Nas Tramas Da Cultura Financeira

260
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO NAS TRAMAS DA CULTURA FINANCEIRA Doutorando: Diego Araujo Azzi n. USP: 3126232 Orientadora da Tese: Maria Célia Pinheiro Machado Paoli São Paulo, 2013

description

Nas Tramas Da Cultura Financeira

Transcript of Nas Tramas Da Cultura Financeira

Page 1: Nas Tramas Da Cultura Financeira

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

NAS TRAMAS DA CULTURA

FINANCEIRA

Doutorando: Diego Araujo Azzi

n. USP: 3126232

Orientadora da Tese: Maria Célia Pinheiro Machado Paoli

São Paulo, 2013

Page 2: Nas Tramas Da Cultura Financeira

2

NAS TRAMAS DA CULTURA FINANCEIRA

SUMÁRIO

Agradecimentos............................................................................................................................5

Resumo | Abstract..........................................................................................................................6

Apresentação.................................................................................................................................7

CAPÍTULO I – Grandes transformações da cultura econômica

1. O valor social do dever e o valor monetário da dívida.....................................................16

1.1 A autonomização dos produtos da cultura......................................................................24

1.2 Centralidade do indivíduo e disseminação dos riscos....................................................26

CAPÍTULO II – A emergência da oîkonomia individual

2. Individualização e estilo de vida........................................................................................34

2.1 Generalização financeira e mercantilização do risco.......................................................41

2.2 Vivendo numa economia política da incerteza................................................................47

CAPÍTULO III – Fiat Pecuniam!

3. Uma nova configuração de poder.....................................................................................52

3.1 A dívida brasileira no salto rumo à financeirização.......................................................61

3.2 Hegemonia neoliberal e a gestão das desigualdades......................................................78

CAPÍTULO IV– Dívida, uma forma de dominação política

4. Espaço dos movimentos sociais, repertório de ação e o campo financeiro.......................91

4.1 Jubileu: raízes teológicas de um movimento internacional contra a dominação

financeira..............................................................................................................................101

Page 3: Nas Tramas Da Cultura Financeira

3

4.2 Processo de organização, conflito interno e construção de identidade..........................105

CAPÍTULO V – Contestação social da dívida no Brasil

5. Jubileu Brasil e a luta contra a dívida “inexistente”…………….....................................134

5.1 A frustrada experiência da CPI da dívida no Brasil........................................................151

5.2 Experiências distintas sobre a dívida na América Latina: Brasil e

Equador.................................................................................................................................157

CAPÍTULO VI – Considerações Finais

6. Discrepância financeira e a fragilização da democracia hoje.......................................167

6.1 O movimento oculto e a zona proibida.........................................................................182

Bibliografia................................................................................................................................188

Anexos........................................................................................................................ ................209

Entrevistas transcritas.............................................................................................................211

Page 4: Nas Tramas Da Cultura Financeira

4

Page 5: Nas Tramas Da Cultura Financeira

5

Agradecimentos

...E não é que quando nos damos conta já se passaram mais de quatro anos desde o

início do Doutorado! É bastante tempo e nesse período foram muitas as pessoas que ajudaram a

construir esta Tese, para as quais eu só posso dizer sinceramente: muito obrigado. Correndo um

sério risco de deixar gente importante de fora por puro esquecimento, gostaria de agradecer

particularmente:

Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP, pela atenção e

auxílio sempre fundamentais e sem os quais nada funciona.

À CAPES, que me concedeu a Bolsa de estudos no exterior, uma experiência intelectual e

humana inesquecível.

À professora Isabelle Sommier (CESSP-CPRS, Sorbonne Paris I) que me recebeu na França e

abriu caminhos sociológicos até então inexplorados, que me fizeram conhecer outras formas de

observar os mesmos objetos sociais.

Aos colegas do GELS (Groupe d’Études Latino-américains de la Sorbonne), pelos debates,

ideias, sugestões à pesquisa, e por lerem com muito boa vontade um artigo prévio desta tese

escrito em francês de qualidade duvidosa. Aqui, um agradecimento especial a Michael Barbut,

pelas generosas revisões.

A Christophe Aguiton, pela ‘amitié camarade’ que me ajudou a chegar à Sorbonne e pelo

instigante curso sobre novas tecnologias e mobilização social.

A Rafael Freire e a João Felício, chefes compreensivos que em diferentes momentos durante os

últimos quatro anos, me permitiram a flexibilidade necessária para conciliar trabalho e

pesquisa.

À Rosilene Wansetto, pela confiança com que me facilitou acesso ao Jubileu Sul Brasil.

A Sylvain Barré e Giovana Pastore; Ana Flávia e Sofiane Faci e todos os amigos queridos que

a bolsa-sanduíche em Paris trouxe para ficar.

Ao querido Bilé, que na minha ausência cuidou de minha mãe como se fosse a dele.

À Ju e ao Dani, à Claudia e à Fe, que durante o período de vida em Paris cuidaram da Fulô e

da Pança como se fosse deles.

À minha mãe, leitora e revisora, sem a qual nada disso teria sido possível.

À Jo, meu amor, que embarcou nessa aventura ainda nos tempos de mestrado e que faz tudo

ficar mais fácil, e mais bonito.

À Maria Célia, que mesmo em meio a dificuldades, nunca deixou de abrir a porta, os braços e

me receber para conversas sempre inspiradoras.

E, por fim, a todos os amigos que entenderam que às vezes era melhor não perguntar nada

sobre o andamento da pesquisa!

Page 6: Nas Tramas Da Cultura Financeira

6

Resumo

Esta tese apresenta uma interpretação sociológica de alguns aspectos das relações entre

economia e sociedade hoje. Baseando-se tanto em referências clássicas quanto em

contemporâneas, o texto trata das evoluções recentes da cultura financeira e aponta sua

crescente discrepância, com consequências sobre o exercício da democracia. Neste

contexto, a dinâmica conflitiva entre campo econômico e espaço dos movimentos

sociais é abordada tendo como estudo de caso a rede internacional Jubileu de luta contra

a dívida, com atenção particular ao seu capítulo brasileiro.

Palavras-chave: Política; Neoliberalismo; Dívida; Movimentos Sociais; Democracia.

Abstract

This work presents a sociological interpretation about some aspects of the relations

amongst the economy and society in the present days. Based on both classical and

contemporary literature, the text analyses recent evolutions in the financial culture,

pointing out to its increasing discrepancy, with consequences over the exercise of

democracy. In this context, the dynamic conflict amongst the economic field and the

social movements’ space is approached, having the Jubilee network against debt as a

case study, with focus on its Brazilian chapter.

Key-words: Politics; Neoliberalism; Debt; Social Movements; Democracy.

Page 7: Nas Tramas Da Cultura Financeira

7

Apresentação

A reflexão que segue nestas páginas é o resultado de um sinuoso processo de

pesquisa. Sinuoso porque de fato percorreu muitas curvas e alguns desvios de rota. As

grandes retas da certeza foram poucas, mas, olhando para trás, creio que abriram boas

pistas. Duas questões são fundamentais para a trajetória sinuosa da pesquisa: a primeira

é que o próprio tema inicialmente proposto era outro, direcionado ao estudo das

interações contemporâneas entre sindicatos e mercado financeiro através de fundos de

pensão. Ao tomar a decisão de mudar o recorte, já um ano e meio de percurso

caminhado, muito de tempo e acúmulo de pesquisa inevitavelmente se perdeu.

A segunda questão que contribui com esse percurso impreciso deriva da própria

natureza do objeto: ao escolher pesquisar o capitalismo financeiro contemporâneo, me

coloquei na difícil posição de analista do tempo presente, o que, nos últimos anos,

significou uma avalanche de acontecimentos e informações importantes para esta

pesquisa.

Sempre soube que o que me interessava era em linhas gerais a relação entre

economia e sociedade, mais particularmente a relação entre política e esfera financeira

hoje. Essa relação, pela sua complexidade e importância, pode ser abordada a partir de

vários recortes: seja sobre a atuação governamental; a estrutura do direito que

(des)regula as finanças; as instituições financeiras globais; o sistema bancário; enfim,

uma pluralidade de ângulos possíveis, cada um com sua legitimidade epistemológica

particular.

Page 8: Nas Tramas Da Cultura Financeira

8

Dentre esta multiplicidade de recortes possíveis, optei então por explorar o

universo das finanças através do ângulo da contestação social. Inicialmente, a ideia era

verificar as possibilidades de subversão da lógica financeira pelos sindicatos, através de

uma atuação “progressista” nos fundos de pensão, que, na literatura sobre o tema, é

chamada de “ativismo acionista”. O principal motivo da mudança de rumo foi – como já

comentado no Relatório de Qualificação –, a divulgação de outras pesquisas (que

resultaram em livros amplamente celebrados) bastante semelhantes e exaustivas sobre o

tema.

No íntimo da minha reflexão, percebi também que a minha hipótese original de

uma política virtuosa dos sindicatos por dentro das finanças não seria confirmada no

Brasil, limitando-se a algumas exemplares experiências nos EUA e Europa do Norte –

ainda assim, no período pré-crise de 2008.

O que se pode extrair da literatura hoje existente sobre o tema é que a inserção

dos trabalhadores na lógica do capitalismo acionário (substituição de direitos por

participação na renda financeira) de fato atualmente prevalece sobre a minha hipótese

do ativismo acionista (politização das finanças utilizando de forma alternativa seus

próprios mecanismos financeiros, como os fundos de pensão).

Quando decidi por uma mudança de rumo na pesquisa, optei por permanecer no

mesmo grande campo de estudo, ou seja, as relações entre política e esfera financeira.

Este tema perpassa a tese do início ao fim, aparecendo com mais ênfase e detalhe nos

capítulos I, II e III. Mantive também a opção pela abordagem a partir de um ângulo que

privilegiasse a contestação social das finanças, com um enfoque sobre movimentos

sociais que marca, sobretudo, os capítulos IV e V.

Page 9: Nas Tramas Da Cultura Financeira

9

Cheguei a pensar em analisar a atuação de movimentos sociais pela taxação das

transações financeiras, como a ATTAC, mas logo de cara me deparei com um campo de

debate acadêmico e militante já bastante saturado, o que, somado ao fato de que no

Brasil esta rede praticamente deixou de existir, me desmotivaram a seguir nessa direção.

Incorporei na presente discussão, no entanto, algo da vasta bibliografia sobre as finanças

produzida por esta rede e, durante a estadia na França1, entrevistei militantes históricos

como Christophe Aguiton e Gustave Massiah.

Recordando um pouco do que eu havia pesquisado e vivenciado durante o

Mestrado, quando estudei a emergência, apogeu e declínio dos chamados movimentos

antiglobalização, tive então a ideia de pesquisar outra rede social de contestação das

finanças, chamada Jubileu, e que tem presença ativa no Brasil hoje.

O movimento Jubileu aborda a questão das finanças pelo ângulo da discussão

sobre o problema do endividamento, o que, ao longo do tempo desta Tese, foi algo que

se mostrou cada vez mais interessante para análise do contexto financeiro atual, e

especialmente para interpretar a sua expressão no Brasil. Isto porque, como afirmou um

dos entrevistados dessa pesquisa, o Deputado Federal Ivan Valente (PSOL-SP),

A dívida pública é o nó do modelo de desenvolvimento brasileiro. Ela explica porque o Brasil

tem a maior taxa de juros do mundo, ou seja, porque temos que atrair capital ao país pagando

uma taxa de juros exorbitante através da emissão de títulos da dívida pública no mercado

financeiro.

1 De março de 2011 a fevereiro de 2012 tive a oportunidade de passar um ano como pesquisador visitante

no Centre Européen de Sociologie et Science Politique de la Sorbonne (CEESSP), onde, entre outras

coisas, acompanhei os Seminários de Pesquisa da professora Isabelle Sommier e participei ativamente do

Groupe d’Études Latino-américains de la Sorbonne (GELS), ao qual um artigo embrionário da tese foi

apresentado em Janeiro de 2012.

Page 10: Nas Tramas Da Cultura Financeira

10

Esta tese é escrita em um período da história recente marcado por dois grandes

movimentos na economia: por um lado, a crescente financeirização e individualização

da economia e, por outro lado, as recorrentes crises financeiras que vêm ocorrendo, pelo

menos, durante os últimos 30 anos. Se nos pautarmos pelos últimos cinco anos temos a

impressão de vivermos uma crise financeira permanente, que apenas muda de uma parte

para outra do planeta.

No entanto, cerca de vinte anos antes do presente momento, o campo intelectual

dominante na área econômica celebrava a obra de Francis Fukuyama, O Fim da

História e o último Homem2, apontando o futuro da humanidade como inevitavelmente

fadado ao neoliberalismo, ao triunfo do poder dos livres-mercados sobre os Estados e,

em última instância, sobre a política.

No capitalismo contemporâneo, porém, as mudanças acontecem mais rápido do

que nunca antes, e a financeirização extrema das relações econômicas inflou e estourou

bolhas envolvendo países do centro e da periferia do sistema. Como consequência, a

credibilidade das teses representadas por Fukuyama foi severamente abalada.

Neste sentido, significa dizer que foi a própria crise do sistema que reabriu o

debate sobre as fundações da esfera financeira atual. Debate este que durante os anos

1990 fora colocado na berlinda,quando o questionamento político-intelectual da esfera

financeira passou a ser um tabu que poucos ousaram enfrentar abertamente3. No Brasil,

em 1999, Francisco de Oliveira denominaria este tabu discursivo como a expressão de

um “totalitarismo neoliberal”.

2 F. Fukuyama. O fim da história e o último homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. 3 Neste sentido, autores como Francisco de Oliveira, José Luis Fiori, Emir Sader e Paulo Arantes se

destacam no cenário crítico nacional.

Page 11: Nas Tramas Da Cultura Financeira

11

As crises financeiras ocorridas a partir dos anos 1990, longe de serem muito

diferentes dos “clássicos” problemas de endividamento que marcaram crises em

períodos anteriores, estão ligadas à própria dinâmica de funcionamento que adquiriram

os mercados financeiros (Raffinot, 2008:87) e aos objetivos que estes “naturalmente”

perseguem. Como aponta André Lévy-Lang, a financeirização da economia ocorrida a

partir dos anos 1970 envolve um importante componente de risco para o conjunto da

sociedade e “toda reflexão sobre as finanças coloca a questão da repartição dos riscos na

sociedade: quem é afetado por quais riscos e a qual preço?”

A matéria-prima das finanças é o dinheiro, com suas três dimensões: o risco, o tempo e o espaço.

(...) As finanças tem por objeto a gestão de uma ou de várias dessas três dimensões. Assim, a

taxa de juros é explicada como um preço do dinheiro em duas dimensões, preço relativo ao

tempo e preço relativo ao risco (2006:12-13;27; grifo nosso).

A inquietação de fundo que move esta reflexão tem origem num duplo

incômodo: por um lado, penso que hoje há um mal-estar na relação atual entre

economia e sociedade que a sociologia deve ajudar a interpretar e por outro lado,

vinculado a isso, há um mal-estar nas relações entre democracia e sociedade que

também permeia esta reflexão.

Ao longo do texto este incômodo nos levará a indagar as origens da

desproporcional financeirização da economia atual e a centralidade assumida pelo

rentismo; suas consequências políticas (ou seja, na distribuição do poder e acomodação

dos interesses) e o profundo impacto que tem sobre a vida das pessoas comuns. A

constatação da financeirização a que me refiro, ou o descolamento da esfera financeira

Page 12: Nas Tramas Da Cultura Financeira

12

com relação ao restante da produção social de bens e serviços, não é uma visão

politizada deste pesquisador; ao contrário, ela é demonstrável em números.

Se durante os anos 1970, 90% das transações financeiras mundiais eram ainda de

alguma forma vinculadas à economia real, em 1995, no entanto, 95% eram de natureza

puramente especulativa (80% com uma rentabilidade conseguida durante uma semana

ou até menos)4. A capitalização dos mercados de ações mais do que dobrou desde

20025, fomentada por uma cultura econômica hoje dominante que propõe que ao invés

de acabar com os rentistas, todo mundo pode agora se tornar um rentista6.

O gráfico a seguir ilustra a mesma relação a partir de outro indicador, o

montante dos ativos financeiros mundiais em porcentagem do PIB mundial7.

Montante dos ativos financeiros mundiais em porcentagem do PIB mundial

4 N. Chomski. Jubilé 2000. ZNet, May 15, 1998. 5 L. Jouven. La planète des créanciers. In : Alternatives Économiques. Hors-série n. 91, p. 49, 1er

trimestre de 2012. 6 D. Graeber. Debt: the first 5.000 years. Melville House Publishing, New York, p. 376, 2011. 7 Extraído de Chesnais, François. Les dettes illégitimes. Éditions Raisons d’Agir, Paris, 2011.

Page 13: Nas Tramas Da Cultura Financeira

13

Através de um processo que aqui chamarei de generalização financeira, as

pessoas comuns têm sido levadas cada vez mais a entrarem no mundo das finanças seja

através da prática do rentismo no mercado financeiro, seja pela obtenção de créditos

fáceis; de planos de previdência privada; de seguros de todo tipo; ou pelo simples fato

de serem incentivadas a abrir uma conta num banco.

A esfera financeira tem sido cada vez menos um assunto restrito a empresários,

economistas e banqueiros, mas esta suposta “democratização das finanças” significa de

fato que muitas pessoas despreparadas e mal informadas estão entrando em um “jogo de

risco”, no qual podem vir a perder tudo, como aconteceu na crise dos títulos Subprime8

nos EUA e continua a acontecer nos países do sul da Europa.

Mais do que ser uma solução de crédito necessário para investimentos

produtivos – a sua face “positiva”9 –, é importante frisar que a esfera financeira pode

frequentemente ser socialmente danosa e economicamente devastadora. A história do

capitalismo moderno mostra que, na ausência de regulação e supervisão, mercados

financeiros tendem a fomentar excessivamente a tomada de riscos, o que

periodicamente explode em crises violentas.

Em mercados financeiros crescentemente interconectados e mutuamente

dependentes – mercados globais, como os que temos hoje – todas as pessoas são

atingidas em maior ou menor grau, direta ou indiretamente, por uma forte crise

8Subprime significa algo como “abaixo dos melhores” (Singer, 2008:2) 9 O efeito positivo do financiamento à produção real também deve ser ressaltado. “Quando todos os

bancos, no afã de ganhar mais, ampliam os empréstimos a agentes da economia real, os depósitos de

todos eles aumentam. O efeito importante é sobre a economia real, que se expande na medida em que os

investimentos crescem, o que ocasiona a ampliação do emprego, da produção e do consumo. A expansão

da economia real se auto-alimenta na medida em que desempregados conseguem trabalho, os gastos do

público aumentam, o que suscita mais investimentos, mais emprego e mais produção”. Cf. Singer,

2008:2.

Page 14: Nas Tramas Da Cultura Financeira

14

financeira. Isto ficou claro, já em 1998, na sequência de impactos da crise asiática,

passando pela crise russa, pela crise brasileira, até culminar no crack argentino de 2001,

com o caos social que sabemos (Carvalho-Kregel, 2007:5).

Exatamente 10 anos depois, observa-se na sequência da crise dos subprime

americanos um encadeamento estendendo-se à crise grega e de toda a zona do euro,

incluindo aí também Portugal, Espanha, Itália, Irlanda, Islândia e a mais recente crise

em Chipre, na qual simplesmente as pessoas comuns tiveram suas poupanças

confiscadas em cerca de 15% para pagar o socorro aos bancos.

Da especulação sobre as tulipas na Holanda entre 1630 e 1636 até a explosão da

bolha da Internet em 1999-2000 e a recente crise dos títulos subprimes, autores como

Xavier Molénat identificam que há um mesmo ecadeamento: inovação financeira,

generalização de seu uso e, após o auge da crise, retorno a formas de controle. Mas se

anteriormente as inovações financeiras visavam facilitar uma atividade na esfera real,

aumentando o financiamento à produção, as inovações que agora estão no coração da

crise iniciada em 2008 tem como especificidade serem puras, no sentido de que não

visam nada mais do que facilitar a própria atividade financeira.

Isto tudo – outra novidade do momento atual –, graças à performance de novas

abordagens matemático-financeiras, das quais as hipóteses e modelos se tornaram os

guias orientadores para a ação dos agentes financeiros. “Esta vestimenta científica

contribuiu sem dúvida para instaurar, mesmo junto às instâncias públicas, a crença na

eficiência dos mercados, que se deveria então deixar auto-regular” (Molénat, 8:2009).

O contexto da discussão que será desenvolvida aqui é, portanto, o da extrema

ascensão da esfera financeira sobre outras dimensões da economia como a conhecíamos

desde pelo menos o século XV, mas também sobre diversos aspectos da sociabilidade

Page 15: Nas Tramas Da Cultura Financeira

15

humana contemporânea, numa radicalização da experiência de vida capitalista. Como

veremos, esta radicalização exacerba aspectos já presentes na Modernidade, como a

tendência ao individualismo, enquanto resignifica outros, como a relação das pessoas

com diversas formas, situações e posições de risco.

Desenvolvendo estas grandes linhas aqui esboçadas, esta tese buscará articular o

percurso da financeirização da economia com mobilizações sociais de contestação às

finanças, particularmente a rede Jubileu, interrogando-nos sobre o que isto pode dizer

sobre política e democracia hoje.

Diego Azzi

São Paulo, maio de 2013

Page 16: Nas Tramas Da Cultura Financeira

16

CAPÍTULO I

Grandes transformações da cultura econômica

O valor social do dever e o valor monetário da dívida

Tentar entender como chegamos ao momento econômico atual tem sido o foco

do esforço de um grande número de autores, tanto das ciências humanas, quanto da

história e da economia. A mudança do panorama econômico mundial nas últimas

décadas abriu novas questões e desafios interpretativos, ao mesmo tempo em que

relativizou algumas antigas certezas. A discussão proposta nesta tese se inspira

largamente em autores contemporâneos que ainda não têm as respostas para todas as

questões, mas que certamente estão se fazendo muitas perguntas na tentativa de

encontra-las.

Como o atento leitor ou leitora fatalmente notará ao longo destas páginas, a

bibliografia mobilizada para interpretar o momento contemporâneo é ela também

bastante atual, isto é, composta majoritariamente por obras publicadas a partir dos anos

2000. Não significa que clássicos das ciências sociais nada tenham a dizer sobre o

momento presente. Pelo contrário, da base assentada por eles é que lançamos o nosso

olhar e, neste sentido, o pensamento de Simmel e Hannha Arendt tem aqui uma

presença marcante.

Uma das mais relevantes dentre as recentes contribuições das ciências sociais à

literatura sobre a economia dos nossos tempos vem de David Graeber, antropólogo

norte-americano, que se propõe a realizar uma “antropologia da dívida” em seu

excelente livro “Dívida: os primeiros 5.000 anos”. Diversas das pistas lançadas nesta

Page 17: Nas Tramas Da Cultura Financeira

17

obra serão úteis para nos ajudar a entender o que representa a instituição social “dívida”

na história das relações humanas e como chegamos ao momento atual no qual ela

assume uma importância política ímpar.

A primeira grande “virada” interpretativa que a antropologia ou a sociologia

podem realizar ao abordar este tema tem relação com certas concepções da economia

neoclássica e ao que se denomina como “o mito do escambo” smithiano. Nessa espécie

de mito fundador, quando os economistas falam das origens do dinheiro, a noção de

dívida é sempre uma espécie de ideia secundária, um subproduto colateral. No modelo

até hoje consagrado por Adam Smith, primeiro vem o escambo, depois o dinheiro; o

crédito propriamente dito (e, portanto, a dívida) se desenvolve apenas mais tarde.

O problema antropológico que se coloca ao examinarmos esta proposição nos

últimos 5.000 anos de história – e daí a sua crítica como sendo de fato um mito10

– é

que não existe indício algum de que este mundo fantasioso do escambo realmente tenha

existido, e, menos ainda, de que de uma sociedade estável na qual ‘John troca vinte

galinhas por uma vaca com Joshua’ tenha se derivado uma economia monetária baseada

no dinheiro como um mero simplificador das diversas operações de escambo, as quais,

ao se complexificarem, se tornariam demasiado trabalhosas.

Esta é também a crítica de Bruni e Zamagni (2007)11

, para quem os elementos

fundamentais do mundo da vida, como “a caridade, a reciprocidade e a dádiva” são

centrais na história da formação dos mercados modernos, rejeitando as teses de que o

10 Mito.

mi.to1

sm (gr mythos) 1 Fábula que relata a história dos deuses, semideuses e heróis da Antiguidade

pagã. 2 Interpretação primitiva e ingênua do mundo e de sua origem. 3 Tradição que, sob forma alegórica,

deixa entrever um fato natural, histórico ou filosófico. 4 Exposição simbólica de um fato. 5 Coisa

inacreditável. 6 Enigma. 7 Utopia. 8 Pessoa ou coisa incompreensível. Fonte: Dicionário Michaelis da

Língua portuguesa. Referimo-nos aqui a este termo sobretudo nas suas segunda, quinta e sétima acepções. 11 Apud Abramovay, 2009:83.

Page 18: Nas Tramas Da Cultura Financeira

18

nascimento da economia moderna é marcado exclusivamente pelas trocas impessoais,

anônimas, desprovidas de vínculos comunitários e funcionando tanto melhor “quanto

menos contaminadas pela política, pela ética ou pela moral”.

Não é difícil, porém, encontrar desde as antigas formações sociais da

Mesopotâmia e do Egito (já a partir de 3.200 a. C.) evidências históricas de sociedades,

nos mais diferentes períodos, em que as pessoas estão endividadas de uma série de

maneiras em relação a uma série de outras pessoas (Graeber, 2011:21-23;29; 2012:29-

31). Contrariamente às representações correntes e ao que pode sugerir o nosso senso

comum, a dívida, enquanto um dever para com outros, não é algo derivado do dinheiro.

Os sistemas de crédito e o endividamento vieram primeiro, a moeda só aparece milhares

de anos mais tarde.

Jacques Adda (2012 :14, grifo nosso) chama a atenção para o lugar propriamente

social ocupado pela dívida desde a Antiguidade: “ela estava no coração das relações de

troca e, mais fundamentalmente, das relações sociais, muito antes que as primeiras

moedas aparecessem. (...) Antes de invadir a esfera das trocas, a dívida tem sua origem

na obrigação moral. Ela é reconhecimento, no duplo sentido de reconhecer e ter

reconhecido um dever”.

Assim entendidas, isto é, como o reconhecimento de um dever moral12

, dívidas

poderiam se tornar uma verdadeira armadilha social frente ao poder soberano de cada

época (Graeber, 2012:29-31), levando famílias a perderem seus rebanhos, seus campos

cultivados e, não muito tempo depois, também as esposas e os filhos seriam levados

como “escravos por dívidas”. Aos ouvidos brasileiros nada disso soa como grande

12 No contexto da Antiguidade, tanto em sânscrito, quanto em hebreu e aramaico, as palavras “dívida”,

“culpa” e “pecado” são na realidade a mesma palavra (cf. Graeber, 2012).

Page 19: Nas Tramas Da Cultura Financeira

19

novidade, nem como formas de relação social perdidas num passado longínquo e

arcaico.

Nossa formação histórica, marcada por experiências como o colonialismo, o

coronelismo e a cordialidade, está até hoje fartamente permeada por relações sociais

baseadas em trocas de favor. Estes favores, que podem ou não envolver pagamento em

dinheiro, acarretam geralmente uma dívida moral.

Nesta perspectiva analítica, a história monetária que aprendemos nas

universidades estaria escrita precisamente de trás para frente. Nós não começamos com

o escambo, descobrimos o dinheiro e depois eventualmente desenvolvemos o sistema de

crédito. O ponto da crítica em Graeber (op.cit.:40) é argumentar que aconteceu

exatamente o contrário.

O que nós hoje chamamos de “dinheiro virtual”, ou crédito, de fato veio

primeiro em relação ao dinheiro físico. O escambo, por sua vez, parece ser amplamente

um tipo de subproduto acidental do uso de moedas ou dinheiro de papel: historicamente,

tem sido principalmente o que as pessoas que estão habituadas a utilizar dinheiro fazem

quando, por uma razão ou por outra, elas não tem acesso a dinheiro em determinada

situação.

A diferença entre uma dívida e uma mera obrigação moral ou um favor é que o

credor pode quantificar exatamente quanto o devedor deve (idem, 2011:13-4), o que

antes, no plano da moral, era uma relação social em grande medida qualitativa. A dívida

é uma obrigação a ser paga com dinheiro, mas o que ocorre se o devedor não dispõe de

dinheiro para pagá-la?

Enquanto um dever moral, ela pode ser paga com um favor, com o escambo de

bens ou serviços. Mas, no limite extremo, uma dívida pode revelar toda a sua dimensão

Page 20: Nas Tramas Da Cultura Financeira

20

de relação assimétrica de poder, e então o credor poderá exigir que ela seja paga com

uma mercadoria de tipo especial: pessoas, seja na forma de trabalhadores, trabalhadores

domésticos, escravos, escravos sexuais, etc.

Em cada contexto histórico, diferentes sociedades lidaram à sua maneira com o

problema da escravidão por dívidas, que em última instância sempre teve um potencial

de causar rupturas sociais quando praticada ao extremo pelos credores, pela justiça, ou

pelo poder soberano.

Para eviar que as dívidas não pagas em dinheiro resultassem em relações eternas

de escravidão, os Mesopotâmios da Antiguidade, por exemplo, periodicamente

apagavam os registros de dívidas das tábuas de ardósia em que mantinham o controle

das contas. Historicamente tiveram a mesma função de manutenção da coesão social os

jubileus bíblicos e as leis medievais contra a usura, presentes seja no cristianismo ou

seja no islamismo.

A progressiva passagem da dívida moral, o dever, para a dívida pecuniária,

necessariamente paga em dinheiro (mas que não deixa de ter também sua carga moral),

pode parecer trivial, mas é responsável por uma crucial transformação de fundo da

noção de dívida: ela permite que a dívida seja simples, fria e impessoal. Isto, por sua

vez, possibilita que ela seja transferível. Com a invenção e disseminação do uso do

dinheiro, a possibilidade de se transferir uma dívida para outras pessoas será

fundamental para os desenvolvimentos posteriores da cultura econômica.

Na cultura do dever, se alguém deve um favor ou até a própria vida a alguém,

isso é devido àquela pessoa especificamente e a mais ninguém. Com a entrada em cena

do dinheiro, não. Ele tem a capacidade de transformar o dever moral em uma relação

social impessoal e com valor exatamente quantificado: a dívida.

Page 21: Nas Tramas Da Cultura Financeira

21

A ampliação do uso do dinheiro contribuirá decisivamente para impessoalidade

das relações sociais, característica da modernidade. “Com as revoluções americana e

francesa13

, no fim do séc. XVIII a modernidade emerge sob o signo da igualdade e da

desnaturalização das desigualdades dadas pelo nascimento” (Keinert, 2005:43), dando

as condições para a origem da esfera do social, das desigualdades sociais como tema

[impessoal] da política (Arendt, 1963). Num registro simmeliano, Frisby (1990:172)

também evoca a impessoalidade das inter-relçaões da Modernidade, uma época na qual

a economia monetária parece criar novas dependências, especialmente com relação a terceiros,

mas não como pessoas, mas como representantes de funções. Aqui as [antigas] dependências

pessoais são trocadas por outras, impessoais, [decorrentes da circulação do dinheiro].

Georg Simmel é certamente um dos pais da sociologia moderna, ainda que não

seja o mais famoso, se destacando como um dos mais criativos e ousados nomes da

intelectualidade alemã da virada do séc. XIX para o séc. XX. Sua análise fluida, livre de

estruturalismos e focada nos processos sociais da cultura pode não servir para alguns

analistas críticos que primam pelo objetivismo ou para aqueles em busca de um guia

para a ação. Para a nossa discussão, contudo, sua obra se mostrou de grande relevância

e, além disso, foi um belo “diálogo” intelectual.

Se em nossa Apresentação falamos da financeirização da economia como uma

marca do momento contemporâneo, é preciso notar aqui que já vigorava desde a entrada

na Modernidade certa “essência contábil da época”, diagnosticada por Georg Simmel14

na virada do séc. XIX para o séc. XX (Waizbort, 2000:164). Trata-se de uma

transformação da cultura econômica, das relações entre economia e sociedade. Isso se

13Na realidade, em Sobre a Revolução, Arendt refere-se não somente às experiências destas duas

revoluções, mas também aos conselhos revolucionários da Comuna de Paris de 1871, aos soviets da

Revolução Russa de 1917 e da Revolução Húngara de 1956. 14 G. Simmel. Philosophie des Geldes, 1900.

Page 22: Nas Tramas Da Cultura Financeira

22

reflete, é claro, no plano das relações interpessoais. No mundo secularizado e moderno,

a moralidade nas relações interpessoais consiste grandemente em cumprir nossas

obrigações com os outros, e “temos a teimosa tendência de enxergar estas obrigações

como dívidas” (Graeber, op.cit.:13), em grande parte devido ao fato de vivermos sob a

égide de uma cultura do dinheiro.

Se aceitarmos então que a dívida enquanto um dever contável surge ao mesmo

tempo em que o dinheiro, ela também é uma objetivação da cultura subjetiva dos

indivíduos (ao modo da abordagem de Simmel), e, assim sendo, também é histórica e

contextualizada segundo a época e a sociedade em questão. A dívida é uma instituição

social que evolui ao longo da história, acompanhando em grande medida as mudanças

da forma dinheiro.

Ao tornar possível a divisão da produção [ou do trabalho], o dinheiro inevitavelmente junta as

pessoas, pois agora cada um está trabalhando para os outros, e somente o trabalho de todos cria

uma unidade econômica abrangente a qual completa a unilteral produção do individual. Assim é

que o dinheiro estabelece incomparávelmente mais conexões entre as pessoas do que jamais

existiu nos dias das sociedades feudais (Simmel, 2000:246).

Ressaltemos, entretanto, que o fato de ser um resultado objetivo da cultura

humana não significa que estamos falando necessariamente de algo positivo. Isto

porque, no caso da dívida, o seu elemento comum em todas as épocas é aquele das

relações sociais de violência e de guerra, de conquista e de derrota, de honra e de morte,

de exploração sexual e de escravidão. Enfim, todo tipo de elementos de barbárie que se

encontram nas bases das relações de dívida, mesmo nas atuais, supostamente

civilizadas. Onde existe uma dívida não há reciprocidade, não há igualdade.

Page 23: Nas Tramas Da Cultura Financeira

23

As origens do dinheiro são na realidade encontradas não apenas na

complexidade da divisão social do trabalho (e no surgimento da necessidade

incontornável de se pagar salários a uma massa de trabalhadores livres), mas,

fundamentalmente, em crimes e recompensas, em guerras e escravidão, e no valor social

da honra. Não é apenas que o dinheiro torna a dívida possível: nesta concepção, dívida e

dinheiro aparecem exatamente ao mesmo tempo. Uma história da dívida é, portanto,

necessariamente uma história do dinheiro e a forma mais fácil de saber o papel que a

dívida exerceu nos últimos séculos seria simplesmente seguir as formas que o dinheiro

tem assumido (Graeber, 2011:19;21).

Tanto o dinheiro quanto a dívida passaram por diversas transformações ao longo

dos séculos, transformações estas que representam grandes ciclos da cultura econômica,

alternados entre a prevalência do sistema de crédito (dinheiro virtual) e do sistema

baseado em ouro e prata (dinheiro “real” vinculado à existência física do metal como

equivalente geral).

A análise precisa de Simmel nos fornece uma forma interessante de entender

melhor como o dinheiro (e a partir de agora, também a dívida) veio a se tornar o centro

das relações sociais na Modernidade (Neuzeit), a qualtem início no séc. XV com a

Renascença, a Reforma Protestante, e a Descoberta do Novo Mundo, desenvolvendo-se

até o início do século XX, quando toma plena forma o processo de expansão da

economia monetária (Waizbort, op.cit.:175). A consequência principal deste processo e

que marcará decisivamente o momento contemporâneo será fazer o Homem viver em

função de perseguir sua própria criação cultural: o dinheiro (grifo nosso).

Page 24: Nas Tramas Da Cultura Financeira

24

A autonomização dos produtos da cultura

Conhecedor das análises marxistas do capitalismo e crítico de noções como a

teoria do valor e a visão da luta de classes como o motor da história, Simmel desenvolve

com beleza a sua análise sobre os aspectos simbólicos, psicológicos e culturais das

relações dos indivíduos com a então ascendente economia capitalista da virada do séc.

XIX para o séc. XX.

Há algo diferente na teoria de Georg Simmel sobre a Modernidade: ela não se refere específica

ou diretamente ao processo de industrialização e ao desenvolvimento do capitalismo industrial.

Simmel considera as suas consequências de maneira indireta através da economia monetária. (...)

O problema que ele pretende resolver é realmente a questão do que o dinheiro e a economia

monetária fizeram com os pensamentos, sentimentos e intenções dos individuos e das

constelações societárias das instituições sociais, jurídicas e econômicas. Seu tema é o efeito

retroativo da instituição mais importante da economia moderna – o dinheiro – sobre todos os

aspectos da vida e da cultura (Frisby, 1990:154;184).

Assim procedendo, Simmelamplia a um registro universal o conceito marxista

de fetiche da mercadoria. Como apreendemos de Waizbort (op.cit.:127-9), o “caráter

fetichista” que Marx atribui aos objetos econômicos na época da produção industrial de

mercadorias é apenas um caso especificamente modificado deste destino universal de

nossos conteúdos culturais, a sua autonomização frente a nós mesmos.

Simmel apresenta bases a meu ver complementares, ainda que críticas e tidas

como alternativas ao marxismo, de entendimento do capitalismo florescente nos séculos

XIX-XX, voltando o olhar para o indivíduo na sua condição única de criador de cultura

– e o dinheiro como uma invenção cultural objetivada que ganha predominância sobre

seu criador.

Page 25: Nas Tramas Da Cultura Financeira

25

Em Simmel, a economia não é uma “infraestrutura” objetiva sobre a qual se

ergueria uma “superestrutura” simbólica. Ela é, em si mesma, a objetivação

históricamente determinada da cultura subjetiva e todo o seu simbolismo (idem,

op.cit.:183, nota 30). A distinção de Simmel para com o marxismo não é apenas

assinalada por comentadores; o próprio autor apresenta o núcleo de suas divergências:

Diferente do materialismo histórico, que faz o processo cultural inteiro dependente das condições

econômicas, a análise do dinheiro pode nos ensinar que os efeitos de longo alcance sobre todo o

estado psíquico e cultural do período de fato emanam da formação [cultural] da vida econômica.

Essa formação mesma, por outro lado, recebe o seu caráter das grandes tendências da vida

histórica, das quais as fontes e motivos últimos continuam um segredo divino (Simmel,

2000:254).

É no momento de “desabrochar” da Modernidade vivida e observada pelo

sociólogo alemão (1858-1918) que o desenvolvimento e complexificação da divisão

social do trabalho libertam o produto final daqueles que contribuíram para a sua

existência, e perde-se a finalidade da produção, já que ele [o produto] aparece como

“objetividade autônoma”, não há mais relação com seu produtor.

Como “um dos progressos mais assustadores da cultura”15

, o dinheiro ocupa essa

posição de um conceito no qual esta época – e todas as outras depois dela – passará a se

espelhar (Waizbort, op.cit.:125-6;146). O dinheiro é este caso fundamental e mais

acabado da transformação dos meios em fins, de um objeto que se independentiza e se

aliena dos sujeitos, mas é só na sociedade moderna e capitalista que a alienação

produzida pelo trabalho se torna de fato universal, infinita e absoluta, tal como exigida

pelo processo de exteriorização das coisas (Paulani-Muller, 2010:815).

15 Georg Simmel apud Leopoldo Waizbort, 2000:150.

Page 26: Nas Tramas Da Cultura Financeira

26

A conhecida noção simmeliana de tragédia da cultura refere-se justamente a

transformação dos meios em fins: o Homem, que deveria ser o verdadeiro fim, torna-se

mero meio; o objeto, o verdadeiro meio, torna-se o fim ao qual os homens acabam por

se submeter.

Cultura trágica esta que gera alienação dos objetos espirituais a partir de suas próprias forças

[humanas] de criação. (...) A origem dessa alienação situa-se na divisão do trabalho, que

contribui decisivamente para a situação problemática típica do homem moderno: a

preponderância do objeto sobre o sujeito16.

Centralidade do indivíduo e disseminação dos riscos

O desenvolvimento da cultura moderna contribui com a preponderâcia do que se

poderia chamar o “espírito objetivo” sobre o “espírito subjetivo”, ou, dos objetos da

cultura sobre os indivíduos. Coexistem, no entanto, duas formas concomitantes de

individualismo já identificadas por Simmnel: a independência individual facilitada pelo

dinheiro e a elaboração cultural da própria individualidade (Simmel, op.cit.:23;24). No

período que abrange o século XX até os dias atuais, a elaboração cultural da

individualidade ganha uma centralidade sem precedentes, e, sobretudo na cultura

ocidental, ganha a forma de um verdadeiro culto ao indivíduo.

O processo que vai dos tempos modernos ao presente é assim marcado pelo

aprofundamento da individualização, em contrapartida ao nivelamento quantitativo

gerado pelo dinheiro. O dinheiro não só equaliza o que pode ser totalmente diferente,

mas também é o símbolo de um processo histórico e cultural em direção à fluidez, à

mobilidade, à variação, que são atributos característicos do Moderno (Waizbort,

op.cit.:143;168). Esta crescente individualização coloca o indivíduo transformador e

16 Cf. Waizbort, op.cit.:8-9;125.

Page 27: Nas Tramas Da Cultura Financeira

27

livre como o centro dinâmico do mundo moderno (Ferreira, 2000:105) e como a base

sobre a qual se dá a autonomização da cultura nas relações sociais.

A modernidade industrial pode ser também observada como uma época de um

crescente desejo de controle racional da natureza e do futuro pelo Homem. Isto envolve,

mesmo que a princípio intuitivamente e sem método científico, a criação de funções e

relações sociais específicas para reduzir as incertezas e prevenir possíveis desastres

através dos cálculos dos riscos aí envolvidos. “Riscos” aqui são entendidos não como o

que está acontecendo, mas como o que pode acontecer no futuro, se diferenciando assim

da noção de perigo. Assim entendida, é importante notar desde já que “a visão dos

atores sociais sobre os riscos aos quais estão sujeitos é sempre parcial ou incompleta”

(Areosa, 2009:59).

Se no senso comum a presença da consideração dos riscos na sociabilidade

humana não é algo recente, a sua conceituação propriamente técnico-científica começa a

ser construída apenas a partir do final do séc. XIX e início do séc. XX, buscando dar

respostas a novas questões colocadas pela Modernidade e, ainda mais, pelas

transformações observadas na vivência da experiência moderna. Para Zygmunt Bauman

(2001) atualmente vivemos em uma época que se diferencia da Modernidade “sólida”

(ou para outros, industrial) construída desde o século XV até meados do século XX,

caracterizando-se agora como um momento histórico de outro tipo, uma modernidade

“líquida”, na medida em que derruba por terra certezas fundamentais que

fundamentaram o projeto moderno, estabelecendo, assim, novas e fluídas bases de

sociabilidade calcadas primordialmente no indivíduo (não sem conflitos, é claro).

Pelo fato das manifestações do risco serem vistas hoje como muito presentes nas

atividades do mundo social é que seu estudo vem ganhando pertinência nas sociedades

Page 28: Nas Tramas Da Cultura Financeira

28

contemporâneas. Sua definição conceitual é hoje objeto de diversas disciplinas, porém,

está longe de reunir consensos (Areosa, op.cit.:75). Longe de pretender de forma

alguma percorrer todo o espectro da teoria social do risco e suas controvérsias, no

decorrer deste trabalho nos utilizaremos, sobretudo, do diagnóstico apresentado pelo

sociólogo alemão Ulrich Beck, que denomina esta transformação da experiência de vida

contemporânea como Modernidade Reflexiva ou Tardia, diferenciando-a da

Modernidade industrial – num caminho sem volta.

A “reflexividade” da modernidade contemporânea diz respeito essencialmente a

dois processos: de um lado, vivemos em uma época em que as pessoas estão cada vez

mais expostas aos efeitos de ações não desencadeadas por elas mesmas, que estão fora

do seu controle mas que têm reflexos diretos e/ou imediatos sobre suas vidas. Por outro

lado, a cultura do momento presente exige das pessoas que sejam cada vez mais

responsáveis pelas consequências e pelos reflexos das decisões que tomam durante a

trajetória da sua vida.

A questão chave que está em jogo para Beck é o postulado de que hoje“a

produção social de riquezas é sistematicamente acompanhada pela produção social de

riscos” (Beck, 1992:19-20). Neste sentido, a produção dos riscos frequentementetem

origem social, e é em si mesma resultado de uma cultura típica do momento presente, a

qual criou certo“modo de produção de riscos”, ou de “fabricação de incertezas”. O foco

desta interpretação reside na hipótese lançada por Beck de uma mudança de paradigma,

passando de uma lógica centrada na distribuição de riqueza para uma lógica centrada na

distribuição de riscos na modernidade tardia. “Nós ainda não vivemos em uma

sociedade do risco, mas não vivemos mais somente na sociedade do conflito pela

distribuição material em sociedades de escassez”, típico da modernidade industrial

(grifos no original).

Page 29: Nas Tramas Da Cultura Financeira

29

Nesta perspectiva, o trabalho desenvolvido por Beck tem como objeto sobretudo

os riscos de amplo alcance, tais como os riscos de colapso ambiental, de catástrofes

naturais causadas pelo desenvolvimento humano e de catástrofes nucleares vividos no

momento histórico atual. Desastres imprevistos como o terremoto seguido de tsunami

que atingiu a usina nuclear de Fukushima em 2011 – e que em consequênciacolocou

todo o planeta em risco – são grandes acontecimentos detipo ideal (por assim dizer)

para os autores da sociologia do risco.

Apesar dos riscos individuais sempre terem existido, a modernidade gerou novos tipos de risco,

radicalmente distintos dos anteriores; alguns destes novos riscos tornaram-se cada vez mais

globais. (...) A nova noção de risco preconiza três descontinuidades com o passado : 1) a

cobertura, ou extensão (do local para o global) ; 2) a magnitude dos danos (do parcial para o

total) ; e 3) o horizonte temporal das ameaças (do presente para o futuro) (Areosa, op.

cit. :63 ;65).

Na discussão que nos interessa aqui, utilizaremos certos referenciais originais

desta sociologia do risco na modernidade tardia, sobre tudo com a contribuição de U.

Beck, para pensar o risco no interior das relações econômicas hoje. Avançando um

pouco nesta formulação, buscaremos pensar a esfera financeira como uma das principais

fontes de insegurança hoje, impulsionada por um tipo específico de objetivação da

cultura econômica.

Riscos, ao contrário de perigos, são consequências relativas à força ameaçadora

da modernização e à generalização da incerteza. Os conflitos que emergem em torno

dos riscos da modernização acontecem sobre causas sistêmicas que coicidem com o

movimento do progresso e do lucro. Nesse sentido, os conflitos que ocorrem [na

modernidade tardia] assumem um caráter de lutas doutrinais da civilização sobre o

caminho mais adequado para a modernidade (Beck, 1992 : 40). Criação de risco,

Page 30: Nas Tramas Da Cultura Financeira

30

distribuição de risco, posição de risco, gestão de risco e mercado de risco são expressões

que se pode utilizar para compreender tanto a presença do risco na economia quanto no

meio-ambiente. Etimologicamente17

, a palavra risco aparece primeiramente nos

registros históricos na França do século XVII, por volta de 1660, como sentido de “estar

em perigo”, ou “de origem incerta”.

A trajetória do seu uso e derivações é tão interessante quanto reveladora: em

1892 tem-se o primeiro registro do uso da expressão tomador de risco (risk taker); em

1906 o primeiro registro de fator de risco (risk factor); em 1936 começa o uso do termo

administração de risco (risk management); e, em 1942, de aversão ao risco (risk

aversion). Da tomada de risco à aversão ao risco tem-se um percurso no mínimo

curioso, que oscila numagradação “do amor ao ódio” pelo risco.

É importante notar que são todos termos politicamente reflexivos (isto é, que tem

consequências políticas): algumas pessoas são mais afetadas que outras pela

distribuição e crescimento dos riscos, ou seja, a existência de posições sociais de risco

se torna evidente. Com Beck (1992:21-3;183), temos que

Os riscos dependem de decisões; eles são produzidos industrialmente e, neste sentido, são

politicamente reflexivos. (...) Os riscos se tornaram o motor da auto-politização da modernidade

na sociedade industrial; além disso, na sociedade do risco, o conceito, o lugar e o meio da

política se transformam.

O aprofundamento de características modernas como a industrialização, o

capitalismo financeiro, o controle social sobre indivíduos “livres” e a crença

hegemônica no progresso e na razão, são alguns dos elementos definidores da

17 Risco – etimologia :

http://www.etymonline.com/index.php?allowed_in_frame=0&search=risk&searchmode=none.

Page 31: Nas Tramas Da Cultura Financeira

31

Modernidade tardia para autores como Ulrich Beck. Simultaneamente, também é

característica deste momento histórico a crescente desilusão com as promessas

modernas totalizantes de igualdade social e infalibilidade da razão, acompanhadas de

uma tremenda aceleração na velocidade dos acontecimentos sociais.

Em seu tempo, Simmel já chamava a atenção para a importância do ritmo da

vida, enfatizando na análise o reconhecimento do tempo como fator estruturante do ser-

no-mundo e da possibilidade do saber (Ferreira, op.cit.:104). A aceleração da

velocidade da vida na modernidade tardia terá consequências sobre a sociabilidade

humana aí construída e sobre a percepção que se tem dos acontecimentos sociais.

O caráter propriamente reflexivo do momento contemporâneo – no qual cada

indivíduo é chamado à máxima responsabilidade pelos seus atos e sua trajetória de vida

– está vinculado aos processos históricos pelos quais, sobretudo nas sociedades

ocidentais industrializadas – mas não apenas nelas –, as instituições sociais que

tradicionalmente proporcionavam a grandes coletividades de indivíduos uma identidade

bem definida e um caminho de vida previsível e relativamente seguro vem perdendo sua

hegemonia e influência sobre as decisões pessoais de cada um18

(seja a família, a

religião, o trabalho, a monogamia heterossexual, etc.).

As respostas aos dilemas da vida e as escolhas feitas nos chamados “momentos

decisivos” da trajetória individual passam a estar cada vez mais sob responsabilidade

pessoal de cada um. Algo que por um lado pode gerar ansiedade e frustração perante o

desafio, mas que por outro amplia as possibilidades de autoconstrução da identidade

individual no momento histórico atual vis-à-vis outros períodos.

18 Este é o ponto de vista de um outsider com relação ao campo da sociologia da religião. Não me

proponho aqui a discutir se há uma perda de hegemonia ou apenas uma transformação em novas formas

de religiosidade, mais individualizadas do que sempre foram as grandes religiões monoteístas.

Page 32: Nas Tramas Da Cultura Financeira

32

Assim, pensar em reflexividade nos termos aqui propostos significa considerar

que as pessoas são constantemente confrontadas com efeitos da transição da

modernidade industrial para a modernidade tardia. Nesta confrontação, cabe somente a

elas decidir sobre sua trajetória de vida levando em consideração as múltiplas variáveis

em jogo no contexto social em que se encontram. Na linha analítica de Beck, o caráter

reflexivo do momento contemporâneo submete todas as pessoas à necessidade constante

e inescapável de se posicionarem individualmente frente ao impacto de grandes

acontecimentos sociais que lhes escapam ao controle, mas que têm reflexos de forma

direta e decisiva sobre suas vidas. Os atentados de 11 de setembro e os atos de

terrorismo em geral poderiam ser exemplos bem diretos deste tipo de evento, mas,

voltando o olhar para nosso recorte específico, os momentos de crise financeira também

são produtores de reflexos sociais que escapam ao controle das pessoas comuns, que se

encontram na maioria das vezes em posição vulnerável.

Digamos, então, que se não vivemos ainda numa sociedade do risco, certamente

estamos em uma sociedade que dissemina riscos, que cria riscos e que administra riscos

como provavelmente nunca antes. A análise sociológica tem buscado estabelecer as

relações entre a distribuição dos riscos (ou dos tipos de riscos) segundo as posições

sociais e a distribuição da riqueza, assinalando a existência de posições sociais mais ou

menos expostas a determinados riscos de ordem econômica.

Como veremos em detalhe mais adiante, no contexto histórico de hegemonia do

modelo econômico neoliberal (isto é, grosso modo a partir de 1970), há evidências de

um processo crescente de transferência de riscos para as camadas médias e pobres, ao

mesmo tempo em que se realiza, via sistema financeiro, uma transferência de riqueza da

produção real para a capitalização fictícia das Bolsas de Valores, capturada então pela

franja mais abastada da população. Processos deste tipo estão ocorrendo hoje nas

Page 33: Nas Tramas Da Cultura Financeira

33

sociedades capitalistas avançadas19

em que o setor financeiro seja bem desenvolvido, e

também no Brasil.

Os riscos, portanto, não são mais apenas o lado obscuro das oportunidades, eles

também representam grandes oportunidades de mercado. Com o desenvolvimento dessa

sociedade que distribui riscos, manifesta-se também o antagonismo entre aqueles

atingidos pelos riscos e aqueles que lucram com eles (Beck, 1992:46). No capítulo

seguinte nos deteremos sobre o processo pelo qual, na modernidade avançada, se

entrelaçam risco, individualidade e cultura econômica.

19 Cf. Ponds-Van Riel, 2009.

Page 34: Nas Tramas Da Cultura Financeira

34

CAPÍTULO II

A emergência da oîkonomia individual

Individualizaçao e estilo de vida

Ao fomentar o progressivo aumento da responsabilização individual pelo curso

de vida, pelas decisões tomadas, pelos riscos assumidos e pelo eventual sucesso ou

fracasso individual nesta jornada, a modernidade tardia apresenta uma tendência

cultural a radicalizar a individualização. Por individualização nos referimos aos

processos de responsabilização das pessoas por suas escolhas. Já noção de individuação,

por sua vez, está ligada às diversas formas de cultivo pessoal da individualidade, da

identidade e da personalidade.

Este caráter reflexivo da identidade e sua profunda individualização têm

consequências não apenas sobre as formas de socialização atuais, mas também incide de

maneira importante sobre a trajetória de individuação das pessoas. Isto porque a

constituição do indivíduo enquanto unidade psíquica e personalidade singular se vê

diretamente afetada pela avaliação social da sua capacidade de cumprir de maneira mais

ou menos bem-sucedida com os requisitos sociais da responsabilidade que a

individualização acarreta. A situação pessoal de não poder corresponder ao que a

sociedade espera pode gerar fortes sentimentos de ansiedade, vergonha e frustração nas

pessoas, sendo estes, inclusive, sentimentos constitutivos da sua autoidentidade,

elementos potencialmente constitutivos da sua própria individuação.

Por outro lado, independentemente de que a pessoa sinta-se mais ou menos bem

sucedida nesta tarefa de individualização, todos se individualizarão em alguma medida

apenas pelo fato de viverem no momento atual, que lhes demanda esta postura de

Page 35: Nas Tramas Da Cultura Financeira

35

sujeito de si como um elemento da cultura. Todos de alguma maneira construirão a sua

identidade e realizarão uma trajetória de vida de forma mais ou menos planejada de

acordo com as oportunidades que se lhes apresentarem, resultando na criação (nunca

totalmente consciente) de um estilo de vida.

A interpretação sociológica da emergência do estilo de vida na modernidade já

havia sido antecipada por Simmel, como um resultado do processo mesmo da cultura,

da exteriorização do espírito, principalmente com a proliferação das metrópoles. O

termo alemão “Bildung” sintetiza esta ideia simmeliana de um caminho da formação da

personalidade individual.

O estilo de vida é assim uma configuração histórica das relações entre indivíduo e sociedade,

entre sujeito e objeto, entre cultura objetiva e cultura subjetiva (Simmel apud Waizbort,

2000 :179).

Como configuração histórica, e, portanto, mutável, pode-se presumir que desde

sempre a humanidade vem desenvolvendo estilos de vida, o que é de certa forma

verdadeiro. O que fascinou Simmel e tantos outros na virada para a modernidade foi que

se tratava então da formação da individualidade dos sujeitos em uma época que era ao

mesmo tempo também de expansão da moderna liberdade e da moderna divisão do

trabalho e do consumo.

O estilo de vida expressa, assim, variedades de efetivação material e simbólica

de uma narrativa individual da identidade de cada um e a cultura moderna se apresenta

cada vez mais como uma pluralidade de estilos possíveis. Em Simmel, aprendemos que

um dos fenômenos de maior repercussão na configuração do estilo de vida é a divisão

do trabalho. É ela o fator concreto que explica as origens e a situação atual da relação

entre cultura objetiva e cultura subjetiva, portanto, do estilo de vida moderno, e desse

Page 36: Nas Tramas Da Cultura Financeira

36

modo do que será, mais tarde, caracterizado como a tragédia da cultura (Waizbort,

op.cit.:178-9;188).

Assim, na modernidade, a liberdade aumenta na mesma proporção do

desenvolvimento da economia monetária e do consumo. No entanto, o que aponta

Simmel, é que o nivelamento incessante de toda qualidade a uma quantidade

“neutra” de dinheiro vai esvaziando a vida de sentido qualitativo (idem, op.cit.:154). O

caso clássico do camponês que vende a sua terra, passa a ter dinheiro mas perde o que

dava sentido à vida, é um bom exemplo. O “estilo do presente” é justamente este

caracterizado pela tensão entre aspectos universalizantes e individualizantes,

indiferenciadores e diferenciadores, mobilizados pelo dinheiro.

Se a modernidade abriu as portas e preparou o terreno para o florescimento da

individualidade e do estilo de vida, a modernidade avançada põe em evidência as

propriedades reflexivas equalizadoras dos riscos: o momento presente coloca a gestão

dos riscos e as escolhas perante os mesmos como responsabilidade e parte indissociável

da individualização de cada um.

Assim como o dinheiro é um agente nivelador em Simmel, também na linha

interpretativa de Beck (1992:36), “objetivamente os riscos apresentam um efeito

equalizador no seu raio de alcance e entre aqueles afetados por eles. (…) Neste sentido,

as sociedades do risco não são exatamente sociedades de classe; suas posições de risco

não podem ser entendidas [somente] como posições de classe, ou seus conflitos

[somente] como conflitos de classe”.

Com o aumento da percepção dos riscos, há hoje uma crescente

institucionalização do conceito de risco, bastante influenciada pelo aprofundamento das

análises estatísticas e de modelos matemáticos sobre os riscos. No entanto, talvez pela

Page 37: Nas Tramas Da Cultura Financeira

37

breve história da pesquisa científica sobre o tema, que se inicia apenas no final do séc.

XIX, não há hoje uma só grande teoria unificadora das perspectivas sobre o risco. Existe

uma pluralidade de disciplinas – tanto nas Humanidades quanto nas ciências Biológicas

e Exatas –, que abordam o tema segundo sua perspectiva analítica particular.

Uma sociologia que leve em consideração o risco nas relações sociais atuais tem

a possibilidade de encadear estas análises particulares e demonstrar como nas

sociedades contemporâneas a presença do risco tem aumentado na experiência de vida

das pessoas, ainda que possa apresentar-se segundo distintas lógicas e formulações em

cada área do conhecimento e também na vida cotidiana. Os riscos e a percepção que se

tem deles são construídos culturalmente, através de lutas sociais e simbólicas que

envolvem atores coletivos, sobre os quais a sociologia deve interrogar sempre “quem

diz o quê”, “de que posição social fala” e “como diz” que algo representa um risco ou

não, uma vez que sempre há interesses e lutas discursivas em jogo.

É neste sentido que disciplinas consolidadas como a Medicina ou a Economia

podem “autorizar” ou “desautorizar” a existência de riscos à saúde, ao comportamento,

ao consumo das famílias, à política econômica, etc., para aumentar ou reduzir a

percepção social sobre determinas situações de risco que podem até mesmo ser apenas

incertezas. Uma vez que os riscos não existem em si, mas como percepção social, esta

legitimidade para nomeá-los é uma das dimensões políticas mais relevantes do conceito.

Mais ainda do que os riscos calculáveis, as incertezas que escapam à quantificação colocam em

jogo julgamentos e estereótipos culturais que têm um papel decisivo quando se trata de

determinar o que é percebido como risco e o que não é, e quem deve assumir as

responsabilidades (Beck, 2003:208).

Page 38: Nas Tramas Da Cultura Financeira

38

Assim, a “probabilidade de risco” pode também ser utilizada politicamente para

gerar medo em relação a grupos sociais específicos, e os chamados “fatores de risco”

podem ser usados para dividir sociedades segundo determinada visão de mundo ou

discurso sobre dado objeto ou contexto. Como já nos assinalava o filósofo francês

Jacques Rancière no contexto da iminente segunda guerra contra o Iraque, “se a guerra é

necessária, não é para responder a uma situação, real ou imaginária, de insegurança. É

para manter esse sentimento de insegurança necessário ao bom funcionamento dos

Estados” (2003:1). O mesmo serve para os discursos xenofóbicos que jogam com as

noções de identidade e diferença, mobilizando o risco potencial que supostamente

representam as populações de imigrantes.

No mais das vezes, os Estados operam a gestão da insegurança sem precisar

recorrer ao extremo da guerra, mobilizando apenas o risco de guerra. Apesar de vir da

tradição anglo-saxão e partir de outros referenciais interpretativos, Beck (1992:20)

aponta para a mesma linha de análise de Rancière, ao afirmar que a promessa de

segurança cresce na mesma proporção dos riscos e da destruição, e precisa ser

reafirmada repetidamente para um público alerta através de intervenções cosméticas ou

reais no desenvolvimento técnico-econômico.

É certo também que, se bem pode haver processos de politização e

despolitização de qualquer objeto do mundo social e em função da luta discursiva pela

existência ou não de riscos, estes só ganham amplitude e alcance se forem levados à

esfera pública de produção, circulação e debate de ideias, ainda que com todas as

imperfeições e distorções certamente aí presentes. Os meios de comunicação

contemporâneos, na sua qualidade de formadores de opinião pública, são capazes de

agir como produtores ou indutores de situações de medo, percepção do risco e de

incerteza sobre determinado aspecto da sociedade, na economia ou fora dela.

Page 39: Nas Tramas Da Cultura Financeira

39

Evidentemente suas ações devem ser analisadas num contexto mais amplo de inter-

relações complexas entre mídia, mercado e política.

No entanto, nem todo discurso tem a legitimidade social necessária para

interferir no debate público, pois uma das características do momento contemporâneo é

a exacerbação da técnica e da especialização, que desautorizam outras visões de mundo

que não sigam a mesma perspectiva técnica, excluindo-se do diálogo qualquer

possibilidade de invenção política fora do que o mainstream técnico defina. Portanto, é

importante notar que nesta questão encontram-se o saber (científico) e o poder

(político), uma vez que as definições dos riscos são determinadas na esfera técnico-

científica, mas as medidas tomadas são decididas na esfera político-econômica.

Por sua crescente especialização e complexificação, as instâncias técnicas estão

submetidas a pouco controle social e são capazes hoje de produzir discursos justificados

por modelos e projeções que podem resultar na indução a um aumento ou a uma

redução da percepção de determinados riscos, segundo os interesses em jogo em cada

caso. Aí reside parte de toda a discussão a respeito da real existência dos riscos, que

divide aqueles de visão “realista”, defensores de que os riscos realmente existem na

sociedade; e aqueles de visão mais “construtivista”, para os quais os riscos são

invisíveis em si mesmos, e nós é que lhes damos vida segundo nossa maneira de

observar e sentir a realidade.

Definições de risco são baseadas em possibilidades matemáticas e em interesses

sociais, especialmente se são apresentadas com certeza técnica. Mas no âmago do seu

trabalho [em que elaboram essas definições], os técnicos continuam a se apoiar em

valores sociais. “Onde e como alguém desenha a linha entre exposições ainda aceitáveis

Page 40: Nas Tramas Da Cultura Financeira

40

e não mais aceitáveis?” (Beck, 1992 : 29, grifos no original) segue sendo uma questão

amplamente influenciada pela cultura.

Se com Simmel temos a figura do Aventureiro que faz da aventura permanente

uma forma de vida que outros não poderiam suportar (Waizbort, op.cit.:29; 121), no

momento atual os riscos são convertidos também em estilos de vida, o que se pode

observar,por exemplo, pelo boom dos chamados esportes radicais de alto risco, que são

apenas uma das facetas deste fenômeno. O estilo de vida de um motoboy numa grande

metrópole contemporânea, por exemplo, é um outro caso dentre tantos da centralidade

que assumem os riscos hoje.

No que tange à nossa discussão específica, o debate sobre a realidade ou não dos

riscos não está atrelado ao diagnóstico clínico de alguma situação, mas sim ao

comportamento político e econômico dos atores sociais, tanto no campo financeiro,

quanto no político. Como veremos mais adiante, no campo das finanças “a formação”

da avaliação sobre determinado risco se dá através de uma peculiar mistura entre

aspectos econômicos objetivamente avaliados, valores subjetivamente ativos nos

agentes e interesses político-econômicos privados pesados em jogo.

Na próxima seção nos deteremos sobre a atual disseminação dos processos de

transferência das responsabilidades aos indivíduos (individualização) e sua

intensificação no neoliberalismo pela via econômica e financeira, que desenvolve novas

formas pelas quais os riscos do capital são transferidos à força de trabalho e à população

em geral.

Page 41: Nas Tramas Da Cultura Financeira

41

Generalização financeira e mercantilização do risco

De fato, é preciso reconhecer que as sociedades atuais não apenas criam riscos

como também os transformam em mercadorias e vendem maneiras diversas do

indivíduo supostamente proteger-se deles. Os riscos, ou a percepção que se tem deles,

estão diretamente ligados a avaliações sobre as incertezas do futuro.

A difusão e a comercialização dos riscos não rompem completamente com a lógica do

desenvolvimento capitalista, mas, em vez disso, colocam este último em um novo estágio. (...)

Os riscos da modernização, do ponto de vista dos vencedores, são big business. Alguém poderia

dizer, acompanhando Luhmann, que com o advento dos riscos, a economia se torna

autoreferenciada independentemente da satisfação das necessidades humanas ao seu redor (Beck,

1992:23).

Toda a discussão sobre o mercado de compra e venda dos mais diversos tipos de

Seguros e sobre a atuação das Agências de classificação de risco20

vai nesta direção de

um negócio autoreferenciado. Uma das mais claras expressões da mercantilização dos

riscos é o processo de individualização e mercantilização do risco que representa a

velhice nas nossas sociedades capitalistas atuais. Especialmente em contextos de crise

econômica, em que se intensificam os ataques aos direitos trabalhistas e sociais, fica

claro que pouco se pode contar com sistemas públicos de aposentadoria e que a vida

futura radicaliza-se cada vez mais como uma responsabilidade individual pertinente

agora à esfera do mercado.

Em sociedades nas quais a formalização do mercado de trabalho é cada vez

menor e a insegurança social cada vez maior devido ao desmanche neoliberal dos

20 As três principais agências de classificação de risco são a Moody’s, a Standard& Poor’s e a Fitch. A

classificação de risco se refere ao mecanismo de classificação da qualidade de crédito de uma empresa,

país, um título ou uma operação. Para realizar uma classificação de risco as agências recorrem tanto a

técnicas quantitativas, como análise de balanço, fluxo de caixa, projeções estatísticas, quanto a análises de

elementos qualitativos, como ambiente externo, questões jurídicas e percepções sobre o emissor (cf. UOL

Economia, 2008).

Page 42: Nas Tramas Da Cultura Financeira

42

sistemas de bem-estar social construídos ao longo do séc. XX (cf. Oliveira-Rizek,

2007), o sentido coletivo que tornava cúmplices diferentes gerações de uma mesma

sociedade nos sistemas de repartição pública dos benefícios, agora é substituído pela

lógica dos planos de capitalização individual e privada e dos fundos de pensão.

Se for razoável afirmar que o risco vem se tornando um conceito cultural e

amplamente associado às políticas de gestão social, gestão dos riscos, a questão da

previdência poderia ser compreendida no seu desenvolvimento histórico como um dos

dispositivos de regulação da população pelo Estado, tanto mais presente quanto mais o

Estado se incumbir da administração e do controle das incertezas e dos riscos do futuro.

Ocorre, porém, que esta seria uma interpretação plausível apenas para o período

de construção das diversas tentativas do Estado de Bem-Estar Social ou Socialista, mas

não para o contexto neoliberal que se iniciou na década de 1970, em que o Estado foi

drasticamente reduzido nas suas atribuições sociais. Ao examinarmos o processo

histórico que nos conduziu aos dias atuais de hegemonia neoliberal, o que se verifica é

que, sobretudo a partir das décadas de 1960-70, há uma retirada do Estado do seu papel

histórico de afiançador de direitos sociais. Como descreve precisamente Telles,

Se bem é certo que os modelos conhecidos de proteção social vêm sendo postos em xeque pelas

atuais mudanças no mundo do trabalho e que conquistas sociais vêm sendo demolidas pela onda

neoliberal no mundo inteiro, também é verdade que esse questionamento e essa desmontagem

reabrem as tensões, antinomias e contradições que estiveram na origem dessa história. E fazem

ver as difíceis (e frágeis) relações entre o mundo social e o universo público da cidadania, na

disjunção, sempre reaberta, entre a ordem legal que promete a igualdade e a reposição das

desigualdades e exclusões na trama das relações sociais; entre a exigência ética da justiça e os

imperativos de eficácia da economia; entre universos culturais e valorativos de coletividades

diversas e a lógica devastadora do mercado (2007:3).

Page 43: Nas Tramas Da Cultura Financeira

43

O que o contexto histórico dos últimos quarenta anos do século XX nos revela é

a redução drástica daquela formação que Hannah Arendt já havia identificado como a

esfera do social21

, e sua paulatina substituição por uma organização social segundo a

lógica do que aqui propomos chamar de uma oîkonomia individual. O social

caracteriza-se por expandir até a escala nacional a lógica do oîkos, isto é, da esfera

privada do lar, sendo marcado por uma gestão governamental das desigualdades sociais

e por um tratamento técnico das mesmas pela esfera política.

A oîkonomia individual que a modernidade avançada impulsionou absorve

diversas das questões de sobrevivência e reprodução material que antes eram relegadas

ao plano do social, lançando-as sobre os indivíduos, mais do que sobre a esfera pública.

Uma privatização, em sentido arendtiano, o de privação da esfera pública e da

alteridade, que joga os indivíduos aos seus espaços privados, à solidão e à insegurança,

contribuindo para a difusão de uma sociabilidade marcada por um individualismo feroz

(Oliveira, 2006:276).

A emergência desta oîkonomia individual tem consequências sobre diversos dos

esquemas de direitos sociais imperfeitamente construídos até a modernidade, dentre os

quais um dos mais afetados é aquele representado pelo pacto inter-geracional com

relação à velhice. O rompimento deste “pacto” pela repartição das contribuições

previdenciárias terá como consequência a expansão imediata de um mercado

individualizado de previdência complementar, privada, no qual cada um responde por si

só e a prevenção dos riscos futuros é convertida em uma mercadoria financeira como

qualquer outra.

21 Cf. Arendt, 1990; 1981. Ver também, Keinert, 2005.

Page 44: Nas Tramas Da Cultura Financeira

44

O efeito dessa individualização da economia e financeirização da velhice (da

poupança dos aposentados, bem entendido), vai muito além de uma simples injeção de

capital nos mercados que será apropriado por instituições privadas que oferecem

produtos financeiros aos seus novos clientes. A principal consequência deste processo

será a inédita criação de um paradoxal vínculo entre trabalhadores,

aposentados/pensionistas e especuladores. Pois como assinala Lordon (2008:1-5),

A perversidade está no fato de que, de um lado, todos os acidentes do mercado financeiro estão

fadados a recair sobre eles [os aposentados ou detentores de planos de previdência privada], já

que eles pagarão pelas perdas de crescimento [de seus rendimentos]; e, de outro, no que vem a

ser o desfecho supremo, passa a ser proibido mexer em qualquer coisa que seja das estruturas

financeiras, pelo motivo (razoável, eis o pior!) de que isso equivaleria a atentar contra as suas

aposentadorias. Afinal, dentro desta armadilha perfeita, o fato de investir contra a rentabilidade

financeira não equivale a investir contra a renda dos idosos?

Temos assim um contexto em que a retração do Estado das áreas sociais e a

individualização da economia coincidem justamente com a periodização estabelecida

por diversos autores sobre o fim de um longo ciclo no capitalismo com o abandono do

padrão ouro (Chesnais, Duménil, Lévy, Paulani, Harvey, Graeber, et. al.). Este

descolamento em relação ao equivalente geral ouro impulsionou uma economia

monetária baseada no crédito e que começava rapidamente a se expandir em todo o

mundo naquele momento22

.

As políticas empregadas nos anos 1970 encerraram um longo ciclo de

monetarização que havia sido iniciado no século XV com as grandes navegações e no

qual prevaleceu uma organização social em torno do dinheiro “real”, isto é, atrelado a

uma mercadoria equivalente-geral, o ouro.

22 Note-se que a invenção dos cartões de débito American Express é recentíssima, data dos anos 1960, e a

difusão de cartões de crédito VISA e Mastercard se inicia apenas na década de 1970.

Page 45: Nas Tramas Da Cultura Financeira

45

Para Paulani-Muller (2010:813-814), pode-se identificar este período como o

início de uma fase de amadurecimento pleno do capital, uma “modernidade do

capital”. Estaríamos vivendo um momento histórico em que o capital conseguiu

abandonar plenamente os últimos resquícios de sua aderência ao plano natural, sob o

simbolismo do ouro, para tornar-se puro signo:

Ao ser o ouro – um símbolo – substituído por um mero signo também no plano mundial, o

capital autonomiza-se de maneira total e completa. (...) É exatamente o fetichismo da mercadoria

a base de tal autonomização plena. Como mostra Marx, a posição do dinheiro como mercadoria,

vale dizer, sua posição como capital portador de juros, é a última figura do fetiche, exatamente

na medida em que ele toma para si, corporifica em si mesmo, o movimento de autovalorização

[independente de qualquer lastro “real”].

Os avanços nas tecnologias da informação e nos modelos da matemática

financeira radicalizaram esta experiência, impulsionando uma nova corrida à

“diferenciação concorrente de mercadorias” já assinalada por Simmel cerca de setenta

anos antes. Só que no contexto contemporâneo, as mercadorias concorrentes em questão

são mercadorias financeiras que Simmel não conheceu, mas o processo é o mesmo, sob

variações de uma mesma forma: o dinheiro na sua função pura de capital fictício

(Frisby, 1990:182). A descrição contemporânea deste fenômeno realizada por David

Harvey é precisa:

Uma onda de inovações ocorreu nos serviços financeiros para produzir não apenas interligações

globais bem mais sofisticadas como também novos tipos de mercados financeiros baseados na

securitização, nos derivativos e em todo tipo de negociação de futuros (2008:41).

Assim, grande parte das negociações financeiras envolvem expectativas sobre o

futuro e acordos sobre dinheiro que podem se realizar ou não dependendo do que venha

a ocorrer em determinada data. Especula-se sobre o preço do dólar; sobre o preço dos

Page 46: Nas Tramas Da Cultura Financeira

46

alimentos, do petróleo e de outras commodities; como também sobre a vida econômica

futura das pessoas, donde a atual explosão do mercado de seguros e previdência

privada.

À medida que o Estado da época neoliberal abdica da gestão das questões sociais

em geral e do sistema previdenciário em particular, este vai deixando de ser uma dos

dispositivos da biopolítica e da governamentalidade neoliberal (ao modo foucaultiano),

para se tornar um dos pilares desta nova individualização contemporânea, a qual

envolve cada vez mais a gestão individual do futuro e os serviços privados de proteção

contra riscos como mercadorias quaisquer.

Neste sentido, a previdência privada e o desenvolvimento do mercado dos mais

variados tipos de seguros são aqui entendidos como formas da individualização da

gestão do risco e da incerteza sobre o futuro. São instituições que representam um

processo reflexivo de transferência do risco por meio da sua individualização,

tipicamente realizado ao modo “blame the victim”23

, isto é, o fracasso será de inteira

responsabilidade individual. Como precisamente descreve Harvey (2008:86;181),

[Durante as décadas de 1980 e 1990] o ataque geral à força de trabalho opera em duas frentes. O

poder dos sindicatos e de outras instituições da classe trabalhadora é restringido ou desmantelado

no interior de um Estado particular (se necessário por meio da violência). Estabelecem-se

mercados de trabalho flexíveis. (...) A estabilidade no emprego torna-se coisa do passado. Um

“sistema de responsabilidade pessoal” substitui as proteções sociais (pensões, assistência à

saúde, proteções contra acidentes) que foram antes responsabilidade dos empregadores e do

Estado. Os indivíduos compram produtos nos mercados, que passam a ser os novos fornecedores

de proteções sociais. A segurança individual se torna assim uma questão de escolha individual

vinculada à capacidade de pagamento por produtos financeiros inseridos em mercados

financeiros arriscados. (...) Em geral se atribuem os fracassos pessoais a falhas individuais, e

com demasiada frequência a vítima é quem leva a culpa!

23 A respeito desta discussão, ver principalmente: Ryan, William (1976). Blaming the Victim. Vintage,

USA, 1976. Para uma relação com o Brasil, ver: Kowaric, Lúcio (2003). Sobre a vulnerabilidade

socioeconômica e civil: Estados Unidos, França e Brasil. RBCS vol.18, n.51, fevereiro 2003.

Page 47: Nas Tramas Da Cultura Financeira

47

Os indivíduos então são levados a recorrer (e pagar) a especialistas técnicos

destas áreas específicas da economia e da estatística para efetuar escolhas sobre este ou

aquele aspecto decisivo da vida financeira. Os leigos acatam então a recomendação do

técnico com a autoridade que lhe é devida, mesmo sabendo que a securitização do

futuro está sempre sujeita a uma margem de imponderável e de subjetividade que

escapa a qualquer cálculo objetivo de risco. Em grande medida foi a crença exagerada

na precisão deste tipo de técnica que gerou a crise que levou uma grande parte das

pessoas endividadas a perderem suas casas em 2008-2009 nos EUA.

Para poder vender estes títulos [subprime] ao público sem deságio, as instituições [e bancos] os

empacotaram com outros títulos de risco considerado menor, numa manobra conhecida como de

diluição de riscos. (...) Quando o ciclo imobiliário entrou em baixa, o preço das residências e o

aluguel das mesmas sofreram forte queda, tornando desproporcionalmente onerosa a dívida

assumida por milhões de famílias pobres. Em outras palavras, o prejuízo causado pelo estouro da

bolha foi colocado sobre os ombros de quem menos podia suportá-lo (Singer, 2008:2).

Vivendo numa economia política da incerteza

O processo de “batida em retirada” do Estado com relação às questões

socioeconômicas e da promoção de direitos sociais a duras penas conquistados ao longo

da história recente resulta naquilo que Z. Bauman bem qualificou como a disseminação

de uma “economia política da incerteza”.

A economia política da incerteza é o conjunto de ‘regras para pôr fim a todas as regras’, imposto

pelos poderes financeiro, capitalista e comercial extraterritoriais sobre as autoridades políticas

locais (2000:177-175).

Page 48: Nas Tramas Da Cultura Financeira

48

O famoso Acordo Multilateral de Investimentos (AMI), proposto em meados dos

anos 1990, a Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA), ou as políticas

draconianas do Consenso de Washington, foram algumas das suas expressões mais bem

acabadas, ainda que com graus variados de efetiva realização prática.

Leda Paulani (2008:122-123) identifica neste processo uma prática de

transferência do risco capitalista “do capital para o trabalho” promovido pelo

neoliberalismo. Na sociedade contemporânea – ou na modernidade tardia se preferirmos

–, esta é apenas mais uma dimensão da financeirização da economia em função da

recuperação das taxas de lucro, hoje muito mais facilmente obtidas no mercado

financeiro do que na esfera da produção.

Medidas como a terceirização, o contrato por tempo parcial e o trabalho com autônomo buscam

não só a redução dos poros da jornada de trabalho, como a repartição, com a força de trabalho,

do risco capitalista. (...) Todos esses expedientes visam reduzir os gastos com mão-de-obra e

recuperar as taxas de lucro, num contexto em que as possibilidades de ganho financeiro são

substantivas [grifo nosso].

O peso destas decisões recai direta ou indiretamente sobre as pessoas como mais

uma dimensão da individualização e da reflexividade atuais, ampliando a dependência

com relação à informação originada nos discursos técnicos apresentados acriticamente

nos grandes meios de comunicação. A justificação técnica para medidas politicamente

draconianas segue sendo alvo de denúncias por serem responsáveis por crises

econômicas, alta do desemprego, quebra de confiança na economia, etc., que recaem

novamente sobre as pessoas comuns num ciclo perverso de aprofundamento da

vulnerabilidade socioeconômica.

Page 49: Nas Tramas Da Cultura Financeira

49

O deslocamento atual da gestão previdenciária do Estado para o indivíduo é

apenas um dos aspectos que contribui para a atual radicalização da chamada gestão

pessoal do futuro. O indivíduo contemporâneo vive uma responsabilidade antecipada

sobre o seu futuro, pela necessidade de tentar escapar do possível risco de não ter uma

velhice economicamente segura. Como consequência da criação desta necessidade, ele

entra em relação de dependência com o mercado de riscos e seguros, que passam a ser

os gestores privados do seu futuro.

Todo este quadro analítico aponta para o fato de que a individualização – como

resultante da relação dinâmica entre cultura objetiva e cultura subjetiva – vem se

tornando um estilo de vida coletivo na medida em que as sociedades passam a valorizar

culturalmente cada vez mais a conduta individualizada.

Assistimos de fato à emergência de uma racionalidade econômica

“descoletivizada”, ou, como preferimos chamar, à difusão de uma cultura econômica

profundamente individual, donde também todo louvor do mainstream econômico aos

discursos de promoção das capacidades individuais de empreendedorismo e da livre

iniciativa individual.

Todo o período de capitalismo neoliberal após meados dos anos 1970 foi marcado por uma luta

do capital para livrar-se dos encargos sociais, deixando a população buscar suas próprias

maneiras de adquirir e pagar serviços. A maneira como nós nos reproduzimos é, segundo

poderosas vozes de direita na política e na mídia, uma questão de responsabilidade pessoal, não

obrigação do Estado (Harvey, 2011:214).

Trata-se, no limite, de uma transformação nas formas de sociabilidade e de

construção de si que, amplamente compartilhada ao longo do tempo, converte-se numa

espécie de habitus coletivo (se pensarmos nos termos de P. Bourdieu, como disposições

Page 50: Nas Tramas Da Cultura Financeira

50

sociais estáveis e duradouras), que converte tal estilo individual em um modo de

organização da vida culturalmente valorizado, inclusive em termos de uma valorização

social da tomada de riscos. No plano financeiro, as relações atuais entre economia e

sociedade se expressam neste estilo de vida em franca difusão, que apresenta

consequências extremamente perigosas, como o incentivo ao comportamento

especulativo, a tomada do maior risco pela expectativa de obtenção do maior e mais

rápido lucro, e o aumento do poder político das chamadas agências de avaliação de

risco.

Através de uma variedade de “técnicas que aspiram a tornar o incalculável em

calculável”24

, estas agências passam a classificar países segundo um ranking de risco

que se converte no próprio objetivo último de países periféricos, como o Brasil: reduzir

o seu “risco-país” e receber destas agências o prêmio de bom comportamento com a

elevação do seu status para o assim chamado Investment Grade – ainda que isto

signifique ter que deixar de investir bilhões em saúde, educação, saneamento básico,

segurança, etc., para cumprir com as metas de superavit primário.

Entretanto, como puderam verificar recentemente as sociedades grega,

portuguesa, espanhola, islandesa, dentre outras, nos piores casos uma baixa na

classificação de risco pode deslanchar ou acelerar a crise financeira de um Estado com

base em especulações sobre o futuro, sem que essa crise seja economicamente

justificável (Lévy-Lang, op.cit.:181). Já no caso dos países considerados como muito

pobres ou extremamente endividados, estes ficam excluídos do grande mercado de

capitais por serem considerados como excessivamente arriscados (Raffinot, 2008:20).

24 Dean, 1999 apud Areosa, 2009:70.

Page 51: Nas Tramas Da Cultura Financeira

51

Podemos perceber desde já que a autonomização da forma cultural do dinheiro

perante a humanidade que lhe deu origem assume diversas facetas: pode-se analisá-la

através da circulação do próprio dinheiro, da estrutura da dívida, da venda da força de

trabalho, da extração de mais-valia, da produção e comercialização de qualquer

mercadoria, apenas para citar alguns exemplos. As entradas interpretativas neste debate

são múltiplas.

O que observaremos com mais detalhe no capítulo a seguir é o processo

econômico, político e social que culminará na radicalização desta relação de

autonomização da esfera financeira. Colocando a questão em termos simmelianos, no

próximo capítulo buscaremos apresentar uma visão geral de como chegamos ao

momento atual, marcado fortemente pelo que poderíamos denominar como a tragédia

da cultura econômica, quando a humanidade encontra-se frente a esta sua criação

cultural que ela não mais controla.

Page 52: Nas Tramas Da Cultura Financeira

52

CAPÍTULO III

Fiat Pecuniam!25

Uma nova configuração de poder

Não importa o nome pelo qual é chamado: o novo regime é dirigido pelas finanças.

26

Anteriormente, abordamos a modernidade tardia como um período histórico que

se caracteriza entre outros aspectos por promover uma economia política

individualizante, uma cultura de valorização do individualismo e uma transferência de

diferentes formas de risco do mercado, ou do Estado, para as pessoas comuns,

modificando formas de vida e de sociabilidade anteriormente mais valorizadas ou até

mesmo dominantes.

Veremos agora como neste contexto da modernidade avançada são traçados

novos vínculos entre poder econômico e política econômica. Tanto a partir de uma

perspectiva econômica francesa, a de Gérard Dumenil e Dominique Lévy, quanto de

uma geografia norte-americana, a de David Harvey, temos interpretações convergentes

que entendemos fenômeno do neoliberalismo como a expressão de uma configuração

de poder particular dentro do capitalismo, que transformou a cultura econômica a partir

dos anos 1970. Nesta nova configuração, o poder e a renda da classe capitalista

realmente rica foram restabelecidos depois de um período de décadas de retrocesso.

25 Tradução do latim: Faça-se o dinheiro! 26 Guttmann, Robert. Uma introdução ao capitalismo dirigido pelas finanças. Pp. 12. In : Revista Novos

Estudos Cebrap, n. 82, Cebrap, São Paulo, novembro de 2008.

Page 53: Nas Tramas Da Cultura Financeira

53

Deve-se notar, contudo, que aquilo que do ponto de vista do capitalista era retrocesso,

foi, do ponto de vista da classe trabalhadora, avanço. Na visão marxista contemporânea

de Therborn (2012:1-25),

há uma série de rótulos plausíveis que podem ser atribuídos ao século XX, mas em termos de

história social ele foi claramente a era da classe operária. Pela primeira vez, trabalhadores que

não tinham nenhuma propriedade se tornaram uma força política grande e duradoura. (...) O

welfare state – um estado de direitos civis e sociais – foi a mais importante conquista do

reformismo do século XX. (...) Os anos 1970 testemunharam o auge do movimento operário, em

organização sindical e em militância, com suas demandas por nacionalização [estatização] e

ruptura com o capitalismo.

No projeto do welfare state, a política (institucional) havia sido capaz de

desenvolver e manter uma relativa autonomia em relação à esfera técnico-econômica,

com o propósito de realizar intervenções políticas em eventos do mercado, que não

deveria ser totalmente “livre”. Para autores como Chesnais (2011:31), pode-se

considerar que no século XX o poder das finanças teve um parêntesis de apenas três

décadas no período conhecido sobretudo na Europa como os Trinta Gloriosos, que

durou gosso modo de 1945 a 1975, as economias capitalistas (pasmêmos!) funcionaram

sem Hedge Funds, sem finanças especulativas, sem beneficiários de dividendos e sem

juros sobre títulos da dívida pública. Hoje, as instituições políticas se tornaram

administradores de um desenvolvimento que elas nem planejaram e que nem são

capazes de estruturar, mas devem de alguma forma justificar (Beck, 1992:186-187).

Para Dumenil-Lévy (2004:1;7), “antes de analisar o neoliberalismo por aquilo

que ele é, é conveniente refutar a tese que o apresenta como um modelo de

desenvolvimento. Nem no centro, nem na periferia, o neoliberalismo se apresenta como

tal. Mesmo nos EUA, a taxa de crescimento da produção e a taxa de acumulação de

capital (a taxa de crescimento do estoque de capital fixo, isto é, o conjunto das

Page 54: Nas Tramas Da Cultura Financeira

54

construções e materiais de que dispõem as empresas para construir) registradas desde

1980 são menos elevadas que as detectadas nos decênios anteriores desde a II Guerra

Mundial”.

É interessante notar que assim como Graeber (2011) inicia sua análise com uma

crítica ao “mito do escambo” que embasa toda teoria neoclássica desde Adam Smith,

David Harvey (2008:79) também faz movimento semelhante ao alertar para o fato de

que “o pressuposto neoliberal do perfeito acesso a informações e de igualdade de

condições na competição parece ser ou inocentemente utópico ou um escamoteamento

deliberado de processos que vão levar à concentração de riqueza e, portanto, à

restauração do poder de classe”. Ambos evidenciam por caminhos distintos como a

economia contemporânea é fundada sobre a crença em determinados mitos que são, no

mínimo, questionáveis em sua plausibilidade.

No contexto de análise do caso dos EUA, ao se considerar o crescimento da

renda e o novo progresso das instituições financeiras, esse período pode ser

caracterizado como de uma nova hegemonia financeira. A partir da década de 1970 o

projeto neoliberal buscou desvencilhar o grande capital das restrições keynesianas que

lhe haviam sido impostas desde o final da segunda guerra, como a busca pelo pleno

emprego, a priorização do bem-estar dos cidadãos e o crescimento econômico. Como

bem resume Harvey (2008:20-21;31-32),

A teoria neoliberal obteve respeitabilidade acadêmica quando [Friedrich Von] Hayek em 1974 e

[Milton] Friedman em 1976 ganharam o prêmio Nobel de Economia. (...) Mas a dramática

consolidação do neoliberalismo como nova ortodoxia econômica de regulação da política pública

no nível do Estado no mundo capitalista avançado ocorreu nos Estados Unidos e na Grã-

Bretanha em 1979. O compromisso de longa data do Estado democrático liberal com os

princípios do New Deal – que significavam em termos gerais políticas fiscais e monetárias

keynesianas, e tinha o pleno emprego como objetivo central –, foi abandonado em favor de uma

política destinada a conter a inflação sem medir as consequências para o emprego. Iniciou-se

Page 55: Nas Tramas Da Cultura Financeira

55

assim ‘uma duradoura recessão profunda que esvaziaria as fábricas e destruiria os sindicatos dos

Estados Unidos, além de levar países devedores à beira da falência, dando início à longa era dos

ajustes estruturais’.

Esta “longa era dos ajustes estruturais” tem suas raízes no abandono unilateral

do chamado padrão-ouro pelo governo Nixon, dos EUA, em 15 de agosto de 1971. Para

Graeber (2012), esta decisão marca o fim do mais recente grande ciclo de organização

social da economia segundo a lógica da equivalência do dinheiro fictício ao ouro. Este

ciclo que se encerra teria se iniciado com as grandes navegações, por volta de 1450 D.C.

O novo ciclo que se inicia em 1971 marca o retorno do dinheiro fictício como o

organizador social fundamental das relações econômicas. “Quaisquer que tenham sido

as razões de Nixon, uma vez que o sistema global de dinheiro fictício foi inteiramente

descolado do ouro, o mundo entrou em uma nova fase da história financeira – uma que

ninguém entende completamente ainda” (Graeber, 2011:362).

Neste contexto, crédito e dívida ocupam um lugar central na economia e, uma

vez liberada do incômodo lastro às barras de ouro, as finanças podem então se expandir

indefinidamente. Toda a fluidez, velocidade, impessoalidade e artificialidade que

Simmel já identificava na modernidade são agora – menos de 100 anos depois – os

pilares de uma nova fase do desenvolvimento financeiro e social. A mudança dos

arranjos econômicos iniciada nos anos 1970 pode ser lida, ao modo simmeliano, como

um resultado do processo contínuo entre espírito e forma na cultura econômica. A nova

ideologia econômica é assim uma formação cultural objetivada pelos sujeitos de

determinada época, como tantas outras foram e serão. Deste ponto de vista, como

objetivação cultural, ela estará sempre sujeita à contingência do aparecimento de cenas

políticas de dissenso que a desafiem (Rancière, 1996).

Page 56: Nas Tramas Da Cultura Financeira

56

Cultura corporativa, cultura financeira, não importa fundamentalmente o nome

que se dê. A desregulamentação dos anos 1970-1980 deu lugar a um sistema de auto-

regulamentação da esfera econômica. “Os diretores executivos dos maiores bancos, um

grupo muito coeso de indivíduos que utilizam uns aos outros como referência e trocam

de posições entre si como se estivessem em uma porta giratória, impuseram uma

exploração agressiva das inovações e geração de receitas a todo custo como os

princípios centrais da cultura corporativa de suas instituições” (Guttmann, 2008:27).

Na modernidade tardia mais do que antes a cultura econômica se autonomiza, se

distancia com relação aos sujeitos, à vida cotidiana e à esfera da produção. Nesta

formação, os fluxos de capital financeiro são hoje muito maiores e mais rápidos do que

os fluxos do comércio e dos investimentos do setor podutivo, com impactos sobre a vida

e as relações sociais, que ainda não estavam presentes no período moderno antes

analisado por Simmel, mas que não deixam de ser objetivações da cultura subjetiva27

.

[Hoje] somos vítimas de uma cultura do crédito. Não passa uma semana sem que uma oferta de

cartão de crédito chegue à minha casa. (...) Temos que questionar o modo como os bancos jogam

dinheiro nas pessoas. É claro, sabemos por que o fazem. Fazer dinheiro a partir do dinheiro é

muito mais fácil do que, por exemplo, fazer dinheiro a partir de tomates. (...) Com o dinheiro eu

preciso apenas fazer um empréstimo, cobrar um preço justo, chamado juros, e fazer mais

dinheiro. Estamos nos tornando uma sociedade em que fazer dinheiro a partir do dinheiro tornou-

se uma das principais fontes de renda (Pettifor, 2000).

A financeirização foi uma transformação estrutural de importância imensa e ela

é complementada no plano da produção pela redução do peso da indústria nos países do

centro do sistema, iniciado justamente um pouco antes do auge do poder de contestação

da classe trabalhadora (Therborn, op.cit.:1-25). Não detalharemos aqui este processo de

reorganização industrial empreendido em escala global a partir da década de 1970, mas

27A cultura está na relação de sujeito e objeto, ela é a “síntese única (mas sempre em movimento) do

espírito subjetivo e do espírito objetivo”. (Waizbort, 2000:123).

Page 57: Nas Tramas Da Cultura Financeira

57

suas raízes ideológicas e consequências sociais, inclusive do ponto de vista dos

impactos sobre a formação da classe trabalhadora hoje, podem ser encontradas sem

dificuldade na literatura28

. A formulação sintética de Oliveira nos dá um quadro do

processo:

Tal é a contra-revolução de nosso tempo. A sociabilidade plasmada à época do trabalho como

categoria central, do trabalho fixo, previsível em longo prazo, base da produção fordista e do

consenso welfarista29, dançou.

A longa era dos ajustes estruturais marcará de forma bastante clara a

confrontação dos indivíduos com esta forma cultural fortemente autonomizada em que

se tornou o capitalismo financeiro. Porém, desta vez, a classe trabalhadora já não tem o

mesmo poder de barganha e suas características também se modificaram, num processo

que assemelhou as características da organização da força de trabalho àquelas da

modernidade avançada, tornando-a extremamente fluída, descentralizada,

individualizada e desideologizada.

A reestruturação produtiva desarticulou grande parte da estrutura sindical criada

ainda no contexto da modernidade industrial, levando a um enfraquecimento dos

sindicatos e a uma queda generalizada nas taxas de sindicalização – em parte decorrente

também da redução do mercado formal de trabalho e um incentivo ao

empreendedorismo informal, o que como resultado gerou uma enorme massa de

trabalhadores informais que não estão representados sindicalmente.

No Brasil, observa-se que a taxa de sindicalização chegou a cair a menos da

metade nos anos 1990 em comparação à década anterior. A partir dos anos 2000,

observa-se uma relativa recuperação. A taxa de sindicalização no Brasil era de 11% ao

28 A este respeito ver, dentre outros, Boltanski-Chiapello (2009); Mello e Silva (2002). 29 Referente aos arranjos capital-trabalho construídos nos marcos do welfare state.

Page 58: Nas Tramas Da Cultura Financeira

58

final dos anos 1970. Na década de 1980, chegou a 32%, caiu para 10% na década de

1990 e, atualmente, está em 18%30

. Nos EUA, tem-se hoje o mais baixo nível de

sindicalização da história, chegando apenas a 7%.

Não é sem razão, portanto, que para certos autores falar de sindicalismo hoje é

falar da crise dessa instituição e das possibilidades de sua reinvenção num contexto

histórico de transformações da modernidade industrial rumo à uma sociedade

informacional (Guimarães, 2007:91-107). Organizar os trabalhadores informais

dispersos e desarticulados se tornará uma das maiores dificuldades para o movimento

dos trabalhadores.

Muitas vezes referido hoje em dia como o “precariado” (para enfatizar o caráter flutuante e

instável de seus empregos e estilos de vida), esses trabalhadores têm sempre representado um

grande segmento da força de trabalho total. No mundo capitalista avançado se tornaram cada vez

mais proeminentes nos últimos trinta anos devido a mudanças nas relações de trabalho impostas

pela reestruturação societária neoliberal e pela desindustrialização (Harvey, 2011:196).

Por outro lado, nos países em que os sindicatos conseguiram resistir em alguma

medida ao neoliberalismo, emergiram novas formas de relacionamento com uma

economia organizada menos pela esfera produtiva e cada vez mais pelas finanças. Como

aponta também Bello e Silva (2007:11-12), duas das principais “dinâmicas dominantes

do capitalismo mundial foram o avanço da lógica da financeirização e o fim do

predomínio da sociabilidade do trabalho fordista”.

Concomitante ao desmanche do modelo econômico keynesiano, uma das mais

profundas transformações que impactaram as relações entre o trabalho e capital a partir

dos anos 1970 foi a sua inserção na esfera financeira via fundos de pensão. Inicialmente

nos países industrializados, mas posteriormente também em países emergentes como o

30 Cf. Pichler, 2012; e Pochmann, apud Camacho, 2008.

Page 59: Nas Tramas Da Cultura Financeira

59

Brasil,o movimento sindical passa a ter não apenas influência, como também poder

decisório nos espaços dos conselhos de gestão de fundos de pensão31

, nos quais

sindicalistas e técnicos oriundos do mercado financeiro são “co-responsáveis” pelo

destino dos recursos provenientes das pensões dos trabalhadores.

Como bem assinala Harvey (2011:188), nesta nova configuração em que o

modelo keynesiano é substituído pelo neoliberal, não apenas a clássica figura

sociológica do proletariado será atingida em cheio, como também a classe trabalhadora

contemporânea passa progressivamente a vivenciar diferentes posições sociais que se

sobrepõem, por vezes de forma contraditória.

As identidades são múltiplas e sobrepostas. Trabalho como operário, mas tenho um fundo de

pensão que investe no mercado de ações e tenho uma casa que estou reformando aos poucos com

meu próprio trabalho e que pretendo vender para alcançar algum ganho especulativo.

No Brasil, os fundos de pensão existem desde os anos 1970, mas a inserção

sindical na gestão financeira de grandes fundos de empresas estatais data do início dos

anos 1990 (quando foram envolvidos no processo de privatizações durante o governo

FHC) e hoje são gestores de milhões de dólares32

. Tal prática é desenvolvida

principalmente pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), em setores estratégicos

como o petroleiro (através do fundo Petros, da Petrobras) e o bancário (através do fundo

Previ, do Banco do Brasil).

31 Especificamente a este respeito, ver a obra de Jardim, 2007; 2008; 2009; 2009b, citado. 32 Segundo o ex-secretário de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social, Ricardo Pena, hoje “o Brasil possui o oitavo maior sistema de previdência complementar do mundo, com 370

fundos de pensão, mais de 2.300 patrocinadores sendo 87% de empresas privadas, administrando mais de

1.000 planos de benefícios, com recursos de R$ 420 bilhões, cobrindo aproximadamente 5% da

População Economicamente Ativa (PEA) e já pagando mensalmente mais de 600 mil benefícios de

aposentadoria e pensões” (cf. Pena, 2008).

Page 60: Nas Tramas Da Cultura Financeira

60

Para o caso brasileiro, as análises de Francisco de Oliveira (2003:147) –

sobretudo em O Ornitorrinco – acerca do papel sindical na disputa pela hegemonização

de posições-chave dos fundos de pensão assinalam com precisão uma marca bem

característica do contexto político atual, definido aí como sendo o de uma hegemonia às

avessas da classe trabalhadora que, através do Partido dos Trabalhadores (PT), chegou

ao poder, mas não foi capaz de modificar as estruturas financeiras da economia. Para

Bianchi-Braga (2005:1761), a inserção dos fundos de pensão numa estratégia de

revolução passiva comandada pelo PT é “a ponte” que torna viável uma aliança

orgânica de setores do sindicalismo com o capital financeiro.

Contrariamente a uma hipótese que sugeriria que o movimento sindical inserido

na esfera financeira poderia ser capaz de realizar o que alguns autores denominam como

um ativismo acionista (shareholder activism) (Greider, 2005; Evans, 2006; Barros et al.,

2007; Cetina, 2007), hoje diversos autores apontam para um movimento contrário, isto

é, os trabalhadores seriam apenas mais uma peça do jogo financeiro especulativo, no

interior do qual haveriam também transformado seu habitus sindical (Bourdieu, 2006;

Grün, 2005; 2004b; e Jardim, 2008). A crítica recai sobre o fato de que no Brasil 63,6%

dos investimentos dos fundos de pensão estão em renda fixa, o que quer dizer, títulos

da dívida pública do governo. A análise é corroborada também por Paulani (2008:98),

para quem a contradição dos fundos de pensão está no fato de que

Aos gestores desses fundos cabe administrar os recursos depositados por longo período de

tempo, de modo que garanta o rendimento financeiro necessário para honrar os compromissos

previdenciários futuros. Sendo assim, esse regime busca maior liquidez no menor período de

tempo e com o menor risco possível, o que torna os títulos de renda fixa, particularmente os

títulos da dívida pública, os ativos por excelência de seus portfólios. É claro que, por essa lógica,

os fundos de pensão serão tão mais bem-sucedidos quanto maiores forem as taxas de juros. Por

outro lado, quando aplicam em renda variável (ações), eles buscam evidentemente aqueles

papéis com maior capacidade de valorização – esses papéis são, hoje, aqueles pertencentes às

Page 61: Nas Tramas Da Cultura Financeira

61

empresas que melhor executam os programas de downsizing, de terceirização e de flexibilização

de mão-de-obra.

Como podemos perceber desta breve discussão sobre a inserção dos

trabalhadores na esfera financeira via fundos de pensão, hoje poucos investimentos são

tão rentáveis como os títulos da dívida pública dos países. Mesmo novos arranjos

financeiros, como estes dos fundos de pensão, continuam a extrair suas maiores

rentabilidades destes títulos, que em última instância são pagos com dinheiro público.

De que forma específica a dívida brasileira se situa no contexto recente de

financeirização do capitalismo é o que abordaremos na seção seguinte.

A dívida brasileira no salto rumo à financeirização

Antes de entrarmos no debate mais recente sobre o endividamento brasileiro no

contexto do novo ciclo de organização da economia a partir do dinheiro fictício (cf.

Graeber), será importante observar, com Arruda (2007) e Toussaint (2002), que o país já

esteve em situação de endividamento pesado nas primeiras décadas do século XX, ainda

sob o registro da modernidade industrial.

[Naquela época], afetados pela crise financeira de 1929, 14 países em desenvolvimento

suspenderam o pagamento da dívida externa de 1931 a 1935, realizaram auditorias e

promoveram uma moratória coordenada. No Brasil, o então presidente Getúlio Vargas

determinou, em 1931, a realização de uma auditoria da dívida externa, constatando que somente

40% dos empréstimos se encontravam documentados, não havia contabilidade regular da dívida

e tampouco controle sobre as volumosas remessas de pagamentos ao exterior33.

33 Cf. Arruda, 2007.

Page 62: Nas Tramas Da Cultura Financeira

62

Esta postura soberana que o país adotou frente aos credores internacionais na

década de 1930, no entanto, não se repetiria cinquenta anos mais tarde, quando explode

o novo ciclo de endividamento iniciado pelos governos da Ditadura Militar. O Brasil,

apesar de ser um ator relativamente marginal no jogo de poder capitalista, foi um dos

mais afetados pela mudança de contexto econômico, e, assim como outros países

periféricos, foi novamente capturado pelo endividamento externo através de uma

dinâmica de sucessivos empréstimos de intenção duvidosa. Duvidosa porque afinal,

como se sabe, “quanto mais um banco empresta, mais altos são os seus

lucros” (Chesnais, 2011:44).

O ativista belga contra a dívida e um dos coordenadores do CADTM (Comitê

pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo) na Europa, Eric Toussaint (op.cit.:57-58),

ressalta que um empréstimo é não raro altamente desejado não apenas por aqueles

(países, empresas, pessoas) que necessitam de recursos, mas também pelos credores que

precisam fazer render seu capital excedente.

Os banqueiros do Norte se lançaram numa política de empréstimos cada vez

mais audaciosa (e arriscada), particularmente com os países do Terceiro Mundo,

oferecendo taxas de juros bastante baixas, próximas a zero se descontada a inflação. A

efetivação destes empréstimos envolveu – do lado brasileiro – certa ingenuidade talvez

alimentada pela cega pretensão a potência mundial do regime ditatorial, que levou à

assinatura de contratos com juros baixos, mas com um detalhe fundamental: eram

flutuantes.

Todos estes empréstimos visavam responder a uma mesma lógica de, através do

aumento do endividamento, conectar mais fortemente o país da periferia ao mercado

Page 63: Nas Tramas Da Cultura Financeira

63

mundial e direcioná-lo para a exportação de alguns produtos especializados. Durante

cerca de quinze anos este esquema funcionou intensamente.

Foi então que, pelo lado dos credores e do Federal Reserve norte-americano34

(Fed), executou-se uma manobra política de extrema violência financeira, com o

aumento unilateral dos juros (bem entendido, flutuantes) em outubro de 1979. Esta

violência estava, contudo, juridicamente amparada pelos contratos assinados, o que

legitimava legalmente a medida. Cruz (1984) identifica fatores internos e externos que

levaram o Brasil a se tornar refém da dívida.

A origem da dívida brasileira está na expansão dos bancos dos paises desenvolvidos, que a partir

do final do anos 1960, passaram a procurar clientes fora dos Estados Unidos e da Europa. A

política do milagre econômico estimulava as empresas a buscarem créditos para aumentar seus

negócios, aceitando de bom grado as facilidades oferecidas pelos bancos internacionais, ávidos

por operações lucrativas em todos os cantos do mundo. A partir de 1964, o governo estimulou o

endividamento do país e com isso ampliou os vínculos da economia nacional com o sisitema

bancário internacional. De 1968 a 1973 o país creceu a taxas “milagrosas” de 10% ao ano e

nesses anos, a dívida passou de 3,8 bilhões dólares em 1968 para 12,6 bilhões em 1973. O

aumento de 3,8 bilhões para 12,6 bilhões esteve assim relacionado, já no período 1968-1973, ao

pagamento de juros (90%). A responsabilidade do governo brasileiro está sobretudo vinculada à

forma e ao tamanho da dívida35.

De 1973 a 1982 aumentam as dívidas dos países periféricos, que as contraíam

através destes contratos que previam uma determinação flutuante das taxas de juros de

acordo com o praticado pelo Fed. A necessidade interna de conter a alta da inflação nos

EUA e os dois ‘choques de alta do preço do petróleo’, em 1974 e 1979, levaram o Fed a

elevar os juros de forma brusca e contínua num aumento de 300% em relação à média

do período 1969-1973.

34Federal Reserve Bank, banco central dos EUA. 35Cruz, Paulo Davidoff. As origens da Dívida. In : Lua Nova, pp. 41-46, USP, 1984.

Page 64: Nas Tramas Da Cultura Financeira

64

No caso da América Latina, de 1970 a 1983, os juros passaram de uma média de

-3,4% entre 1970 e 1980, a +19,9% em 1981, +27,5% em 1982 e +17,4% em 1983

(Toussaint, 2002:59). Assim, nações de médio porte porém altamente alavancadas em

empréstimos, como o México e o Brasil, viram-se obrigadas a arcar com taxas

extremamente altas, além de pagarem mais para adquirir dólares necessários ao serviço

da dívida.

Desta forma, “pela primeira vez na história recente da dívida brasileira,o

acréscimo da dívida com novos empréstimos (9,2 bilhões) foi insuficiente para pagar os

juros da própria dívida vencidos no período (10,5 bilhões). Isso obrigou a contração de

empréstimos adicionais de curto prazo (2,8 bilhões) com péssimas condições quanto a

prazos e custos” (Cruz, op.cit., grifo nosso). Como resultadoda crise da dívida mexicana

e da sua moratória de cerca de 80 bilhões de dólares, em 1982, a política econômica dos

países endividados ficou de vez sob tutela do Fundo Monetário Internacional (FMI) e

consolidou sua subordinação aos interesses dos credores internacionais. Para Oliveira

(2006:273) pode-se interpretar o profundo endividamento dos países periféricos como

as primeiras formas pelas quais a mundialização os atingiu, ao lado da presença das

multinacionais. Como enfatiza este autor, no entanto, “as multinacionais operavam

ainda num campo determinado pelas decisões internas. A dívida externa extroverte o

processo”.

Para avançar um pouco mais além dos números, o que nos interessa ressaltar

aqui é que as origens do processo de endividamento que se desenvolve neste contexto

de uma modernidade avançada e pós-keynesiana são profundamente políticas. Por parte

dos países periféricos, foram alimentadas por aspirações ufanistas militares, lembremos,

num momento de guerra fria e ordem bipolar. Por parte dos credores, a dívida se

Page 65: Nas Tramas Da Cultura Financeira

65

mostrava uma ferramenta de poder formidável para dar impulso à fase mais recente da

globalização econômica, a globalização das finanças.

Podemos mesmo dizer que a imposição do neoliberalismo começou pelo que certos autores

chamaram o ‘golpe de Estado’ do Banco Central dos Estados Unidos, o Federal Reserve, que,

em 1979, aumentou bruscamente suas taxas de juros, o que teve como consequência a explosão

da dívida dos países do Sul (ATTAC, 2011:13).

Em Simmel já temos uma primeira impressão sociológica de como na passagem

do séc. XIX para o XX a difusão do dinheiro age na intensificação das inter-relações

sociais (não necessariamente pessoais, mas cada vez mais funcionais, relativas aos

processos de reprodução social). Nos anos de 1980 será também a partir do

aprofundamento da interdependência financeira entre as nações (construída através das

relações de endividamento) que paulatinamente se abrirá caminho para outros processos

de financeirização da economia e das relações humanas.

Como vimos anteriormente com Graeber, uma das grandes “vantagens” da

dívida com relação ao dever é a possibilidade de ela ser transferível, e isto acontece a

partir do momento em que o valor social do dever moral passa a ser contabilizado em

dinheiro, por volta de 5.000 anos atrás. A expansão da financeirização da economia a

partir dos anos 1980 segue exatamente este princípio de tranferência, que possibilitou

então a sua entrada no mercado financeiro por meio da emissão de títulos, que nada

mais são do que promessas de um pagamento futuro, que podem ou não ser cumpridas.

Na visão do economista francês François Chesnais (2011:34-35), esta conversão

da dívida em títulos no mercado de ações, que passariam a partir de então a ser

avaliados segundo critérios de risco será uma das principais consequências da crise da

Page 66: Nas Tramas Da Cultura Financeira

66

dívida que explodiu nos anos 1980 e que continua a marcar profundamente as

economias dos países até hoje.

As mudanças [dos anos 1970] culminaram na crise mexicana de 1982, que abriu caminho para o

Plano Brady, que incluía o reescalonamento das dívidas (mantendo contudo seu caráter

impagável devido aos juros); e a transformação das dívidas dos países em títulos que poderiam

ser negociados no mercado financeiro. Começa aí a história das avaliações de risco das dívidas

soberanas.

Na virada dos anos 1980/1990, será através de uma inserção radical dessas

economias no sistema financeiro que será montado um novo esquema de financiamento

das dívidas, garantindo assim a remuneração dos credores. Toussaint (op.cit.:63) nota

que um dos pontos chave deste fenômeno da titularização das dívidas é que ele

permitirá aos financistas privados (principalmente bancos) transferirem rapidamente

para terceiros os títulos da dívida de um país qualquer se algum risco se apresentar, ou

se eles julgarem que um outro investimento pode ser mais lucrativo. Esta extrema

fluidez é sinônimo de instabilidade e incerteza, pois ela permite movimentações de

capital amplas, rápidas e intercomunicadas.

Uma engenharia política conduzirá este novo esquema no interior das instiuições

internacionais responsáveis por operá-lo, o FMI e Banco Mundial36

. A nova orientação

para as políticas econômicas foi denominada por seus próprios criadores como Planos

de Ajuste Estrutural37

, que era de fato uma expressão econômica para a visão política

então conhecida como o Consenso de Washington. Teitelbaum (2002:86) argumenta

que as chamadas “políticas de ajuste” são econômicamente recessivas e socialmente

36 A respeito das mudanças políticas nos consensos internos ao Banco Mudial e ao Fundo Monetário

Internacional, ver a discussão de Maranhão, 2009. GovernançaMundial e Pobreza: do Consenso de

Washington ao consenso das oportunidades.Citado. Ver também: S. Haddad, 2008; J. L. Fiori, 2005; e

M. Said, 2005. 37Structural Adjustment Programs, na formulação anglófona original.

Page 67: Nas Tramas Da Cultura Financeira

67

regressivas, pois o único objetivo real do FMI é que os devedores paguem o serviço da

dívida aos credores.

Com estas políticas, o endividamento crescerá, dado que a economia do país

devedor ficará estagnada ou crescerá lentamente. Este deverá, então, contrair novos

empréstimos para pagar o serviço dos empréstimos anteriores. É assim que a dívida

externa não cessa de aumentar e se transforma em “dívida eterna”.

Com a ampla difusão do Consenso de Washington, a ideia largamente difundida

desde a crise de 1929, de que mercados financeiros sem limitações poderiam ser uma

ameaça, foi substituída então pela ideologia de que os mercados ‘sabem o que é melhor’

(Carvalho-Krueger, 2007:14). Volta à cena aqui toda a questão da organização do

sistema econômico baseada em uma crença, isto é, em algo não comprovado

empiricamente, tal qual o mito fundador do escambo smithano.

Poderia-se objetar esta interpretação afirmando que os países do centro do

sistema são tão ou mais endividados do que os países periféricos e que portanto não

haveria realmente dominantes e dominados nesta relação. De fato, ao nos debruçarmos

sobre a questão, uma primeira e incômoda constatação se impõe: “o Norte possui uma

dívida bem mais significativa que aquela dos Países em desenvolvimento (PED). Assim

é que somente a dívida dos Estados Unidos representa mais do dobro da dívida de todos

os PED, com China e Índia incluídos, e 8,5 vezes a da América Latina e Caribe. (...) A

dívida pública da França representa 80% da de todos os PED” (ATTAC, 2011:24).

Mas para além da diferença de magnitude das dívidas de países do centro e da

periferia, outra diferença que se deve notar é a sua origem, ou gênese. As dívidas dos

países periféricos decorrem em larga medida de empréstimos obtidos seja para financiar

grandes projetos na economia real, seja para financiar problemas de balanço de

Page 68: Nas Tramas Da Cultura Financeira

68

pagamentos e o saldo de dívidas anteriores. Já as dívidas dos países do centro, por sua

vez, estão muito mais vinculadas aos gastos militares e ao financiamento de diferentes

guerras do passado e do presente. O gráfico 1 a seguir exibe a estarrecedora correlação

positiva entre a dívida pública federal dos EUA e o seu orçamento de Defesa, com um

forte aumento de ambos a partir dos anos 1980 e, sobretudo, a partir dos anos 2000,

quando se inicia a era da Guerra ao Terror. Como ressalta Graeber (2011:365;366),

A dívida dos EUA permanece sendo, como tem sido desde 1790, uma dívida de guerra: os

Estados Unidos continuam a gastar mais com seu exército do que todas as outras nações da Terra

juntas. (...) Nunca nenhum outro governo teve uma capacidade militar nem mesmo similar a esta.

Na realidade, pode-se argumentar que é o próprio poder militar que mantém todo o sistema

monetário mundial coeso em torno do dólar. (...) O poder imperial americano é baseado sobre

uma dívida que nunca será paga – não poderá ser paga. Sua dívida se tornou uma promessa aos

seus cidadãos e aos outros países do mundo, mas que todos sabem que não será cumprida.

Gráfico 1: Dívida pública federal x Orçamento de Defesa. EUA, 1950-200838

38 Extraído de Graeber, 2011:360.

Page 69: Nas Tramas Da Cultura Financeira

69

O que estas colocaçõesnos revelam, portanto, não é uma aparente igualdade

entre países do Norte e do Sul, já que todos de alguma forma estão endividados, mas,

sim, toda a dimensão de desigualdade política que envolve a questão da dívida. Isto

porque a política dos EUA (e de outros países do centro que são credores, porém

altamente endividados) é a de exigir dos países periféricos endividados com seus títulos

do tesouro que façam justamente o contrário: que executem políticas monetárias duras e

que paguem suas dívidas rigorosamente.

Nesta relação de poder entre as nações, a extração de riqueza dos países

endividados do Sul para o Norte (ou da periferia para o centro) é realizada através de

um tipo de violência que via-de-regra dispensa a guerra, e que poderiamos chamar de

violência econômica. Para autores como Hudson (apud Graeber, 2011:368) trata-se de

um “imperialismo da dívida”, fundamentado sobre impagáveis contratos de empréstimo

que passaram aser um dos pilares da nova ordem capitalista estabelecida a partir dos

anos 1970, com o fim do padrão ouro.

Romper com o modelo de bem-estar social construído desde a crise de 1929 e do

pós-II Guerra, nas suas diversas e imperfeitas variações, passará a ser a diretriz

econômica geral nos países de economia capitalista avançada39

.

Esta redistribuição de partes do rendimento funcional de salários pela transferência do lucro

industrial para o rendimento financeiro está vinculada à alteração paralela da distribuição da

renda favorável aos mais ricos, nas mãos dos quais a maior parte dos ativos financeiros está

concentrada, bem como uma distribuição ainda mais desigual da riqueza, uma tendência geral

nas nações mais industrializadas (Guttmann, 2008 :14).

39 Este processo ocorre mesmo na Scandinávia, onde o Estado de Bem-estar Social chegou a ser mais bem

desenvolvido e eficazmente funcional do que na maior parte dos demais países.

Page 70: Nas Tramas Da Cultura Financeira

70

Segundo Dumenil-Lévy (2004:10), um estudo da riqueza total das classes

dominantes nos Estados Unidos faz aparecer sua forte diminuição relativa durante a

crise dos anos 70. Se no pós-guerra a camada das famílias mais ricas, representando 1%

da população, detinha aproximadamente 33% da riqueza total do país, no começo dos

anos 70, esta porcentagem caiu para 22%. A partir daí, em poucos anos, o

neoliberalismo restabeleceu a concentração de patrimônio (sempre relativo ao conjunto

da população) nos níveis anteriores à crise, ou até mais altos (ver gráfico 2).

Dados de 2007 mostram o resultado deste processo: os 10% mais ricos nos

Estados Unidos se apropriaram de 50% da renda total do país e ultrapassaram assim o

nível atingido em 1928, às vésperas da Grande Depressão de 192940

.

Gráfico2: Parte da renda detida pelo 1% com renda mais elevada (%): EUA41

Numa análise muito coincidente com a da dupla francesa Duménil-Lévy sobre a

natureza do processo de neoliberalização da economia mundial, Harvey observa que os

40Saez, Emmanuel, apud, ATTAC, 2011:114. 41 Fonte: Saez, Emmanuel, apud, The Economist, July 26th 2008.

Page 71: Nas Tramas Da Cultura Financeira

71

dados recentes sugerem fortemente que a neoliberalização foi, desde o começo, um

projeto voltado para restaurar o poder de classe.

Podemos, portanto, interpretar a neoliberalização como um projeto utópico de realizar um plano

teórico de reorganização do capitalismo internacional ou como um projeto político de

restabelecimento das condições da acumulação do capital e de restauração do poder das elites

econômicas (2008:26).

O gráfico 3 adiante dá uma dimensão clara do poder de enriquecimento através

do mercado financeiro em comparação com outros ramos de atividade produtiva,

mostrando a distribuição dos bilionários do mundo por ramo de atividade econômica.

Dados separados entre setor primário, indústria e serviços, com referência no ano de

2008, evidenciam que não há nenhum setor produtivo (nem mesmo o setor petroleiro ou

de mineração) que proporcione uma rentabilidade tão alta quanto o setor financeiro,

disparado em primeiro na lista.

Vale notar também que os segundo e terceiro lugares (setor imobiliário e de

tecnologia da informação, respectivamente) são extremamente vinculados às finanças e

estiveram recentemente no centro de duas crises financeiras resultantes de bolhas de

especulação: a crise dos títulos imobiliários Subprime em Wall Street e a crise das ações

da ações de empresas de internet cotadas na Nasdaq. Na sintética formulação de

Guttmann,

O capitalismo dirigido pelas finanças tem dado prioridade ao capital fictício, cujos novos

produtos, como derivativos ou valores mobiliários lastreados em ativos, estão a vários níveis de

distância de qualquer atividade econômica real de criação de valor. Nessa esfera, o objetivo

principal é negociar ativos em papel de forma lucrativa para obter ganhos de capital, uma

atividade mais bem definida como especulação (2008:22).

Page 72: Nas Tramas Da Cultura Financeira

72

Gráfico 3: Ramos de atividade dos 1.125 bilionários do mundo em 200842

Este projeto de liberalização da economia, contudo, não poderia ter sido

executado durante os últimos 40 anos somente a partir das forças do mercado. Uma das

principais marcas do neoliberalismo mundo afora tenha sido a remodelação dos aparatos

de Estado, segundo práticas políticas de “enxugamento da máquina”, corte dos gastos

sociais, flexibilização das leis laborais e ambientais, e total dedicação ao bem-estar da

42 Fonte: Revista Forbes, março de 2008.

Page 73: Nas Tramas Da Cultura Financeira

73

esfera econômica, que passaria a partir de então a exigir do poder público garantias de

um “ambiente de negócios seguro”.

No que diz respeito à força política da esfera financeira, chama a atenção a

importância que ganha sob o neoliberalismo certo espaço social das finanças. Mais

concretamente, uma pesquisa elaborada pelo Transnational Institute, de Amsterdam,

traça ligações entre as principais companhias petroleiras do mundo e o setor financeiro,

especificamente os bancos (ver Figura 1 adiante). Talvez até pela dificuldade no acesso

a este tipo de informações, é pouco mencionada esta complexa trama de relações

ligando esfera financeira e economia real, passando pelo campo da política.

Através da disseminação de um capitalismo acionário, isto é, aquele em que as

empresas da economia real se lançam como mercadoria no mercado de ações,

desenvolveu-se uma intrincada rede de participações mútuas das empresas umas nas

outras, através da presença nos seus respectivos conselhos executivos. Isto significa que

as lógicas da economia real e da virtual, financeira, estão cada vez mais amalgamadas,

sobretudo nos países do centro do sistema, mas não apenas. Na formulação precisa de

Singer (2008:4),

A economia real também é dominada por um punhado de transnacionais de grande porte. Para

não ter de se submeter aos complexos financeiros, estas firmas criaram seus próprios braços

financeiros, semelhantes aos complexos financeiros independentes. As estruturas das finanças e

da economia real se assemelham, sobretudo em seus aspectos oligopólicos e transnacionais.

As relações são complexas e uma grande empresa como a petrolífera Shell, por

exemplo, possui como membros do seu Conselho Executivo três grandes bancos:

Deutsche Bank, da Alemanha, Citigroup e Bank of America, dos EUA. Na perspectiva

aqui adotada, para a qual a influência de Duménil-Lévy (2004:5) é importante, as

Page 74: Nas Tramas Da Cultura Financeira

74

finanças são justamente esta trama de relações sociais envolvendo mutuamente os

setores real e fictício da economia, perpassando o campo político.

Chamamos de finanças estas frações superioras das classes capitalistas e suas instituições

financeiras. Não se trata de uma atividade particular, como um banco. No capitalismo moderno,

a classe dos grandes proprietários do capital é relativamente unida, possui partes de todos os

setores da economia (por meio de seus títulos) e os controla (através de suas instituições

financeiras). Isto não impede que as atividades propriamente financeiras e o setor financeiro

tenham adquirido, no neoliberalismo, uma maior importância. Por um lado, tais atividades

tornaram-se muito mais rentáveis e, por outro, o controle da economia nacional e mundial pelas

instituições financeiras é crucial na manutenção e perpetuação da ordem neoliberal.

Figura 1: Bancos e Petróleo: Empresas presentes mutuamente em seus

Conselhos Executivos43

43 Fonte : Transnational Institute, Amsterdam. http://www.tni.org/article/dirty-money-finance-and-fossil-

fuel-web

Page 75: Nas Tramas Da Cultura Financeira

75

Retomando a linha interpretativa de Harvey, o tipo de aparelho de Estado que se

pode chamar de Estado neoliberal é aquele em que as liberdades refletem os interesses

dos detentores de propriedade privada, dos negócios, das corporações multinacionais e

do capital financeiro (2008:17). Some-se a isso a ampla disseminação de uma forte

ideologia segundo a qual as liberdades individuais, e inclusive a própria democracia, são

garantidas pela liberdade de mercado e de comércio.

Como assinala Paulani (2008:121-122), no entanto, existe uma contradição na

gestão neoliberal do Estado: ela implica conduzi-lo como se fosse um negócio, mas o

resultado é o inverso do que ocorre quando essa racionalidade é aplicada ao setor

privado. Em vez do acúmulo de recursos e de reprodução ampliada do “capital público”,

se vê a dilapidação dos recursos do Estado, encolhimento de seu tamanho, atrofiamento

do espaço econômico público. Neste contexto neoliberal, “grupos de interesse têm

poder sobre o parlamento, o governo e a administração política. (…) O Estado

intervencionista preenche as lacunas funcionais deixadas pelo mercado” (Beck, 1992:

188-189), através de programas sociais ao modo Bolsa Família.

A desproporção entre o poder das finanças e a força da políticafica ainda mais

clara quando, para além do diagnóstico político, vamos aos números de uma iniciativa

como o mencionado Bolsa Família, tido como um dos pilares da melhora de vida das

camadas mais pobres do Brasil no período recente. Impressiona saber que,

para 2013, estão previstos 900 bilhões de reais para o pagamento da dívida. Dessa forma, em

nove dias de pagamento da dívida supera-se o montante previsto para o ano inteiro para o

programa Bolsa Família. Enquanto o programa Bolsa Família atende cerca de 13,5 milhões de

famílias, sabe-se que poucos bancos e instituições financeiras nacionais e estrangeiras detêm a

propriedade dos lucrativos títulos da dívida brasileira. (...) A depender da política de superavit

primário do governo para o pagamento do serviço da dívida, [o Bolsa Família] ainda pode ser

Page 76: Nas Tramas Da Cultura Financeira

76

drasticamente contingenciado, como temos observado em quase todas as áreas sociais no início

de cada ano44.

Além de ser o maior gerador de renda e riqueza em capital virtual – negociando

diariamente um volume de recursos maior do que a produção real mundial – o mercado

financeiro é na realidade bastante centralizado: 90% das transações se dão em apenas

sete países; 80% em apenas 11 centros financeiros; 33% só na cidade de Londres; 85%

em dólares (IPEA, 2010:14).

Como se pode ver no Gráfico 4 adiante, mesmo em tempos de crise o número de

bilionários no mundo continua a crescer, e ele é em grande parte o resultado dos

processos de financeirização da economia, que concentra muita riqueza fictícia nas

mãos de poucos.

Gráfico 4: número de bilionários no mundo: 1996-201045

44 UNISINOS. Instituto Humanitas. Orçamento federal de 2013: 42% vai para a dívida pública.

Entrevista com Maria Lúcia Fattorelli. 17 de setembro de 2012 45The Economist, Jan. 22nd-28th, 2011.

Page 77: Nas Tramas Da Cultura Financeira

77

A constatação de Paulani (2008; 2009) de que o Brasil construiu seu caminho

nos últimos 20 anos com o objetivo de ser chancelado internacionalmente como uma

das principais plataformas de valorização financeira do mercado mundial, não é,

portanto, de se desprezar. Ao contrário. Nota-se que “o clube” é restrito mesmo para os

que aceitam nele se inserir em posição subordinada, como o Brasil.

Pode-se afirmar que a expansão e a intensificação do neoliberalismo se

processam de forma mais acelerada nos países periféricos como o Brasil ao longo dos

anos 1990, e a partir de ao menos quatro processos importantes46

:

a) Abertura dos mercados financeiros: a desregulação faz do sistema financeiro o

instrumento mais importante de obtenção e concentração de riqueza.

b) Crescente mobilidade geográfica do capital, facilitada em grande parte pela

redução de custos possibilitada pelos avanços científicos das tecnologias da

informação.

c) O complexo Wall Street-FMI-Federal Reserve domina a política econômica.

Abertura financeira e comercial, estabilização econômica e “clima de negócios”

favoráveis ao capital tornam-se requisitos inabaláveis da nova ordem econômica

neoliberal.

d) Influência ideológica cada vez mais forte; expugnação dos quadros

econômicos keynesianos das principais instituições econômicas nacionais e

internacionais; concepção do Consenso de Washington; criação de nova

institucionalidade multilateral para o comércio mundial com a fundação da

Organização Mundial do Comércio (OMC).

46 Cf. David Harvey, 2008:100-103.

Page 78: Nas Tramas Da Cultura Financeira

78

Ainda que se tenham elaborado as políticas do Consenso de Washington

segundo uma receita única para qualquer economia, Harvey chama a atenção (2008:23)

para o desenvolvimento geográfico desigual do neoliberalismo. Sua aplicação

frequentemente parcial e assimétrica de Estado para Estado e de formação social para

formação social atesta o caráter não-elaborado das soluções neoliberais. Complexas

forças políticas, tradições históricas e arranjos institucionais existentes influenciaram as

formas pelas quais o processo de neoliberalização ocorreu e ainda ocorre em cada lugar.

No contexto brasileiro dos anos 1990, período da implantação do neoliberalismo

no país, diversos aspectos da ideologia neoliberal se mesclaram com a novidade

simbólica da ideia de “Globalização” que a invenção da Internet então radicalizava,

tornando-a palpável, e foram naquela oportunidade mobilizados pelo discurso oficial.

Tornou-se decisivo veicular a ideia de que a globalização impõe ajustes inevitáveis, dentre os

quais pontifica a dificuldade de gerar empregos (e daí a necessidade de flexibilizar o mercado de

trabalho), devido ao imperativo da modernização produtiva como condição para enfrentar a

acirrada concorrência internacional (Bello e Silva, 2007:16).

Hegemonia neoliberal e a gestão das desigualdades sociais

Os resultados da escolha do caminho neoliberal no Brasil são bastante objetivos:

segundo Paulani (2008:77;143), os quinze anos que vão de 1990 a 2004 acumularam

um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capta de 7,33%, ou seja, em quinze

anos o país cresceu menos do que nos dez anos da chamada “década perdida” dos anos

1980, quando cresceu 10,13%. Ainda assim, “a descomunal influência que hoje detêm

os interesses rentistas está relacionada à atual fase experimentada no capitalismo – a de

Page 79: Nas Tramas Da Cultura Financeira

79

um movimento de acumulação que se processa sob a dominância da valorização

financeira e que torna atraentes as periferias do sistema não mais como alternativas para

a expansão industrial, mas como plataformas de ganhos rentistas”.

A Bolsa de Valores já era apresentada na análise de Georg Simmel sobre a vida

mental na grande metrópole moderna como o local onde estavam sintetizados os

principais traços do moderno: o nervosismo, o movimento, a rapidez, a insegurança, [e

o risco]. O mercado financeiro é, assim, o ponto máximo de concentração de dinheiro,

pessoas e objetos, mesmo que os três elementos estivessem lá presentes apenas de modo

simbólico, através de seus representantes (Simmel, 2000:215-216).

Na modernidade tardia, todos esses elementos nascentes que Simmel já

identificava são aprofundados, já que hoje nem mesmo enviar representantes à Bolsa é

necessário e pode-se especular 24 horas por dia em mercados de outros continentes sem

sair da frente do computador. Os avanços tecnológicos que em parte facilitaram e

contribuíram para esta expansão da participação no mercado financeiro permitiram certa

popularização do investimento em Bolsa.

Não é casualidade que o brasileiro das classes média/alta começou também a se

interessar pelas aplicações no mercado financeiro, popularizando as consultorias de

investimentos e ampliando práticas como o chamado home broking, o gerenciamento

pessoal – e por vezes amador – dos investimentos a partir de casa (ou virtualmente

qualquer lugar), através da Internet. O gráfico 5 adiante, retirado de uma revista

mensal47, ilustra tanto o aumento do valor negociado segundo o Índice Bovespa como o

crescimento da presença dos investidores brasileiros “pessoa física” no mercado

47 Revista Exame de 26/8/2009.

Page 80: Nas Tramas Da Cultura Financeira

80

financeiro (dados até 2009). A legenda, transcrita tal qual estava publicada pela revista,

expressa o tom de euforia do momento.

Gráfico 5: aumento do número de investidores x trajetória do IBOVESPA

“O brilho da Bolsa: desde o início de 2009 a bolsa de valores brasileira valorizou quase 90% em dólar.

É o melhor desempenho do mundo, uma demonstração de força do país.

Quem poderá ficar fora dela?”

É importante observar que, diferente do que Dumenil-Lévy e Harvey

enfaticamente sugerem para o caso dos Estados Unidos e da Europa, no Brasil a

financeirização da economia teve seu impacto sobre a desigualdade social mitigado via

programas sociais para as classes baixas, ainda que tenha enriquecido as classes altas de

forma extraordinária através do sistema financeiro. Dados do IPEA48

mostram como a

participação do 1% mais rico na renda domiciliar nacional vem caindo lenta e

48http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=587138602&Tick=1294929931986&VAR

_FUNCAO=Ser_Temas%28132%29&Mod=M

Page 81: Nas Tramas Da Cultura Financeira

81

gradativamente desde 1977, quando alcança um ápice de 18,47%, até o ano de 2009,

quando fecha em 12,11%. Já a participação dos 50% mais pobres atinge seu nível mais

baixo em 1989, com 10,62%, mas também fecha o ano de 2009 com um índice

ligeiramente mais favorável de 15,49%.

Ao observarmos os gráficos 6 e 7 adiante, vemos que a percentagem da renda

apropriada pelos 10% mais ricos no Brasil tem tido uma leve queda desde 2003, mas

ainda é a mais alta entre os países analisados (Brasil, México, Argentina, Equador,

Venezuela e Chile), enquanto que a percentagem apropriada pelos 10% mais pobres

continua sendo uma das mais baixas dentre esses países e apresenta uma leve tendência

de elevação.

Gráfico 6: América Latina – países selecionados - % da renda apropriada pelos 10% mais ricos49

49 Fonte: Banco Mundial. http://data.worldbank.org/indicator/SI.DST.10TH.10/countries/BR-MX-AR-

EC-VE-CL?display=graph

Page 82: Nas Tramas Da Cultura Financeira

82

Gráfico 7: América Latina – países selecionados - % da renda apropriada pelos 10% mais pobres50

Adiante, ainda segundo outro critério de análise, o coeficiente de Gini51

, o Brasil

vem reduzindo timidamente a sua desigualdade social, constando o ano de 1989 como o

mais desigual desde a década de 1970 (com coeficiente de 0,636) e o ano de 2011

apresentando alguma recuperação (com coeficiente de 0,501), segundo dados do IBGE.

50 Fonte: Banco Mundial. http://data.worldbank.org/indicator/SI.DST.FRST.10/countries/BR-MX-AR-

EC-VE-CL?display=graph 51O Índice de Gini mede o grau de desigualdade na distribuição da renda domiciliar per capita entre os

indivíduos. Seu valor pode variar teoricamente desde 0, quando não há desigualdade (as rendas de todos

os indivíduos têm o mesmo valor), até 1, quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém

toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula). Série calculada a partir das

respostas à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE).

Page 83: Nas Tramas Da Cultura Financeira

83

Gráfico 8: Desigualdade Social – Brasil – Índice de Gini – 1995-201152

Um terceiro indicador que aponta para uma queda da desigualdade social no

Brasil no período recente é a participação dos salários na formação do PIB. O gráfico9 a

seguir mostra como esta relação vem sendo recuperada desde 2003, quando atingiu seu

mais baixo índice.

Gráfico 9: Brasil - Participação dos salários no PIB -1995-200953

52 Fonte IBGE. Extraído de Sicsú, João. A distribuição da renda dez anos depois. Carta Capital, 14 de

fevereiro de 2013.

Page 84: Nas Tramas Da Cultura Financeira

84

Diferente do Brasil, não apenas os EUA, mas diversos outros países vêm

apresentando um aumento da desigualdade social após a implantação de diferentes

políticas neoliberais. China (com as devidas mediações necessárias), Índia, Inglaterra,

Japão, Alemanha e Suécia são alguns dos países que observam um aumento da

desigualdade em comparação com os anos 1980, mesmo que acompanhada de

crescimento econômico em casos como o da China e da Índia. A Figura 2 a seguir, que

contém dois gráficos, ilustra o aumento da desigualdade nestes países, mas ao mesmo

tempo aponta para uma redução da mesma na média agregada da economia mundial.

Figura 2: Crescimento da desigualdade segundo coeficiente de Gini 1985-2005; e Redução da

desigualdade no plano mundial54.

53 Fonte: SCN/IBGE. Extraído de Sicsú, João. A distribuição da renda dez anos depois. Carta Capital, 14

de fevereiro de 2013. 54The Economist, Jan. 22nd-28th 2011

Page 85: Nas Tramas Da Cultura Financeira

85

Como vimos anteriormente, grande parte dessa desigualdade deve-se à

concentração de riqueza extraída como renda financeira (capital fictício) e não

surpreende o fato de ela aumentar mais em países com sistemas financeiros bem

desenvolvidos. Tomemos o período 1980-2006. Paulani (2009:29-30) mostra que “ao

longo desses 26 anos, o PIB mundial cresceu 314%, ou 4,1 vezes, enquanto a riqueza

financeira mundial cresceu, no mesmo período, 1.292%, ou 13,9 vezes”, ou seja, um

aumento mais do que três vezes superior à economia “real”.

Tais dados por si só já são uma impressionante evidência da gigantesca

financeirização do capitalismo neoliberal. Mas a hegemonia financeira vai mais além do

que isso. As finanças vêm progressivamente condicionando comportamentos de

mercado na esfera produtiva, uma vez que vem se multiplicando os casos em que

agentes financeiros detêm o comando acionário de empresas da economia produtiva e

assim influenciam suas decisões. Ou, ainda, aqueles casos em que são as próprias

empresas do mundo da produção real que passam a orientar a sua racionalidade

econômica para a valorização financeira em lugar da produtiva.

As instituições que se especializaram na “acumulação pela via das finanças” (fundos de pensão,

fundos coletivos de aplicação, sociedades de seguros, bancos que administram sociedades de

investimentos, fundos de hedge) tornaram-se, por meio dos mercados bursáteis, proprietárias dos

grupos empresariais mais importantes em nível global e impuseram à própria acumulação de

capital produtivo uma dinâmica orientada por um móvel externo, qual seja a maximização do

“valor acionário” (Paulani, 2009:27).

Como se pode observar, no total, os decênios neoliberais confirmam a tese de

Dumenil e Lévy ao se configurarem como um período de restauração da taxa de lucros

das camadas mais altas em diversos países, extraindo riqueza também de países

Page 86: Nas Tramas Da Cultura Financeira

86

periféricos via um mercado financeiro internacionalmente conectado. Para estes autores

(2007:5-6), foi a combinação da recuperação da produtividade do capital (no mercado

financeiro, via inovações tecnológicas aceleradas) e da baixa da taxa de crescimento do

custo do trabalho (arrocho salarial, flexibilização das leis laborais e extinção de direitos

adquiridos) que permitiu a nova tendência ao aumento da taxa de lucros.

Nestes tempos de economia altamente financeirizada e recuperação das taxas de

lucro, cai por terra o “momento keynesiano” de forte poder de barganha da classe

trabalhadora: uma rápida análise da tendência salarial desde o final da década de 1940

(gráfico 10 a seguir) mostra o progressivo descompasso entre a produtividade do

trabalho e a massa salarial correspondente55

.

Gráfico 10: Produtividade do trabalho x Massa salarial – 1947-2007

55 Extraído de Graeber, 2011:375.

Page 87: Nas Tramas Da Cultura Financeira

87

Para Harvey (2008:172-178), este tipo de acumulação através da extração de riqueza

na forma de capital fictício de países do terceiro mundo, que se convertem em

plataformas internacionais de valorização financeira, corresponde ao atual estágio

capitalista de acumulação por espoliação, o qual apresenta quatro características

principais, todas representantes de alguma forma de violência econômica:

1. Privatização e mercantilização: seu objetivo primordial tem sido abrir à acumulação do

capital novos campos até então considerados fora do alcance do cálculo da lucratividade,

[via privatizações]. (...) Supor que os mercados e a sinalização do mercado podem melhor

determinar as decisões de alocação é supor que tudo pode em princípio ser tratado como

mercadoria. A mercantilização presume a existência de direitos de propriedade sobre

processos, coisas e relações sociais, supõe que pode atribuir um preço a eles e negociá-los.

(...) Há aí o pressuposto de que o mercado funciona como um guia apropriado – uma ética –

para todas as ações humanas.

2. Financeirização: a forte onda de financeirização que se instaurou a partir de 1980 tem sido

marcada por um estilo especulativo e predatório. A desregulação permitiu que o sistema

financeiro se tornasse um dos principais centros de atividade redistributiva [em direção às

altas classes financeiras] por meio da especulação.

3. Administração e manipulação de crises: a criação, administração e manipulação de crises

no cenário mundial evoluíram para uma sofisticada arte de redistribuição deliberada de

riquezas de países pobres para países ricos. Calcula-se que, a partir de 1980, “mais de

cinquenta Planos Marshall (mais de 4,6 trilhões de dólares) foram remetidos pelos povos da

Periferia aos seus credores do Centro”.

4. Redistribuições via Estado: o Estado, uma vez neoliberalizado, passa a ser o principal

agente de políticas redistributivas [em direção às altas classes financeiras]. (...) Ele o faz

antes de tudo promovendo esquemas de privatização e cortes de gastos públicos que

sustentam o salário social. (...) O Estado neoliberal também redistribui renda e riqueza por

meio de revisões dos códigos tributários (...) e o oferecimento de uma vasta gama de

Page 88: Nas Tramas Da Cultura Financeira

88

subsídios e isenções fiscais a pessoas jurídicas (...) [na forma de verdadeiros] programas de

bem-estar corporativo.

Seria então o caso de se indagar: até que ponto a neoliberalização conseguiu

estimular o crescimento da economia mundial? Os dados concretos (Harvey,

2008:166;167;171) são decepcionantes.

As taxas agregadas de crescimento global ficaram em mais ou menos 3,5% nos anos 1960 e

mesmo no curso dos conturbados anos 1970 caíram apenas para 2,4%. Mas as taxas

subsequentes de crescimento de 1,4% e 1,1% nos anos 1980 e 1990 (e uma taxa que mal alcança

1% a partir de 2000) indicam que a neoliberalização em larga medida não conseguiu estimular o

crescimento mundial. (...) A redução e o controle da inflação são o único sucesso sistemático que

a neoliberalização pode reivindicar.

Se do ponto de vista do crescimento da economia as políticas neoliberais se

mostraram um fracasso, do ponto de vista político, no entanto, o neoliberalismo

conseguiu tornar as relações entre Estado e Mercado mais porosas e nebulosas do que

nunca, contrariando a suposta separação que preconiza entre ambos. Isso porque é

característico do processo de avanço neoliberal,

o uso frequente do poder, da autonomia e da coesão crescentes dos negócios e corporações e de

sua capacidade de pressionar o poder do Estado. Essa capacidade é exercida com maior

facilidade, de maneira direta, por meio das instituições financeiras, dos comportamentos do

mercado, da interrupção de investimentos ou da fuga de capitais e, indiretamente, influenciando

o resultado de eleições, fazendo lobby, subornando e corrompendo, ou, de forma mais sutil,

obtendo poder sobre as ideias econômicas (Harvey, 2008:126).

Os mesmos mecanismos de influência da economia financeira sobre a política se

aplicam ao caso brasileiro. Como bem descreve Paulani (2008:36), a política econômica

mostrou-se extremamente vulnerável às mais sensíveis movimentações do mercado

Page 89: Nas Tramas Da Cultura Financeira

89

durante as eleições presidenciais de 2002. Neste breve trecho, se encontra toda a

contradição neoliberal entre economia (mercado) e democracia (eleições).

Três variáveis foram, a partir de então, definitivamente entronadas no posto dos indicadores da

“saúde” econômica do país: o preço do dólar norte-americano, a cotação do C-Bond (título

brasileiro negociado nos mercados internacionais) e o risco-país. De fato, essas variáveis

encontravam-se, ao fim de 2002, em níveis indesejados. O dólar chegou a atingir R$ 4 (fechou o

ano a 3,50), a cotação do C-Bond ficou abaixo dos 50% do valor de face e o risco Brasil

alcançou os 2mil pontos. Mas a que se devia tão adverso comportamento? Basicamente à

especulação gerada com aquilo que se convencionou chamar “terrorismo eleitoral”, orquestrado

pelas elites e pelos interesses nacionais e internacionais em vista da possibilidade concreta da

vitória de Lula. Não fosse o processo eleitoral, dificilmente esses indicadores teriam se

comportado dessa forma.

Num mundo em que as ideias tipicamente modernas da classe trabalhadora forte e

protagonista de uma revolução rumo ao socialismo no horizonte próximo foram

declaradas obsoletas. Hoje, o projeto utópico que resta para os governos que não

desejam se indispor com as forças do mercado é o da “sociedade da classe-média”. Esta

se tornou o símbolo de uma utopia alternativa de futuro dentro dos marcos do

capitalismo, baseada, sobretudo, na massificação do consumo de mercadorias e na

expansão do crédito, ou seja, do endividamento.

O núcleo desta utopia é o sonho do consumo sem fronteiras, da classe média tomando posse da terra,

comprando carros, casas e uma variedade sem fim de bens eletrônicos, e sustentando uma indústria

global do turismo. (...) O lado sombrio deste sonho é o seu exclusivismo inerente. Pessoas que não

são de classe média – ou ricos – não tem nenhuma qualificação redentora. São simplesmente

perdedores (losers). (...) A Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, declarou recentemente que deseja

transformar o Brasil em uma população de classe média. Adotando a média de 19 dólares por dia, o

Brasil possui hoje 19% de sua população como classe média (Therborn, 2012:1-25).

O cenário é, portanto, bastante desolador para as forças sociais que durante o

século XX nutriram sonhos revolucionários de sociedades pós-capitalistas. A cultura

Page 90: Nas Tramas Da Cultura Financeira

90

econômica atual se apresenta como a única possível, mesmo diante das evidências de

seu mau funcionamento e do risco que apresentam seus efeitos nefastos sobre o restante

da sociedade que não está lucrando na esfera financeira. Isto não quer dizer, porém, que

não esteja ocorrendo uma série de mobilizações relativamente “subterrâneas” de

contestação política a esta cultura econômica e suas consequências políticas.

No próximo capítulo adentraremos o rico universo da contestação social sobre a

esfera financeira através de uma análise do movimento Jubileu contra a dívida. Ainda

que passem muitas vezes despercebidas na vida cotidiana da maioria das pessoas, uma

série de iniciativas vem sendo desenvolvidas para exigir que a política possa voltar a

determinar o rumo das finanças para o benefício da sociedade. Vejamos mais de perto,

então, o caso do Jubileu como uma expressão importante deste processo contemporâneo

de contestação.

Page 91: Nas Tramas Da Cultura Financeira

91

CAPÍTULO IV

Dívida, uma forma de dominação política

Espaço dos movimentos sociais, repertório de ação e o campo financeiro

Tratar de mobilizações sociais internacionais que emergem da sociedade civil –

sejam elas organizadas ou espontâneas – traz sempre a tentação de uma abordagem

cosmopolita, segundo a qual a sociedade civil contemporânea seria um agente

relativamente unitário, coerente e cujas ações seriam politicamente legitimadas em

arenas de debate público e construção de consensos. A ideologia da globalização,

reforçada pela experiência da Internet, contribuiu em muito para a disseminação de

teses normativas sobre as iniciativas aí produzidas, sejam elas políticas ou culturais.

Para nós, alguns dos aspectos marcantes da sociedade civil, principalmente

quando abordada em sua face internacional, são a fluidez e a intermitência do seu

“aparecimento” público. Estas características dificultam uma análise mais normativa e

identificada com a democracia cosmopolita, que pressupõe a existência (ou a quase

existência) de uma esfera global de deliberação da sociedade civil, bem estruturada e

atuante no debate público.

No entanto, por mais que possam estar fortemente ancorados em seus espaços

nacionais, os atores que se arriscam no nível internacional estão sempre entrando em

uma arena de relações mais frágeis, menos estruturadas e institucionalizadas. Como

aponta com razão Costa (2003), não existe uma arena pública internacional (ou

cosmopolita) na qual se reúne a sociedade civil para deliberar sobre sua agenda de ações

na forma de uma democracia cosmopolita.

Page 92: Nas Tramas Da Cultura Financeira

92

No âmbito das Nações Unidas, que há décadas tem sido pioneira em abrir

espaços de participação para a sociedade civil organizada (sobretudo ONGs dispostas a

jogar segundo as suas regras), a democracia cosmopolita não passa de um desejo

distante, um wishful thinking56. A invenção política do Fórum Social Mundial por parte

de organizações da sociedade civil internacional, a partir dos anos 2000, teria potencial

para se desenvolver em uma ampla arena de debate e deliberação se não tivesse ficado

paralisada em debates justamente sobre a questão deliberativa. Até hoje persiste entre as

organizações mais envolvidas em seu Conselho Internacional a cisão entre os

defensores de um Fórum restrito a ser um espaço de debate e aqueles que defendem um

Fórum mais de tipo movimento, voltado à ação coletiva (cf. Azzi, 2010). Isto evidencia

que mesmo no interior da sociedade civil internacional há organizações que são

ativamente contráriasà institucionalização da sociedade civil como um ator unitário no

espaço público.Por fim e para encerrar este breve debate sobre a noção, temos que,

como nos mostra a crítica de Francisco de Oliveira (2006:285),

a noção de sociedade civil pode tornar-se uma noção enganosa e anacrônica, porque restaura a

comunidade, impossível num tempo de mastodontes57. Essa comunidade não é a que se refere

Hannah Arendt onde se constitui a política: é o seu contrário, porque é um recorte com

especificidade não universal. A soma dessas comunidades não faz a comunidade arendtiana.

Distanciamo-nos assim das concepções da democracia cosmopolita para adotar

aqui outra perspectiva, que nos parece mais coerente com a dinâmica de mobilização

social tal qual ela de fato se desenrola. Utilizaremos o termo “movimento social”,

caracterizado por Neveu (2005:9) como um “agir junto intencional”, marcado pelo

56 Sobre este aspecto particular, ver: Lavalle, Adrián. Crítica ao modelo da nova sociedade civil (1999).

Costa, Sérgio. Democracia cosmopolita: déficits conceituais e equívocos políticos (2003); e Categoria

analítica ou passe-partout político-normativo: notas biográficas sobre o conceito de sociedade civil

(1997). Ver também: Samuel, John. Civil Society and other plastic phrases (2003). 57 O autor faz aqui uma ironia ao referir-se ao momento atual como dominado por “mastodontes”.

Page 93: Nas Tramas Da Cultura Financeira

93

projeto explícito dos protagonistas em se mobilizarem de forma concertada. Este agir

junto assume a lógica de uma reivindicação, da defesa de um interesse material ou de

uma causa, associado a identificação de um adversário. Se os grupos se mobilizam a

favor de algo – um aumento salarial, o voto de uma lei – isto só pode ser realizado em

direção a um adversário determinado: o empregador, a administração ou o poder

público.

Para definir o âmbito no qual os movimentos sociais se mobilizam, novamente

afastando a noção de sociedade civil cosmopolita, empregaremos a noção de “espaço

dos movimentos sociais” de L. Mathieu (2007; 2010; 2012), que nos parece resolver

bem a questão da fluidez e intermitência das ações geradas na sociedade civil: ao

mesmo tempo em que se diferencia de outros campos sociais, o espaço dos movimentos

sociais constitui um domínio de práticas e de sentidos relativamente autônomo no

interior do mundo social mas que não se confunde, no entanto, com um

campo estruturado, seja de relações econômicas, seja de coalizões interestatais

(Cepaluni, 2010:5-22).

A autonomia relativa se apresenta neste espaço social como uma característica

dinâmica, que pode sempre variar segundo o período e o contexto. Pois, diferentemente

da noção de “campo” desenvolvida por Bourdieu (e também da noção de democracia

cosmopolita), o espaço da contestação social não dispõe de um forte grau de

objetivação, estruturação ou institucionalização.

É um universo muito fragilmente unificado no interior do qual as relações sociais são muito

pouco objetivadas. Não há reconhecimento formal perante a lei (au contrário do campo sindical,

por exemplo). É uma esfera de atividade amplamente informal, desprovida de qualquer instância

Page 94: Nas Tramas Da Cultura Financeira

94

de regulação. Sua dispersão e sua multiplicidade de causas a impede de impôr sua representação

como um campo unificado58

.

Ao analisar as interações entre atores da sociedade civil e o campo das finanças,

procuraremos evitar cair tanto em uma ênfase estrita sobre a política institucional ou

sobre a política contestatória, realizando, antes, uma abordagem das relações que o

universoda mobilização social estabelece com uma multiplicidade de outros campos

sociais, como o campo religioso, o político, o midiático ou o intelectual, os quais são

também capazes de influir sobre o curso dos acontecimentos sociais com os quais estão

em relação59.

A questão, em se tratando de uma apreensão conjuntural da ação contestatória, é sobretudo de

fornecer os meios de identificar as relações flutuantes e marcadas por uma autonomia relativa e

dinâmica, que vincula movimentos sociais e política institucional. (...) Qualquer que seja o nome

que lhe dermos, este universo contestatório se diferencia, ao mesmo tempo em que é

intimamente ligado por relações de dependência a este outro universo militante que é o domínio

da política institucional e partidária (Mathieu, 2010:51;54).

Assim sendo, voltaremos nosso olhar para atores políticos que estão no espaço

dos movimentos sociais e que tâm como alvo as finanças. São os realizadores de

mobilizações contemporâneas que se desenvolvem em um universo social e político que

é apenas relativamente autônomo, com lógicas próprias e no qual os diferentes atores

são reunidos por relações de dependência mútua.

Movimentos sociais que lutam contra o poder financeiro tentam estabelecer uma

dinâmica conflituosa com relação ao mercado e às instituições financieras através da

58 L. Mathieu. L’espace des mouvements sociaux. In : Politix, 2007/1, n°77, p.131-151. Paris, 2007. 59 L. Mathieu. Contexte politique et opportunités. In: O. Fillieule et. alli. Penser les mouvements sociaux

– conflits et contestations dans les sociétés contemporaines. La Découverte, Paris, 2010.

Page 95: Nas Tramas Da Cultura Financeira

95

mobilização de estratégias variadas, que compõem o seu repertório de ação, e que

frequentemente se cruzam e se combinam: campanhas de denúncia, tribunais populares,

plebiscitos, protestos de rua, debates públicos, e estratégias de lobby no interior das

mais importantes Instituições Financeiras Internacionais (IFIs), entre outras.

Mobilizaremos a perspectiva crítica de Michel Offerlé (2008) sobre o conceito

de repertório de ação coletiva originalmente formulado por Charles Tilly (1979;1986),

segundo a qual, não obstante o seu forte impacto acadêmico, as proposições de Tilly

sofreram severas críticas por apresentarem uma visão demasiadamente eurocêntrica,

evolucionista, tendente ao anacronismo, e restritiva das formas de ação coletiva, não

incorporando aí ações sindicais, eleitorais ou religiosas, por exemplo.

A releitura crítica do conceito oferecida por Offerlé, em continuação ao esforço

anteriormente já empreendido por Robin Cohen e Shirin Rai (2000), nos parece

flexibilizar a perspectiva de Tilly60

suficientemente e mostra que o conceito pode ser

útil para a nossa discussão. Offerlé trabalha a partir da proposição de Cohen e Rai de

três grandes períodos correspondentes a diferentes repertórios de ação dominantes:

- de 1650 a 1850 (hegemonia das revoltas civis), um período paroquial e patronal,

fundamentado em revoltas por comida, sabotagem de máquinas, expulsão de

coletores de impostos.

- de 1850 a 1980 (hegemonia da contestação operária), um período nacional e

autônomo, caracterizado por greves, reuniões eleitorais, reuniões públicas e

inssurreições; e,

60 Tilly, contudo, em seus textos mais recentes, também passou a admitir flexibilizações da formulação

original. Para Siméant (2010:142), “a pista de pesquisa mais estimulante aberta por Tilly não é tanto a

realização de uma meta-tipologia histórica, mas sim o convite a vislumbrar o que limita as escolhas dos

meios disponíveis e valoriza as vantagens comparativas próprias de um grupo”.

Page 96: Nas Tramas Da Cultura Financeira

96

- de 1980 a 2000 (hegemonia das ações espotâneas e não-institucionais), um período

de tipo transnacional e solidarista, marcado por campanhas internacionais de

boicoite, cúpulas da Terra, cúpulas feministas, etc.

A principal virada de Offerlé com relação tanto a Tilly quanto a Cohen e Rai

estará em deixar de lado a premissa da continuidade histórica de longo prazo dos

repertórios hegemônicos em diferentes épocas, premissa central para os propósitos

comparativos do modo tillyano de análise. Em vez disso, priorizará pensar a

coexistência dinâmica - ou mesmo ignorância recíproca - de diversos repertórios; no

plural e simultaneamente.

Assim, novas questões se colocam, como, por exemplo, a relação entre a

mobilização da rua e a mobilização silenciosa do lobby ou do seminário de reflexão ou

da coleta de assinaturas. Mais do que querer delimitar grandes fases históricas e seus

respectivos repertórios dominantes, o foco da interpretação sociológica passa para as

performances e dramaturgias do litígio que mobilizam diferentes aspectos de diversos

repertórios. Em termos tillyanos, passamos do registro da orquestra que executa

fielmente uma peça para o do jazz, no qual os improvisos sobre um repertório existente

são uma marca característica. Mesmo Tilly (2005:2-3) reconhece que a rigidez do

conceito formulado nos anos 1970 já não responde da melhor forma aos acontecimentos

contemporâneos.

Pode-se dizer que o termo ‘repertório’ não seja mais que uma etiqueta sob a qual organizar tudo

o que as pessoas fazem para atingir seus objetivos comuns. (...) Um novo repertório hoje? Não

creio realmente. Novas formas de ação coletiva? Certamente. (...) A evolução das formas da ação

coletiva continua. Neste sentido preciso, a contestação política pertence à história.

Page 97: Nas Tramas Da Cultura Financeira

97

Tomando em conta então estas íntimas relações entre formas de contestação e

contextos históricos, observamos quea crise financeira de 2008 explodiu em um

contexto de baixo poder de contestação dos movimentos sociais frente ao

neoliberalismo, o que pode ter amenizado suas consequências políticas. Apesar da

relativa frequência de realização de protestos de rua e “ocupações” ao modo Occuppy

Wall Street em vários países, os movimentos sociais em geral, os sindicatos e as ONGs

não tiveram a força política necessária para influenciar a cena pública e os tomadores de

decisão. Harvey (2011:184) chama a atenção para o fato de que se buscarmos dentre os

atores da política não-institucional, veremos que há um problema central com relação ao

que hoje poderíamos nomear como forças políticas anticapitalistas.

O problema central é que, como um todo, não há movimento anticapitalista suficientemente

unificado e decidido capaz de desafiar de modo adequado a reprodução da classe capitalista e a

perpetuação do seu poder no cenário mundial.

Mesmo com os protestos e mobilizações que continuam a acontecer em vários

países, não tem sido possível de fatoconseguir resultados pela mudança das políticas

econômicas conservadoras adotadas pelos governos (agora também no Norte) e

chanceladas pelas instituições financeiras internacionais, dotadas de poder para vigiar e

punir. Apesar disso, mesmo neste contexto difícil, no interior do espaço dos

movimentos sociais diversas inciativas foram desenvolvidas contra o discurso

dominante, que defende a liberdade dos mercados e protege o poder das finanças.

Durante a década de 1990 – período de apogeu ideológico do neoliberalismo

após a derrota do socialismo real –, a liberalização financeira e as políticas de ajuste

estrutural, promovidas por IFIs como o FMI, foram alvos de grandes mobilizações

sociais e protestos. Destas mobilizações e protestos, surgiram alguns dos movimentos

Page 98: Nas Tramas Da Cultura Financeira

98

sociais contemporâneos de crítica ao capitalismo, e que trabalham sobre aquela que

talvez seja a sua mais complexa vertente: a esfera financeira.

A atual crise financeira mundial iniciada em 2008 – que trouxe de volta à tona os

fantasmas da crise de 1929 – derivada da crise dos títulos imobiliários Subprime nos

EUA apenas evidencia a relevância e a necessidade dos estudos sociológicos sobre o

mercado financeiro; sobretudo buscando desvelar suas relações com a esfera do

Estado61

, com outros atores políticos, com o sistema bancário62

, com o patrimônio de

acionistas, e com o poder de influência dos meios de comunicação. O que não falta são

campos de pesquisa em aberto.

No que diz respeito mais diretamente ao nosso objeto, se observa que este plano

dos movimentos sociais que lidam com temas financeiros parece ter uma dinâmica mais

conflitiva em relação ao mercado e às instituições financeiras em geral, em comparação

à experiência sindical ou ao amplo conjunto de ONGs e think-tanks que também se

identificam à noção vaga de “sociedade civil organizada”. Tal conflito se apresenta com

maior vigor nas campanhas públicas de denúncia, nos protestos de rua e nas estratégias

de lobby no interior das IFIs e de instâncias públicas.

Entretanto, essa crise financeira emerge em um contexto no qual os movimentos

sociais de contestação ao neoliberalismo parecem estar “em baixa”, com pouca

capacidade de criar cenas de dissenso. A questão aqui está em saber se estes atores

sociais são ou não são politicamente capazes de, em alguma medida, influir e pressionar

as estruturas policiais de poder do mundo financeiro contemporâneo.

61 Como não se via há décadas, os Estados vêm injetando uma soma impressionante de dinheiro no

sistema financeiro para impedir um novo crash sistêmico. Em outras palavras, desde 2008 milhões de

cidadãos estão pagando a conta da crise gerada no sistema financeiro. Para uma expressão do “espírito do

momento”, ver: Financial Times. Wolf: governos finalmente lançaram um cabo de resgate ao mundo,

15/10/2008. O tempo mostrou que, ainda em 2008, este era só o começo do processo de salvamento do

sistema financeiro. 62 A este respeito ver o bom artigo de Kurt von Mettenheim, 2005; citado.

Page 99: Nas Tramas Da Cultura Financeira

99

Na bela formulação rancieriana, as possibilidades de construção e aparecimento

de cenas políticas pela via do dissenso configuram não são apenas a expressão visível

do conflito social latente, mas, também, são esta espécie de excesso de política que

extrapola momentaneamente a ordem da polícia, e que denota assim aberturas de

momentos democráticos frente ao consenso hegemônico. Na perspectiva de Mathieu

(2012:106-112), as experiências do dissenso podem ser interpretadas ainda como um

desafio “profanador” do monopólio do direito de se fazer política por parte dos

políticos, e como o legítimo aparecimento na esfera pública de “não importa quem”, ao

modo tipicamente rancieriano.

Dentre este tipo de iniciativas que podem fazer aparecer “não importa quem” na

política, analisaremos nas páginas que seguem a experiência da rede Jubileu contra a

Dívida, com atenção ao seu capítulo brasileiro. A partir do marco conceitual de Jacques

Rancière (1996; 1996b) sobre a construção de cenas políticas de dissenso, trataremos de

abordar as estratégias políticas da rede Jubileu, entendida enquanto uma rede de tipo

“rede de defesa de causas” (Keck e Sikkink apud Siméant, 2010:124). Trata-se de um

tipo de rede geralmente bastante aberta e que permite a entrada de

organizações de pesquisa e defesa de causas internacionais e nacionais, movimentos sociais

locais, fundações, mídias, igrejas, sindicatos, organizações de defesa dos consumidores, centros

de políticas públicas, intelectuais, partes de organizações regionais e internacionais, partes de

ramos executivos ou parlamentares.

As considerações a seguir são fruto de diferentes formas de contato que tive com

o movimento Jubileu. Inicialmente, tive alguns anos de convívio distante com a rede

Jubileu, antes mesmo de ter iniciado o doutorado, quando trabalhava no escritório do

Fórum Social Mundial (2000-2005) ou na secretaria internacional da Assembleia dos

Page 100: Nas Tramas Da Cultura Financeira

100

Movimentos Sociais (2005-2007). Em diversas esferas do espaço dos movimentos

sociais pude observar este movimento, seja no âmbito da campanha continental contra a

ALCA (1999-2003), seja durante o Plebiscito sobre o FMI ou mesmo durante atividades

nos FSMs.

A partir do final de 2010 é que comecei a me aproximar do movimento já com a

pesquisa de doutorado em andamento. Assisti a algumas reuniões e alguns eventos por

eles realizados; acessei diversos dos seus documentos e pude entrevistar alguns de seus

membros63

. Note-se que em momento algum se trata de uma pesquisa participante.

Visitei algumas vezes a sede da rede, um simpático sobradinho no bairro da Praça da

Árvore, em São Paulo, onde fui recebido por Rosilene, secretária-executiva do Jubileu

Brasil, sempre com a intenção explícita de buscar informações para a pesquisa. Pude

observar também reuniões e atividades organizadas pela rede, além é claro de consultas

ao seu website e outros materiais, com cartilhas e publicações diversas.

Redes de defesa de causas como o Jubileu se multiplicaram nas últimas décadas

e em geral são resultantes de processos prévios de aprofundamento coletivo da análise

conceitual sobre o domínio neoliberal, ao qual se soma um acúmulo de vínculos

políticos gestado durante uma série de eventos e mobilizações de resistência ao

neoliberalismo nos anos 1980, 1990 e 2000 e também dos processos políticos em torno

do Fórum Social Mundial e de diversas contra cúpulas em eventos oficiais do FMI, da

OMC e da ONU, como por exemplo, nas reuniões sobre a mudança climática (COPs).

Vejamos agora então, qual é a especificidade da rede Jubileu, revisitando as suas

origens, a construção da sua identidade política e os conflitos internos que permeiam a

sua história.

63 Diversos dos membros com os quais tive contato não se dispuseram a conceder uma entrevista, outros o

fizeram apenas após muita insistência.

Page 101: Nas Tramas Da Cultura Financeira

101

Jubileu:

raízes teológicas de um movimento social contra a dominação financeira

O movimento social Jubileu nasceu primeiramente na Europa (Inlgaterra), em

sintonia com uma convocação exterior ao espaço dos movimentos de contestação social

e política, que vinha do campo religioso, e, mais especificamente, da Igreja Católica.

Iniciado sob o nome de Jubileu 2000, o movimento foi inspirado pela conclamação do

Papa João Paulo II para o ano jubilar que se aproximava com o fim do século XX,

segundo a qual, na religião cristã, a cada mil anos os povos do mundo são chamados a

anular todas as dívidas e assim permitir um recomeço. O Papa pregava, assim, uma

anulação geral das dívidas dos países do Sul por ocasião do Jubileu do ano 2000.

Durante os anos 1980 e 1990 o prolema do endividamento de vários Estados,

sobretudo no hemisfério Sul, se tornou muito agudo e a mobilização organizada

incialmente pelas igrejas cristãs e organizações sociais religiosas chegou também aos

países do Sul. O contexto econômico do momento era marcado pela crise da dívida,

gerando um aumento dos preços dos alimentos básicos, do transporte, da moradia, etc.,

e agravando as condições de vida já difíceis da maioria das populações destes países.

Em 1994, o Papa João Paulo II difundiu a ideia do perdão das dívidas com a

promulgação da encíclica Tertio Millennio Adveniente, na qual afimava que uma das

maneiras de celebrar a chegada do Ano Jubilar era anular as dívidas (originalmente na

versão bíblica também se defende a repartição da terra e a libertação dos escravos). A

Page 102: Nas Tramas Da Cultura Financeira

102

partir desta declaração, o Vaticano mobilizará diferentes igrejas e organizações

religiosas católicas para atuar a favor da anulação das dívidas dos países do Sul64.

Poucos anos depois do chamado papal de 1994 a iniciativa chegaria a outros

continentes além da Europa através de um processo de internacionalização previsto

desde a sua idealização, e que podemos considerar mesmo como parte da sua vocação,

dado o caráter internacional do problema do endividamento.

Não creio que se trate aqui de um caso da chamada estratégia de outsiders65,

atores que buscam aumentar o seu poder de contestação a partir de sua presença no

espaço internacional, nem tampouco de uma estratégia de tipo boomerang66, pela qual o

espaço internacional é utilizado para fazer pressão sobre governos que no plano

nacional são fechados às reivindicações. Trata-se, antes, de uma difusão da rede para

outros países tendo como centro de seus protestos e demandas as instituições

internacionais e suas normas, bem como os governos nacionais a elas mais ou menos

subordinados, que são “os alvos, os quadros estruturantes, os pontos focais e os

canalizadores dos protestos”67.

Apoiando-se portanto sobre o tecido preexistente de organizações sociais ligadas

à Igreja, esta expansão, ou internacionalização, ocorrerá através de um processo com

diversas fases de troca, assimilação e cooperação que, para os parceiros locais nos

países do Sul, não foi sempre tranquilo. Do ponto de vista de Beverly Keene, a quem

64 E. Vivas et. al. En campagne contre la dette. Esther Vivas et CADTM. Editions Syllepse/CADTM.

Paris, 2008. 65 I. Sommier et al. Génealogie des mouvements altermondialistes en Europe - Une perspective

comparée. Ed. Karthala, Aix-en-Provence, 2008. 66 Keck et Sikkink. Activists beyond borders.Cornell University Press, 1998. 67 J. Siméant. La transnationalisation de l’action collective. In: O. Fillieule, E. Agrikoliansky et I.

Sommier. Penser les mouvements sociaux - Conflits et contestations dans les sociétés contemporaines.

Ed. La Découverte, Paris, 2010. A recente e efêmera experiência do movimento Occupy Wall Street

mostra como a esfera financeira “pura”, isto é, a Bolsa de Valores, oferece menos estruturação para a

contestação do que instituições como o FMI, por exemplo. A Bolsa não tem encontros anuais para tomar

grandes decisões, ela ao mesmo tempo está e não está lá.

Page 103: Nas Tramas Da Cultura Financeira

103

pude entrevistar em 201068, a aproximação com os grupos fundadores do Jubileu não foi

algo automático.

Quando tivemos o primeiro contato com a iniciativa Jubileu 2000 tivemos alguma desconfiança,

porque era uma coisa que vinha da Inglaterra, nos chegava através da Igreja inglesa, etc. E isso

punha mais dúvidas no caminho do que qualquer coisa. Efetivamente a força da Igreja popular

na Argentina é muito menor do que em qualquer outra parte, como aqui no Brasil. As campanhas

que se levantaram no Peru, por exemplo, Bolívia, em Honduras mesmo, na Nicarágua, têm muito

a ver com a presença da Igreja Católica, das congregações religiosas.

No Brasil, não só a Igreja Católica como as igrejas cristãs se envolveram muito

neste debate a partir do chamado do Papa. Uma característica muito importante para

compreender a ligação entre política e religião na formação do movimento Jubileu no

Sul é a forte presença da Teologia da Libertação em diversos países da região a partir

dos anos 1960, estabelecendo uma relação bastante próxima aos movimentos populares.

A dimensão social da Teologia da Libertação é resultado por um lado de

mudanças internas na Igreja Católica e, por outro, uma consequência das

transformações econômicas que levaram a uma industrialização acelerada e ao

agravamento dos conflitos sociais na América Latina.

A Teologia da Libertação faz uma leitura do Antigo Testamento enfatizando as

passagens que tratam da exploração econômia e da desigualdade social para cotejaresses

episódios com o momento atual. O Vaticano não deixou de mostrar o seu desacordo

sobre esta questão: ao afirmar que “a nova hermenêutica inscrita nas ‘teologias da

libertação’ conduz a uma leitura essencialmente política da Escritura. Assim uma

importância maiúscula é conferida ao evento do Êxodo no sentido de que ele é uma

68 Beverly Keene tem sua origem no movimento contra a dívida na Argentina e participou desde os

primeiros anos da criação da campanha Jubileu 2000. Tornou-se coordenadora do Jubileu Sul Américas e

posteriormente coordenadora global da rede Jubileu Sul, posição em que está até o presente momento.

Page 104: Nas Tramas Da Cultura Financeira

104

libertação da servidão política”(Löwy, 2011:3). É então por corresponder de forma mais

direta à ideia de auto-libertação dos pobres que o Êxodo se tornará um texto

paradigmático para a Teologia da libertação, constituindo assim uma ferramenta de

atualização histórica de uma herança espiritual e religiosa milenar. Ainda de acordo

com Michael Löwy (2011),

Este movimento social, que ultrapassa as fronteiras da Igreja, consiste em uma vasta rede

informal, uma corrente longa e diversificada de renovação religiosa, cultural e política, presente

tanto ‘na base’, nas comunidade eclesiais, nas paróquias, nas associações de bairro, nos

sindicatos, nas conferências episcopais nacionais ou regionais, assim como dentre padres e

ordens religiosas (jesuítas, dominicanos, franciscanos) e em movimentos laicos (Ação Católica,

JUC, JEC, JOC). (...) Nas pastorais da terra e nos movimentos camponeses de inspiração cristã

[como por exemplo o Movimento dos Sem Terra, MST], as palavras de Amos, Isaias ou

Jeremias em defesa dos pobres contra os ricos proprietários de terra são estudadas com fervor.

(...) Estes textos permitem ou inspiram uma identificação simbólica com a situação atual na

América Latina69.

A articulação entre o espaço dos movimentos sociais e o campo religioso está,

portanto, na base mesma do surgimento do movimento Jubileu. O Brasil, como já se

pode supor, é um dos casos típicos desta articulação entre esfera social e religiosa. Ao

relatar as origens do movimento em sua Carta de Princípios, o Jubileu no Brasil

confirma as suas raízes religiosas:

Na década de 1980 com a retomada no Brasil e em todo o mundo do movimento de resistência à

dívida externa e em um contexto brasileiro de resgate das dívidas sociais [e redemocratização],

constituímo-nos como uma rede chamada Jubileu Sul, fortalecida pela campanha contra a Dívida

no ano 2000 motivada pelas Pastorais Sociais ligadas à Conferência Nacional dos Bispos do

Brasil (CNBB).

69 M. Löwy. Amérique Latine – Les sources bibliques de la théologie de la libération. In : La brèche

numérique. Paris, 27 février 2011.

Page 105: Nas Tramas Da Cultura Financeira

105

Vejamos mais de perto agora como este movimento veio a se organizar

inicialmente, a trajetória da sua expansão, os reflexos que trouxe para a sua identidade

política e o futuro de sua existência.

Processo de organização, conflito interno e construção de identidade

Como observa Mathieu (2011:59-72), a formação e manutenção dos coletivos

sociais devem ser abordadas muito mais como questões em aberto, dinâmicas e

ambíguas, do que como um “dado real”, concreto. O processo de criação da campanha

Jubileu 2000 durante os anos 1990 foi realizado a partir de organizações sociais já

existentes em vários países, as quais naquele momento desenvolviam suas atividades,

sobretudo em nível nacional, mais que já possuíam algumas experiências internacionais

anteriores no interior de encontros específicos do sistema das Nações Unidas70

,

amplamente facilitadas pela rápida difusão do acesso à Internet.

O contexto econômico com o qual em geral se identifica a ‘crise da dívida’ tem

suas origens nos anos 1980. A dívida total devida pelos países em desenvolvimento

mais do que dobrou entre 1980 e 1990, e saltou em mais 50% novamente em 1995.

Exceto por uma meia-dúzia de ‘sortudos’ países de média renda na América do Sul, no

início dos anos 1990 estava claro que o problema da dívida estava longe de ser

resolvido.

No Reino Unido, desde o início dos anos 1980 a Rede Crise da Dívida (Debt

Crisis Network) já trabalhava com conscientização e lobby sobre o cancelamento de

dívidas dos países do chamado terceiro mundo. Um bom esforço de periodização da

70 Principalmente nas cúpulas sociais e ambientais da ONU.

Page 106: Nas Tramas Da Cultura Financeira

106

existência do movimento contra a dívida elaborado por Esther Vivas (2008) sugere

como marco incial o período de 1980-1996, quando começam a surgir as primeiras

mobilizações, campanhas e protestos contra adívida na América Latina e na África.

Quase simultaneamente, centros de pesquisa militante sobre o tema foram

fundados na Europa, como a Associação Internacional de Técnicos, Especialistas e

Pesquisadores, AITEC (1983) e o Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo,

CADTM (1990), ambos existentes e ativos até hoje. Nos Estados Unidos, em 1994 é

fundada a rede 50 Years is Enough!, contra o FMI e o Banco Mundial (em referência

aos 50 anos do acordo de Bretton Woods, completados em 1994. Esta rede já não existe

mais enquanto tal).

Durante os anos 1990 a Rede Crise da Dívida mobilizou-se em diversos

protestos e ações coletivas junto a alguns dos promotores pioneiros da ideia da rede

Jubileu 2000. Em outubro de 1997, um processo de unificação levou ao surgimento da

Coalizão Jubileu 200071

, que demandava especificamente a anulação da dívida dos 52

países adiante listados.

71http://www.jubileedebtcampaign.org.uk/The3720birth3720of3720Jubilee37202000+282.twl

Page 107: Nas Tramas Da Cultura Financeira

107

Angola Bangladesh Benin Bolívia Burkina Faso Burundi

Cambodia Cameroon Central African

Republic Chad

Congo, Dem.

Rep.

Congo,

Rep.

Côte

d'Ivoire

Equatorial

Guinea Ethiopia Gambia Ghana Guinea

Guinea-

Bissau Guyana Haiti Honduras Jamaica Kenya

Lao PDR Liberia Madagascar Malawi Mali Mauritania

Morocco Mozambique Myanmar Nepal Nicaragua Niger

Nigeria Peru Philippines Rwanda Sao Tome &

Principe Senegal

Sierra

Leone Somalia Sudan Tanzania Togo Uganda

Vietnam Yemen Zambia Zimbabwe

No campo religioso católico, já em 1987 a Comissão Pontificia de Justiça e Paz,

espécie de centro de pesquisa do Vaticano em matéria de desenvolvimento

internacional, tornou pública uma opinião forte sobre as dimensões éticas da crise da

dívida: An ethical approach to the international debt question, a qual seria o

embasamento “científico” para o chamado do Papa em 1994 por um Jubileu das

Dívidas.

O período de 1996-2000 marca a consolidação dos principais grupos trabalhando

sobre o tema da dívida e o movimento adquire uma maior visibilidade política e

midiática. Redes sobre a dívida começam a se articular com outros movimentos, de

outras temáticas, iniciando um processo de intercâmbio políticoque está nas origens

Page 108: Nas Tramas Da Cultura Financeira

108

mesmas do que, posteriormente, veio a se formar como movimento antiglobalização, ou

altermundialista.

A campanha Jubileu 2000 iniciou-se em 1997 na Inglaterra e se estendeu

rapidamente a outros países do Norte, levando o tema da dívida mais para o centro da

dinâmica de mobilizações internacionais, e, assim, aprofundando o movimento já

inciado pelos precursores dos anos 1980. O posicionamento explícito das igrejas

católicas pela anulação das dívidas no ano jubilar contribuiu bastante para o crescimento

intenso da adesão.

Rapidamente a rede Jubileu 2000 foi difundida internacionalmente sob a forma

de capítulos nacionais e, um pouco depois, já estava consolidada como uma rede

internacional de trabalho permanente sobre os processos de dominação financeira tais

como os mecanismos de crédito e a gestão das dívidas. Em abril de 1998, com a

declaração de Accra, é fundado o Jubileu 2000 África e, em 1999, depois de uma

reunião em Tegucigalpa, Honduras, o Jubileu 2000 América Latina; e, no mesmo ano, o

Jubileu 2000 Asia, nas Filipinas. Segundo os membros da rede na Inglaterra, o

movimento Jubileu 2000 chegou a estar presente em 69 países ao final do ano 2000. São

eles:

Angola; Argentina; Australia; Austria; Bangladesh; Belgium; Benin; Bolivia;

Brazil; Burkina Faso; Cameroon; Canada; Colombia; Cote d’Ivoire; Cuba;

Czech Republic; Denmark; Ecuador; Finland; France; Germany; Ghana;

Guatemala; Guyana; Haiti; Honduras; Hong Kong; India; Indonesia; Ireland;

Israel; Italy; Jamaica; Japan; Kenya; Korea; Malawi; Mali; Malta;

Madagascar; Mauritius; Mexico; Mozambique; Namibia; Netherlands; New

Zealand; Nicaragua; Nigeria; Norway; Pakistan; Peru; Philippines; Poland;

Portugal; El Salvador; Senegal; South Africa; Spain; Sri Lanka; Swaziland;

Sweden; Tanzania; Togo; Uganda; United Kingdom; USA; Venezuela; Zambia;

Zimbabwe.

Page 109: Nas Tramas Da Cultura Financeira

109

Outra participante da rede Jubileu, desta vez do capítulo brasileiro da rede,

Rosilene Wansetto, conta em entrevista que em todo o mundo o movimento passa a ser

mais consolidado a partir do final dos anos 1990.

Então a partir desse chamado teológico do Papa João Paulo II se iniciou no mundo todo, não só

no hemisfério Sul – mas pela situação principal dos países do Sul, pela situação econômica de

alto endividamento –, se iniciou toda essa campanha Jubileu 2000. Então assim: em1998, 1999

isso foi muito forte e, no ano 2000, no caso brasileiro a gente teve tribunais, simpósios pra

trabalhar esse tema. No ano 2000 no Brasil a gente fez o plebiscito da dívida. Dívida e FMI,

trabalhamos esses dois aspectos. No mundo todo teve ações, debates, eventos pra discutir o

problema da dívida. Então o Jubileu nasce nesse período. No Brasil a gente fala que nós temos

11 anos [ou seja, com início em 1998/99]. Mas tem outros países que tem 10. Em nível global a

gente trabalha com a idade de 10 anos. Mas no Brasil a gente começou antes então nós

celebramos 11 anos no ano passado, que foi o início do Jubileu aqui no Brasil.

No momento presente, muitos anos depois do chamado do Papa, observa-se um

relativo processo de secularização que modificou o motor político da rede Jubileu de

forma que ele não é mais a ideia do perdão das dívidas segundo a encíclica Tertio

Millennio Adveniente e a abordagem moral do problema da dívida. Mesmo que as

organizações ligadas à Igreja continuem desempenhando um papel importante no

movimento, com apoio político e material72, a estratégia atual enfatiza uma análise

técnica e política da história das dívidas para sustentar seu posicionamento. Esta

estratégia vem sendo adotada em cada país onde o Jubileu tem um de seus “capítulos

nacionais”.

72 As fontes de financeiamento do movimento continuam vinculadas a algumas organizações originarias

do campo religioso, tais como: CAFOD - www.cafod.com.uk; Programa Justiça Econômica -

www.direitosociais.org.br; Christian Aid - www.christianaid.org.uk; OXFAM - www.oxfam.org;

FASTENOPFER - www.fastenopfer.ch; CESE - www.cese.org.br; FNS/Cáritas/CNBB -

http://www.caritas.org.br). No mesmo sentido, instalações de igrejas ou salas de aula vinculadas a

organizações religiosas são frequentemente utilizadas como local das reuniões do movimento.

Page 110: Nas Tramas Da Cultura Financeira

110

De maneira simbólica, desde o início a campanha adotou como referência

comum o logotipo de correntes nos seus materiais de divulgação. Segundo seus

promotores, as correntes representariam a escravidão pela dívida que impede o

desenvolvimento, a dignidade e a soberania das pessoas. Neste sentido, a campanha

Jubileu 2000 realizaria então várias ações utilizando este símbolo, desde um simples

logotipo em cartilhas até mobilizações com correntes humanas em várias partes do

mundo (Vivas, op. cit.:56). A seguir, algum material ilustrativo do Jubileu 2000 com

imagens de ativistas acorrentados em protestos contra a dívida73.

É com base no acúmulo destas experiências concretas de mobilização que aos

poucos a rede vai conformando o seu repertório próprio e característico de ação

73 Extraído de Barret, 2000, citado.

Page 111: Nas Tramas Da Cultura Financeira

111

coletiva74, vinculando-se a seu próprio modo às múltiplas formas de performances

políticas presentes no espaço dos movimentos sociais. Todas elas são ao mesmo tempo

dramatizações das suas bandeiras de luta que constróem legitimação política ao

configurarem uma certa dramaturgia75 do risco ao qual estão expostos – nos termos de

Ulrich Beck, ou ainda uma dramaturgia do dano – nos termos de Jacques Rancière.

O uso de personalidades famosas foi uma constante no repertório de ação

coletiva da rede Jubileu 2000. Desde Mohammed Ali, passando por Quincy Jones,

Ewan McGregor, Naomi Campbell e Bono Vox, foram muitos apoios vindos de “pop

stars”. Bono Vox, por exemplo, aparece nas figuras adiante (de preto) fazendo lobby

com Tony Blair e segurando o símbolo das correntes em uma passeata durante o

encontro do G8 em Colônia, Alemanha, em 1999.

Ainda que seus resultados práticos possam ser questionáveis, esta estratégia

serviu em larga medida para a popularização do movimento junto a diversos setores

sociais, pois personalidades como Bono Vox abriam imediatamente as portas da grande

mídia, que passou a dar destaque à causa.

74 M. Offerlé. Retour critique sur les répertoires de l’action collective (XVIIème-XXIème siècles). In:

Politix n°81, 2008/1. 75 U. Beck. Pouvoir et contre-pouvoir à l’ère de la mondialisation. Éditions Flammarion, Paris, 2003.

Page 112: Nas Tramas Da Cultura Financeira

112

Na ONU, por exemplo, o Secretário-Geral, Kofi Annan (natural de Gana)

parabenizou a rede Jubileu 2000 por sua mobilização por um processo justo e

transparente de cancelamento da dívida. Em setembro de 2000, ele defendeu uma

“avaliação objetiva e ampla, realizada por um painel de especialistas independentes de

qualquer influência indevida de credores”. Ao final do ano 2000, o FMI e o Banco

Mundial (BM) pelo menos realizaram um esforço para analisar o pedido de 20 países

num primeiro estágio de alívio da dívida. Alguns se beneficiaram mais do que outros:

Moçambique teve um cancelamento de 72% da sua dívida; Uganda 42%; Burkina Faso

48%; Camarões apenas 15%.

A informalidade das mais ou menos autônomas coalizões nacionais e

internacionais poderia ter sido uma fraqueza. Porém, ao final, foi ela que possibilitou

ações criativas e espontâneas e uma grande flexibilidade, dentro dos princípios que

todos compartilhavam. Estas ações da rede envolvem uma dimensão de reinvenção

Page 113: Nas Tramas Da Cultura Financeira

113

simbólica da apresentação pública da identidade do grupo em nível internacional, o que

pode eventualmente não coincidir com sua identidade histórica no plano nacional.

É certo que por vezes a arena internacional transforma ou reconfigura a atuação

política doméstica, algo que aparece com força nas proposições de Cohen e Rai sobre a

prevalência na arena internacional de movimentos sociais “transnacionais e solidaristas”

fracos no plano nacional76. No nosso caso, porém, os movimentos da rede Jubileu

continuam relativamente fortes nos espaços nacionais mesmo após terem intensificado

seu trabalho internacional77.

O argumento levantado pelos movimentos sociais que compõem a rede Jubileu é

o de que afirmar que as dívidas são “impagáveis” é equivocado, pois os países

endividados (ou ‘os povos’, como costumam dizer) já as pagaram há anos, ou séculos, e

no ritmo atual continuarão pagando várias vezes mais.

O problema é que não devemos a dívida, então se não instauramos essa realidade, a noção de que

a dívida é ilegítima, de que o problema não é se podemos pagar ou não podemos pagar, nunca

vamos alcançar uma alternativa que seja uma resposta efetiva às políticas que hoje terminam

sendo políticas de caridade do tipo: pobrezinhos, não podem pagar suas dividas....78

A primeira grande manifestação da coalizão Jubileu 2000 foi em Birminghan,

em maio de 1998. O Primeiro Ministro Tony Blair se reuniu com os membros da

campanha e reconheceu a falta de avanço sobre a questão da dívida. É preciso

mencionar as ligações existentes entre alguns dos principais promotores do Jubileu 2000

e o Partido Trabalhista, o que facilitou as relações entre o governo e o movimento

(Vivas, op. cit.:71).

76 R. Cohen et S. Rai. Global Social Movements. London, 2000. 77 D. Imig et S. Tarrow, 2001, apud M. Offerlé, 2008, p.195. 78 Entrevista com B. Keene, 2010.

Page 114: Nas Tramas Da Cultura Financeira

114

Nota-se que tudo ocorreu muito rápido, em período de não mais do que cinco

anos, para que a campanha Jubileu se internacionalizasse e para que, posteriormente,

viesse a se converter em uma rede internacional de trabalho permanente sobre a

dominação financeira por meio das dívidas. Em junho de 1999, durante a cúpula do G7

na Alemanha, uma corrente humana de mais de 10 km e 35 mil pessoas circundou a

cidade de Colônia exigindo a anulação da dívida.

Face à amplitude das mobilizações [em Colônia, 1999], o G7 se prontificaria a anular 90% da

dívida de 41 países da lista dos Países Pobres Altamente Endividados (PPTE), num total de

setenta bilhões de dólares. Porém os setores mais radicais do movimento criticaram duramente a

decisão e acusaram o G7 de lançar uma operação cosmética para uma opinião pública muito

sensibilizada. (...) Os membros do Sul rejeitaram a iniciativa enquanto que os membros do Norte

a acolhiam favoravelmente ‘admitindo, contudo, que o alívio deveria ser mais rápido, amplo e

profundo’ (Donnelly, 2002 apud E. Vivas, 2008, p.72).

Fica evidente a diferença de perspectiva política que leva as organizações de

países devedores a buscar construir uma articulação latino-americana de membros da

rede Jubileu. Posteriormente, isto dará ensejo à criação de articulações chamadas “Sul-

Sul”, representando um campo político destoante daquele composto por organizações de

países do Norte. É importante notar que as nomeações “Norte” e “Sul” são de uso nativo

e corrente no espaço contemporâneo dos movimentos sociais e, substituindo outras

como “terceiro mundo”, “subdesenvolvido”, colocam a ênfase do discurso sobre o lugar

geopolítico que os países ocupam no sistema mundial.

É claro que há um Sul no Norte (os pobres e excluídos nos países ricos) e um Norte no Sul (os

ricos e poderosos nos países do Sul). (...) Mas a representação Norte-Sul continua pertinente

também porque até hoje não se completou a descolonização e porque expressões coloniais ainda

existem atualmente sob diversas novas formas (Massiah, 2011:247-248).

Page 115: Nas Tramas Da Cultura Financeira

115

Num breve histórico da recente vida desta rede, destacam-se alguns momentos

fundadores ou de passagem, como uma primeira tentativa de avançar numa maior

formalização e identidade coletiva em novembro de 1998, em uma reunião em Roma,

organizada pela campanha Jubileu da Inglaterra, na qual participaram 38 movimentos de

escala nacional. Segundo Beverly Keene, esta foi uma primeira tentativa de articular e,

em certo sentido, criar uma coordenação “global” da campanha Jubileu 2000.

Nesse momento, por volta de 1997-98, na Argentina não tínhamos contato, por exemplo, com

um grupo sobre dívida aqui no Brasil. O primeiro contato terá sido com Demétrio [Dom

Demétrio Valentin] em Málaga, numa reunião do Conselho Mundial de Igrejas e bem,

começamos a ver que tinham um discurso mais parecido ao nosso e que sem duvida não éramos

todos marcianos, mas ainda não tínhamos uma relação consistente. Ficou claro que naquele

momento não havia espaço para construir uma coordenação global, mas sim para abrir espaço

para todos opinarem na tomada de decisão. Um ano depois, em janeiro de 1999 em Tegucigalpa,

Honduras, foi quando organizamos o primeiro encontro latino-americano e caribenho da

campanha Jubileu 2000.

Ainda que as campanhas do Jubileu tenham sido lançadas em diferentes países e

continentes, não foi criada uma estrutura formal de coordenação entre elas. As

características e os objetivos nacionais dos coletivos membros viriam a definir as

campanhas em nível regional e global. Certas coalizões exigiam a anulação total da

dívida ; outras demandavam a anulação apenas da dívida impagável; alguns rejeitavam

totalmente a Iniciativa Países Pobres Altamente Endividados – PPAE (HIPC, na sigla

em inglês) proposta pelo FMI e Banco Mundial; e outros optavam por defender a sua

reforma. Para autores como Thiery (2002:70-73) a iniciativa PPAE foi uma estratégia

do FMI e do Banco Mundial para enfraquecer as mobilizações ao dar uma resposta

parcial às pressões, sem, contudo, aceitar o lema do cancelamento das dívidas. “Estas

divergências cresceram com o tempo e levaram à constituição, em novembro de 1999,

Page 116: Nas Tramas Da Cultura Financeira

116

do Jubileu Sul como reação saída do interior do movimento Jubileu 2000” (Vivas,

op.cit. :59).

Um dos motivos importantes para esta divisão foi o “racha” entre organizações

do Norte e do Sul causado pelos diferentes posicionamentos com relação a Iniciativa

PPAE, que deixava de fora os países endividados com maior peso político-econômico,

como o Brasil e o México, por exemplo, e incluía apenas a dívida de países

considerados como “pobres e muito endividados”. A Iniciativa PPAE no entanto,

apenas explicitou as diferenças políticas de fundo existentes entre militantes do Sul e do

Norte, apontando para o traço característico já assinalado por Neveu (2005:112-113) de

que “nos países do ‘Norte’, associados a variações do modelo democrático, observa-se

uma tendência à institucionalização dos movimentos sociais”.

Já em agosto de 2000, Dot Keet, importante ex-militante da luta contra o

apartheid e intelectual participante da campanha Jubileu sul-africana escreve um texto

de apelo à unidade entre campanhas do Norte e do Sul, intitulado:The international

anti-debt campaign: A Southern activist view for activists in 'the North'…and 'the

South', onde se lê:

O Norte não pode agir sem o Sul mesmo que se argumente que os países industrializados têm

uma responsabilidade particular porque os principais culpados são os “seus” governos, empresas

e bancos, e as instituições globais controladas por eles. (...) Grupos do Norte não podem querer

substituir e não podem continuar a agir paternalmente ‘em nome’ do Sul, principalmente quando

o Sul se torna mais organizado e entra mais integralmente nas campanhas internacionais. No

entanto, se por um lado os ativistas no Sul precisam desenvolver uma visão estratégica baseada

nas suas próprias experiências, entendimento e unidade, eles precisam também reconhecer o

papel vital que apoiadores e contrapartes no Norte podem e devem desempenhar. Movimentos

no Sul precisam de aliados no Norte devido à posição estratégica destes, próximos aos centros de

poder global, sua experiência acumulada, habilidades consideráveis, e maiores recursos (Keet,

2000:17).

Page 117: Nas Tramas Da Cultura Financeira

117

Apesar dos apelos de militantes como Keet, a distância entre Norte e Sul

continuou a se aprofundar após o ano 2000. Esta configuração das relações políticas que

observamos na rede Jubileu é típica do clássico processo já assinalado por J. Siméant

(2010:135), segundo o qual “a internacionalização das mobilizações redefine a

identidade das organizações iniciadoras de movimentos sociais". Distintos interesses

com relação a meios e fins a perseguir fazem com que as organizações originárias dos

grandes e médios países endividados do Sul procurem formar uma aliança latino-

americana (e também uma Asiática e uma Africana) no interior da própria rede Jubileu

2000.

Além de marcar uma distinção ideológica dentro do movimento e com relação

aos militantes do Norte, esse trabalho de aproximação com os parceiros de outros países

endividados permitirá estabelecer e desenvolver laços Sul-Sul que modificarão o jogo

político interno. No ano seguinte, em janeiro de 1999 em Tegucigalpa, Honduras, seria

organizado pela primeira vez um Encontro Latino-americano e Caribenho da campanha

Jubileu 2000, com a presença de 15 campanhas nacionais do continente. Durante essa

reunião, se estabeleceu formalmente a criação desta espécie de sub-rede chamada

Jubileu Sul – América Latina.

Depois disso, tivemos uma primeira reunião na África do Sul, do que se chamava o ‘comitê de

conspiração’, que se reuniu em março de 1999 e no qual definimos um plano para criar uma

articulação ou uma coordenação em nível ‘do Sul’. Foi um momento em que também se colocou

a necessidade de um encontró internacional do movimento Jubileu. Foi neste momento que nós

colocamos a necessidade de se ter um encontro entre organizações sul-sul, o qual aconteceu em

novembro de 1999, em Johanesburgo, África do Sul.

Nós não nos conhecíamos, não sabíamos com que tipo de pensamento iríamos nos defrontar,

pois era um convite aberto a todos que vinham do Sul. Começamos a fortalecer uma visão de

campanha através da articulação entre nós. Foi uma experiencia real, compartilhamos uma visão

Page 118: Nas Tramas Da Cultura Financeira

118

concreta do problema da dívida que foi muito importante, porque deixou de lado todas as

diferenças de origem cultural, linguística, histórica, etc.79

A constituição de estruturas de coordenação regionais acontece mais ou menos

simultaneamente em 2000-2001, primeiramente na África em agosto de 2000, depois na

Ásia em outubro e finalmente na América Latina, quando após um encontro

preparatório em junho, durante o primeiro Fórum Social Mundial, foi estabelecido um

secretariado. No mesmo FSM um Comitê de Coordenação Internacional do Jubileu Sul

foi constituído com três representantes por continente.

Em setembro de 2000, durante reunião do FMI e do Banco Mundial em Praga, e

frente ao novo cenário político de emergências dos movimentos antiglobalização após

Seattle, a coalizão Jubileu 2000 (liderada pelas organizações do Norte) decidiu se

distanciar do movimento altermundialista e convocar suas próprias ações. No âmbito da

cúpula do G8, os representantes do Jubileu 2000 chegaram até mesmo a se reunir com

líderes do FMI e do Banco, apostando claramente que as instituições internacionais

proporcionariam uma “estrutura de oportunidade política aberta” (Mathieu, 2010:40) às

suas reivindicações.

Com a aproximação do fim do ano jubilar de 2000, os organizadores da campanha

Jubileu 2000 decidiram encerrar as suas atividades, pelo menos enquanto tal. A partir de

uma visão inglesa, uma periodização das principais ações desenvolvidas pela rede

(adiante, em inglês) evidencia que o seu repertório de ação coletiva esteve apoiado

sobretudo em práticas de lobby junto a instituições internacionais, governos, mídia e

Igreja Católica, combinadas a algumas formas de ação direta, como correntes humanas

79 Entrevista com B. Keene, 2010.

Page 119: Nas Tramas Da Cultura Financeira

119

realizadas durante cúpulas de instituições internacionais. Não há qualquer menção à

criação da rede Jubileu Sul, a partir de 1999.

1996

February – African Leaders Tour around the UK organised by Debt Crisis Network

April – Plans for original HIPC Initiative leaked at IMF/World Bank spring meetings

April – Jubilee 2000 office established with first staff member, backed by Christian Aid, CAFOD,

Tearfund and WDM

September – official launch of HIPC Initiative at IMF/World Bank Annual Meetings in Washington DC

1997

January – website launch – http://www.jubilee2000uk.org

March – International Confederation of Free Trade Unions backs Jubilee 2000

6 April – Launch of Jubilee 2000 countdown clock marks 1000 days to the millennium

June – US campaign launch at Denver G7 summit

September – German campaign launch

Setpember – UK Chancellor Gordon Brown launches Mauritius Mandate

October – Formation of UK Coalition and appointment of new staff

October – Scottish campaign launch

December – first meeting of all faiths and Chancellor Gordon Brown on debt

1998

February – Italian campaign launch

February – Jubilee 2000 campaigns mark 45th anniversary of 1953 London Agreement, Germany’s post

WWII debt cancellation

March – launch of Jubilee 2000 All Party Parliamentary Group in UK

April – launch of Jubilee 2000 Afrika campaign, Accra, Ghana

April – U2’s Bono joins the campaign

16 May – Human Chain, Birmingham G8 summit

July – Lambeth Anglican Conference of Bishops backs Jubilee 2000

18 August – 500 days to go – Trafalgar Square petition banner

September – announcement of HIPC review by Gordon Brown

September – IMF/World Bank invite Jubilee 2000 and other groups to address seminar

October – Hurricane Mitch strikes Nicaragua and Honduras

November – International meeting of Jubilee 2000 campaigns, Rome

27 November – 400 day countdown actions

December – Harare 50th anniversary meeting of World Council of Churches calls for debt cancellation

1999

January – Latin American campaign launch in Tegucigalpa

January – Chancellor Schröder, as chair of G8, calls for more ‘radical debt relief’

February – Bono, Muhammad Ali, David Bowie and the British music industry back the campaign at the

annual Brit Awards, watched by a billion people worldwide. Ali visits Brixton and lays wreath at anti-

slavery monument

March – Peru campaign launch

7 March – 300 Days events, including rally at St Paul’s Cathedral, London, addressed by Chancellor

Gordon Brown

April – African Trades Unions back debt cancellation

April – Foreign Debt Tribunal held in Rio, Brazil

April – Mozambique’s President backs Jubilee 2000

Page 120: Nas Tramas Da Cultura Financeira

120

April – Philippines campaigners form human chain around Asian Development Bank in Manila

May 1999 – Comic Relief’s Debtwish campaign

June 1999 – Global Chain Reaction brings one million people into action on debt, including:

12 June – Human Chain, Edinburgh

13 June – Human Chain around River Thames, London

15 June – 200 day countdown events

19 June – Human Chain, Cologne G8 summit

June – MTV Europe runs massive pan-European ad campaign and telephone poll

June – Jubilee 2000 wins One World Media award for ‘Best Public Information Campaign by an NGO

1999’ and Radio News Award 1999 for Birmingham’s Chain FM

August – Jubilee 2000 receives Rainbow Push Coalition award from Jesse Jackson

23 September – 100 day countdown; Pope meets Jubilee 2000 delegation including Bono, Jeffrey Sachs,

Quincy Jones, Bob Geldof, Willie Colon and Ann Pettifor

29 September – Clinton pledges to cancel 100 per cent of HIPC bilateral debt owed to USA

November – Thousands demonstrate in 20 cities throughout Spain

November – Human Chain for debt cancellation at WTO conference, Seattle

11 November – 50 day countdown; Human Chain around UK Treasury to call for 100 per cent debt

cancellation

17 December – Gordon Brown announces 100 per cent bilateral debt cancellation for HIPC countries

2000

January – Regular demonstrations at Japanese embassies around the world begin

January – Bono receives NRJ music award in France for his work with Jubilee 2000

February – San Remo Festival puts debt in the spotlight in Italy

February – TV Telethon on debt in Haiti

February – UNCTAD 10th meeting in Bangkok calls for 100 per cent debt cancellation

February – Spanish campaigners hand in one million petition signatures.

March – US Congressional Meltzer Commission calls for 100 per cent cancellation

March – Mozambique struck by worst flooding in 30 years

April – Kofi Annan’s UN Millennium Report calls for total cancellation and a new debt arbitration

process

April – Call for debt cancellation from G77 meeting in Havana

April – Human Chain at IMF/World Bank Spring Meetings, Washington

April – Jubilee 2000 Japan Human Chain around Finance Ministry, Tokyo

April – Vigil and demonstration outside Paris Club, France

April – Tribute event held in London in memory of Julius Nyerere, former President of Tanzania and debt

campaigner

April – 40 African heads of state call for urgent debt cancellation and promise to invest in health at Abuja

conference

May – Ann Pettifor receives honorary doctorate at Newcastle University for her work with Jubilee 2000

May – Japanese Prime Minister Mori is confronted by debt campaigners at every stop on his G7 country

tour

May – Bolivian civil society organise mass consultation exercise on poverty reduction

May – Joint NGO conference and demonstration at UN Social summit in Geneva say poverty reduction

won’t happen without debt cancellation

June – Martin Dent, co-founder of Jubilee 2000, receives OBE in Queen’s Birthday Honours List

6 July – Campaigners worldwide demonstrate at G7 Finance Ministries

8 July – Jubilee 2000 Japan ‘yen crosses’ demonstration at G7 Finance Ministers’ meeting, Fukuoka

15 July – Campaigners in Nigeria, Uganda, Ghana, Kenya, Malawi, Mali, South Africa and Zambia mark

Africa Day of Action

17 July – Latin America week of action begins

20 July – Presidents from Nigeria, Algeria, South Africa and Thailand representing G77, OAU and

UNCTAD hold special ‘Debt summit’ in Tokyo with G7 leaders

Page 121: Nas Tramas Da Cultura Financeira

121

21 July – Summit Watch events commence

23 July – G7 Leaders in Okinawa confirm scaled down Cologne Debt Initiative. Campaigners burn laptop

in protest

August – Nigerian campaigners call for debt cancellation from President Clinton as he visits Nigeria

September – At the UN Millennium summit most southern leaders endorse call for debt cancellation and

criticise Okinawa summit; Bono presents Jubilee 2000 petition to Kofi Annan

September – 5 million Brazilians vote in referendum against debt repayments

September – Uganda becomes first country to receive debt cancellation under Cologne initiative

September – Commonwealth Finance Ministers meeting argues for a complete rehaul of HIPC initiative

24 September – Campaigners hold funeral march at World Bank and IMF meetings in

Prague to mark 19,000 lives lost each day to debt

September – Jubilee 2000 wins international Pax Christi Peace Prize

October – Marie Claire magazine launches special debt issue and T-shirt designed by Armani

October – UNCTAD report says unless HIPC is improved, a new debt cancellation initiative will be

needed within the next decade

October – US Congress finally approves $435m to finance HIPC

11 November – 50 days to the end of the year; Jubilee 2000 Scotland’s ‘Whose Debt is it Now? Event

November – In Rome, two high level groupings – the Jubilee of politicians and the Nobel Peace laureates

– call for further debt cancellation and a revision of the HIPC initiative

2 December – Jubilee 2000 UK’s closing event, The World Will Never Be the Same Again

December – Pan-African and international conference, Dakar, plans future work on debt cancellation

31 December – The end of the Jubilee year. How much longer will it be before the chains of debt are

finally broken?

Ainda que não tenha alcançado seus objetivos e que tenha sido alvo de muitas

críticas pelo seu tom moderado, o balanço autocrítico de seus membros (sobretudo

ingleses) chama a atenção pelo otimismo, especialmente se atentarmos para o fato de

que o montante efetivamente cancelado das dívidas dos 52 países que eram objeto da

campanha foi extremamente tímido (ver gráfico 11 adiante).

À medida que o ano 2000 chega próximo do término, e a nossa campanha chega ao fim, nós que

compomos a campanha Jubileu 2000 temos muito a comemorar. Os países ricos prometeram

cancelar 110 bilhões de dólares de dívidas, e ao final do ano cerca de 20 países devem receber

algum tipo de alívio. Muitas pessoas, credores e devedores também, defenderiam a afirmação de

que isto aconteceu em grande parte devido à campanha Jubileu 2000 (Barret, 2000:1-43).

Se entre os países do Sul formou-se o Jubileu Sul como campanha permanente

sobre o cancelamento da Dívida, na Inglaterra, após 2001, a coalizão Jubileu 2000

Page 122: Nas Tramas Da Cultura Financeira

122

converteu-se oficialmente em uma espécie de centro de pesquisa, um “think-thank”

chamado Jubilee Research, que teve pouco ou nulo protagonismo. Segundo suas

próprias definições80, o Jubilee Research se compromete a desafiar a globalização

financeira através de :

Defesa de 100% de cancelamento da dívida impagável de países em desenvolvimento.

Promover um quadro de justiça e regulamentação para as relações entre devedores

soberanos e credores internacionais.

Democratização das atividades financeiras internacionais e instituições multilaterais,

tornando-as mais transparentes e confiáveis para os cidadãos.

Promover políticas de financiamento para o desenvolvimento ambientalmente

sustentáveis.

Defesa do pagamento pelo Norte das dívidas ecológicas para com o Sul.

Crítica às políticas de ajuste estrutural do FMI, as quais, ao imporem políticas

econômicas deflacionárias, ajuda na transferência de capital de devedores soberanos

para credores internacionais. As políticas do FMI elevam os direitos de credores

internacionais sobre aqueles dos cidadãos, e removem a autonomia política de governos

soberanos.

Desenvolvimento de políticas para o financiamento do desenvolvimento de forma mais

autossustentável, sem recurso à dependência de doadores externos e credores.

O resultado prático do encerramento ou redução das atividades da rede Jubileu 2000

no Norte é que hoje, cerca de dez anos depois, não há mais o tecido social com

capacidade de mobilização para fazer frente ao problema do endividamento que

atualmente explode no Norte.

80http://www.jubileeresearch.org/about-us.html

Page 123: Nas Tramas Da Cultura Financeira

123

A maioria não tem mais a força que chegou a ter no início, mas continuam trabalhando. Não existe

nada do tipo Jubileu Norte, são apenas capítulos nacionais isolados. Agora, além de visibilizar a

questão da dívida do Sul, têm o problema da dívida de seus países e começam a querer conhecer as

ferramentas que utilizamos no Sul para exigir processos de auditoria para fazer o mesmo em países

como Irlanda, Espanha e Grécia81.

Gráfico 11: Cancelamento estimado e efetivo de dívidas dos 52 países pedidos pela

campanha Jubileu 2000 até o final do ano 200082

Já a campanha Jubileu Sul, ao invés de encerrar as suas atividades, passa a ganhar

mais força e intensidade de mobilização justamente após o ano 2000. Para o Jubileu Sul

o termo ‘jubileu’ é um conceito que “vai além da questão da anulação da dívida e está

vinculado à denúncia das estruturas internacionais de dominação econômica e a uma

luta de libertação” (Vivas, op.cit.:63;75).

O Jubileu Sul define que as dívidas podem ser classificadas em sete categorias :

81 Entrevista com Beverly Keene durante a Cúpula Rio+20, em 2012. 82 Extraído de Barret, 2000.

Page 124: Nas Tramas Da Cultura Financeira

124

históricas (o Norte deve ao Sul em virtude da exploração colonial) ;

morais e relativas aos direitos humanos (na perspectiva judeu-cristã, a

anulação é vista como um ato de reparação de danos) ;

contratuais (contratadas entre devedores e credores por vias ilegítimas) ;

ligadas à democracia (contraídas por regimes ditatoriais) ;

vinculadas à democracia (contraídas por regimes ditatoriais) ;

ligadas à autodeterminação e à soberania (a dívida permitiu a intituições

internacionais de intervir em países soberanos) ;

contábeis (vinculadas a manipulaçoes dos juros) ; e

ambientais (uma dívida historicamente contraída pelo Norte através da

exploração histórica de recursos naturais do Sul)83.

Diferentemente do que ocorre no espaço das organizações do Norte que fazem

parte da campanha Jubileu 2000, desde sua criação a rede Jubileu Sul buscará se

aproximar e fazer parte das mobilizações antiglobalização, incialmente enviando uma

pequena delegação aos protestos contra a Organização Mundial do Comérico (OMC)

em Seattle, EUA, e mais tarde exercendo um papel importante nos Fóruns Sociais

Mundiais e durante mobilizações de rua contra o G8, o BM e o FMI.

Quando chegamos à reunião de Johanesburgo, que foi uma semana antes de Seattle, da “Batalha

de Seattle”, determinamos em uma das resoluções que mandaríamos nossa primeira delegação a

Seattle para nos representar nesta luta global. Outro momento forte na construção da rede e

também como apresentação para a sociedade foi a nossa participação nos Fóruns Sociais

Mundiais e sobretudo a realização do Tribunal sobre a Dívida, no segundo Fórum Social

Mundial, em 200284.

83 A. Bendaña, 2003, apud E. Vivas (2008:89). 84 Entrevista com Beverly Keene.

Page 125: Nas Tramas Da Cultura Financeira

125

Nos anos seguintes o Jubileu Sul participou de diversos dos assim chamados

Dias de Ação Global85

contra o Banco Mundial e o FMI, e foi somente a partir das

mobilizações de Gênova que houve uma aproximação completa entre os líderes das

manifestações contra o G8 no período anterior e o movimento antiglobalização

emergente. Segundo Vivas (op.cit.:80),

As organizações que sucederam ao Jubileu 2000 na Grã-Bretanha, especialmente Drop the Debt,

e outros coletivos e redes como CADTM e Jubileu Sul, se uniram ao quadro de trabalho do

Fórum Social de Gênova, um espaço integrado por sindicatos, ONGs, partidos políticos,

coletivos da Igreja, grupos de base, entre outros. [Enquanto isso,] (...) os setores mais moderados

ligados à campanha Jubileu 2000 se mantiveram à margem do movimento e chegaram a

criminalizar as ações de desobediência civil.

Em sua pesquisa sobre o Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo

(CADTM)86

, a socióloga francesa Hélène Baillot (2010:146-150) chama a atenção para

a existência do que ela considera certa forma de divisão do trabalho militante,

decorrente das diferentes culturas políticas do Sul e do Norte.

Numa análise focada na relação com parceiros africanos, a autora nota que as

organizações do Norte, frequentemente detentoras de mais informações e dados, se

colocam como “experts” técnicos frente às do Sul, que, por sua vez, adotam uma

abordagem mais moral e política do que técnica. Baillot ressalta, no entanto, que ao

regressarem aos seus contextos nacionais, as organizações do Sul não raro se

comportariam segundo esta mesma postura de especialistas com relação a seus pares

nacionais que não têm acesso à esfera militante internacional. Em outros termos,

85 Os Dias de Ação Global foram uma das ferramentas de ação coletiva mais utilizadas pelos movimentos

antiglobalização em geral e pelo movimento contra a dívida em particular. Geralmente coincidentes com

encontros multilaterais de vários tipos, trata-se de expressões de alguns dos momentos de maior

estruturação da atuação internacional deste tipo de rede. 86 O Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, sediado na Bélgica, foi uma das organizações

contra a dívida que esteve envolvida na fundação da rede Jubileu 2000 na Europa nos anos 1990, mas que

permaneceu independente deste. Trata-se também de uma rede de luta contra a dívida, que conta com

parceiros principalmente na África de língua francesa.

Page 126: Nas Tramas Da Cultura Financeira

126

significa dizer que conhecimento e poder andam de mãos dadas e capital social é

facilmente convertido em capital político.

No período que vai de 2001 a 2004, os movimentos contra a dívida estabelecem

diferentes abordagens, aproximações e distanciamentos com relação aos movimentos

antiglobalização, que nestes anos experimentam um crescimento vertiginoso de

visibilidade pública e atividade política.

A partir de 2001 e 2002 a rede Jubileu Sul definirá a sua participação no

processo do FSM. Se, por um lado, temos com I. Sommier que em alguns casos a

participação em fóruns deste tipo pode levar a uma diluição destes movimentos no

interior do amplo espectro que compõe o movimento antiglobalização, também

observamos, por outro lado, que a capacidade do FSM de potencializar a criação e/ou

fortalecimento de redes e campanhas internacionais é clara se consideramos que daí

surguiram iniciativas importantes como a Campanha Continental contra a ALCA, a

Aliança Social Continental (ASC) e a Campanha pela Desmilitarização das Américas

(CADA), e a mobilizalção contra a invasão do Iraque em 2002.

Todas essas iniciativas tiveram o envolvimento do Jubileu Sul, mesmo que não

tratassem especificamente do tema dívida87

, o que evidencia a sua característica

organizacional e política de ser uma rede que participa em diversas outras redes, com

graus diferentes de intensidade e formas variadas de colaboração.

Mas a inserção do Jubileu nos FSMs ocorrerá, sobretudo, pela organização do

Tribunal Internacional dos Povos sobre a Dívida, com o objetivo de determinar e julgar

87 A este respeito, ver: Berrón, Gonzalo. Identidades e estratégias sociais na arena transnacional. O caso

do movimento social contra o livre comércio nas Américas. Tese de Doutorado em Ciência Política,

Universidade de São Paulo, 2007.

Page 127: Nas Tramas Da Cultura Financeira

127

a responsabilidade dos bancos, das transnacionais, dos governos do Norte, do FMI e do

Banco Mundial no endividamento dos povos do Sul e propôr caminhos alternativos de

repúdio e anulação da dívida. “O Tribunal, organizado pelo Jubileu Sul, o CADTM, a

Associação Americana de Juristas, o Conselho Mundial de Igrejas, a Kairos, o Jubileu

EUA e a Marcha Mundial das Mulheres, fundamentou as acusações sobre um vasto

material documental e sobre testemunhos de homens e mulheres de mais de 20 países

do Sul” (Vivas, op.cit.:83-84).

A forma de ação “tribunal”, assim como o uso das correntes, é uma das mais

tradicionais práticas coletivas do movimento contra a dívida (já antes da existência do

Jubileu), sendo que o primeiro deles data ainda de 1988, por ocasião da cúpula do FMI

e do Banco Mundial em Berlim. A experiência do tribunal se repetirá em diversas

oportunidades como uma das mais importantes ferramentas do repertório de ação

coletiva colocado em prática pelo Jubileu Sul, como por exemplo durante a Cúpula do

G8 em Evian em junho de 2003 e o Fórum Social das Américas em Quito, Equador, em

julho de 2004, dentre outros.

Ainda que não se trate de um tribunal de verdade, é adimensão moral e

simbólica da forma tribunal que exerce grande força política. Ao apresentarem

testemunhos, provas e vítimas diretas da dominação pela dívida, os tribunais propiciam

um amplo solo de identificação mútua entre seus participantes e permite que se troquem

diferentes pontos de vista sobre problemas comuns, mesclando narrativas das vítimas

atingidas com pareceres técnicos e jurídicos.

Não estranha, portanto, que o estabelecimento de um tribunal oficial esteja entre

as principais reivindicações do movimento a partir de 2001. É nesta época que ganham

força propostas como a de um Tribunal Internacional de Arbitragem – com a

Page 128: Nas Tramas Da Cultura Financeira

128

participação da sociedade civil, bem entendido –, para substituir os mecanismos

definidos pelos credores, sua gestão ineficaz e a tomada de decisão desigual entre

credores e devedores.

O período seguinte, de 2004 a 2007, marca um contexto em que o movimento

antiglobalização perde muito de seu impacto junto ao grande público, enquanto que as

mobilizações em nível nacional contra as políticas neoliberais recuperam ao menos em

parte sua capacidade de contestação. Na América Latina, uma sucessão de forças

políticas identificadas com a esquerda chega ao poder.

Para melhor articular as lutas nacionais contra a dívida com aquelas

desenvolvidas no plano internacional, foi organizado um Encontro Internacional do

Movimento contra a Dívida, em Havana, em setembro de 2005, resultado de

articulações prévias estabelecidas no FSM 2005 em Porto Alegre. Tratava-se de um

momento de encontro do Jubileu Sul com diversos outros atores menos radicais, como

os diferentes grupos da Inglaterra e dos EUA. Chega-se a uma declaração comum para

encerrar o Encontro, mas persistem as diferenças políticas de fundo. Entre 25 e 28 de

setembro se realiza a II Assembléia Mundial do Jubileu Sul e o II diálogo Sul-Norte do

movimento contra a dívida, cinco anos após sua primeira realização, em dezembro de

2000, em Dacar.

Nota-se claramente que, a partir de 2005, inicia-se umanova fase na estratégia

discursiva do movimento Jubileu Sul, a qual poderíamos caracterizar como uma fase de

maior autonomia política e discursiva com relação às tradições do Jubileu 2000. Se

anteriormente a questão política central girava em torno da luta pela anulação total das

dívidas e das estratégias para tanto, agora o Jubileu Sul tem uma abordagem mais

histórica e política, que de forma irônica promove uma inversão discursiva: “Não somos

Page 129: Nas Tramas Da Cultura Financeira

129

devedores, na verdade nós é que somos os credores”, ou “Não devemos, não

pagamos”88

. Para além da palavra de ordem, a formulação do movimento é a seguinte:

A dívida social, financeira e climática é ilegítima, injusta, insustentável ética, jurídica e

politicamente e favorece as elites e prejudica a maioria da população, viola a soberania nacional.

Nós, os povos do Sul, somos os verdadeiros credores dessa enorme dívida histórica, social,

ecológica e climática provocada e cobrada pelos detentores do poder, dos governos, das

instituições e corporações do Norte juntamente com os governos de nossos países89.

No FSM de 2006, em Caracas, o Jubileu Sul organizaria uma Assembléia dos

Povos Credores do Sul e a partir de então a noção de “Povos credores do sul” entrará

definitivamente em seu vocabulário político, aperfeiçoando traços discursivos que

estiveram presentes desde sua formação, em 1999.

De fato desde a nossa criação como rede a questão da dívida ecológica, da dívida social e da

dívida histórica tiveram uma presença muito grande. Desde então temos trabalhado a noção de

quem são os credores, de quem realmente deve a quem. A dívida financeira é uma dívida, e é

uma dívida ilegítima. Mas há também outras dívidas e isto tem sido muito presente desde o

primeiro momento90.

Já em 2007, no Fórum Social Mundial de Nairobi, o conjunto do movimento anti

dívida conseguiu chegar a um acordo para a realização de uma Semana de Ação Global

contra a Dívida. A ideia de uma Semana Global de Ação repete de certa forma a

intenção dos Dias de Ação Global promovidos de 1995 a 2005 qual seja, mostrar que a

constestação está em toda parte, mesmo que através de ações pontuais. A Semana

Global de 2007 mobilizou ações em 60 países como Bélgica, Brasil, Estados Unidos,

Nepal, Inglaterra, Espanha, Paraguai, Filipinas, Tanzânia, Coréia do Sul, Argentina,

88 A palavra de ordem “não devemos, não pagamos” será retomada no contexto da crise que se iniciou em

2008, tanto na Europa quanto nos EUA. 89 Jubileu Sul Brasil. Carta de Princípios. 90 Entrevista com Beverly Keene, Rio+20, 2012.

Page 130: Nas Tramas Da Cultura Financeira

130

Niger, Irlanda, Peru, Quênia, Sri Lanka, entre outros. A Semana de Ação Global, tal

qual a forma tribunal, foi incorporada permanentemente no repertório de ações do

movimento, e vem se repetindo anualmente desde então, sempre em outubro91

.

Entre as reivindicações encontram-se a demanda pela realização de auditorias

parlamentares sobre a Dívida do Sul e do Norte; a organização de uma auditoria cidadã

mundial sobre as operações de empréstimo do FMI e do Banco Mundial; a anulação

imediata de 100% das dívidas multilaterais e das dívidas consideradas ilegítimas; e a

construção de estruturas financeiras regionais autônomas e soberanas como um Banco

do Sul (Vivas, op.cit.:100).

Se por um lado pode ter diluído coesões políticas previamente estabelecidas ao

redor de determinados temas específicos, a experiência de participação em diversos

protestos e nos FSMs se revela um elemento chave para o estabelecimento de uma

dinâmica de alianças do movimento contra a dívida junto a outras campanhas e

organizações temáticas, como grupos de mulheres, camponeses, indígenas, ecologistas,

ativistas contra o livre-comércio, pelo controle dos mercados financeiros, etc.

Estes aliados em larga medida cultivados nos FSMs passam a assumir a

reivindicação da anulação da dívida como uma questão importante que se cruza com

outras temáticas políticas dos movimentos antiglobalização. Inversamente o discurso

das organizações contra a dívida se enriqueceu de reivindicações diversas, como a

oposição aos tratados de livre-comércio, a defesa da soberanía alimentar, a campanha

91 A instituição anual de um dia ou semana de ação internacional tende a rotinização e perda de impacto

político, se mantendo mais pela vinculação simbólica a eventos passados do que por sua relevância no

presente.

Page 131: Nas Tramas Da Cultura Financeira

131

contra bases militares americanas na América Latina (da qual o caso de Alcântara

mobilizou de forma especial os brasileiros)92

, entre outros.

Esta aliança entre organizações e movimentos que trabalham sobre temas

específicos diferentes é um tipo de prática daquilo que L. Mathieu (2007: 132-134)

definiu como um dos traços mais marcantes dos movimentos sociais contemporâneos :

“serem por um lado focados sobre questões bastante especializadas e, por outro, serem

diretamente ligados uns aos outros por relações de interdependência específica, que

podem variar da cooperação ou da coalizão, à concorrência ou rivalidade”.

O que se pode observar no caso do Jubileu Sul é que, contrariamente ao

estabelecimento de uma lógica puramente concorrencial e de disputa por recursos

materiais e simbólicos, estes movimentos percebem que neste processo a prática de

apoiar as lutas uns dos outros pode ser de fato uma estratégia eficaz para ampliar as

possibilidades de serem reconhecidos93

e de influenciarem o debate público. Não

significa que a concorrência material e simbólica entre movimentos “parceiros” não

exista. Como assinala Baillot, durante os anos 1990 e início dos 2000, as relações

políticas da rede Jubileu 2000 e CADTM na África evidenciam uma “disputa territorial”

que divide o continente entre aliados do CADTM (África francófona) e do Jubileu 2000

(África anglófona).

92 A respeito da mobilização brasileira contra a cessão da Base de Alcântara aos EUA, da qual participou

intensamente o Jubileu, ver: Berrón, Gonzalo. Identidades e estratégias sociais na arena transnacional.

O caso do movimento social contra o livre comércio nas Américas. Tese de Doutorado em Ciência

Política, USP, 2007. 93 Aqui não fazemos referência ao termo amplamente difundido com a obra A luta por reconhecimento,

de Axel Honneth (2003), situada no campo da teoria crítica. Ainda que não se aplique a nossa discussão

específica, veremos que o tema da luta contra a dívida está amplamente carregado de significações

morais, assim como a luta pelo reconhecimento tal qual apresentada por Honneth.

Page 132: Nas Tramas Da Cultura Financeira

132

Além das alianças com outros movimentos, a organização sob a forma de rede

levará uma diversidade de atores sociais ao interior do Jubileu, os quais frequentemente

não tinham o tema da dívida como única bandeira de luta.

A grande maioria das nossas organizações e movimentos tem uma base social importante, mas

que trabalha contra a corrente. Em poucos lugares neste momento se pode esperar uma luta

política importante contra a dívida. Eu creio que uma outra realidade é que sem dúvida todos os

movimentos e organizações que formam parte da rede tem outras prioridades. Com tantas frentes

de luta, às vezes a mobilização contra a dívida não se encontra nesta dinâmica de luta que, no

Sul, é a da luta pela sobrevivência, o que absorve a maior parte da energia94.

Historicamente as entidades se aproximam do Jubileu dependendo do tema que estamos

trabalhando no momento, pode ser uma cooperação pontual e isso é comum. Tanto a entrada

quanto a saída são livres95.

Num contexto tão diverso como este, o Secretariado da rede desempenha um

papel importante de ligação entre seus membros e também de coordenação das

diferentes ações, sempre definidas de forma consensual. No entanto, como vemos, a

dinâmica das lutas nacionais faz com que diferentes membros da rede às vezes tenham

dificuldade para priorizar as ações da rede em relação às ações desenvolvidas por eles

mesmos, sobre temas particulares a cada organização, o que expõe de certa forma

também uma debilidade de resultados da forma rede, devido à baixa coercitividade e o

alto grau de autonomia dos membros.

Atualmente, a rede Jubileu está presente em cerca de 40 países, sob a forma de

capítulos nacionais normalmente formados por organizações de escala nacional ou local

e grupos de institucionalidade variável, as quais se reúnem em torno de um Comitê

94 Entrevista com Beverly, 2012. 95 Entrevista com Joilson, 2012.

Page 133: Nas Tramas Da Cultura Financeira

133

Internacional de Coordenação da rede, composto de representantes eleitos ou indicados

por cada país.

Dentre as inciativas mais importantes na América Latina, encontramos a

realização dos tribunais e de auditorias populares da dívida em diversos países; a

denúncia da dívida do Haiti; a denúncia da dívida do Paraguai com o Brasil; a denúncia

da relação entre dívida e negociações sobre mudança climática; a auditoria oficial da

dívida no Equador; e a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a

dívida no Brasil.

A partir de agora, então, veremos de forma mais detalhada as ações da rede

Jubileu Sul no Brasil, buscando os elementos para copreender a dinâmica de conflito

entre espaço dos movimentos sociais e cultura financeira no Brasil.

Page 134: Nas Tramas Da Cultura Financeira

134

CAPÍTULO V

Contestação social da dívida no Brasil

Jubileu Brasil e a luta contra a dívida “inexistente”

No Brasil como em outras partes, a campanha Jubileu é formada por

organizações que também tem outras prioridades políticas. No entanto, talvez pelo

tamanho do país e pela forte tradição e organização de suas bases sociais e militantes,

foram capazes de tornar a rede Jubileu um ator relativamente importante no espaço dos

movimentos sociais.

Do Jubileu Sul Brasil podem participar organizações sindicais, ONGs, outros

movimentos sociais já existentes, assim como indivíduos que queiram aderir e

contribuir sem pertencer a nenhuma organização institucionalizada. Apesar de estar

aberta à participação individual, a rede explicitamente dá preferência à adesão de

organizações, como se pode ver nas suas instruções para adesão:

A Rede é formada por organizações, movimentos sociais, entidades ambientalistas, ONGs,

associações de moradores, sindicatos e “autônomos” (pesquisadores ativistas vinculados a

centros de pesquisas, envolvidos na assessoria a grupos locais).Para tornar-se membro da Rede

JS/B é necessário o preenchimento do formulário de adesão, como entidade ou “autônomo”,

onde o proponente declara sua concordância com os princípios do Jubileu Sul, expresso na Carta

de Princípios. A aprovação do cadastro depende da avaliação dos demais membros do Jubileu

Sul.A Rede prioriza os cadastros de entidades. Além de tornar a lista mais segura e operacional,

a priorização das entidades entre os membros é a possibilidade de reforço mútuo, tanto a

entidade filiada como a Rede sai fortalecida!96

96 Jubileu Sul Brasil. Perfil Organizacional.

Page 135: Nas Tramas Da Cultura Financeira

135

O período do final dos anos 1990 e início dos ano 2000 foi marcado por

mobilizações intensas no Brasil, sob o governo FHC. O aniversário de 500 anos da

chegada dos portugueses ao Brasil foi um fator simbólico que favoreceu ainda mais a

mobilização social. Neste momento a campanha Jubileu Brasil ganhava importância.

Em 1998 a campanha organizou um colóquio “acadêmico” sobre a questão do

endividamento e em 1999 em Tribunal da Dívida Externa. A convocação foi feita por

um amplo leque de organizações pertencentes ao Jubileu, tais como a Conferência

Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Conselho National de Igrejas Cristãs

(CONIC), a Cáritas, a Coordenação Ecumênica de Serviços (CESE), a Central de

Movimentos Populares (CMP), e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST).

O Tribunal, uma das formas de ação consagradas na rede, ocorreu de 26 a 28 de

abril de 1999 no Rio de Janeiro e reuniu 1200 pessoas, entre vítimas, testemunhas,

defesa, acusação e observadores, que realizaram uma dramatização jurídica da questão

da dívida. Nesta forma de ação os movimentos praticam a sua capacidade argumentativa

no terreno do Direito e buscam elaborar uma narrativa juridicamente amparada para

atacar a questão também de forma técnica97

, além da condenação moral e política.

Então, após ter organizado debates acadêmicos e um Tribunal social sobre a dívida, o

movimento Jubileu esteve entre os mais entusiastas de uma nova e ambiciosa iniciativa:

um Plebiscito nacional organizado inteiramente por movimentos sociais, sindicatos e

organizações sociais.

O Plebiscito ocorreu de 2 a 7 de setembro de 2000, com 53.000 urnas instaladas

em 27 estados do Brasil e cerca de 130.000 voluntários que participaram na organização

97 Cf. Teitelbaum, 2002.

Page 136: Nas Tramas Da Cultura Financeira

136

desta iniciativa. Mais de seis milhões de pessoas, ou 5,7% do eleitorado total naquele

momento, votaram a favor do não pagamento da dívida externa. Os resultados foram

apresentados em uma sessão pública no Congresso Nacional no dia 13 de setembro de

2001 com a presença de 700 pessoas.

Adiante, na Figura 3, duas imagens da cartilha de divulgação do Plebiscito da

Dívida promovido pelo Jubileu no Brasil, no ano 2000. Naquele ano, uma grande

mobilização desta rede, com o apoio de setores da Igreja (Pastorais) e de movimentos

sociais com forte tradição católica como o MST e o Grito dos Excluídos, mas também

de agremiações sindicais como a Unafisco, alcançou a respeitável marca de mais de 6

milhões de votos no Plebiscito. Um dos militantes que pude entrevistar, de nome

Joilson, relata como teve contato com o Jubileu e sua experiência como alguém que

vinha do campo religioso:

Venho da militância da Pastoral da Juventude, da Igreja Católica, as Pastorais Sociais, e é aí que

começa a minha militância no Jubileu. Minha militância social começa com a militância pastoral.

(...) Eu comecei a perceber como é que funciona a sociedade, que existem os incluídos, entre

aspas, numa forma de organização da sociedade e existem os excluídos.

A partir daí eu comecei a me interessar e ter uma inserção no meio mais social.O Jubileu Sul

Brasil, a partir da sua constituição, lá pelos idos de 1999, tem uma contribuição muito grande

pros últimos acontecimentos populares no Brasil. No ano 2000 o Jubileu também ajudou a

organizar o Plebiscito sobre a Dívida, com mais de 6 milhões de votos. Dois anos depois ajudou

a realizar o Plebiscito sobre a ALCA, com 10 milhões de votos! Eu ajudei na construção da

Campanha contra a ALCA, que aconteceu em toda a América. No Maranhão eu ajudei, cheguei

na reta final e fui contribuindo, ajudei a contar os votos e tal. Comecei a participar das Plenárias

Nacionais da Campanha contra a ALCA, que era organizada por várias organizações, dentre elas

o Jubileu Sul Brasil, CUT, MST e muitos outros movimentos98.

Rememorando o processo de organização do Plebiscito, a militante do Jubileu

Rosilene considera que aquela experiência representou um momento político especial

98 Entrevista com Joilson, 2012.

Page 137: Nas Tramas Da Cultura Financeira

137

para o movimento em particular, mas também para o espaço dos movimentos sociais

brasileiros em geral.

Foi uma coisa incrível pro Brasil. Acho que foi um dos melhores plebiscitos que nós tivemos.

Foi um período de grande mobilização e de articulação, de debate. Eu considero o plebiscito um

instrumento pedagógico essencial para o trabalho de mobilização, de formação, que nós

adotamos no Brasil. E aí não falo só pela Rede Jubileu, mas falo como sociedade e movimentos

sociais. Acho que ele é fantástico.

Os resultados da votação foram amplamente favoráveis a uma revisão da dívida

pública federal e do acordo então vigente com o FMI, o qual anos depois viria a ser

pago com antecipação durante o governo Lula.

Figura 3: Cartilha sobre o Plebiscito e o resultado final da votação

Qual é então, a situação que no Brasil mobiliza pessoas a se engajarem

politicamente contra a dívida em uma rede como o Jubileu?

Page 138: Nas Tramas Da Cultura Financeira

138

Em linhas gerais Paulani (2009:34) nos indica que o Brasil esteve envolvido nos

processos que levaram a financeirização recente do capitalismo desde seu começo. A

inserção de um país como o Brasil – periférico, porém relevante – na nova organização

financeira internacional deu-se com a ocupação de uma posição específica, qual seja,

como plataforma internacional de valorização financeira. Em outras palavras,

[Trata-se de] uma economia emergente na qual é possível obter elevadíssimos

ganhos financeiros, por vezes os mais elevados do mundo. (...) Inicialmente o

país constituiu parte expressiva da demanda por crédito que ensejou a primeira

bolha global de ativos do capitalismo financeirizado, consubstanciada na crise

das dívidas latino-americanas da primeira metade dos anos 1980. Mais à frente,

a partir da segunda metade dos anos 1990, tornou-se potência financeira

emergente, tendo, para tanto, realizado todas as reformas estruturais necessárias,

da estabilização monetária à abertura financeira incondicional, da reforma da

previdência às mudanças na lei de falências.

Entretanto, esta emergência do Brasil como plataforma de valorização financeira

não resolveu – mas ao contrário, agravou – a situação da Dívida pública contra a qual

movimentos como o Jubileu Brasil se mobilizam. Os gráficos 12e 13 a seguir ilustram o

grau de profundo endividamento externo brasileiro, da ordem de 270 bilhões de dólares

em 2008; e também interno, da ordem de cerca de 800 bilhões de dólares. Eles expõem

claramente como o mesmo vem aumentando de maneira acelerada, sobretudo desde os

governos democraticamente eleitos de FHC e Lula.

Page 139: Nas Tramas Da Cultura Financeira

139

Gráfico 12: Dívida Externa Brasileira 1971-2008

(Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida)

Gráfico 13: Dívida Interna Brasileira 1994-2009

(Fonte: Banco Central)

Page 140: Nas Tramas Da Cultura Financeira

140

Apesar de o país continuar extremamente endividado, como mostram os

números, não se observa nos campos político e midiático brasileiro praticamente

nenhuma menção ao problema do endividamento. Em entrevista que realizei com um

dos parlamentares brasileiros mais envolvidos na discussão do tema da dívida, o

Deputado Federal Ivan Valente, este “desaparecimento” do tema do debate público

também foi um elemento por ele ressaltado.

A dívida é um tema tabu na mídia. É possível ter outra política econômica, mas aqui no Brasil

temos um silêncio sepulcral criminoso – em minha opinião – ninguém toca nesse assunto, porque

realmente tem gente que ganha com os altos juros, é o capital financeiro. E não é à toa que o

Henrique Meirelles é o presidente do Banco Central e que “os Sardenbergs da vida” na mídia

defendem ferozmente a oficialização da autonomia do Banco Central com um Presidente que

seja confiável do ponto de vista do mercado99.

As palavras que dominam o discurso economista são sempre muito vinculadas à

questão da dívida, mas não são apresentadas enquanto tal: responsabilidade fiscal,

superávit primário, política monetária, taxa básica de juros, etc., são cotidianamente

repetidas sem que haja uma reflexão de fundo sobre o problema maior ao qual elas estão

ligadas. Durante a cúpula RIO+20 da ONU, em 2012 no Rio de Janeiro, perguntei em

uma entrevista com um militante do Jubileu Brasil, Miguel Sá, se o tema da dívida não

estaria sumido do debate político brasileiro atual. A sua resposta foi:

O Lula conseguiu botar na cabeça das pessoas que o Brasil, pagando a sua dívida com o FMI,

não tem mais dívida, quando na realidade a dívida interna tem crescido exponencialmente e hoje

se vende muito mais títulos da dívida interna brasileira do que externa, os mercados querem

comprar porque consideram o Brasil um bom pagador e então a dívida explodiu. O Brasil nunca

esteve tão endividado, e é dívida publica, nós pagamos através de todo tipo de medida de

austeridade, ainda que aqui se evite essa palavra que está muito em voga na Europa hoje, mas é

isso. É isso. É 3% para a Educação e 5% para a saúde, quer dizer, os números falam por si

próprios nesse caso. E o ataque midiático das elites conservadoras brasileiras contra a

99 Entrevista com o Deputado Federal Ivan Valente (PSOL-SP).

Page 141: Nas Tramas Da Cultura Financeira

141

previdência social que come 22% do orçamento e “esquecem” de olhar para o lado, onde temos

50% do orçamento indo para a Dívida. Então trazer esse tema pro debate de novo é

fundamental100.

Posicionar-se como plataforma de valorização financeira e se comprometer com

bilionários superávits primários para o pagamento dos juros da dívida caracterizam o

Brasil dos últimos 30 anos como um Estado neoliberal. No Estado neoliberal

contemporâneo – conceituado por Harvey como um Estado que defende os direitos do

capital ante todos os outros –, é indispensável que uma parte substantiva dos impostos

que o Estado recolhe com base na geração efetiva de renda pela sociedade em

determinado período seja utilizada pela enfrentar o serviço da dívida, de modo que os

detentores desses ativos recebem uma parcela da renda real produzida nesse lapso de

tempo, mesmo sem terem tido nenhum papel em sua produção (Paulani, 2008:119-120).

O gráfico 14 a seguir é impressionante, mesmo que já bem conhecido dos que se

interessam pelo tema, e indica como traços estruturais do neoliberalismo, como a

extração de riqueza via finanças, persistem no Brasil mesmo após 10 anos de governos

do PT. Fattoreli (Unisinos, 2012) chama ainda a atenção ainda para o fato de que neste

período recente de governos democraticamente eleitos é colocada em prática uma

estratégia de substituição da dívida externa para a interna.

A dívida pública se transformou em um mero instrumento do mercado financeiro. (...) A

alteração mais relevante é de caráter apenas aparente: se antes havia a preponderância da dívida

externa, hoje a maior parte dos gastos com a dívida se referem à denominada dívida interna, que,

apesar do nome, também possui como beneficiários bancos e investidores estrangeiros. A dívida

interna é uma nova face da dívida externa e continua retirando recursos dos mais pobres (por

meio dos tributos incidentes sobre o consumo e sobre os salários) para privilegiar os rentistas e

especuladores.

100 Entrevista com Miguel Sá, 2012.

Page 142: Nas Tramas Da Cultura Financeira

142

Mais do que um problema econômico, o endividamento recente do país é

abordado pelo Jubileu como um problema político, por constituir uma forma de

dominação perversa sobre os endividados “por parte daqueles que concentram a riqueza

e o poder do mundo”.

Depois de dez anos (2000 a 2010), a dívida interna chega a R$ 1,5 trilhão e a dívida externa

chega à cifra de US$ 275 bilhões. Este crescimento confirma que os ciclos de endividamento e

sobre-endividamento continuam sendo um grande problema financeiro e social. Mais do que um

problema econômico e financeiro, a dívida é um instrumento de dominação que serve para a

exploração e o controle de nossos povos e dos recursos por parte daqueles que concentram a

riqueza e o poder do mundo101.

O gráfico 14 trata do orçamento do Brasil dividido por despesa. Ao se observar

as proporções de riqueza gasta para o pagamento da dívida em comparação a outros

setores vitais da sociedade ficam patentes as causas que indignam camadas da sociedade

e motivam o surgimento de movimentos sociais como o Jubileu Brasil.

101 Jubileu Sul. Carta de Princípios.

Page 143: Nas Tramas Da Cultura Financeira

143

Gráfico 14: Orçamento Geral da União – 2010 – Por função – Total: R$ 1,068 trilhão

Segundo Maria Lúcia Fattorelli (2009), da rede pela Auditoria Cidadã da Dívida

no Brasil – provavelmente a mais importante iniciativa nacional, da qual a rede Jubileu

é uma das principais promotoras – “no Brasil, de 1978 a 2008, pagamos US$ 260

bilhões a mais do que recebemos de empréstimos da Dívida externa, e mesmo assim

essa dívida se multiplicou por cinco, passando de US$ 52,8 bilhões para US$ 263

bilhões no mesmo período. (...) O mais grave é que nem sequer se sabe que dívida é

essa que está sendo paga, pois a Auditoria prevista na Constituição Federal de 1988

nunca foi realizada. (...) Continuamos dependentes, explorados e oprimidos pela

dominação financeira. O endividamento público é o centro desse modelo de dominação

e se utiliza principalmente dos bancos privados para operacionalizar suas ações”.

Page 144: Nas Tramas Da Cultura Financeira

144

O gráfico 15 atesta o depoimento de Fattorelli ao mostrar com dados do Banco

Central do Brasil que são os bancos os principais credores da dívida externa brasileira, e

não tanto os organismos internacionais como o FMI, o BID ou o Banco Mundial, como

pode parecer pelo discurso midiático corrente.

Gráfico 15: Os credores da Dívida Externa Brasileira: Dez-2007

Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida

Ao analisar o histórico da renegociação de crises de endividamento nos Estados

Unidos ao longo do século XX, David Harvey identifica como evento pioneiro a crise

da dívida da cidade de Nova Iorque nos anos 1980, a qual abriu o caminho para a

destruição do poder sindical via reformas trabalhistas e para a emergência do renovado

poder financeiro de Wall Street. Segundo este autor (2008:8;83-84), no contexto

internacional isso se traduziu em verdadeiras práticas de extração de mais-valia das

populações empobrecidas do terceiro mundo para pagar aos banqueiros internacionais.

“Como observa sarcasticamente [Joseph] Stiglitz, ‘que mundo peculiar este em que os

países pobres estão na verdade subsidiando os mais ricos’”.

Page 145: Nas Tramas Da Cultura Financeira

145

É a partir dos anos 1980 que o FMI e o Banco Mundial se tornam os centros por

excelência de propagação e implantação do “fundamentalismo do livre mercado” e da

ortodoxia neoliberal. É neste quadro de economia neoliberal que estas instituições

ganharão mais poder para desenhar “os mais amplos conjuntos de intervenções e de

exercer uma dimensão normativa, isto é, determinar como as coisas devem ser feitas”102,

de forma muito mais forte sobre os países com os quais elas têm relações de

financiamento, e especificamente através das chamadas “condicionalidades” embutidas

nos empréstimos.

Figura 4: Materiais da rede Jubileu Sul – capas de cartilhas103.

O chamado “ajuste estrutural” preconizado pelo Consenso de Washington104

foi

posto em prática em troca do reescalonamento das dívidas, e os países endividados

como o Brasil tiveram que executar reformas institucionais como cortes nos gastos

102 M. Granovetter apud P. Steiner. La sociologie économique. La Découverte, Paris, 2011. 103 Note-se de passagem que a campanha contra a dívida levada adiante pelas organizações do Sul após o

ano 2000 optou claramente por não mais utilizar em seus materiais a simbologia das correntes, até então

totalmente identificada à campanha Jubileu 2000, demarcando ainda mais a sua diferença com relação

àquela. 104 J. Stiglitz. Challenging the Washington Consensus.The Brown Journal of World Affairs.New York,

May, 2002.

Page 146: Nas Tramas Da Cultura Financeira

146

sociais, modificações nas leis do mercado de trabalho e privatização de numerosas

empresas que, não raro, foram vendidas a preços na prática subsidiados pelo Estado.

Rosilene, do Jubileu Brasil, considera que

É interessante olhar essa evolução do problema [da dívida] e como ele entra e sai de cena. Essa é

uma das coisas que a gente fala muito no Jubileu: que o tema do financiamento, do modelo de

financiamento, ele entra e sai do debate conforme os interesses que estão na mesa, na agenda. E

aí nos anos 1980, 1990, o debate financeiro global, o endividamento dos Estados foi muito forte

e até os anos 2000, 2001, 2002 e depois isso vai saindo de cena. Agora com a crise, a última

crise, em 2008, 2009, volta em alguns Estados, e aí com mais força, o tema do financiamento. É

o novo ciclo do endividamento105.

Mas por que o Brasil, atualmente um país que estrutura sua economia sobre altos

índices de endividamento, não discute abertamente este tema? A questão da Dívida está

“fora de cena”, como diz Rosilene. Uma parte da resposta pode estar na força e

enraizamento que alcançou obter certa “cultura neoliberal” através de uma ideologia

que apresenta o neoliberalismo como o modelo da melhor responsabilidade fiscal, e

com isso justifica-se o ajuste que corta gastos sociais e investimento público106

. Para

Joilson, outro militante, a questão da dívida de fato está “desaparecida” do debate atual

no Brasil e considera que:

Esse é o nosso grande desafio enquanto Jubileu, fazer com que a sociedade paute a questão da

dívida como fizemos no ano 2000 com a questão do plebiscito. Tanto que nós lançamos no ano

passado uma campanha chamada “A dívida não acabou, e você paga por ela. Auditoria Já”.

Justamente para desmentir o Lula e o governo brasileiro que dizem que a dívida acabou. E em

segundo lugar, para recolocar na agenda das organizações a discussão da dívida. (...) Se as

pessoas acreditarem que a divida ainda é um problema no Brasil já tá muito bom. Se elas se

engajarem na luta contra a dívida ainda melhor.

105 Entrevista com R. Wansetto. 106 Deve-se notar de passagem aqui que o aumento dos gastos sociais durante os últimos governos não

modifica substancialmente as estruturas do modelo neoliberal no país.

Page 147: Nas Tramas Da Cultura Financeira

147

Entretanto, como assinala Paulani, a armadilha da ideologia neoliberal que

“abafa” o debate sobre o tema da dívida no Brasil está no fato de que “é justamente ela

[a imagem de responsabilidade fiscal do neoliberalismo] que permite, ideologicamente,

o desperdício maior: o gasto de quase 10% do PIB com serviço da dívida, tornando

irresponsável a política fiscal “responsável” e produzindo uma completa

intransparência” (2008:61-62).

Politicamente, os países endividados encontram-se presos à armadilha das

agências de classificação crédito e avaliação de risco, que se tornaram atores cruciais na

lógica financeira atual. Hoje, mesmo os países ricos do Norte se encontram envolvidos

nesta dinâmica que lhes escapa ao controle e que é, ao fim e ao cabo, uma das causas da

atual crise das assim chamadas ‘dívidas soberanas’.

O atual modelo econômico dá uma prioridade máxima ao pagamento de juros da dívida, através

do aumento da carga tributária e cortes nos gastos e investimentos públicos, sacrificando a

sociedade. Em face de qualquer tentativa de mudança, o ‘mercado’ chantageia, através de

instrumentos como o risco-país e a fuga de capitais. Assim, a dívida é o pano de fundo dos

principais problemas socioeconômicos nacionais [no Brasil] (Arruda, 2007).

Uma vez que estruturam seu financiamento por meio da emissão de títulos da

dívida pública, os Estados ficam à mercê das notas dadas pelas agências de classificação

de risco, as quais refletem a “credibilidade” que o país tem perante o mercado

financeiro de que vai pagar as suas contas.

Nesta relação de “credibilidade”, todo o peso cultural que tem a noção de que

uma pessoa obviamente deve honrar as suas dívidas (Graeber, 2011) entra em jogo de

modo perverso, mobilizado a partir dos interesses dos credores.

Page 148: Nas Tramas Da Cultura Financeira

148

É bem conhecido da sociologia que “os riscos não objetos, mas construções

sociais nas quais não somente o saber técnico, mas também os valores e símbolos

culturais jogam um peso essencial. (...) Mais ainda do que os riscos calculáveis, as

incertezas que escapam à quantificação colocam em cena julgamentos e estereótipos

culturais que são decisivos quando se trata de determinar o que é percebido como risco

e o que não é, e de quem é a responsabilidade”107.

Esta “lógica da credibilidade” à qual estão submetidos os Estados com seus

respectivos “risco-país”, é apontada por Paulani como uma verdadeira armadilha

política, dado que,

Uma vez conquistada, a “credibilidade” cobra um preço alto pela fidelidade: a manutenção de

todos os mimos que permitiram sua conquista, a saber: a política monetária contracionista, o juro

real elevado, o ajuste fiscal duro, etc. (...) A “lógica da credibilidade” simplesmente não permite

mudança de rumo. Depois que se entra nesse jogo, qualquer movimentação no sentido contrário

leva de roldão a “conquista” tão duramente obtida e, junto com ela, as supostas condições de

“estabilidade” necessárias para o crescimento (op. cit.:18;39).

Pouco se menciona que o universo das agências de avaliação é tão obscuro em

termos do acesso a informações, quanto reduzido. David Caploe, do EconomyWatch

(2010), chama a atenção para o fato de que a “indústria da avaliação de crédito” é um

negócio mundial dominado por três atores principais (Moody’s, Standard & Poor’s, e

Fitch) que controlam mais de 94% do mercado global.

Nos Estados Unidos, existe uma obrigação legal sobre qualquer companhia ou

país que queira oferecer um título – ou seja, uma promessa de pagar de volta uma dívida

– de ser avaliado por estas agências. As agências, por lei, não podem ser públicas, nem

de um determinado país, mas devem ser privadas, com fins lucrativos, e receber a

107 U. Beck (op.cit. 2003:208;214).

Page 149: Nas Tramas Da Cultura Financeira

149

autorização de uma agência governamental, que nos Estados Unidos é a Comissão de

Seguros e Comércio, ou, internacionalmente, a Organização Internacional de Comissões

de Seguros.

Um dos graves problemas que se coloca atualmente é que, segundo Caploe, os

emissores de títulos ou ações pagam as agências de avaliação de risco para analisarem o

seu valor no mercado. As avaliações são então tornadas públicas para que investidores

possam julgar se devem investir nelas ou não, baseados em uma avaliação do risco. Este

modelo no qual “o emissor paga” sofreu diversos ataques por conta da crise financeira

de 2008, e sua continuação na Europa a partir de 2010, que trouxe dúvidas sobre

possíveis conflitos de interesse, nos quais as agências eram pressionadas por grandes

emissores para darem notas favoráveis, de forma a manter suas relações de negócios. Os

títulos da dívida brasileira não escapam dessa lógica, muito pelo contrário, ainda que

esta relação perniciosa tenha se desenvolvido mais pelos grandes bancos e empresas do

que pelos países propriamente ditos.

Lançados e cotados no exterior, [os títulos da dívida] confirmaram o país no papel de emissor de

capital fictício, que viabiliza a valorização financeira e garante a posteriori a transferência de

parcelas da renda real e capital real para a esfera financeira. (...) E a taxa de juros paga pelo

Estado aos papéis públicos transforma-se no piso a partir do qual todas as demais taxas (que

diferem em função do tipo de operação, prazo e risco) são estabelecidas (Paulani, 2008:42;119).

A busca incansável do governo brasileiro por conseguir que o Brasil fosse ao

menos avaliado como Investment Grade “A” pelas principais agências internacionais se

insere neste contexto de fechamento das possibilidades políticas de mudança do modelo

econômico. A dívida pública brasileira se converteu no principal mecanismo de

dominação política dos governos – através da classificação de risco – e de extração de

renda real para a esfera financeira. A execução de políticas de controle de capitais, por

Page 150: Nas Tramas Da Cultura Financeira

150

exemplo, “repercutiria em uma imediata reclassificação da economia no sentido

contrário ao do ‘grau de investimento’, impactando o fluxo da entrada de novos capitais

e incentivando a fuga de capitais (mesmo se os controles visassem justamente evitar

essa fuga)” (Barbosa, 2007:152).

A classificação de risco se estabelece segundo as categorias abaixo, com leves

mudanças de uma agência para outra. Vê-se aqui também a utilização explícita do termo

“honrar as obrigações”, com toda a carga moral que implica.

Classificação de

risco Características

108

AAA Capacity and commitment to honour obligations not in question under any foreseeable circumstances.

AA Capacity and commitment to honour obligations not in question.

A Capacity and commitment to honour obligations strong.

BBB Capacity and commitment to honour obligations currently but somewhat

susceptible to changes in economic climate.

BB Capacity and commitment to honour obligations currently but susceptible to changes in economic climate.

B Capacity and commitment to honour obligations currently but very

susceptible to changes in economic climate.

CCC Questionable capacity and commitment to honour obligations. Patchy payment record.

CC Somewhat weak capacity and commitment to honour obligations. Patchy

payment record. Likely to be in default on some obligations.

C Weak capacity and commitment to honour obligations. Patchy payment

record. Likely to be in default on significant amount of obligations.

D Very weak capacity and commitment to honour obligations. Poor payment

record. Currently in default on significant amount of obligations.

No entanto, é interessante notar que mesmo em meio a um modelo econômico

com possibilidades tão limitadas por todos os lados, os programas sociais criados e

ampliados durante os governos Lula-Dilma garantem elevada popularidade junto às

108The Economist Intelligence Unit (EIU).

http://www.eiu.com/site_info.asp?info_name=sovereign_ratings

Page 151: Nas Tramas Da Cultura Financeira

151

camadas mais pobres da população (ver a respeito excelente discussão de André Singer,

2009; 2012), e a perpetuação de um modelo que favorece amplamente o pagamento da

dívida e a transferência de renda gerada na economia real para o sistema financeiro.

Este exemplo do Brasil representa justamente uma situação na qual “a política

econômica, antes de poder influir sobre a economia ‘real’, deve antes de qualquer coisa,

convencer o mercado, ter ‘credibilidade’. Se fracassar, e os operadores nos mercados

financeiros pensarem de outra forma, eles tomarão posições especulativas contra os

efeitos da dita política econômica, que será desfeita antes mesmo de ter podido produzir

o mínimo resultado”109.

Aqui no país, a principal iniciativa desenvolvida pela rede Jubileu Sul, em

parceria com alguns outros atores da sociedade civil, foi a Comissão Parlamentar de

Inquérito (CPI) da Dívida, realizada no Congresso Nacional, promovida no âmbito da

luta por uma auditoria da dívida, durante o segundo mandato de Lula. Apesar de não ter

obtido os resultados que os movimentos sociais demandavam, isto é, uma Auditoria

oficial da Dívida, todo o processo da CPI é bastante interessante com relação aos

conflitos políticos, e às interações entre os atores do campo político, do espaço dos

movimentos sociais e do campo financeiro. Sobre este episódio nos deteremos a seguir.

A frustrada experiência brasileira da CPI da Dívida

A CPI da Dívida foi aprovada no Congresso Nacional em dezembro de 2008.

Depois de mais de sete meses de luta para que os líderes dos diversos partidos

109 F. Lordon apud P. Steiner. La sociologie économique. La Découverte, Paris, 2011.

Page 152: Nas Tramas Da Cultura Financeira

152

indicassem os 24 membros titulares, a CPI foi finalmente instalada dia 19 de agosto de

2009 (Fattorelli, 2011b:23).

Pressionar o legislativo para a abertura de uma CPI é um trabalho político que

vai além da simples militância e demanda um conhecimento técnico e técnicas de lobby

que nem sempre as organizações da sociedade civil possuem. Neste sentido, a

experiência de construção da pressão popular pela CPI aprofundou a crítica dos

movimentos sociais para além da condenação moral da dívida. Dentre as mais

importantes atividades realizadas pela Auditoria Cidadã da Dívida no Brasil e o Jubileu

Brasil durante o processo de luta pela instalação da CPI da dívida constam as seguintes:

Resgate de documentos das Comissões que analisaram o problema da dívida no

Congresso Nacional em 1987 e 1989, e do Acordo celebrado com os bancos

comerciais, finalizado em 1994;

Estudo sobre a experiência da Auditoria em 1931;

Análise e denúncia do erro anunciado pelo Banco Central em 2001, na

contabilidade da Dívida;

Publicação de Cartilhas em 2000, 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, e de vídeo em

2003;(Ver exemplos a seguir).

Organização de livro "Auditoria da Dívida Externa: Questão de Soberania", em

2003

Publicação de Boletins eletrônicos (www.divida-auditoriacidada.org.br)

Acompanhamento do Orçamento da União e das propostas de renegociação da

Dívida (CACs);

Análise da relação da Dívida com as propostas de "Livre Comércio";

Análise das Resoluções do Senado Federal e envio de correspondências para os

Estados, Tribunais de Contas e empresas públicas, sobre a destinação de

financiamento externos;

Busca e análise dos contratos de endividamento externo no Senado Federal;

Estudos sobre o "Risco-país" e sobre os pagamentos antecipados ao FMI, Clube de

Paris e Bradies

Compilação de argumentos jurídicos que embasam o não pagamento da Dívida;

Page 153: Nas Tramas Da Cultura Financeira

153

Atuação junto à Frente Parlamentar de Acompanhamento da Dívida, que obteve as

assinaturas necessárias para a instalação da Comissão Parlamentar Mista de

Inquérito da Auditoria da Dívida;

Atuação junto à Ordem dos Advogados do Brasil, que entrou com Ação por

Descumprimento de Preceito Fundamental nº 59/2004, que exige que o STF

obrigue o Congresso a fazer a auditoria.

Cartilhas de formação elaboradas pela campanha

A CPI encerrou seus trabalhos em agosto de 2010. Convocou vários Ministros

da Fazenda, do período Fernando Henrique, do período Lula, economistas de vários

campos para discutir a questão do financiamento “e como é que foi feito todo esse

problema da dívida”. Segundo relata Rosilene,

Nós tínhamos três bancadas: a da base aliada do governo, que não comparecia às sessões; tinha

os deputados “psdbistas”, o DEM, que iam pra defender e boicotar toda e qualquer convocação

que se propusesse convocar os ministros da Fazenda do período FHC, e tínhamos a bancada dos

bancos mesmo que tinha um grupo que ia acompanhar todas as sessões e posteriormente

apresentar um parecer, e eu achei muito interessante isso.

Page 154: Nas Tramas Da Cultura Financeira

154

Eles apresentaram um parecer sobre toda análise que era feita na CPI, naquele ano. As sessões

eram toda quarta e eles tinham um boletim que distribuíam tanto pra bancada psdbista, da direita,

como também para técnicos dos bancos, que tinham interesse na CPI, pra ver para onde ia, pra

que rumo a CPI seguiria. Eles não tinham interesse na fala, não se pronunciavam, só

acompanhavam. Mas era impressionante a articulação deles dentro da CPI.

Quando se colocou nas sessões de convocar o Pedro Malan, eles se agitavam e já faziam toda a

articulação interna e por telefone e vinham parlamentares do DEM e do PSDB pra CPI. Não

estavam ali naquele momento, mas na medida em que entrava na pauta a convocação de algum

ex-ministro ou, enfim, algum economista crítico, tanto como aliados da direita, como a

convocação de algumas figuras emblemáticas que poderiam desnudar toda essa situação, se

articulavam pra impedir que fosse aprovado110.

De acordo com Fattorelli (2011:5), a CPI da Dívida concluiu seus trabalhos em

11 de maio de 2010, tendo os documentos obtidos apontado diversos e graves indícios

de ilegalidades: aplicação de juros sobre juros (prática considerada ilegal pelo Supremo

Tribunal Federal); evidências de conflitos de interesses na definição das taxas de juros,

face à influência direta de agentes do mercado financeiro; relevantes danos ao

patrimônio público em sucessivas negociações da dívida externa e interna que nunca

chegaram a ser auditadas; falta de transparência na publicação dos juros nominais

efetivamente pagos; violação dos direitos humanos e sociais, dentre outros.

O Relatório Final, aprovado pela própria base do governo e também por outros

partidos de oposição, reconheceu que as altíssimas taxas de juros foram o principal fator

que implicou no crescimento acelerado da dívida pública. Ou seja: o Relatório

reconheceu, implicitamente, que a dívida é ilegítima, pois não significou investimentos

no país, mas meramente a sua própria multiplicação por meio do mecanismo de “juros

sobre juros”, prática julgada ilegal pelo Supremo Tribunal Federal (idem, 2011b:23).

110 Entrevista com R. Wansetto.

Page 155: Nas Tramas Da Cultura Financeira

155

Apesar do reconhecimento dos diversos indícios de ilegalidades o relatório final

da CPI não recomendou a investigação dos mesmos, muito menos algo semelhante a

uma Auditoria da Dívida. “Após 10 meses de intenso trabalho de análise dos

documentos e de contatos com parlamentares pelas entidades da Auditoria Cidadã da

Dívida, conseguiu-se que o Relatório Final acolhesse, em seu diagnóstico, diversas

constatações de indícios de ilegalidades e ilegitimidades constantes das análises

preliminares, depoimentos de especialistas e denúncias da sociedade civil,

especialmente relacionadas à origem desta enorme e questionável dívida pública

brasileira” (Fattorelli, op. cit.). Rosilene recorda que o período de existência da CPI

foi um período bem complicado mesmo. Tinham 3 bancadas contra dois deputados [Ivan Valente

e Adão Pretto, hoje já falecido]. Mas foi uma realidade bem interessante também de a gente

conviver nesse espaço de monitoramento, de acompanhamento, de incidência no Congresso. E

agora a gente segue com o acompanhamento porque todo o material da CPI foi entregue pro

Ministério Público. Então tem questões bem emblemáticas que o Ministério Público, se for

seguir seu papel, vai ter que investigar.

Nosso foco é esse: orçamento, uso do dinheiro público, financiamento, monitoramento.

Continuar acompanhando os processos de auditoria é uma linha do Jubileu permanente e foi

renovada. Já desde o seu nascedouro é auditoria e acho que vai continuar sendo. A questão das

ilegitimidades das dívidas, então, continuaremos esse monitoramento. Mudanças climáticas entra

agora como um eixo, mas principalmente pra gente poder formar uma opinião mais sólida sobre

modelo de financiamento e mudanças climáticas. Acho que esses são os temas centrais.

O Deputado Ivan Valente (PSOL/SP) protocolou seu “Voto em Separado” e

análises técnicas realizadas em apoio à CPI da Dívida Pública foram entregues ao

Ministério Público para o aprofundamento das investigações, mesmo após encerrada a

CPI. Valente ressalta que

a prioridade no Brasil é a estabilidade econômica ditada pelo capital financeiro internacional e a

dívida pública é o nó disso tudo. Dívida externa e dívida interna. Elas são ilegais, imorais e

ilegítimas. Detectamos na CPI várias questões que tinham que ser investigadas e no mínimo

Page 156: Nas Tramas Da Cultura Financeira

156

teríamos que realizar uma auditoria, suspender o pagamento enquanto isso, e começar um

escalonamento dessa dívida, que envolve também os Estados e Municípios111.

A pressão de entidades sociais da Auditoria Cidadã também resultou em que oito

deputados da CPI assinassem o “Voto em Separado”, que requer a realização da

Auditoria da Dívida, mediante o encaminhamento ao Ministério Público dos diversos

indícios de ilegalidades apontados pela CPI, dentre eles, resumidamente112

:

Prática de Juros sobre Juros (Anatocismo), considerada ilegal pelo STF;

Ilegalidade da elevação unilateral dos juros flutuantes na dívida externa a partir de

1979, segundo a Convenção de Viena;

Ausência de contratos e documentos fundamentais; ausência de conciliação de cifras

nas diversas negociações da dívida externa; clausulas ilegítimas, ilegais e até

inconstitucionais; ignorância ao valor de mercado da dívida;

Fortes indícios de ilegalidade na transferência de dívidas do setor público e privado

para o Banco Central a partir de 1983, bem como na conversão da dívida em bônus Brady em

1994;

Ilegalidade do livre fluxo de capitais, que resultou no crescimento exponencial da

dívida interna a partir do Plano Real;

Resgates antecipados da dívida externa brasileira com pagamento de ágio aos

detentores dos títulos;

A grande destinação dos recursos orçamentários para o pagamento da dívida viola os

direitos humanos e sociais;

Conflito de interesses, comprovado por realizações de reuniões entre o Banco Central e

representantes de bancos e outros rentistas para definir as previsões de inflação, que definem

as taxas de juros.

111 Entrevista com o Deputado Federal Ivan Valente (PSOL-SP). 112 Fattorelli, 2011b:24.

Page 157: Nas Tramas Da Cultura Financeira

157

Experiências distintas sobre a dívida na América Latina: Brasil e

Equador

Para alguns intelectuais, especialmente da Europa ocidental, “a bandeira

vermelha passou da Europa para a América Latina”, que seria a única região do mundo

onde o socialismo está atualmente na agenda, com governos na Venezuela, Equador e

Bolívia falando de socialismo do século XXI (Therborn, 2012:1-25). Não cabe nos

limites desta pesquisa identificar um suposto socialismo do século XXI nessas três

experiências. Certamente são países em foram realizadas medidas políticas fortes contra

o grande capital, como a (re)nacionalização de empresas e indústrias. No entanto, em

apenas um deles, o Equador, o governo ousou enfrentar o problema do endividamento.

A chegada ao poder de Rafael Correa e do seu partido Pátria Altiva e Soberana

(PAIS, na sigla em espanhol) em janeiro de 2007 constitui um momento importante da

reestruturação do campo político equatoriano. Apresentado como o governo da

“Revolução Cidadã”, a presidência de Rafael Correa pretende marcar o início de uma

nova era após anos de neoliberalismo caracterizados pela privatização de setores

econômicos e empobrecimento da sociedade. Estes “novos tempos” seriam o produto de

políticas de reforma do Estado promovidas pelo governo, mas também da saída das

antigas elites políticas, chamadas de “plutocracia”, das instituições onde estavam

instaladas.

A administração do Judiciário é um dos terrenos de luta onde se confrontam as

antigas e as novas forças, com cada um pretendendo fazer valer seus recursos de

legitimidade e afirmar sua autoridade no seio do Estado. Criticado por suas ligações

com a “ partidocracia ”, o corpo judiciário se vê ameaçado por estes dirigentes políticos

para os quais a justiça constitui um obstáculo para a construção de um Estado

Page 158: Nas Tramas Da Cultura Financeira

158

democrático e popular. A publicização de escândalos que envolvem os magistrados viria

a confirmar esta imagem de uma justiça corrompida que deixa os delinquentes (aí

incluídos os de colarinho branco) na impunidade.

A chegada de novos gestores para “restruturar” a justiça é a resposta à esta “crise

do judiciário” que atravessa o país. Apresentados por suas competências técnicas, os

gestores devem realizar uma reforma das instituições judiciárias para as tornar mais

eficazes e transparentes. (...) Este atores participam de operações de redefinição da

realidade na qual a questão seria a confirmação profética das rupturas anunciadas e a

chegada dos “novos tempos” (Herrera, 2013:1-25).

É então neste contexto da segunda metade dos anos 2000 na América Latina,

emque grande parte dos países da região elegeram governos progressistas ou de

esquerda, que se dará a maior “vitória” que a rede Jubileu já obteve. Foi a realização da

Auditoria da Dívida do Equador pelo governo Rafael Correa. Como nos relata Beverly,

Sem dúvida o grande éxito destes últimos tempos foi a auditoria da dívida externa do Equador.

Reconhecemos a importância deste processo de investigação, oficial, com a participação da

sociedade, da sociedade civil. Porqueé importante não somente para todos os movimentos sociais

e para a economía do Equador, mas também pelo que representa para os dias de hoje poder

colocar-se frente a outros governos do Sul e afirmar que há alternativas, há estratégias que

podem ter um impacto real. Obviamente uma das grandes dificuldades do movimento hoje em

dia é que a auditoria e um eventual cancelamento não se encontram na agenda política prática de

nenhum país do Sul neste momento113.

Adotada em sufrágio universal em setembro de 2008, a nova Constituição do

Equador é um caso ilustrativo de como ainda é possível que a política coloque

limitações sobre as finanças. Ela rejeita a possibilidade de se contrair novos

empréstimos para pagamento de dívidas antigas, rejeita as dívidas constituídas por

113 Entrevista com B. Keene.

Page 159: Nas Tramas Da Cultura Financeira

159

capitalização de juros (anatocismo; cobrança de juros sobre juros), prática comum dos

credores internacionais.

O aspecto mais importante, no entanto, é que ela exclui a possibilidade de que o

Estado assuma dívidas do setor privado ou de bancos privados. Além disso, prevê um

mecanismo permanente de auditoria da dívida pública interna e externa (ATTAC,

op.cit.:40), e hoje os movimentos sociais se utilizam do informe da auditoria para

demandar políticas públicas do Estado que permitam um desenvolvimento sem recorrer

a novas dívidas.

Fattorelli, da Auditoria Cidadã brasileira, reconhece também que o exemplo

equatoriano foi um passo histórico para a América Latina. A partir da auditoria oficial

que apontou relevantes indícios de ilegalidades no processo de endividamento público,

o presidente Rafael Correa suspendeu os pagamentos e, após análises jurídicas que

confirmaram a consistência do relatório de auditoria, tomou a decisão soberana de

reconhecer somente cerca de 30% do valor da dívida, o que foi imediatamente acatado

por mais de 95% dos detentores dos títulos equatorianos (2011:5).

No total, o ganho [do Equador com a auditoria da dívida] foi de mais de 7 bilhões de dólares.

Isso permitiu desenvolver novos meios financeiros para aumentar fortemente as depesas sociais.

(...) Se em 2006, antes do início do mandato de Rafael Correa, as despesas sociais não

representavam mais do que 60% do montante destinado ao pagamento da dívida pública, em

2010 elas representavam 300% do serviço da dívida (ATTAC, 2011:38).

No caso equatoriano, é preciso mencionar a peculiaridade de que grande parte de

equipe econômica de Rafael Correa havia feito parte ou tomado contato com os

movimentos sociais que lutavam pela auditoria da dívida daquele país, o que tornou o

contexto particularmente favorável. Mesmo Beverly, do Jubileu, menciona em sua

Page 160: Nas Tramas Da Cultura Financeira

160

entrevista que já havia conhecido Ricardo Patiño, atual chanceler equatoriano e ex-

ministro da Fazenda durante a auditoria.

O presidente do Equador, Rafael Correa, é um economista influenciado pela teologia da

libertação, rodeado por uma equipe de jovens intelectuais brilhantes, de quem as opiniões

políticas variam do nacionalismo de centro-esquerda do marxismo (Therborn, 2012:1-25).

No Brasil, ao contrário, a ala economista que chegou ao poder com Lula em

2002 não tinha qualquer relação com movimentos pela auditoria no país e optou pela

manutenção do modelo de pagamento (e aumento) da dívida brasileira.

Mesmo calçados em 55 milhões de votos e montados num capital político inédito na história do

país, os novos donos do poder não quiseram arriscar um milímetro e se decidiram pela linha de

menor resistência. Escolheram o caminho “mais seguro”, que não afrontava interesses

constituídos, internos e externos, que impunha de vez o rentismo como marca de nossa

economia, que consagrava para o Estado o papel paternalista e “focado” de “cuidar dos pobres”,

que não questionava as disparidades regionais e pessoais de renda e riqueza, (...) enfim, submisso

aos imperativos da acumulação financeira que domina a cena mundial do capitalismo desde

meados dos anos 1970 (Paulani, 2008:40).

Esta tomada de decisão no plano econômico certamente teve efeitos sobre a base

de apoio político do governo no Congresso, e durante o processo da CPI havia apenas

uma minoria dos deputados considerados como de extrema esquerda para defender a

proposta de auditoria da dívida brasileira.

Em outros períodos, eu diria que no período FHC, nós tivemos mais aliados, foi mais fácil de

trabalhar no Congresso, a gente teve muito mais apoios de deputados e senadores. Foi mais fácil

de fazer o debate. Nessas últimas duas legislaturas eu acho que foi mais complicado (Wansetto,

2010).

Page 161: Nas Tramas Da Cultura Financeira

161

O Deputado Ivan Valente também aponta para o fato de que os governos

supostamente progressistas de Lula e Dilma no Brasil não apenas não foram capazes de

modificar estruturalmente o modelo econômico como o aprofundaram. Atualmente, a

dívida pública é consequência tanto dos erros dos governos da Ditadura Militar quanto

dos governos Democráticos. Segundo ele,

Antes, quando existiam os acordos, o receituário econômico era ditado pelo FMI, mas com o

pagamento antecipado ao Fundo, o que vemos é uma adesão espontânea à agenda do FMI, visto

que o modelo continuou inalterado. Quando FHC assumiu a dívida interna era de 60 bilhões de

reais. Quando ele saiu já era de 660 milhões, ou seja, 11 vezes mais. Quando o Lula saiu já

estava em 2 trilhões. FHC e Lula, juntos, pagaram um trilhão de reais em pagamentos e

amortizações da Dívida Pública. E você paga tudo isso, mas, ao mesmo tempo a dívida continua

a se multiplicar, é um saco sem fundo. Você não consegue resolver o problema da dívida se você

não tiver um mecanismo de Auditoria que mostre as ilegalidades. Cobrança de juros sobre juros,

por exemplo, já foi condenado até mesmo pelo STF114.

O fato de que anteriormente os políticos de esquerda (inclusive do PT)

criticavam fortemente o tema da Dívida quando estavam na oposição e sua mudança de

posição após haverem chegado ao poder é precisamente o tipo de situação à qual faz

referência L. Mathieu115 sobre a relação entre contexto e oportunidades políticas :“a

ascensão ao poder de um governo próximo ao movimento social considerado pode, por

exemplo, levar ao enfraquecimento da mobilização. (...) Além disso, a chegada ao poder

de um governo originalmente favorável às reivindicações de determinado movimento

não garante em nada a sua satisfação, e não raro os militantes se sentem ‘traídos’ por

um conjunto de políticos com os quais eles pensavam poder contar”.

114 Entrevista com o deputado federal Ivan Valente, PSOL-SP. 115 L. Mathieu. Contexte politique et opportunités. In: O. Fillieule et. alli. Penser les mouvements sociaux

– conflits et contestations dans les sociétés contemporaines. La Découverte, Paris, 2010.

Page 162: Nas Tramas Da Cultura Financeira

162

Quando perguntei ao militante do Jubileu Brasil, Joílson, o que você acha do PT

ter mantido essa política econômica durante todos esses anos?, a sua resposta amparou,

com os devidos matizes, o argumento proposto por Mathieu:

Ah, agora tu quer me complicar! Na verdade, antes de o Lula ser eleito ele já tinha dito isso na

Carta ao Povo Brasileiro, que na verdade era uma carta ao mercado, de que não ia mudar nada

em termos macroeconômicos. Vou ser um bom garoto, não façam terrorismo, por favor. E fazem

mesmo né, fizeram em 1989. Eu não vi com surpresa nenhuma. Tanto que não votei nele em

2002 nem em 2010, não votei na Dilma. Desde a campanha contra a ALCA a gente já vinha

tendo embates com companheiros do PT, então eu não vi com surpresa, mas com decepção,

porque era uma chance que o campo popular tinha de mudar as coisas. Mas eles falaram que

tinha que garantir a governabilidade. Havia formas de se fazer coisas diferentes no Brasil, de se

mudar coisas estruturais. Sobre a divida, o Lula pagou muito mais do que o FHC pô! O FHC

pagou pouco mais de 2 trilhões de reais e o Lula pagou mais do que 4 trilhões de reais! E só no

ano passado foram R$ 708 bilhões!

A partir do ano de 2012, frente ao esgotamento momentâneo das possibilidades

de lobby parlamentar e à morosidade do Ministério Público em exigir ao menos a

reabertura da CPI, umas das estratégias de ação do Jubileu Brasil foi lançar a campanha

“A Dívida não acabou e você paga por ela. Auditoria Já!”. Foi lançada uma cartilha

(Figura 5) e um folheto explicativo como uma forma de informar e mobilizar a

sociedade e as organizações para pressionarem mais sobre este tema, que como vimos,

no Brasil é hoje subterrâneo.

Page 163: Nas Tramas Da Cultura Financeira

163

Figura 5: Capa de Cartilha do Jubileu Brasil, 2012

Talvez empurrado pela necessidade de criar novos fatos para tentar visibilizar o

tema da dívida, o movimento tentar atualizar o debate a partir da discussão sobre o

surgimento de um novo ciclo de endividamento baseado nas propostas de mudanças no

modelo econômico em direção a uma “economia verde”. A participação na cúpula

social da Rio+20 se insere nesta estratégia de crítica à resolução da crise climática

gerando novos endividamentos. Do ponto de vista do Jubileu,

a entrada das políticas de dominação nunca começa pelo financeiro, são processos culturais. Essa

própria noção de economia verde está a serviço das corporações, a serviço do capital. (...) Os

novos endividamentos são uma ferramenta central de imposição da economia verde. (...) Todo

este discurso de economia verde, a noção de capital natural, é parte da construção de um discurso

que impõe a necessidade de aprofundar o vínculo com o capitalismo como mecanismo que

oferece falsas soluções. Estamos vendo um novo ciclo de avanço do capital e vemos que os

processos de endividamento tanto financeiro quanto ecológico, social, democrático vão junto a

este processo116

.

116 Entrevista com B. Keene, 2012.

Page 164: Nas Tramas Da Cultura Financeira

164

Nesta mesma estratégia pós-CPI da Dívida, o movimento identificou também a

necessidade de um “retorno às bases”, investindo na realização de cursos de capacitação

e formação de formadores sobre o tema do endividamento público no Brasil. De fato,

cerca de um ano após este trecho de entrevista que segue, o movimento organizou um

curso de formação de quatro dias, com título “Curso de Formação sobre o Estado

Financeirizado”.

A gente tá tentando não ficar simplesmente indo de cúpula em cúpula. Pode ser que voltemos a

fazer mais um trabalho de base, voltar a formar sobre a dívida, relacionar mais à discussão

ambiental e com outros impactos da dominação pela dívida financeira. Mas isso ainda tem que

ser acertado. Uma das coisas que deve sair é fortalecer mais o nosso trabalho de base com as

organizações locais e comunidades, tentando criar uma consciência crítica de baixo para cima117.

Certa nostalgia com relação aos anos de Campanha Continental contra a ALCA

pode ser percebida na fala de alguns de seus militantes, apontando geralmente para o

atual momento de dispersão dos movimentos sociais e para as dificuldades em se

construir grandes campanhas conjuntas. Durante a Rio+20, perguntei a Miguel e

Beverly se poderia se esperar algum tipo de articulação mais ampla como resultado

daquelas mobilizações, recuperando de alguma forma o “momento mágico” que muitos

relatavam referindo-se à Campanha contra a ALCA. Suas respostas ilustram bem as

dificuldades de invenção política do momento atual.

Fizemos uma aposta firme na Cúpula dos Povos durante a Rio+20, mas acho que depois disso

vamos ter que sentar e avaliar até que ponto está valendo a pena. A expectativa é essa. Se a gente

vai conseguir isso não se sabe. Porque a campanha contra a ALCA produziu uma certa

unificação latino-americana, vários movimentos, redes no espectro desde a esquerda mais radical

até a esquerda mais moderada e que se perdeu. Se perdeu inclusive nesse processo de

institucionalização de partidos e movimentos porque começamos a ganhar eleições em diversos

117 Entrevista com Miguel Sá.

Page 165: Nas Tramas Da Cultura Financeira

165

países da América Latina. Isso gerou fragmentação nos movimentos, muita gente que estava há

dez anos na campanha contra a ALCA está hoje com governos. A gente não vive mais aquela

sensação dos anos 1990, dos quais o Jubileu é fruto inclusive, em que era mais fácil ver os

defensores do neoliberalismo e as resistências a esse processo. Hoje tá muito mais complicado.

Quem está gerindo o modelo faz discurso contra o modelo118.

Precisamos avançar nos planos de articulação de campanhas e iniciativas de ação em nível

continental e mundial nesse momento. E isso é uma coisa que nos está custando muito a todos. A

todos os movimentos. Estamos vivendo um período de fortalecimento muito importante das lutas

locais, mas com um enorme desafio de visualizar as articulações e de fortalecer essas

articulações para, a partir daí, lutar com mais força até o fundo do problema.Entre outras coisas

vamos continuar trabalhando sobre as Auditorias, como algo que podemos colocar em prática,

por exemplo, no Paraguai, sobre a represa de Itaipu com o Brasil e sobre a represa de Yaciretá,

com a Argentina. São coisas concretas sobre as quais se pode conseguir algum avanço para

exigir políticas públicas do Estado que conduzam a um desenvolvimento sem dívida119.

O percurso que fizemos até este ponto nos mostrou como a rede Jubileu surgiu

se consolidou e se transformou ao longo dos anos. Da simples condenação moral

baseada na noção bíblica do jubileu e de uma gênese fortemente impulsionada pelo

campo religioso, o Jubileu passou por um processo intenso de politização da questão da

dívida. Neste processo, distanciou-se dos seus pares do Norte até o rompimento

completo e a adoção da identidade “sul”, que passou a se expressar no seu discurso e

repertório de ações.

A politização para além da abordagem moral do problema da dívida conduz ao

questionamento da financeirização da economia em particular e do próprio sistema

capitalista em geral. Ocorre, no entanto, que a CPI da Dívida, a maior oportunidade que

o movimento poderia abrir no atual contexto político brasileiro120

não foi exitosa para o

118 Entrevista com Miguel Sá. 119 Entrevista com B. Keene. 120 Para uma discussão detalhada sobre a relação entre contexto político e oportunidades, ver Mathieu,

2010.

Page 166: Nas Tramas Da Cultura Financeira

166

Jubileu e, ao contrário, pode-se dizer que, ao menos aparentemente, fechou oficialmente

as portas institucionais para essa importante discussão por um longo período. Erro de

estratégia? Ingenuidade política? Oportunidade desperdiçada? Talvez. São aspectos que

não cabe avaliar no escopo desta tese.

Certo é que a dívida continua sendo um problema social, econômico e político

cada vez mais acentuado no Brasil e no exterior, o que continuará exigindo que

movimentos sociais como o Jubileu se reinventem e, ao fazê-lo, reinventem os termos

da discussão e da alteridade política para que se possa instaurar novamente um dissenso

sobre a dívida (Rancière, 1996).

Page 167: Nas Tramas Da Cultura Financeira

167

CAPÍTULO VI

Considerações Finais

Discrepância financeira e a fragilização da democracia hoje

As mais de duas décadas que já se passaram desde o triunfo do capitalismo sobre

o socialismo real foram marcadas por uma profunda hegemonia cultural do

neoliberalismo, mais bem representada pela difusão de uma cultura econômica

individualizada. A autonomização da esfera financeira frente ao campo político é a

objetivação final desta cultura.

Produziu-se assim ao longo dos últmos 40 anos “a ilusão de um futuro capitalista

sem fim. Quando a máquina implodiu [a partir de 2008], estávamos na estranha situação

de não sermos capazes de imaginar nenhuma outra forma alternativa pela qual as coisas

possam se arranjar” (Graeber, 2011:383). O totalitarismo ideológico restringiu

severamente o espaço da crítica (Oliveira, 1999) e, mesmo em um contexto em que os

preceitos neoliberais se mostram profundamente equivocados e danosos, a imaginação

política alternativa parece não estar à altura do desafio.

Não se vislumbra hoje respostas radicalmente alternativas ao problema crucial

de que o capitalismo, principalmente em sua versão altamente financeirizada, não é

sustentável: “Estamos próximos do limite para o contínuo acúmulo de capital, que não

pode ser transcendido exceto criando-se ficções não duradouras” (Harvey, 2011:185).

Ao contrário, o próprio tema da sustentabilidade pode ser capturado como apenas mais

uma mercadoria.

Page 168: Nas Tramas Da Cultura Financeira

168

O que a história recente mostra e a nossa discussão até aqui buscou ressaltar é

que, de fato, hoje as instituições públicas da sociedade não tem real controle sobre a

economia, e particularmente sobre as finanças que, com a sua extrema fluidez permite

contornar diversos obstáculos que o campo político tenta impor a ela. Por outro lado,

hoje as forças privadas da economia financeira é que têm real controle sobre o tipo e o

alcance da ação das instituições públicas.

Com a cumplicidade dos meios de comunicação – que são decisivos para a

difusão da atual cultura financeira – crises que são na realidade crises dos bancos ou de

outros agentes financeiros privados são apresentadas como se fossem de fato crises de

países. Não são os investidores de fundos especulativos, os operadores de agências de

classificação de risco, nem muito menos os presidentes dos bancos causadores de crises

que se apresentam à mídia para assumir as responsabilidades pelo desastre financeiro121

.

Comodamente, os presidentes eleitos dos países entram em cena por eles.

Por meio desta inversão discursiva que tem como objetivo ulterior culpar a

esfera política pela crise, o salvamento aos bancos é apresentado como salvamento aos

países, ou aos governos, ocultando a gigantesca transferência de recursos públicos à

esfera financeira privada.

[Desde a crise das dívidas nos anos 1980] resgatar os bancos e repassar os custos ao povo tem

sido a receita padrão. É o que aconteceu com Grécia no início de 2010 e na Irlanda. No caso da

Grécia, foram os bancos alemães e franceses que estavam em risco, enquanto na Irlanda os

bancos expostos eram principalmente britânicos. O declínio no padrão de vida da população

grega foi palpável e a Irlanda não fica muito atrás (Harvey, 2011:215).

121 Uma das raras exceções foi o famoso caso de Bernard Madoff, nos EUA. Em dezembro de 2008, logo

após o estouro da crise dos subprimes, Madoff foi julgado e condenado por um dos mais graves casos de

fraude financeira através de esquemas de investimento insustentáveis de tipo pirâmide, conhecidos como

esquema Ponzi, em alusão a Charles Ponzi, especulador da década de 1920.

Page 169: Nas Tramas Da Cultura Financeira

169

Os Estados hoje se desdobram como podem em complexos “programas

econômicos” para, ao final – e em vão – serem considerados como “aprovados” pela

esfera financeira. A economia dita a política, não o contrário. O campo político

institucional opera dentro de estreitos limites estabelecidos diretamente pelo campo

econômico: quando muito, políticas limitadas de assistência social e distribuição de

renda ao modo do Bolsa Família podem até existir, contanto que não se altere a renda

financeira, o pagamento dos juros da dívida e a liberdade de circulação do capital. Nos

anos que se seguiram imediatamente à crise de 2008, “o [ínfimo] progresso feito após

dez anos no controle da lavagem de dinheiro e o enorme caminho que ainda resta a

percorrer são um bom exemplo das possibilidades e dificuldades de um domínio das

finanças pela sociedade (Lévy-Lang, op.cit.:40-41).

Tolera-se a existência de programas sociais para as camadas mais pobres desde

que a esfera na qual o capitalismo realmente realiza o seu business possa sempre fazer

mais dinheiro, inclusive através destas camadas pobres (ou “nova classe média”, como

se convencionou chamar no nosso país). Neste sentido, tem sido assim no também

Brasil, onde a popularidade do governo junto às classes baixas turbinada via programas

sociais coexiste com a aprovação do setor financeiro e também dos bancos, que todos os

anos batem recordes de faturamento mesmo em tempos de crise. Por aqui, de fato, a

crise tem sido “só uma marolinha”122

para o setor financeiro.Os bancos brasileiros

novamente bateram recorde de lucratividade no ano de 2012, apresentando os maiores

valores já registrados na história123

.

122 A polêmica frase proferida pelo então presidente Lula acabou se mostrando verdadeira, face às

dimensões da crise no exterior. 123 Revista Exame. Os 13 maiores lucros dos bancos brasileiros em 2012. 21/02/2013.

Page 170: Nas Tramas Da Cultura Financeira

170

No Brasil a mescla de setor financeiro satisfeito e programas sociais

direcionados aos mais pobres é um dos elementos importante do momento atual,

marcado também, arrisco dizer, por uma redução na intensidade dos conflitos sociais.

Os três governos do PT/PMDB trouxeram certa dose de diálogo com movimentos

sociais que não era presente no período anterior, o que, acompanhado do sentimento

“natural” de identificação dos movimentos sociais com a esquerda, tornou o cenário

político menos conflituoso do que no período Collor-Itamar-FHC, quando todas as

forças da esquerda estavam unidas na oposição.

O Movimento dos Sem Terra (MST), por exemplo, saiu dos holofotes da cena

política em que se encontrava nos anos 1990 e início dos 2000, mesmo num cenário

como o atual, em que se observam tímidas iniciativas de reforma agrária. Os principais

conflitos têm se dado nas áreas onde o governo impulsiona grandes projetos

desenvolvimentistas de infraestrutura (a usina hidrelétrica de Belo Monte sendo o

exemplo mais representativo) ou de operações urbanas vinculadas a megaeventos como

Copa do Mundo e Olimpíadas, que atingem populações locais geralmente não levadas

em conta em decisões políticas estratégicas deste tipo124

.

Já o cenário internacional de contestação que se construiu ao longo dos anos

1990, o qual analisei em Sujeitos e utopias nos movimentos antiglobalização (Azzi,

2011), não existe mais enquanto tal. Diversos elementos mudaram no contexto político.

Durante os anos 2000, observa-se que progressivamente os temas da globalização

econômica deram lugar a outros como a mudança climática, o terrorismo e o

acirramento do conflito do ocidente com o Islamismo. A partir da primeira metade dos

anos 2000, o FMI saiu de cena em grande parte da América Latina e do mundo e perdeu

124 Note-se que não se está sugerindo aqui que o Brasil esteja livre de conflitos, obviamente. Apenas

saliento que dos anos 1990 para os 2000-2010 há uma mudança da sua dinâmica que está intimamente

ligada à chegada do PT ao poder.

Page 171: Nas Tramas Da Cultura Financeira

171

muito de sua influência no mundo todo. Até que chegou o ano de 2008 e tudo mudou

novamente...

A gravíssima crise financeira que atingiu os Estados Unidos expôs ao mundo o

quanto o sistema financeiro do capitalismo atual pode ser destrutivo. Um grande “band-

aid” de cerca de5trilhões de dólares foi injetado no sistema financeiro para evitar um

crash sistêmico. Falar em trilhões passou a ser normal125

. Sutilmente, a retórica do

discurso dominante fala em resgatar países, quando a realidade é que países estão

resgatando empresas e bancos privados com dinheiro público.

Seria inútil pretender aqui esboçar uma lista exaustiva dos planos de resgate aos

bancos e outras instituições financeiras (como agências de seguros) pois são muitos e

não cessam de aumentar. A título de ilustração da magnitude dessa questão, porém, vale

a pena elencar alguns dos maiores resgates financeiros realizados com dinheiro público

no século XXI126

, que foram direcionados às seguintes instituições:

Bancos:

Citigroup - $2.513 trilhões

Morgan Stanley - $2.041 trilhões

Merrill Lynch - $1.949 trilhões

Bank of America - $1.344 trilhões

Barclays PLC - $868 bilhões

Bear Sterns - $853 bilhões

Goldman Sachs - $814 bilhões

Royal Bank of Scotland - $541 bilhões

125 Atualmente, falar em trilhões se refere à ordem de grandeza das contas dos Estados; ao passo que falar

em bilhões se refere cada vez mais à ordem de grandeza dos novos bilionários. 126 Em dólares. Fonte: http://www.economywatch.com/in-the-news/infographic-biggest-bailouts-of-21st-

century.25-05.html e http://www.dailykos.com/story/2013/02/20/1188374/-The-true-cost-of-the-Bank-

Bailout

Page 172: Nas Tramas Da Cultura Financeira

172

JP Morgan Chase - $391 bilhões

Deutsche Bank - $354 bilhões

UBS - $287 bilhões

Credit Suisse - $262 bilhões

Lehman Brothers - $183 bilhões

Bank of Scotland - $181 bilhões

BNP Paribas - $175 bilhões

Wells Fargo - $159 bilhões

Dexia - $159 bilhões

Wachovia - $142 bilhões

Dresdner Bank - $135 bilhões

Societe Generale - $124 bilhões

Outras instituições - $2.639 trilhões

Outros:

Fannie Mae e Freddie Mac – $116 bilhões– gigantes do setor de hipotecas imobiliárias.

AIG – $182 bilhões– O resgate da AIG, a maior empresa seguradora do mundo, cobriu

possíveis perdas do Goldman Sachs, do Morgan Stanley, do Bank of America, da Merrill Lynch

e dezenas de bancos europeus.

Chrisller-GM – $80 bilhões + $500 milhões em compra de 30% pelo Governo dos EUA.

Portugal – $105 bilhões.

Grécia – $170 bilhões (fev, 2012).

Page 173: Nas Tramas Da Cultura Financeira

173

No entanto, apesar da crise de 2008 ter colocado em evidência o risco sistêmico

da esfera financeira, pouco mudou após o seu auge passar. Criou-se o G20127

com muito

barulho e poucos resultados, além do fato de se ter mantido a existência do G8128

, que

permanece como o núcleo duro da política internacional. Nada de transformação

significativa sobre paraísos fiscais, nada sobre taxação financeira, nada sobre revisão da

estrutura mundial de endividamento dos Estados, nada sobre impostos sobre grandes

fortunas ou tetos de remuneração para operadores do mercado financeiro que ganham a

vida com a especulação.

A importância das re-regulações das finanças foi diminuindo de sessão em sessão do Congresso

americano e de reunião em reunião do G20. O auxílio enorme aos bancos e fundos de

investimento traduz a força social e política dos acionistas-proprietários dos bancos e dos grupos

industriais, dos administradores de fundos e dos diretores pagos em opções de ações (Chesnais,

2011 :66).

A política institucional foi incapaz de se impor sobre as finanças mesmo num

contexto extremamente favorável de perda de legitimidade dos economistas do

mainstream neoliberal e amplo questionamento popular do sistema, expresso em

manifestações e protestos em várias partes do mundo. Justamente no momento em que o

sistema estava mais vulnerável, o acúmulo de iniciativas sociais sobre o sistema

financeiro não se mostrou pronto a impulsionar uma mudança de paradigma a partir de

uma retomada da economia pela política. Neste contexto se inclui também a rede

Jubileu Sul.

Já no plano da política não institucional, ou seja, aquele das mobilizações em

grande parte desorganizadas surgiram novas, interessantes e efêmeras experiências

127 G20: grupo de países formados pelas vinte maiores economias do mundo. 128 G8: originalmente o agrupamento das sete maiores economias do mundo, mais a Rússia. Com o

crescimento econômico dos países ditos emergentes, hoje se caracteriza principalmente como um bloco

de poder.

Page 174: Nas Tramas Da Cultura Financeira

174

como o Occupy Wall Street nos Estados Unidos, ou os Indignados na Europa,

mobilizando milhões de pessoas em vários países capturados nas tramas das finanças.

Em alguns aspectos similares à experiência argentina das Asambleas Barriales nos anos

da crise de 2001, diversos destes movimentos realizaram não apenas uma contestação

do modelo econômico, mas tentaram vivenciar novas práticas sociais, principalmente

com experimentações de democracia direta e economia solidária.

A força com que têm sido reprimidas pelos aparatos policiais da ordem mostra o

quanto podem incomodar este tipo de atores que, através da sua prática e seu discurso,

buscam deslegitimar a esfera política institucional e a democracia consensual.

Estas mobilizações, que por um tempo expressam uma “genuína” experiência

política de liberdade de criação do novo e do exercício da faculdade de julgar (Hanna

Arendt, 1963)129

, ou de modificação da partilha do mundo sensível (Rancière, 2005)130

,

são dispersas pelos aparatos estatais sem que se saiba muito bem que tipo de

continuidade terão ou não.

Não se trata, certamente, do mesmo público que construiu as mobilizações

antiglobalização, desde Seattle em 1999, e nem o mesmo que construiu a face mais

institucionalizada do movimento antiglobalização, o Fórum Social Mundial. São

pessoas em larga medida diferentes, com referências distintas, muitos dos quais não

tinham envolvimento prévio com a política, mas que se mobilizaram por sentirem-se

“enganados” por um sistema que os tornou endividados até o pescoço.

Desde a crise de 2008, o comportamento das finanças contribuiu para que se abrisse uma fase da

vida política em que a atenção e a reflexão dos assalariados e da juventude se voltam muito mais

do que antes para o binômio governos-bancos (Chesnais, 2011:126-127).

129 H. Arendt. Da Revolução. São Paulo: Ed. Ática, 1963. 130 J. Rancière. A partilha do sensível. São Paulo: Ed. 34, 2005.

Page 175: Nas Tramas Da Cultura Financeira

175

Segundo Christophe Aguiton, da ATTAC França131

, há esforços em andamento

para que se criem convergências entre estes novos atores sociais e aqueles outros que

iniciaram as mobilizações antiglobalização e o FSM, mas nada de substantivo foi

alcançado até este momento132

. Também neste plano da política não institucional as

iniciativas de contestação social não foram capazes de se impor frente à esfera

financeira, mesmo neste contexto de profunda crise. Mas isso não quer dizer que não

existam coisas acontecendo.

Desde a virada dos anos 1990, se viu uma série de crises econômicas e

financeiras se sucederem com um fator de propagação muito rápido, que cresceu

conforme se chegou ao fim do século XX. Estas crises estimularam o resurgimento de

noções de crise e risco financeiro ‘sistêmico’(Chesnais, 2011:50) no debate acadêmico

crítico.

A crise atual, que vem se arrastando desde 2008 e não parece ter alcançado seus

limites de expansão, expõe dramaticamente o risco de se viver sob uma economia

absolutamente regida por uma esfera financeira cada vez mais livre de constrangimentos

socialmente construídos. Com o predomínio da cultura financeira neoliberal e a

disseminação de uma economia política da incerteza (cf. Bauman, 2000) entramos de

fato numa época de risco financeiro sistêmico.

Os riscos de crédito alimentam os riscos de mercado, que por sua vez estabelecem elevados

riscos de terceiros, por exemplo. A incapacidade dos modelos de risco de anteciparem tais

combinações e transformações abre espaço para um grande número de eventos de risco

131 Entrevista com Christophe Aguiton. Paris, 2012. 132 Pelo contrário, segundo relatos de participantes, durante o FSM 2013 em Túnis, na Tunísia, ativistas

do Occupy Wall Street foram convidados a ir na reunião do Conselho Internacional do FSM, mas

consideraram o espaço controlado por pessoas velhas e muito institucionalizadas.

Page 176: Nas Tramas Da Cultura Financeira

176

vinculado (tail risk) fora da distribuição normal de cenários apreendidos por tais modelos, e para

os quais nem os banqueiros nem os reguladores estão preparados (Guttman, 2008:29).

Um ex-economista chefe do FMI disse: “nós sabemos mais ou menos o que é um risco sistêmico

e quais fatores podem estar relacionados a ele. Mas dizer que se trata de uma ciência bem

desenvolvida é, hoje, um exagero” (Harvey, 2011:211).

Para tentar evitar justamenteestetipo de risco sistêmico e seu “efeito dominó”, as

medidas tomadas pelos bancos centrais em 2008 possuem um efeito perverso: os

grandes bancos “podem” assumir riscos excessivos sabendo que em caso de problemas

serão salvos da falência pelo Banco Central (Lévy-Lang, op.cit.:57). Criou‑se assim,

portanto, uma nova contradição: a concentração do capital, frequentemente por

iniciativa do capital financeiro, fez com que surgisse um novo tipo de empresas ou

bancos considerados ‘grandes demais para falir’ (too big to fail). São firmas de tal

forma interligadas financeiramente que se alguma das maiores falir, leva consigo todas

as demais (Singer, 2012:171).

Em 2012, pela primeira vez desde a crise de 2007-2008, os Estados Unidos se

colocaram diretamente em conflito com uma agência de classificação de risco,

notadamente a Standard & Poor’s. O Departamento de Justiça abriu um processo civil

contra a agência, no qual exige 5 bilhões de dólares em reparação de danos. A agência

de classificação é acusada de ter deliberadamente subavaliado133

, de 2004 a 2007, o

risco que representavam certos ativos financeiros ligados aos empréstimos imobiliários

arriscados, os famosos ‘subprimes’, que estiveram na origem da crise econômica e

financeira que se estendeu a todo o mundo a partir de 2007-2008134

.

133 A respeito do tema da disseminação de prática de fraude no interior do sistema financeiro e das

agências de avaliação de riscos, ver: Bianchi, 2013; Galbraith, 2004. 134http://fr.euronews.com/2013/02/05/standard-and-poor-s-probablement-poursuivi-par-la-justice-

americaine/

Page 177: Nas Tramas Da Cultura Financeira

177

Este caso exemplar do processo aberto no judiciário americano, bem entendido,

em nada altera a dinâmica atual entre economia e sociedade. Ele representa, no entanto,

uma expressão do processo já identificado por André Lévy-Lang (op.cit.:44;116),

segundo o qual há um ciclo que é sempre o mesmo: inovação financeira, generalização

especulativa do seu uso e retorno de medidas de maior controle por parte do poder

público, que serão então contornados através de outras inovações...

Lévy-Lang (op.cit.:185) frisa ainda que, em toda a história das finanças, é

apenas no século XX, e em geral após fortes crises financeiras e falências, que a criação

de organismos públicos de controle das estruturas financeiras, dos bancos, das

seguradoras, e dos mercados se mostra necessário para garantir a segurança financeira e

o respeito ao interesse geral. “A transparência não é um dado natural de um mercado.

Trata-se de fato de um caso no qual os interesses particulares de curto prazo se opõem

ao interesse geral”.

O incessante esforço dos governos para satisfazer os humores do mercado

financeiro – uma verdadeira Tarefa de Sísifo da modernidade tardia – é a expressão

mais bem acabada do que poderíamos chamar a tragédia da cultura no campo

econômico, ao modo interpretativo de Simmel. A tragédia da cultura financeira é a sua

crescente autonomização frente à sociedade, colocando-se a um só tempo como fetiche

e como ideologia.

O triunfo aparente das finanças coloca mais do que nunca a questão da política

(Lévy-Lang, op.cit.:234), mas o tempo da política é muito mais lento do que o tempo da

economia financeira, como de resto pudemos atestar pela discussão sobre o atual

momento do movimento Jubileu e seus desafios futuros. Os direitos políticos se

Page 178: Nas Tramas Da Cultura Financeira

178

tornaram economicamente impotentes (Graeber, 2011:375) e os direitos econômicos

ganharam mais do que nunca relevância na esfera política.

Lá atrás, no capítulo I, vimos que é a partir do séc. XIX que a cultura objetiva

ganha preponderância sobre a cultura subjetiva. O conceito simmeliano de Discrepância

é o que caracteriza essa distância (Waizbort, op.cit.:178). O que a discussão que nos

conduziu até aqui indica é que, na modernidade avançada, vivemos um momento de

profunda Discrepância (ou seja, de distância) dasfinanças com relação à democracia.

Esta distância aumenta na mesma medida em que ela se aproxima (se apossa?) da esfera

política.Há um desequilíbrio cada vez maior entre a privatização dos ganhos e a

socialização das perdas, em que poucos colhem imensos benefícios para o próprio

sucesso, enquanto todos os muitos outros pagam pelos erros daqueles (Guttman,

op.cit.:30). Neste ponto, torna-se cada vez mais agudo o problema do risco moral e da

perda de confiança das pessoas tanto na esfera financeira quanto na própria democracia,

já que fica evidente que, como aponta Harvey, o excessivo poder do dinheiro exercido

por poucos prejudica todas as formas de governança democrática, chegando mesmo a

torná-las irrelevantes, já que figuram apenas como representantes funcionais dos

poderes econômicos.

Ao permitirem a manutenção deste processo, as “saídas” encontradas para a

crise iniciada nos EUA em 2008 e prolongada à Europa, os governos apenas reforçam a

discrepância atual entre a cultura financeira e o exercício da democracia política, pois

hoje já se pode observar que

o mecanismo que nos levou à crise recomeçou claramente como se nada tivesse acontecido.

Inovações nas finanças estão a caminho na medida em que novas formas de empacotar e vender

Page 179: Nas Tramas Da Cultura Financeira

179

dívidas de capital fictício são inventadas e oferecidas a instituições como fundos de pensão,

desesperadas para desembocar o seu excedente de capital. As ficções estão de volta!135

Este processo de profunda autonomização das finanças com relação à

políticapode resultar na contraditóriadilapidação de um dos principais pilares do

funcionamento da própria esfera financeira, qual seja, a confiança mútua entre os

agentes, a qual, para autores como Lévy-Lang, deveria constituir um bem público a ser

protegido (op.cit:171). Como também aponta Frisby (1990:166), a partir de um viés

simmeliano, pode-se afirmar que sem a confiança que os individuos têm entre si, a

própria sociedade se desintegraria.

A questão da confiança (tanto nas finanças quanto na democracia) está na base

das reivindicações dos movimentos contra a dívida, ao demandarem a realização de

amplos processos de Auditoria sobre dívidas consideradas ilegais ou ilegítimas. Na

formulação que apresenta o Comitê grego contra a dívida, por exemplo, é evidente a

relação estabelecida entre a exigência de Auditorias e a visão de que esta experiência de

fato tem um potencial de recuperação da democracia na cultura econômica atual.

Assim entendida, a reivindicação de uma auditoria da dívida e sobretudo o início da sua

realização, através do estabelecimento de comitês como instâncias populares onde as provas da

ilegitimidade seriam reunidas e debatidas, constituiria uma formidável ferramenta de re-

democratização136.

É importante notar que se está falando aqui dos déficits de democracia em países

como a Grécia, os Estados Unidos, a Espanha, ou mesmo o Brasil, nos quais eleições

direitas são realizadas periodicamente. Mas a democracia em questão vai além do voto.

135David Harvey, 2011:178-179. 136Comité Grec Contre la Dette, in: Chesnais, 2011:130.

Page 180: Nas Tramas Da Cultura Financeira

180

Na realidade, a vontade de redemocratização expressa pelo Jubileu e outros movimentos

contra a dívida está profundamente vinculada a uma ideia de recuperação da própria

política, uma vez que,nas últimas décadas, em boa parte do mundo capitalista passamos

por um período em que a política foi despolitizada e mercantilizada137

.

Com a recente crise ainda em andamento, observa-se o passado e se nota o

quanto era ideológico o discurso neoliberal do “Estado mínimo” e da auto-regulação da

economia pelo mercado. O que o projeto neoliberal fez, de fato, foi apenas romper os

laços fortes que o Estado de bem-estar tinha com a esfera social para refazê-los com a

esfera financeira. A trama de relações entre Estado e finanças foi refeita de tal forma

que o primeiro tornou-se apêndice a serviço da última.

Apenas agora em que o Estado entra em cena para socorrer os financistas ficou claro para todos

que Estado e capital estão mais ligados um ao outro do que nunca, tanto institucional quanto

pessoalmente (Harvey, 2011:178).

Pode-se afirmar que crise de confiança na democracia atual é a consequência de

um processo paulatino de deslegitimação do processo democrático, expresso em

diversos países pelas baixas taxa de comparecimento dos eleitores e pelo senso comum

de que na realidade “tanto faz” qual força política vença as eleições. Tudo isto se

aprofunda neste novo grande ciclo de economia fictícia que passamos a viver desde a

década de 1970, em que a esfera financeira em larga medida controla a política e deixa

uma margem mínima de cumplicidade possível entre governantes e governados. O

tratamento político da crise atual evidencia de forma dramática a crise da democracia

(Graeber, 2011:381;391) e toda a dimensão trágica que assumiu a cultura financeira

frente à sociedade hoje.

137 Note-se aqui o vínculo com toda a discussão aparentemente técnica sobre a reforma política e a

necessidade de um modelo de financiamento público de campanhas eleitorais.

Page 181: Nas Tramas Da Cultura Financeira

181

Após o estouro da crise de 2008, o governo norte-americano teve que decidir quem teria direito

de criar dinheiro do nada, [isto é, por meio da criação de mais dívida pública]: os financistas ou o

cidadão comum. O resultado foi previsível. Financistas foram salvos com o dinheiro dos

contribuintes – o que basicamente significa que o seu dinheiro imaginário [e especulativo,

origem da crise], foi tratado como se fosse de fato real. Possuidores de hipotecas imobiliárias

foram, majoritariamente, deixados à mercê das Cortes de Justiça, (...) e como ficou evidente,

nem todos temos que pagar as nossas dívidas.

Compreendida nestes termos, portanto, a política econômica não é mais

monopólio legítimo dos governos democraticamente eleitos, porque existe hoje um

determinado grupo de interesses que nunca pode ser derrotado (Carvalho-Kregel,

op.cit.:19). É espantoso saber, por exemplo, que na sequência da crise de 2008, quando

criou-se o G20 para supostamente realizar reformas estruturais na economia138

, o

número de lobbistas contratados pela indústria financeira e bancária nos EUA aumentou

54% ao longo dos três primeiros trimestres de 2010. Nada menos do que 3.659 lobbistas

e 720 agências de lobby trabalharam para empresas que fizeram pressão explícita para

barrar no Congresso o projeto conhecido como“Dodd-Frank” de (re)regulação das

finanças139

.

A globalização financeira dos últimos quarenta anos criou novos dilemas

políticos. Tendo permitido a constituição de mercados que são literalmente maiores do

que nações, o mundo agora tem que lidar com o problema de que para de fato criar uma

regulamentação adequada para restringir as tendências mais destrutivas dos sistemas

financeiros seria logicamente necessário um Estado supranacional140

.

138 As principais iniciativas que eram propostas diziam respeito à regulação do fluxo de capitais

especulativos; ao fim dos paraísos fiscais; à regulação dos bônus pagos por empresas e bancos a seus

executivos como recompensa pela valorização dos ativos financeiros; à separação entre bancos de

investimento e bancos comerciais de varejo; e à limitação do tamanho das instituições financeiras e

bancos para evitar situações típicas de “too big to fail”. 139AITEC-ATTAC.Bank, bank, bang! Les banques en ligne de mire. Paris, février, 2011. 140 Cf. Carvalho-Kregel, op.cit.:23.

Page 182: Nas Tramas Da Cultura Financeira

182

No entanto, atualmente o que se observa é o enfraquecimento político das

Nações Unidas – o que hoje temos de mais próximo a um Estado supranacional – e o

fortalecimento das instituições financeiras internacionais como o FMI, onde se toma

decisões segundo a lógica do um dólar = um voto141

. Da mesma forma, a União

Européia vive de fato sob o comando político de um Banco Central Europeu (que

ninguém elegeu), já que não existe um Poder Executivo do bloco e que seu Parlamento

é praticamente figurativo.

Como salienta Harvey (2011:178), “o risco moral [para a política] está

ultrapassando novos limites nos recentes resgates aos bancos”, e só se pode

compreendê-lo em toda a sua dimensão levando em consideração que hoje a cultura

financeira hegemônica se fundamenta sobre uma “Ética rentista”, a qual dispensa de

bom grado toda a dimensão real da economia, do trabalho e do reconhecimento social

ou divino que, como nos mostrou o clássico de Weber (2004), permeava intensamente a

Ética protestante.

O movimento oculto e a zona proibida

Assim, somos levados a constatar que, quarenta anos depois, o salto para a

financeirização dado a partir dos anos 1970 demonstrou que endividamento público

rima com dominação dos mercados financeiros. Significa dizer que há aí uma questão

democrática vital (ATTAC 2011:19). Vimos anteriormente que mesmo após o estouro

da crise a política não foi capaz de realizar as mudanças necessárias na cultura

financeira, a qual logrou manter em grande medida inabalada certa percepção

141 O peso dos votos de cada país membro é diretamente proporcional à quantidade de recursos que este

contribui ao FMI.

Page 183: Nas Tramas Da Cultura Financeira

183

naturalizante do status quo atual no senso comum. Neste sentido, as esperanças

alimentadas com a vitória de Barack Obama, como exemplificado no trecho de I.

Ramonet a seguir, foram severamente frustradas.

Se houvesse alguma lógica política, este contexto [de crise] deveria favorecer a eleição do

democrata Barack Obama (em não sendo assassinado) para a presidência dos Estados Unidos no

4 de novembro próximo. É provável que, como D. Roosevelt, em 1930, o jovem presidente lance

um novo “New Deal”, baseado no neokeynesianismo que confirmará o retorno do Estado à

esfera econômica. E que trará, por fim, mais justiça social aos cidadãos. Vai se caminhar para

um novo Bretton Woods. A etapa mais selvagem e irracional da globalização terá

terminado (Ramonet, 2008:1-2).

Diante de um tal quadro de inação dos governos, os atores do espaço dos

movimentos sociais que tem maior proximidade a esta questão central são justamente os

movimentos contra a dívida, dentre os quais vimos mais de perto o caso do Jubileu. Para

Chesnais (2011:129;136), a importância dos movimentos contra a dívida é crucial para

qualquer possibilidade de mudança da cultura econômica através da política.

Ao demandar a abertura e auditoria dos registros das dívidas públicas, o movimento social pela

auditoria cidadã ousa o impensável: entrar na zona proibida. (...) A anulação da dívidas

modificaria profundamente as relações de força política entre o trabalho e o capital. (...) O que

nos tem faltado, enquanto anticapitalistas, não são as propostas. Há muitas em nossos cartazes. O

que nos tem faltado são as alavancas políticas capazes de criar as condições de uma transição

econômica e social. Quando se apresetar uma, é preciso aproveitar.

Não é exagero dizer que os movimentos contra a dívida e a dominação

financeira em geral, e o Jubileu em particular, têm uma visibilidade pública

inversamente proporcional à sua relevância política. Ao menos no Brasil de hoje, não só

o debate sobre o tema está abafado nos grandes meios de comunicação, como poucas

pessoas, mesmo nos meios militantes, têm conhecimento da sua existência e atuação.

Page 184: Nas Tramas Da Cultura Financeira

184

Neste sentido, o paradoxo envolvido na questão da contestação à dívida hoje é o de ser

um tema publicamente “inexistente”, que é combatido por movimentos sociais

“ocultos”. É precisamente o tipo de situação traçada por L. Mathieu, quando lembra que

um discurso militante corre o risco de encontrar apenas indiferença ou hostilidade se estiver em

descompasso com a maneira como, no interior de uma dada sociedade, a questão em jogo é

enquadrada (2010:49).

Hoje, os movimentos por justiça global em geral, e os movimentos contra a

dívida em particular, não têm um plano claro que venha “do lado mal”, e frente ao qual

possam se contrapor com clareza (Graeber, 2012b) como tinham nos anos 1990 e início

dos 2000 quando impulsionaram campanhas de grande porte e impacto público. Isto

porque o próprio campo dominante de fato tem apenas uma mesma resposta para todas

as crises e males: aprofundar o neoliberalismo e ampliar os seus limites. É por isso que,

nos termos de Francisco de Oliveira (2006), trata-se em larga medida de “uma

dominação sem política”.

A partir da política institucional, infelizmente, tampoucose enxergano horizonte

imediato a articulação de uma possível frente unida de países endividados do Sul sobre

a abolição da dívida. Não há nada além de declarações genéricas, e ao mesmo tempo a

lógica de organizações internacionais como o FMI e a OMC vai na direção contrária, e

com meios de coerção consideráveis142

. O que apenas evidencia que a questão é política

e não econômica é o fato de o Equador, com vimos anteriormente, ter recomprado

títulos estimados em 3,2 bilhões de dólares por um montante de menos de 1 bilhão após

a auditoria da sua dívida e uma renegociação com bancos principalmente norte-

americanos (Chesnais, 2011:127).

142 Cf. Centre Tricontinental, 2002:9, citado.

Page 185: Nas Tramas Da Cultura Financeira

185

O fato de os governos serem tão pouco ativos na realização de auditorias e na

implementação de outras medidas de controle das finanças é umas das justificativas para

que haja nas movimentações sociais uma forte rejeição ao sistema político institucional

e aos políticos, vistos como corruptos e cúmplices de um sistema financeiro destrutivo.

A palavra de ordem “We are the 99,9%” ilustra simbolicamente muito bem a visão que

a sociedade em geral, ou as pessoas comuns, têm do sistema financeiro hoje: um

mecanismo especulativo usado para favorecer 0,1% das pessoas.

Apesar do aparecimento de críticas e mobilizações, o senso comum da moral

financeira dominante continua a dizer que “obviamente, todos tem que pagar as suas

dívidas!” (Graeber, 2011), e em nome deste preceito moral nos leva a ignorar diversas

imoralidades decorrentes da dominação pelo endividamento, que em outro contexto

seriam consideradas inaceitáveis. Mudanças estruturais como as que exige a rede

Jubileu só poderão ser eventualmente atingidas por meio de uma mudança cultural de

percepção do problema. Assim como a ideologia neoliberal logrou se impor a partir dos

anos 1970, uma nova onda de renovação da cultura econômica terá de ser “inventada”,

certamente a partir da política.

Na linha de pensamento de Jacques Rancière143

, temos que a instauração da

política é sempre um “desentendimento” sobre a partilha do mundo comum, em que um

lado dramatiza determinado “dano” que o outro lado até então simplesmente não

reconhece. Assim, se colocarmos esta situação à luz deste modo interpretativo,

chegamos a um paradoxo político da cultura financeira hoje: a “parcela dos sem-

parcela” é tão grande que se aproxima da totalidade do “povo”. Até agora, na visão de

Neveu,

143 A este respeito ver o conjunto da bibliografia citada sobre Rancière.

Page 186: Nas Tramas Da Cultura Financeira

186

a vitalidade destas lógicas de mobilização caminha, assim, de forma confusa, como uma crítica

em atos do modelo político profissional. Ela sugere também a persistência de mecanismos de

exclusão política, de situações em que nem os representantes políticos, nem as barganhas

neocorporativas, nem os fóruns midiáticos permitem aos grupos se fazerem ouvir, e aos

problemas serem tomados em conta (2005:113).

Se por um lado as mudanças radicais na composição da classe trabalhadora hoje

descaracterizaram o proletariado moderno e levaram a uma massificação dos chamados

working poor, dos trabalhadores precarizados e informais, dos estudantes endividados

com empréstimos universitários, etc., (Graeber,2012b), por outro, agora qualquer tipo

de força de trabalho produtora de valor é o proletariado contemporâneo potencial.

Organizá-lo segue sendo um desafio, principalmente em meio a uma cultura

individualista.

Zaoui (2007:5) enfatiza que sem possibilidade de condução dos conflitos

segundo canais políticos, é provável que não sobrem alternativas para a expressão das

oposições contrárias que não seja a revolta urbana, a depredação, ou o terrorismo.

Neste contexto, a violência substitui a política e dá lugar ao aparecimento de formas

contemporâneas de revolta que, como vimos anteriormente, se assemelham a um

repertório de ação coletiva que cai em relativo desuso quando os canais políticos estão

abertos. É por isso que, na visão de Offerlé (2008:195), não devemos nos esquecer que

ao lado das formas pacíficas, das ações ditas simbólicas, e da promoção das diversas formas de

expertise, coexiste também como forma contemporânea o uso da revolta. A violência urbana

francesa em novembro de 2005 é apenas um exemplo de práticas repetidas frequentemente, que

constituem um savoir-faire da revolta, sem palavra de ordem e sem revindicações articuladas,

mas não sem significações, qualquer que seja o sentido que as controvérsias sociológicas e

políticas possam lhe atribuir.

Page 187: Nas Tramas Da Cultura Financeira

187

Neste contexto em que o fechamento dos canais políticos pode levar a um

retorno à revolta, um dos mais importantes desafios das forças de contestação socia

consiste em tentar conter o avanço voraz da racionalidade econômica sobre a vida

social, través de um alargamento das formas de vida que não se apóiam no mercado. As

alianças sociais sobre as quais as futuras transformações poderão baseadas ainda

precisam ser formadas, e não há um ‘papel de liderança’ que possa ser atribuído a

qualquer grupo de antemão. Neste sentido, falta um novo entendimento sobre o mundo

comum que, através do exercício coletivo da faculdade de julgar (Arendt, 1987; 1989),

possibilite a formação de subjetividades políticas que ponham em prática seu potencial

dissenso (Rancière, 1996) e reinventem a publicização dos conflitos, das alteridades.

O que está em jogo aí (Abramovay, op.cit.:65-66), mais do que simplesmente

uma forma de enfrentar a pobreza, é a mudança na própria maneira de encarar, produzir

e consumir. Pois se estas coisas são arranjos da cultura humana e se a democracia

significa algo, é a habilidade de todos concordarem em mudar o arranjo das coisas para

outra forma (Graeber, 2011:390). Isto siginificaria conseguir entrar nessa zona proibida

das finanças e passar criar a riqueza segundo outra cultura econômica, que não coloque

em risco nem a política, nem a democracia e nem os indivíduos. Por ora, contudo,

continuamos envoltos nas tramas da atual cultura financeira, a qual é preciso

desnaturalizar.

Page 188: Nas Tramas Da Cultura Financeira

188

Bibliografia

ABRAMOVAY, Ricardo. Anticapitalismo e inserção social dos mercados. In : Tempo

Social, revista de sociologia da USP, v.21, n.1, junho de 2009.

ACOSTA, Alberto. La dette externe de l’Amérique latine: origine, évolution et

alternatives. In : Alternatives Sud, vol. IX, 2002.

ADDA, Jacques. Jalons pour une histoire de la dette. In: Alternatives Économiques.

Hors-série n. 91.(Tradução livre do francês de Diego Azzi). Quétigny, 1er trimestre,

2012.

AITEC-ATTAC. Bank, bank, bang! Les banques en ligne de mire. Association

Internationale de Techniciens, Experts et Chercheurs (AITEC) - Association pour la

Taxation des Transactions financières et l’Aid aux Citoyens (ATTAC).(Tradução livre

do francês de Diego Azzi). Paris, février, 2011.

ARENDT, Hanna. Da Revolução. São Paulo: Ed. Ática, 1990.

_____________. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária; Rio de

Janeiro: Salamandra; São Paulo: EDUSP, 1981.

_____________. Homens em tempos sombrios. São Paulo: Cia das Letras, 1987.

_____________. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras, 1989.

Page 189: Nas Tramas Da Cultura Financeira

189

AREOSA, João. O Risco no âmbito da Teoria Social : quatro perspectivas em debate.

In : BIB – Boletim Informativo Bibliográfico. São Paulo, n.68, pp. 59-76, 2o semestre

de 2009.

ARRUDA, Marcos. Brasil: Prioridad al pago de deuda. In : América Latina en

Movimiento, n. 422, Quito, 2007.

ATTAC. Association pour la Taxation des Transactions financières et l’Aid aux

Citoyens. Le piège de la dette publique – comment s’en sortir. (Tradução livre do

francês de Diego Azzi). Ed. Les liens qui libèrent. Paris, 2011.

_____________. Sortir de la crise globale. (Tradução livre do francês de Diego Azzi).

Ed. La Découverte. Paris, 2009.

AZCONA, J. A. (Org.). Deuda externa y ciudadanía. Documentación social: Revista de

estudios sociales y de sociologia aplicada, número 126. Madri: Enero-Marzo, 2002.

AZZI, Diego. Sujeitos e Utopias nos movimentos antiglobalização. Coleção Ciências

Sociais. São Paulo: Ed. Hucitec, 2010.

BAILLOT, Hélène. Penser la division du travail et les rapports Nord-Sud au sein d’un

réseau transnational de lutte contre la dette. Memoire de Master. (Tradução livre do

francês de Diego Azzi). Université Sorbonne Paris I, Panthéon. Paris, 2010.

BARBOSA, Márcio Moreno. Controle de capitais em ‘mercados emergentes’. In :

Revista de Economia & Relações Internacionais, vol.5(10), janeiro de 2007.

BARRET, Marlene. The world will never be the same again. (Tradução livre do inglês

de Diego Azzi). Jubilee 2000 Coalition. London, 2000.

Page 190: Nas Tramas Da Cultura Financeira

190

BARROS et al. O ativismo dos fundos de pensão e a qualidade da governança

corporativa. Revista de Contabilidade e Finanças, v. 8, n. 45. Universidade de São

Paulo (USP), março de 2007.

BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2000.

BECK, Ulrich. Risk Society: towards a new modernity.(Tradução livre do inglês de

Diego Azzi). SAGE Publications, Londres, 1992.

_____________. Pouvoir et contre-pouvoir à l’ère de la mondialisation.(Tradução livre

do francês de Diego Azzi). Éditions Flammarion, Paris, 2003.

BECK, Ulrich; Giddens, Anthony; e Lash, Scott. Modernização Reflexiva. Ed. Unesp,

São Carlos, 2002.

BELLO e Silva, Carlos Alberto. Hegemonia neoliberal: de FHC a Lula. Texto

apresentado no 31° Encontro Anual da ANPOCS. Caxambú, 2007.

BERRON, Gonzalo. Identidades e estratégias sociais na arena transnacional. O caso

do movimento social contra o livre comércio nas Américas. Tese de Doutorado em

Ciência Política, Universidade de São Paulo, 2007.

BIANCHI, Alvaro. Austeridade: a história de uma fraude teórica. In: Outras Palavras,

maio de 2013.

_____________. e Braga, Ruy. (BIANCHI-BRAGA). Brazil: the Lula Government and

Financial Globalization. In: Social Forces, 83(4):1745-1762. The University of North

Caroline Press, June, 2005.

Page 191: Nas Tramas Da Cultura Financeira

191

BOLTANSKI, Luc; Chiapello, Ève. (BOLTANSKI-CHIAPELLO). O novo espírito do

capitalismo. Ed. Martins Fontes, 2009.

BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Jorge Zahar Ed. Rio de

Janeiro, 1988.

BOURDIEU, Pierre. Le champ économique. Actes de la Recherche en Sciences

Sociales, Volume 119, numéro 1, p. 48-66, Année 1997.

_____________. e Lebaron, Frédéric. (BOURDIEU-LEBARON). Et si on repensait

l'economie? Propos recueillis par Didier Éribon. Nouvel Observateur, n.1852, Paris, 4

mai 2000.

BRANDY, Joe e Smith, Jackie. (BRANDY-SMITH). Coalitions across borders :

transnational protest and the neoliberal order. Rowman & Littlefield Publishers, Inc.

Oxford, 2005.

BRUNI, Luigino e Zamagni, Stefano. Civil Economy Efficiency, Equity Public Health.

Oxford, Peter Lang, 2007.

CAMACHO, Karen. Sindicalização cai pela metada depois da década de 80. In : Folha

de S. Paulo, 12 de maio de 2008.

CAPLOE, David. Ten things you probably don’t know about credit rating agencies.

EconomyWatch.com. (Tradução livre do inglês de Diego Azzi). 15 June 2010. In:

http://www.economywatch.com/economy-business-and-finance-news/ten-things-you-

probably-dont-know-about-credit-rating-agencies-15-06.html

CARNEIRO, M. L. F. (Org). Auditoria da dívida externa: questão de soberania. Rio

de Janeiro: Contraponto - Campanha Jubileu Sul, 2003.

Page 192: Nas Tramas Da Cultura Financeira

192

CARVALHO, Fernando; Jan Kregel. (CARVALHO-KREGEL). Quem controla o

sistema financeiro? IBASE, Rio de Janeiro, 2007.

CENTRE TRICONTINENTAL. Dettes du Sud, dettes du Nord. (Tradução livre do

francês de Diego Azzi). In : Alternatives Sud, Vol.IX, 2-3, 2002.

CEPALUNI, Gabriel. Coalizões Internacionais: revisão da literatura e propostas para

uma agenda de pesquisa. In: BIB – Boletim Informativo Bibliográfico, n.69/1. São

Paulo, 2010.

CETINA, Karin Knorr. Economic Sociology and the Sociology of Finance. In:

Economic Sociology – European electronic newsletter. Vol. 8, n. 3. July, 2007.

CHAVAGNEUX, Christian. Une briève histoire des crises financières – des tulipes aux

subprimes. Ed. La Découverte, Paris, 2011.

CHESNAIS, François. Mundialização: o capital financeiro no comando. In: Les Temps

Modernes, n. 607, 2000.

_____________. Les dettes illégitimes. (Tradução livre do francês de Diego Azzi).

Éditions Raisons d’Agir, Paris, 2011.

CHOMSKI, Noam. Jubilé 2000. In: Znet. (Tradução livre do francês de Diego Azzi).

May 15, 1998.

CNBB/Cáritas, MST, IAB, CESE, CMP, CONIC. A vida acima da Dívida. Rio de

Janeiro: Oficina do Autor, 2000.

COHEN, R. e Rai, S. (COHEN-RAI).Global Social Movements. London, 2000.

Page 193: Nas Tramas Da Cultura Financeira

193

COSTA, Sérgio. Democracia cosmopolita: déficits conceituais e equívocos políticos.

In: Revista Brasileira de Ciências Sociais 53, pp. 19-32, ANPOCS, São Paulo, 2003.

__________. Categoria analítica ou passe-partout político-normativo: notas

biográficas sobre o conceito de sociedade civil. In: BIB n. 43, 1997.

CRUZ, Paulo Davidoff. As origens da Dívida. In : Lua Nova, pp. 41-46, USP, 1984.

DUMÉNIL, Gérard. A América Latina na mundialização neoliberal. In: Revista Soc.

Bras. Economia Política, Rio de Janeiro, nº 16, p. 85-117, junho 2005.

DUMÉNIL, Gérard e LÉVY, Dominique. (DUMÉNIL-LÉVY). O imperialismo na era

neoliberal. Disponível em: http://www.socialismo-o-

barbarie.org/imperialismo_s_xxi/041031_impenlaeraneoliberal.htm. Paris, 2004.

_____________. Neoliberalismo–Neo-imperialismo. In: Economia e Sociedade. Vol.16,

no.1. Campinas, Abr. 2007.

_____________ (orgs). Crises et renouveau du capitalisme: le 20ème siècle en

perspective. Les Presses de l’Université Laval. (Tradução livre do francês de Diego

Azzi). Québec, Canada, 2002.

FATTORELLI, Maria Lúcia. Auditoria da dívida externa: questão de soberania. Ed.

Contraponto/Jubileu Sul Brasil. Rio de Janeiro, 2003.

_____________. A dívida externa não acabou. Entrevista concedida ao jornal A

Verdade. 25 de agosto de 2009.

_____________. Seguridade Social e Dívida Pública. Disponível em:

http://www.divida-auditoriacidada.org.br/ Brasília, 10/1/2011.

Page 194: Nas Tramas Da Cultura Financeira

194

_____________. Auditoria da Dívida Pública: instrumento para enfrentar a crise.

Disponível em: http://www.divida-auditoriacidada.org.br/. Brasília, 2012.

FERREIRA, Jonatas. Da vida ao tempo : Simmel e a construção da subjetividade no

mundo moderno. In : Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 15, n. 44, outubro,

2000.

FIORI, José Luís. Sobre o Poder Global. In : Novos Estudos Cebrap 73, novembro de

2005.

FLIGSTEIN, Neil. Le mythe du marché. Pp. 68-71. In : Les Grands Dossiers des

Sciences Humaines n.16 – Les Ressorts Invisibles de l’Économie. Auxerre, Sep.-Nov.

2009.

_____________. The architecture of markets.Princeton University Press, 2001.

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-

1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999.

_____________. A Governamentalidade: curso no Collège de France, 1 de fevereiro de

1978. In: Microfísica do poder. Roberto Machado (org.). Rio de Janeiro: Graal, 1979.

_____________. História da Sexualidade. Vols. 1 e 2 – A vontade de saber; e O uso

dos prazeres. Ed. Graal, Rio de Janeiro, 2001.

FRISBY, David. Georg Simmel. Fondo de Cultura Económica. (Tradução livre do

espanhol de Diego Azzi). México DF, 1990.

FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem. Rio de Janeiro: Rocco,

1992.

Page 195: Nas Tramas Da Cultura Financeira

195

GALBRAITH, John Kenneth. A Economia das Fraudes Inocentes. São Paulo:

Companhia das Letras, 2004.

GIOVANNI, Julia Ruiz. Seattle, Praga, Gênova: política anti-globalização pela

experiência da ação de rua. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social,

Universidade de São Paulo, 2007.

GRAEBER, David. Debt: the first 5.000 years. Melville House Publishing. (Tradução

livre do inglês de Diego Azzi).New York, 2011.

__________. Crédit et endettement existaient avant la monnaie. In: Alternatives

Économiques, hors-série n.91, pp.29-31. (Tradução livre do francês de Diego Azzi).

Quétigny, 2012.

__________. (2012b). Debt: the first 5.000 years. Authors at Google Seminar.

(Tradução livre do inglês de Diego Azzi). February 9th, 2012.

GRÜN, Roberto. O “nó” dos fundos de pensão. In: Novos Estudos CEBRAP 73,

novembro de 2005.

__________. A sociologia das finanças e a nova geografia do poder no Brasil. Rev.

Tempo Social. Universidade de São Paulo, v.16, n.2, novembro de 2004.

__________. (2004b). A evolução recente do espaço financeiro no Brasil e alguns

reflexos na cena política. DADOS – Revista de Ciências Sociais. Vol. 47, n.1, Rio de

Janeiro, 2004.

GUIMARÃES, Sônia M. K. Sindicatos em transformação - Modelos de ação sindical :

o debate internacional. In : BIB – Boletim Informativo Bibliográfico, n.64/2.São Paulo,

2007.

Page 196: Nas Tramas Da Cultura Financeira

196

GUTTMANN, Robert. Uma introdução ao capitalismo dirigido pelas finanças. In :

Revista Novos Estudos Cebrap, n. 82, Cebrap, São Paulo, novembro de 2008.

HADDAD, Sérgio (org.). Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas políticas

educacionais. Cortez Editora, 2008.

HARVEY, David. Neoliberalismo – história e implicações. Ed. Loyola, São Paulo,

2008.

__________. O enigma do capital: e as crises do capitalismo. São Paulo, Boitempo,

2011.

HERRERA, Miguel. Délégitimation des magistrats et promotion des pratiques

managériales dans l’administration judiciaire en Equateur 2007-2012. Artigo

apresentado ao Groupe d’Études Latino-americains de la Sorbonne, GELS. (Tradução

livre do francês de Diego Azzi). Sorbonne Paris I, Paris, 2013.

HONNETH, Axell. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais.

São Paulo: Ed. 34, 2003.

IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Boletim de Economia e Política

Internacional. N.2, Brasília, Abr-Jun 2010.

__________. As transformações no sistema financeiro internacional. Vols. I e II.

Organizadores: Marcos Antonio Macedo Cintra, Keiti da Rocha Gomes.- Brasília: Ipea,

2012.

JARDIM, Maria A. Chaves. Criação e Gestão de fundos de pensão: novas estratégias

sindicais. In: BIB – Boletim Informativo Bibliográfico, n.63/1. São Paulo, 2007.

Page 197: Nas Tramas Da Cultura Financeira

197

__________. Governo Lula e a política de fundos de pensão: domesticação do capital

ou domesticação do governo? In: Novos Estudos CEBRAP. Conteúdo Virtual; website

CEBRAP; julho de 2008.

__________. “Nova” elite no Brasil? Sindicalistas e ex-sindicalistas no mercado

financeiro. Rev. Sociedade e Estado, Brasília, v. 24, n. 2, p. 363-399, maio/ago, 2009.

__________. (2009b). Entre a solidariedade e o risco: sindicatos e fundos de pensão

em tempos de governo Lula. Ed. Annablume/FAPESP. São Paulo, 2009.

JUBILEE DEBT CAMPAIGN. Getting into debt: dodgy loans, reckless finance and

Third World Debt. London, June 2010.

JUBILEO SUR AMERICAS. No más deuda. Buenos Aires, 2010.

__________. Acusación y alegato final; Veredicto;Sentencia. Folhetosobre o Tribunal

Internacional de los pueblos sobre la Deuda. Buenos Aires: Agosto,2002.

_____________. Deuda externa, deuda colonial: de qué deuda hablamos? Folheto

sobre a Dívida externa do Sul. Buenos Aires: Jubileo Sur / Américas, Março,2007.

JUBILEO SUR PERU. Quién pagará por el cambio climático? Documento de trabalho

por Mendoza, A. Peru, Maio 2010.

JUBILEU SUL BRASIL. Acompanhe a CPI da Dívida Pública na Câmara dos

Deputados. Folheto Informativo sobre a CPI. Brasília, Setembro, 2009.

__________. A origem da nossa Dívida Externa. Disponível em: http://www.divida-

auditoriacidada.org.br/olho/news_item.2006-09-28.0304138852

Page 198: Nas Tramas Da Cultura Financeira

198

__________. Íntegra da ação da OAB propondo auditoria da dívida externa. Brasília,

6/12/2004.

_____________. Plebiscito da Dívida Externa. Manual da campanha. Brasília:

Setembro,2000.

_____________. Plebiscito da Dívida Externa. O Povo diz não à Dívida e sim à

vida.Manifesto sobre o Plebiscito da Dívida. São Paulo: Loyola, Março, 2001.

_____________. Somos credores! Folheto informativo sobre auditoria daDívida.

SãoPaulo, s/d.

_____________. Et al. Wansetto, R. e Silva, E.G.P.O. (Org.). Modelo

dedesenvolvimento e o projeto popular para o Brasil. São Paulo: 2009.

_____________.É mentira que a Dívida acabou! Folheto informativo sobre aCPI da

Dívida, s/d.

_____________. Wansetto, R. e Furtado, F. (Org.). Quem deve a quem?Caderno de

estudo 1. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

_____________. Wansetto, R. e Quintela, S. (Org.). Quem deve a quem?Caderno de

estudo 2. São Paulo: Unisind, 2008.

KECK, Margareth e Sikkink, Kathryn. (KECK-SIKKINK). Activists beyond borders.

Cornell University Press, 1998.

KEET, Dot. The international anti-debt campaign: A Southern activist view for activists

in 'the North'…and 'the South'. In: Development in Practice, 10:3-4, 461-477. Carfax

Publishing. (Tradução livre do inglês de Diego Azzi). London, 2000.

Page 199: Nas Tramas Da Cultura Financeira

199

KEINERT, Fabio Cardoso. O social e a violência no pensamento de Hannah Arendt.

Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 2005.

KOWARIC, Lúcio. Sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil: Estados Unidos,

França e Brasil. RBCS vol.18, n.51, fevereiro 2003.

LAVALLE, Adrián Gurza. Crítica ao modelo da nova sociedade civil. In: Lua Nova n.

47, 1999.

LEITE, José Correa. As invenções da política – Sobre a existência da política e suas

transformações. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –

PUC-SP, 2005.

_____________. Fórum Social Mundial: a história de uma invenção política. Ed.

Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2003.

_____________. (2003b). Perspectivas do processo Fórum Social Mundial. Mímeo.

São Paulo: 7 de abril de 2003.

_____________. O espírito de Porto Alegre. Leite, José Correa et al. Ed. Paz e Terra,

São Paulo, 2002.

LEVY-LANG, André. L’argent, la finance et le risque. Ed. Odile Jacob.(Tradução livre

do francês de Diego Azzi). Paris, 2006.

LORDON, Frédéric. O pesadelo das finanças sem freios. In : Le Monde Diplomatique

Brasil, março 2008.

Page 200: Nas Tramas Da Cultura Financeira

200

LÖWY, Michel. Amérique Latine – Les sources bibliques de la théologie de la

libération. In: La brèche numérique. (Tradução livre do francês de Diego Azzi). Paris,

27 février 2011.

LUPTON, Deborah. Risk. Routledge, London and New York, 1999.

MAIA, Rosane de Almeida. Fundos previdenciários e o financiamento do

desenvolvimento: o papel dos Fundos Patrimoniais dos Trabalhadores e dos Fundos de

Pensão. Tese de Doutorado. Universidade de Campinas (Unicamp), novembro de 2003.

MARANHÃO, Tatiana. Governança Mundial e Pobreza: do Consenso de Washington

ao consenso das oportunidades. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo (USP),

2009.

MASSIAH, Gustave. Une stratégie altermondialiste. Ed. La Découverte. Paris, 2011.

MATHIEU, Lilian. L’espace des mouvements sociaux. Colléction Sociopo. Éditions du

Croquant. Broissieux. (Tradução livre do francês de Diego Azzi). Janvier, 2012.

__________. Contexte politique et opportunités. In: O. Fillieule et. alli. Penser les

mouvements sociaux – conflits et contestations dans les sociétés contemporaines. La

Découverte. (Tradução livre do francês de Diego Azzi). Paris, 2010.

__________. L’espace des mouvements sociaux. In : Politix, 2007/1, n°77, p.131-151.

(Tradução livre do francês de Diego Azzi). Paris, 2007.

MELLO E SILVA, Leonardo. Trabalho: o desafio democrático. In: Tempo Social;

Revista de Sociologia da USP, n.14(2):37-70, outubro de 2002.

Page 201: Nas Tramas Da Cultura Financeira

201

METTENHEIM, Kurt von. Commanding heights: para uma sociologia política dos

bancos federais brasileiros. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo:

ANPOCS, vol.20, n.58, junho de 2005.

MITJAVILA, Myriam. O risco e as estratégias de medicalização do espaço social.

Universidade de São Paulo, 1999.

MOLENAT, Xavier. La crise vue par les socioéconomistes. Pp. 8-10. In : Les Grands

Dossiers des Sciences Humaines n.16 – Les Ressorts Invisibles de l’Économie.

Auxerre. (Tradução livre do francês de Diego Azzi). Sep.-Nov. 2009.

NEVEU, Erik. Sociologie des mouvements sociaux. Ed. La Decouverte. (Tradução livre

do francês de Diego Azzi). Paris, 2005.

OFFERLÉ, Michel. Retour critique sur les répertoires de l’action collective (XVIIème

et XXIème siècles). In: Politix, n°81/1. (Tradução livre do francês de Diego Azzi). 2008.

OLIVEIRA, Francisco de. A dominação globalizada: estrutura e dinâmica da

dominação burguesa no Brasil. In: Neoliberalismo y sectores dominantes. Tendencias

globales y experiências nacionales. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias

Sociales. Buenos Aires, agosto, 2006.

__________. Privatização do público, destituição da fala e anulação da política: o

totalitarismo neoliberal. In: Os sentidos da Democracia: políticas do dissenso e

hegemonia global. Francisco de Oliveira e Maria Célia Paoli (orgs.). Co-Edição: Ed.

Vozes, Fapesp e NEDIC. São Paulo: 1999.

__________. Crítica à razão dualista/O ornitorrinco. São Paulo, Boitempo Editorial,

2003.

Page 202: Nas Tramas Da Cultura Financeira

202

__________. (2005). Quem canta de novo l’Internationale? In: Trabalhar o mundo: os

caminhos do novo internacionalismo operário. Pp. 135-170. Boaventura de Sousa

Santos (org.). Vol. 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

__________. (2007). Hegemonia às avessas. In: Revista Piauí.

(http://www.revistapiaui.com.br/2007/jan/tribuna.htm). São Paulo, Ed. Abril, janeiro de

2007.

OLIVEIRA, Francisco; e Rizek, Cibele. (OLIVEIRA-RIZEK). A Era da

Indeterminação. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.

PAULANI, Leda. Brasil Delivery. Boitempo Editorial, 2007.

__________. (2009). A crise do regime de acumulação com dominância da valorização

financeira e a situação do Brasil. In: Revista Estudos Avançados, n.23 (66), 2009.

__________; e Müller, Leonardo. (Paulani-Müller). Símbolo e Signo: o Dinheiro no

Capitalismo Contemporâneo. In : Estudos Econômicos, v.40, n.3, p. 793-817, outubro-

dezembro de 2010.

PENA, Ricardo. Previdência complementar no Brasil. História, evolução e desafios.

Rev. Fundos de Pensão. Abrapp/ICSS/ Sindapp, Ano XXVII, n. 340, p. 13-15, maio de

2008.

PETTIFOR, Ann. Jubilee 2000 and the Globalized World of Debt.An interview with

Ann Pettifor by Julie A. Wortman.In: The Witness. (Tradução livre do inglês de Diego

Azzi). June, 2000.

PICHLER, Walter Arno. Trajetória da sindicalização no Brasil de 1992 a 2011. In:

Democracia e Mundo do Trabalho, 13 de novembro de 2012.

Page 203: Nas Tramas Da Cultura Financeira

203

PONDS, Edward e Van Riel, Bart. Sharing risk: the Netherlands’ new approach to

pensions. Issues and Policy 8 (1), 91-105, Cambridge, January 2009.

RAFFINOT, Marc. La dette des tiers mondes. Ed. La Découverte. (Tradução livre do

francês de Diego Azzi). Paris, 2008.

RAMONET, Ignacio. O fim de uma era do capitalismo financeiro. In : Carta Maior,

outubro de 2008.

RANCIÈRE, Jacques. Jacques Rancière: Les territoires de la “pensée partagée”.

Entretien a Jacques Lévy, Juliette Rennes et David Zerbib. In: EspacesTemps.net

(http://espacestemps.net/document2142.html). (Tradução livre do francês de Diego

Azzi). Lundi, 8 janvier, 2007.

__________. Our Police Order: what can be said, seen and done. Interview to Truls

Lie. In: Eurozine (www.eurozine.com). Originaly published by Le Monde Diplomatique

(Oslo). (Tradução livre do inglês de Diego Azzi). August 11, 2006.

__________. (2006b). Le scandale démocratique. Entretien a Jean-Baptiste Marongiu.

In: Libération. (http://www.caute.lautre.net/imprimersans.php3?id_article=1488).

(Tradução livre do francês de Diego Azzi). 18 janvier, 2006.

__________. La haine de la democratie – Chroniques des temps consensuels. Entretien

par Jean-Baptiste Marongiu avec Jacques Rancière. In: Multitudes.

(http://multitudes.samizdat.net/article.php3?id_article=2194&var_recherche=ranciere).

(Tradução livre do francês de Diego Azzi). 15 de dezembro de 2005.

__________. (2005b). A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: EXO

experimental org.; Ed. 34, 2005.

Page 204: Nas Tramas Da Cultura Financeira

204

__________. (2005c). La haine de la democratie. Paris : Éditions La Fabrique, 2005.

__________. As novas razões da mentira. In: Folha de S. Paulo, Caderno

Mais!,domingo, 22 de agosto de 2004.

__________. O princípio de insegurança. In: Folha de S. Paulo, Caderno

Mais!,domingo, 21 de setembro de 2003.

__________. Éclipse de la politique. In: Journal l’Humanité.

(http://www.humanite.presse.fr/popup_print.php3?id_article=34588).

(Tradução livre do francês de Diego Azzi). 29 mai 2002.

__________. (2002b). Peuple ou multitudes?Entretien a Eric Alliez. In: Multitudes.

(http://multitudes.samizdat.net/Peuple-ou-multitudes.html). (Tradução livre do francês

de Diego Azzi). Juin, 2002.

__________. A história em pedaços. In: Folha de S. Paulo, Caderno Mais!,domingo, 11

de novembro de 2001.

__________. (2001b). Entretien avec Jacques Rancière. Par Nicolas Poirier.

In: Le Philosophoire. (http://www.caute.lautre.net/article.php3?id_article=767).

(Tradução livre do francês de Diego Azzi). Numéro 13, Hiver 2001.

__________. Biopolitique ou politique? Entretien recueilli par Eric Alliez avec Jacques

Rancière. In: Multitudes (http://multitudes.samizdat.net/). (Tradução livre do francês de

Diego Azzi). Março de 2000.

Page 205: Nas Tramas Da Cultura Financeira

205

__________. La politique n’est-elle que de la police? Entretien a Jean-Paul Monferran.

In: L’Humanité. (http://www.caute.lautre.net/article.php3?id_article=571). (Tradução

livre do francês de Diego Azzi). 1er Juin, 1999.

__________. O desentendimento - política e filosofia. São Paulo: Ed. 34, 1996.

__________. (1996b). O dissenso. In: A crise da Razão. São Paulo: Ed. Companhia das

Letras, 1996.

__________. Os riscos da razão. In: Folha de S. Paulo, Caderno Mais!,domingo 10 de

setembro de 1995.

__________. (1995b). Philosophie et Politique. Entretien a Jean-Paul Dollé. In:

Magazine Littéraire, n. 331; pp. 146-150.

(http://www.caute.lautre.net/article.php3?id_article=570). (Tradução livre do francês de

Diego Azzi). Paris, Avril, 1995.

RYAN, William (1976). Blaming the Victim.Vintage, USA, 1976.

Said, M. FMI, Banco Mundial e BID: impactos sobre a vida das populações. Fortaleza,

2005.

SAMUEL, John. Civil Society and other plastic phrases. Ed. International Press Service

(IPS)/ Le Monde Diplomatique. 2003.

SIMEANT, Joanna. La transnationalisation de l’action collective. In: O. Fillieule, E.

Agrikoliansky et I. Sommier. Penser les mouvements sociaux - Conflits et contestations

dans les sociétés contemporaines. Ed. La Découverte. (Tradução livre do francês de

Diego Azzi). Paris, 2010.

Page 206: Nas Tramas Da Cultura Financeira

206

SIMMEL, Georg. The Philosophy of Money.(Philosophie des Geldes, 1900). Third

Edition, Routledge, London, 2004.

__________. Money in modern culture. In: Frisby, David ; Featherstone, Mike (orgs.).

Simmel on Culture.SAGE Publications. (Tradução livre do inglês de Diego Azzi).

London, 2000.

__________. A metrópole e a vida mental. In : Velho, Otávio Guilherme (org.). O

Fenômeno Urbano. Zahar Eds., Rio de Janeiro, 1979.

SINGER, André. Os sentidos do Lulismo – reforma gradual e pacto conservador. São

Paulo: Cia das Letras, 2012.

__________. Raízes sociais e ideológicas do Lulismo. Revista Novos Estudos, Edição

85 - Dezembro de 2009.

SINGER, Paul. Para entender o Mundo Financeiro. São Paulo: Contexto, 2000.

__________. A relação entre as finanças e a economia da produção e do consumo. In:

Carta Maior. 23 de outubro de 2008.

__________. O capital e a armadilha da dívida. In: Novos Estudos CEBRAP, no.93,

p.169-178, Jul 2012.

SOMMIER, Isabelle et al. Génealogie des mouvements altermondialistes en Europe -

Une perspective comparée. Ed. Karthala, Aix-en-Provence, 2008.

STEINER, Phillipe. La sociologie économique. La Découverte, Paris, 2011.

STREECK, Wolfgang. As crises do capitalismo democrático. In : Novos Estudos

Cebrap n. 92, São Paulo, março de 2012.

Page 207: Nas Tramas Da Cultura Financeira

207

TELLES, Vera da Silva. Direitos sociais: afinal do que se trata? São Paulo, 2007.

TEITELBAUM, Alejandro. La dette et les institutions financières face au droit

international. In: Alternatives Sud, Vol.IX, 2-3, pp.83-108. (Tradução livre do francês

de Diego Azzi). 2002.

THIERY, Joseph. Stratégies d’acteurs et dynamique de l’endettement du Tiers Monde.

In: Alternatives Sud, Vol.IX, 2-3, pp.55-82. (Tradução livre do francês de Diego

Azzi).2002.

TILLY, Charles. Repertories of contention in America and Britain. In: The Dynamics of

Social Movements. Cambridge, 1979.

__________. La France conteste. Paris, Fayard, 1986.

__________. Ouvrir le repertoire d’action. (Tradução livre do francês de Diego Azzi).

Entretien avec Charles Tilly. Revue Vacarme, 31, Paris, 2005.

TOUSSAINT, Eric. Crise de la dette du tiers-monde: mise en perspective. In: Duménil-

Lévy (orgs). Crises et renouveau du capitalisme: le 20ème siècle en perspective. Les

Presses de l’Université Laval. (Tradução livre do francês de Diego Azzi). Québec,

Canada, 2002.

STIGLITZ, Joseph. Challenging the Washington Consensus. The Brown Journal of

World Affairs. (Tradução livre do francês de Diego Azzi). New York, May, 2002.

UNISINOS. Instituto Humanitas. Orçamento federal de 2013: 42% vai para a dívida

pública. Entrevista com Maria Lúcia Fattorelli. 17 de setembro de 2012.

Page 208: Nas Tramas Da Cultura Financeira

208

VIVAS, Esther; e CADTM. En campagne contre la dette. Editions Syllepse/CADTM.

(Tradução livre do francês de Diego Azzi). Paris, 2008.

WAIZBORT, Leopoldo. As aventuras de Georg Simmel. Ed. 34, São Paulo, 2000.

WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Cia. Das

Letras, 2004.

ZAOUI, Pierre. Luttes de classes, année zéro. In: Revue Vacarme, 41. (Tradução livre

do francês de Diego Azzi). 2007.

ZINN, Jens. Social Theories of Risk and Uncertainty: an introduction. Blackwell

Publishing, Oxford, 2006.

Page 209: Nas Tramas Da Cultura Financeira

209

Anexos

ANEXO 1 – Organizações da Rede Jubileu 2000: Reino Unido e Mundo

The organisations in the Jubilee 2000 UK Coalition (110) as of December 2000.

1990 Trust / National Black Alliance; Action Aid; ACTSA; African Initiatives;African Justice

and Peace Desk; Afrikan Liberation Support Campaign; AllianceOf Baptist Youth; Association

Of University Teachers; Baptist Missionary Society;Baptist Union of Great Britain; Black Quest

For Justice Campaign; BritainZimbabwe Society; British Medical Association; C P H V

A;CAFOD; CampaignAgainst Arms Trade; Christian Action On Third World Debt; Christian

Aid;Christians Aware; Christians for Racial Justice; Church in Wales; Church MissionSociety;

Church of England, BSR; Church Of Ireland; Church of Scotland;Churches Commission For

Racial Justice; Churches Together In England; CooperativeBank; Columban Fathers; Comic

Relief; CommonWeal; Commonwealth TUC; Concern Universal; Congregational Federation;

CredJustice And Development Group; CROSSLINKS; Cuban Solidarity Campaign;DARG,

Royal Geographic Society; Evangelical Alliance; External Finance forAfrica; Fire Brigades

Union; Food for The Hungry UK; Friends Of The Earth UK;Graphical Paper & Media Union;

Green Party; Harvest Help; Health Aid MOYO;Institute for African Alternatives; IPMS; Jubilee

2000 Scottish Coalition; Jubilee2000 Wales; Jubilee Campaign; MEDACT; Methodist Church;

Methodist Reliefand Development Fund; Mid Africa Ministries; Modern Church people's

Union;Mothers Union; Movement for Christian Democracy; Movement of ChristianWorkers;

Mozambique Angola Committee; Muath Welfare Trust; Muslim Councilof Britain; National

Union of Teachers; NASUWT; National Assembly AgainstRacism; National Federation of

Women's Institutes; National Liaison CommitteeJustice & Peace groups; Network For Social

Change; New EconomicsFoundation; NGO Networks Africa, IIED; Nicaragua Solidarity

Campaign; NUS;One World Action; One World Week; Oneworld.net; Oxfam; People And

Planet;People's Progressive Party of Guyana; Peru Support Group; Public AndCommercial

Services Union; Reform Judaism; Religious Society of Friends inBritain/ Quakers; Rissho

Kosei-kai; Salvation Army; Save the Children Fund;Scottish TUC; Selly Oak Colleges; Send a

Cow; South American Mission Society;Speak; Student Christian Movement; TGWU; Tearfund;

Tools for Self Reliance;Tools for Solidarity; Triodos Bank; TROCAIRE; TUC; Tzedek;

UNICEF; UNIFY;Union of Liberal & Progressive Synagogues; UNISON; Unitarian and

FreeChristian Churches; United Nations Association - UK; United ReformedChurch; Ursuline

Sisters Of The Roman Union; USPG; VSO; War Child; War onWant; Women's International

Page 210: Nas Tramas Da Cultura Financeira

210

League for Peace And Freedom; WorldDevelopment Movement; World Vision UK; Ycare

International; YWCA.

Jubilee 2000 Coalitions around the world (69) as of December 2000.

Angola; Argentina; Australia; Austria; Bangladesh; Belgium; Benin; Bolivia; Brazil;Burkina

Faso; Cameroon; Canada; Colombia; Cote d’Ivoire; Cuba; CzechRepublic; Denmark; Ecuador;

Finland; France; Germany; Ghana; Guatemala;Guyana; Haiti; Honduras; Hong Kong; India;

Indonesia; Ireland; Israel; Italy; Jamaica;Japan; Kenya; Korea; Malawi; Mali;

Malta;Madagascar; Mauritius; Mexico;Mozambique; Namibia; Netherlands; New

Zealand;Nicaragua; Nigeria; Norway;Pakistan; Peru; Philippines; Poland; Portugal; El

Salvador; Senegal; South Africa;Spain; Sri Lanka; Swaziland; Sweden; Tanzania; Togo;

Uganda; United Kingdom;USA; Venezuela; Zambia; Zimbabwe.

Page 211: Nas Tramas Da Cultura Financeira

211

Entrevistas Transcritas144

Entrevista com Beverly Keene, 2010.

- Bom Beverly, não sei se Rosi te comentou algo sobre o por quê dessa entrevista. Não,

na verdade é uma entrevista de caráter (estritamente?) pessoal para a minha pesquisa,

minha (?).

- risos

- O tema é o seguinte, eu estou fazendo o meu doutorado... (1:17). Eu gostaria de saber

um pouco inicialmente a sua trajetória, como você chegou ao Jubileo, antes de ser

coordenadora, tudo isso... um pouco da sua historia lá em buenos aires

- Ta, uma versão um pouco grande, mas curtinha digamos de (?1:14)aparece(?) nos anos

70, em outro contexto pessoal, até antes de chegar à argentina, tinha trabalhado muito

com o tema da educação popular e mobilização e ciências políticas, no contexto de uma

discussão que ganhou/criou muita força nos anos(?) 70 no seio das nações unidas sobre

a criação de um novo organismo (?2:10) internacional direitos e responsabilidades

econômicas dos (?) com (?2:19), proposta como mecanismos de estabilização de preços,

(?2:24) mercados internacionais; buscando evidentemente justiça social(?2:30) e (???

2:39) ou custos. (???) pessoal é um tema trabalhado, nesse sentido, desde muito tempo.

Quando eu cheguei à argentina era o princípio de 74, eu própria recém nesse momento

então tentei a trazer força da problemática da divida na argentina, entre tantas outras

coisas.

O tema é que então a problemática da divida era fortíssima, não somente por toda a

experiência de países da America (?3: 20), da Ásia. Então o processo de crescimiento da

divida nos anos 70, principio dos 80, o crack que tivemos/vimos? no México, (??) juros

a principio dos 80. As particularidades da atuação na argentina que tinha a ver com o

desembarque (3:50) da ditadura, (??)falavam muito, as vezes sem tanta razão, mas

falavam muito nesse momento de que o processo de endividamento na argentina havia

acontecido sem nenhuma contrapartida do país, que não se via nenhum beneficio, muito

ao contrário do que o processo no Brasil, por exemplo, onde foi igualmente ilegítimo

desde muitos pontos de vista, mas pelo menos haviam estradas, ruas(??), pelo menos se

podia dizer que algo se fez, pelo menos uma parte é verdade. Digo, não era uma visão

muito acertada, mas era uma visão que se manifestava muito nesse momento na

argentina, ou seja, se manejava uma visão de um processo de conversão(???4:43) de

dividas ainda no contexto latino-americano particularmente odioso realmente algoz.

E a tal ponto que na campanha eleitoral em 83 na qual sai ganhador Afonsin, o tema da

(5:00?) da divida foi um tema principal, o tema principal que a campanha (?? 5:05), a

relação entra o pagamento de uma dívida ilegítima e a ausência de verba (presupuesto)

144 Nem todas as entrevistas puderam ser transcritas.

Page 212: Nas Tramas Da Cultura Financeira

212

para a saúde, educação, trabalho, esses eram temas da agenda política da restauração (da

argentina?).

Isso obviamente na argentina significava também em 84 a primeira manifestação da

qual participei, em Tucumã, onde vivi, em uma marcha continental pelo CQT(??? 5:39).

Onde chegou este Saul Baldini(??) e a (?) não havia pagado a divida, nem sequer no

orçamento (???) país. Era um tema, digamos ,dívida, uma tema argentino e obviamente

de muitos outros países de América Latina e sobretudo na Ásia em países como (?

6:08), indonésia que tinham características mais similares aos países da America Latina.

Então participamos de reuniões localizadas(?) em organizações de emancipação

(???6:25)...

- O que é isso?

- ... (?) comunicação/organização(???) social que se define digamos como organização

de luta não violenta pela liberação dos povos. No contexto da argentina desse momento

é considerado, como até o dia de hoje, como um dos organismo de direitos humanos, é

uma associação de direitos humanos, participou muito ativamente da luta contra a

ditadura, (?) dos processos...

- Mas algo que ver com a Comissão de Justiça e Paz daqui, da CNBB?

- Não, de fato... Bom, um dos fundadores (?? 7:10) da ditadura recebeu o Prêmio Nobel

da Paz por seu trabalho em defesa dos direitos humanos tanto na argentina quanto a

nível internacional, é uma organização que tem presença na America Latina, uma

organização latino-americana. Adolfo (?) era, digamos, um católico muito ativo

efetivamente, se deu conta que buscou, em um primeiro momento, em certos sentido um

espaço de respaldo, de ação dianta(?) da Comissão de Justiça e Paz da Igreja Católica na

argentina, comissões de justiça e pax que foram se criando em todos os bispados, em

todos os países, digamos, da igreja católica no inicio dos anos 70.

Na argentina a comissão de justiça e paz de justiça e paz não tem muito, não tem nada.

Ele não encontrou aí nenhum respaldo, nenhum (?), ao contrário, e sem dúvida esse

nome de servicio(?) “justiça e paz” ou servicio “paz e justiça” vem daí, se traduz

daí(??), mas não há nenhuma relação formal com a igreja católica sobretudo na

argentina. Em alguns outros país tem havido movimentação, tem havido, teria mais

relação informal (???8:52), mas mais relação informal.

Mas bem, voltando aqui a esse (??9:00) militar em (??9:05), nesse momento participava

de um espaço em que (??9:15) um espaço que foi se criando a partir realmente de 84

onde participavam de dezenas de organizações, sindicatos em primeiro lugar, nesse

momento (??9:35) partidos políticos acima de tudo, um momento de muita mobilização

e muita participação nessa luta. E tive a experiência da argentina frente à divida, nesse

momento foi muito forte e também muito (??9:53). A ?e a ?? planteando o não

pagamento da divida argentina(?10:03) (??)(?). Então fizemos uma comissão

parlamentaria de investigação da divida e o primeiro ministro de economia de Alfonsin

chegou a propor ao fundo monetário que se teria que distinguir entre a divida realmente

legitima e o ilegítimo e, bom, o ministro da economia durou, não me lembro

Page 213: Nas Tramas Da Cultura Financeira

213

exatamente, 3 ou 4 meses e a comissão parlamentaria durou um par de meses mais, mas

nunca pôde terminar o seu trabalho. E o multissetorial durou alguns anos mais, mas com

uma vivência cada vez mais difícil à medida que o tema se fue corriendo cada vez con

mas fuerza del centro de la agenda corriente(?)Obviamente toda a pressão(?) com a

argentina na cabeça???, talvez houve por um lado uma busca de parte de vários

governos de uma articulação de políticas frente à problemática da dívida, (?)deixamos

parte com possibilidades pequenas, que nunca chegou a (?? 11:19) e frente da

possibilidade mesmo de conseguir posições (?) articulados entre os governos com o

tempo perdemos com (??11:35) absolutamente a força da mobilização social e política

de nossas organizações e (?) a outros (??11:49).

Acredito que (?) pensam no espaço de luta contra a dívida na argentina nos anos 80

houve muito trabalho e uma opinião publica de que até o dia de hoje, de que é semi

instalada a noção de que a dívida é ilegítima (?12:16) vários anos que (?) é ilegal e que

(?) procedimentos totalmente ilegítimos e (?) de uma relação de dominação, de uma

relação de (?) que foi instrumentada à política do governo (??12:39), porque o golpe

quando o fundo monetário (?) crédito ao governo argentino. Esses temas formam parte,

todavia, da memória de toda as categorias do movimento popular argentino. E nesse

momento falando, digamos, eu não era nem militante (?), fui a Buenos Aires (?) do

interior (??13:14) da luta (?) e fizemos (?), fizemos trabalho (?) sensibilização ao tema,

mas em um ambiente que não dava muito espaço para um trabalho mais sostenido.

E quando cheguei a Buenos Aires em 86, disse bom en lo particular, mais ou menos,

vou me dedicando a outros temas (?), especificamente o tema da impunidade e da luta

contra a impunidade (??) o que vale a pena , fim dos 80, buscamos sempre vincular a

luta contra a impunidade a uma visão mais integral das relações(?) e dos direitos

humanos, ou seja, não ficar-se com (?14:10) desaparições, a procura, os assassinatos,

mas olhar para as custosas consequências econômicas(?) e sociais dos processos

ditatoriais, processos (??14:24). A ponto que ao final dos 80 quando reiniciamos a

iniciativa de, buscamos(?) espaço à iniciativa de (??14:34) dos povos sobre a

impunidade, processo que deu lugar a audiências nacionais de distintas naturezas, em

10 países talvez da região, e numa sessão final do tribunal que se fez em Bogotá e (?)

Brasil não nos deu (?)...

- e isso quem organizava?

- Bom, foi uma iniciativa, digamos, no marco de “... permanente de los pueblos” no qual

conformamos a partir de (?) e outras mobilizações no continente, organizações (?) dos

direitos humanos sobretudo na Colômbia, uma proposta, uma (acusação?), um tribunal

sobre a impunidade (?) da violação dos direitos humanos no continente. Nesse processo,

a grande maioria das sessões nacionais enfocaram majoritariamente desaparecimentos,

tortura e todo o processo de impunidade, fatos com relação a esses temas(???), mas

houve intersessoes(??), Paraguai por exemplo, planteo com muita força não somente a

política repressiva do governo (?), mas todo a (perda? 15:58) econômica e social e (?)

por exemplo o tema do (??16:04???). No Brasil se trabalhou mais que nada sobre o tema

da reforma agrária e (??16:16) do campo. E em outros países, talvez com menos força,

Page 214: Nas Tramas Da Cultura Financeira

214

questões como a divida, pelo menos a identificação de (?), ou então se falava de

(??16:38) nos anos 80 foram temas que estavam presentes em todo o processo do

tribunal(16:46?), estão na sentença final e também uma das varias iniciativas de

prosseguimento desse tribunal, por exemplo, entre outras coisas, buscamos trabalho na

comissão de direitos humanos da ONU para buscar instrumentos legais contra a

impunidade. E aí lutamos, sem muito êxito, mas lutamos para conseguir que as

iniciativas de prosseguimento que tranquilamente se logrou instalar na comissão de

direitos humanos, primeiro lugar realmente (???17:20) sua comissão de direitos

humanos que abarcava tanto a violação dos direitos civis e políticos quanto as violações

dos direitos econômicos, sociais e culturais, que logrou instalar, porem separadas, não

de uma maneira integrada, permitindo no (?) que a força do seu oposto, digamos, na

consideração da impunidade frente à violação dos direitos civis e políticos e o tema da

impunidade frente à violação dos direitos econômicos, sociais e culturais (?) foi deixado

aí. Nesse processo sin embargo se chegou a propor temas como a escravidão (18:15??)

nesse momento para a sua comissão e para a (???) como um primeiro passo frente à

impunidade. Um tema (??) desde estas conquistas, porem, eu conheci, trabalhei muito

com esse espaço, mas então nos anos 92, 93, 94 ficamos (tremidas?) que as políticas

neo-liberais se consolidavam na argentina (??) os avanços cada vez mais difíceis, o tema

saiu da agenda da maior parte de nossos países e não se conseguia realmente a força

necessária para seguir planteando, como sempre...

- Ainda que durante os 90 muitos países fizeram novos empréstimos, tudo isso...

- Como (?19:21) os mexicanos (???) em todos os anos 80 (?) uma luta muito forte frente

à divida planteado, muitas vezes nós conversávamos em marcos de reuniões, encontros

no começo da luta contra a ALCA (?). Bom, o tema da divida, o tema é financeiro

quisiera nesse momento ainda era muito forte e (magníficos?) e quase em uníssono

responderiam a quem um perguntava, digamos, bom, é uma batalha que perdemos, a

perdemos, a perdemos e (??) ainda uma maneira de retoma-la. E nessa situação eu

acredito que praticamente ate o dia de hoje é como nós ficamos na região, mas, sem

duvida, digamos, um momento para muitos países na região no qual a realidade do peso

da divida, das políticas condicionadas, digamos, pela divida, pelos cracks(??20:34) de

divida, pela recuperação da divida chegou a ter um peso na região, em vários dos países

que permitiu, em certo sentido, que um movimento, uma mobilização de luta se

recuperava frente a esse tema e isso foi si, inicio(?) dos anos 90. Não em todos os país,

mas sim em muitos dos países e um momento que sem duvida coincidiu, ou seja, para

nós na argentina pelo menos nos voltando então por aí em 97, 96. 97 digamos nós em

(?) propusemos uma proposta, uma iniciativa de articulação, coisa que nesse momento

na argentina sempre meio louco plantear articulação. E sobretudo era ainda nesse

momento bastante louco, digamos, na Argentina plantear um horizonte de articulação

com o resto(?) da America Latina, Argentina tem essa peculiaridade que nesse momento

ainda tinha uma distancia bastante grande em todos os setores, digamos, do resto da

America Latina. Não sei se (??21:53) porque olhamos para a frança(?) e efetivamente

existia pouco intercambio, pouco conhecimento e pouca articulação, talvez não muito

distinto do que é a realidade nos outros países da região, mas, sempre a partir da

Page 215: Nas Tramas Da Cultura Financeira

215

argentina parecia que eram muito fortes. Bom, buscamos justamente nas vésperas de um

congresso ibero americano que ia ser na argentina a possibilidade de ir articulando um

dialogo entre os povos isso frente aos temas que se expunham aqui numa (?) os

governos, na CUMBRE(?).

- E daí saiu o dialogo 2000 ?

- O dialogo 2000 provavelmente saiu um pouco depois, mas foi um filho, uma criação

dessa primeira iniciativa. Bom, começamos a nos encontrar nesse espaço que hoje segue

se chamando Dialogo 2000, um pouco a proposta era buscar um espaço de reflexão, de

debate e quem sabe conseguirmos um pouco de ação conjunta entre atores

diferenciados, diferentes, com distintas realidades, inserções e perspectivas pelo qual(?)

sindicatos, organização de direitos humanos, religiosos, grupos de base, grupos

pequenos(?), confederações, digamos, é um pouco louco, mas essa era a proposta com

uma aposta, uma visão da integralidade dos direitos humanos e a necessidade de

integração entre os povos para avançar na defesa desses direitos. Em 2000 obviamente

(???24:00) com o milênio, tudo...

- Eu tenho um pouco de curiosidade sobre isso, como se vinculam um monte de

organizações e movimentos que já vinham discutindo os temas de dívida e de finanças

com um chamado do Papa e tudo isso?

- Bom, justo nesse ponto na argentina justamente foi meio de 97 quando fizemos as

primeiras reuniões e convocatórias como assim, com uma proposta de segurança(?

24:30), como resolvemos o mundo e bom... e alguns insistiam, digamos, como não,

temos baixar um pouco de terra (a poeira) e tomar alguns exemplos concretos e

efetivamente plantaram que (???24:48)o eixo teria que ser a divida. Porque nesse

momento, 97, a divida estava pisando muito forte novamente, e segue na realidade da

argentina a memória histórica, a memória social da maioria parte das organizações do

campo popular tinha posições bastante debatidos, bastante claro, se supõe, em torno da

problemática da divida, de sua legitimidade, do não pagamento, esse era um discurso

comum e corrente ainda que não parecia muito, mas quase todas as organizações tinham

posicionamentos e perguntados sobre seus posicionamentos todos diriam mais ou

menos o mesmo. Mas não acontecia nada, havia alguns grupos, grupos que ainda

existem hoje que trabalhavam um pouco mais ativamente a problemática da divida

sobretudo toda a iniciativa em um espaço que existia nesse momento ao redor da figura

de Alejandro Olmos(?25:57), jornalista de faccion, digamos, peronista, que havia feito

uma denuncia sobre a ilegitimidade da divida no marco do ultimo ano da ditadura

militar, então tinha um (?26:10) com um juicio pendente ainda nos tribunais(??)

federais, varias iniciativas, vários tribunais populares, tribunais éticos que haviam feito

em diferentes períodos, mas nesse momento não acontecia nada. Assim que

efetivamente começamos a dizer, bom, a divida continua tendo um custo humano, um

custo social, um custo político muito alto na argentina, este claramente subindo nesse

momento. Dissemos, bom, tomamos isso e vamos trabalhar aí.

- Como o Jubileo se converte de uma campanha em uma rede?

Page 216: Nas Tramas Da Cultura Financeira

216

- Bom, nesse momento (??) quando começamos a dialogo 2000 na argentina, a

problemática da divida, não tínhamos ideia, digamos assim, que em outra parte do

mundo, Inglaterra, Alemanha, muito inconcreto(?) e com vasos comunicantes, diríamos,

muito fortes com o vaticano e o vaticano com muitas congregações religiosas tinha

muito emplazamiento(?) na America Latina, como em outras partes, que se estava

construindo uma campanha que nesse momento se chamava jubileo 2000. Então, para

se dizer, dialogo 2000 e jubileo 2000 não tinha nenhuma relação

- nenhuma relação?

- não, nenhuma relação...

- Que coincidência!

- Sim, digamos, é. Nós começamos a trabalhar o tema da divida e quando fizemos isso

começamos depois a nos dar conta de que e ter algumas noções do que, bem, do que

estava sucedendo e essa campanha que efetivamente, no meu entender, tem uma base,

ou seja, uma sede em Londres e outra forte estruturação na Alemanha a partir de um

território(28:15) que estaria(?), digamos, armado. E estava conseguindo atrair, por

forças de mobilização, corpos na rua, digamos, (?28:28) da divida. Nós participamos

como dialogo 2000 em, por exemplo, numa primeira discussão internacional, a nível

internacional, que foram... respondemos a um convite do conselho mundial de igrejas

que haverá sido em abril de 98, mais ou menos, para discutir sobre o tema da divida. Aí

eu (???28:50) conhecia (?) Valentini, aqui do Brasil e bom, outras pessoas mais entre

eles que estavam coordenando esse movimento jubileo 2000 na Inglaterra, uns alemães,

mas para nós era como descobrir certos (?29:20), um mundo que, como que, da

argentina não tínhamos muita noção de que existia. (29:30) de dizer também de diálogo

2000, ainda que tínhamos e participavam distintos grupos religiosos efetivamente a

força da igreja popular na argentina é muito menor do que qualquer(?) outra parte, como

aqui no Brasil, a presença da igreja nas campanhas que se levantaram no peru, por

exemplo, Bolívia, em Honduras mesmo, Nicarágua, não tem muito a ver com a presença

da igreja católica, das congregações religiosas. Bom, esse ímpeto não chegou com tanta

força à argentina pelas características da igreja e do movimento popular, bom, mas

pouco a pouco fomos tomando contato e houve um esforço de grande parte de, na

coordenação de jubileo 2000 na Inglaterra, de articular um espaço, digamos, articular

(?)uma campanha das forças a nível internacional. Mas nesse momento, no qual também

mais ou menos nesse momento abril e maio de 98, parte, mas bem, nós fomos a

Santiago 2 membros de diálogo 2000 da argentina, fomos a Santiago para participar da

CUMBRE(?) dos povos (31:00) da CUMBRE das Américas e aí fomos plantear o tema

da divida. E saio Ron Dylan(?) com quem eu tinha trabalhado o tema da divida nos anos

70, mais ou menos todo o resto do mundo não apoiava(?) totalmente. Nesse momento,

quando vamos e tratamos de plantear o tema da divida em Santiago no congresso dos

povos, por exemplo, e que ainda nesse momento não tínhamos muita noção da

campanha de jubileo 2000 e eu não me lembro em que momento realmente tomamos

mais consciência, mas nossa consciência dessa campanha em determinado momento foi

Page 217: Nas Tramas Da Cultura Financeira

217

como uma coisa bastante (?31:52), por que? Um, porque era uma coisa que vinha de

Inglaterra, nos chegava através da igreja e mesmo que viessem e dissessem: bem, há

muitos aliados e sabidos(??) e vai haver sin embargo, havia, digamos, fazíamos uma

campanha que estava levantando o papa e hummm... Punha mais duvidas no caminho

do que qualquer coisa. Mas outra coisa é que efetivamente, pelo menos em certo

sentido, ao analisarmos os termos de território(?32:25), que eram a base dessa

campanha a verdade é que não corresponde, não reflete nossa análise do problema da

divida e apesar tampouco, ainda que possa haver algumas coincidências pontuais na

proposta, que fazem de chamar(??32:45) anulação da divida, há outros termos com os

quais nós propriamente não estamos de acordo. (??) plateo petitório, não me lembro, se

reclamava, se queria, se solicitava, não sei... aos governos dos países do g8 a (?33:10), a

anulação da divida impagável dos países mais pobres antes de (?33:22) 2000, e um

pouco o que se buscávamos: esta bem, estamos no G8, os países certamente tem uma

responsabilidade e não há problema exigir-les, mas também temos que ver qual é o

papel dos nossos governos e como nos posicionamos em relação a isso. Ou seja, não

estamos aqui para simplesmente rogar a outro que nos resolva o problema.

Segundo problema é que: a divida não é impagável, a estamos pagando há anos, ou não,

de séculos e no ritmo que estamos vamos seguir pagando várias vezes mais; o problema

é que a dívida não a devemos, então se não instauramos essa realidade, a noção de que a

dívida é ilegítima, que o problema não é se podemos pagar ou não podemos pagar,

nunca vamos recorrer(34:10) de uma resposta que efetivamente termina sendo uma

resposta de caridade: pobrezinho, não podem pagar suas dividas, algo tem que ser feito

para que, não! E esse era um ponto bem importante.

Os países mais pobres, bom, esta bem, em uma campanha alguns sempre tem que ter

prioridades e marcar uma (??34:35) e muitas vezes isso significa tomar decisões de:

bom, vamos com esse e depois seguimos com o resto, mas um pouco da proposta,

propor que este era um problema dos países mais pobres, é como desconhecer que a

divida é um problema que afeta a todos os países. E efetivamente tem

entrada(ingresso)/um preço (35:00) países como Brasil, argentina, digamos, enorme

onde as lutas mais fortes frente à divida aconteciam(?35:05) nos países, nesse momento,

de ingresso médio e não nos mais pobres e fundamentalmente o problema que aparecia

era que, significava que, dividir, ou seja essa é uma campanha pelos países mais pobres.

E esse foi um ponto de muitas discussões em muitos movimentos em que se disse: bom,

vamos seguir planejando e propondo, é bom que nós podemos ser solidários com os

pobrezinhos do Zâmbia, digamos, para te dar um exemplo. Mas somos solidários a

partir do momento em que reconhecemos o problema que eles enfrentam é o mesmo

problema que enfrentamos e se nós não conseguirmos nos unir não teremos a força

necessária para enfrentar esse problema. Então a noção de que dividir os países mais

pobres, que era a linguagem do Banco Mundial, ou seja, a linguagem dos prestamistas;

temos que nos posicionar em outro lugar! E outro problema, digamos, em certo sentido

de (36:10?) que buscamos rede em relação à noção de que a campanha que, enfim,

(?36:18) 2000 e cada um já tem experiência o suficiente para saber que significa que no

Page 218: Nas Tramas Da Cultura Financeira

218

norte, sobretudo, quem esta apoiando essa campanha vai por todo o seu esforço e sua

energia e talvez chegue até junho de 2001, mas já essa campanha terminou, isso daí era

outra coisa. E nós sabemos que por mais que ponhamos todas as nossas energias nessa

campanha para resolver o problema da divida nos países mais pobrezinhos, daqui ate o

ano 2000, 2001, 2002, 2003 nós vamos ter que seguir nessa luta, então como

conseguirmos criar as condições que permitiriam que esse esforço siga. Então isso digo

que quando fomos a Santiago seguimos levando a divida pela nossa concepção,

digamos, argentina de (37:00??) e nos levando como a campanha do jubileo 2000. No

processo houve uma primeira tentativa em novembro de 98 em uma reunião que houve

em Roma, foi organizado pela campanha na Inglaterra e foi uma primeira tentativa de

articular e, em certo sentido, criar uma coordenação global da campanha jubileo 2000. E

eu nesse momento estava na cama com uma fratura de joelho, não pude viajar, terminou

não indo ninguém da argentina e em parte(??) indo pouca gente da America latina, não

lembro se foi alguém do Brasil, porque pelo menos nós nesse momento também não

tínhamos muito contato com outros movimentos...

- Latinos..

- Ou seja, nesse momento não tínhamos contato , por exemplo, com um grupo aqui no

Brasil. O primeiro contato terá sido com Demetrio aí em Málaga numa reunião do

conselho mundial de igrejas e bem, começamos a ver que tinham um discurso mais

parecido ao nosso sem duvida, não éramos todos marcianos, mas ainda não tínhamos

uma relação (?38:30)

Diego – Pero es en Roma que se decide formar la red?

Beverly – No, no se pudo formar la red porque ???entonces varias compañías que están

ahí presentes en Sudáfrica, Filipinas creo que ??? en Nicaragua. Pero muchas de las

cosas que nosotros habíamos visto digamos en ?????no significaba como...Seguimos

mirando esta campaña con cierta desconfianza habíamos tomado una decisión para ????

trabajar en escritorio. Toda esa discusión digamos floreció en la ????. Además algunos

porchones ????personajes, manejos y cosas así. Y bueno...Se quedó claro, digamos, que

no había espacio para construir una coordinación global para sí decidir donde había

espacio para todos y donde había ???espacio en la toma de decisiones. Pero ??si había

quedado la idea y ??? ya taba preparándose y también para ???? en principio el primer

encuentro latinoamericano y caribeño. Este organizado, financiado, por lo menos en la

campaña se Alemania y Inglaterra. Y este encuentro se iba a hacer en Honduras en

noviembre, no se pudo hacer ?????se terminó haciendo en enero de 99 en Tegucigalpa y

ahí si fue como el primer encuentro latinoamericano y caribeño. Algunos nos

encontramos, compañeros de otras luchas, de otros países, de otras tenas y otras más nos

conocimos por primera vez ???este tema. Sandra e yo por ejemplo compartimos una

habitación en nuestro hotel, ahí en este encuentro nos conocimos con Ricardo Patiño, el

actual cartiller???de Ecuador. Aquí de Brasil por ejemplo fue Sandra, Demetrio, y dos

economistas del sindicato de economistas, Parcoto y no me acuerdo ???. ??? un

compañero de ??? de Argentina, compañero de la campaña de Perú, de Bolivia, de

Page 219: Nas Tramas Da Cultura Financeira

219

Ecuador, Centroamérica, algunos de Caribe, y efectivamente ahí empezamos ?? un otro

paso. Posiblemente nos encontramos bajo que teníamos otros pensamientos y logramos

articular digamos, en espacios de la declaración, en el comité, una visión de la deuda,

del problema de la deuda ?????un montón de cosas. Y intentamos en este momento

crear una coordinación latinoamericana y caribeña. Esa coordinación ?????no

funcionaban. Pero quedaban como las semillas de articulación, algunas cosas en común

y un compromiso de seguir buscando por lo menos ?????una lucha común. Fue enero o

en marzo que fuimos , como parte de la coordinación latinoamericana, invitados a

participar en un encuentro en Londres con representantes del Banco Mundial, Fundo

Monetario... Y esto se pues en la reunión de fuerte ???político y ideológico. Donde

estaban muchos representantes de las campañas de movimientos en Europa, 3 o 4 de

América Latina así como no me acuerdo muy bien, los 3 de África, los 3 de Asia donde

entre las diferencias ideológicas y políticas ???y algunas posiciones, vamos decir, ???

manijo ???? que no coadyuvaban a un buen comienzo en la coordinación. Florecían,

digamos, todos las diferencias y seguimos trabajando sobre estas mismas diferencias

que no ???. Y digamos un rechazo de parte de casi todos en Sur a entrar en una

discusión que parecía limitado a discutir ??? Banco mundial ???criterios. Este país tiene

que ser 350 por ciento, ?? 30 por ciento, ?? 60 por ciento de todo lo ????. Esas

discusiones y esas mediciones tienen su lugar, tienen su momento pero aquí la discusión

es política. Hay que plantearlo nuestros termos. ????estratégica obviamente la ??? pero

si ??? todo no vamos lograr nada. Si no ????el problema vamos lograr algo que resuelve

el problema. ???? reunión que fue así como fuegos!(???risos) Tuvimos una primera

reunión en Sudáfrica pelo que??? se llama comité de conspiración que se ??? donde

pusimos en marzo, digamos, un plan para buscar crear, transformar una articulación en

una coordinación a nivel de Sur.

Diego – Esto fue 99?

Beverly – Marzo, 99. Y ???? 98 en Colón en Alemania, ????? 99 que fue digamos un

momento entre otras cosas también se planteó un encuentro internacional del

movimiento Jubileu. Y fue en este momento que nosotros planteamos y realizamos un

primer encuentro Sur-Sur de movimientos y campañas que estaban tratando de tema de

deuda en marzo, del movimiento Jubileu 2000. Jamás habíamos, nosotros no nos

conocíamos, no sabíamos (¿??risos) con que pensamiento? En una invitación abierta a

todos que venían del Sur para participar y en cierto sentido empezamos a fortalecer una

visión de ¿??? pela articulación entre nosotros. Y en planteo quisimos en este encuentro,

que no fue muy bien recibido, digamos, pero, decimos igualmente que planteamos que

nosotros no buscamos fortalecer una articulación Sur-Sur con la noción que era la ¿???

¿??? movimiento mundial. El movimiento mundial existe en cuanto hay espacio para

diferentes pensamientos, diferentes organizaciones y la capacidad de establecer entre

nosotros, entre todos los participantes de todos movimientos objetivos y estrategias,

digamos, comunes. Y en eso, pensamos que uno dos apostes más importantes que

nosotros podemos hacer a la creación y fortalecimiento de este movimiento mundial ¿??

És a partir de la unidad del Sur. Un pensamiento desarrollado, en fuerza ¿??? Que el

movimiento está tratando de ayudar. Sino tiene capacidad para escuchar a la voz ¿????

Page 220: Nas Tramas Da Cultura Financeira

220

No tiene interés. Y ¿?? En este momento había no pocos, había muchos, digamos, en los

movimientos y en las organizaciones en el Norte que estaban muy dispuesto a escuchar

y responder a este dinámica y este planteo y otros no lo podían comprender y otros que

comprendían perfectamente y no!.... (¿??risos???). Pero a partir de ahí fue cuando

también tomamos la decisión de organizar la primera cumbre Sur-Sur que tuvo lugar en

noviembre de 99 en Sudáfrica, Johannesburgo. Se encontramos en Washington en la

reunión de ¿??? que se podía conseguir algunos billetes o cosa así ¿ una reunión

preparatorio famoso porque los nueve o diez nos quedamos en dos habitaciones.

Avanzaban con la propuesta de la cumbre y con esta convicción sentí que teníamos una

visión del problema que era claramente diferenciado, que tenía una raíz histórica,

tenía… Absolutamente ligado a noción de legitimidad, la noción de que generalmente la

deuda estaba pagado y no lo debimos, y esa idea de que fortalecer la unión de Sur era ¿?

digamos entre otras cosas una contribución no solamente al trabajo que tenía ¿? muchos

gobiernos en el Sur sino también a la construcción de un movimiento Norte-Sur. Bien es

así que, cuando llegamos a la cumbre en Johannesburgo que fue una semana antes de

Seattle, de la batalla de Seattle, y determinamos en una de las resoluciones, mandando

nuestra primera delegación fue a Seattle para representarnos en esa lucha. Pero también

una decisión que tomamos en ese momento era respectivamente de dedicar una

estrategia de dialogo con las distintas campañas, movimientos y organizaciones del

Norte. Porque estaban conscientes en este momento que había una visión de nosotros

que pienso que era bastante equivocado, muchos que dicen, bueno…que estaban

destruyendo el movimiento, la unidad de la fuerza, que con eso no hemos logrado el

resultado que queremos, que blablablabla… Nosotros pensamos que no era así. Pero ¿?

terminamos dedicando bastante energías en el primer momento de la conformación de la

red, al desarroller de dialogos con las campañas en… Y tratando de ¿? Cual era nuestra

visión del problema y porque no parecía importante proyectar esa visión, discutir esa

visión. Que no teníamos problema en trabajar con gente que tenía otra comprensión del

problema. Siempre que cuando hay respecto a esto y no estamos de acuerdo con eso

pero sin embargo podemos avanzar con algunas iniciativas comunes ¿? En avanzaren en

la profundización de ¿? de acuerdo. Y parte de este dialogo tenía que haber también con

lo que consideramos una necesidad ¿? para tratar de lograr que ¿? Las campañas, las

organizaciones que estaban trabajando el tema de la deuda en el norte en este momento

no cerraban todas sus puertas al ¿?.

Diego – Bueno, yo tendría un monte de cosas a preguntar pero para cortar… Me

gustaría que hablaras un poquito sobre tres cosas que puedes desarrollar en la misma

respuesta. ¿Cuáles tienen sido los momentos más marcantes para ti en estos años,

exitosos o no? ¿Cuáles son las principales dificultades del trabajo? Y ahora, con la

introducción del tema climático… ¿Cómo lo ves el futuro de la red? Si solamente es un

cambio o si no…no sé…

Beverly – Yo creo que sin duda uno de los momentos más fuertes fue ¿? la primera

asamblea y la posibilidad de empezar a construir la ¿?...

Diego – ¿ ¿? es Tegucigalpa?

Page 221: Nas Tramas Da Cultura Financeira

221

Beverly – No, en Sudáfrica, digamos no sentido en que nos encontramos ahí… De 3

continentes, de 35 países y más no me acuerdo , ¿? en su mayoría en personas que no

nos conocíamos, países que no nos conocíamos, que no sabíamos nada de la realidad

política de este país, la comisione del movimiento, pero en cierto sentido de poder

constatar lo que uno sabía, creía, como en cierto sentido con respecto a una real

experiencia y análisis, digamos una visión concreta de la problemática de la deuda fue

muy fuerte digamos ,porque , deja todas las diferencias en ordenes culturales,

lingüísticas, históricas. Efectivamente fue una de las reuniones que yo creo ¿? Era muy

fácil encontrar acuerdos porque efectivamente la experiencia de la deuda en la vida

cotidiana era muy común. Digamos, ¿? y plantear que ¿? todas esas diferencias, íbamos

a construir una articulación que buscaba unir eses 3 continentes, sobretodo en este

momento, ¿? todos tenemos una experiencia mucho mayor de conocimiento, de

intercambio, de experiencia ¿? Si quieran en nuestro proprio Continente ¿? en América

Latina ¿? cuanto lo que es África, lo que es Asia, ¿? plantear y tolerar una construcción

¿? donde no solamente compartimos una visión de la deuda en términos históricos, en

términos de su proceso de acumulación. Claramente, unos con una visión de que el

problema no era la deuda, que la deuda era una expresión de un problema más sistémico

y que lo que nos estaban planteando en serio era contribuir a la generación y

fortalecimiento del movimiento en el Sur y ¿? de un problema sistémico. ¿? importante.

¿? Momento fuerte en la construcción de la red y también como presentación en

sociedad fue nuestra participación en los Foros Sociales Mundiales y sobretodo la

realización del tribunal sobre la deuda en el II Foro Social Mundial. No entrando en

detalles, una parte traumática también, muchos sabemos, organizativa e logística, pero

era en cierto sentido como una presentación en sociedad. Y no momento, sobretodo aquí

en América Latina, donde plantear que el tema de la deuda y la lucha acerca de la deuda

tenía mucho que ver en la lucha contra el Alca que estábamos en este mismo momento

buscando articular y digamos reforzar… Construir articulaciones entre monedas más

fuertes también fue un momento importante. Un momento importante de conocernos, de

ir consolidando una visión, una perspectiva de aglutinar a nuevas organizaciones y

movimientos, sobretodo en América Latina. Y también, bueno… ¿? otro momento que

volvería tal vez. Sino también un encuentro en Dakar justamente en diciembre de 2000,

cuando ya se suponía que la campaña Jubileu 2000, en la cual casi todos de una manera

u otro habíamos terminado participando. En Argentina nosotros teníamos como

reescribiendo un poco este ¿? Pero, digamos, había esta noción de que era importante,

digamos, contribuir en una movilización mundial. Y el encuentro de Dakar 2000 fue

también la combinación de este año que habíamos pasado con mucha fuerza,

fortaleciendo este diálogo y planteando perspectivas. Y en cierto sentido este encuentro

en Dakar fue un momento en el cual efectivamente, como decimos, ¿? como que nos

planteamos… Plantamos en ciertos lugares y también tiene que continuar… La

movilización tiene que continuar, la articulación tiene que fortalecerse, profundizarse en

el Sur, en el Norte y al nivel, digamos, todos juntos. Y tenemos que lograr instalar ¿?

plantear en los otros que el problema de la deuda no es si se puede pagar o si no se

puede pagar incluso que ¿?. El problema es reconocer que tampoco lo debemos.

Page 222: Nas Tramas Da Cultura Financeira

222

Diego – ¿Y en estos años, cuales fueran las principales dificultades?

Beverly – No logro que ¿? efectivamente…Co solamente en estos años se ha podido ver

que ese análisis de la deuda ¿? como un ¿? común y hay muchas campañas y

organizaciones que al primer momento miraban con mucha desconfianza… Que

lograron ¿? tuvieron ¿? pero queremos entender mejor y comprender y ¿? estrategia y

efectivamente ¿? abrazar y incorporar la noción de la unidad de la deuda, ¿?apresar a

sus propios gobiernos, lograr ¿? de deuda sobre la base de reconocer que el crédito, el

préstamo que se ¿? no correspondía. Caso de la Noruega por ejemplo. Entonces fue un

momento muy fuerte ¿? que bueno ¿?digamos algunas cosas. Y en eso, sin duda ¿? el

grande logro de estos tiempos ha sido la auditoria de la deuda ¿? en Ecuador. No porque

no asume todo lo que ha sido la ¿? de gobierno con los resultados de la auditoria pero sí

estea conocemos la importancia de ese proceso de investigación, oficial ¿?, con la

participación de la sociedad, la sociedad ¿? Por esa deuda, todos los movimientos

sociales y no solamente por la vida política y económica de Ecuador sino también por lo

que representa para el día de hoy y para mucho tiempo más en plantear frente a otros

gobiernos en el Sur que ¿? hay alternativas, hay estrategias y que pueden tener un

impacto real. Dificultades son muchas: desde la dificultad de recursos hasta lo que

significa, digamos, intentar articular estrategias y acciones ¿?tras 50 países, diferentes

culturas y realidades políticas sobre la base de un ¿?. Obviamente una das grandes

realidades y dificultades del movimiento hoy en día es que no están en la agenda

política practica de ningún país del Sur en este momento. Nuevamente a través de

algunas de las iniciativas ¿? reducciones ¿? de deuda, cooptaciones, sin duda, de algunas

organizaciones y movimientos pero, digamos, políticas que llevaron a poner un pace de

un momento al cual se dejaba de pagar tanto en deuda externa y, todavía no se logra

visualizar pero, se paga tres veces más en deuda interna. ¿? La gran mayoría de las

organizaciones y movimientos tienen una base social importante trabajando contra

corriente. Muy pocos lugares en este momento se puede esperar una lucha política

importante sobre la deuda. Yo creo que otra realidad es que sin duda todos los

movimientos y organizaciones que forman parte de la red, en este sentido,

prácticamente sin excepción, tienen otra prioridad. ¿? Y yo solo quería decir que la

capacidad instalada de estos para trabajar en concreto la problemática de la deuda es

poco o nula. Otro avanzo es ter sido lograr un espacio de articulación que nos ¿? Un

momento más ¿?, digamos, una campaña Sur-Norte frente a la legitimidad de la deuda

pero, como tantos otros frentes de batalla as veces no se encuentra con esta dinámica

que en el Sur es la lucha pela sobrevivencia, lo que absorbe la mayor parte de energía ¿?

y las soluciones llegan con mucho más rapidez en Norte donde hay mayor capacidad

instalada para dedicarse, digamos, a eso. ¿? en el sentido de la propuesta ¿? definición

de las necesidades ¿? que trabajar. Esto es lo que tenemos a resolver. Esa es una

dinámica que as veces es muy desgastante también en el sentido que muchas veces

terminamos… seguimos luchando en cierto sentido en una misma batalla que es lograr

que la ¿? Sur pueda estar presente. ¿? Que se hoy, pero que por lo menos pueda estar

presente. Y que pueda haber una dinámica de trabajo y acción que permite que por lo

menos ¿?. Esto sigue siendo en desafío. Frente al clima: en la Asamblea Fundacional de

Page 223: Nas Tramas Da Cultura Financeira

223

Jubileu Sur planteamos, a partir de la delegación de Ecuador, el tema de la deuda

Ecológica y tuvimos mucha discusión ¿? Pocos temas en el cual tuvimos crucial

importancia fue ¿? Que tenemos haciendo, digamos, como a muchos gobiernos, a

construir una alianza de deudores, por ejemplo. La discusión fue como… Hacemos un

¿? para que construyan una alianza de deudores, de países deudores o de creedores. ¿?no

lo terminamos resolviendo con todos en asamblea… El otro tema fue una discusión que

claramente ¿?, digamos, fue un debate en cierto sentido sobre la noción de deuda en sí

donde fue más o menos claro en ¿? momento ¿? Planteamos frente a la deuda, que la

deuda en este contexto, en esta realidad, en muchas circunstancias son instrumentos de

dominación. Esto no quiere decir necesariamente que toda deuda es mal aunque, la

victoria de endeudamiento se hace muchos siglos, de plantear que exista una relación de

endeudamientos que plantea una relación de identidad y poder. Entonces es un tema en

el cual planteamos en el primer momento que no podemos resolver eso ahora, vamos

seguir discutiendo. Eso es un tema que, yo creo, está entre los más importantes, en

cierto sentido, en la discusión.

Diego – Y siempre estuvo?

Beverly – Si, siempre estuvo pero como ¿? Tenía la importancia que por ahí ¿? o hoy en

día. ¿? La discusión sobre Banco del Sur ¿?. Banco del Sur va a posicionarse como a

favor de la creación de un banco que, por definición, da a préstamos y va a crear deuda.

Mismo dentro de la red hay diferentes pensamientos ¿? Pero sigue siendo, tanto en

América Latina como al nivel ¿? de la red, un tema que no tiene una definición así ¿?.

¿? Discusiones siguen abierto sobre lo que significa por ejemplo la noción de

soberanía… financiamiento soberano. O sea: hasta qué punto no puede pensar un

camino ¿? Hay que pensar en termos ¿? Préstamos o régimen de préstamos o PIB-

préstamos, quien controla, quien controla para que, cual es ¿? términos. Esa es una

discusión que aún se sigue trabajando pero aún abierto. Volviendo al tema ecológico:

fue planteado, en el primer momento, en el sentido que reconocemos que el proceso de

acumulación de deuda financiera y pelos motivos pelo que entendemos que sea

ilegitima, esa deuda es porque el proceso de acumulación está creando deudas

ecológicas, deudas sociales, deudas de género, deudas políticas, deudas democráticas, o

sea: va creando estos otros problemas y una noción de que no solamente ¿? más una

deuda financiera que no debemos sino que tenemos ¿?creado la raíz como consecuencia

de este proceso de deudas ¿? Y esos ¿?en el cual todos necesitan, tienen derecho y tiene

que exigir reparación. Eso ¿?en el primer momento aunque no logramos hasta segundo

asamblea, 2005, como consolidar y empezar a trabajarlos más en términos

programáticos. Entonces se llegar ¿? En la red ¿? Diría que en primer lugar se llega a

tener más la discusión de clima, de este lugar que uno plantea que es la lucha contra la

deuda para nosotros es una parte de una lucha anti-sistémica en la construcción de otro

mundo, con base en otros principios y otras necesidades y otros derechos. Y que

ciertamente todo lo que tiene que ver con las condiciones de vida, que incluye el clima,

tiene que ver con la construcción de este otro mundo. El problema del clima, desde las

negociaciones, hace mucho tiempo, se plantea no solamente en estos términos sino

también en los términos que no ¿? financiamiento. Financiamiento para clima. Donde

Page 224: Nas Tramas Da Cultura Financeira

224

rápidamente muchos empezaron a ver, pero aquí, mucho do que se está planteando es

que nuestros¿? Países sin deuda nuevamente. Acumulamos más deudas ilegitimas para

financiar falsas soluciones que nuevamente buscan resolver los problemas de los países

del Norte, del centro del sistema capitalista y no los problemas de sobrevivencia ¿?. Y

ese mismo planteo que ha hecho en otro momento frente a la deuda financiera ¿?. La

deuda climática en cierto sentido y ¿? Lo que es un peligro, que entendemos, es real ¿?

O sea empieza a materializar, sin duda, un nuevo ciclo, una nueva ola de endeudamiento

efectivamente financiero ¿? Términos do que se ¿? A principio dos años 70 y en toda la

década 70 ¿? Un nuevo ciclo de endeudamiento para financiar respuestas, soluciones a

problemas que nosotros no tenemos. Problemas de otros. Problemas que no se van a

resolver con estas falsas soluciones. Entonces la ¿? abordaje en este momento de la

problemática del clima desde este lugar, o sea de otro mundo que… Por el cual

aspiramos, por el cual luchamos ¿? Una visión de sistema¿? Las causas del problema

del cambio climático hasta un ¿? Poder ¿ puntual de endeudamento financiero que se

permite se conectar con unas partes del movimiento que tiene por ahí una visión más

estrecha de una problemática o ¿? Acción más estrecha y que permite, digamos,

conectar con el discurso, el trabajo y las herramientas de capacitación e comprensión del

problema que ¿? Deuda financiera y buscar una comprensión de la problemática

climática en esta misma lógica. No está claro en este momento ¿? Para nuestra próxima

asamblea, hasta qué punto realmente se puede ser ¿? De trabajo ¿? Problemática que es

unificante y permite que la red de movimientos en su conjunto de un paso Cualificado,

así, adelante o no. O sea, en este momento, todavía, hay muchos que están empezando

animarse un poco a la idea otros lo vienen trabajando con mucha fuerza desde hace

mucho tiempo y cremos que ¿? Cierto sentido en la perspectiva que venía trabajando la

problemática de la deuda, o sea ¿? Una perspectiva de lucha anti-sistémica hacia la

creación y fortalecimiento, movilización, articulación popular, Sur y Global, hacia la

construcción de alternativas. Entonces: incorporar en esta visión, en esta perspectiva la

problemática de clima, hay más la visión de la deuda ecológica, que venimos

trabajando, es relativamente fácil. Con algunos sectores que componen también parte

del movimiento y que tienen efectivamente una base en la Iglesia, una vez se terminan

volviendo a la visión y a la noción de Jubileo, que es siempre un tema de fuerte debate

dentro de la red. ¿?. Pero hay que ¿? Siguen ¿? Y reivindicando efectivamente la noción

de Jubileo desde la noción bíblica, la noción de Jubileo judeo-cristiana. En cierto

sentido refleja y plantea, en cierto sentido, una visión sistémica del problema de

identidad y dominación que abarca, digamos, la tendencia de la guerra, que en este

momento, como hoy ¿? en el mundo es el medio de subsistencia. Los recursos, la

libertad física, o sea , la cárcel. ¿? Siglos los deudores siguen encarcelados, como, no

pueden pagar sus deudas, ¿? pagar Su pérdida , su libertad. Pero además, la visión de

Jubileo habla En cierto sentido y contiene la referencia a la necesidad de que la Terra ¿?

Se repiten ciclos de la naturaleza. La noción de que la Terra, a cada siete años, lo tiene

que dejar descansar, por ejemplo, es una parte integral de la visión de Jubileo en esta

tradición judeo-cristiana. Entonces digamos, la posibilidad, en cierto sentido, como

plantean ¿? De la integridad de la creación, la noción de altar como parte de esa visión

de una nueva sociedad, de nuevas reglas de convivencia, que parte de un

Page 225: Nas Tramas Da Cultura Financeira

225

reconocimiento, también ¿? Derecho de la naturaleza y yo creo que es una ¿?, que tiene

sus raíces históricas pero sin duda es un ¿? yo creo que importantísimo desde la visión

de clima. Y obviamente la visión también andina de ¿?, un tema que discutimos

bastante ¿? Algunos otros países de África y Asia, ¿? Un solo lenguaje pero la misma

visión del derecho de la naturaleza. Pero por lo menos aquí en América Latina y Caribe

hay un reconocimiento que es un enorme aporte y para nosotros tiene esa resonancia,

digamos que ¿? También en historia y de raíces comunes.

Page 226: Nas Tramas Da Cultura Financeira

226

Entrevista com Berverly Keene, Rio+20

Entrevista começa já com Beverly falando...

Está claro que cada uno por su cuenta no avanzamos. Hay mucha resisiténcia y la resisiténcia

debe fortalecerse, pero sin articulación, sin avanzar em um debate más a fondo, tenemos pocos

avances.

Cual es la importáncia de esta cumbre para la estratégia de Jubileo?

Pues... la secretaria regional de Jubileo Sur Americas está ahora aqui en Rio y tiene um trabajo

de coordinación regional de la red em America Latina y Caribe, pero también hace um

importante trabajo de formación de base de muchos anos. Y Jubileo Sur em Brasil em general

también, las organizaciones que ahí están también hacen mucho trabajo de base. Entre otras

cosas están los afectados por los megaeventos, la Copa, los Juegos Olímpicos, que están

impulsando uma campanha em este momento para decir que la deuda no se acabó. La deuda

interna de Brasil crece a um ritmo vertiginoso. La deuda interna viene consumiendo la deuda

externa, convertendo em deuda interna, y a su vez convertiendole cada vez más em deuda social

y deuda ecológica.

Este modelo de economia verde que ahora viene com toda fuerza y va buscando seguir

profundizando el processo de expoliacion de la naturaliza, de exclusion de los setores más

afectados por este modelo. Hemos visitado aqui las comunidade de pescadores em la Baía de

Gauanabara afectados por Petrobras. Cosas, digamos, insólitas que aprendemos aqui. (segue

detalhando o problema...). Este es um processo sobre el cual esta trabajando mucho Jubileo Sur

Brasil para que se visibilice lo que esta passando, los impactos, y fortalecer la lucha de essas

comunidades. Los desafios son muy grandes, hay asesinatos em Belo Monte, Rio Madeira, em

donde uno mira. Para Jubileo Sur aqui em Brasil neste Rio+20 es muy importante fortalecer las

luchas locales, y por organizamos los Toxic Tours (EXPLICAR) para visitar comunidades

afectadas y visualizar com mucha fuerza esos impactos.

Necesitamos avanzar em lo que son los planes de articulación de campanhas e iniciativas de

acción a nível continental y mundial em esse momento. Cosa que nos esta costando mucho a

todos. A todos los movimentos. Estamos vivendo um momento de fortalecimento de luchas

locales mucho importantes pero com um tremendo desafio de visualizar las articulaciones y de

fortalecer essas articulaciones para a partir de ellas luchar com más fuerza hacia el fondo del

problema.

Si estamos todos de acuerdo que el capitalismo es el problema, el capitalismo no puede ser la

solución. Debemos fortalecer nuestra capacidade de trabajar juntos. No es el campo o la ciudad,

el altiplano o la costa, son todos juntos. Y uma de las cosas que intentamos em esa cumbre es

justamente identificar cuales son las alternativas que estamos planteando desde los pueblos.

Para el trabajo de Jubileo, entre otras cosas, visibilizando accciones muy concretas como las

Auditorias: herramientas de transparência, de control sobre los recursos que son nuestros, los

recursos públicos, dar a entender los mecanismos de endeudamiento, poder visibilizar que los

Page 227: Nas Tramas Da Cultura Financeira

227

recursos que la sociedade genera se esta utilizando para profundizar este modelo. Ya ahí

debemos incorporar este aspecto a lo que son la luchas concretas por el agua, por el aire, por el

território y también por nuestros recursos financeiros.

Hasta que punto el tema ambiental há entrado em la agenda de Jubileo?

Tiene mucha fuerza em la agenda de Jubileo, tanto aqui em America Latina, como también em

Asia. De hecho desde nuestra creacion como red la cuestion de la deuda ecológica, la deuda

social y la deuda histórica tiene uma presencia muy grande. Desde entonces hemos trabajado la

noción de quienes son los acreedores (hemos creado la Red de pueblos del sur de acreedores de

la deuda ecológica em los primeiros anos de Jubileo Sur), de quien realmente debe a quien. La

deuda financeira es uma deuda, y es uma deuda ilegítima. Hay otras deudas: la deuda de género,

la deuda democrática, la deuda por los derechos humanos, la deuda ecológica. Eso há sido muy

presente desde ele primer momento. Para muchas de las organizaciones de la red em America

Latina y em Asia, las acciones e iniciativas frente a lo que es el colonialismo ambiental, estan

em el centro. La extracción, la mineria, las represas son um tema de vida y muerte todos los días

em muchos de nuestros países. Y la deuda viene junto com esse processo. La mina de oro entra

com un endeudamiento del Estado, la represa lo mismo. Los processos concretos facilitan la

visibilización del tema de la Deuda.

Los nuevos endeudamientos son uma herramienta central de la imposición de la economia

verde. Si uno remonta unos 40 anos atrás, cuando el Banco Mundial em certo sentido digamos,

reconstruye um discurso para avanzar um processo de endeudamiento em el Sur, frente a la

necesidad del capital de empezar a superar la fronteras nacionales y circular por el mundo a la

busqueda de ganancias. Hoy el mismo discurso se reconstruye a partir también de las mimas

instituciones: el Banco Mundial, la ONU, el BIRD... todo este discurso de economia verde, la

noción de capital natural, es parte de la construcción de um discurso que imponela necesidad de

profundizar el vinculo com el capitalismo como mecanismo que oferece las falsas soluciones.

Estamos vendo um nuevo ciclio de avence del capital y vemos que los processos de

endeudamiento tanto financeiro cuanto ecológico, social, democrático van junto a esse processo.

Encontrar acciones, iniciativas, capanhas concretas para fortalecer y articular com más fuerza

las luchas em cada país sigue siendo um tremendo desafio em esse momento.

Y cual es el plan de Jubileo Sur em nível global para después de la Rio+20?

Entre otras cosas vamos a seguir trabajando centralmente sobre las Auditorias de las Deudas,

como um mecanismo que se puede poner em marcha por ejemplo em Paraguay, sobre la represa

de Itaipu com Brasil y sobre la represa de Yaciretá com Argentina. Son cosas concretas sobre

als cuales los paraguayos han logrado grandes avances. Em Ecuador se há podido avanzar e uma

Auditoria y hoy los movimentos sociales utilizan el informe de la Auditoria para demandar

politicas publicas del Estado que lleven a um desarrollo sin deuda.

Page 228: Nas Tramas Da Cultura Financeira

228

Además hay que desarrollar las estratégias de reparaciones junto a las comunidades locales. O

sea, que estratégias y como fortalecemos las estratégias locales para que se construya um marco

de apoyo em nível nacional y regional para reforzar essas acciones. Eso es muy concreto por

ejemplo em el trabajo com Haiti, donde se puede ver em cinco segundo que es um pais que há

sido pelado, no que más que 5% de lo que era la cobertura florestal. Há sido um processo

histórico de espoliacion de este Pueblo y nos hay ningun plan de reforestacion de Haiti. Lo que

se hace em términos de cooperacion es solo enviar tropas. Como medidas concretas, del 28 de

julio hasta el 15 de octubre reforzaremos la campanha para retirada de las tropas de la

MINUSTAH y la creacion de uma politica real de cooperacion e integración com esse Pueblo.

El ingresso de essas politicas de dominación nunca comienza por lo financeiro, son processos

culturales. Esta misma nocion de economia verde, por ejemplo, la economia verde no es para

nosotros, es para el mercado. Es uma economia a servicio de las corporaciones, a servicio del

capital y no es eso que queremos.

Há sido posible uma reaproximacion com el campo politico que componía Jubileo em el inicio,

del Norte?

Hace um mês yo estuve em Londres, com los companheiros de Jubileo Inglaterra, donde em

certo sentido se inició com mas fuerza la campanha de Jubileo2000 em su momento. Es uno de

los lugares donde tuvimos los mayores conflitos y las mayores tensiones, pero em esse

momento los companheiros de Jubileio Inglaterra estan trabajando codo a codo com nosotros

sobre el caso de Argentina para investigar cuales son las deudas que el Club de Paris está

reclamando a la Argentina. Em Londres me entregaron todo um dossiêr sobre cuales son las

deudas que Inglaterra esta reclamando a la Argentina. Deudas que tienen que ver com la

ditadura y com compras de equipamento militar para fortalecer el regimen dictatorial. Y ellos

como parte de su campanha em Inglaterra em esse momento esta reclamando al gobierno inglés

que deje de cobras todas las deudas que fueron formadas com la venta de equipamentos

militares a gobiernos dictatoriales em cualquier parte del mundo y que anule los reclamos de

deuda como em el caso de Argentina.

A nível mundial, la inmensa mayoría de los movimentos em el Norte com los cuales

comenzamos a tener conflitos o tensiones em los comienzas de Jubileo, hoy la mayoría no tiene

la misma fuerza que tuvieron em el inicio, pero siguen trabajando. No existe algo como Jubileo

Norte, son capítulos nacionales aisilados. Em el Sur creo que tenemos por ahí la possibilidade

de uma vision mucho más clara de que desunido como siempre seremos vencidos. Eso costa

mucho más em el Norte. Em Norteamerica es muy difícil que mismo canadienses y americanos

se sienten juntos. Hay fuertes tensiones. A nível europeo, hay redes que existen, que trabajan

deuda y desarrollo. Existen, pero no com la misma fuerza. Ahora, además de visibilizar la

cuestion de la deuda del Sur, tienen el problema de la deuda de sus países y empiezam a querer

conocer la herramientas que utilizamos acá para demandar processos de Auditoria para hacer lo

mismo el los países de Norte, como Irlanda, Espanha y Grecia.

Hay que desmistificar el poder del sistema financeiro, cuales son sus modos de funcionamento.

Entonces estamos em um momento em el cual hay muchas dificultades para encontrarnos, para

juntarnos, por la ausência de recursos, pero, el próprio avance de la crisis de este sistema de

Page 229: Nas Tramas Da Cultura Financeira

229

dominación permite visibilizar com más fuerza los puntos que nos unem y la realidade de que

muchas de las politicas que em su momento los gobiernos aplicaron em el Sur son ahora las

mismas que se aplica em el Norte. Entonces, son los mismos grupos y movimentos sociales que

siempre rechazaron essas políticas em el Sur y que ahora lo hacen para sus países del Norte.

Pero tenemos um tremendo desafio de poder profundizar esos vínculos, aprender nosotros em el

Sur de lo que esta passando em el Norte, como entender todos los nuevos mecanismo de

endeudamiento que se estan creando y los nuevos mecanismos de venta de nuestros países y de

nuestras vidas, y por ahí avanzar com nuestras luchas.

Entrevista com Rosilene Wansetto, 2010

Diego – Rose,então assim. Eu tenho aqui umas perguntas...Na verdade tenho umas

anotações aqui e aí eu vou falando e a gente vai desenvolvendo mais ou menos, tá?

Queria que você primeiro começasse se apresentando, falando o que é que você faz no

Jubileu e que você contasse como você chegou aqui.

Rose – Bom, sou Rosilene Wansetto cheguei no Jubileu através do plebiscito e do

tribunal da dívida que aconteceu no ano 2000 e de toda campanha que foi puxada pela

CNBB nos anos 98, 99 e 2000. Eu trabalhava na Pastoral da Juventude na época e aí a

gente assumiu a III Semana Social Brasileira que tinha tema dívida e direitos sociais.

Então toda Igreja ficou com parte da Pastoral, acabei me envolvendo, foi daí que eu

conheci o Jubileu e a partir de 2001 eu comecei a atuar no Jubileu e na secretaria

Page 230: Nas Tramas Da Cultura Financeira

230

executiva, contribuindo na articulação da rede Jubileu aqui no Brasil. Então desde

agosto de 2001 que faço parte do Jubileu como militante e também trabalhando no dia-

a-dia. Na articulação, na coordenação da rede aqui no Brasil. E aí acompanhamos o

Jubileu Américas e o Jubileu Global na medida que as tarefas vão chegando. Desde

então trabalho no Jubileu e também militando em outras áreas que eu tenho interesse,

mas esse é o principal trabalho que eu desenvolvo nesse período.

Diego – Mas o Jubileu é uma rede, certo?

Rose – É uma rede. A gente tem várias organizações, movimentos e sindicatos que

compõem a rede Jubileu. No início era Campanha Jubileu mas desde 2004, 2005 a gente

passou a adotar esse nome rede porque é assim que a gente trabalha, em rede. Então nós

temos organizações brasileiras de várias áreas: Rede Brasil, (nome difícil de ouvir), o

Unafisco, hoje em dia o Unafisco não tá mais. Enfim, é uma rede que todo o tempo

entra e sai dos movimentos e organizações. Tem movimentos do campo como o MST, o

MABE, a Campesina. Organizações como por exemplo o (Isplá) do Ceará, que é mais

uma ONG. Enfim: configura-se com várias organizações de diversos campos, ou seja,

do campo da cidade... Mas que trabalham ou que tem preocupação com o tema do

financiamento, da questão da dívida, da dívida pública, do orçamento. E aí tem fóruns,

por exemplo: Fórum Brasil do Orçamento, que em alguns momentos tá com o Jubileu,

ajuda nas atividades, enfim... A gente trabalha muito nesse...

Diego – Fórum Brasil é uma outra rede?

Rose – É! Uma outra rede. Na verdade tem entidades: por exemplo a Rede Brasil é uma

rede que tem uma configuração própria mas que faz parte da Rede Jubileu. O Fórum

Brasileiro do Orçamento tem sua composição como se fosse uma rede também e que

contribui na articulação pontualmente do Jubileu. Tem organizações sindicais como o

Conlutas que compõe, que participa da rede. Mas tem também movimentos como o

Movimento Favela em São José dos Campos que é bem pontual, localizado, que

também compõe a rede.

Então a gente tem uma organização bem diversa de trabalho, de organização e que

trabalha na medida das demandas das suas atribuições que compõe o Jubileu. A gente

vai trabalhando e tentando atender às demandas mas também com esse foco central:

orçamento, dívida e financiamento. E nesse último período a gente tem trabalhado

focando também os impactos ambientais, sociais que esse modelo tem, ou que provoca,

na vida das pessoas, no cotidiano das pessoas e aí relacionando com os megaprojetos,

infraestrutura enfim, é um pouco esse foco...

Diego – Integração...

Rose – Integração! Esse é e foi um dos eixos centrais do Jubileu no seu nascimento.

Integração, livre-comércio, pensando alternativas. E o outro foco também que a gente

acompanha muito é a militarização. Eu diria que o Jubileu nasce nesses três eixos,

principalmente na questão do financiamento mas depois vai agregando esses debates

Page 231: Nas Tramas Da Cultura Financeira

231

que não tem como isolar ele. É um debate que tá muito ligado e interagindo com a

questão do financiamento. Quando se fala em comércio se está falando em modelos de

financiamento, em modelos de desenvolvimento que implica em políticas econômicas.

Então não tem como dissociar. E no caso da militarização a gente também tem uma

posição bem clara nesse sentido de que muito da política bélica tem a ver também com

o modelo econômico, com o modelo de desenvolvimento, enfim. Então tudo isso a

gente relaciona...

Diego – Indústria bélica, né?

Rose – Indústria bélica, exatamente. A gente tem um debate em relação à questão do

Haiti, de Honduras que tem a ver com esse modelo de financiamento, com modelo de

desenvolvimento, com a indústria bélica e que tá relacionado. A gente não pode isolar

esses debates e dizer que não tem a ver com nosso tema, né? E mesmo todo o trabalho

de solidariedade com os povos que a gente preza muito no Jubileu. E aí no caso do Haiti

a gente vem acompanhando todo o problema do endividamento do Estado haitiano,

agora Honduras com toda a problemática, enfim. A gente acaba se envolvendo nesse

trabalho todo.

Diego – E o Jubileu existe há quanto tempo?

Rose – Olha...Com esse nome eu diria que desde 2000. Com o nome “Jubileu”. Mas

esse debate sobre a dívida e o financiamento ele é muito anterior ao Jubileu

propriamente. O Jubileu nasce de um chamado do papa João Paulo II que segundo a

crença cristã, católica, a cada 50 anos o povo é chamado a cancelar todas as dívidas e no

final dos anos 80, anos 90, o problema do endividamento dos Estados, não só o Estado

brasileiro, mas outros países também, e principalmente dos países do hemisfério sul foi

muito grande. Então a Igreja no Brasil,não só a Igreja Católica como as igrejas cristãs

no Brasil se envolveram muito nesse debate a partir do chamado do papa.

Diego – Eu lembro que na época era até no nível mundial, era Jubileu 2000, né?

Rose – Exatamente. Na verdade foi um chamado das igrejas a partir do Papa porque

existe biblicamente falando, teologicamente falando, existe essa proposta de que a cada

50 anos se cancele todas as dívidas. Então com essa...no ano 2000, se chamou Jubileu.

O Jubileu é isso: o cancelamento das dívidas. Traduzindo teologicamente tem esse

significado: cancelamento de todas as dívidas. E isso é feito teologicamente a cada 50

anos.

Então a partir desse chamado teológico do Papa João Paulo II se iniciou no mundo todo,

não só no hemisfério Sul, mas pela situação principal do países do Sul, pela situação

econômica de alto endividamento se iniciou toda essa campanha Jubileu 2000. Então

assim: 98, 99 isso foi muito forte, no ano 2000, no caso brasileiro a gente teve tribunais,

simpósios pra trabalhar esse tema. No ano 2000 no Brasil a gente fez plebiscito da

dívida. Dívida e FMI, então trabalhou esses dois aspectos. No mundo todo teve ações,

debates, eventos pra discutir o problema da dívida. Então o Jubileu nasce nesse período.

Page 232: Nas Tramas Da Cultura Financeira

232

No Brasil a gente fala que nós temos 11 anos. Mas tem outros países que tem 10. Em

nível global a gente trabalha com a idade de 10 anos. Mas no Brasil a gente começou

antes então nós celebramos 11 anos no ano passado, que foi o início do Jubileu aqui no

Brasil.

Diego – Mas era campanha do quê?

Rose – Era a campanha “Jubileu 2000”.

Diego – Ah, a preparatória...

Rose – É...Preparatório, enfim. Já tinha uma secretária, já tinha toda uma estrutura. E

concentrava toda essa articulação na CNBB. Nas pastorais sociais da CNBB. É difícil a

gente delimitar a idade que nasceu! É um pouco 11 anos, América e Global, 10 anos,

mas é nesse período que a gente se configura.

Diego – Mas quando você falou pra mim que tinham jornais dos anos 80 e tal. Eram

arquivos de que organização?

Rose – Então: vários movimentos muito antes do Jubileu se chamar Jubileu, se

configurar, já havia várias organizações no Brasil que debatiam o tema do

endividamento público. E tem por exemplo documentos da Via Campesina, hoje Via

Campesina, na época era MST, que eram um conjunto de organizações do campo que

trabalhavam essa temática. E aí o CORECOM que é a, Confederação Nacional dos

Economistas, acompanhava muito esse tema e hoje é parte do Jubileu. A Unafisco... O

MST tinha um grupo de economistas que debatiam esse tema. Então desde os anos 80,

anos 90 tem alguns documentos. Mas não é nada com esse nome, não é com o nome

Jubileu. Eram grupos, pessoas, que produziam documentos, análises e não só no Brasil.

No continente, aqui nas Américas, tinham grupos que faziam esse debate: na Argentina,

Equador, México. São documentos que na verdade não fazem parte da história do

Jubileu mas do tema em si que compõe. Acho que é interessante até olhar essa evolução

do problema e como ele entra e sai de cena. Essa é uma das coisas que a gente fala

muito no Jubileu: que o tema do financiamento, do modelo de financiamento ele entra e

sai do debate conforme os interesses que estão na mesa, na agenda. E aí nos anos 80, 90,

o debate financeiro global, o endividamento dos Estados foi muito forte e até os anos

2000, 2001, 2002 e depois isso vai saindo de cena. E agora com a crise, a última crise,

2008, 2009, volta em alguns Estados e aí com mais força o tema do financiamento. É o

novo ciclo do endividamento. Pois nos anos 80 e 90 foi um ciclo fortíssimo de

endividamento dos Estados.Tanto que se a gente olha por exemplo no caso do Equador

que fez a auditoria da dívida agora há pouco tempo percebe-se que esse período foi um

período de alto endividamento dos Estados. No Brasil, com a CPI da dívida a gente

comprova novamente: esse período foi um período emblemático. Argentina é o mesmo

modelo, Haiti é o mesmo modelo...Foi um período de grandes empréstimos ao Fundo

Monetário, ao Banco Mundial. E no Brasil a gente vê esse modelo se repetindo.Agora

com a crise nesses últimos três anos, dois anos, inicia-se um novo ciclo de

endividamento, diferenciado. Para que os países não parem de crescer você refinancia a

Page 233: Nas Tramas Da Cultura Financeira

233

dívida e aí passa a ter um novo ciclo de endividamento, diferenciado do que foi nos

anos 80 e 90 com FMI, com Banco Mundial e outros. É um novo tipo de

endividamento, aí é uma dívida interna! Tanto é que a dívida interna brasileira bate

acima de 1 trilhão de reais. Então é um novo modelo de financiamento.

Diego – A dívida interna é a dívida que os Estados tem com a União?

Rose – Os Estados e empresas.E não só...E do Estado brasileiro mesmo, Federal, que

pede esses empréstimos. O Estado brasileiro é avalista e na medida que essas empresas,

que esses municípios não pagam seus empréstimos isso se torna dívida interna. Por

exemplo: o Estado de São Paulo acabou de anunciar uma solicitação de financiamento

pro metrô que quem é o avalista? É o Estado, a Federação. Na medida que o Estado de

São Paulo não consegue pagar sua dívida ele passa a ter dívida interna. Então é um novo

modelo de refinanciamento das dívidas e agora com a CPI da dívida a gente percebeu

que tem dívidas ilegais, principalmente as que foram feitas no final dos anos 70, período

da ditadura, que não tem contrato, que não tem nenhuma legislação, que legaliza a

forma de cobrança de juros...Se a gente for olhar o problema do endividamento dos

Estados, principalmente esses que sofreram ditaduras, você percebe um período de

dívidas ilegais. Ou dívidas odiosas como alguns gostam de chamar. A gente fala

(palavra de difícil compreensão) dívidas ilegítimas, que você não sabe pra que foram

usadas.

Diego – Mas no Brasil, quem é que decide sobre isso? É o Ministério da Fazenda, o

Banco Central, o Executivo...

Rose – Dos contratos atuais ou dos antigos?

Diego – Não sei, me explica...

Rose – Os atuais são feitos e o Congresso Nacional precisa aprovar os empréstimos que

serão feitos, seja por Estado, municípios ou pelo próprio Brasil. A partir da Constituição

de 88 isso tá um pouco mais organizado digamos assim. Passa pelo Ministério da

Fazenda, Banco Central e Congresso. Tem a comissão de Relações Exteriores do

Senado que avalia esses contratos. Inclusive os contratos de empresas, grandes

contratos, que precisam do aval do Estado, passam por essa comissão de Relações

Exteriores do Senado que analisa esses contratos ou deveria analisar esses contratos. Os

contratos que foram feitos no período da ditadura e antes de 88 nem passavam pelo

Congresso. E segundo alguns contratos que nós tivemos acesso através da CPI, o fórum

que rege esses contratos não é o Brasil. É Nova Iorque. E isso é ilegal! A moeda a qual

o Brasil tem que pagar essas dívidas é dólar. E não em moeda nacional: isso fere a

Constituição também. Então tem vários aspectos que se analisa quando se analisa os

contratos... A maioria desses contratos do período dos anos 70, período da ditadura por

exemplo, não tem cópia desses contratos no Brasil. Nem no Ministério da Fazenda, nem

no Banco Central, em nenhum lugar. Ou se existe não foram fornecidos pela CPI. Que

solicitou e tinha toda a legitimidade de solicitar.

Page 234: Nas Tramas Da Cultura Financeira

234

Diego – Qual foi o pedido da CPI?

Rose – A CPI começou em...ela foi aprovada em dezembro de 2008, ela entrou em

funcionamento em agosto de 2009 e encerrou agora em agosto de 2010. Convocou

vários Ministros da Fazenda, do período Fernando Henrique, do período Lula,

economistas de vários campos pra discutir essa questão do financiamento e como é que

foi feito todo esse problema da dívida. Onde está o problema da dívida no Brasil, né? E

aí o que é que é feito com os recursos, por exemplo que vem...Há alguns recursos por

exemplo que vieram pro Estado de São Paulo pra higienização do centro da cidade, são

recursos que vem do BID por exemplo...E recursos também do Estado, do BNDES. A

gente questiona o modelo de financiamento que na verdade não favorece as políticas

sociais: educação, saúde. E mesmo a aplicação desses recursos, né. A gente tem alguns

mapas aqui que você vai poder acompanhar a evolução da dívida nos últimos anos e

também os gastos com políticas sociais como saneamento. Por exemplo: em 2009 não

chegou nem a 1% a aplicação de recursos em saneamento básico e moradia. Então tem

algumas situações bem emblemáticas que a gente questiona. Enquanto que pra dívida

vai 37, 38%. Teve períodos que metade do orçamento federal ia pro pagamento de juros

e amortizações da dívida. Então é uma contradição pro Estado brasileiro: fala se tanto

em política social e enfim enquanto você tem um alto endividamento. E mesmo hoje

quando se fala que o Estado brasileiro não tem mais dívida, isso é uma falácia, uma

inverdade.

Diego – Mas quais são entre aspas os alvos do Jubileu? Por exemplo: No Brasil tem o

BNDES. Tem...sei lá quem mais financia...O FMI, o BID, o Banco Mundial, não sei...

Rose – No Brasil, através da Rede Brasil, porque isso também é importante colocar, o

Jubileu através das entidades que o compõem distribui seus acompanhamentos, seu

monitoramento. No que se refere às instituições financeiras, que aí é um dos focos:

BNDES, Banco Mundial, BID, enfim, é feito via Rede Brasil. Então monitora,

acompanha. E na medida em que vão saindo novos empréstimos, enfim, faz todo esse

monitoramento. No que se refere ao orçamento: aí nós temos as organizações que

acompanham essa linha de trabalho.

Então na verdade a gente acaba acompanhando mas a partir das organizações e seus

específicos. O Far(20’12’’) que tá acompanhando mais essa questão da política social

do Cone Sul e aí ajuda também no debate das Américas, no Jubileu América. Então é

muito dinâmico, não tem uma estrutura muito... na medida das demandas a gente vai

organizando o trabalho do Jubileu. Claro: nosso foco são as instituições, é o Estado

brasileiro, acompanhamento do orçamento e a aplicação do orçamento brasileiro.E aí

várias organizações se colocam e acompanham: monitorando, preparando documentos e

informes, declarações, frente às políticas tanto do Brasil e, no caso, das instituições.

Diego – Você falou dessa coisa da CPI, né? Existe alguma frente parlamentar, não sei.

Vocês têm aliados no parlamento? Políticos que conversam mais com o Jubileu e

podem fazer uma ponte assim, pra essa...

Page 235: Nas Tramas Da Cultura Financeira

235

Rose – Então: nesse último período, nessa última legislatura nós tivemos algumas

debilidades no Congresso. É um tema bem complicado se a gente for avaliar. Poucos

querem falar sobre política econômica porque tem nós bem cegos. Nós tivemos dois ou

três parlamentares aliados no período. Em outros períodos, eu diria no período FHC que

nós tivemos mais aliados, foi mais fácil de trabalhar no Congresso mas nesse último

período a gente teve menos.

Então tinha um deputado de Pernambuco, o Ivan Valente aqui de São Paulo... Na

legislatura anterior à essa nós tínhamos a doutora Clair do Paraná, tivemos a

Suenáfik(22’25’’) de Santa Catarina. Isso é influência ,e a gente não tem como não

dizer isso, do governo atual, do governo Lula. Que por um lado desenvolveu políticas

muito interessantes mas quando a gente olha, muitos parlamentares não queriam se

envolver muito nesse debate, pela conjuntura e tudo o mais.

Diego – É um debate mais fácil de fazer quando você tá na oposição...

Rose – Na oposição, exatamente! Que foi o que aconteceu: no período Fernando

Henrique a gente teve muito mais apoios no Congresso de deputados e senadores. Foi

mais fácil de fazer o debate. Nessas últimas duas legislaturas acho que foi mais

complicado. Com Adão Preto a gente tinha um aliado também, perdemos ele. Mas eram

poucos. Essa foi uma das grandes dificuldades inclusive em relação à CPI. Porque a

gente tinha poucos aliados, houve boicote da base aliada do governo para a CPI...Que na

verdade a CPI abria todos os contratos, essa era a ideia né? Abrir os contratos de

endividamento, não só desses últimos anos mas desde 74. Então é um período bastante

longo. O interesse nosso não era bater no governo mas investigar. Tá na constituição a

garantia de auditoria e no caso a CPI em nenhum momento pautou moratória ou

suspensão dos pagamentos ou qualquer coisa desse gênero. A proposta da CPI era

investigar, ver onde tá os nós e até onde a gente conseguia analisar, era contribuir pra

que a gente tivesse mais recursos públicos disponíveis para políticas de educação,

saúde, saneamento, moradia... Porque na medida que a gente conseguisse...A ideia, a

proposta e o objetivo da CPI era chegar a uma auditoria como o Equador fez: que

conseguiu renegociar a dívida de forma legítima com as instituições financeiras e tendo

condições de investimento nas políticas sociais. Então com a CPI a ideia era um pouco

essa. A proposta era essa. Quem encabeçou a CPI foi o Ivan Valente, foi o que propôs a

CPI. E foi um ano bastante duro de agosto de 2009 até agosto de 2010 nesse processo

de investigação e análise dos contratos. O Brasil tem muito documento, muitos

contratos de dívida desde 70 e poucos. Enfim, mas foi bem difícil porque a gente tinha

na verdade dois aliados no parlamento, dois deputados. Isso então foi bem complicado.

E uma bancada dos bancos e a bancada... Nós tínhamos três bancadas: a da base aliada

do governo, que não comparecia às sessões; tinha os deputados psdbistas, o DEM, que

iam pra defender e boicotar qualquer toda e qualquer convocação que se propusesse

convocar os ministros da Fazenda do período FHC e tínhamos a bancada dos bancos

mesmo que tinha um grupo que ia acompanhar todas as sessões e apresentar o parecer, e

eu achei muito interessante isso. Eles apresentaram um parecer sobre toda análise que

Page 236: Nas Tramas Da Cultura Financeira

236

era feita na CPI, naquele ano. As sessões eram toda quarta e eles tinham um boletim que

distribuíam tanto pra bancada Psdbista, da direita, como também...

Diego – Mas eram o quê? Técnicos?

Rose – Técnicos dos bancos. Que tinham interesse na CPI pra ver para onde ia , pra que

rumo a CPI seguia. Eles não tinham interesse na fala, não se pronunciavam, só

acompanhavam.

Diego – E esse boletim que eles faziam. Você tem?

Rose – Não. A gente na verdade conseguia acompanhar por rabo-de-olho e a gente

percebia toda a... e era impressionante a articulação deles dentro da CPI era muito forte.

Quando se colocou nas sessões de convocar o Pedro Malan, eles se agitavam e já faziam

toda a articulação interna e por telefone e vinha parlamentares do DEM e do PSDB pra

CPI. Não estavam ali naquele momento mas na medida em que entrava na pauta a

convocação de algum ex-ministro ou enfim, algum economista crítico tanto aliado da

direita como a convocação de algumas figuras emblemáticas que poderiam desnudar

toda essa situação, se articulava pra impedir que fosse aprovado. Então foi um período

bem complicado mesmo. Tinham 3 bancadas contra dois deputados. Mas foi uma

realidade bem interessante também de a gente conviver com esse espaço de

monitoramento, de acompanhamento, de incidência no Congresso. E agora a gente

segue com o acompanhamento porque todo o material da CPI foi entregue pro

Ministério Público. Então tem questões bem emblemáticas que o Ministério Público se

for seguir seu papel vai ter que investigar.

Já houve uma primeira indicação do Ministério Público de ajuste no orçamento federal,

no orçamento da União em relação à constituição, no que se refere à... Na verdade tem

uma parte do orçamento que vai pra pagamento de dívida...hoje. E está infringindo a

Constituição, que não pode. Que é a parte de recolhimentos previdenciários e enfim...

Então o Ministério Público já pediu essa separação. E pelo que a gente soube pegando o

documento oficial ??? não vai fazer esse ajuste, vai seguir o modelo que está sendo

feito. Eu não sei ainda, são coisas que a gente vai ter que acompanhar que resultado vai

ter.

Eu acho que foi um ganho muito grande pro Jubileu a CPI.

Diego – Mas aí o que aconteceu? A CPI...

Rose – Agora vai toda essa documentação pro Ministério Público. Porque o relatório do

relator da CPI foi muito ruim. Ele faz algumas recomendações mas que não surte

nenhum efeito. O que é que a gente teve? A gente teve um voto separado do deputado

Ivan Valente que aí faz recomendações bem mais contundentes e esse relatório junto

com um... Tanto o voto separado quanto o relatório do Pedro Novaes, que é o deputado

responsável pela relatoria da CPI, foi entregue ao Ministério Público junto com o

documento do Jubileu da auditoria da dívida pedindo providências. Então a gente sabe

que já há alguns procuradores analisando a documentação, uma das recomendações já

Page 237: Nas Tramas Da Cultura Financeira

237

foi essa: de ajustar o orçamento já pro próximo ano. Mas existem outros problemas que

têm que ser investigados: forma de calcular juros e amortização da dívida, que precisa

ser revista; a forma de fazer a conta e apresentar, porque hoje é colocado tudo num

único bolo pra fazer esses cálculos. E aí uma das coisas que a CPI verificou e que não

pode, segundo a nossa Constituição, é juros sobre juros, calcular juros sobre juros. Essa

é uma das coisas que já o Ministério Público vai ter que exigir que o governo refaça o

seu cálculo e essa é uma das coisas que a gente vai acompanhar com muita atenção

porque se fizer, recalcular, todo esse período, a nossa dívida interna e externa que tá em

1,6 cairia drasticamente. Porque aí você retira todo esse período de cálculo de juros

sobre juros e talvez cairia pela metade esse cálculo de dívida.

Diego – 1,6 o quê?

Rose – Trilhões. Somando interna e externa.

Diego – De reais?

Rose – De reais. Tem vários elementos que a gente vai ficar acompanhando. Inclusive

vamos marcar uma conversa com o Ministério Público pra que agilize essas

recomendações que foram feitas pelo relator de forma muito superficial mas muito

contundente pelo ???do deputado Ivan Valente. Porque os dois relatórios são oficiais. E

tem várias outras questões que a gente tá acompanhando e vendo... porque quem deve

nesse momento tomar providências é o Ministério Público. Porque no caso do governo

brasileiro, as recomendações como a CPI, deu recomendações muito...

Diego – Light...

Rose – Light! Então a nossa esperança é que o Ministério Público possa investigar e...

Diego – É difícil essa parte de incidência, né?

Rose – Na verdade o Jubileu nunca teve isso como muito forte. Acho que nesse último

período é que foi mais, com a CPI, mais forte, no período da campanha contra a ALCA

a gente foi mais forte também nessa questão dos incidentes. Mas é um campo que a

gente tem muita dificuldade até pela forma como o parlamento se organiza, pela questão

do Banco Central, enfim, Ministério da Fazenda. É um campo bem delicado e

complicado e é muito técnico então a nossa preocupação enquanto rede é muito mais de

criar documentos, informes e desnudar toda essa política técnica, política econômica

que é muito técnica pra um linguagem mais popular pra que as pessoas possam tomar

contato com essa temática. Nossa preocupação é muito mais essa do que propriamente

ficar acompanhando toda essa... Por isso que a Rede Brasil faz um pouco esse papel...

Diego – Eles sim tem esse foco né?

Rose – Eles tem esse foco: então eles fazem essa análise, fornecem documentos e o

Jubileu a partir da sua contribuição então prepara documentos pra desnudar essa...

Assim como a equipe que a gente tem, a gente chama de auditoria da dívida,

Page 238: Nas Tramas Da Cultura Financeira

238

Auditoria Cidadã da Dívida, que faz esse acompanhamento e tenta a cada início

de ano fazer uma análise sobre toda a aplicação do recurso do Estado brasileiro e

fornecer análises pra gente poder denunciar, enfim...criar documentos.

Então são dois campos técnicos que atuam e traduzem esses documentos porque se você

entra no Ministério da Fazenda, nessa parte de transparência que eles falam, são

planilhas e mais planilhas que um leigo não vai...não tem condição, né! Então nossa

equipe da auditoria da dívida faz um pouco isso: pega essas planilhas técnicas, esses

gráficos, e traduz pra uma linguagem que a gente pode fazer documentos e

posicionamentos, declarações disso.

Diego – Qual que é a estrutura de organização do Jubileu?

Rose – Nós temos uma assembleia anual que debate as linhas e os eixos centrais de

trabalho.Tem uma coordenação executiva.

Diego – Quando é a próxima?

Rose – A próxima assembleia vai ser em março do ano que vem. Era pra ser dezembro

mas a gente ??? Procop, outras atividades, não vai dar pra ser em dezembro.Vai ser em

março. A gente sempre procura fazer em regiões onde a gente tem um trabalho mais

focalizado. A última foi em Salvador, até porque a gente privilegiou o debate com as

marisqueiras, com os pescadores, tinha toda a questão do São Francisco, da

transposição, que tava muito forte, foi em 2008. A próxima provavelmente vai ser em

Fortaleza e aí a reunião executiva depende muito da necessidade e da demanda. Mas a

ideia é sempre a cada dois meses, três meses ter essa reunião executiva. A última que a

gente teve foi agora em final de agosto, a executiva nacional, Jubileu Brasil: foi agora

24 e 25 de agosto.

Diego – E quem que é a executiva nacional?

Rose – Nós temos em torno de 10, 11 organizações que compõem essa...

Diego – São eleitas na assembleia, né?

Rose – São indicadas pela assembleia. E hoje é Cáritas, pastorais sociais, Pacs,

Conlutas, a equipe da Auditoria Cidadã da Dívida, o Isplá...

Diego – Rede Brasil...

Rose – Rede Brasil! Tem o Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social que na

verdade não foi indicado na assembleia mas a gente incorporou pela demanda do tema.

Pra nós é importante agregar esse debate, não só na executiva, mas começar a comentar

esse debate, então a gente convidou. Em torno disso...Eu posso confirmar todas as

organizações mas é muito flexível também, a gente não fica com uma agenda tão pesada

na executiva e também não há essa exigência, e esse é um dos problemas e uma das

debilidades do Jubileu: até agora não tinha uma exigência de presença efetiva nessa

Page 239: Nas Tramas Da Cultura Financeira

239

executiva. Então esse era um dos problemas que agora a partir desse final de ano, início

do próximo a gente tá...

Diego - ??? o ponto negativo.

Rose – É! Quase isso mas, tá formalizando um pouco mais porque a rede sempre foi

muito informal. Tanto a adesão: não há uma adesão formal à rede. Essa coisa da

executiva é muito flexível.A gente á montando um documento de petença, a gente tá

chamando assim a Rede. Tem um documento de adesão a rede que dá um pouco mais

de compromisso, enfim, à Rede Jubileu. Nesses últimos 10 anos, nem Jubileu Brasil

nem Jubileu Américas e Global têm esse documento. Então há uns 3 anos a gente vêm

fazendo esse debate...

Diego – E como uma pessoa se identifica como Jubileu?

Rose- A ideia é que tanto pessoas militantes possam fazer parte do corpo de voluntários,

militantes... E a gente vai ter algumas, por exemplo: Rose, você vai dar sua contribuição

pro Jubileu em que área e qual a sua...? A partir de cada um a gente vai tentando

estabelecer a contribuição pra rede. No caso das organizações então , dependendo da

área, como a gente tem hoje algumas organizações que tem seu específico e contribui no

Jubileu a partir desse específico, também vai ser um pouco dessa forma. Pra que a gente

tenha um mapa mais claro das contribuições de cada um, seja individualmente como

pessoa, como militante, ou como organização. Que hoje a gente tem esse desenho, mas

muito mais da informalidade e tenta dar um pouco essa formalidade, esse compromisso.

Diego – Você tava me falando um pouco dessa coisa da composição da executiva. E aí

eu tava pensando que no começo você me contou um pouco como era a origem do

Jubileu, do chamado do João Paulo, do cancelamento das dívidas a cada 50 anos e tudo

o mais. Então assim: tem uma relação explícita com a Igreja Católica, né? Assim, pelo

menos na origem... Então, isso que eu ia te perguntar porque quando você me falou da

executiva eu falei: bom, tem aí algumas organizações que tem uma vinculação, a

Cáritas, né? E outras que não. Como que é o convívio, como que é essa relação?

Rose – É muito tranquilo. Na verdade o nome “Jubileu” nasce desse momento histórico

que a gente já descreveu. Mas hoje ele é muito mais laico. Ele não tem essa ligação tão

direta com a Igreja e a Igreja não tem essa influência como teve no seu princípio. Então

cada organização que vai leva sua contribuição. No caso, pastorais sociais também

fazem parte da executiva. Leva sua contribuição a partir do seu específico que tá

discutindo. Mas não significa que predominantemente é uma visão teológica, pastoral,

eclesial, que predomina no Jubileu. É muito mais hoje um nome do que propriamente

essa visão...Claro que existe várias pessoas e até mesmo organizações que têm essa

visão teológica, pastoral, por exemplo a Cáritas, as pastorais sociais, mas nós temos

organizações como o Pacs, Rede Brasil, Isplá e Conlutas, que tem uma visão totalmente

diferente, mais do mundo secular, do laical. Então a gente tenta sempre, e essa é uma

das coisas que a gente se preocupa bastante na rede, que uma visão não se sobreponha a

Page 240: Nas Tramas Da Cultura Financeira

240

outra ou que um posicionamento não se sobreponha, ou se imponha, a outro. Todo o

debate é construído coletivamente.

Diego – E a CNBB não tem nada a ver?

Rose – A CNBB, como organização, não participa. Participam órgãos ligados ao

CNBB, como as pastorais, Cáritas, o IBRADS, que é um organismo de análise da

CNBB. Então participa como organização, não como CNBB. Então a CNBB participou

sim no início mas quem compõe hoje, que continua fazendo essa ligação, é mais as três

organizações: Cáritas, pastorais sociais e IBRADS, que vão como organização e não

como CNBB até porque a estrutura do CNBB hoje, sua concepção, enfim, teve muitas

mudanças políticas na estrutura, que...esse é um diálogo bastante complexo.

Diego – É outra CNBB hoje?

Rose – É outra CNBB. Dez anos se passaram, a composição da CNBB ficou muito

diferente.

Diego – E essa mescla ela se repete em outros países?Como é que é, pelo que você já

viu?

Rose – Na verdade, não. A forma como o Jubileu Sul se organiza no Brasil é muito

distinta de outros países. Por exemplo: o Jubileu em alguns países é uma rede ou uma

organização, ou duas organizações.

Diego – É mais como uma ONG assim...

Rose – É. Muito mais como uma ONG do que propriamente como uma rede que é no

caso do Brasil. Por exemplo, no Equador, são organizações que só trabalham esse tema

de dívida; na Nicarágua é um movimento popular que se identifica com o tema, assume

a agenda do Jubileu mas não assume o nome como tal. Então depende muito da

composição e do país. A Argentina tem uma composição semelhante à nossa, com

algumas organizações. Paraguai tá começando mas hoje é um bloco popular, enfim,

então é uma organização, uma entidade, um movimento.

Diego – E em quais países o Jubileu é mais forte? No mundo...

Rose – No mundo? Aqui na América Latina, né. Argentina, Paraguai, Brasil, Equador,

Nicarágua, Cuba, Haiti, Honduras, Colômbia. São em torno de 12, 13 países aqui na

América Latina. Depois nós temos África, Ásia também. Eu não saberia te dizer na Ásia

e na África quais países são mais fortes. O Pablo teria essa noção.

Diego – Qual Pablo?

Rose – O Pablo Herreros.

Diego – Não conheço ele.

Rose – Ele é da secretaria da coordenação continental, Jubileu América.

Page 241: Nas Tramas Da Cultura Financeira

241

Diego – Com a Beverly?

Rose – Não. Agora é a Sandra que é a responsável, ele tá no Rio. Porque a secretária do

Jubileu América a partir de agora, de julho, tá no Rio de Janeiro.

Diego – Mesmo a Beverly sendo a coordenadora?

Rose – A Beverly é global agora.

Diego – Ah é? Achei que fosse América!

Rose – Não. Teve uma mudança agora em 2008, a Beverly passou à coordenação global

da rede, Sandra assumiu a coordenação América do Jubileu e agora recentemente, tem

dois meses, que a secretária mudou pro Rio de Janeiro, a Jubileu Américas, né. Então, o

que ficou na Argentina com a Beverly foi a secretaria global. E o que veio pro Rio de

Janeiro foi a secretária Américas. E o Pablo que tava na secretaria do Jubileu Américas

veio pro Brasil, então tá no Rio de Janeiro, na secretaria, junto com a Sandra que é a

responsável pelo global.

Diego – E o Jubileu é Sul mesmo?

Rose – Sul. E aí tem claro sua interlocução, seu diálogo com organizações fazem o

mesmo no debate sul/norte. Então tem campanhas contra a dívida na Europa, mesmo

aqui na...

Diego – Aquele KBTM...

Rose – KBTM, Latinidad, Jubileu... tem o Jubileu 2000, o Jubileu vários nomes, na

Europa, Espanha, Itália. Como foi um chamado global na época o Jubileu 2000 não se

restringiu tanto.

Diego – Mas não é a mesma coisa?

Rose – Não é exatamente a mesma coisa. O eixo propulsor do Jubileu é o mesmo mas

por exemplo na Alemanha, na Europa como um todo o debate que se faz em alguns

aspectos tá muito próximo ao Jubileu Sul. O Jubileu Sul como ele tá configurado hoje.

Mas em outros tem uma ponte de diálogo pra se tentar chegar a alguns acordos

políticos. E aí pra isso a gente tem a campanha Sul/Norte contra a dívida. E aí na

semana de 7 a 17 de outubro a gente realiza a semana de ação contra a dívida que é um

espaço de diálogo entre o sul e o norte. Então todo mundo entra: Latinidad, KBTM,

Jubileu da Espanha, Jubileu Itália, Jubileu Alemanha, todo mundo entra, dá a sua

contribuição.

Diego – Na França tem?

Rose – França...Eu acho que não, não tenho certeza. Pode ser que tenha alguma

organização que faz esse debate mas não se identifica com o Jubileu. Por exemplo: tem

dois grupos, um em Madri e o outro em Barcelona que se identificam como

Page 242: Nas Tramas Da Cultura Financeira

242

coordenação, um grupo coordenador contra a dívida ou sobre a dívida, enfim. Mas aí

não tem esse debate nosso do Jubileu Sul que é mais crítico.

Diego – Claro! Por que parte de outra realidade também, né?

Rose – Parte de outra realidade...

Diego – E tem alguma conexão nos Estados Unidos?

Rose – Tem, tem grupos nos EUA , organizações que também fazem esse diálogo e a

gente faz essa interlocução. Tem momentos, por exemplo agora tá se pensando pra

Cancun o tribunal dos povos credores, aí no caso mais relacionado às mudanças

climáticas e aí não é o Jubileu que puxa, é um coletivo de organizações com

posicionamentos diversos mas que tem uma unidade no debate sobre essa questão: o

que é criar uma unidade no debate sobre mudança climática e financiamento?

Diego – Explica um pouco como que é isso aí. Porque essa meio uma nova fase do

Jubileu...

Rose – É um tema que a gente ainda tá elaborando. Não tem um posicionamento já

definido em relação à questão “financiamento e clima”. Porque hoje a gente vê vários

programas de financiamento para mudanças climáticas ou em vista de mudanças

climáticas.

Diego – E essa coisa de adaptação...

Rose – Adaptação. Enfim, mercado de carbono, vários aspectos. O Jubileu tá fazendo

esse debate mas não tem um posicionamento definido. Todo esse material que eu te

passei sobre debate de dívidas tenta formular alguns aspectos em relação à isso. Mas a

proposta é que nós vamos ter um seminário agora em outubro de 5 a 7 de outubro em

parceria com a (49’13’’???) e Rede Brasil pra debater esse tema.

Diego – Aqui?

Rose – Aqui em São Paulo. Depois em Cancún durante a COP a gente vai ter outros

momentos de debate sobre isso. Mas a ideia é que no ano que vem, em janeiro,

fevereiro, próxima ao Fórum Social Mundial a gente possa tirar um posicionamento

mais claro sobre qual é o posicionamento do Jubileu em relação à essa questão do

financiamento para o clima. Mas a gente já percebe uns nós, alguns gargalos nesse

modelo de financiamento. No caso brasileiro já teve anúncio do Estado falando de que...

troca de dívida,né? Troca de dívida financeira por migitações climáticas, enfim... E a

gente vê isso com certa preocupação mas a gente tá estudando pra poder ter algum

posicionamento mais claro e poder ter argumentos suficientes pra contestar.

Provavelmente agora pra semana a gente só tenha alguns pronunciamentos sobre isso , a

gente tá construindo algumas declarações, documentos. Depois posso te passar pra você

ter um pouco mais uma análise sobre o que é que a gente tá pensando. Mas é um debate

novo e realmente a gente não tem acúmulo e aí começamos a formular algumas coisas

Page 243: Nas Tramas Da Cultura Financeira

243

na COP XV em Copenhague mas ainda é muito incipiente. Ainda são posicionamentos

muito a partir de algumas organizações que compõem o Jubileu Global...

Diego – Que são mais ligadas ao tema...

Rose – Isso. E esse material a gente faz um pouco a análise a partir do esgotamento dos

espaços da COP XV que não chegou a acordo nenhum. Então as debilidades desse

espaço também,pra discutir de forma mais séria o programa das mudanças climáticas.

Então traz um pouco essa análise mas essa formulação do nosso posicionamento em

torno do clima a gente tá construindo.

Diego – Você é, assim como eu, uma gestora de projetos. Como que é o esquema de

financiamento do Jubileu? São agências, vocês têm alguma grana pública, as

organizações- membro contribuem, como é que é?

Rose – Nós não temos financiamento público. Nosso apoio vem de agências de

comparação ( 50’51’’) , a grande maioria delas, internacionais. Uma da Europa... E que

tem o posicionamento crítico e que é muito semelhante ao nosso posicionamento. Então

acaba ajudando na sustentabilidade econômico do Jubileu. Alguns apoios pontuais de

parceiros dos EUA e alguns apoios das próprias organizações brasileiras. Também não

dá pra dizer: “olha, isso é uma política financeira”. A partir do momento que a gente

trabalhando essa questão dos documentos de petença(52’ 31’’), essa carta-compromisso,

a ideia é que tenha também uma coisa mais fixa pra poder subsidiar a estrutura, enfim, a

organização. Mas existem algumas políticas de finança mas são bem débeis porque é

um tema complicado... Pra a gente conseguir financiamento é muito difícil e o Jubileu

tem uma posição crítica a vários modelos que estão aí. Aí vão contra a algumas

posições, inclusive de agentes financiadores.

Diego – E como que é a relação com essas... Porque algumas agências também tem uma

vinculação com a Igreja, né? Ou pelo menos...

Rose – A maioria delas que hoje apoiam o Jubileu são católicas

Diego – Porque tem a Christian Aid...

Rose – Hoje não mais! A Christian Aid retirou o apoio em 2008, foi o último apoio

deles. A gente ainda tá dialogando com eles pra saber enfim, qual... Mas a posição é que

eles mudaram um pouco o foco de trabalho e aí o Jubileu não taria mais dentro desse

eixo de trabalho definido pela Christian Aid. E agora a gente tem apoios pontuais da

Oxfam, dois nomes de instituições que apoiam que não consegui entender (53’44’’) que

são pontuais. Mas apoio mais constante, dentro de um programa de apoio, a cada três

anos, quatro anos nós só temos dois. Que é da Igreja Católica do Reino Unido e outro da

Suíça. Os demais apoios são bem pontuais.

Diego – Mas você sabe como funciona? Porque, por exemplo a Christian Aid: é inglesa,

né?

Page 244: Nas Tramas Da Cultura Financeira

244

Rose – É.

Diego – Mas é independente da Igreja, né?

Rose – É e não é. Como eu te falei: no início, como o Jubileu até 2004, 2005 a gente

conseguia um grande apoio da Igreja até mesmo pelos posicionamentos da Igreja

brasileira. E aí a proximidade com o Jubileu. Aí depois: a política da CNBB começa a

mudar, a política da Igreja em outros países, no caso da Christian Aid mesmo ela

sendo... Ela é a Cáritas inglesa, acho que é...tem esse braço. Legal que é uma

formulação própria, independente, autônoma e então acaba tendo seus programas. Por

exemplo a Christian Aid passou a apoiar mais a questão da soberania alimentar, alguns

aspectos que não é nosso foco. Então essa é uma realidade também de outras

organizações que foram parceiras nossas até 2005 e 2006 mas mudaram um pouco o

foco. E outra coisa: muitas agências estão saindo do Brasil justamente pela justificativa

de que o Brasil é um país de renda média, a desigualdade no Brasil, principalmente

nesses oito anos de governo Lula, diminuiu consideravelmente. Enfim, tem vários

outros aspectos da política econômica e social...

Diego –O Brasil tá deixando de ser prioridade?

Rose – Exatamente! O Brasil deixa de ser prioridade de muitas agências. Algumas estão

fechando seus programas neste ano e ano que vem e aí não tão mais aceitando nem

projetos pontuais nem programas de 2 ou 3 anos. Então é uma realidade que não só

afeta o Jubileu mas é uma realidade que afeta várias outras organizações. E aí também,

acho que uma coisa que influencia muito é o posicionamento crítico e contundente do

Jubileu em relação ao modelo de financiamento, ao modelo de desenvolvimento, tudo

isso, que de certa maneira acaba chocando o posicionamento de algumas agências ou até

mesmo da política da agência.

Diego – Bom, pra gente terminar. Quais foram alguns momentos mais marcantes da sua

experiência aqui no Jubileu?

Rose – Tem vários. Acho que o primeiro deles foi o período da Semana Social

Brasileira que foi 97, 98 e 99 que debateu toda essa questão dívida, eu nem estava ainda

no Jubileu. Depois o plebiscito da dívida no ano 2000. Acho que foi um período bem

interessante não só com o Jubileu mas eu tava com a Igreja na época, em outro espaço e

me ajudou na própria formação política que eu tenho hoje. Depois acho que o momento

marcante foi todo o trabalho na campanha contra a ALCA e o Jubileu foi secretária

operativa da campanha, se envolveu fortemente nesse debate.

Diego -Jubileu é parte da Aliança Social?

Rose –É. O Jubileu Américas. O Jubileu Brasil a gente acompanha mas a partir do

Jubileu Américas.

Diego – Tanto que até agora no Paraguai, quem tava era a Sandra.

Page 245: Nas Tramas Da Cultura Financeira

245

Rose – Era a Sandra. Porque na verdade se a coordenadora não pode a gente vê qual

pessoa que pode ir mas sempre...Normalmente vão duas pessoas: acho que o Paulo

também tava. Sempre vai uma ou duas pessoas da Rede.

Diego – E o que é que você reclama(58’26’’) da campanha contra a ALCA que te

marcou?

Rose – Ah! O próprio plebiscito foi uma coisa incrível pro Brasil. Acho que foi um dos

melhores plebiscitos depois do da dívida foi o melhor plebiscito que nós tivemos. Foi

um período de grande mobilização e de articulação de debate. Eu considero o plebiscito

um instrumento pedagógico essencial para o trabalho de mobilização, de formação que

nós adotamos no Brasil. E aí não falo só pela Rede Jubileu mas falo como sociedade e

movimentos sociais. Acho que ele é fantástico. E a gente vem repetindo: acabamos de

realizar o quarto plebiscito com o debate do limite da propriedade da terra . Então acho

que o plebiscito pra mim foi um dos períodos mais emblemáticos e interessantíssimos

de mobilização social e enfim, dos mais diversos setores: da academia ao morador lá da

rua da paróquia. Enfim, a gente teve um momento muito forte de articulação, acho que

foi bem interessante. E toda vez que eu faço análises, eu acompanho e enfim, acaba que

a gente tem que se reportar a esse momento que foi muito forte pra gente no Brasil.

Diego – E acabou sendo uma vitória, né?

Rose – Uma grande vitória. Toda a mobilização que a gente fez no Brasil e no

continente contra a ALCA foi muito emblemática pra não-assinatura do acordo. A gente

sabe que hoje tem os CLT’s, muita coisa que foi pra OMC, enfim. Mas eu acho que não

ter assinado a ALCA foi uma grande vitória não só pro Brasil mas pra luta dos

movimentos sociais de todo o continente, sem sombra de dúvida fortaleceu muitos

espaços de articulação do continente: os fóruns, o Fórum Social Américas, os Fóruns de

debate, por exemplo os encontros em Cuba, os encontros hemisféricos , foi um

momento extremamente como a gente fala na Igreja, foi um momento ????(1h 29seg)

nesse processo. A campanha contra a militarização, contra as bases, enfim. Eu acho que

foi da campanha contra a ALCA, não só no Brasil mas no continente que surgiu muito

dos processos, dos acordos que nós temos hoje em torno da questão da luta contra os

CLT’s, contra OMC, enfim... Vários processos que a gente tem hoje, tem uma

nascedouro como ponto central. Claro que esses processos já vinham sendo comentados

mas acho que esse período de 2002, 2003, foi muito forte. E 2005 enterrou de vez a

ALCA que acho que foi o momento central. Enfim, pra mim tem momentos bem

marcantes na minha história pessoal que se cruzam com a do Jubileu e acho que o Grito

é um espaço fundamental de articulação do Brasil...

Diego – O Jubileu que participa do Grito?

Rose – É... (?????1h1min50seg) que participa do Grito né. E aí (???????1h1min55seg) o

Jubileu é uma delas que contribui na construção do Grito.

Page 246: Nas Tramas Da Cultura Financeira

246

Diego – Explica um pouquinho o que é que é o Grito.

Rose – O Grito nasce muito antes do Jubileu e nasce também da II Semana Social

Brasileira. As Semanas Sociais Brasileira é um processo da CNBB , das pastorais

sociais, e tem 16 anos e todo ano no período da Semana da Pátria acontece essas

mobilizações do Grito. E aí temáticas diversas e emblemáticas. Pra esse ano de 2010 a

gente fez vários debates sobre as defesas dos direitos sociais e conjunção(1h2min45seg)

de um processo popular para o Brasil que tá muito relacionado com a Assembleia

Popular que é outro processo. Ela nasce na campanha contra a ALCA e de outros

processos que tavam em curso no Brasil. No ano 2000. 98,99 e 2000 o tema do Grito foi

a questão da dívida. Depois em 2002 o Grito se articulava na campanha contra a ALCA

então o tema do Grito foi a questão da ALCA, do livre-comércio... Então o Grito acaba

sempre, a partir do momento que se vive no Brasil, articulando a temática. Em 2007

com o plebiscito da Vale, pra reestatização da Vale, o tema do Grito foi Vale também.

Enfim, sempre se articulando com essa mobilização, com o que tá acontecendo na

sociedade brasileira e denunciando toda a exclusão e desigualdade e é um movimento

que tenta construir um espaço para que os excluídos sejam de fato os protagonistas

desse momento. Nem sempre isso acontece mas tem experiências bem interessantes na

região de Minas, por exemplo, Montes Claros que é o excluídos mesmo que constroem,

denunciam, são pessoas em situação de vulnerabilidade de extrema que acabam se

organizando, aqui em São Paulo tem o pessoal da Rede Rua que é o movimento dos

moradores de rua, o movimento nacional, enfim. Organizações que acabam encontrando

no Grito um coletivo coordenador nacional mas ele é muito...não tem uma centralidade.

Não é diretivo, não tem uma (????1h4min33seg) E cada município, cada comunidade

se organiza e faz seu Grito. É bem descentralizado, essa é a ideia central do Grito.

Diego – Como que você define o momento do Jubileu hoje e o que é que vocês estão

aspirando para os próximos anos?

Rose – Acho que o Jubileu cresceu muito nesses últimos 10 anos. A gente tem recebido

muita demanda de trabalho e acho que a gente tá num momento de reorganização da

própria rede. De encontrar e redefinir algumas prioridades aí, mesmo nesse tema, por

exemplo: todo tempo chega temas novos, um deles é mudança climática. Como a gente

dá conta? Como que a gente absorve esse debate? Mas é um momento também muito

importante na articulação de acúmulo de forças que a gente tem no continente todo. Na

história do Jubileu é a primeira vez que a gente tem um trabalho por exemplo:

Nicarágua com muita força. E vários países com, assim, claro...Sempre crescendo mas a

gente percebe que é um momento ímpar pra o Jubileu se expandir e crescer e agora com

a assembleia do Jubileu Américas a gente redefiniu um pouco as linhas, a auditoria

continua sendo a linha de trabalho do Jubileu como a gente conseguiu a auditoria oficial

do Equador mas tá em processo a auditoria sobre a binacional Itaipu Paraguai e Brasil.

Tem a binacional ???(1h06min19seg) Paraguai e Argentina. Continuar acompanhando

os processos de auditoria é uma linha do Jubileu permanente e foi renovada. Já desde o

seu nascedouro é auditoria e acho que vai continuar sendo. A questão das ilegitimidades

Page 247: Nas Tramas Da Cultura Financeira

247

das dívidas, então, continuar esse monitoramento. Mudanças climáticas entra como um

eixo mas principalmente pra gente poder formar opinião...Modelo de financiamento e

mudanças climáticas. Acho que esses são os temas centrais. A questão da militarização

sempre é um tema do Jubileu até porque tem países sofrendo com isso, o caso do Haiti.

O Haiti é um dos nossos países-irmão, então, enfim, são aspectos que acho que vão

continuar na agenda do Jubileu. Tem assembleia do Jubileu marcada pra o ano que vem

: Jubileu Global.

Diego – Onde?

Rose – Vai ser África, provavelmente próximo ao Fórum Social Mundial. Ainda tá

sendo definido. Também nesse período vai acontecer um encontro dos credores da

dívida mas todas as redes que trabalham com esse tema, do Sul, né?

Diego – No Fórum?

Rose – Próximo ao Fórum. Ou antes ou depois. Acho que é um espaço interessante até

pra você. Até pra conversar com pessoas de outros continentes, outros países. O Jubileu

também se encara como uma rede em movimento. Pode ser que ano que vem,

dependendo das demandas da situação econômica, financeira... o foco sempre vai ser

esse mas a linha de trabalho a gente...Por exemplo no Brasil a gente tem um trabalho

muito forte na questão dos impactados pelos megaprojetos. Dependendo muito do país

ou do...o trabalho acaba se adaptando bastante. A gente acompanha bastante o trabalho

com as transnacionais e aí o PAC no Rio de Janeiro com a Thyssen Krupp que tem uma

situação toda emblemática lá...

Diego – De elevadores, né? Que mais que eles fazem?

Rose – É uma siderúrgica, tem várias... É uma situação bem complexa lá.E aí a gente

tem vários focos locais né, no caso do GID em São Jose dos Campos, a questão das

marisqueiras e pescadores em Salvador. Agora a gente começa a dar atenção às grandes

obras, os megaeventos que a gente vai ter: Copa e Olimpíadas. Porque a gente acha que

a questão financiamento público pra essas obras. Pra onde vai exatamente esse

recurso?Enfim, né... Nosso foco é esse: orçamento, uso do dinheiro público ,

financiamento e acompanhamento e monitoramento dessas,enfim...Acho que nosso foco

não vai mudar, pode mudar um pouco nossas ações e a forma de trabalhar.

Page 248: Nas Tramas Da Cultura Financeira

248

Entrevista Miguel Borba Sá

Comece se apresentando

Eu sou o Miguel, trabalho no PACS – Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul, que é

membro fundador do Jubileu Sul Américas. Atualmente somos responsáveis pela secretaria

continental da rede até a próxima assembleia em 2013, quando deveremos fazer uma mudança

para outro país, para estimular um rodízio. Então estou trabalhando na secretaria da rede

Jubileu, a gente tenta manter o contato, um elo com as organizações que fazem parte, estimular

as convergências e estimular as lutas de resistências que estão tendo em vários lugares da

América Latina, com trabalhos comuns, e propiciar a circulação dos materiais.

Você pode me descrever um mapa da presença do Jubileu na AL?

Page 249: Nas Tramas Da Cultura Financeira

249

Temos nossa secretaria aqui no Rio, então estamos articulados com uma série de lutas locais, a

CPI da Dívida, foi fruto de uma pressão nossa junto com outras organizações como a Auditoria

Cidadã e outras. Saiu uma CPI da Dívida, que tem um relatório que não foi tão bom assim, mas

o Ivan Valente fez um relatório paralelo que também foi encaminhado ao Ministério Público.

Então a gente tá aí em diálogo com o Ministério Público, pressionando para que se abra uma

ação no Ministério Público exigindo uma Auditoria da Dívida Brasileira, o que é muito difícil

pois existem fortes interesses e poderosos do mercado que não querem isso, naturalmente.

Então está meio parado?

Isso tá... Eu não diria parado. Tivemos uma reunião no final do ano passado com o Ministério

Público Federal, esse ano mesmo fizemos uma grande reunião em Brasília com muitas

organizações pra ver as estratégias. Umas das estratégias esse ano foi lançar a campanha “A

Dívida não acabou e você paga por ela. Auditoria Já!”. Lançamos uma cartilha e um folheto

explicativo no qual mostramos o gráfico do orçamento com 50% indo pra dívida, 4% para a

educação, 5% para a saúde... como uma forma maior de mobilizar a sociedade e as organizações

para pressionarem mais para essas coisas andarem. Isso no Brasil.

Em outros lugares, como Nicarágua, Honduras e Panamá, estamos articulados com populações

atingidas por projetos de mineração e por projetos de REDD que atualmente estão indo pra cima

de comunidades tradicionais. Recentemente alguns companheiros de Honduras tem sofrido um

processo de perseguição sistemática, com prisões, desde a época do golpe.

Tentamos aproveitar esses eventos, essas cúpulas de clima, as COPs e agora a Rio+20,

participando desses eventos paralelos para tentar dar mais liga pros movimentos em busca de

justiça ambiental.

Qual é a estratégia de vocês para essa Rio+20?

A estratégia era apostar na Cúpula dos Povos. Não mandamos ninguém para a cúpula oficial

pois a nossa leitura é de que o processo oficial já está dominado pela captura coorporativa.

Então lá dentro tem chefes de estado e diretores de grandes corporações fazendo aquilo que o

slogan do Sebrae (infelizmente aqui na cúpula dos povos) diz: oportunidades para negócios

verdes. Ou seja, é a privatização do fim do mundo, uma tentativa de produzir lucro a partir da

crise climática e ambiental.

Então a gente apostou na cúpula dos povos, um evento paralelo, autônomo, em contraponto ao

evento oficial, na expectativa de que aqui pudesse sair uma mensagem clara contra a economia

verde, né, que é o grande slogan discursivo do sistema para manter tudo como está. E aí fazer

um projetinho verde, um projetinho social, um projetinho de compensação, ou mesmo vender

Page 250: Nas Tramas Da Cultura Financeira

250

créditos de carbono e dizer que tá transformando alguma coisa. Foi um processo difícil a cúpula

porque ela é uma articulação muito grande, muito ampla, com muita gente diferente. Muitos

movimentos sociais aqui do Rio nos questionaram por que estávamos na cúpula se a própria

cúpula estava pelegando. Mas nós avaliamos que deveríamos ajudar a trazer a cúpula para a

esquerda, por dentro. Fazer o paralelo do paralelo do paralelo não vai ajudar a gente também,

estaríamos falando para nós mesmos.

Acho que a avaliação foi correta. No começo tinha gente no comitê facilitador querendo que a

gente aderisse ao projeto de economia verde. Gente que depois a gente foi descobrir que eram

pagos por corporações, que tinham contratos com a Vale, enfim, “ONGs ambientais”... Dois

anos depois a própria cúpula dos povos já lançou um documento oficial se posicionando contra

o aprofundamento do capitalismo utilizando a crise ambiental. A cúpula tem um chamado pela

defesa de bens comuns e esperamos que nossa marcha seja bastante radical e não faça

concessões ao ambientalismo de mercado.

Alguma nova articulação pode sair da cúpula?

A gente estava apostando numa cúpula que não fosse tão fragmentada como acabou sendo, com

muitas atividades autogestionadas ao mesmo tempo. Mas a gente quer apostar muito nesse

processo das Plenárias de Convergência e nas Assembleias para que disso resultasse um caldo

organizativo e um saldo político para os movimentos e que se possa ver agendas de lutas, alvos

comuns, inimigos comuns. Vamos esperar o final da cúpula para ver o resultado. Não que esse

comitê facilitador venha a se transformar numa estrutura, mas construir algo por dentro dos

movimentos. Uma agenda anticapitalista, antihomofobica, antipatriarcal e por aí vai.

Já me disseram que aqui seria uma boa oportunidade para reencontrar uma agenda comum

que restaria meio perdida desde a campanha contra a ALCA. Você concorda?

Isso. A expectativa é essa. Se a gente vai conseguir isso não se sabe. Porque a campanha contra

a ALCA produziu uma certa unificação latino-americana, vários movimentos, redes no espectro

desde a esquerda mais radical até a esquerda mais moderada e que se perdeu. Se perdeu

inclusive nesse processo de institucionalização de partidos e movimentos porque começamos a

ganhar eleições em diversos países da América Latina. Isso gerou fragmentação nos

movimentos, muita gente que estava há dez anos na campanha contra a ALCA está com

governos. A tentativa da cúpula dos povos era que a gente pudesse reunir um caldo comum

novamente, numa postura mais crítica, mais incisiva, porque o neoliberalismo não acabou. Na

América Latina ele parece até se aprofundar muitas vezes. Talvez ele tenha mudado de nomes,

de atores, o processo hoje é muito mais complicado. A gente não vive mais aquela sensação dos

anos 90, dos quais o Jubileu é fruto inclusive, em que era mais fácil ver os defensores do

Page 251: Nas Tramas Da Cultura Financeira

251

neoliberalismo e as resistências a esse processo. Hoje tá muito mais complicado. Quem está

gerindo o modelo faz discurso contra o modelo.

Como é exatamente essa crítica do Jubileu sobre a economia verde e um novo ciclo de

endividamento baseado na crise climática?

Pois é, essa crise climática tem sido aproveitada de uma forma muito forte para gerar novos

derivativos financeiros. Créditos de carbono que podem ser comercializados e

recomercializados em Bolsa de Valores. Isso já ocorre na Europa e aqui o Rio de Janeiro abriu

na semana passada a sua Bolsa Verde. Veremos empresas muito impactantes social e

ambientalmente lucrando por estar participando então de um projeto sustentável. Ao mesmo

tempo se exime da responsabilidade, lucra com isso e se apresenta como solução. São três

problemas ao mesmo tempo. A gente vê então esse processo de financeirização e

mercantilização como uma tentativa de expansão das fronteiras de acumulação do capital,

transformando em mercadoria o que ainda não era. Essa é uma tendência estrutural do sistema.

A gente vê isso com muita preocupação.

Como você vê o posicionamento do Brasil nesse tema?

Infelizmente o Brasil tem cada vez mais girado sua posição para uma postura pró-mercado. O

Brasil tem muita comunidade indígena para cooptar num sistema de créditos de carbono ou

REDD. Muita comunidade pode ser refém de você oferecer algum tipo de dinheiro para uma

comunidade para fazer algum projeto de REDD, tratando aquela comunidade como ameaça ao

meio ambiente sendo que eles é que viveram por séculos em harmonia e de forma sustentável

com o meio-ambiente. O Brasil está apostando muito nisso, soluções de mercado com proteção

ambiental e a gente vê isso como uma contradição em termos. A gente espera que saia da cúpula

dos povos uma mensagem bem clara para as classes dominantes de que resistência vai acontecer

e que ela tende a crescer. A aposta na mineração, no petróleo, no agronegócio está trazendo para

o Brasil justamente os setores da cadeia produtiva internacional com maior impacto

socioambiental.

O que o Jubileu planeja para o futuro próximo?

A gente tá tentando não ficar simplesmente indo de cúpula em cúpula. Fizemos uma aposta

firma na cúpula dos povos, mas acho que depois disso vamos ter que sentar e avaliar até que

ponto está valendo a pena. Pode ser que voltemos a fazer mais um trabalho de base, voltar a

formar sobre a dívida, relacionar mais à discussão ambiental e com outros impactos da

dominação pela dívida financeira. Mas isso ainda tem que ser acertado. Uma das coisas que

deve sair é fortalecer mais o nosso trabalho de base com as organizações locais e comunidades,

tentando criar uma consciência crítica de baixo para cima.

Page 252: Nas Tramas Da Cultura Financeira

252

O tema da dívida não está meio sumido do debate brasileiro atual?

O Lula conseguiu botar na cabeça das pessoas que o Brasil pagando a sua dívida com o FMI

não tem mais dívida, quando na realidade a dívida interna tem crescido exponencialmente e hoje

se vende muito mais títulos da dívida interna brasileira do que externa, os mercados querem

comprar porque consideram o Brasil um bom pagador e então a dívida explodiu. O Brasil nunca

esteve tão endividado, e é dívida publica, nós pagamos através de todo tipo de medida de

austeridade, ainda que aqui se evite essa palavra que está muito em voga na Europa hoje, mas é

isso.

Aqui usamos o termo Responsabilidade Fiscal.

É isso. É 3% para a Educação e 5% para a saúde, quer dizer, os números falam por si próprios

nesse caso. E o ataque midiático das elites conservadoras brasileiras contra a previdência social

que come 22% do orçamento e “esquecem” de olhar para o lado, onde temos 50% do orçamento

indo para a dívida. Então trazer esse tema pro debate de novo é fundamental, e daí a campanha.

Page 253: Nas Tramas Da Cultura Financeira

253

Entrevista Joílson

Comece se apresentando

Meu nome é Joilson, tenho 30 anos, sou do estado do Maranhão, de São Luis. Sou formado em

engenharia elétrica. Venho da militância da Pastoral da Juventude, da Igreja Católica, as

Pastorais Sociais, e é aí que começa a minha militância no Jubileu. Minha militância social

começa com a militância pastoral. Logo que eu comecei nessas coisas de grupo de jovens cai

em cima de uma coisa que se chamava Grito dos Excluídos e Excluídas. Lá em 1999. Então foi

a partir da participação no Grito que eu comecei a perceber como é que funciona a sociedade.

Que existem os incluídos entre aspas num forma de organização da sociedade e existiam os

excluídos.

O que é o Grito?

O Grito se entende como um processo que culmina no dia 7 de setembro juntamente para

questionar a falsa independência do Brasil. Ele pretende ser a culminância de vários gritos que

acontecem todos os dias no cotidiano das grandes cidades e a gente não percebe. A intenção é

trazer à tona todos esses gritos que acontecem no dia a dia para esse grande dia que é o 7 de

setembro.

A partir daí eu comecei a me interessar e ter uma inserção no meio mais social. A partir dessa

inserção, em 2002, eu ajudei na construção da Campanha contra a ALCA, que aconteceu em

toda a América. No Maranhão eu ajudei, cheguei na reta final e fui contribuindo, ajudei a contar

os votos e tal. Comecei a participar das Plenárias Nacionais da Campanha contra a ALCA, que

era organizada por várias organizações, dentre elas o Jubileu Sul Brasil, CUT, MST e muitos

outros movimentos.

Page 254: Nas Tramas Da Cultura Financeira

254

Acontece que todos os anos tem o Encontro Nacional dos Articuladores do Grito dos Excluídos,

onde as pessoas referência nos estados se reúnem para planejar estratégias para o Grito do ano

em curso. Em 2003 eu participei pela primeira vez de um encontro como esse, tive o primeiro

contato com a coordenação, esse pessoal da instância nacional.

O Plebiscito sobre a ALCA de certa forma acordou o Brasil para um problema real das

comunidades que foram de certa forma desapropriadas de suas terras, muitas delas não foram

devidamente indenizadas. E não é apenas dinheiro, muitos deles perderam a condição de tirar o

seu sustento porque por exemplo eram pescadores e perderam a saída para o mar. O Plebiscito

sobre a ALCA visibilizou o Brasil.

O Jubileu Sul Brasil, a partir da sua constituição, lá pelos indos de 1999, tem uma contribuição

muito grande pros últimos acontecimentos populares no Brasil. No ano 2000 o Jubileu também

ajudou a organizar o Plebiscito sobre a Dívida, com mais de 6 milhões de votos. Dois anos

depois ajudou a realizar o Plebiscito sobre a ALCA, com 10 milhões de votos! No ano seguinte

fez uma campanha de vacinação contra a ALCA e acho que o antídoto que a gente utilizou foi

correto e graças a Deus a ALCA não foi implementada. Em 2007 ajudamos a organizar o

Plebiscito pela Reestatização da Vale, que foi praticamente doada pelo FHC para o capital

privado. O Jubileu desde o início denunciou a farsa da privatização. Em 2010 ajudamos a

organizar o Plebiscito pelo limite da propriedade da terra no Brasil.

Então o Jubileu Sul desde os anos 2000 esteve sempre muito junto das lutas populares no Brasil

e daí uma das estratégias que a gente utiliza é procurar ouvir o povo. E o Plebiscito é uma forma

de ouvir a população sobre as grandes questões, que é o que deveria acontecer na Democracia,

você levar em consideração a opinião do povo para tomar as grandes decisões e infelizmente

não é o que acontece.

Quem são os principais parceiros do Jubileu?

Há uma gama muito grande de organizações. O Jubileu, por não se constituir como uma

entidade, e ser desde o seu início uma rede aberta a todos que desejam contribuir com a

discussão, a participação, a adesão ao Jubileu foi sempre muito livre. Por exemplo, durante o

Plebiscito sobre a ALCA existiam várias organizações muito vinculadas ao Jubileu, na verdade

não havia muita diferença entre quem organizava a campanha e quem se identificava com o

Jubileu, mesmo fora do Brasil. Posteriormente, com a ALCA derrotada e a mudança de contexto

político com a eleição do Lula, o contexto nas organizações sociais também mudou. A gente

sabe disso. A eleição do Lula em 2002 mexeu com as organizações populares para o bem e para

o mal.

Muitas perderam quadros né?

Page 255: Nas Tramas Da Cultura Financeira

255

Claro, entendeu. A gente sabe que houve cooptação, mudança de postura de algumas entidades,

que defendiam uma coisa antes e após a eleição do Lula passaram a – creio eu – acreditar

cegamente no Governo. E isso atingiu organizações que estavam junto com o Jubileu. Mas essa

é uma discussão que estamos fazendo desde 2008, a da pertença ao Jubileu. Chegamos a

escrever uma Carta de Princípios que é o que de certa forma une as entidades que compõem o

Jubileu. Tanto a entrada quanto a saída são livres. Historicamente as entidades se aproximam

dependendo do tema que estamos trabalhando no momento, pode ser uma cooperação pontual e

isso é comum.

As organizações que desde o início estão no Jubileu são o PACS, do RJ, mas eu sinceramente

não saberia dizer outras... a Rede Brasil, a Rebrip...

Você, por exemplo, vem do Maranhão. Em que lugares o Jubileu está presente no Brasil?

Então, por não ser uma organização, a filiação pode ser pessoal ou por uma organização. Eu

mesmo sou um colaborador, desde a campanha contra a ALCA. Nunca deixei de acreditar na

causa que o Jubileu defende, que é a anulação e a reparação das dívidas injustas. Independente

da organização em que eu esteja, enquanto eu puder eu vou estar contribuindo. Mas a maioria

das pessoas e organizações está no RJ e SP. Além disso, CE, MA, BA, AM e Brasília também.

É isso que eu lembro. E outras participações nacionais em encontros e assembleias, de pessoas

de outros estados, como Pernambuco. A participação não é por representatividade, por uma

adesão aos compromissos do Jubileu.

Como é a sua atuação lá em São Luís? Não se fala muito do tema, você não acha?

Pois é rapaz, não se fala muito. Esse é o nosso grande desafio enquanto Jubileu, fazer com que a

sociedade paute a questão da dívida como fizemos no ano 2000 com a questão do plebiscito.

Tanto que nós lançamos no ano passado uma campanha chamada “A dívida não acabou, e você

paga por ela. Auditoria Já”. Justamente para desmentir o Lula e o governo brasileiro que dizem

que a dívida acabou. E em segundo lugar, para recolocar na agenda das organizações a

discussão da dívida. Então a minha atuação é mais nessa linha, de divulgação, de pautar a

questão da dívida em todos os lugares onde vou. Tem gente lá no Maranhão que não aguenta

mais me ouvir falar de dívida.

Mas você fala em que situações?

Porque é assim, ainda hoje eu contribuo com a Pastoral da Juventude, faço uma assessoria. Se

tem um ou outro encontro, tô eu lá né, fazendo de certa forma uma relação. Ainda tenho

contato, na realidade militância nas pastorais sociais. Onde eu estou mais concretamente hoje é

que eu trabalho como educador social da Rede de Educação Cidadã, que trabalha a partir de

Page 256: Nas Tramas Da Cultura Financeira

256

oficinas de formação com metodologia freireana, com tema gerador. Nessas oficias e em

encontros maiores que a gente faz, as pessoas já estão de saco cheio de me ver mostrar o

orçamento publico em forma de pizza com metade dos recursos indo pra dívida.

A grande reivindicação da população hoje em dia é por políticas públicas, e a dívida tem relação

direta com a precariedade dessas políticas públicas. Então a gente inicia a discussão sobre a

Dívida a partir do que as pessoas estão discutindo das suas carências em políticas públicas. É

um papel de divulgação do problema e de tentativa de conscientização das pessoas. Se as

pessoas acreditarem que a divida ainda é um problema no Brasil já tá muito bom. Se ela se

engajar na luta contra a dívida ainda melhor.

E como você sente que as pessoas recebem isso?

Tem pessoas que não fazem a menor ideia de como funcionam as coisas e quando veem aquele

gráfico do orçamento ficam de boca aberta! O gráfico atual já chega a 52% do gasto federal para

a dívida pública. Isso impacta muito as pessoas. Porque vai direto para o sistema financeiro.

Tem outras pessoas que sabem do problema mas não estão nem aí, são acomodados, cooptados

ou sem esperança.

E você já participou em outros eventos com o Jubileu fora do Maranhão?

Aqui dentro do Brasil eu já participei de vários. Já falei em eventos em vários estados e

recentemente estive em um evento no Paraguai, sobre as dívidas do país com o Brasil e a

Argentina por conta das hidrelétricas binacionais. O que se almeja é uma auditoria em cima das

contas de Itaipu e a revisão do contrato.

Como é para você participar nesses eventos fora do Brasil?

Eu participei em dois. O primeiro foi a Cúpula dos Povos e dos Direitos da Mãe Terra, que

aconteceu em Cochabamba, como preparação para Copenhagen, convocada pelo Evo Morales.

Eu estive lá pelo Jubileu. O portunhol é difícil de falar, tem que se virar. Na Bolívia eu estava

mais como participante, sem fazer muitas intervenções, mas no Paraguai eu fui como o cara que

ia falar como Jubileu. Eu pensei, e agora? Num vou falar portunhol não, vai ser português

mesmo! Levei a nossa contribuição enquanto Jubileu e apresentei a experiência do Brasil na luta

contra a dívida.

Ver Relatório FHC sobre a dívida. Auditoria.

Alta unilateral dos juros pelos EUA nos 70 e corresponsabilidade dos emprestadores, sejam

governos, sejam empresas, no processo de endividamento. Ou seja, eles sabiam que estavam

emprestando de forma irresponsável.

Page 257: Nas Tramas Da Cultura Financeira

257

Desde 1998 teve um simpósio nacional sobre a divida externa, em 1999 teve um tribunal sobre a

divida externa e em seguida teve o plebiscito popular sobre a divida. Então lá no Paraguai

também contamos um pouco da nossa experiência no Brasil.

E como é essa questão da Divida Interna que é maior do que a Divida Externa?

Ela é maior porque os juros que ela paga são maiores. Ela vai pela taxa Selic que se pratica aqui

no Brasil, que como você sabe é a maior do mundo. Os emprestadores vão procurar emprestar

para quem paga os maiores juros em tese. Além é claro dos EUA, que são considerados o país

mais seguro para se investir, tanto que a taxa de juros deles é baixíssima. Houve um movimento

de transferência de uma parte da dívida externa para interna. Os investidores viram que era mais

vantajoso entrar no Brasil, comprar reais, e a partir daqui comprar títulos da dívida interna. O

Brasil tem livre fluxo de capitais, os caras entram e saem quando querem. Pegam empréstimos

no exterior a cerca de 1% e depois trocam por reais e emprestam ao governo brasileiro com um

retorno de 8%.

O que você acha do PT ter mantido essa política durante todos esses anos?

Ah, agora tu quer me complicar! Na verdade, antes de o Lula ser eleito ele já tinha dito isso na

Carta ao Povo Brasileiro, que na verdade era uma carta ao mercado, de que não ia mudar nada

em termos macroeconômicos. Vou ser um bom garoto, não façam terrorismo por favor. E fazem

mesmo né, fizeram em 1989. Eu não vi com surpresa nenhuma. Tanto que não votei nele em

2002 nem em 2010, não votei na Dilma. Desde a campanha contra a ALCA a gente já vinha

tendo embates com companheiros do PT, então eu não vi com surpresa mas com decepção,

porque era uma chance que o campo popular tinha de mudar as coisas. Mas eles falaram que

tinha que garantir a governabilidade. Havia formas de se fazer coisas diferentes no Brasil, de se

mudar coisas estruturais. Sobre a divida, o Lula pagou muito mais do que o FHC pô! O FHC

pagou pouco mais de 2 trilhões de reais e o Lula pagou mais do que 4 trilhões de reais! E só no

ano passado forma 708 bilhões!

Tem algum partido que apoia a mesma perspectiva apontada pelo Jubileu ou nenhum?

Olha, eu tenho sempre um pouco de receio de falar dos partidos, mas alguns que estão mais

junto desse questionamento são os companheiro dos PSTU e do PSOL. Mas na maioria das

vezes não é o partido em si, são pessoas desses partidos. Num vou dizer que num tenha gente do

PT também, da esquerda do PT, que de certa forma comunga com isso e discorda da M....que o

PT tá fazendo no Brasil desde 2003.

O que você espera dessa Cúpula dos Povos na Rio+20 e quais são os próximos passos de

vocês?

Page 258: Nas Tramas Da Cultura Financeira

258

Nós do Jubileu acreditamos que essa cúpula possa ser um espaço de convergência das lutas dos

povos do mundo. Tanto que o Jubileu investiu muito, desde o inicio participando dos comitês de

organização. A gente deseja que ao final dessa Cúpula a gente tenha um documento político que

de certa forma expresse o que nos unifica. A gente ta vendo a diversidade de movimentos aqui,

é uma loucura, várias coisas acontecendo ao mesmo tempo, e por ai você imagina a dificuldade

de unir todo mundo. Mas a gente acredita que possamos acha os pontos que nos unificam. Qual

é a nossa agenda comum. O nosso objetivo maior com essa cúpula é termos pontos comuns de

luta com os povos de todo o mundo. A divida por exemplo é um problema mundial. A crise

financeira foi resolvida com mais divida!! A dívida é um problema do mundo porque ela está no

coração do capitalismo. A dívida como algo comum pode ser algo que nos unifique. A crise de

2008 foi resolvida com cerca de 20 trilhões que saíram de cofres públicos em detrimento de

políticas sociais. Para isso se imprime dinheiro a vontade e ninguém fala em risco de inflação. E

aí não só a dívida financeira, mas também a dívida ecológica que os países industrializados e as

empresas tem com o povos do Sul. Esses países e essas transnacionais tem uma enorme divida

ecológica, histórica, pelo simples fato de terem de certa forma invadido a América, ocupado a

América, exterminado milhões de índios, de terem trazido da África milhões de negros. Tem

essas dividas históricas, sociais e agora ecológicas. E financeira também! Se você faz o calculo

do que os países do Sul já pagaram de dívida em dólares e o que eles receberam em dólares de

investimentos entre aspas, vocês vai ver que saiu muito mais dólares para pagamento de dívida

do que entrou de investimento. Então os países do Sul não são devedores nem do ponto de vista

financeiro! É uma coisa muito louca, como eles invertem diabolicamente as coisas, cobrando o

que não devem cobrar.

Nós entendemos que a Economia Verde, que está na moda agora, na realidade é mais uma

forma que o capitalismo encontrou para continuar se acumulando. E a economia verde vai servir

para a geração de novas dívidas. Nós como Jubileu tentamos colocar essas questões para o

conjunto dos companheiros aqui. Já não falamos de dívida, mas de dívidas.

E daqui pra frente o que virá?

Mais internamente essa campanha a divida não acabou. Concluímos a edição dos materiais para

divulgar a campanha. Não sei se será uma grande campanha nos moldes da campanha contra a

ALCA, bom seria, mas vamos tentar pautar essa problemática e fazer um chamamento às

organizações. Sonhando alto, o que teríamos que fazer é lançar uma grande campanha mundial

contra as dívidas, para não somente dizer não às dividas mas exigir também as reparações

dessas dívidas. Isso é o mais importante né. A reparação por todos os males e consequências

que essas dívidas vêm causando aos nossos povos há tanto tempo. Mas acho que tô sonhando

alto, aqui vai ser difícil chegar nisso.

Page 259: Nas Tramas Da Cultura Financeira

259

A dívida está no nascimento do Brasil, desde que compramos nossa independência assumindo a

dívida da coroa portuguesa com a coroa inglesa!

FIM

Page 260: Nas Tramas Da Cultura Financeira

Este livro foi distribuído cortesia de:

Para ter acesso próprio a leituras e ebooks ilimitados GRÁTIS hoje, visite:http://portugues.Free-eBooks.net

Compartilhe este livro com todos e cada um dos seus amigos automaticamente, selecionando uma das opções abaixo:

Para mostrar o seu apreço ao autor e ajudar os outros a ter experiências de leitura agradável e encontrar informações valiosas,

nós apreciaríamos se você"postar um comentário para este livro aqui" .

Informações sobre direitos autorais

Free-eBooks.net respeita a propriedade intelectual de outros. Quando os proprietários dos direitos de um livro enviam seu trabalho para Free-eBooks.net, estão nos dando permissão para distribuir esse material. Salvo disposição em contrário deste livro, essa permissão não é passada para outras pessoas. Portanto, redistribuir este livro sem a permissão do detentor dos direitos pode constituir uma violação das leis de direitos autorais. Se você acredita que seu trabalho foi usado de uma forma que constitui uma violação dos direitos de autor, por favor, siga as nossas Recomendações e Procedimento

de reclamações de Violação de Direitos Autorais como visto em nossos Termos de Serviço aqui:

http://portugues.free-ebooks.net/tos.html