado de um processo de alfabetização, além depoder escrever, as pessoas tornam-se leitoras. A leitura é um dos maisimportantes recursos para a ampliação do vocabulário ou léxico umavez que permite o contato com um universo cada vez mais amplo ediversificado de palavras. Estima-se que um milhão e oitocentas milpalavras serão lidas por uma pessoa, em um ano, caso ela dediquevinte minutos por dia para leituras 12. Desta forma, não somente ocampo semântico será enriquecido. Também será possível a construçãoprogressiva de um léxico visual ou ortográfico na medida em que aspalavras, ou partes de palavras maiores que as sílabas, maisfreqüentemente encontradas nos textos, poderão ser representadasem memórias de longo prazo e recuperadas em diversas situações.Este repertório de palavras ou de partes mais extensas de palavras(morfemas), formado pela via visual (leitura), constituirá uma novafonte de representação de elementos lingüísticos, denominada léxicoortográfico15, o qual manterá relações estreitas com o léxico oral, jáexistente anteriormente.

No caso da escrita de palavras irregulares, porém jáconhecidas ou familiares, como é o caso de “experiência”, como elasjá são familiares ou conhecidas, dúvidas a respeito de como escrevê-las (se com “s, x, c, ss”), poderá não existir, uma vez que sua formatotal poderá ser recuperada da memória de longo prazo, ou seja, doléxico ortográfico. Neste caso, ocorrerá a recuperação de um itemlexical representado na memória.

De acordo com Shaywitz 12, a região occipito-temporalcorresponde ao núcleo para o qual as informações oriundas dediferentes sistemas sensoriais convergem e onde todas as informaçõesrelevantes sobre uma palavra são reunidas e armazenadas. Configura-se como uma via expressa para a leitura, sendo ativada por leitoresmais experientes. Reage rapidamente à palavra inteira, como sendoum padrão único. É definida como a área ou sistema de forma dapalavra. Uma palavra lida várias vezes pode provocar a formação desua representação (forma da palavra) a qual reflete a ortografia, apronuncia e o significado, sendo então arquivada no sistema occipito-temporal. Quando tal palavra é reencontrada, o sistema dereconhecimento é ativado. Bons leitores, quando testados, mostramuma forte ativação desta região em neuroimagens.

Deve-se considerar, entretanto, que as memórias assimformadas não obrigatoriamente correspondem à palavra como ela é

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realmente vista. Melhor dizendo, as palavras não são automaticamenteretidas na memória. As imagens das palavras, uma vez alcançando aárea visual primária, e provavelmente sustentadas pela memória decurto prazo, serão, em seguida, processadas e associadas, em outrasregiões corticais, a palavras e conhecimentos anteriormente formados,antes de serem armazenadas na memória de longo prazo. Ou seja,poderão ocorrer transformações, de modo que a memória nãonecessariamente guardará a imagem tal e qual ela foi objetivamentevista, podendo formar representações discrepantes com a percepçãooriginal. Este modo de funcionamento da memória pode explicarporque bons leitores também cometem erros de escrita em palavrasque freqüentemente encontram pela frente em suas leituras 5.

A citação de um caso pode ser bastante ilustrativa. Pedrotem nove anos de idade, cursa a terceira série e, apesar de ser umleitor ativo e fluente, comete muitos erros quando escreve, causandoestranheza em seus pais e professores. A mesma pergunta está semprepresente: “Como ele pode escrever errado uma palavra que vê a todoo momento?”. Pedro, por exemplo, comete erros como “cinema >sinema; passarinho > pasarinho; cabeça > cabesa; cidade > sidade;criança > criança”, e assim por diante. Porém, palavras como “semana,sopa, salame e socorro”, são devidamente grafadas. Questionado arespeito das palavras “erradas”, Pedro não consegue identificar ospróprios erros, justificando com argumentos como: “Cabesa está certoporque “ce” com “a” é “ca”, “be” com “e” é “be” e “esse” com “a” é“as”: então, juntando tudo fica ca-be-sa. Está certo!”.

Pois bem, embora Pedro veja as palavras escritas de mododiferente daquele que ele costuma grafá-las, quando vai escrevê-lasrecorre a um processamento ortográfico regular, acreditando que existeuma correspondência única e estável entre o fonema /s/ e a letra “esse”,tal e qual acontece com outros fonemas que têm sempre um modoregular de representação. No caso de Pedro, as representações em seuléxico ortográfico revelam a influência de uma regra incorreta masque é automaticamente ativada em seu processo de decisão de escrita:som /s/, letra “esse”. Para poder melhorar sua escrita, Pedro terá quecompreender que um mesmo fonema pode ter mais do que uma letra,quais são essas letras, em que situações elas podem ou não serempregadas, que regras existem para ajudar em tal definição e assimpor diante. Temos aqui um problema que parece ir além de umafalha de memória. Faltam conhecimentos para reorganizarrepresentações já estabelecidas no léxico ortográfico de uma formainapropriada.

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2. Uso da correspondência fonema-grafemaAlém de palavras já conhecidas, a todo o momento, quem

escreve, pode deparar-se com palavras que não lhe são familiares, fatoque é muito comum quanto mais iniciante é o aprendiz. Quando taispalavras, embora desconhecidas em sua forma gráfica, apresentamcorrespondências regulares entre fonemas e grafemas, o recurso deassociação fonema-grafema pode ser bastante eficiente para gerar aescrita correta. Uma palavra desconhecida e até mesmo estranha como“cleistorcadia” torna-se de baixo risco de erro com o emprego destaestratégia básica das escritas alfabéticas, mesmo em fases maisavançadas de domínio da ortografia.

3. Uso de estratégias ortográficas envolvendoconhecimentos metalingüísticos

Um grande problema pode surgir quando nos deparamoscom palavras de construção não regular e desconhecidas na sua formaescrita, o que impede o acesso direto à representação ortográfica dapalavra ou a correspondência fonema-grafema. Distintas estratégiaspodem ser então ativadas nestes casos, envolvendo o uso de processosmais sofisticados que lançam mão de estratégias metalingüísticas, ouseja, conhecimentos em nível consciente a respeito da própria língua.• Uso de regras contextuais

Mesmo palavras pouco comuns como “gueguendo”podem ser corretamente grafadas devido ao conhecimento e empregode regras contextuais. Por exemplo, “gueguendo” deve ser escrita com“gue” porque a vogal que segue a consoante “g” é “e”. Portanto, deve-se usar “gue” para preservar o som desejado /g/. Também sabemosquando usar “m” ou “n”, a partir da regra contextual que determinaatenção para a letra que vem depois do final da sílaba em questão, oque nos leva a escrever “guegendo” com a letra ene.• Uso de regras morfossintáticas

A observação de regularidades morfológicas entre asdiferentes palavras, pode resultar em uma estratégia desta naturezana tomada de decisão para a escrita de palavras não regulares e nãoconhecidas. Este poderia ser o caso de uma criança que, pela primeiravez, fosse escrever “penteadeira” ou “falasse”. Tomando comoreferência outras palavras conhecidas que partilham da mesmaestrutura morfológica, pode-se encontrar a solução adequada para aspalavras em questão: “penteadeira” pode ser assimilada a “bandeira”,“cadeira”, etc., assim como “falasse” poderia ser assimilada a“andasse”, “cantasse” e assim por diante.

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• Uso de recursos externos: consulta a outras pessoas ou ao dicionárioQuando alguém pretende escrever uma palavra

desconhecida em sua grafia e sabe que está desprovido de recursosmnemônicos, de associação fonema-grafema ou de uso de regras parapoder decidir como escrevê-la corretamente, a solução será recorrer àinformação externa. Ou seja, muitas palavras podem não favorecer ouso das estratégias anteriores, como é o caso de “abissinístico” e“amochar”. Nestes exemplos, quais as regras ou estratégias quepoderiam ajudar a decidir o uso de “ss” ou “c” para a primeira palavrae “x” ou “ch” para a segunda? Não há uma resposta pronta. Para essetipo de palavra, o uso do dicionário, ou a busca de uma pessoa queporventura possa conhecer como se escreve tal palavra, pode ser amelhor solução. Porém, tendo descoberto que “amochar”, porexemplo, escreve-se com “ch” e, dependendo desta palavra vir a serrepresentada no léxico ortográfico, ela poderá vir a ser recuperadafuturamente para servir como referência para a escrita de outraspalavras relacionadas a “amochar”, como “amochando, amochasse”,e assim por diante, ativando o uso de regras morfossintáticas.

Como pode ser constatado, para o domínio adequado daescrita faz-se necessário a ativação de processos fonológicos e tambémortográficos e que podem ocorrer numa mesma palavra. No caso doportuguês escrito, dada as suas irregularidades na correspondênciafonema-grafema, a associação entre os fonemas identificados na fala eas letras que podem escrevê-los nem sempre se dá de uma formadireta. Freqüentemente tal correspondência é mediada por regrascontextuais e por regras morfossintáticas, o que implica conhecimentoslingüísticos que vão além da consciência fonológica. Podemos aquiapontar a importância da consciência morfossintática e doconhecimento de regras de contexto, o que implica uma atividade decontrole consciente da escrita e de um tipo de processamento quepode ser considerado como ortográfico.

A permanência acima do esperado de erros provocadospor representação múltipla, apoio na oralidade, confusão entre “am xão” e erros por generalização de regras pode estar indicando a presençade dificuldades por parte do sujeito. Tais dificuldades dizem respeitoà falta de habilidades lingüísticas para operar com conhecimentos arespeito da estrutura da língua, principalmente em termos deconsiderar as similaridades morfológicas entre as palavras, o queindicaria falhas em termos da consciência morfossintática. Porém, errosdesta natureza também podem ser fortes indicadores de métodosineficientes de ensino da ortografia, que não conseguem levar as

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crianças a dominarem, com mais facilidade e clareza, as regras eregularidades que podem levar a uma escrita eficiente.

Booth, Burman, Meyer e Mesulam 16 realizaram um estudosobre o desenvolvimento dos mecanismos cerebrais envolvidos noprocessamento de representações ortográficas e fonológicas. Tiveramcomo objetivo examinar as diferenças de desenvolvimento entreadultos e crianças (de 9 a 12 anos de idade), em relação ao substratoneural ativado no processamento lexical. Para tanto, utilizaram tarefasde julgamento de palavras que requeriam a manipulação explícita derepresentações fonológicas (rima) e ortográficas (spelling).

Estes autores defendem um modelo neurocognitivo deprocessamento lexical no qual os giros supramarginal e angular estãoencarregados de extrair regularidades estatísticas ou probabilísticasentre a ortografia e a fonologia. O estudo mostrou um aumento,durante o desenvolvimento, da ativação do giro angular, ou seja, ocorreuma maior ativação desta área nos adultos do que nas crianças. Paraeles, tal fato sugere que o aprendizado da escrita pode ser marcadopelo aumento do papel de um sistema voltado para abstrairregularidades entre ortografia e fonologia, fazendo um mapeamentoentre estes dois aspectos. Mais especificamente, embora os resultadosmostrem que existe uma ativação mais marcante no giro angular narealização de tarefas multimodais do que em atividades unimodais, ashabilidades de leitura podem estar associadas a um sistema maiselaborado de mapeamento e de aumento de interatividade entre asrepresentações ortográficas e fonológicas, durante o desenvolvimento.

Aspectos da avaliação do desempenho ortográfico

Alguns procedimentos podem ser empregados tendo emvista a avaliação do desempenho ortográfico em um processodiagnóstico ou em uma situação escolar. Um número mínimo depalavras escritas, não treinadas anteriormente, deve ser obtido a fimde permitir um levantamento do perfil ortográfico de cada sujeito.Para tanto pode-se empregar 13:• Um ditado de palavras reais, regulares e irregulares, especialmente

selecionadas por conterem diversas características ortográficas, o quepermite verificar processos fonológicos e ortográficos;

• Um ditado de pseudopalavras, também contendo característicasregulares e irregulares que permita verificar a ocorrência de processosfonológicos e ortográficos;

• Uma atividade de cópia de palavras reais e pseudopalavras (asmesmas já usadas no ditado) a fim de comparar o desempenho em

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escrita espontânea e sob ditado, verificando aspectos de atenção eprocessamento visual;

• Produção de um texto narrativo, a partir de um tema dado peloexaminador, o qual permite verificar o domínio da ortografiamanifestado no uso espontâneo do vocabulário do próprio sujeito,assim como propicia análises com enfoque na estrutura narrativa,na capacidade de elaboração, pontuação, qualidade da letra e emaspectos de coesão e coerência textuais.

Todos os erros observados são identificados, contados eclassificados em onze categorias, de acordo com os critériosdesenvolvidos por Zorzi3: representações múltiplas; apoio na oralidade;omissão de letras; junção/separação; confusão entre “am x ão”;generalização de regras; trocas surdas/sonoras; acréscimo de letras;letras parecidas; inversão de letras e outras alterações.

A soma dos erros, dividida pelo número total de palavrasescritas pelas crianças, nas situações de ditado de palavras reais eprodução de textos, pode dar o coeficiente ortográfico, ou seja, umnúmero que indica um valor relativo dos erros produzidos por cadacriança, permitindo comparações entre elas. Por exemplo, uma criançaque produziu 25 erros em 150 palavras reais escritas, apresentará umcoeficiente ortográfico igual a 0,16, o que significa a ocorrência de 16erros para cada 100 palavras escritas. Este valor pode oferecer umparâmetro quantitativo na análise das alterações ortográficas. Nestesentido, um estudo sobre o desempenho ortográfico de cerca de 900alunos de primeira a quarta séries do ensino fundamental de escolaspúblicas vem sendo realizado para permitir comparações entreresultados esperados e resultados obtidos na avaliação de cada criançanessa faixa de escolaridade.

A qualidade do traçado da letra também é analisada,recebendo uma pontuação que varia de 1 a 4 (1= boa; 2=média; 3=ruime 4=muito ruim), de acordo com o grau maior ou menor de dificuldadeque o leitor encontra para identificar o que está escrito.

O que os resultados de uma avaliação ortográfica podemindicar

Se procedermos a um agrupamento de tipos de alterações,poderemos reunir as omissões, as trocas surdas/sonoras, os outros errose os acréscimos, como dizendo respeito, principalmente, a aspectosligados ao processamento fonológico e à correspondência adequadafonema-grafema. Estas alterações, quando presentes em valores acima

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do que pode ser esperado para o nível de escolaridade, e o tipo deescola freqüentada pela criança, podem ser indicativas de que umnível alfabético de escrita não foi ainda plenamente atingido. Acapacidade de analisar a estrutura sonora das palavras, identificandocada um dos fonemas presentes, assim como de discriminá-losadequadamente depende de habilidades relativas à consciênciafonêmica, por um lado, e por outro, ao conhecimento dascorrespondências básicas entre fonemas e grafemas. Esta pode ser umadificuldade presente em crianças com dislexia do desenvolvimento,por exemplo 13.

Quando consideramos principalmente os erros porrepresentações múltiplas, por apoio na oralidade e pelas confusõesentre “am” e “ão”, estamos nos referindo a aspectos da escritafortemente dependentes de processamentos de natureza ortográfica.A correspondência fonema-grafema, do ponto de vista darepresentação dos fonemas, pode estar adequada, porém com enganosquanto à letra apropriada para grafar a palavra, de acordo com regrasou normas impostas pela ortografia. O mesmo pode ser dito em relaçãoaos erros por apoio na oralidade e confusão entre “am x ão”, querefletem uma escrita com tendência fonética.

Para que tais tipos de erros, muito mais dependentes deaspectos ortográficos possam ser superados, a criança deverádesenvolver habilidades metalingüísticas que permitam lidar comnoções diversas: um mesmo fonema pode ser representado pordiversas letras e uma mesma letra pode escrever mais do que umfonema; quais são esses fonemas, quais são essas letras; a consideraçãodo contexto de ocorrência das letras, o que gera regras contextuais; oconhecimento de características morfológicas das palavras, que permitaidentificar diferentes palavras como partilhando estruturas comuns;compreender que o modo de falar pode ser diferente do modo deescrever; a noção de sílaba tônica, e assim por diante.

Ainda são poucos os estudos que buscam analisar o papeldeste tipo de conhecimento, ou seja, da consciência morfossintáticana dislexia e em outros distúrbios de aprendizagem. Os erros quepertencem a esta categoria tanto podem ser indicativos de dificuldadespor parte do sujeito para adquirir conhecimentos desta natureza,quanto podem ser fortemente influenciados por métodos de ensinoque dão pouca atenção à questão dos erros de escrita, ou que empregamprocedimentos pedagógicos pouco eficientes.

O agrupamento de erros, ainda considerando-se o tipo dedemanda cognitiva presente, pode gerar uma terceira categoria a qual

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envolve, predominantemente, aspectos ligados ao processamento visual,como é o caso dos erros por inversão de letras (espelhamentos oumudança de posição das letras dentro das palavras) e a confusão entreletras parecidas. Curiosamente, embora tais tipos de erros sejam muitoreferidos como sendo uma característica típica na escrita de disléxicos,observa-se que, na escrita de crianças brasileiras, na qual predomina aforma cursiva de grafar, a ocorrência destas alterações é muito poucofreqüente, estando entre os erros mais raramente encontrados 13.

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Capítulo 10Avaliação das Funções Cognitivas na Criança,

no Adolescente e no Adulto

Ana Paula Sabatini de Mello Braga

Este é um tema bastante importante e apaixonante que temsido objeto de interesse das várias áreas que abrangem as Neurociências.O fascínio que ele provoca é decorrente da possibilidade de secompreender o modo como opera este órgão tão magnífico que é o cérebro.

Na intenção de se desvendar seu funcionamento, osneurocientistas foram desenvolvendo meios de avaliar os diferentesprocessos que nele ocorrem.

Quando se fala em avaliação das funções cognitivas, se falaem muito mais do que meramente avaliar pois o ato de avaliar significasimplesmente determinar a intensidade, a força, a qualidade ouextensão de algo. Mas, o objetivo aqui não é só mensurar algo estanque,ou vários aspectos em separado, mas sim entender as relaçõesexistentes, correlacionando os dados, a fim de obter a compreensãoglobal do funcionamento cognitivo do indivíduo.

É preciso fazer um parêntese quanto aos contextos nos quaisa avaliação se insere pois ela pode ser útil em diversas situações diferentes,como por exemplo, no diagnóstico clínico, no acompanhamento depatologias evolutivas, em pesquisas, entre outras. Neste capítulo, nosprenderemos principalmente ao contexto clínico, justamente por sernele que a avaliação se torna mais ampla, profunda e flexível.

Não é um processo em que se basta utilizar uminstrumento que mensure a função, é muito mais do que isto, envolveacima de tudo o raciocínio clínico, raciocínio este que começa noprimeiro contato com o paciente e estende-se durante toda ainvestigação de seu funcionamento cognitivo.

Assim sendo, a avaliação não é algo superficial, mas algoprofundo, e para tal envolve a multidisciplinaridade, na qual diversosolhares sobre um mesmo objeto de estudo, leve ao conhecimentoprofundo do modo como a cognição opera no indivíduo.

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Aspectos históricos

O impulso para o desenvolvimento das Neurociências einteresse em realizar avaliações do comportamento e dofuncionamento cognitivo deu-se no século XIX, principalmente namedicina, com a fisiologia e o estudo das patologias e, na psicologia,com a psicometria e as abordagens comportamentais.

Cada vez mais os métodos de investigação foramaprimorados, e algumas correntes surgiram e perduram até hoje.Alchieri1 cita três métodos utilizados em avaliações neuropsicológicas:o método estatístico-psicométrico, o método clínico-teórico e o métododo processo específico.

O método estatístico-psicométrico visa mensurar as funçõescognitivas, determinar possíveis localizações de lesões e evolução doscomprometimentos.

Já no método clínico-teórico são realizados experimentosde situações que abarquem comportamentos específicosdemonstrando eventuais comprometimentos.

No método do processo específico há uma junção dos doisanteriores, utilizando-se de bateria de testes que possam mensurar asdiversas funções cognitivas permitindo a compreensão do modo comouma doença ou lesão podem afetar a cognição e o comportamento doindivíduo. Este tem sido o método mais utilizado atualmente.

Objetivos e meios principais

Como dito anteriormente, no desenvolvimento dasNeurociências, surgiu a necessidade de avaliar o funcionamentocognitivo de modo a compreender a inter-relação entre os diversossistemas, além do grau de comprometimento existente.

Assim, pode-se dizer que os objetivos principais daavaliação das funções cognitivas são mensurar e compreender cadafunção, suas correlações no funcionamento cerebral global e suasimplicações no comportamento do indivíduo.

Este processo exigirá a utilização de instrumentos queforneçam dados quantitativos permitindo a comparação dos resultadosobtidos com os esperados para a idade e escolaridade do indivíduo,através da qual se terá o mapeamento das funções preservadas e dascomprometidas, assim como do grau de dificuldade.

Além dos testes, também é útil a utilização de atividades etarefas que mostrem de forma qualitativa o desempenho do paciente.

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Em alguns momentos, estas atividades são as únicas possíveis, dado ograu de comprometimento do paciente ou até mesmo, por nãoexistirem testes que avaliem determinado aspecto de uma função eeste aspecto pode ser fundamental para direcionar o diagnóstico e/outratamento do paciente.

É importante que sejam utilizados meios verbais e não-verbaisdurante a avaliação, a fim inclusive de verificar possíveis dominâncias.

A análise qualitativa permite explicar como e porqueocorrem dificuldades e facilidades no desempenho global.

Além dos instrumentos quantitativos e das tarefasqualitativas, para a avaliação global também é relevante a análise dedados clínicos e do histórico do paciente obtidos na entrevista deanamnese, no contato com outros profissionais que lidam com pacientealém da observação do comportamento apresentado durante todo oprocesso. No caso de crianças e adolescentes, pode também sernecessário o contato com escolas.

O processo de avaliação

A avaliação inicia-se com a entrevista inicial.No caso de crianças, ela é feita com os pais. Com

adolescentes, é realizada primeiramente com os pais e depois com ojovem. Quando o paciente é adulto, geralmente é feita primeiramentecom o próprio paciente e depois com um familiar ou cuidador,dependendo do tipo de queixa e objetivo da avaliação.

Esta entrevista, também chamada de anamnese, éfundamental para se construir a história do paciente. Deve-se questionarcomo as queixas surgiram, correlacionando com o momento que opaciente estava vivenciado, investigar também a existência de outraspatologias prévias ou ainda existentes, assim como o uso de medicamentos(que podem inclusive influenciar no funcionamento cognitivo), indagarsobre possíveis flutuações de desempenho, de comportamento e dehumor, habilidades e dificuldades prévias, perguntar sobre históricofamiliar, além do uso de substâncias, condições de sono, e rotina diáriado paciente. No caso de crianças e adolescentes, é imprescindível que sepesquisem dados sobre a gestação, parto e desenvolvimentoneuropsicomotor, além de informações sobre a vida acadêmica.

Além destas investigações, outras podem ser úteisdependendo do que é relatado durante a entrevista, ou até mesmodiante de um objetivo mais específico de diagnóstico.

Caso o paciente tenha exames de imagem ou fisiológicos,é indispensável sua análise.

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Após este momento inicial, o profissional deverá traçar umahipótese diagnóstica e escolher os instrumentos, atividades e provasnecessárias para a compreensão do funcionamento do paciente.

Na análise quantitativa, poderá escolher entre o uso debaterias fixas ou flexíveis ou ambas. As baterias fixas, são compostaspor vários testes que usados em conjunto fornecem um mapeamentoglobal de funcionamento. Nas flexíveis, o profissional pode utilizarinstrumentos diferenciados para cada caso, o que permite umamodelagem individualizada para a avaliação.

Na análise qualitativa, haverá a análise dos dadosquantitativos, além da interpretação de tarefas que tenham sidopropostas para o paciente, e também dos dados de observação acercado comportamento do paciente durante a testagem.

Ao final devem-se juntar todos os dados obtidos,analisando-os e integrando-os, traçando o perfil cognitivo do paciente.A partir daí, elabora-se um relatório com todos os dados encontrados.

Em geral, o relatório é entregue ao paciente e seus dadossão explicados detalhadamente. Neste momento também se fazorientações ao paciente e os encaminhamentos necessários para otratamento adequado. Nesta etapa, quando o paciente for uma criança,os resultados serão entregues e explanados aos seus pais, e no caso deadolescentes, é recomendável que em um primeiro momento tambémo sejam, mas depois é viável também um encontro com o paciente, afim de explicar a ele os resultados encontrados e sanar eventuais dúvidas.

Todo este processo será mais rico se for realizado dentrode uma equipe multiprofissional, em que diferentes profissionais dasaúde, avaliam de forma mais abrangente e trocam informações, quepermitirão um diagnóstico mais preciso.

Para a avaliação cognitiva multiprofissional é interessantecontar com o apoio de equipe composta por médico, neuropsicólogo,fonoaudiólogo, psicopedagogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacionale psicomotricista.

A equipe multiprofissional

A riqueza do trabalho em equipe se deve aos diferentesolhares sobre o paciente.

Cada área do conhecimento que formam as Neurociências,tem uma profundidade e especificidade.

Cada área traz a sua contribuição. Assim, o médico fornecesubsídios sobre o estado clínico do paciente, excluindo doenças orgânicas,

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questionando sobre possíveis etiologias, e orientando o diagnóstico etratamento medicamentoso. O psicólogo, especialista em Neuropsicologia,mensura as funções cognitivas e analisa aspectos psicoafetivos, inter-relaciona os achados e fornece informações fundamentais para odiagnóstico diferencial. O fonoaudiólogo analisa a linguagem, fala eaudição, além da influência destas em outras funções e das outras funçõesnestas. O psicopedagogo avalia o processo ensino aprendizagem e verificaas possibilidades de aprendizagem o que é indispensável para odiagnóstico e tratamento. O fisioterapeuta, o terapeuta ocupacional e opsicomotricista analisam aspectos práxicos (ligados aos movimentos),ocupacionais, visuo-espaciais e gnósicos (relacionados ao reconhecimento).

O intercâmbio das informações e dos resultados obtidosfornece o embasamento necessário para um diagnóstico preciso.

As funções cognitivas e sua avaliação

A cognição envolve múltiplos sistemas funcionais. Asfunções cognitivas abrangem a atenção, memória, percepção,habilidades visuo-espaciais e visuo-construtivas, praxias, gnosias,linguagem e funções executivas.

Sabe-se que as funções cognitivas estão interligadas,embora existam regiões mais responsáveis por determinada função,lesões podem provocar seqüelas diferenciadas, justamente pelasligações existentes. Além disso, a uma interdependência entre elas.

Na investigação do funcionamento cerebral esteconhecimento é vital, pois permite analisar quais são os déficitsprimários e quais são os secundários.

Assim por exemplo, um paciente adulto pode ter comoqueixa perda de memória, mas na investigação de seu funcionamentoobserva-se que há também déficit de atenção, dificuldades nalinguagem e alterações no raciocínio. Provavelmente, há um eixoprincipal danificado que prejudica as demais engrenagens, que podeser, por exemplo, a atenção.

É esta análise que levará ao diagnóstico e norteará otratamento e prognóstico do paciente.

Atenção

A atenção engloba diversas modalidades que precisam seravaliadas separadamente, uma vez que dificuldades específicas geramcomportamentos diferenciados.

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Além disso, os resultados obtidos devem-se ser analisadosem conjunto com o desempenho das funções executivas, uma vezque estão intrinsecamente relacionadas.

Quando o paciente for uma criança, é preciso considerarsua fase de desenvolvimento uma vez que a maior parte dos processosatencionais está maturada somente por volta dos sete anos. Além disso,a análise cuidadosa de fatores ambientais e emocionais precisa serconsiderada, uma vez que podem ser a causa das dificuldadesencontradas nesta esfera da cognição.

Nos adultos déficits atencionais podem não ser relatadosnas queixas iniciais, mas na realidade podem ser a problemática debase para os dados relatados.

No idoso, há o processo de degeneração normal causadopelo envelhecimento, que traz consigo a lentificação no processamentode informações, além de prejuízos em áreas sensitivas primárias esecundárias, o que interfere diretamente na atenção, sendo esta umadas funções mais comumente comprometidas nesta fase da vida.

Outros fatores que merecem consideração é o uso de drogas,álcool e medicamentos. Além de fatores ambientais como estresse, fadigae problemas de sono.

Normalmente, os instrumentos mais utilizados para aavaliação quantitativa da atenção são testes de cancelamento, testesde screening visual e testes auditivos de repetição. Spreen e Strauss2

referem vários testes neuropsicológicos utilizados na avaliação daatenção, entre eles: o teste de atenção AC, o teste de atenção D2, Strooptest, Teste de cancelamento de Mesulam, Trail Making, Teste deRepetição de Dígitos, e o Continuous Performance Test (CPT).

Memória

Na avaliação da memória deve-se considerar primeiramenteque a dificuldade nesta função é uma queixa comumente apresentada,e que muitas vezes é conseqüência de outros comprometimentos. Emsegundo lugar, é preciso levar em conta que é um sistema que abrangediversas estruturas cerebrais, podendo acometer diferentes regiões e secorrelacionar a diferentes comprometimentos.

Outro ponto que merece ser levantado é quanto a confusãode nomenclaturas existentes. É possível encontrar referências a memóriaimediata, a memória de curto prazo e a memória de longo prazo. Ousimplesmente memória de curto e longo prazo e subdivisões dentrodestes grupos. Portanto, ao se fazer a avaliação deste sistema é importanteesclarecer qual o tipo de abordagem conceitual o avaliador está usando.

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Na avaliação de idosos, a memória é uma função essenciala ser avaliada para o diagnóstico diferencial de diversas patologias eportanto deve ser bem abrangente e detalhada. Na senescência, esta éuma função freqüentemente afetada, portanto, não basta identificarse há ou não e em que grau é o comprometimento nas diversas esferas,mas é preciso correlacionar com história prévia e evolutiva, além deanalisar suas conseqüências nas demais funções cognitivas.

Em crianças, também se deve ter o cuidado de correlacionara etapa de desenvolvimento em que está uma vez que as funçõesmnemônicas ainda estão em desenvolvimento até a adolescência.

Nos adultos podem ser decorrentes de estresse físico e/ouemocional.

A análise de exames também é importante dado quealgumas alterações hormonais, ou até alguns quadros infecciosospodem explicar quadros transitórios de perda de memória.

Há inúmeros testes que medem este sistema, mesmoporque esta é uma das funções mais estudadas pelos neurocientistas.Há inclusive baterias fixas de avaliação de memória como o WechslerMemory Scale-Revised3 .

Também se pode encontrar baterias ecológicas de avaliaçãode memória como o Teste Comportamental de Memória deRivermead4. Os testes ecológicos são assim chamados pois sãoformados pela realização de atividades similares ao que o paciente fazno dia-a-dia.

Entre os instrumentos disponíveis pode-se citar como osmais utilizados Weschler Memory Scale, Rey Auditory Verbal Test, FiguraComplexa de Rey, Wide Range Achievement of Memory Learning Test,Dígitos (WAIS-III e WISC-III), testes de listas de palavras5 .

Praxias

Dentro da avaliação das praxias, engloba-se a coordenaçãomotora fina e grossa, a realização de movimentos simples e complexos,lateralidade, percepção visual e habilidades visuo-espaciais e visuo-construtivas.

Na avaliação infantil, a fase de desenvolvimento interferena análise do desempenho, mas também fatores ambientais,principalmente quanto a estimulação que é fornecida e as atividadesque são realizadas.

Na fase adulta e na senescência, é importante colher dadossobre a independência funcional e a realização de atividades diárias.

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São utilizados testes quantitativos, mas há principalmenteo emprego de tarefas qualitativas que situam o paciente no que éesperado para sua faixa etária.

Pode-se fazer uso de escalas de desenvolvimento como ade Denver6 , e também escalas de avaliação funcional como a Medidade Independência Funcional7 .

Algumas provas qualitativas são citadas por Luria8 . Nestasprovas o paciente é solicitado a realizar movimentos alternados emagilidade crescente.

Baterias de realização de movimentos também são utilizadaspara avaliar praxias ideomotoras e ideatórias9 .

Entre os testes, há instrumentos disponíveis para avaliaçãoda percepção e das habilidades visuo-espaciais e visuo-construtivascomo alguns subtestes da Bateria Wechsler de Inteligência: CompletarFiguras, Armar Objetos e Cubos; Bender; Figura Complexa de Rey;Desenho do Relógio, Piaget Head; Cubo de Necker, Test Hooper2.

Gnosias

Avaliar os processos gnósicos é muito importante, masmuitas vezes esta função é deixada de lado, o que pode levar adiagnósticos incorretos ou imprecisos. Isto ocorre principalmente poisfalhas no reconhecimento são confundidas com falhas perceptivas,ou melhor, em áreas primárias, quando na verdade referem-se acomprometimentos em áreas secundárias.

Quando há comprometimento gnósico fala-se em agnosias.Dentre os diversos tipos de agnosias, geralmente, as mais

avaliadas são as visuais.As agnosias visuais, podem ser divididas em para objetos,

nas quais o individuo não reconhece objetos e é incapaz de reproduzi-los; prosopagnosias quando a falha é no reconhecimento de faces; epara cores.

Em termos de instrumentos que possam medir asgnosias, pode-se dizer que a disponibilidade é estreitamente limitada,sendo que avaliação, muitas vezes, baseia-se somente em provasqualitativas, nas quais ou o paciente reconhece ou não reconhecedeterminado estímulo. E pressupõem que os órgãos perceptivosestejam intactos.

Cabe ao avaliador desenvolver atividades em que possaavaliar a capacidade de reconhecimento do paciente. Um exemplo debateria pode ser encontrado no quadro a seguir:

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Embora tenha sido dito que normalmente a avaliação érealizada somente para a modalidade visual, ressalta-se que tais provasdeveriam abarcar as diversas modalidades gnósicas: auditivas, visuais,táteis, sensitivas, olfativas.

Linguagem

A avaliação da linguagem é de suma importância, umavez que permeia os demais processos cognitivos. Déficits em linguagemprecisam ser diagnosticados até mesmo para se avaliar as demaisfunções, uma vez que poderá ser necessário mudar as formas decompreensão, ou até mesmo direcionar os tipos de instrumentos aserem utilizados. Por exemplo, se um paciente tem alteração naexpressão verbal, será necessário utilizar testes que associem o visual,principalmente na forma de resposta.

As dificuldades em linguagem normalmente não sãoclaramente definidas pelo paciente ou familiar, muitas vezes trazemoutras dificuldades que não desta área. O problema nesta esfera podeestar até mesmo escondido em uma queixa de confusão mental.

É preciso ter um olhar diferenciado, e fazer provasespecíficas que atinjam os diferentes processos lingüísticos.

Independentemente do profissional que esteja avaliandoo paciente, é importante utilizar pelo menos um teste que possa rastrearas diversas facetas da linguagem. Não se ater a isto pode levar atémesmo a um diagnóstico errado.

A avaliação da linguagem deve abranger a expressão oral,a compreensão oral, a escrita e a compreensão escrita.

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Nas crianças, as dificuldades de linguagem podem levar aostranstornos de aprendizagem. Para a avaliação formal é muito importanteconsiderar o nível de desenvolvimento que a criança se encontra e aestimulação que recebe. Alguns exames complementares também sãoúteis como a Audiometria e o Processamento Auditivo Central.

Nos adultos e idosos, é importante correlacionar os déficitsnesta área com a história clínica e exames complementares,questionando sobre características prévias e mudanças estáveis ecrônicas.

Entre os testes utilizados para avaliação da linguagem temoso Teste Boston de Diagnóstico de Afasias, Teste Boston de Nomeação,Token Test, Vocabulário e Compreensão (das Baterias Wechsler)5.

Além de testes formais pode-se usar tarefas qualitativas dedesempenho, e que são extremamente úteis para o diagnóstico.

Na compreensão escrita pode-se propor a interpretaçãode instruções simples e complexas e a interpretação de textos.

Na compreensão oral solicita-se a execução de ordenssimples e complexas, a interpretação de histórias, a discriminação desons e a soletração.

Na expressão oral tarefas de nomeação, repetição, discursoespontâneo, leitura e a narração são importantes.

Na escrita observa-se a mecânica, além de aspectos deortografia e gramática, em tarefas de cópia, ditado, formação de frasese redação.

Funções executivas

Podem ser definidas como “comportamentos quepermitem ao indivíduo interagir no mundo de maneira intencional,envolvem a formulação de um plano de ação que se baseia emexperiências prévias e demandas do ambiente atual. Estas açõesprecisam ser flexíveis e adaptativas”1 . Envolvem vários aspectos docomportamento: cognitivo, emocional e social.

São consideradas funções executivas: a capacidade detomar decisões, o julgamento de situações, a crítica, a compreensãode regras e normas, a organização e o planejamento, a flexibilidademental, a abstração de conceitos, a resolução de problemas, oseqüenciamento de ações, o controle do comportamento, a motivaçãoe a iniciativa, entre outras.

São funções complexas que dependem de outras para suaexecução, sendo assim o funcionamento executivo depende da

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integração de diversos sistemas. Isto se deve a localização que ocupamno cérebro, situadas na região do córtex pré-frontal que recebeaferências diretas e indiretas de áreas corticais ipsilaterais, contralateraise tem aferências subcorticais do sistema límbico, reticular, hipotálamo;sendo assim, se integra ao meio interno pelo sistema límbico, e externopelas áreas sensitivas de associação2 .

Estas funções são tão importantes que desde que estejamintactas, a pessoa pode ter alguma perda cognitiva e continuarindependente e produtiva. Quando comprometidas, dependendo dograu, podem levar o indivíduo a não ser mais capaz de se cuidarsozinho, manter relacionamentos, planejar ações, entre outras.

Pacientes com disfunções executivas podem apresentardesde quadro de apatia e desmotivação, a quadros de impulsividade,excitação e comportamento bizarro.

Devido a todos estes fatores pode-se concluir que, aavaliação das funções executivas é fundamental para a compreensãodo funcionamento cognitivo, é bastante complexa e, exige muito doprofissional que a esteja direcionando.

Um dos principais problemas na avaliação executiva é adiferenciação com quadros psiquiátricos.

Em crianças ainda não estão totalmente desenvolvidas, poissua maturação ocorre principalmente dos sete aos vinte anos devidoao processo de mielinização das fibras que conectam regiões corticaise córtex frontal.

No idoso podem estar prejudicadas devido a déficits emoutras funções que conseqüentemente geram comprometimentosexecutivos.

Embora existam testes formais para avaliá-las, é importanteque também sejam utilizadas provas práticas e em muitas situações,que os achados sejam correlacionados com aspectos da personalidadedo indivíduo.

Entre os testes disponíveis os mais utilizados são o TesteWisconsin de Classificação de Cartas3 , Labirintos, Teste de Stroop,Fluência Verbal, a Torre de Hanói, Torre de Londres2 , Subtestes daBateria Wechsler de Inteligência: Arranjo de Figuras, Compreensão,Cubos, Dígitos, Aritmética5 , além de testes de Personalidade.

Considerações finais

Como se pode observar no decorrer deste capítulo, aavaliação das funções cognitivas é algo bastante complexo e trabalhoso.

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No entanto, é necessário que seja feita com todo cuidado e critériopara que possa cumprir sua finalidade principal que é a compreensãodo funcionamento cerebral do indivíduo.

A experiência clínica permite ao profissional que realiza aavaliação aprimorar cada vez mais seus métodos, mesmo porque cadapaciente é único e traz consigo uma peculiaridade que quando bemexplorada leva não só a um diagnóstico mais preciso, mas também aoenriquecimento único e crescimento do profissional que está fazendoa avaliação.

Cada paciente novo implica em novas pesquisas e novasdescobertas, esse é o fascínio de quem explora o cérebro.

Bibliografia

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Capítulo 11Neurociência na Educação I

Adriana Fóz

Este capítulo pretende apresentar as principais perguntase respostas com relação ao tema “Neurociências e Educação”.  Foiestruturado de forma a apresentar os principais questionamentos edúvidas destinados aos profissionais que trabalham com a interfaceentre neurociências e  aspectos da educação, tal como a Leitura .

 O que é Neurociência? Farei uma breve introdução ao tema, como um pré-

aquecimento de nossos neurocuriosos neurônios diante um novo assuntoou uma nova abordagem.

Voltando um pouco no tempo, foi a partir de 1950 que aNeurociência passou a ganhar força, pois até então era consideradauma “caixa preta”.

“Penso, logo existo”, Descartes (1596-1650) 5a sustentavaa idéia de dualidade, ou seja, corpo X alma ou mente X cérebro.

Desde o século XIX  já existia uma Psicologia com umaproposta de uma abordagem científica da mente. A neurociênciacomeçava sua fase embrionária, principalmente após a descoberta doneurônio como unidade fundamental do cérebro, além do adventoda Inteligência Artificial, é claro.

Foi a época em que o cérebro era visto como computadore a mente como o software.

Já em 1990 é publicado o livro ”O erro de Descartes” deAntonio Damasio5   onde se revê, amplia e ganha-se uma outracompreensão da relação entre a “estrutura”e a “função”. Agora maisdinâmica, complementar e interativa.

Ao longo desta década o quadro muda novamente com abiopsiquiatria, com descobertas sobre a depressão, o Prozac, aneuroimagem, etc.. Mas, e a consciência?

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Antes, reduto da filosofia passou a ser uma das matériasprima da neurociência. Da questão dual, então, passamos a ter umaoutra triangular: mente- cérebro- consciência.

A questão hoje não é apenas como os cérebros podem gerarmentes, mas como as mentes podem afetar seus cérebros. E mais,como a mente afeta o cérebro, o organismo e vice- versa.

A neurociência abarca estas questões. Assim como aneuropsicologia e ainda a gestacional neuropsicopedagogia ouneuropsicoeducação.

A questão da delimitação de áreas, das searas de saberes,ainda será tema de anos pela frente. Mas uma coisa é certa: aneurociência é a “bola da vez”!

 Pra que e por que neurociência na Educação? “Dois aspectos importantes das neurociências para a

educação são: a organização funcional e as áreas especializadas paraprocessar informações em categorias”, segundo  Elvira Souza Lima 23,

24. Estas dimensões são essenciais uma vez que podemos considerar amaleabilidade das redes neurais, ou seja, a possibilidade dereconfiguração destas.

E como mencionado anteriormente, a neurociência tratadas relações entre mente- cérebro- consciência.

 A Educação representa a área do ensino e daaprendizagem, de modo  geral.

Para ensinar e aprender devemos considerar nossos recursos,nossa cognição. E para aprender contamos com estruturas físicas (cérebro),psicológicas (mente) e cognitivas (mente/cérebro). Ou ainda, contamoscom redes neurais e sua capacidade dinâmica de reconfiguração, que apartir da educação podem ser otimizadas e reorganizadas.

Mas quem é essa tal  Cog-ni-ção? É o link daquela tríade.Segundo a etimologia, esta palavra vem do latim -cognitio onis- ouseja, significa origem, aquisição de um conhecimento, percepção. É acapacidade para adquirir conhecimento.

Adquirimos conhecimento através do processo deaprendizagem.

Aprender fazendo, é o princípio que rege os primeiros anos,depois aprender  aprendendo, “aprender pensando”e “pensar  aprendendo”.

”Com a cabeça, o coração e as mãos”, assim deve ser oaprendizado ideal, segundo  Peslalozzi50, em 1746-1827 34 .

Hoje sabemos que ele tinha razão, o cérebro reúne trêsaspectos: o pensamento, o sentimento e a ação.

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E quando falamos de cognição não podemos deixar de falarde  Jean Piaget19 , que dentre várias contribuições preciosas, organizouo desenvovimento cognitivo em estágios:

*sensório motor;*pré-operatório;*operatório;*formal ou abstrato.Cada fase tem sua própria organização, esquemas e

aprendizado.Sendo assim, pensar e aprender ,  na neurociência  da

educação,  leva em conta a arquitetura estrutural do cérebro bem comoseus esquemas cognitivos e funcionais, a partir de um contexto detempo, maturação, desenvolvimento e interrelações.

 Cérebros célebres Como e quando o cérebro aprende? O cérebro aprende desde cedo, desde que é do tamanho

de uma “cabeça de alfinete ”17.O cérebro aprende através do exercçicio das habilidades,

das necessidades, da motivação, da curiosidade, do interesse, darepetição e das fases inerentes ao desenvolvimento neuro-cognitivo.

O cérebro aprende desde sempre.Nascemos com 100 bilhões de neurônios22.  Nosso cérebro,

ao nascermos, aumenta de tamanho radicalmente com a multiplicaçãodas células gliais, ou glia, para os íntimos.

A glia é a célula responsável pela comunicação,sobrevivência e aprendizado dos neurônios, dentre outras funções.

Os prolongamentos dos neurônios são chamados deaxônios, geralmente únicos, de um ou mais dentritos. O axônio veiculaos sinais de saída do neurônio22.

E é neste mesmo período que o número de sinapses, aregião de contato entre um axônio e outro neurônio, no cérebroaumenta enormemente.

Toda aprendizagem se dá através das sinapses17.Seis dias antes do nascimento, nosso cérebro assim como

uma torre de cartas, começa a desmoronar.É “um suicídio coletivo”,segundo Suzane Herculano-

Houzel17 . Há a morte celular programada, quando se acreditava quea eliminação acontecia por competição, mas estudos recentes mostramque é através do funcionamento.

Quem não funciona é eliminado, ou seja, “neurônios que secomunicam, não se trumbicam”, parodiando Chacrinha.

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Logo, aprendizagem é reorganizar, eliminar, construir eotimizar.

Uma outra preciosa informação é que nascem novosneurônios todos os dias!22

Por enquanto sabe-se que isso acontece no hipocampo eno bulbo olfatório. Se nascem  novos neurônios, aumentam mais aindaas chances de novos aprendizados, certo?

Uma das “leis de organização importantes do cérebro émanter e fortalecer o que é usado e deixar sumir o que não é”,segundo  Shors37. 

Podemos também chamar este processo de  lapidaçãocerebral.

Há, para uma exposição didática, três grandes fases destalapidação. A primeira acontece no nascimento, onde a “pedrabruta”recebe cortes. Quando bebê,  há uma diminuição significativade neurônios. Depois, quando temos por volta dos cinco anos, há umanova lapidação. E na adolescência, quando, por exemplo, nossa massacinzenta já chegou ao auge no lobo frontal e só tende a diminuir17. Noadulto a massa branca  também diminui, mas não na velocidade daoutra. A substância branca, neste período, por volta dos 14,15 anos  seexpande, correspondendo à mielinização das conecções. Só para elucidar,a mielinização é como se fosse uma capa de um fio. Com quarenta anosé que esta quantidade de reduz significativamente. Na opinião maisrecente da neurociência, o funcionamento adulto do córtex pré-frontaldepende de um refinamento das suas conecções, ou seja, da eliminaçãodos contatos excedentes. Logo, nós, adultos não precisamos nosdesesperar uma vez que sabemos que quantidade não é qualidade.

 As crianças aprendem mais e mais rápido? A base do aprendizado é a modificação do cérebro, ou seja,

das sinapses25.Na infância, ou seja, nas crianças, as moléculas que fazem

as alterações nas sinapses são outras cuja ação é mais rápida e mais fácil.Também estas possuem um número maior de sinapses

como uma pedra bruta que vai sendo esculpida.O processo deaprendizado é também a tarefa da eliminação das sinapses excedentes,ou seja, a “lapidação ”39.

Para entender e otimizar o aprendizado de modo geral, éessencial  que haja a estimulação das sinapses tão cedo e variável quantopossível.

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A multiplicidade dos estímulos exteriores determinam qualserá a complexidade das ligações entre as células nervosas e como elasse comunicarão.

O fluxo das informacoes que vêm dos sentidos e ainteração  dinâmica é constante com o meio e são o que determinarãocomo o cérebro irá se desenvolver, ou seja,  o que e como vamosaprender, quais talentos desenvolveremos.

Aí que entra o precioso papel da educação: a didática, ainformação e a formação. A educação propicia às crianças os estímulosintelectuais  de que o cérebro precisa para desenvolver suascapacidades, seus talentos3.

Mas devemos ter em mente o respeito às leis naturais dodesenvolvimento. Por exemplo: uma criança de 3 anos não temcondição de enfiar uma linha na agulha, do mesmo modo que estamesma criança não está pronta para ler e escrever. Não podemosesquecer que o desenvolvimento é um processo global e particular,onde o tempo é uma condição preciosa e inerente.

Este processo acontece de modo conjunto, como numareceita de bolo.

Os ingredientes vão se juntando numa determinada fase,procedimento e tempo. Senão, o bolo pode desandar...

 “Janelas e portas” de oportunidades Lembrando mais uma vez da metáfora da pedra esculpida,

todo processo de “lapidação” tem suas fases.Segundo Jean Piaget19, são 4 as fases do desenvolvimento

cognitivo (mencionadas anteriormente).Cada fase corresponde então a uma configuração da pedra

“lapidada”, ou seja, da arquitetura neuronal.Retomando o exemplo dado, uma bebê não consegue ler

do mesmo jeito que uma criança de 2 anos não consegue enfiar umalinha na agulha, pelo menos por enquanto...

Cabe aos educadores o papel de orientar  a relação entreconteúdo e continente, assessorar a relação entre o que está aquém oualém do desenvolvimento do aprendiz e promover uma relaçãoharmônica e desafiadora entre o objeto a ser apreendido e as habilidadescoletivas e individuais.

Creio que este é um papel também importante doseducadores, pontuar o que é inerente ao desenvolvimento da neuro-cognição infantil, uma vez que a ansiedade e exigências da

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modernidade nos faz confundir e atropelar a natureza dodesenvolvimento da criança e do adolescente.

Seguem alguns estudos que colaboram com a Educação. Aprendemos:• 70% do que discutimos,• 80% do que experimentamos,• 95% do que ensinamos para outra pessoa.

                Fonte: Glasser47

Numa turma escolar comum:• 46% são aprendizes visuais,• 35% aprendizes cinestésicos,• 19% aprendizes auditivos. Fonte:  Souza44

Estes são alguns dos dados de pesquisas cognitivas queauxiliam o processo de ensino-aprendizagem.

Do mesmo modo que, segundo pesquisas da neurociência,por exemplo, o córtex pré frontal- aquela parte do cérebro que organizanossas ações, elabora estratégias e direciona respostas impulsivas docérebro— ainda é imaturo nas crianças. O que não significa que umacriança não desenvolva o controle de impulsos, ou aperfeiçoa acapacidade atencional, as habilidades de planejar e relacionar-funçõestípicas do córtex pré-frontal. Logo, qualquer aula que requerorganização é preciso  ser iniciada pelo be-a-ba: escolher a respostacerta para cada estímulo, e de maneira simples17.

Uma coisa são as possibilidades outra são os pré-requisitos!E felizmente não existem receitas de aprendizagem ou“ensinagem”, mas um processo contínuo de informação, formação,desenvolvimento de habilidades, potenciais e possibilidades.

 As janelas individuais Como seres ontogenéticos, podemos pensar de forma

coletiva, porém também temos nossas particularidades que faz comque cada um seja indivíduo, único!

Retomando  Piaget, o período operatório, por exemplo,configura-se entre 7 e 11 anos, uma faixa larga para não relevarmosdiferenças, não é mesmo? Quantas vezes numa mesma classe não notamosuma criança com facilidade para interpretar, perceber e sentir as notasmusicais ao mesmo tempo que seu colega mostra uma preferência efacilidade para interpretar movimentos, ritmos e cordenar o corpo?

 Portanto é importante permitir, propiciar que as criancastambém aprendam de acordo com seus dons e talentos individuais.

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Podemos facilmente observar em uma mesma turmaescolar crianças mais sensíveis à estética, outras à música, outras aosesportes, etc.. Howard Gardner 14, com a teoria das InteligênciasMúltiplas, descreve muito bem o rol de possibilidades intelectuais decada indidivíduo.

Sendo assim é bastante importante que estas e outrascaracterísticas sejam levadas em conta para o melhor aproveitamentode um aprendiz.

Abaixo seguem algumas características que ajudam aidentificar o  potencial  individual nas seguintes áreas:

 INTELECTUAL- facilidade para lidar com abstrações, lembrar informações e perceber

relações de causa e efeito;- vocabulário avançado para a idade ou série;- grande bagagem de informações sobre um ou vários tópicos;- habilidade de fazer observações perspicazes e sutis, de transferir

aprendizagens de uma situação para outra e de fazer generalizações.

CRIATIVIDADE- senso de humor e pensamento imaginativo;- atitude não conformista e disposição para correr riscos;- habilidade de adaptar, melhorar ou modificar objetos ou idéias e de

produzir respostas incomuns, únicas ou inteligentes;- tendência para ver humor em situações que não parecem

humorísticas para os outros;- habilidade de gerar um grande número de idéias ou soluções para

problemas ou questões. MOTIVAÇÃO- persistência para atingir um objetivo;- interesse constante por certos tópicos ou problemas e obstinação em

procurar informações sobre eles;- comportamento que requer pouca orientação dos professores;- habilidade de se concentrar em tópico por muito tempo;- preferência por situações nas quais possa ter responsabilidade pessoal

sobre o produto de seus esforços. LIDERANÇA- tendência a ser respeitado pelos colegas e autoconfiança quando

interage com eles;

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- comportamento cooperativo, habilidade de articular idéias e de secomunicar bem com os outros;

- tendência a dirigir as atividades quando está envolvido com outraspessoas;

- comportamento responsável. Fonte: Conselho Brasileiro para Superdotação45

 Natureza e Ambiente As áreas neurocognitivas para a leitura envolvem as regiões

temporal basal (occiptotemporal), temporoparietal e frontal inferior,de um modo mais predominante no hemisfério esquerdo43. A naturezapromove recursos neurológicos estruturais para a aprendizagem.

Já as pré- condições cognitivas são dadas pela genética, soba forma de potencial.

O desenvovimento ou não dos talentos depende do seuambiente, da estimulação. Tal potencial  se desenvolve  através daaprendizagem.

Portanto, é importantíssimo que os professores, pais,educadores descubram o que a criança domina melhor, seus talentos,o que lhe é fácil, interessante, prazeroso, o que dá prazer e alegria.Essa sim é uma receita infalível!

Lembro mais uma vez aqui do  Johann Comenius , um dosfundadores da didática, século XVII, “tudo que dá prazer a memóriaauxilia”. Podemos também falar de um outro modo mais contemporâneo,ou seja, tudo que é interessante, fácil, desafiador e exitante aumenta eestimula a quantidade de serotonina, dopamina (neurotransmissores) emnosso cérebro, nos propiciando uma sensação de prazer.

Um ambiente dotado de colorido emocional e estímulosde prazer, sem dúvida, é mais efetivo e eficaz.

  Plasticidade: caminhos e atalhos de possibilidades Costumo criar a imagem de um caleidoscópio para

compreender um pouco mais o cérebro, que está em constantetransformação.

O cérebro se transforma com uma orientação natural, maso desenvolvimento normal  se altera também diante a obstáculos nestedesenvolvimento.

Assim como numa high way, se estiver interditada,podemos pegar um atalho ,ou ainda, se uma ponte se rompeconstruímos outra, diferente, mas que possa ligar pontos.

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A plasticidade neuronal é fato, é ciência. É o fenômenoinerente ao cérebro, quando este está em constante reorganização parase desenvolver e compensar possíveis desvios e deficiências.”Nosúltimos 5 anos neurocientístas têm descoberto que o cérebro semodifica durante a vida”, de acordo com Gage 13.  

Este fenômeno se configura no advento da neurocognição,da neuropsicologia, da “neuropsicopedagogia”ou “neuropsico-educação”.

Através do aprendizado podemos construir novas pontes,atalhos e assim reconfigurar nosso cérebro.

Conforme  informações de diversos neurocientistas comoNelson Anunciato e cols49, “a plasticidade neural é a propriedade dosistema nervoso que permite o desenvolvimento de alteraçõesestruturais em resposta à experiência, e como adaptação a condiçõesmutantes e a estímulos repetidos”.

 Cada experiência vivenciada estimula o processo deplasticidade neuronal em diferentes espécies, que vão desdeinvertebrados aos humanos.

A plasticidade é melhor compreendida através doconhecimento morfológico-estrutural do neurônio, da natureza dassuas conexões sinápticas e da organização das áreas associativascerebrais.

Sendo assim, a “aprendizagem pode levar à alteraçõesestruturais no cérebro”, segundo Kandel20 .

A cada nova experiência do indivíduo, portanto, redes deneurônios são rearranjadas, outras tantas sinapses são reforçadas emúltiplas possibilidades de respostas ao ambiente tornam-se possíveis.

 Portanto, “o mapa cortical de um adulto está sujeito aconstantes modificações com base no uso ou na atividade de seuscaminhos sensoriais periféricos”, ainda de acordo com Kandel20.

Esta sim é uma notícia de primeira página, onde o trabalhodo educador ganha novas fronteiras e ao mesmo tempo, novos desafios.

O que antes era experimentado pelo educador, hoje ganharespaldo da neurociência, podendo assim alargar ambos os campospara um fim maior: a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos eda humanidade.

 A Escrita das “Leituras” O que significa “ler”? Esta é uma pergunta que nós

educadores devemos sempre nos fazer.

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Ler intenções, desejos. Ler símbolos e signos. Ler palavrase textos. Ler por ler, ler para saber, ler para ser. Ler para desenvolvermaiores e melhores rotas cerebrais, ler para fortalecer sinapses.

Buscando novamente a origem...LER: (Lat. legere)    a) Conhecer, interpretar por meio da leitura;    b) Conhecer as letras do alfabeto e saber juntá-las em palavras;    c) Pronunciar ou recitar em voz alta o que está escrito;    d) Estudar, vendo o que está escrito;    e) Decifrar ou interpretar bem o sentido de ler.CONHECIMENTO:

a) ato ou efeito de conhecer.b) Informação ou noção adquirida pelo estudo, experiência.

 Fonte: Dicionário Michaelis46

 Algumas considerações sobre a alfabetização

“O propósito da alfabetização é ajudar as crianças acompreenderem o que lêem e a desenvolver estratégias para continuara ler com autonomia. Da mesma forma, o propósito de escrever écomunicar, de modo que um leitor, situado remotamente no tempo eno espaço, possa compreender o propósito e o sentido do que foiescrito”, conforme apontam os estudos da Comissão de Educação eCultura48, que concluíram, como um fato científico, bem estabelecido,que aprender a ler requer:  - Compreender o princípio alfabético.- Aprender as correspondências entre grafemas e fonemas.- Segmentar

seqüências ortográficas de palavras escritas em grafemas.- Segmentar seqüências fonológicas de palavras faladas em fonemas- Usar regras de correspondência  grafema-  fonema para decodificar

informações. O educador, no papel de professor, precisa estar atento a

cada um de seus alunos, ensinando a cooperação com o colega, numambiente com oportunidade para todos, cada um a seu jeito, semespaço para fracasso, porque o erro, antes de ser um sentença final, éo inicio de uma solução.

“A adaptação da criança diante de problemas de leitura e escritatambém dependerá de outros fatores, como motivação, relações afetivas,habilidades intelectuais gerais, idade e condições sociais” (Capovilla4).

E é por isso a necessidade de ampliarmos nossacompreensão sobre a leitura, para de fato entendermos as disfunçõese dificuldades cognitivas.

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Segundo Frith10, a leitura e escrita são habilidadescognitivas que se desenvolvem através de um processo interativo queocorre em três fases distintas:- Fase logográfica: tratadas com um todo (pré- silábica, pré-alfabética– hemisfério direito.)- Fase alfabética: requer consciência fonológica, correspondência,grafema/ fonema (principalmente hemisfério esquerdo).- Fase ortográfica: analítica, compreensão de leitura de palavras seguerota lexical sem necessidade de segmentação das sílabas (hemisférioesquerdo).  

Já a linguagem, morada das habilidades citadasanteriormente, não é uma função estanque, dependendo assim deoutros tipos de função tais como audição, visão, atenção, memória e afunção motora, necessária para produzir os sons, que se configuramem palavras, são agrupadas em frases e assim por diante33. Assim nosprocessos de Linguagem podemos considerar:1.Fonética- constitui o processo que governa a produção e percepção

dos sons falados.2. Fonologia- conjunto de regras especificamente da linguagem, através

das quais os sons são representados e manipulados, formando aspalavras.

3 Semântica- permite atribuir um significado às palavras ou nomes.4. Sintaxe - permite utilizar as palavras, a partir de uma estrutura.

Todas estas informações que são construídas a partir dainterface entre as áreas da lingüística, didática, semiologia, semântica,fonética, dentre outras se reconfiguram com a neurociência para melhornos oferecer compreensão e instrumentos de avaliação e habilitação.A questão que se coloca é transmitir o conhecimento necessário aosaprendizes/alunos de um modo que corresponda ao funcionamentocerebral. “Mas isso só será possível quando professores e educadorescompreenderem como transcorrem os processos de aprendizado doponto de vista neurobiológico” segundo  Friedrich & Preiss15.

 Algumas considerações sobre aprendizagem Existem fatores estruturais e funcionais no processo de

aprendizagem.Não discorrerei aqui a respeito dos fatores estruturais por

não pertencer ao meu domínio de conhecimento. Porém, são váriosos aspectos funcionais:

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Atenção, Memória, Linguagem, Executivo Central eInteligência. Também é importante relevar as várias compreensões arespeito das Inteligências14.  São vários os tipos de memória, cujo processoenvolve diferentes etapas, como a recepção da informação, suacodificação, armazenamento e recuperação, que seria a recolha eevocação dos dados armazenados. Há também uma memória sensorial,imediata, em que nos chegam informações através dos órgãos dossentidos e se pode converter em memória de trabalho. Os lobos frontais,principalmente o pré-frontal, e o córtex parietal têm importânciasignificativa nestes processos. Há  a memória de longo prazo, que podeser explícita ou declarativa (Ex: Bagdá é a capital do Iraque) ou implícita-procedimental (Ex: andar de bicicleta ou nadar). Por sua vez a memóriadeclarativa se divide em memória episódica (Ex: fatos relacionados coma nossa vida passada) e ou semântica (Ex: conjunto de conhecimentosrelacionados com o significado das palavras, objetos, etc.)33.

Os processos cognitivos básicos para a aprendizagem daleitura são: a linguagem, a compreensão oral e auditiva, a memória detrabalho, e processos superiores, tais como, o monitoramento dacompreensão, a integração textual e outras habilidades dametacognição relacionadas com a compreensão33.

São vários também os aspectos cognitivo-emocionais queinfluenciam diretamente na capacidade de aprender:

•Motivação                                                      •Interesse                                                         •Auto-estima                                                 •Autoconhecimento                                                        •Imaginação•Criatividade

Quanto aos aspectos neuropsicopedagógicos, um bomcomeço é se perguntar, diante o processo de ensino aprendizagem,quem é que aprende e quem é que ensina.

São dois universos, que se interrelacionam intimamente econstantemente no qual o objeto de aprendizagem pode ser vistocomo conseqüência de um processo dialético.

Quem aprende, o que aprende, por que aprende e comoaprende se relacionam de um modo  particular com quem ensina, o queensina, como ensina, por que e pra que ensina. Uma relação que se mostratão peculiar e rica que poderíamos chamá-la de maternagem educativa.

É uma relação de troca, onde não se perde a identidadedos pólos, mas se soma e interage principalmente se relevar o ambientecultural, emocional, e institucional no qual se vive.

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 Algumas recomendações sobre o aprendizado da leitura São as seguintes as recomendações da Carnegie Foundation

para melhorar a compreensão leitora de acordo com Fletcher 8.1. Fornecer instrução explícita nas estratégias e nos processos que

sustentam a compreensão.2. Ensinar compreensão nas áreas disciplinares.3. Motivar a aprendizagem auto-dirigida dos estudantes para ler e

para escrever.4. Usar aprendizagem cooperativa com textos variados.5. Aplicar intervenção em grupos pequenos para alunos que

apresentem dificuldades com a compreensão da leitura, com aescrita e com áreas disciplinares.

6. Usar textos diversos com níveis de dificuldade e temas variados.7. Usar bastante escrita em todas as áreas temáticas.8. Desenvolver tecnologias como ferramentas de instrução.9. Apresentar avaliações do progresso dos alunos e da eficiência do

programa.10. Propiciar tempo extra para o letramento. No ensino médio são

necessárias de 2 a 4 horas de instrução.11. Proporcionar capacitação profissional contínua em letramento.12. Avaliar os resultados dos alunos e do programa.13. Formar equipes de professores entre áreas disciplinares que se

reúnam regularmente.14. Proporcionar liderança de professores e de diretores que entendam

a instrução em leitura.15. Os distritos escolares devem ter um plano amplo de toda a

escolaridade, que seja interdisciplinar, interdepartamental, intersériee coordenado com recursos externos e a comunidade.

 Sabemos que é difícil encontrarmos todas estas atitudes

dentro de uma escola, por exemplo. Sabemos também que muito dodesempenho do aluno depende do mediador e nem tanto dos recursosmateriais. Porém, é importante que a informação, o afeto e as condiçõesmínimas de trabalho sejam oferecidos.

“A vida educa, mas a vida não é uma questão de palavras,e sim de ação”,  palavras de Johann H. Pestalozzi 50.

 A prevenção dos transtornos de aprendizagem da leitura  Os programas de prevenção geralmente envolvem

avaliações para identificar a aquisição de habilidades básicas, no que

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diz respeito principalmente, ao reconhecimento de palavras, fluência,registro, vocabulário e compreensão. Os estudos para avaliar acapacidade de determinadas abordagens para prevenir os transtornosda leitura aumentaram nos últimos anos9. Alguns programas eestratégias foram criados, tais como: instrução direta6, estudo dasintervenções de sala de aula da Universidade do Texas-Houston eestratégias de aprendizagem com auxílio dos colegas, PALS -Peer-assisted Learning Strategies)8. Estudos sobre tutoria também têm sidodesenvolvidos40.

Os programas de prevenção se complementam muito comos processos de avaliação, uma vez que é preventiva a atitude deconhecer e reconhecer as habilidades cognitivas dos alunos. Avaliaçõesdevem incluir um rol de atividades, dentre elas as testagens, exercícios,auto-avaliações, provas e outros. Não discorrerei sobre este assunto,pois precisaria de um capítulo a parte para fazê-lo.  Porém, oimportante aqui é apontar para a diversidade de estilos cognitivos emultiplicidade das possibilidades de aprendizagem relevando umprojeto consciente e qualitativo de avaliação e prognóstico dos aspectosenvolvidos.

 Considerações finais “Uma das mais significativas descobertas das neurociências

é que a diversidade cultural do ambiente provoca mudanças nocérebro. Novas sinapses são adicionadas e ampliadas em resposta aexperiências e a aprendizagem”, segundo  Silvia Helena Cardoso,psicobióloga com pós doutorado pela Universidade da Califónia 51. 

Ler a diversidade, ler novas formas de se trabalhar com aleitura, como por exemplo, a  neuropsicoeducação, é que nos faz chegarmais próximo da finalidade de educar com consciência esapiência.  Afinal, entre a ciência e a sapiência1 é que mora um mar depossibilidades.

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Capítulo 12Neurociência na Educação II

Kátia A. Kühn Chedid

Nas últimas três décadas estamos discutindo vários aspectosrelacionados com o cérebro e seu funcionamento, estes assuntos estãona pauta do pensamento dos homens desde os primórdios de nossaexistência, mas neste momento de nossa civilização temos disponíveisferramentas de pesquisas eficazes que vieram facilitar a compreensãosobre a mente e o cérebro.

Atualmente, entramos em contato com inúmeras pesquisassobre os processos de aprendizagem, de pensamento, de memorização,etc. As consequências destas pesquisas parecem óbvias, mas aindadependem do conhecimento e da sistematização destes novos estudoscientíficos para que possamos delinear uma nova teoria daaprendizagem baseada nestes conhecimentos.

Esta nova teoria pode oferecer abordagens diferentes emrelação a avaliação, currículo, ensino, aprendizagem e estratégias aserem utilizadas em sala de aula, pode também resgatar algumasestratégias encontradas nas escolas atuais, quem sabe remodelando,quem sabe explicando o porquê de seu sucesso no aprendizado dosalunos. As pesquisas multidisciplinares trazem inúmeras contribuiçõesde outras áreas para a prática pedagógica, antes deste movimentoiniciado ha algumas décadas os educadores nem levavam em contaas pesquisas, pois elas pareciam desvinculadas da realidade da sala deaula e não traziam contribuição a nossa prática, hoje percebemos queos pesquisadores se preocupam em aplicar suas teorias e observar ainfluência desta aplicação, com um trabalho mais próximo ao professor,a sua prática e a sala de aula e aos alunos.

Tomemos como exemplo o foco do ensino que era oaprendizado da leitura, escrita e das operações matemáticas, mas como advento destas pesquisas este foco continua sendo a aquisição destashabilidades, visando agora “a compreensão do significado, da

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importância e da aplicação do que foi estudado”, mostrandoperspectivas diferentes como a leitura crítica, a literacia, a resoluçãode problemas, a capacidade de expressão clara das idéias, etc.Compreender não é só conhecer ou adquirir a habilidade, é a“capacidade de pensar e agir de maneira flexível1” com seuconhecimento e habilidade, usando-o de maneira inovadora e isto agoraparece óbvio para todos os educadores.

As Neurociências também nos forneceram provas de quea prendizagem modifica a estrutura física do cérebro e também, porconsequência sua organização funcional, o que para nós educadores éuma prova de como o conhecimento pode influenciar na vida de umindíviduo e na maneira como ele vai tomar sua decisões,interagir comseu ambiente e compreender a realidade que o cerca.

Os ambientes educacionais não devem ter mais comoobjetivo a seleção de talentos, mas sim o desenvolvimento destes talentos!Para que isto aconteça os alunos ainda precisam da memória e doentendimento, do conteúdo em si, do conhecimento sobre o assunto,que é de fundamental importância, mas precisam ir além e tornar esteconhecimento utilizável, usando o que foi aprendido para solucionarnovos problemas e não só saber o conteúdo de forma desconexa.Quandoo professor entra na sala de aulas com seus planos, seu conteúdo,sualição, ele tem como objetivo o entendimento, a recordação eprincipalmente quer que aquilo seja útil na vida de seus alunos.

As Neurociências tem iniciado uma mudança depensamento acerca da prática e da teoria da aprendizagem, estãoiniciando um entendimento mais amplo sobre a memória, o sono, aestrutura do conhecimento, o raciocínio, a resolução de problemas,ametacognição,o pensamento simbólico, a modelaçãocomputacional,etc. Este conjunto de assuntos relativos a cognição e aaprendizagem estão começando a contribuir para avanços nosprocedimentos e metodologias de pesquisa, além de modificar asconcepções teóricas existentes sobre os alunos, a aprendizagem, oprofessor e o ensino.

Algumas pesquisas já foram incorporadas a práticapedagógica,hoje não podemos mais ignorar, por exemplo, oconhecimento preexistente de nossos alunos.Nem sempre esteconhecimento da realidade é correto e devemos conhecer a forma deentendimento do mundo que este aluno traz para sala de aula parapoder modificá-lo ou contribuir para seu desenvolvimento. Estesconhecimentos prévios sempre formam a base para a construção deum novo conhecimento, por vezes eles devem ser integrados a novos

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conceitos e informações e por vezes, devem ser corrigidos: “nasCiências, os estudantes muitas vezes possuem concepções incorretasacerca das propriedades físicas, que não podem ser facilmenteobservadas. Nas Ciências Humanas, suas idéias preconcebidasfrequentemente incluem estereótipos ou simplificações, como porexemplo, entender História como uma luta entre mocinhos ebandidos1.” O ensino deve portanto, proporcionar oportunidades paraque o aluno elabore ou conteste sua visão inicial sobre o assunto.

Bom, sabemos então que, para o desenvolvimento denossos alunos eles devem ter uma base sólida de conhecimento,entender fatos e idéias relacionados a este conhecimento e organizareste conhecimento, selecionando e lembrando de informaçõesrelevantes, para aplicá-lo e recuperá-lo quando isto se fizer necessário.

As pesquisas recentes trazem consequências imediataspara a prática dos professores, tais como: a compreensão e o trabalhocom o conteúdo preexistente, o ensino em profundidade, “fornecendoexemplos em que o mesmo conceito está em ação e proporcionandouma base sólida de conhecimento factual2” e o ensino de habilidadesmetacognitivas integradas no currículo. Isso exigirá que: algunsmodelos sejam substituídos; o papel da avaliação seja expandido,revelando o entendimento; a quantidade de tópicos trabalhados sejareavaliada para que os principais conceitos de cada disciplina sejamentendidos; os professores desenvolvam ferramentas pedagógicaseficientes, desenvolvendo não só a competência na matéria a ser dada,mas a competência no ensino e também que os professores possamenfatizar o processo de metacognição, integrando a instruçãometacognitiva com a aprendizagem baseada na disciplina,desenvolvendo estratégias metacognitivas e a aprendizagem dessasestratégias em sala de aula.

Talvez as questões levantadas sobre qual a estratégia“correta” a ser utilizada em sala de aula, desviem os professores desua meta que deveria ser: como meu aluno aprende. Não existenenhuma prática de ensino que possa ser considerada a melhor. Usarsó ferramentas eletrônicas não surtirá o efeito de sejado depois dasprimeiras aulas, o professor deve servir-se de uma gama enorme deestratégias de ensino e selecioná-las, por assunto, série e pelo resultadoque ele queira alcançar. Estas possibilidades farão com que cadaprofessor elabore um programa adequado ao seu aluno e não “umcaos de alternativas concorrentes3”.

O professor não precisa escolher uma coisa ou outra, podeutilizar todas as estratégias de acordo com sua classe e seu objetivos,

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pode mesclar aulas expositivas, com exercícios práticos, com projetos ecom a utilização de ferramentas eletrônicas. Não é mais necessário optarpor uma estratégia como sendo a única que sutirá efeito, como tambémnão é preciso escolher entre o ensinar a pensar e resolver problemas e oensino de conteúdo. “Na realidade, a capacidade dos estudantes deadquirir conjuntos organizados de fatos e habilidades aumenta quandoestes estão relacionados a atividades significativas de solução deproblemas e quando os alunos são ajudados a entender por que, quandoe como esses fatos e essas habilidades são relevantes. Além disso, astentativas de ensinar habilidades de raciocínio sem uma base sólida deconhecimento factual não favorecem a capacidade de resolverproblemas, nem sustentam a transferência para novas situações4.”

Pesquisas recentes também versam sobre como projetarambientes de sala de aula e observam quatro princípios fundamentaisa serem cultivados nestes ambientes:

1.As salas de aula e escolas devem ser centradas no aluno,por exemplo levando em conta as teorias dos estudantes a respeito doque significa ser inteligente e sabendo que isto pode afetar seudesempenho.

2.Deve-se prestar atenção ao que é ensinado, por que éensinado e como se revela a competência ou habilidade no que foiensinado. “A competência envolve o conhecimento bem organizadoque sustenta a compreensão,e aprender entendendo é importantepara o desenvolvimento da competência, pois facilita a novaaprendizagem (isto é, apóia a transferência)1.”

3.Saber que a avaliação é essencial, principalmente aformativa, que permite que o professor compreenda o conhecimentoprévio do aluno, perceba como levar o aluno do raciocínio informalpara o formal e planeje a instrução de acordo com seu objetivo.

4.Não negligenciar o fato de que existem diversasoportunidades de aprendizagem em cenários diferentes da escola emontar uma parceria com os pais e a comunidade que cerca o aluno.Desde o nosso nascimento o cérebro recolhe informações e aprende comseu meio ambiente, atualmente usando tecnologias modernas ospesquisadores podem exibir as diferenças no metabolismo celular docérebro que ocorrem em resposta aos diferentes tipos de trabalho cerebral.

Jean Piaget disse “Se nós apenas soubéssemos o que estáacontecendo na mente de um bebê enquanto o observamos em ação, nós,certamente, entenderíamos tudo o que há sobre psicologia” e é o quecomeçamos a fazer hoje com a tomografia funcional e outros tipos detecnologias.

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Os neurocientistas estão convencidos que a base doaprendizado é fortalecer as novas conexões, estabilizando-as, e criandoassim novas associações, para que isto aconteça temos que conhecernão só como o cérebro aprende, mas também a influência do sonosobre o aprendizado, a plasticidade cerebral, o trabalho dos neurônios-espelho, a maturação do córtex, a poda neuronal, as células gliais esuas funções, o uso do humor, as emoções, a imaginação, a memória,a atenção, a repetição e tantos outros aspectos relacionados ao cérebroe a aprendizagem.

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