“O Novo Recife”: identidade, espaço e cultura e as tramas do processo de requalificação e...

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As cidades têm passado por transformações desde sempre, principalmente desde o período intitulado por vários pensadores de modernidade; contudo nas últimas décadas temos observado que são demasiadamente intensas e cada vez mais rápidas. Essas transformações são cada vez mais difíceis de serem captadas, assimiladas e mais ainda refletidas. Processos socioespaciais, como o de gentrificação urbana, ligados à crescente homogeneização, fragmentação e hierarquização do espaço, tornam-se cada vez mais comuns. Observa-se neste trabalho a promoção de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento urbano através da produção de imagens – símbolos – de cidade no contexto de grandes projetos urbanísticos espetaculares, muitas vezes, associados à modernidade, à cultura, à identidade e à preservação do patrimônio histórico-arquitetônico. Analisam--se os conceitos e teorias que podem ser usados como referências para entender estes fenômenos.

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  • ISSN 2177-2312

    Publicao trimestral dos alunos de ps-graduao de programas vinculados ao Observatrio das Metrpoles.

    revista eletrnica e-metropolis

    Observatrio das Metrpoles Prdio da Reitoria, sala 522Cidade Universitria Ilha do Fundo21941-590 Rio de Janeiro RJ

    Tel: (21) 2598-1932Fax: (21) 2598-1950

    E-mail:[email protected]

    Website:www.emetropolis.net

    A revista eletrnica e-metropolis uma publicao trimestral que tem como objetivo principal suscitar o debate e incentivar a divulgao de trabalhos, ensaios, resenhas, resultados parciais de pesquisas e propostas terico-metodolgicas relacionados dinmica da vida urbana contem-pornea e reas afins.

    direcionada a alunos de ps-graduao de forma a priorizar trabalhos que garantam o carter multidisciplinar e que proporcionem um meio democrtico e gil de acesso ao conhecimento, estimulando a discusso sobre os mltiplos aspectos na vida nas grandes cidades.

    A e-metropolis editada por alunos de ps-graduao de programas vincu-lados ao Observatrio das Metrpoles e conta com a colaborao de pesqui-sadores, estudiosos e interessados de diversas reas que contribuam com a discusso sobre o espao urbano de forma cada vez mais vasta e inclusiva.

    A revista apresentada atravs de uma pgina na internet e tambm disponibilizada em formato pdf, visando facilitar a impresso e leitura. Uma outra possibilidade folhear a revista.

    As edies so estruturadas atravs de uma composio que abrange um tema principal - tratado por um especialista convidado a abordar um tema especfico da atualidade -, artigos que podem ser de cunho cientfico ou opinativo e que sero selecionados pelo nosso comit editorial, entrevistas com profissionais que tratem da governana urbana, bem como resenhas de publicaes que abordem os diversos aspectos do estudo das metrpoles e que possam representar material de interesse ao nosso pblico leitor.

    A partir da segunda edio da revista inclumos a seo ensaio fotogrfico, uma tentativa de captar atravs de imagens a dinmica da vida urbana. Nessa mesma direo, a seo especial - incorporada na quarta edio - uma proposta de dilogo com o que acontece nas grandes cidades feita de forma mais livre e de maneira a explorar o cotidiano nas metrpoles.

    Os editores da revista e-metropolis acreditam que a produo acadmica deve circular de forma mais ampla possvel e estar ao alcance do maior nmero de pessoas, transcendendo os muros da universidade.

  • conselho editorialProf Dr. Ana Lcia Rodrigues (DCS/UEM)Prof Dr. Aristides Moyss (MDPT/PUC-Gois)Prof Dr. Carlos de Mattos (IEU/PUC-Chile)Prof Dr. Carlos Vainer (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Claudia Ribeiro Pfeiffer (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Emilio Pradilla Cobos (UAM do Mxico)Prof Dr. Fania Fridman (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Frederico Araujo (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Hlne Rivire dArc (IHEAL)Prof Dr. Henri Acserald (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Hermes MagalhesTavares (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Inai Maria Moreira Carvalho (UFB)Prof Dr. Joo Seixas (ICS)Prof Dr. Jorge Natal (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Jose Luis Coraggio (UNGS/Argentina)Prof Dr. Lcia Maria Machado Bgus (FAU/USP)Prof Dr. Luciana Corra do Lago (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Luciana Teixeira Andrade (PUC-Minas)Prof Dr. Luciano Fedozzi (IFCH/UFRGS)Prof Dr. Luiz Antonio Machado (IUPERJ)Prof Dr. Manuel Villaverde Cabral (ICS)Prof Dr. Marcelo Baumann Burgos (PUC-Rio/CEDES)Prof Dr. Mrcia Leite (PPCIS/UERJ)Prof Dr.Maria Julieta Nunes (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Maria Ligia de Oliveira Barbosa (IFCS/UFRJ)Prof Dr. Mauro Kleiman (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Robert Pechman (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Robert H. Wilson (University of Texas)Prof Dr. Rosa Moura (IPARDES)Ms. Rosetta Mammarella (NERU/FEE)Prof Dr. Sergio de Azevedo (LESCE/UENF)Prof Dr. Simaia do Socorro Sales das Mercs (NAEA/UFPA)Prof Dr Sol Garson (PPED/IE/UFRJ)Prof Dr. Suzana Pasternak (FAU/USP)

    editor-chefeLuiz Cesar de Queiroz Ribeiro

    editoresAna Carolina ChristvoCarolina ZuccarelliEliana KusterFernando PinhoJuciano Martins RodriguesPatrcia Ramos NovaesRenata Brauner Ferreira Samuel Thomas Jaenisch

    assistenteDaphne Besen

  • Editorialte o crescimento econmico a curto prazo (o que o autor denomina de crescimentismo) em detrimento da justia social e da qualidade de vida da populao. O autor critica a defesa irrestrita da eficincia produtiva e do crescimento econmico vigentes nas ferramentas de gesto e de planeja-mento regional que vm ocultando as diversas dinmicas sociais e os conflitos territoriais, subjugando-os aos interesses econmicos privados e supralocais e levando as comuni-dades locais uma precarizao e a uma vulnerabilidade social cada vez maior.

    Neste nmero contamos tambm com ensaio fotogrfico Concreto e Afetos: enquadramentos da regio central da Cidade do Rio de Janei-ro, de Priscilla Xavier, que coloca em foco os prdios da regio central da cidade do Rio de Janeiro. Inspi-rada no filme Medianeiras: Bue-nos Aires da era do amor virtual (2011), de Ricardo Taretto, a autora busca retratar as distines, harmo-nias, formas, cores e, sobretudo, os afetos que animam a regio central. E nossa edio encerra com a rese-nha intitulada Neoliberalizao e Governana Metropolitana: uma anlise da reestruturao urbana de Toronto, na qual Joo Carlos Carva-lhaes dos Santos Monteiro analisa o livro Changing Toronto: governing urban neoliberalism, obra coleti-va de Julie-Anne Boudreau, Roger Keil e Douglas Young. Para o autor, o livro proporciona um entendimento amplo dos desdobramentos da agen-da neoliberal em cidades margem das metrpoles estadunidenses e eu-ropias.

    Boa leitura a todos!

    acumulao do capital, ao longo do tempo.

    O segundo artigo, intitulado O Novo Recife: Identidade, espao, cultura e as tramas do processo de requalificao e gentrificao de sua rea central, discute as trans-formaes que vm atravessando as cidades contemporneas nas ltimas dcadas, com foco nos processos so-cioespaciais de gentrificao, ligados crescente homogeneizao, frag-mentao e hierarquizao do espa-o. Concentrando-se no exemplo da capital pernambucana, o texto ana-lisa a recente produo de imagens simblicas da cidade como estratgia identitria e valorativa do espao ur-bano.

    Em seguida apresentamos o arti-go Planejamento urbano e ideolo-gia: uma anlise do Plano Diretor do Arco Metropolitano do Rio de Janei-ro, de Ticianne Ribeiro de Souza, que analisa o discurso governamen-tal utilizado na defesa da construo do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro. Ao analisar o relatrio final do Plano Diretor do Arco Metropo-litano, a autora debate os aspectos econmico e socioambiental desse empreendimento, a partir do concei-to de discurso ideolgico tratado por Engels e Marx no livro A ideologia alem.

    Por fim temos o artigo Conflitos socioambientais e a periferizao do espao: desafios ao planejamento re-gional no Estado do Rio de Janeiro, de Marcos Dominguez, que questio-na as polticas pblicas implemen-tadas pelo Estado Fluminense em relao ao planejamento regional e a organizao produtiva do espao, que teriam favorecido historicamen-

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    Abrimos a edio 19 da re-vista e-metropolis com a traduo indita do arti-go Theses on Urbanization, do pro-fessor norte-americano Neil Brenner, coordenador do Urban Theory Lab, da Harvard Graduate of Design e um dos principais estudiosos das questes urbanas na atualidade. Pu-blicado originalmente na revista Pu-blic Culture e aqui traduzido sob o ttulo de Teses sobre Urbanizao, o artigo traz uma contribuio crtica sobre a problemtica contempornea da urbanizao planetria. Trata-se de uma importante sntese das refle-xes tericas, conceituais e metodo-lgicas de Brenner sobre as questes urbanas, que certamente trar contri-buies para os estudos sobre o ur-bano contemporneo no Brasil e na Amrica Latina.

    Seguimos com o artigo Bus-cando apreender o comportamento recente das migraes internas, de autoria de Antnio Tadeu Ribeiro de Oliveira, que toma como tema cen-tral as migraes, e procura analisar os deslocamentos que ocorreram nas ltimas dcadas no Brasil, sob uma tica marxista, em especial da abordagem que trata do capitalismo dependente. Atravs da articulao entre evidncias empricas e o mo-delo explicativo proposto, o autor argumenta a favor de mudanas re-centes nos processos de mobilidade interna e que essas poderiam ser ex-plicadas ainda em funo da diviso internacional do trabalho e dos luga-res ocupados pelos pases em desen-volvimento nesta configurao. Ou seja, os deslocamentos populacionais brasileiros estariam associados aos movimentos e processos em torno da

  • editorial

    Capa

    06 Teses sobre a urbanizaoTheses on urbanization

    Por Neil Brenner

    Artigos

    27 Buscando apreender o comportamento recente das migraes internasUnderstanding the recent internal migrations

    Por Antnio Tadeu Ribeiro de Oliveira

    38 O Novo Recife: identidade, espao e cultura e as tramas do processo de requalificao e gentrificao de sua rea centralThe New Recife: identity, space, culture and the urban requalification & gentrification process plots in its central area

    Por Alexandre Sabino do Nascimento

    Ensaio

    67 Concreto e afetos: enquadramentos da regio central da Cidade do Rio de JaneiroConcrete and affections: Rio de Janeiros central area frameworks

    Por Priscilla Xavier

    Resenha

    70 Neoliberalizao e governana metropolitana: uma anlise da reestruturao urbana de TorontoNeoliberalization and metropolitan governance: an analysis about urban restructuring in Toronto

    Por Joo Carlos Carvalhaes dos Santos Monteiro

    ndicen 19 ano 5 | dezembro de 2014

    Projeto grfico e editorao eletrnicaPaula Sobrino

    [email protected]

    RevisoAline Castilho [email protected]

    A Ilustrao de capa foi feita por Sergi Arbus, formado em Belas Artes, especializado em escultura pela Universitat de Barcelona e pela Nottingham Trent University, Inglaterra. fundador e criador do coletivo artstico Penique Productions. Trabalha como artista em diferentes meios e mora entre Barcelona e Rio de Janeiro.

    [email protected] | www.sergiarbusa.com

    ficha tcnica

    47 Planejamento urbano, conflitos e ideologia: uma anlise do Plano Diretor do Arco Metropolitano do Rio de JaneiroUrban planning, conflicts and ideology: a review of Rio de Janeiros Metropolitan Ring Road Master Plan

    Por Ticianne Ribeiro de Souza

    59 Conflitos socioambientais e a periferizao do espao: desafios ao planejamento regional no Estado do Rio de JaneiroSocial environmental conflicts and peripheralization: challenges towards the regional planning in the state of Rio de Janeiro

    Por Marcos Thimoteo Dominguez

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    capa

    Neil Brenner

    No comeo da dcada de 1970, um jovem socilogo marxis-ta chamado Manuel Castells (na poca, exilado em Paris), iniciou sua interveno, que logo se tornaria um clssico, A Questo Urbana, ao declarar seu espanto que debate a respeito dos problemas urbanos que estavam se tornando um elemento es-sencial nas polticas de governos, nas preocupaes da mdia de massa e, con-sequentemente, no dia-a-dia de grande parte da populao (1977 [1972]: 1). Para Castells, esse espanto surgiu da sua perspectiva marxista ortodoxa, que pressupunha que a preocupao pelas questes urbanas eram ideolgi-cas. Acreditava que o verdadeiro mo-tor da mudana social residia em outro lado, na ao da classe trabalhadora e a mobilizao anti-imperialista. Sobre essa base, Castells procedeu a descons-truir aquilo que via como a ideologia urbana predominante sob o capitalis-

    Neil Brenner professor de Teoria Urbana na Harvard Gra-duate School of Design (GSD) e Coordenador do Urban Theory Lab. Sua pesquisa focada nas dimenses tericas, conceituais e metodolgicas das questes urbanas. Mais sobre o Urban Theory Lab: http://urbantheorylab.net. Autor de Implosions/Explosions: Towards a Study of Pla-netary Urbanization, recentemente publicado.

    [email protected]

    ____________

    O artigo foi originalmente publicado no volume 25 do peridico Public Culture. Theses on Urbanization, Public Culture, 25, 1, 2013, 86-114. Public Culture 25:1 DOI 10.1215/08992363-1890477. Copyright 2013 by Duke University Press

    Traduzido por Daphne Costa Besen.

    Teses sobre a urbanizao

    mo gerencial do ps-guerra: sua teoria levava a srio a construo social do fenmeno urbano no discurso acad-mico e poltico, mas em ltima instn-cia associava essas representaes com processos supostamente fundacionais, relacionados com o capitalismo e o pa-pel do estado na reproduo da fora laboral.

    Quatro dcadas depois da inter-veno clssica de Castells, o discurso sobre as questes urbanas presente na primeira parte do sculo XXI pode provocar facilmente um assombro similar: no porque marcara as ope-raes do capitalismo mas porque se tornou uma das meta-narrativas domi-nantes, por meio da qual se interpreta (tanto em meios acadmicos quanto na

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    Christchurch e Hong Kong dedicam grande ateno s questes da cultura urbana, desenho e desenvolvi-mento (Seijdel 2009; Kroeber 2012; Madden, for-thcoming). O Programa das Naes Unidas para os Assentamentos Urbanos (ONU-Habitat 1996) de-clarou o advento de uma era urbana, gerada pelo rpido crescimento da populao mundial2 nas ci-dades. Essa viso urbano-cntrica do atual momento geo-histrico se popularizou por meio de uma srie de conferncias temticas desenvolvidas em algumas das principais metrpoles do mundo, que foram organizadas e financiadas mediante uma iniciativa conjunta da London School of Economics e o Deutsche Bank (Burdett e Sudjic 2006). At os debates sobre as mudanas climticas e o futuro da biosfera esto sendo conectados com assuntos sobre a urbanizao. Agora se reconhece que o entorno construdo do pla-neta em efeito, a infraestrutura scio-material da urbanizao contribui diretamente para estabele-cer transformaes transcendentais na atmosfera, os hbitos biticos, as superfcies do uso da terra e as condies ocenicas, o que produz consequncias a longo prazo para o metabolismo das formas de vida humana e no-humanas (Luke 1997; Sayre 2010).

    Essas reorientaes intelectuais e culturais coin-cidem temporalmente com uma srie de transfor-maes espaciais, reposicionamentos institucionais e mobilizaes sociais em larga escala, que tm inten-sificado o significado e a magnitude das condies urbanas.

    2 Para uma contextualizao histrica e crtica detalhada dessa proposio da ONU, ver Brenner e Schmid 2012a.

    capa

    Teses sobre a urbanizao

    esfera pblica) nossa atual situao planetria. Hoje, a educao interdisciplinar avanada nas cincias so-ciais, planejamento e desenho est florescendo nas principais universidades, e os temas urbanos esto sendo debatidos energeticamente por historiadores, crticos literrios e outros experts da rea de huma-nas. Da mesma maneira, os cientistas fsicos e com-putacionais e ecologistas, contribuem para o desen-volvimento dos estudos urbanos por meio de suas exploraes de informaes baseadas em satlites, anlises geo-referenciadas e tecnologias de sistemas de informao geogrfica (sigla em ingls: GIS), que oferecem perspectivas mais diferenciadas sobre as geografias da urbanizao (Potere e Schneider 2007; Gamba e Herold 2009; Angel 2011). Alguns textos clssicos, como Morte e vida das grandes cidades americanas (1965) de Jane Jacobs e Cidade de quartzo (1991) de Mike Davis, seguem animando as discusses sobre urbanismo contemporneo, e mais recente, livros populares sobre cidades, como O triunfo da cidade (2011) de Edward Glaeser, Bem-vindos revoluo urbana (2010) de Jeb Brugmann e Quem a sua cidade? (2008) de Richard Florida, junto com documentrios como Urbanizado (dir. Gary Hustwit; 2011) e Mega-cidades (dir. Michael Glawogger; 1998), so am-plamente discutidos na esfera pblica1. A Exposio Universal de 2010, celebrada em Shangai sob o lema Uma melhor cidade, uma melhor vida, e grandes museus, exposies, e bienais de Nova York, Veneza,

    1 Para uma crtica mais forte de Florida 2008, Brugmann 2010 e Glaeser 2011, entre outros, ver Gleeson 2012.

    Figura 1: Como essa imagem de satlite com luzes noite ilustra, as geografias da urbanizao explodiram as barreiras das cidades, metrpoles, regio e territrio: assumiram uma escala planetria.

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    tivos governos nacionais, estaduais e municipais tm impulsionado iniciativas polticas espacialmente sele-tivas para criar novas matrizes vinculadas a inverso de capitais transnacionais e o desenvolvimento urba-no em vastas zonas de seus territrios (Ong 2000; Brenner 2004; Correa 2011; Park, Child Hill e Saito 2011). Essas estratgias pblicas as vezes apontam para os ncleos metropolitanos tradicionais, mas tambm articulam amplas estruturas de acumulao e regulao espacial, que se organizam ao longo de corredores intercontinentais de transporte, grandes redes de infraestrutura, telecomunicaes e energia, zonas de livre comrcio, tringulos de crescimento transnacionais e regies fronteirias internacionais. Essa paisagem estendida de urbanizao agora um campo de fora constitudo por estratgias estatais regulatrias entrecruzadas, que tm sido desenhadas para territorializar, em longo prazo, investimentos de larga-escala no ambiente construdo e para canalizar fluxos de matria-prima, energia, produtos bsicos, trabalho e capital por meio do espao transnacional (ver figuras 2 e 3).

    Um terceiro aspecto consiste em que, dentro des-se tumulto mundial de reorganizao scio-espacial e regulatria, esto se cristalizando novos vetores de luta social urbana. Michael Hardt e Antonio Negri sugeriram recentemente que a metrpole contem-pornea se converteu em um ponto de mobilizao scio-poltica, cujo papel anlogo ao que desempe-nhou a fbrica durante a poca industrial. De acor-do com esses filsofos, a cidade representa agora o espao do comum (Hardt e Negri 2009: 250) e, por conseguinte, a base territorial para a ao cole-tiva sob as condies do capitalismo globalizador, os estados neoliberalizadores e o Imprio reconstitudo. Em muitas regies urbanas do planeta, a noo de direito cidade (desenvolvida no final da dcada de 1960 por Henri Lefebvre) se transformou em um grito de combate para os movimentos sociais, as coa-lizes e os setores reformistas de tendncias dominan-tes e radicais, assim como para diversas organizaes no governamentais globais, a Organizao das Na-es Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO) e o Frum Urbano Mundial (Harvey 2012; Mayer 2012; Merrifield 2012; Schmid 2012). Logo, o urbano j no somente um local ou are-na de conflitos polticos, mas se tornou um de seus principais interesses em disputa. Cada vez mais, a re-organizao das condies urbanas aparece como um meio para modificar, em seu conjunto, as estruturas poltico-econmicas e as formaes espaciais gerais do capitalismo mundial correspondentes a primeira parte do sculo XXI (ver figura 4).

    Em primeiro lugar, as geografias da urbanizao (concebidas durante muito tempo com respeito s populaes densamente concentradas e aos entornos construdos das cidades) esto adquirindo morfolo-gias novas e de maior envergadura, que perfuram, atravessam e fazem explodir a antiga diviso entre o urbano e o rural (ver figura 1). Como explicam Edward Soja e Miguel Kanai (2006: 58):

    O urbanismo como modo de vida, circunscrito em outros tempos ao centro metropolitano histrico, se propagou externamente, criando densidades urbanas e novas cidades externas e perifricas onde antes havia subrbios, campos verdes ou zonas rurais. Em algumas reas, a urbanizao se expandiu em escala regional, o que gerou galxias urbanas gigantes, com tamanhos de populao e graus de poli-centrismo que superam amplamente qualquer coisa imaginada h apenas algumas dca-das (...). Em certos casos, as regies metropolitanas se unem e formam conglomerados ainda maiores, como parte de um processo que poderia ser chama-do de urbanizao regional estendida.

    Em segundo lugar, ao longo de cada uma das principais regies econmicas do mundo, os respec-

    Figura 2: Novas formas de planejamento espacial na Unio Europeia preveem uma infraestrutura integrada de extenso continental para transporte e comunicao em efeito, uma matriz europeia de urbanizao.

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    Essas tendncias so multifacetadas, volteis e contraditrias, e suas impor-tncias acumuladas representam uma questo que sem dvida est sujeita interpretaes e a um intenso debate. Embora, como mnimo, poderia se dizer que os espaos urbanos tm se tornado essenciais para a vida polti-ca, econmica, social e cultural, assim como para as condies socioambien-tais do mundo. Diversos campos da pesquisa social, a interveno poltica e o discurso pblico sustentam agora que a configurao dos entornos urbanos/urbanizantes construdos e das respec-tivas instituies tem consequncias significativas para o futuro do capita-lismo, a poltica e, de fato, o ecossiste-ma planetrio em sua totalidade. Para aqueles que h muito tempo se preocu-pam com questes urbanas, seja na teo-ria, na pesquisa, ou na prtica, esses so desenvolvimentos muito animadores. Mas tambm so acompanhados por novos desafios e perigos - por exemplo, a proliferao da confuso sobre a es-pecificidade do urbano propriamente dito, tanto como uma categoria de an-lise para teoria e pesquisa social, quanto como categoria de prtica na poltica e vida cotidiana3.

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    Ao final da dcada de 1930, o so-cilogo urbano da Escola de Chicago, Louis Wirth (1969 [1937]) escreveu um artigo em que delineou os contornos analticos do urbanismo com referncia uma trade clssica de propriedades sociolgicas grande tamanho da populao, alta densidade demogrfica e elevados n-veis de heterogeneidade demogrfica. Para Wirth, a coexistncia espacial dessas propriedades dentro das reas urbanas distinguia essas zonas de qualquer ou-tro tipo de assentamento e justificava a adoo de estratgias especficas ferramentas de um campo diferente da sociologia urbana para a pesquisa. Ao contrrio, no comeo do sculo XXI, o urbano

    3 A distino entre categorias de anlise e categorias de pr-tica desenvolvida por Rogers Brubaker e Frederick Cooper (2000). Para uma mediao poderosa sobre essas aplicaes sobre as questes urbanas, ver Wachsmuth, e, em um contex-to prvio, Sayer 1984.

    parece ter se convertido na quintessncia do signi-ficante difuso: sem nenhuma claridade em matria de parmetros de definio, coerncia morfolgica ou rigor cartogrfico, se usa para referenciar uma variedade aparentemente ilimitada de processos, transformaes, trajetrias, potenciais e condies scio-espaciais contemporneas. Ash Amin e Nigel Thrift (2002: 1) descrevem essa situao da seguinte maneira:

    A cidade est em todos os lados e em todas as coi-sas. Se o mundo urbanizado agora uma cadeia de reas metropolitanas conectadas por lugares/corre-dores de comunicao (aeroportos e linhas areas, estaes e ferrovias, estacionamentos e estradas, tele-portos e autopistas informticas), ento o que no o urbano? o povo, a aldeia, o campo? Tal-vez, mas apenas a um grau delimitado. As pegadas

    Figura 3: Novas geografias transnacionais de interveno estatal no processo urbano esto emergindo, como ilustrado nesse mapa de 2011 do projeto para a Initiative for the Integration of Regional Infrastructure in South America (IIRSA) Project Portfolio.

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    da cidade esto em todos esses lugares, na forma daqueles que viajam diariamente para o trabalho, turistas, trabalho distncia, meios de comunica-o e urbanizao dos modos de vida. A diviso tradicional entre a cidade e o campo foi perfurada.

    O processo emergente de urbanizao estendi-da est produzindo uma estrutura variegada que, em lugar de concentrar-se em pontos nodais ou de circunscrever-se regies delimitadas, se tece agora de maneira desigual e com uma densidade cada vez maior em grandes extenses de todo o mundo. Resul-ta impossvel entender adequadamente essa formao por meio dos conceitos tradicionais relacionados com a urbanidade, o metropolitanismo ou o esquema bi-nrio urbano/rural, que pressupe uma separao es-pacial coerente dos distintos tipos de assentamentos. Tampouco se pode conseguir uma compreenso efi-caz sobre a base de ideias mais recm-desenvolvidas em torno da cidade global(izadora), j que a maioria de suas variantes pressupem uma limitao territo-rial das unidades urbanas, embora agora, entendi-das como ligadas com outras cidades mediante redes transnacionais de capital, trabalho e infraestruturas de transporte/comunicao4. Paradoxalmente, no mesmo momento em que o urbano parece ter ad-quirido uma importncia estratgica sem precedentes para um amplo arco de instituies, organizaes, pesquisadores, atores e ativistas, o seu contorno se tornou escorregadio. A aparente ubiquidade da con-dio urbana contempornea faz com que se parea impossvel definir.

    Sob essas condies, o campo terico herdado de Wirth, Castells e outros urbanistas importantes do sculo XX se encontram agora em um estado de de-sordem. Se o urbano j no pode ser entendido como um lugar particular dizer, como um tipo de assen-tamento discreto, distintivo e relativamente delimi-tado, onde prevalecem formas especficas de relaes sociais o que poderia ento justificar a existncia de um campo intelectual dedicado a sua investigao?

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    Na atualidade, o mundo dos estudos urbanos aca-dmicos hospeda diversos sintomas mrbidos, que parecem significar a ltima entre uma longa sucesso de crises epistemolgicas que tm periodicamente ri-cocheteado por meio do campo desde suas origens,

    4 Ver Brenner e Schmid 2012a. Cities (2002) de Amin e Thrift desenvolve uma verso produtiva dessa crtica, embora seja orientada em direo a um caminho metodolgico dife-rente do que o desenvolvido aqui.

    h quase um sculo5. Os pesquisadores mais espe-cializados e orientados empiricamente desenvolvem tarefas formidveis no que diz respeito coleta de da-dos, e refinamento metodolgico e os estudos concre-tos se mantm em p frente ao desafio de lidar com a decadncia das bases epistemolgicas. Desse modo, a especializao disciplinria e sub-disciplinria pro-duz um campo cego - segundo a denominao de Lefebvre (2003 [1970]: 29, 53) - onde as investiga-es concretas sobre temas tradicionais continuam acumulando-se, apesar de que o fenmeno urbano tomado como um todo est oculto da nossa vista6. Enquanto isso, entre os urbanistas que se mostram interessados em abordar essas questes, existe uma maior confuso enquanto as bases analticas e a ra-zo de ser do campo em sua totalidade. Uma reviso superficial dos trabalhos recentes sobre teoria urbana revela que existem discrepncias de base em quase todos os temas imaginveis: tanto para conceituar o que estudam (ou deveriam estudar) os urbanistas como justificar por que o fazem (ou deveriam faz-lo) e para determinar qual a melhor maneira de alcan-

    5 Para crises prvias, ver Castells 1976 e Abu-Lughod 1969. Sobre desafios contemporneos, ver, entre outros trabalhos, Roy 2009; Roy e Ong 2011; Zukin 2011; e Schmid, s.d.6 O conceito de campo cego emprestado da polmica de Lefebvre contra o excesso de especializao nos estudos urba-nos da corrente principal, uma situao que em sua viso con-tribui para uma fragmentao de seu objeto bsico de anlise e para mascarar a totalidade mundial formada pela urbanizao capitalista. Ver Lefebvre 2003 (1970).

    Figura 4: Outra cidade, outro mundo. 2011. Ange Tran, Not an Alternative.

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    ar seus objetivos7. Essa situao gerou uma Torre de Babel acadmica (Lefebvre 2003 [1970]: 54) em que, mesmo quando existem inovaes conceituais produtivas, a fragmentao das realidades urbanas na prtica poltica, econmica e cultural cotidiana replicada sem demasiado sentido crtico dentro do terreno discursivo da teoria urbana.

    Dentro desse marco, uma tendncia particular-mente problemtica o giro contextualista que se tornou moda entre muitos urbanistas marcados pela teoria do ator-rede de Bruno Latour e, associados a ela, os conceitos neo-deleuzianos de agenciamento. Sobretudo em suas variantes moduladas ontologica-mente, esses enfoques rejeitam as formas abstratas ou macro-estruturais de argumentao em favor de narrativas baseadas em lugares especficos e descries densas, que parecem oferecer um meio mais direto para acessar aos contornos micro-sociais de uma pai-sagem urbana que muda rapidamente8. Essas posi-es podem rodear parcialmente alguns dos pontos cegos estruturalistas correspondentes s anteriores posturas meta-tericas; e em certos casos, conseguir abrir novos e frutferos horizontes para indagar sobre os processos urbanos, particularmente em respeito ao papel dos agentes no-humanos na estruturao dos lugares. Porm, lamentavelmente, a maioria dos trabalhos sobre agenciamentos urbanos nem sequer abordam os enigmas epistemolgicos de base deline-ados anteriormente e, por conseguinte, esto muito longe de comear a resolv-los9. Tambm aqui, o conceito do urbano est unido a um conjunto ex-traordinariamente difuso de referentes, conotaes e condies. Todos esses fatores derivam com frequ-ncia das categorias cotidianas da prtica, que logo se convertem de maneira no reflexiva em compro-missos analticos. Assim, a indeterminao terica do campo se aprofunda ainda mais, enquanto o contex-to do contexto as amplas dimenses geopolticas e geoeconmicas dos processos contemporneos de urbanizao e as formas associadas que mostram o sistema capitalista mundial enquanto a reestrutura-o, a expropriao e o desenvolvimento espacial de-

    7 Para um resumo til e avaliaes crticas sobre esse assunto, ver Soja 2000 e Roy 2009. Outro recurso til sobre esse deba-te o peridico CITY: Analysis of Urban Trends, Culture, The-ory, Policy, Action, que dedica grande ateno s discusses de bases tericas / epistemolgicas e suas ramificaes polticas.8 Os textos-chave nessa linha de pesquisa incluem Latour e Hermant 2006 (1998); Faras e Bender 2010; e McFarlane 2011a, 2011b.9 Uma importante exceo essa generalizao o trabalho de Ignacio Faras (2010), que explicitamente confronta tais questes e prope uma radical, se controversa, reflexo da questo urbana. Uma avaliao mais cautelosa do potencial de tais abordagens na pesquisa urbana apresentado em Bender 2010.

    sigual submetida a uma anlise de caixa preta10. Existe algum futuro para a teoria urbana em um

    mundo onde a urbanizao foi generalizada? O que os urbanistas devem fazer? Afirmar o carter aparen-temente amorfo do terreno escolhido para sua pes-quisa e resignar a tarefa de rastrear a vida social e a forma especial de lugares definidos genericamente? Ou devem os estudos urbanos hoje em dia serem seguidos utilizando o controvertido marco no--espacial proposto por Peter Saunders, nos anos 80 (1986 [1981]), que enfatizava processos sociais cons-titutivos (em particular, o consumo coletivo) em vez de sua materializao em formas espaciais? Ou, des-de um ponto de vista ainda mais radical, talvez seja tempo de falar do campo anteriormente conhecido como estudos urbanos, considerando que o traba-lho nesse mbito de investigao corresponde a uma fase da modernidade capitalista cujas pr-condies scio-espaciais j foram substitudas? Em uma recen-te reflexo de tom provocador, o eminente socilogo urbano Herbert Gans (2009) sugere algo dessa n-dole: prope substituir a problematique herdada dos estudos urbanos por outra vinculada a uma sociolo-gia de assentamentos, com base em tipologias rein-ventadas da organizao espacial humana e em uma compreenso menos rgida dos limites entre lugares. Ao contrrio de Saunders, Gans insiste que o campo em debate deve reter um componente especial, mas opta por abandonar a cartografia do espao de assen-tamento urbano que durante muito tempo apoiou a sociologia urbana, incluindo suas prprias investiga-es pioneiras desenvolvidas a partir dos anos 60.

    tentador seguir a direo de Gans e confron-tar os cenrios emergentes de urbanizao com um quadro-negro conceitual mais ou menos em branco, desprovido da bagagem epistemolgica desajeitada associada ao ltimo sculo de debates sobre cidades, formas metropolitanas e questes urbanas. Faz-lo, porm, implicaria reintroduzir uma verso da recu-sa prvia de Castells frente ao discurso urbano como pura ideologia. Essa posio no teria elementos su-ficientes para explicar a contnua e poderosa resso-nncia do urbano ao longo de diversas reas da teoria e da pesquisa, assim como sua invocao difundida como local, objetivo ou projeto em tantas esferas de reorganizao institucional, estratgia poltico-eco-nmica e luta popular. Certamente, o compromisso intensificado com as condies e potencialidades ur-banas esboado anteriormente indica que o mun-do contemporneo est atravessando transformaes

    10 Sobre a noo de contexto do contexto, ver Brenner, Peck e Theodore 2010. Uma verso dessa linha de crtica desen-volvida em Brenner, Madden e Wachsmuth 2010 e tambm Wachsmuth, Madden e Brenner 2011.

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    scio-espaciais sistmicas e demonstra o esforo atual para construir esse mapa cognitivo do qual falou Fre-dric Jameson (1988: 347-57), que permitia assegurar a orientao cartogrfica em condies de profundo deslocamento fenomenolgico11.

    Independentemente de suas dimenses ideolgi-cas, que so considerveis, a noo do urbano no pode se reduzir a uma categoria de prtica; segue sendo uma ferramenta conceitual crtica em qual-quer tentativa de teorizar a atual destruio criativa do espao poltico-econmico sob o capitalismo do comeo do sculo XXI12. Como reconheceu Lefeb-vre (2003 [1970]), esse processo de destruio cria-tiva (em seus termos, imploso-exploso) no se limita a nenhum lugar, territrio ou escala de tipo especfico; gera uma problemtica, uma sndrome de condies, processos, transformaes, projetos e lutas emergentes, que se conecta a generalizao desigual da urbanizao em escala planetria. Con-sequentemente, deve-se sustentar a continuao da teoria urbana, embora em uma forma reinventada criticamente, que identifique o carter incessante-mente dinmico e criativamente destrutivo do fen-meno urbano (Lefebvre 2003 [1970]) sob a ordem capitalista e que, sobre essa base, aponte a decifrar os padres emergentes da urbanizao planetria. De acordo com a adequada formulao combativa de Ananya Roy (2009: 820), esse momento sem dvi-da o ideal para abrir novas geografias tericas, para uma abordagem rejuvenescida dos estudos urbanos crticos.

    2 2 2

    Sem inteno de provocar um curto-circuito no processo de aberta e turbulenta experimentao te-rica que requer tal iniciativa, o restante deste ensaio apresenta uma srie de teses destinadas a promover um debate sobre a condio urbana contempornea no planeta, o estado de nosso patrimnio intelectual nos campos acadmicos dedicados a sua investiga-o e as perspectivas para a adoo de novas estra-tgias conceituais, capazes de decifrar as realidades e as potencialidades urbanas emergentes em diversos lugares, territrios e escalas. Vrias dessas teses esto vinculadas vasta literatura acadmica sobre estudos urbanos que foi se desenvolvendo durante quase um sculo. Outras teses confrontam um terreno analti-

    11 O conceito neo-Althusseriano de Jameson baseia-se na es-trita noo fenomenolgica introduzida pelo designer urba-no Kevin Lynch em seu texto clssico The Image of the City (1960).12 Sobre a destruio criativa do espao urbano, ver Harvey 1989.

    co o qual corresponde pouca pesquisa urbana, ou que foi previamente abordado por meio de rotas que geralmente caem para fora da rbita dos estudos ur-banos, pelo menos no sentido tradicional do campo.

    Enquanto essas teses sustentam um argumento de que deve-se seguir prestando ateno nas questes ur-banas, elas propem uma viso reconstituda do lu-gar dessas questes. Como enfatizou acertadamente Andrea Kahn (2005: 287), a demarcao dos lugares urbanos sempre implica complexas manobras episte-molgicas, polticas e cartogrficas; se trata mais de configuraes multi-escalares heteroglssicas para interaes e intersees que de artefatos espaciais, discretos, pr-estabelecidos ou autnomos. Entretan-to, de uma maneira mais abstrata, a orientao teri-ca aqui desenvolvida sugere que o carter urbano de qualquer local (desde a escala do bairro at a do mun-do inteiro) s pode ser definido em termos substan-tivos, com respeito aos processos scio-espaciais his-tricos que o produzem. Como se tem apontado, o urbano ento uma abstrao concreta, na qual as relaes scio-espaciais contraditrias do capitalismo (mercantilizao, circulao e acumulao de capital e formas conexas de regulao/ impugnao poltica) so territorializadas (incorporadas em contextos con-cretos e, por fim, fragmentadas) e ao mesmo tempo se generalizam (estendidas ao longo de cada lugar, territrio e escala e, ento, universalizadas) (Brenner 1998; Schmid 2005; Stanek 2011: 15156). Assim, o conceito de urbano tem o potencial para iluminar o modelado criativamente destrutivo dos cenrios s-cio-espaciais modernos, no somente dentro de cida-des, reas metropolitanas e outras zonas consideradas tradicionalmente no mbito do urbanismo, mas tam-bm por meio do espao do mundo como um todo13.

    Desde o metodolgico, e acaso tambm desde o substancial, essas propores se inspiram em Lefebvre (2003 [1970]: 66) e em sua chamada meta-filosofia da urbanizao: um enfoque exploratrio que pro-porciona orientao, ... abre caminhos e revela um horizonte, no lugar de fazer declaraes sobre uma condio atualizada ou um processo completo. Na medida em que os mapas cognitivos herdados da

    13 As noes de global, planetrio, e o mundo so igualmente filosfica e politicamente contestadas e requerem mais anli-ses. Ver Elden 2011; Sarkis 2011; Madden, forthcoming; e os vrios textos reunidos em Lefebvre 2009. Para motivos pre-sentes, deve ser suficiente simplesmente notar que o mundo, como utilizado aqui, refere-se a um planeta que abrange zona de ao, imaginao e potencialidade que dialeticamente co-produzida com o urbano: no somente preenchido pela extenso global da urbanizao, mas ativamente constitudo e perpetuamente reorganizado nas e pelas relaes urbanas scio-espaciais. Esse ponto lucidamente desenvolvido em Madden, forthcoming.

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    condio urbana demonstram ser cada vez mais inadequados (ou talvez obso-letos), a qualidade tentativa e experi-mental desse mtodo adquire grande relevncia. Necessita-se com urgncia de um novo mapa cognitivo, cujos ele-mentos essenciais guardem coerncia de uma forma compreensvel. Cabe assinalar que muitas das proposies delineadas abaixo no so mais do que esquemas especulativos orientados para vias de conceptualizao e pesqui-sa que ainda devem ser abordadas. Seu potencial para informar mapeamentos futuros sobre a condio urbana pla-netria ainda precisa ser explorada e elaborada. O Diagrama 1 oferece um resumo esquemtico de algumas das distines apresentadas no texto.

    1. O urbano uma construo terica. O ur-bano no um local, espao ou objeto pr-estabe-lecido; sua demarcao como zona de pensamento, representao, imaginao ou ao somente pode se produzir por meio de um processo de abstrao terica (Martindale 1958; Abu-Lughod 1969; Cas-tells 1977 [1972]). Tais abstraes condicionam o modo que esculpimos nosso objeto de estudo e as propriedades que devemos considerar nos objetos particulares (Sayer 1984: 281; ver tambm Sayer 1981). Assim, eles tm um impacto enormemente estruturador em investigaes concretas de todos os aspectos pertencentes ao entorno construdo e a re-estruturao scio-espacial. Nesse sentido, as ques-tes de conceptualizao configuram o ncleo de todas as formas de estudo urbano, ainda nos casos

    Diagrama 1: Algumas distines teis para uma teoria da urbanizao planetria.

    mais empricos, contextualizados e orientados aos detalhes. Elas no so meras condies de fundo ou dispositivos de moldura, mas constituem o prprio tecido interpretativo por meio do qual os urbanis-tas entrelaam meta-narrativas, orientaes poltico--normativas, anlises de dados empricos e estratgias de interveno.

    2. O local e o objeto da pesquisa urbana so es-sencialmente contestados. Desde a institucionaliza-o formal dessa rea sociolgica no comeo do scu-lo XX, a demarcao conceitual do urbano tem sido um tema de intensos debates e desacordos dentro das nas cincias sociais. A partir de ento, a trajetria da pesquisa urbana no s compreende a acumulao de estudos concretos em e de espaos urbanizantes, mas tambm a contnua rearticulao terica de sua

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    especificidade como tal, tanto no plano social como espacial. Durante o ltimo sculo, muitos dos gran-des saltos conquistados neste campo se produziram mediante a elaborao de novos cortes tericos na natureza da questo urbana (Gottdiener 1985; Saun-ders 1986 [1981]; Merrifield 2002).

    3. As principais vertentes dos estudos urbanos no demarcam seu local e objeto em termos de reflexividade terica. Em grande parte dos estudos especficos realizados durante o sculo XX, as cidades e os espaos urbanos foram considerados como locais de pesquisas transparentes e empiricamente coeren-tes. Consequentemente, o carter do estudo urbano foi concebido simplesmente com referncia a cir-cunstncia que seu ponto focal est localizado dentro de um lugar rotulado como cidade. Porm, essas posies empiricistas e predominantes no podem justificar suas prprias condies histricas e geogr-ficas de possibilidade: necessariamente, pressupem determinados postulados tericos com respeito a es-pecificidade da cidade e/ou o urbano, que moldam de maneira firme a trajetria da investigao concre-ta, geralmente em modos que no so examinados. Talvez a reflexividade crtica nos estudos urbanos so-mente possa ser cumprida se esses postulados forem explcitos, sujeitos a uma anlise sistemtica e revi-sados continuamente tendo em conta o desenvolvi-mento de questes da pesquisa, orientaes poltico--normativas e preocupaes prticas (Castells 1976).

    4. Tradicionalmente, os estudos urbanos de-marcaram o urbano em contraposio aos espaos presumidamente no-urbanos. Desde suas origens, o campo de pesquisa dos estudos urbanos concebeu o urbano como um espao de assentamento especfico, que em um plano qualitativo diferente dos espaos presumidamente no-urbanos que o rodeiam: desde os subrbios, a cidade e a aldeia at a zona rural, o campo e o deserto (Wirth 1969 [1937]; Gans 2009). Socilogos urbanos da Escola de Chicago, importan-tes economistas dedicados ao tema, tericos destaca-dos, demgrafos urbanos, gegrafos neomarxistas e tericos da cidade global podem discordar da base dessa especificidade, mas todos se engajam na mano-bra analtica dirigida a delinear a singularidade ur-bana mediante um contraste explcito ou implcito frente s condies scio-espaciais situadas em ou-tro lugar14. Em efeito, o terreno do no-urbano, esse outro lugar eternamente presente, serviu durante

    14 Debates sobre a questo urbana como uma questo de es-cala (Brenner 2009) representam uma exceo parcial essa generalizao, desde que eles envolvem analiticamente ao con-trastar o urbano escalas supra-urbanas (um vetor compara-tivo vertical) ao invs de territrios extra-urbanos (um vetor comparativo horizontal).

    muito tempo como um constitutivo exterior que es-tabiliza a mesma inteligibilidade do campo desses es-tudos. O no-urbano aparece simultaneamente como o Outro ontolgico do urbano, seu oposto radical, e como sua condio epistemolgica de possibilidade, a base sobre a qual pode ser reconhecido como tal (ver figuras 5 e 6)15.

    5. O interesse pelas tipologias dos assentamen-tos (essncias nominais) deve ser substitudo pela anlise dos processos scio-espaciais (essncias constitutivas). O desenvolvimento de tipologias que dizem respeito ao espao de assentamento, urbano e por outro lado, exige delinear uma essncia nominal que permita compreender a singularidade das formas ou condies scio-espaciais particulares est para ser compreendida. Essa aspirao metodolgica foi uma preocupao de grande importncia para as princi-pais vertentes tericas do sculo XX, e se mantm dentro de vrias tradies importantes da investiga-o urbana contempornea. Mas, tempo dos urba-nistas abandonarem a busca por uma essncia nomi-nal destinada a distinguir o urbano como um tipo de assentamento (concebido como cidade, cidade--regio, megacidade, metrpole, megalpoles, etc.) e a concepo similar de outros espaos (suburbanos, rurais, naturais, etc.) como no-urbanos devido a sua suposta separao das condies, as tendncias e os efeitos urbanos. Para compreender a produo e a implacvel transformao da diferenciao espacial, a teoria urbana deve priorizar a investigao de es-sncias constitutivas, ou seja, os processos por meio dos quais so produzidas as heterogneas paisagens do capitalismo moderno16.

    15 O binarismo urbano/no-urbano produtivamente explo-dido no livro clssico de William Cronon sobre o desenvol-vimento simultneo de Chicago e do Grande Oeste, Natures Metropolis (1991). O mesmo conjunto de questes podero-samente explorado no estudo brilhante de Alan Berger (2006) sobre desperdcio de paisagens e urbanizao horizontal na Amrica do Norte desindustrializada. Uma das primeiras tentativas explicitamente para tratar o no-urbano como uma zona de significncia terica ao projeto da teoria urbana a edio de 2012 do MONU (Revista sobre urbanismo) intitula-do Non-urbanism (n. 16).16 A distino entre essncias nominais e constitutivas deriva de Sayer 1984. Sobre a teorizao baseada em processo, ver Harvey 1982 e Ollman 1993. A metodologia com base em processos aqui proposta sustenta h muito tempo abordagens histrico-geogrficas materialistas para a teoria scio-espacial, mas com pequenas excees importantes (Heynen, Kaika, e Swyngedouw 2006; Swyngedouw 2006), suas ramificaes inteiras para as fundaes tericas da pesquisa urbana ainda precisam ser elaboradas por completo. Particularmente quan-do se despe de sua metodologia da cidade latente (Angelo e Wachsmuth, s.d.; Wachsmuth, forthcoming-b), o conceito de metabolismo urbano uma ferramenta analtica extrema-mente frutfera para avanar tal metodologia.

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    Figura 5: Nessa representao de uma srie cronolgica, o gegrafo Brian J. L. Berry utilizou um indicador emprico simples para demarcar a interface mutante urbano/rural - a porcentagem de terra dedicada s funes agropecurias. Brian J. L. Berry, The Human Consequences of Urbanization: Divergent Paths in the Urban Experience of the Twentieth Century. New York: St. Martins, 1973.

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    6. Necessita-se um novo lxico de diferenciao scio-espacial. As geografias do capitalismo so mais variadas do que nunca: os processos contemporneos de urbanizao dificilmente significam a transcen-dncia do desenvolvimento espacial desigual e a de-sigualdade territorial em todas as escalas geogrficas. Porm, necessrio contar com um novo lxico de diferenciao scio-espacial para compreender os pa-dres e caminhos emergentes da reorganizao urba-na planetria. Na atualidade, a diferena espacial j no assume a forma de uma diviso entre o urbano e o rural, mas se articula mediante uma exploso de padres e potenciais de desenvolvimento dentro de um tecido de urbanizao mundial que se engrossa (mesmo que de uma maneira desigual)17. Os vocabu-lrios herdados sobre espaos de assentamento, tan-to vernacular quanto cientfico-social, no oferecem mais que um ponto de partida epistemolgico para essa iniciativa. Eles somente podem ser executados criticamente efetivos em um marco que enfatize a agitao perptua das formaes scio-espaciais sob o capitalismo, em vez de pressupor sua estabilizao dentro de entornos construdos, envelopes jurisdicio-nais ou paisagens ecolgicas. Esse enfoque foi impul-sado com grande sistematicidade por uma equipe de acadmicos, arquitetos e desenhistas no ETH Studio de Basileia, liderando o desenvolvimento do retrato urbano da Sua ilustrado na figura 7 (Schmid 2001, 2012b).

    Cabe destacar que as zonas representadas no mapa no so concebidas como arenas territoriais fe-chadas ou como a materializao de distintos tipos de assentamento, mas como indicadores de processos contraditrios (mesmo que interconectados) ocor-

    17 Essa a tese central de Diener et al. 2001.

    ridos na restruturao scio-espacial sob a atual reorganizao industrial, trabalhista, poltico-regulatria e am-biental. Sua presena demarca o le-gado geogrfico deixado pelas sries anteriores de reestruturaes urbanas, assim como o marco territorial onde sero produzidos os futuros caminhos e potenciais.

    7. Efeitos urbanos persistem dentro de uma paisagem scio--espacial muito heterognea. Esse esforo tambm deve prestar ateno sistematicamente na atual produo e reconstituio de ideologias urbanas, incluindo as que propagam vises da cidade como uma unidade diferente, distinta e territorialmente delimitada,

    se em contraposio ao rural ou natural, como um sistema autnomo, como um tipo ideal ou como um objetivo estratgico para a interveno (Wachsmuth, forthcoming-a; ver tambm Goonewardena 2005). A desconstruo desses efeitos urbanos desempenha h muito tempo um papel central para o projeto de teo-ria urbana crtica, enquanto que essa tarefa adquiriu uma renovada urgncia sob as condies de urbani-zao planetria que parecem ter ampliado o abismo entre os mapas cognitivos cotidianos e os cenrios mundiais de destruio criativa18. Que prticas e es-tratgias produzem o efeito experimental persistente da diferenciao social, a limitao territorial ou a estruturao coerente em matria urbana? Como va-riam esses ltimos aspectos por meio de lugares e ter-ritrios? Como as prticas e estratgias (e seus efeitos) se transformaram durante o desenvolvimento capi-talista mundial e sob as condies contemporneas?

    8. O conceito de urbanizao requer uma rein-veno sistemtica. Devido sua sintonizao com a problemtica das essncias constitutivas, o concei-to de urbanizao uma ferramenta crucial para in-vestigar o processo urbano planetrio. Porm, para servir a esse propsito, deve escapar das tradies urbano-cntricas, metodologicamente territorialistas e predominantemente demogrficas que at agora monopolizaram seu uso. As abordagens convencio-nais equiparam a urbanizao com o crescimento de determinados tipos de assentamento (cidades, reas urbanas, metrpoles), que so concebidas como uni-dades territorialmente discretas, delimitadas e aut-nomas, incorporadas a um cenrio mais amplo, de

    18 Uma preocupao similar com o abismo entre experincia e a totalidade produzida pelo capital, anima a teorizao cls-sica de Jameson (1988) do mapeamento cognitivo.

    Figura 6: Terry McGee apresentou o

    conceito de regio desakota (literalmente, o termo significa

    aldeia-cidade em indonsio) para marcar o

    limite irregular entre espaos

    urbanos e no-urbanos na sia.

    Terry McGee, The Emergence

    of Desakota Regions in Asia:

    Expanding a Hypothesis, em

    The Extended Metropolis: Settlement

    Transition in Asia, editado

    por Norton Ginsburg, Bruce

    Koppel e Terry McGee. Honolulu:

    University of Hawaii Press,

    1991.

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    carter urbano ou rural. Ademais, essas perspectivas frequentemente privilegiam critrios puramente de-mogrficos, tais como limiares demogrficos e/ou gradientes de densidade, como a base a qual se classi-fica padres de desenvolvimento urbano e caminhos. Consequentemente, a urbanizao se reduz a um processo em que, dentro de cada territrio nacional, as populaes dos lugares densamente habitados (ci-dades) parecem expandir-se em termos relativos e absolutos. Esse o modelo que tem sido utilizado pela Organizao das Naes Unidas (ONU) desde o comeo da dcada de 1970, quando a instituio comeou a produzir dados sobre nveis de popula-o urbana no mundo, e respalda as declaraes

    contemporneas de que estamos vivenciando uma era urbana porque mais da metade da populao mundial aparentemente mora em cidades (ver figura 8)19. Embora essas interpretaes capturem dimen-ses significativas da mudana demogrfica produ-zida dentro de um sistema global de assentamentos em desenvolvimento, so limitadas tanto emprica (os critrios para os tipos de assentamentos urbanos apresentam enormes diferenas de acordo com o contexto de cada pas) quanto teoricamente (no h uma conceptualizao coerente, reflexiva e historica-

    19 Tais alegaes so criticadas em maior extenso em Brenner e Schmid 2012a.

    Figura 7: Esse mapa da paisagem urbana da Sua elaborado pelo ETH Studio Basileia, substitui o tradicional binarismo urbano/rural por uma classificao de cinco partes das regies metropolitanas, redes de cidades, zonas quietas, resorts alpinos e terras alpinas no-cultivveis. ETH Studio Basel, 2005.

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    mente dinmica da especificidade urbana). Enquanto isso, vrias tradies da teoria urbana do sculo XX que em seu momento foram marginalizadas ou su-bestimadas podem agora oferecer valiosos elementos conceituais e orientaes cartogrficas para revitali-zar a teoria de urbanizao (ver, por exemplo, Got-tmann 1961; Friedmann e Miller 1965; Dioxiadis e Papaioannou 1974; e acima de tudo, Lefebvre 2003 [1970]). A possibilidade de que as geografias da urba-nizao transcendam a cidade, a metrpole e a regio somente foi apenas considerada ocasionalmente por tericos urbanos do ps-guerra, mas sob as condies planetrias contemporneas tem uma ressonncia in-telectual extraordinria (ver figura 9).

    9. A urbanizao contm dois momentos dia-leticamente inter-relacionados: concentrao e extenso20. Durante muito tempo, a teoria urbana concebeu a urbanizao principalmente em termos de aglomerao, ou seja, a concentrao densa de populao, infraestrutura e investimento em deter-minados lugares situados sobre um plano territorial de maior amplitude e menor densidade demogrfica. Embora se saiba que a escala e a morfologia dessas

    20 Essa tese, e em particular a distino entre urbanizao concentrada e estendida, deriva do trabalho colaborativo em curso com Christian Schmid; eu sou grato por sua permis-so de apresentar aqui de maneira altamente abreviada. Essa conceptualizao desenvolvida em extenso em Brenner e Schmid 2012b e tambm em nosso livro manuscrito, Plane-tary Urbanization. O conceito de urbanizao estendida foi inicialmente proposto por Roberto Luis de Melo Monte-Mr (2004, 2005) em uma investigao pioneira da Amaznia bra-sileira.

    concentraes experimentam mudanas drsticas ao longo do tempo, em geral, a urbanizao foi definida com referncia a essa tendncia scio-espacial bsica (ver figuras 10 e 11).

    Muito menos ateno foi dedicada a outro tema vinculado ao processo de aglomerao: como se origi-na e, por sua vez, deixa uma marca nas amplas trans-formaes da organizao scio-espacial e as condi-es ecolgicas / ambientais presentes no resto do mundo. Embora grande parte dos tericos urbanos as ignoraram ou relegaram ao plano analtico, tais transformaes (materializadas em densos circuitos de trabalho, produtos bsicos, formas culturais, ener-gia, matria prima e nutrientes) simultaneamente ir-radia para fora da zona imediata de aglomerao e retornam simultaneamente a maneira de imploso a mediada que se desdobra o processo de urbanizao. Dentro desse campo de desenvolvimento urbano, es-tendido e cada vez mais universal, as aglomeraes se formam, se expandem, contraem e se transformam de maneira contnua, mas sempre por meio de den-sas redes de relaes com outros lugares, territrios e escalas, includos os mbitos tradicionalmente classificados como alheios condio urbana. Esses ltimos abarcam, por exemplo, povos pequenos e mdios, aldeias situadas em regies perifricas e zo-nas agroindustriais, corredores intercontinentais de transporte, rotas transocenicas, circuitos de energia e infraestrutura de comunicao em grande escala, cenrios destinados a extrao de recursos do sub-solo, rbitas dos satlites e ainda a prpria biosfera. Consequentemente, desde a perspectiva aqui anun-ciada, a urbanizao compreende a concentrao e

    Figura 8: A noo

    atualmente difundida de

    uma era urbana baseada

    na assuno problemtica de

    que a urbanizao pode ser

    entendida em primeiro lugar

    com referncia ao crescimento

    dos nveis de populao da

    cidade. Grfico por Paul Scruton,

    de um artigo por John Vidal,

    Burgeoning Cities Face Catastrophe, Says UN, no The Guardian, 27 de Junho de 2007, www.guardian.

    co.uk.

  • 19n 19 ano 5 | dezembro de 2014 e-metropolis

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    a extenso: esses momentos esto diale-ticamente inter-relacionados, na medida em que pressupem-se e contrapem-se mutuamente de forma simultnea.

    Por um lado, essa proposio sugere que as condies e trajetrias das aglome-raes (cidades, cidades-regies, etc.) de-vem se conectar analiticamente com pro-cessos de maior escala relacionados com a reorganizao territorial, a circulao (de trabalho, produtos bsicos, matrias primas, nutrientes e energia), e a extrao de recursos, que, em definitivo, abarcam o espao do mundo inteiro (ver figuras 12 e 13). Ao mesmo tempo, essa perspectiva sugere que, na realidade, as transforma-es socioambientais importantes ocorri-das em zonas geralmente no-vinculadas s condies urbanas (desde circuitos agroindustriais e cenrios dedicados a ex-trao de petrleo, gs natural e carvo at redes transocenicas de infraestrutura, tubagens subterrneas e rbitas de satli-tes) esto cada vez mais inter-relacionadas com os ritmos de desenvolvimento das aglomeraes urbanas. Em consequncia, independentemente de sua demarcao administrativa, morfologia scio-espacial, densidade populacional, ou posio den-tro do sistema capitalista global, tais es-paos devem ser considerados como com-ponentes integrados de um tecido urbano estendido, de carter mundial (ver figuras

    Figura 9: No incio da dcada de 1970, Constantinos Doxiadis construiu uma viso altamente especulativa da urbanizao mundial, que postulava a formao de franjas de assentamento em grande escala que rodeavam boa parte do planeta. Doxiadis e Papaioannou (1974).

    Figura 10: Durante a evoluo do capitalismo moderno, a escala da urbanizao concentrada se expandiu consideravelmente, como ilustra esse mapa da evoluo espacial de Londres no longo prazo. Constantinos Doxiadis, Ekistics: An Introduction to the Science of Human Settlements. Oxford: Oxford University Press, 1968. Com permisso da Oxford University Press Inc., www.oup.com

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    14 e 15). Essa dialtica de imploso (concentrao, aglomerao) e exploso (extenso do tecido urbano, intensificao da conectividade interespacial em di-ferentes lugares, territrios e escalas) um horizonte analtico, emprico e poltico essencial para qualquer teoria crtica de urbanizao nessa primeira parte do sculo XXI.

    2 2 2

    Voltamos ento a clssica pergunta formulada h quatro dcadas por Castells em The Urban Ques-tion: Existem unidades urbanas especficas? (1977 [1972]: 101). Dadas as condies nas quais a ur-banizao se generaliza hoje em escala planetria, a pergunta deveria ser reformulada para: Existe um processo urbano?.

    De maneira muito similar a forma nao (se-gundo a anlise efetuada por crticos radicais no na-cionalismo), a forma urbano sob o capitalismo um efeito ideolgico de prticas especficas nos pla-nos histricos e geogrficos, que criam um aspecto estrutural de singularidade, coerncia e delimitao territorial dentro de um turbilho mundial mais am-plo caracterizado pela rpida transformao scio--espacial (Goswami 2002)21. Durante muito tempo,

    21 Essa reivindicao desenvolvida produtivamente em re-lao ideologia urbana em Wachsmuth, forthcoming-a; uma

    o campo de estudos urbanos pressups o carter tipo unidade do urbano, ou tentou explic-lo com relao a uma suposta essncia nominal, inerente a organizao do espao de assentamento. O efeito ur-bano foi naturalizado, ao invs de ser visto como um enigma que requer teorizao e anlise. Na medida em que os urbanistas perpetuam essa naturalizao selecionando determinadas categorias de anlise, o campo segue atado a um obstculo epistemolgico. Se trata de um fenmeno similar ao que obstaculizou os estudos sobre nacionalismo antes das intervenes orientadas aos processos, promovidas h mais de trs dcadas por acadmicos como Nicos Poulantzas, Benedict Anderson e tienne Balibar, entre outros. Mais que nunca, resulta urgente decifrar a interao entre a urbanizao e os padres de desenvolvimento espacial desigual, mas as noes territorialistas da ci-dade, o urbano e a metrpole so ferramentas concei-tuais cada vez menos adequadas para esse fim.

    Essas consideraes sugerem vrios horizontes possveis para a teoria e pesquisa urbana, incluindo as seguintes:

    - Destruio criativa de paisagens urbanas. Desde muito tempo, as formas capitalistas de urba-nizao implicam processos de destruio criativa: as infraestruturas produzidas socialmente para a circula-

    explicao anloga mais prxima implcita no conceito de coerncia estruturada em David Harvey (1989).

    Figura 11: O processo de

    urbanizao concentrada

    inclui fluxos de trabalhadores

    dentro e ao redor de aglomeraes

    em grande escala. Brian J. L. Berry,

    Geographic Perspectives on Urban Systems: With Integrated

    Readings. Englewood Cliffs,

    N.J.: Prentice-Hall, 1970. Reimpresso

    com permisso da Pearson

    Education, Inc., Upper Saddle

    River, N.J.

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    Figura 12: O desenvolvimento de aglomeraes urbanas depende de infraestruturas cada vez mais densas e de transporte global: so uma expresso essencial da urbanizao estendida.

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    .

    Figura 13: O campo estendido da urbanizao caracterizado por elevar nveis de mobilidade ao longo de enormes territrios como ilustrado pelas zonas espalhadas de alta capacidade que so sombreadas em amarelo luminoso neste mapa. (Nota: as sombras de amarelo mais luminoso no mapa demarcam tempos de viagem de menos de um dia para grandes centros urbanos, enquanto as sombras mais escuras significam progressivamente mais tempo de viagem). Andrew Nelson, Estimated Travel Time to the Nearest City of Fifty Thousand or More People in Year 2000, Global Environment Monitoring Unit, Joint Research Centre of the European Commission, Ispra, Italy, 2008. European Union, 1995-2012.

  • 22 n 19 ano 5 | dezembro de 2014 e-metropolis

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    o de capital, a regulao estatal e a luta scio-polti-ca, assim como os cenrios scio-ambientais, sofrem as tendncias de crises sistmicas e se reorganizam de maneira radical. As aglomeraes urbanas so somen-te um dos muitos lugares scio-espaciais estratgicos onde se desdobraram esses processos de destruio criativa durante a geo-histria do desenvolvimento capitalista. Qual a especificidade das formas con-temporneas de destruio criativa em cada lugar, territrio e escala, e como esto transformando o her-dado em matria de geografias globais / urbanas, ce-nrios socioambientais e padres de desenvolvimento espacial desigual? Quais so os projetos polticos em disputa, neoliberais e de outro tipo, que aspiram mo-delar e dar um novo caminho a essas formas?

    - Geografias de urbanizao. Como evoluiu a relao entre urbanizao concentrada e estendida durante a histria do capitalismo? Desde a primeira revoluo industrial no sculo XIX, as grandes aglo-meraes e os centros metropolitanos figuram entre os principais mbitos de destruio criativa capitalis-ta; atuaram como as frentes primrias na hora de formular estratgias para produzir, circular e absorver os excedentes de capital e trabalho e, por fim, facilitar a dinmica de acumulao de capital a escala mundial (Harvey 1989). Ao que diz respeito ao cenrio esten-dido de urbanizao, com suas infraestruturas cada vez mais planetrias de circulao de capital, fluxo de nutrientes e energia e extrao de recursos, em que medida se converteu hoje em um terreno estrategica-mente essencial (se no, primrio) de destruio cria-tiva capitalista? Na era do Antropoceno, quando a lgica de industrializao capitalista transformou de maneira indelvel os sistemas de vida planetria, existem tendncias de novas crises e barreiras scio-

    -ecolgicas (como transtornos no abastecimento de alimentos, esgotamento de recursos, escassez de gua, novas formas de vulnerabilidade ambiental e diversas manifestaes locais e mudanas climticas globais) que desestabilizem os ritmos de desenvolvimento da urbanizao estendida? Quais so as consequncias desses processos para as futuras formas e vias de urba-nizao concentrada e, desde um ponto de vista mais geral, para a organizao de entornos construdos pe-los seres humanos?

    - Horizontes polticos. Os atuais debates sobre o direito cidade conseguiram chamar a ateno para temas vinculados a poltica de espao e a luta pelo bem comum local nas grandes cidades do mundo, ou seja, as zonas densamente aglomeradas associadas com o processo de urbanizao concentrada. No obstante, a anlise precedente sugere que essas lutas devem se conectar a uma poltica mais ampla do bem comum mundial; necessrio que nos demais luga-res, os campesinos, pequenos proprietrios de terras, trabalhadores agrcolas, populaes indgenas e seto-res afins, persigam os mesmos objetivos ao longo dos variados cenrios de urbanizao estendida. Tambm nesse caso, a dinmica de acumulao por expropria-o e cercamento gerou efeitos de destruio criativa na vida cotidiana, a reproduo social e as condies scio-ambientais, que so politizadas por diversos movimentos sociais em cada lugar, territrio e esca-la. Cada vez mais, essas transformaes e objees do entorno construdo e estendido de circulao de capi-tal ressoa e se produz junto com aquelas que durante muito tempo se difundiram dentro das aglomeraes urbanas e ao redor delas22. O enfoque aqui proposto

    22 Um argumento ao longo dessas linhas sugerido na lite-

    Figura 14: Os vastos

    territrios dos oceanos do mundo se transformaram

    em espaos estratgicos da

    urbanizao estendida

    por meio das infraestruturas de fiao submarina (mostradas aqui)

    e por meio das vias de navegao

    e sistemas de extrao de recursos submarinos.

    Font

    e: T

    eleG

    eogr

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    abre uma perspectiva para a teoria urbana crtica. Em tal marco, se realizam conexes analticas e estratgi-cas entre as diversas formas de expropriao produzi-das e contestadas ao longo do cenrio scio-espacial planetrio.

    Uma vez que o carter tipo unidade do urbano entendido como um produto estrutural das prti-cas sociais e as estratgias polticas (e deixa de ser sua pressuposio), possvel colocar a investigao sobre urbanizao, a destruio criativa do espao poltico--econmico sob o capitalismo, no epicentro analtico da teoria urbana. O que sustenta em maior medida a problemtica contempornea da urbanizao no a formao de uma rede mundial de cidades globais ou uma nica megalpole universal, mas a extenso desigual desse processo de destruio criativa capita-lista em escala planetria.

    ratura sobre novos cercos, especialmente De Angelis 2007. Para uma anlise de escopo mais amplo de formas emergentes de contestao sobre o global comum (incluindo questes relacionadas apropriao da terra, gua, ar e comida), ver Heynen et al. 2007; Magdoff e Tokar 2010; e Peet, Robbins, e Watts 2011.

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    Font

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    NOTA

    Esse artigo foi construdo a partir de muitos anos de debate e com o trabalho de colaborao em curso com Christian Schmid, da ETH de Zurich. O autor agradece Travis Bost e Nikos Katsikis, da Harvard Graduate School of Design, por sua ajuda com ideias e imagens. O Centro Weatherhead para Assuntos In-ternacionais da Universidade de Harvard deu apoio s pesquisas. Hillary Angelo, Eric Klinen- berg, Peter Marcuse, Margit Mayer, Jen Petersen, Xuefei Ren e David Wachsmuth forneceram feedback inestimvel para as primeiras verses desse texto. Eles so, com certeza, absolvidos de responsabilidade por suas limi-taes restantes e pontos cegos.

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    ResumoEste artigo tem por objetivo sugerir a incorporao da abordagem terica que trata do capitalismo dependente, a partir da perspectiva marxista, na busca da apreenso do comportamento dos movimentos migratrios internos no Brasil, no ps-1980. Tem como relevante e complementar o conjunto de abordagens que aportaram que a mudana do fenmeno das migraes internas no pas estaria associada redistribuio espacial das atividades econmicas, s deseconomias de aglomerao e reestruturao produtiva, sobretudo por apontarem pistas importantes na associao dos deslocamentos de popu-lao com o movimento mais geral do capital. Entende que a passagem de um padro de reproduo do capital a outro est associada dimenso do poder, representado pelo papel do Estado, forma de insero da economia no circuito global do capital. A precarizao das relaes de trabalho e o modo subordinado como o pas se integra economia mundial ajudariam a explicar o papel das migraes internas na estratgia de reproduo dos indivduos.

    Palavras-chave: Migrao interna; Fluxos migratrios; Padro de reproduo do capital; Capitalismo dependente.

    AbstractThis article aims to suggest the incorporation of theoretical approach that treats of the dependent capitalism, from the Marxist perspective, in search of the seizure of the behavior of internal migratory movements in Brazil, in the post-1980. Is as relevant and complement the set of approaches that landed that the change of the phenomenon of in-ternal migration in the country would be associated to spatial redistribution of economic activities, the diseconomies of agglomeration, and productive restructuring, especially for important clues pointing in association of population displacements with the more general movement of capital. Understand that the passage of a pattern of reproduction of the capital to another is associated with the dimension of power, represented by the role of the State in the form of economic integration in the global circuit of capital. The precariousness of employment relationships and the subordinate mode as the country integrates into the global economy would help explain the role of internal migrations in the strategy of reproduction of individuals.

    Keywords: Internal Migration; Migration flows; Capital reproduction pattern; Dependent capitalism.

    ____________________Artigo recebido em 30/01/2014

    Antnio Tadeu Ribeiro de Oliveira pesquisador em Informaes Geogrficas e Estatsticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE. Professor Visitante no Departamento de Sociologia II, Universidad Complutense de Madrid.

    [email protected]

    Antnio Tadeu Ribeiro de Oliveira

    Buscando apreender o comportamento recente das migraes internas

  • 28 n 19 ano 5 | dezembro de 2014 e-metropolis

    a r t i g o s

    INTRODUO

    O presente artigo, a partir do entendimento que as migraes respondem a processos histricos, sociais e demogrficos inscritos no marco das relaes sociais e de produo capitalistas e que representam, funda-mentalmente, o exerccio da liberdade que a fora de trabalho tem, ou no, de mover-se no espao em busca de sua reproduo, pretende sistematizar, sem desconsiderar a importncia das estratgias de repro-duo das famlias, das redes sociais e dos aspectos so-ciais e culturais que conformam o ato de migrar, um conjunto de abordagens tericas que possam ajudar a iluminar a apreenso do comportamento recente da mobilidade interna no pas, colocando para reflexo essa possibilidade em olhar o fenmeno migratrio.

    Apenas para situar o ponto de partida do olhar aqui proposto, temos que os processos de mobilida-de espacial, mesmo antes de o capitalismo se afirmar como modo de produo, j respondiam aos efeitos da transio para as novas relaes de produo que viriam a se instaurar.

    Marx (1973), ao tratar daquilo que denominou acumulao originria, apontava os reflexos desse fenmeno nos deslocamentos populacionais. Esse processo foi marcado pela expropriao da terra dos antigos lavradores, que se viram obrigados a se submeterem s ordens dos novos patres ou a se deslocarem para tentar sua reproduo em outro lugar (OLIVEIRA, 2009).

    Ainda tratando dessa fase de transio, Marx aponta que a descoberta, saque, explorao e escravi-zao de novos territrios na Amrica, sia e frica esto no alvorecer da era de produo e expanso ca-pitalista. Tudo isso com uma fora avassaladora, sob a proteo do Estado, bem como da sociedade orga-nizada, fazendo avanar a passos largos o processo de transformao do regime feudal de produo para o regime capitalista (MARX, 1973).

    Nesse perodo, o Estado tratou de produzir car-tilhas que visavam regular a mobilidade espacial da populao, pondo em movimento aqueles indivduos tidos como vagabundos, para que fosse aproveita-da a sua fora de trabalho pelo capital e tratava de impedir a mobilidade daqueles que j estavam de al-gum modo inserido nas novas relaes de produo (GAUDEMAR, 1981, CASTEL, 1998).

    Entre outras, destacam-se duas dimenses, trazi-das por Marx (1973), que se contrapem ao pensa-mento liberal: i) o grau de liberdade na tomada de deciso sobre migrar ou no migrar daquelas popu-laes campesinas; e ii) o relevado destaque do papel

    do Estado no processo de transio de um modo de produo a outro. Esses elementos se chocam fron-talmente com abordagens tericas que definem o ato de migrar como uma escolha individual e racional, baseada em avaliaes nas vantagens e desvantagens, ou seja no custo-benefcio do deslocamento, tendo o mercado como fator de equilbrio e regulador do processo decisrio da migrao.

    Marini (2012, p.47) observa que a histria do subdesenvolvimento latino-americano a histria do desenvolvimento do sistema capitalista mundial (...) e que sua vincul