TRAMAS QUE BRILHAM

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza Instituto de Geociências Departamento de Geografia RAFAEL STRAFORINI TRAMAS QUE BRILHAM: Sistema de circulação e a produção do território brasileiro no século XVIII Rio de Janeiro 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza Instituto de Geociências

Departamento de Geografia

RAFAEL STRAFORINI

TRAMAS QUE BRILHAM: Sistema de circulação e a produção do território brasileiro

no século XVIII

Rio de Janeiro 2007

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RAFAEL STRAFORINI

TRAMAS QUE BRILHAM: Sistema de circulação e a produção do território brasileiro

no século XVIII

Tese de doutorado apresentada aoPrograma de Pós-Graduação emGeografia como requisito parcial àobtenção do título de Doutor emGeografia, sob orientação doProfessor Maurício de AlmeidaAbreu

Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Geociências

Departamento de Geografia

2007

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STRAFORINI, Rafael Tramas que brilham: sistema de circulação e a produção do território brasileiro no século XVIII / Rafael Straforini, - 2007. 293 f., enc. Orientador: Mauricio de Almeida Abreu Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Geociências, Departamento de Geografia Bibliografia: f. X – Y 1) Título; 2) Circulação; 3) Brasil Colônia; 4) Geografia Histórica; 5) Geografia dos Transportes; 6) Estrada Real; 7) Tropeirismo;

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza

Instituto de Geociências Departamento de Geografia

Programa de Pós-Graduação em Geografia

RAFAEL STRAFORINI

TRAMAS QUE BRILHAM: Sistema de circulação e a produção do território brasileiro no século XVIII

Tese de Doutorado defendida e aprovada em 15 de dezembro de 2007 pela banca

examinadora constituída pelos professores:

______________________________________________ Prof. Dr. Maurício de Almeida Abreu - UFRJ

______________________________________________ Profa. Dra. Maria Mônica Arroyo - USP

______________________________________________

Prof. Dr. Pedro de Almeida Vasconcelos - UFBA

______________________________________________ Profa. Dra. Maria Célia Nunes Coelho - UFRJ

______________________________________________ Profa. Dra. Lia Osório Machado - UFRJ

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À minha mãe, Maria Estefogo Straforini,pelo carinho, serenidade e estímulo

A todos os meus professores, em especialaos do CEFAM-Sorocaba, que me

transformaram nesse “cara” apaixonadopela Educação

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AGRADECIMENTOS

Ao finalizar minha tese de doutorado pareceu-me, inicialmente, momento

mais propício para agradecer a todas as pessoas que em minha vida educacional

passaram, contribuindo, cada uma à sua forma e em seu contexto, para a minha

formação. Mas, ao começar a agradecer a esse “mundão de gente” me questionei

sobre o sentido desse discurso inicial e resolvi mudar a orientação desses

“agradecimentos”; afinal, uma tese de doutorado também é uma etapa..., mais uma

etapa, nem a última e nem a primeira em minha formação. Então resolvi agradecer

àqueles que direta ou indiretamente contribuíram na sua produção.

Em primeiro lugar, ao meu orientador, Prof. Dr. Maurício de Almeida Abreu,

pela sapiência em ter sugerido a mudança para “as bandas de cá” dos meus olhos

voltados para a circulação do passado; pelas palavras certeiras que conduziram

novos olhares para o objeto e problemática deste trabalho; pelas suas magistrais

aulas de “Geografia Histórica do Rio de Janeiro”, que me fizeram apaixonar pela

História dessa Mui Leal e Heróica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro e pela

amizade que construímos.

Aos meus familiares: meus irmãos André e Demétrius; minhas cunhadas

Denise e Cecília, meu cunhado Joel, meus sobrinhos Bruno, Fernanda, Matheus e

Lucas (que já estão gigantes!) por compreenderem minha ausência nesses anos

todos. Em especial à minha irmã Gláucia, grande companheira e incentivadora na

minha vinda para o Rio.

Aos amigos que me acompanham desde o início da graduação: Mônica de

Moura e Silva, Valéria Cazetta, Wendel Henrique, Ricardo Hirata Ferreira e Vagner

Tadeu Paes de Oliveira, que, ao saberem da minha aprovação no doutorado da

UFRJ, disseram: “Você...vai!”. Muito obrigado por estas palavras tão incentivadoras,

pois não fossem por elas...

Aos amigos que ficaram em Sorocaba, em especial aos Damaso de Souza:

D. Madalena, Sr. Daniel, Dana, Selma, Tânia, Dinho, Silvia e Beatriz (a mais nova

“mulher” da família).

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Aos muitos e inesquecíveis amigos desse doutorado - alguns já partindo para

suas cidades-natais - pela alegria que foi cada momento compartilhado na

universidade e, claro, “nas Lapa da vida” e nas festas sempre muito regadas de

“drogas do sertão” e de cervejinhas: Elis Miranda, Roberta Figueiredo, Evaristo Neto,

Patrícia Feitosa, Maria da Glória Rocha Ferreira, Marcelo Werner, Valdenildo Pedro

e Kelly Bessa. Um agradecimento especial à professora Maria Célia Nunes Coelho,

amiga e constante orientadora de toda a turma, estivéssemos na universidade ou em

qualquer outro lugar. Àqueles que contribuíram com suas mãos na elaboração dos

mapas e traduções: Orlando Vian Jr., Adriano Rodrigo de Oliveira, Públio Furbino,

José Fernando Rodrigues Ferreira e Dênis Richter. Aos demais amigos que

tornaram a aspereza da “terra estrangeira” em “cidade maravilhosa”: Alecssandre,

Ruideglan, Tomás, Lívia, Nemézio, Daniel, Ismael, Luz, Bel, Cristiane, Luciana,

Eloane, Makoto, Paulo Ricardo, Dona Dondon, Clarinha, Túlio, Pachoal, Viviane,

Rivair, Odair e aos novos amigos do núcleo PUC: Silvia Amélia, Andréia, Criston,

Eurico, Hérica e Isabel.

Aos meus colegas da Faculdade de Educação da UERJ-Maracanã, em

especial aos do Departamento de Estudos Aplicados ao Ensino, pela grande

aprendizagem institucional nesses quase quatro anos de trabalho. Ao meu colega de

sala Dirceu Castilho pela alegria da vitória nas eleições para a Direção da

Faculdade.

Aos meus colegas do Instituto de Geografia da UERJ-Maracanã, em especial

a André Novaes, pela batalha conjunta nessa empreitada enquanto professores das

matérias da “Licenciatura”.

A todos os meus alunos, tanto os da Faculdade de Educação, quanto os da

Geografia (que não são poucos!), pela alegria constante e pelo renovar do estímulo.

Ao meu orientando Leandro por ter me ajudado na digitação.

A Ecivaldo Matos, que por último apareceu nessa história e permanece(u) no

coração, na mente e na alma.

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“O mundo é formado não apenas pelo que já existe (aqui, ali, em toda

a parte), mas pelo que pode efetivamente existir”

Milton Santos

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RESUMO

Este trabalho apresenta um estudo sobre a importância das rotas de

circulação no processo de produção territorial brasileiro na primeira metade do

século XVIII, quando as minas de ouro foram descobertas e exploradas; iniciando a

“interiorização da metrópole”. Tal processo se materializou graças ao sistema de

circulação que se instalou sobre o território, articulando os interesses da Coroa

portuguesa e os dos “homens coloniais”, ora convergentes, ora divergentes;

imprimindo na região aurífera e ao longo dos eixos de circulação uma configuração

socioepacial marcada pela alteridade.

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ABSTRACT

SHINING THREADS: circulation system and the production of the Brazilian territory in the 18th century

This dissertation discusses the importance of circulation routes for the production of

the Brazilian territory in the first half of the 18th century. At that time, gold mines were

found and explored, setting off the colonizer’s march towards the interior. The

circulation system then established had a profound impact over the territory: it

coordinated the interests of the Portuguese Crown and of the colonists, which were

at times convergent, at times divergent.

Resumén:

TRAMAS QUE BRILLAN: sistema de circulación y la producción del territorio brasileño en el siglo XVIII

Este trabajo presenta una investigación dedicada a la importancia de las rutas

de circulación en el proceso de producción territorial brasileño en la primera mitad

del siglo XVIII, en la epoca que las jazidas de oro fueron descobiertas y exploradas;

dando inicio a la "interiorización de la metropolis". Dicho proceso se ha concretizado

debido al sistema de circulación que fue instalado en el territorio según los intereses

de la Corona Portuguesa y de sus "hombres de la colonia" en algunos momentos

convergentes en otros divergentes, constituyendo asi, en la región aurifera y a lo

largo de sus pasos de circulación una diferenciada configuración socio-espacial

marcada por la alteridad.

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LISTAS

LISTA DE MAPAS

MAPA 1 Marcha de Povoamento e Urbanização no Brasil (séculos XVI-XIX).......... 24

MAPA 2 Mapa de Minas Gerais com representação dos roteiros das principais entradas e bandeiras dos séculos XVI e XVII............................................. 83

MAPA 3 Caminho Geral do Sertão............................................................................ 128

MAPA 4 Caminhos da Bahia .................................................................................... 133

MAPA 5 Caminhos Velho e Geral do Sertão ............................................................ 143

MAPA 6 Caminho Novo de Garcia Rodrigues ou Caminho do Couto e suas indicações de sítios, roças e pousos, segundo André João Antonil .......... 173

MAPA 7 Caminho Novo de Garcia Rodrigues ou Caminho do Couto e suas indicações de sítios, roças e pousos, segundo André João Antonil e Brito Tavares ....................................................................................................... 175

MAPA 8 Mapa altimétrico do Caminho Novo (Couto e Inhomirim) ........................... 195

MAPA 9 Caminho Novo (Couto e Inhomirim) e suas indicações de sítios, roças e pousos segundo André João Antonil e Caetano da Costa Matoso ............ 262

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

ILUSTRAÇÃO 1 Mapa do Destricto do Rio de Janeiro por João Teixeira Albernaz ...................................................................................... 49

ILUSTRAÇÃO 2 John Blaeu: [Mapa da invasão holandesa] ................................. 53

ILUSTRAÇÃO 3 Detalhe. Vária Fortuna e Estranhos Fados de Anthony Knivet ... 71

ILUSTRAÇÃO 4 Os Antropophagos do Brasil devorando huns portuguezes ........ 76

ILUSTRAÇÃO 5 Demonstração da Capitania do Espírito Santo; (Detalhe) Serra das Esmeraldas .......................................................................... 85

ILUSTRAÇÃO 6 (Detalhe) S. Caetano nas Geraes, e Mato Dentro. -(1732)........ 107

ILUSTRAÇÃO 7 “Modo como se estrai o ouro no Rio das Velhas e nas mais partes que à rios” ........................................................................ 110

ILUSTRAÇÃO 8 Mapa do eixo turístico Estrada Real - Instituto Estrada Real ...... 117

ILUSTRAÇÃO 9 Imagem de satélite com indicação aproximada do Caminho Geral do Sertão: Vale do Paraíba – Serra da Mantiqueira ......... 125

ILUSTRAÇÃO 10 (Detalhe) Rio Inhomirim na Baía do Rio de Janeiro ................... 193

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ILUSTRAÇÃO 11 (Detalhe) “Demonstração na Carta Chorográfica para a intelliga. dos pontos das devizoens Q tem havido entre a Capitania de São Paulo e a de Minas Gerais” ................................................. 197

ILUSTRAÇÃO 12 Instrumentos de extração, fundição, aferição e transporte de ouro ............................................................................................. 225

ILUSTRAÇÃO 13 (Detalhe) Rio Paraibuna ............................................................. 243

ILUSTRAÇÃO 14 Fazenda na região do Pico de Itacolomi ..................................... 248

ILUSTRAÇÃO 15 Rancho no pé da Serra da Estrela, no caminho para Fazenda da Mandioca – Estrada Real ...................................................... 248

ILUSTRAÇÃO 16 Repouso de uma caravana ......................................................... 268

LISTA DE TABELAS, QUADROS E GRÁFICOS

QUADRO 1 Quadro sintético do “Diário da jornada que fez o ouvidor Caetano da Costa Matoso para as Minas Gerais” entre 27 de janeiro a 7 de fevereiro de 1749 ................................................................................. 190

QUADRO 2 Esquemas do caminho novo de Garcia Rodrigues: sesmarias, roças e paragens ........................................................................................... 265

TABELA 1 Dízimo cobrado nas Minas Gerais do século XVIII ..................... 231

GRÁFICO 1 Arrecadação dos contratos das entradas de Minas Gerais 1718 a 1753 (kg) .................................................................................. 238

GRÁFICO 2 Participação dos contratos na receita total da América Portuguesa: 1725-1755 ............................................................................................ 238

GRÁFICO 3 Participação do quinto do ouro e dos contratos na receita total: da América Portuguesa: 1725-1755 .......................................................... 239

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 15

PARTE I - DE SERTÃO A TERRITÓRIO ..................................................... 43 CAPÍTULO 1: A formação territorial brasileira nos dois primeiros séculos

da colonização .................................................................................. 44

CAPÍTULO 2: Nem tudo que reluz é ouro: o ouro escondido nos “fundos” dos sertões........................................................................................... 65

2.1 Sobre o(s) sertão(ões) auríferos 682.2 A lendária Serra de Sabarabuçu 82

2.3 A transformação do metal dourado em ouro 87

CAPÍTULO 3: De sertão a território: a apropriação dos fundos territoriais ..... 100

PARTE II: AS TRAMAS QUE BRILHAM ..................................................... 116

CAPÍTUL0 4: Os Caminhos Reais do Ouro ........................................................ 117

4.1 Primeiro período da circulação: ocupação territorial 1224.1.1 O Caminho Geral do Sertão 1224.1.2 O Caminho da Bahia 130

4.1.3 O Caminho Velho ou Caminho Velho de de Paraty 139

4.2 Segundo período da circulação: normatização territorial 162

4.2.1 O Caminho Novo de Garcia Rodrigues ou Caminho do Couto 162

4.3 Terceiro período da circulação: Consolidação da interiorização da metrópole 186

4.3.1 O Caminho Novo de Bernardo Proença ou Caminho de Inhomirim 186

4.3.2 A importância dos aspectos naturais na definição dos traçados 191

CAPÍTULO 5: Caminhos e (des)caminhos do Ouro: normatização e

controle territorial............................................................................... 2095.1) O Regimento aurífero; 209

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xiv

5.2) Os descaminhos do ouro 212

5.3) Circulação e impostos: as duas faces da mesma moeda 220

5.4) Registros e o controle do território 232

CAPÍTULO 6: Os Caminhos do Ouro e o abastecimento interno ........................... 246 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 271 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 275

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INTRODUÇÃO

É sabido que a atual configuração do território brasileiro não foi estabelecida e

definida com as primeiras experiências colonizadoras, mas sim como resultado de

um longo processo de conquista territorial, iniciado no século XV1 e consolidado

somente no século XX.

Dentre os trabalhos que estudam essa temática, destacam-se os

historiográficos em oposição aos geográficos. No entanto, a riqueza do debate não

está na simples oposição disciplinar, mas naquilo que ambos produziram enquanto

entendimento sobre o território brasileiro ao longo do tempo. Nosso objetivo não é

nos aprofundarmos nesse debate, mas encontrar nele os elementos essenciais que

possibilitam a construção do objeto e da problemática de estudo em tela.

Na historiografia clássica, isto é, em Varnhagen (1981)2; Cortesão [s.d.];

Magalhães (1978), entre outros, a leitura do território pautou-se quase que

exclusivamente na obsessão em demonstrar o sucesso da expansão e fixação das

fronteiras da América Portuguesa a partir dos tratados internacionais firmados entre

as Coroas portuguesa e espanhola, baseados no princípio do uti possidetis. Moraes

(2000, p.25), chama esse olhar historiográfico de “ótica juridicista”, porque “reduz a

conformação do território à confirmação legal de seus limites, tornando a história

1 Se considerarmos a assinatura do Tratado de Tordesilhas como uma materialização do conhecimento que se tinha de que as terras descobertas por Cristóvão Colombo se estendiam para o Atlântico Sul, podemos dizer que a conquista territorial da América Portuguesa iniciou-se ainda no século XV. 2 Em Varnhagen (1981, p.286), - a primeira edição é de 1854 - os conflitos entre Portugal e Espanha na definição das fronteiras setentrional e meridional do Brasil são apresentados para validar “as mãos habilidosas” dos estrategistas portugueses, ou ainda, para vangloriar “o espírito ativo, empreendedor e altamente patriótico do governador Gomes Freire, [...] com o plano de tomar então de surpresa Montevidéu e de atacar a própria cidade de Buenos Aires.” Tanto as mãos habilidosas quanto o espírito ativo, empreendedor e altamente patriótico dos defensores da América Portuguesa (governadores) culminavam na assinatura de tratados, cabendo aos espanhóis apenas reconhecer a supremacia dos portugueses. A estrutura social daqueles que referendavam o sentido do uti possidetis, ou seja, aqueles “que estavam em disposição para aumentar aquela povoação” são meros figurantes de uma história de heróis e de tratados.

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territorial em um estudo do estabelecimento das fronteiras.” Magnoli (2002-2003,

p.29), identifica nessa narrativa o mito da “noção de território nacional prévio,

incrustado na natureza e politicamente delimitado pela Coroa portuguesa”.

A linha historiográfica chamada de História Econômica (de grande tradição

durante o século XX), caracterizada, em linhas gerais, pela incorporação do

materialismo histórico, passou a analisar a sociedade colonial da América

Portuguesa a partir das superestruturas organização do trabalho e da produção com

vistas ao mercado externo; materializadas espacialmente a partir das

especificidades econômicas, políticas e sociais produzidas em cada um dos grandes

ciclos econômicos: cana-de-açúcar, ouro e café (PRADO Jr., 1976; SODRÉ, 1990;

FURTADO, 2000; FAORO, 1984 e NOVAIS, 1983).3

Sob influência do materialismo histórico, Novais (1983), desenvolve o

conceito de sistema colonial – ou melhor – Antigo Sistema Colonial, cujo escopo

reside na plena instalação do exclusivo metropolitano na relação Brasil-Portugal.

Cabia à Colônia a função de enriquecer a Metrópole numa relação desigual e

exclusiva de comercialização: fornecimento de matérias-primas a preços módicos e

consumo de bens manufaturados a preços exorbitantes; tudo sob o mais rígido

controle administrativo por parte da Coroa. Para Furtado (2006, pp. 16-28), essa

leitura produziu uma historiografia que se baseava na contradição entre os

interesses da Colônia versus os interesses da Metrópole, cujo aprofundamento

redundaria, inevitavelmente, “no rompimento formal entre os dois lados e a

concretização da independência”. Para a autora, na ótica do sistema colonial não

havia espaço para a elite local usufruir as riquezas locais, bem como forjar uma

3 A exemplo, Prado Jr. (1976, p.56), ao estudar o ciclo da mineração é categórico: “A mineração do ouro no Brasil ocupou durante três quartos de século o centro das atenções dos portugueses e a maior parte do cenário econômico da Colônia. Todas as demais atividades entraram em decadência, e as zonas em que ocorrem se empobrecem e se despovoavam. Tudo cede passo ao novo astro que se levanta no horizonte.”

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identidade colonial, pois a burguesia mercantil metropolitana assim não permitia,

resultado de uma política autoritária e despótica da Coroa.

“Na perspectiva marxista, isto significa que à proporção que a Metrópole engendrava o sistema, ela ia criando os próprios germes de sua destruição, pois só podia acumular retirando da camada local o usufruto dessa riqueza e, esta só poderia prosperar com o fim dos entraves coloniais” (FURTADO, 2006, p.17).

A dicotomia acima exposta se apresenta sob duas formas bem distintas. A

primeira, herdeira do legado de Prado Jr. (2000, p.339), defende que o rompimento

da relação Metrópole-Colônia foi resultado de uma “monstruosa, emperrada e

ineficiente maquina burocrática que foi a administração colonial”4, que, transplantada

unidirecionalmente, não foi capaz de se ajustar “as especificidades da Colônia, pois,

extremamente centralizador, parecendo uno e indivisível, gerou na imensidão da

Colônia uma sensação de desgoverno” (FURTADO, 2006, p.17). Em oposição,

Faoro (1984), defende a administração colonial como sendo centralizadora, coesa e

eficaz, reduzindo tudo à vontade do Rei. Furtado (2006, p.25) vê nesse historiador

uma leitura que levava ao extremo a dicotomia entre os interesses metropolitanos e

coloniais, uma vez que defendia a idéia de que “a constituição de um corpo

burocrático significava a plena realização da possibilidade de dominação e a

eliminação do poder local5.”

Nas últimas décadas, profundas críticas vêm se realizando sobre essa

perspectiva historiográfica, fundamentalmente no que diz respeito à natureza do

4 “Está aí, em suma o esboço da organização administrativa da Colônia [...] vimos aí a falta de organização, eficiência e presteza do seu funcionamento. Isto sem contar os processos brutais empregados, de que o recrutamento e a cobrança dos tributos são exemplos máximos e índices destacados do sistema geral em vigor. A complexidade dos órgãos, a confusão de funções e competências; a ausência de método e clareza na confecção das leis, a regulamentação esparsa [..]” (PRADO Jr., 2000, p.339). 5 Para Faoro (1984, p.202), “o velho e tenaz patrimonialismo português desabrocha numa ordem estamental, cada vez mais burocrática no seu estilo e na sua dependência. O rei, por seus delegados e governadores domina as vontades, as rebeldes e dissimuladas: ‘nesse Estado só há uma vontade’ – escrevia o Pe Antonio Vieira, em 1655 – ‘e um só entendimento e um só poder’, que é o de quem governa”.

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sentido cíclico das atividades econômicas, ou seja, no entendimento de que cada

ciclo representava o surgimento, a ascensão e a crise de uma única atividade

economicamente hegemônica; dissociada de outras formas e possibilidades internas

de economias e disputas político-territoriais.

Essa perspectiva analítica produziu uma historiografia praticamente incapaz

de compreender a história das sociedades na escala do cotidiano colonial, bem

como das sociedades localizadas distante das áreas core desses ciclos econômicos

ou, ainda, como quer Cardoso (1980), reduziu a estrutura social a senhores de

engenho [no caso da produção açucareira] e escravos, excluindo os pequenos

produtores de gêneros de abastecimento, que não se enquadravam na categoria de

senhores e nem de escravos, mas que, de uma forma ou de outra, estavam

completamente articulados ao sistema colonial.

Ao propor, no início de seu artigo, a “conveniência de desvincular o estudo do

processo de formação da nacionalidade brasileira no decorrer das primeiras décadas

do século XIX da imagem tradicional da Colônia em luta contra a Metrópole”, Dias

(2005, p.7)6, faz um corte radical na historiografia brasileira ao analisar o processo

de independência do Brasil a partir do enraizamento do Estado português na porção

centro-sul da América Portuguesa, processo esse que vai chamar de “Metrópole

interiorizada”. Embora a autora tenha construído esse quadro teórico para analisar

as dinâmicas sociais resultantes da chegada da Corte portuguesa no Brasil, em

1808, culminando quatorze anos mais à frente na Independência7, outros

6 Texto originalmente publicado em MOTA, Carlos Guilherme (org.). 1822 – Dimensões, São Paulo: Perspectiva, 1972. 7 “Um estudo mais aprofundado do mecanismo inerente às classes dominantes no Brasil colonial seria um grande passo no estado atual da historiografia da “independência”. Viria certamente esclarecer de forma mais específica e sistemática a relativa continuidade das instituições que caracteriza a transição para o Império. Quando se aprofundar o estudo do predomínio social do comerciante e das íntimas interdependência entre interesses rurais, comerciais e administrativos, estará aberto o caminho para a compreensão do processo moderado de nossa emancipação política”. (DIAS, 2005, p.23).

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historiadores, o têm utilizado para analisar o período colonial setecentista e proposto

que já se engendrava uma Interiorização da Metrópole a partir das atividades

comerciais fortemente presentes no interior da Colônia com as descobertas

auríferas.

Dentre esses trabalhos, nos interessa, em virtude do recorte espaço-temporal,

o de Furtado (2006), cujo objetivo maior foi analisar a Interiorização da Metrópole a

partir das redes comerciais estabelecidas entre os comerciantes sediados em

Portugal e Brasil. Para a autora:

no Brasil, a penetração do povoamento exigiu que a Metrópole abrisse novas rotas comerciais, capazes de sustentar uma população crescente, afastada do litoral e dos portos de abastecimento de mercadorias que, em sua maior parte vinha do exterior. O descobrimento de ouro na região das Minas, no final do século XVII, acelerou o processo de estabelecimento de novas rotas. E a partir dessa época, a organização de um comércio de abastecimento no centro-sul fez com que vários interesses metropolitanos, ali se enraizassem e se misturassem ao dos colonos. (FURTADO, 2006, p.18, grifo nosso)

Os interesses metropolitanos e coloniais nessa leitura não se opõem, mas se

complementam e se “misturam” dialeticamente. O poder que se instituiu em Minas

Gerais era um poder com amplo espaço para a “alteridade”, pois, nas palavras da

própria autora, a Colônia não era a expressão direta da Metrópole: “Como num jogo

de espelhos ondulados, a sociedade colonial não era reflexo direto da ação

metropolitana.” (FURTADO, 2006, p.16)

Essa perspectiva historiográfica abriu brecha para uma nova compreensão do

processo de formação territorial brasileiro, pois este deixa de ser resultado exclusivo

dos interesses sediados na Europa – no caso dos tratados fronteiriços –

estabelecidos entre os impérios português e espanhol, ou dos interesses

econômicos a partir do exclusivo metropolitano.

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O entendimento da formação do território brasileiro produzido pela Geografia

até a década de 1930, se sobrepõe à historiografia clássica. Casal (1976), ainda no

século XIX, em sua Corografia Brasílica8, não fugiu à regra ao explicar a

configuração territorial como um aspecto de sua dimensão (tamanho, forma, pontos

extremos, limites e fronteiras) e, sobretudo, resultado exclusivo da assinatura de

tratados, ou seja, também pautada na “ótica juridicista”. Cabral (1953, p.21)9, em sua

Corographia do Brasil, já no século XX, mantém o mesmo argumento de que a

formação do território brasileiro é resultado de assinaturas de tratados

internacionais, garantido previamente pelo “arrojo dos bandeirantes e das missões

religiosas, que deslocou essa linha [Tordesilhas] para O [oeste], e o Brasil, graças

principalmente a esses dois fatores, chegou até quase aos contrafortes dos Andes”

(grifo nosso). Em todo momento, o autor reverencia “o forte trabalho da diplomacia

brasileira”10, nas assinaturas dos tratados com todos os países limítrofes.

A partir da década de 1940, a leitura da formação territorial meramente

juridicista foi sendo substituída por uma leitura sob influência da História Econômica,

pautada, sobretudo, nos trabalhos de Caio Prado Jr.. Monbeig (1975), se apropria

dessa leitura, adaptando-a à tradição francesa do fazer geográfico: buscava-se na

história uma explicação para o gênero de vida, cujo objetivo era a diferenciação das

8 O autor segue a mesma estrutura de pensamento dos historiadores do início do século XIX, ao tratar da formação territorial como uma expansão estratégica portuguesa, onde o processo de ocupação tinha por objetivo culminar na assinatura de tratados fronteiriços. No que tange ao limites ou fronteiras meridionais, diz o autor: “Em 1750, com a subida do senhor D. José ao Trono, celebraram as duas coroas um tratado de limites, que especificava circunstancialmente a linha divisória, que devia servir de ráia entre as respectivas possessões, cedendo uma da Colônia, outra das Sete Missões que ficavam ao oriente do Uruguai.” CASAL, Aires de. Corografia Brasílica ou relação histórico-geográfica do Reino do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1976. p.63. A primeira edição foi impressa no Rio de Janeiro, em 1817, “com Licença e Privilégio Real”, na Impressão Real. 9 Primeira edição do livro Corographia do Brasil, de Mario da Veiga Cabral data de 1916. 10 “Já na primeira metade do século XVIII, começou o Brasil a apresentar, mais ou menos, a configuração de hoje e a própria Espanha, aceitando o fato como consumado, assinou a 13/01/1750 o Tratado de Madri, baseado no uti possidetis, fórmula diplomática que dá direito ao território àquele que colonizou e habita, e, portanto, o possui efetivamente. Foi assim, pois, reconhecida como legítima nossa expansão territorial para O da linha das Tordesilhas, graças ao forte trabalho da diplomacia brasileira, na pessoa do nosso patrício Alexandre de Gusmão.” (CABRAL, 1953, p.21, grifo nosso).

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regiões no tempo presente. O autor traz à luz a figura do índio no processo de

conquista da “terra brasileira”; no entanto, limita-se a pontuar sua importância como

mão-de-obra escrava nas duas primeiras centúrias e suas heranças para a formação

de gênero de vida da civilização brasileira. Assim, a figura central nesse processo de

conquista são os portugueses que implantam o ciclo do açúcar na atual região

nordeste e, posteriormente a extração aurífera e de diamantes em Minas Gerais,

Goiás e Mato Grosso. Após esses dois ciclos econômicos, o território é ressuscitado

pelo ciclo do café. Para o autor, cada um dos três grandes ciclos ocupou uma área

própria e com pouca comunicação com as demais, formando verdadeiras “ilhotas de

povoamento”. (MONBEIG, 1975, p.65).

Nesse período da geografia brasileira, destacam-se também os trabalhos que

buscaram compreender a formação territorial brasileira a partir do estabelecimento

dos primeiros núcleos urbanos (AZEVEDO, 1994; DEFFONTAINES 2004), pois

eram nestes que estavam localizados os epicentros das lógicas políticas, sociais e

econômicas de cada um dos grandes ciclos econômicos.11 Azevedo (1994), ao

localizar pontualmente os núcleos e/ou centros urbanos envoltos por uma mancha,

traz à luz o processo de ocupação e a relação existente entre essas duas entidades

espaciais: o Centro e a sua Hinterlândia.

Mais recentemente, Andrade (2000), analisa o processo de produção do

território brasileiro a partir dos tratados e acordos fronteiriços.12 Todavia, diferencia-

se dos geógrafos da virada do século XIX e início do XX, uma vez que incorpora em

sua análise os conflitos existentes entre os poderes metropolitanos sediados em 11 Abreu (1996), em artigo sobre as cidades no Brasil do passado identificou inúmeros trabalhos que discutem a origem e a evolução historiográfica dos núcleos urbanos do país. Porém, como bem retratou em outro artigo, (ABREU, 2000), tais trabalhos pretendem traçar apenas a evolução diacrônica da morfologia das cidades objetivando a compreensão do tempo presente. 12 O autor inicia sua leitura da configuração territorial pautado em “termos juridicistas”: “O Brasil já nasceu com o seu território delimitado, ao contrário da maioria dos países do mundo” (ANDRADE, 2000, p.62). A delimitação a que ele se refere é o Tratado de Tordesilhas que será o fio de conduta de toda a sua análise.

Page 22: TRAMAS QUE BRILHAM

22

Portugal e Espanha. Para o autor, a produção do território brasileiro se limita ao

projeto metropolitano de expansão da fronteira a partir da pré-configuração do

Tratado de Tordesilhas.

Moraes (2000) traz importante contribuição para a compreensão da formação

territorial brasileira ao propor uma “leitura geográfica da história da América

Portuguesa”. Para tanto, questiona e descontrói alguns mitos que estão sempre

presentes quando se pretende dar conta de tal tarefa: i) a ideologia de cunho

nacionalista, presa à valorização dos mitos bandeirante e de destino manifesto; ii) a

expansão espacial com intencionalidade exclusiva da Coroa portuguesa; iii) a

perspectiva econômica (de tradição historiográfica) para pensar o território

brasileiro13; iv) a noção de situação colonial que imprime uma idéia de projeto

expansionista pautado exclusivamente nos interesses metropolitanos. Sob estas

perspectivas analíticas, o “território colonial é, portanto, um anexo no espaço

imperial da Metrópole” (MORAES, 2000, p.410). Uma leitura geográfica do Brasil

colonial não pode descartar as dimensões da formação social, política, econômica e

espacial. Para o autor, não há como descartar a presença portuguesa desse

processo, até porque é a sua presença que configura o território brasileiro. Em suas

palavras:

é a ocupação efetiva que qualifica a Colônia, que objetiva com espaço subordinado. Portanto, o Brasil nasce e se desenvolve sob o signo da conquista territorial: trata-se da construção de uma sociedade e um território, e mais, de uma sociedade que vai ter na montagem do território um de seus elementos básicos de coesão e identidade sociais. Por isso, a dimensão espacial será uma das determinações em sua formação histórica. (MORAES, 2000, p.411)

Em contrapartida, sua leitura torna-se inovadora para a compreensão da

formação territorial brasileira do período colonial porque retira do estado português a

13 Para Moraes (2000, p.410), “uma dimensão fundamental para explicar a formação social brasileira é desconsiderada em perspectivas em que a economia se descola totalmente de sua base espacial, tornando-se causa onipresente de toda a motivação do processo colonial”.

Page 23: TRAMAS QUE BRILHAM

23

exclusividade da ação de produção territorial. Ao trazer à tona a sociedade colonial

como “atores espaciais”, evidencia o processo contraditório e, ao mesmo tempo,

consensual dos interesses desses e da Metrópole sobre o território, produzindo

espacialidades nada homogêneas sob o ponto de vista de uma unidade territorial. O

território colonial se configura, nesse sentido, como “uma expressão espacial da

formação social criada pela colonização,” negando o mito da unidade territorial e do

território em arquipélago, pois,

suas determinações particularizaram a via colonial de desenvolvimento do capitalismo com singularidades e exotismos [...]. A colonização gera, portanto, uma especialização produtiva integrada dos lugares sob sua órbita, que são explorados segundo suas potencialidades em face da tecnologia disponível. (MORAES 2000, p.416)

O conjunto de mapas produzidos por Aroldo de Azevedo intitulado “A marcha

de povoamento e a urbanização no Brasil – séculos XVI-XIX” (MAPA 1) foi o nosso

ponto de partida para pensar a formação territorial brasileira. Nos seus mapas, o

autor nos apresenta, para cada século, um conjunto de vilas e cidades, além das

“prováveis” áreas que estariam sob sua influência, em outras palavras, os núcleos e

suas hinterlandias. O que salta aos olhos nessa representação espacial da

ocupação colonial é a mudança na configuração territorial no século XVIII, marcada

por um brusco aumento do número de vilas, não mais concentradas na faixa

litorânea, mas expandidas para os atuais estados de Minas Gerais, Mato Grosso,

Goiás e Amazonas, bem como uma considerável contigüidade das áreas de suas

hinterlândias. Tal configuração tornou-se nosso objeto central de pesquisa.

Page 24: TRAMAS QUE BRILHAM

Quilômetros

2500 500 750

N

Século XVI

Natal (1599)

Filipéia (1585)

Igaraçu (1536)

Olinda (1537)

São Cristovão (1590)

Salvador (1549)

Ilhéus (1536)Santa Cruz (1536)

Porto Seguro (1535)

Vitória (1551)

Espírito Santo (1551)

Rio de Janeiro (1565)

Itanhaém (1561)

Santos (1545)Cananéia (1600)

São Vicente (1532)

Escala Gráfica

N

Quilômetros

Escala Gráfica

5000 250 750

Século XVIII

N

Quilômetros

Escala Gráfica

5000 250

Rio de Janeiro

750

São Luiz (1612)

Salvador

Século XVII

Oeiras (1761)

São Paulo (1711)

Mariana (1745)

Paraíba

Olinda (1676)

Belém (1616)

Cabo Frio (1615)

Cidades

mas sem nenhuma vila ou cidade.maneira mais ou menos estável,Áreas conhecidas e povoadas de

a influência das cidades e vilas.Áreas provavelmente sob

Vilas

LEGENDA:

N

0 750

Escala Gráfica

Quilômetros

250 500

Paraíba

Cabo Frio

Século XIX

Cuiabá (1818)

Goiás (1818) Salvador

Olinda

São LuizBelém

Rio de Janeiro

Mariana

São Paulo

Fronteira atual

Áreas provavelmente sob

mas sem nenhuma vila ou cidade.maneira mais ou menos estável,Áreas conhecidas e povoadas de

a influência das cidades e vilas.

Fronteira atual

LEGENDA:

Cidades

Vilas

Áreas provavelmente sob

mas sem nenhuma vila ou cidade.maneira mais ou menos estável,Áreas conhecidas e povoadas de

a influência das cidades e vilas.

Fronteira atual

LEGENDA:

Cidades

Vilas

Áreas provavelmente sob

mas sem nenhuma vila ou cidade.maneira mais ou menos estável,Áreas conhecidas e povoadas de

a influência das cidades e vilas.

Fronteira atual

LEGENDA:

Cidades

Vilas

Mapa 01: MARCHA POVOAMENTO E URBANIZAÇÃO NO BRASIL (SÉCULO XVI - XIX)Fonte: AZEVEDO, Aroldo de. Vilas e cidades do Brasil Colonial. (Ensaio de Geografia Urbana - retrospectiva). Terra Livre, São Paulo, n. 10, janeiro-julho, 1994.Edição Gráfica: RICHTER, Denis. (2007)

Page 25: TRAMAS QUE BRILHAM

25

Diante desse quadro, nossa preocupação foi entender tal transformação para

além dos quadros explicativos historiográficos e geográficos pautados nas leituras

juridicista e economicista, ou seja, entender esse processo para além das

prerrogativas dos tratados fronteiriços entre as metrópoles portuguesa e espanhola;

a expansão das fronteiras como um sentido natural de Portugal e como uma

condição exclusiva pertencente às necessidades do “Sistema Colonial”. Acreditamos

que o que está oculto nesse conjunto de mapas é um processo mais dinâmico de

apropriação do território, que foi chamado por Maria Odila Leite Dias (2005) de

“Interiorização da Metrópole”, não no sentido strictu de plena e máxima ocupação

populacional e/ou econômica que o termo pode nos levar a entender que, de uma

forma ou de outra, está muito preso a idéia dicotomizada de ocupação versus vazio

demográfico, ou ainda, civilização versus sertão. A interiorização é entendida a partir

da “relação entre a Colônia e a Metrópole com base nas formas afirmativas de

instituição do poder [...], que essa sociedade não era uma expressão direta do

Reino, mas havia sempre espaço para a alteridade”. (FURTADO, 2006, p.26, grifo e

destaque nosso).

A compreensão espacial da “alteridade” para além das leituras presas ao

primado das atividades econômicas (LACOSTE, 1966), nos levou a fazer uma

“leitura geográfica da Historia da América Portuguesa” (MORAES, 2000), à luz da

teoria–método formação sócio-espacial, elaborada por Milton Santos em seu texto

“Sociedade e Espaço: a formação social como teoria e como método.”14

Santos (1977) retoma alguns conceitos-chave do materialismo histórico no

objetivo de encontrar as ferramentas que sirvam verdadeiramente para a análise

14 O texto foi apresentado originalmente na revista Antipode, cujo primeiro número fora publicado em 1969 nos EUA. Depois, o referido texto foi traduzido para o português e publicado no Boletim Paulista de Geografia, nº54, junho, 1977, Revista de Associação dos Geógrafos Brasileiros, seção Regional de São Paulo.

Page 26: TRAMAS QUE BRILHAM

26

espacial. Para o autor, o conceito de formação econômica e social é fundamental

nessa tarefa porque revela não apenas a ordem mais geral (os interesses

metropolitanos), mas, essencialmente, como essa ordem opera e se transforma a

partir de sua base de sustentação que é o espaço geográfico (espaço colonial -

América Portuguesa). Em suas palavras:

se a Geografia deseja interpretar o espaço humano como fato histórico que é, somente a história da sociedade mundial, aliada à sociedade local, pode servir como fundamento à compreensão da realidade espacial e permitir a sua transformação a serviço do homem. Pois a história não se escreve fora do espaço, e não há sociedade a-espacial. O espaço, ele mesmo é social. (SANTOS, 1977, p.81, grifo nosso)

O interesse dos estudos sobre formações econômicas e sociais reside na

possibilidade de conhecer uma dada sociedade específica na sua totalidade, pois é

nela que se materializa concretamente o modo de produção mais geral

(HOBSBAWM, 1998; HARVEY, 1992; BRAUDEL, 1996). Para Santos (1978, p.183):

a formação econômica e social constitui o melhor ponto de partida para tal enfoque, pois sendo como é, uma categoria teórica, somente existe, no entanto, por causa dos seus aspectos concretos que permitem levar em conta a especificidade de cada sociedade (sua evolução particular, sua situação atual, suas relações internas e externas) tomada como uma realidade historicamente determinada, fundada sobre uma base territorial.

A partir da formação econômica e social ou, simplesmente, formação sócio-

espacial, como prefere Santos (1978), podemos cindir o tempo-mundo em escalas

espaço-temporais menores, pois todo trabalho se realiza em um lugar e não no

ecúmeno. Braudel (1978) designou essas múltiplas temporalidades de “casa

econômica”, que é formada por três pavimentos ou andares temporais, não

separados ou fragmentados, mas sobrepostos. No primeiro andar (térreo) estaria a

vida material, regida pelo signo do valor de uso; o segundo andar estaria subdividido

em duas partes, ambos regidos pela economia no limiar do valor de troca, sendo a

primeira parte formada por “partículas elementares”, ou seja, tendas de mascates,

Page 27: TRAMAS QUE BRILHAM

27

lojas e feiras, e a segunda parte por seus meios superiores, praças, comerciais,

bolsas ou grande feira. No terceiro e último andar estariam o nascimento e a

cronologia dos sistemas econômicos mundiais – as economias-mundo. Em síntese,

o térreo seria o tempo tradicional, a história dos acontecimentos, ou ainda, o tempo

fugaz de curta duração pertencente à escala do indivíduo. No andar do meio, o ritmo

lento, ou seja, o tempo social e, por fim, no último andar a história quase imóvel,

aquela chamada pelo autor de tempo/história lenta. Não estaria Braudel

historicizando as escalas geográficas com a sua “casa econômica”?

Não é o modo de produção em si que se realiza em uma sociedade geral (o

tempo lento) que interessa aos geógrafos, mas a sua realização concreta em uma

sociedade precisa. Tal recorte não significa uma fragmentação espaço-temporal no

sentido de buscar tempos absolutos, mas encontrar o movimento de um tempo em

direção ao outro, ou seja, do todo à parte e da parte ao todo ininterruptamente.

Nesse sentido, a formação sócio-espacial assume-se como uma categoria do

real porque traz o universal ao local e vice-versa, revelando as diferenciações

espaciais em um único tempo, pois o tempo hegemônico não se instala com a

mesma carga quantitativa e qualitativa advinda de sua origem. Não fosse dessa

forma, tomando o passado como exemplo, não teríamos como desenvolver as

inúmeras comparações entre as metrópoles européias, as cidades e vilas na

América, ou mesmo entre essas últimas no período correspondente ao do comércio

em grande escala (séculos XVI ao XVIII).

As subcategorias verticalidade e horizontalidade não devem ser tomadas

separadamente, mas em suas relações permanentes, pois, são essenciais para o

entendimento da categoria formação sócio-espacial. Para Santos (1977 e 1978), as

horizontalidades nos indicam as estruturas internas de uma sociedade, enquanto as

Page 28: TRAMAS QUE BRILHAM

28

verticalidades são as estruturas externas que chegam como potencialidade nos

lugares. Podemos dizer que a verticalidade é um outro nome dado ao tempo

hegemônico, ou ao tempo-mundo, que tenta se instalar por toda a parte enquanto

modo de produção geral. Assim, as verticalidades dificilmente conseguem realizar-se

na sua plenitude, ou enquanto modo de produção puro, pois ao atingir a

horizontalidade (o lugar) vai encontrar nela as resistências espaço-temporais

produzidas num outro período, mas que permanecem no espaço enquanto uma

herança ou como uma rugosidade, mas sempre refuncionalizadas e ativas. A

formação sócio-espacial é o resultado desse conflito permanente e dialético entre

verticalidades e horizontalidades, de um tempo hegemônico e de um tempo não

hegemônico, ou ainda, de um tempo lento e um tempo rápido “à la” F. Braudel.

A periodização revela no processo histórico diferentes totalidades e, no

conjunto dessas, aquela mais significativa à compreensão de um problema de

pesquisa espacial (em nosso caso, geográfico). Para que esse exercício

metodológico possa ser útil à pesquisa geográfica, é preciso recorrer à idéia de

situação geográfica, pois em qualquer escala geográfica (do país, da região, da

cidade ou do lugar) a totalidade mundo se geografiza através do conflito dialético

entre as forças verticais e horizontais, operacionalizadas pelos sistemas

indissociáveis de sistemas de objetos e sistemas de ações próprios dessas ações.

Logo, é necessário encontrar as variáveis mais importantes para o objeto em si,

além de reconhecer sua hierarquia na constituição da própria situação geográfica

para que o todo seja anunciado pela parte e vice-versa. Somente desta forma

poderemos concordar com Abreu (2000, p.18), que sendo essas categorias

verdadeiramente universais, podemos utilizá-las para desvendar os presentes do

passado ou, ainda, “os passados de então” (destaque nosso).

Page 29: TRAMAS QUE BRILHAM

29

A categoria formação sócio-espacial e suas subcategorias horizontalidade e

verticalidade, fixos e fluxos tornaram-se nossos pressupostos teórico-metodológicos

para compreender o processo de formação do território brasileiro no período colonial

para além das leituras juridicistas e econômicas, tão fortemente presentes nos

estudos sobre a temática em questão.

Mirar o passado com olhos de geógrafo é buscar no espaço suas

especificidades, ou seja, o produto da combinação do modo de produção mundial

com os modos de produção particulares, isto é, um arranjo dos níveis qualitativos e

quantitativos do próprio modo de produção de ordem global (verticalidade) e de

ordem local (horizontalidade). Nesse sentido, nem somente os tratados de fronteiras,

nem as economias voltadas para exportação explicam por si só a nova configuração

que o território brasileiro começava a engendrar no final do século XVII com as

descobertas auríferas.

A pergunta que realizamos foi: qual ou quais foram as variáveis espaciais

que possibilitaram a Interiorização da Metrópole no século XVIII?

Para responder esta questão tivemos, primeiramente, que recorrer ao

exercício da periodização que, segundo Braudel (1996, p.60), é a melhor ferramenta

para se fazer o recorte temporal de acordo com a necessidade explicativa do objeto

de pesquisa. Para ele, “podemos dividir o movimento global em movimentos

particulares, fazer desaparecer este ou aqueles em benefício apenas de um

movimento que se deseja esclarecer.” Geograficamente, Santos (1997a, p.33) nos

alerta que “não se pode atingir esse objetivo sem compreender o comportamento de

cada variável significativa através dos períodos históricos que afetam a história do

espaço que se está estudando” (grifo nosso). Silveira (1999) vai chamar esse

conjunto de variáveis significativas de “situação geográfica”. Para esta autora, esse

Page 30: TRAMAS QUE BRILHAM

30

exercício metodológico não pode perder de vista a noção de totalidade, para que

cada elemento seja compreendido na sua situação de conjunto.

Trata-se, assim, de cindir a Geografia do mundo em subtotalidades, que se tornam estruturas significativas para cada conjunto de eventos. Uma cisão da totalidade é uma nova totalidade com um significado, uma estrutura num conjunto mais abrangente, uma estrutura e um sistema porque sua realidade é dada pelo movimento. (SILVEIRA,1999, p.24)

O conceito de situação geográfica, revisitado e desenvolvido pela autora está

vinculado à noção de evento geográfico elaborado no conjunto da obra de Milton

Santos. Para este, o evento é o veículo de uma ou algumas dessas possibilidades

existentes no mundo, na formação sócio-espacial que se depositam, isto é, se

geografizam no lugar num determinado tempo, logo, numa relação indissociável das

dimensões tempo e espaço. Pode-se dizer que a situação geográfica, além de

envolver a localização material e relacional (sítio e situação), pede auxílio à história,

ou seja, para momento da sua construção e seu movimento histórico.15

A situação seria, então, esse conjunto de eventos geografizados, ou seja,

tornados normas e materialidades, ou ainda, seria a instalação do processo histórico

(totalização) na realidade (totalidade), trazendo o global ao local. A situação

geográfica pode ser entendida como um recorte da história no presente.

A mineração aurífera e diamantífera realizada nos “sertões adentro” imprimiu

novas lógicas político-sociais e dinâmicas de trocas comerciais. Foi essa atividade

econômica o evento que materializou no território brasileiro o conflito das lógicas

verticais e horizontais, ou seja, as lógicas do poder hegemônico (metropolitano e

geopolítico europeu) e verticais (dos homens coloniais16), não no sentido de

15 Notas de aula da disciplina “A Reorganização do Espaço Geográfico na Fase Histórica Atual” (USP-3035317), ministrada pelo professor Milton Santos, no curso de Pós-Graduação em Geografia, da FFLCH/USP, no segundo semestre de 2000. O curso esteve todo centrado no tema “Periodização em Geografia”. 16 A expressão “homens coloniais” de Alencastro (2000), será utilizada toda vez que nos referirmos aos moradores da América Portuguesa, não só de origem lusitana direta ou de descendência, como

Page 31: TRAMAS QUE BRILHAM

31

oposição de um em relação ao outro, mas, num conflito cuja essência foi a

complementaridade.

Espacialmente, uma das variáveis significativas que permitiu a mudança da

configuração territorial foi a circulação, ou melhor, o sistema de circulação terrestre,

fluvial e marinha que se instalou no território para que o evento mineração se

realizasse no final do século XVII e primeira metade do século do XVIII. Nesse

sentido, a mineração deixa de ser um evento meramente econômico para se tornar,

também, um evento geográfico. Mas o sistema de circulação não pode ser analisado

somente como condição sine qua non da mineração, pois, por si só, dada a sua

força e seu conteúdo político, econômico e social, também pode ser considerado um

evento, uma vez que carrega variáveis próprias de sua lógica explicativa. Em outras

palavras, tomaremos o sistema de circulação como a subtotalidade significativa para

o evento em questão e para o objetivo e problemática da pesquisa.

Foi a situação geográfica acima exposta que fez emergir o recorte espaço-

temporal desta pesquisa: início da mineração, quando os caminhos utilizados para

acessar os sertões auríferos ainda eram as trilhas primitivas de entradas e

bandeiras, e encerramento em 1750, quando se iniciou o movimento de retração

aurífera, época em que os principais eixos de circulação já estavam estruturados,

possibilitando que uma nova economia se instalasse nas Minas Gerais: a economia

de abastecimento.

também aqueles que forjaram a condição de “homens bons” mediante seus bens e “presteza” para com a Coroa. Desde cedo, esses homens viram na Colônia a possibilidade de constituírem riqueza e poder, configurando-se, verdadeiramente, como elites locais. Esses homens não só agiam como vassalos do Rei, como também indivíduos autônomos, seguindo seus interesses próprios e particulares, estabelecendo uma rede de atividades comerciais que envolviam todo o Atlântico Sul: a própria América Portuguesa, a bacia do rio da Prata e mercado negreiro na África. Cunha (2005), utilizou o conceito de homens coloniais para compreender as razões que faziam com que alguns governantes coloniais se fixassem na América Portuguesa, mesmo após já terem encerrado a “governação”.

Page 32: TRAMAS QUE BRILHAM

32

A leitura histórica do território que desenvolveremos nessa tese se dará a partir

do sistema de circulação, que se instalou nas antigas capitanias do sul da América

Portuguesa (São Paulo, São Paulo e Minas de Ouro, Minas Gerais e Rio de Janeiro),

ou capitanias do centro-sul, conforme a historiografia vem chamando essa região.

As dinâmicas da circulação sempre tiveram uma importância destacada na

compreensão do espaço geográfico; do seu surgimento enquanto disciplina

acadêmica aos dias atuais.

Mercier (2001), ao estudar os pontos de convergência do pensamento de

Ratzel e La Blache identificou em ambos a importância que as trocas comerciais e

as comunicações em geral assumiram diante das diferenciações espaciais entre as

regiões, dada a capacidade de criarem condições para a elaboração de sentimentos

de identidade nacional. Para o autor, esse pensamento em nada fundamenta a

tentativa de enquadrar o pensamento de Ratzel enquanto um pensamento

exclusivamente determinista, uma vez que, ao fim e ao cabo, o que está por detrás é

a criação do sentimento de nação, tão necessário para a formação e domínio de um

estado-nação. Se Ratzel defende que há regiões naturais diferenciadas e que em

cada uma se desenvolve uma especialização produtiva, a circulação é um fator

unificador entre as regiões naturais e seus habitantes. Assim, são as trocas

comerciais e a comunicação entre esses “diferentes”, a partir do reconhecimento de

seus interesses comuns, que fazem emergir o hábito/tradição de viverem juntos, de

compartilharem tarefas e, sobretudo, a necessidade de defesa mútua contra os

“outsiders”. Para Ratzel, a circulação é um importante instrumento unificador de

espaços geográficos diferentes e fragmentados de uma unidade política maior. Não

é por outra forma que parte de sua construção intelectual é desenvolvida em seu

texto “Politische Geographie”.

Page 33: TRAMAS QUE BRILHAM

33

Já para Vidal de La Blache, a circulação é analisada a partir do conceito de

“gênero de vida”17, uma vez que as ações humanas resultam do conjunto técnico

acumulado historicamente por uma sociedade em sua relação com a natureza18.

Para o autor, a cidade, em comparação com espaços não urbanizados, configura-se

como o espaço privilegiado no estabelecimento das trocas, em virtude de seu

próprio gênero de vida, mais autônomo em relação à natureza. Assim, as cidades

são os nós de uma rede de circulação, cuja função é manter o território unificado,

uma vez que une diferentes regiões. Logo, “a cidade é [...] o núcleo do Estado” e a

circulação e as trocas são o meio do sentimento de nacionalidade que se

desenvolve. Mas La Blache não se limita apenas a essa visão estritamente política,

uma vez que, em sua obra “Princípios de Geografia Humana”, vislumbrou a

circulação como a possibilidade de trocas entre diferentes gêneros de vida.

Para ambos os geógrafos, o papel da circulação assume caráter central na

formação dos estados nacionais, em virtude da potencialidade em unificar, por meio

das trocas comerciais, técnicas e culturais, os diferentes grupos sociais e regiões

naturais também diferenciadas em um único território político: o estado-nação.

Embora afirmem a importância das trocas comerciais e das comunicações

como condição para a unidade e desenvolvimento de uma nação, Ratzel e La

Blache não elaboraram estudos estritamente econômicos dos meios de circulação

pautados na relação peso-quilometragem-preço, tarefa essa que foi mais ampla e

17 Para Gomes (2000, p.205), “o(s) gênero(s) de vida se define(m) e/a forma específica que cada grupo desenvolve, sua maneira de ser e de viver. [...] Ao mesmo tempo revela(m) os meios desenvolvidos por uma coletividade para sua sobrevivência, superando, em diversos níveis, o desafio da natureza em meio a um concreto e um imediato”. 18 No livro “Princípios de Geografia Humana” de La Blache (1954), há um capítulo que estuda a distribuição dos Homens no Globo, e, nesse, os meios e as vias de transporte. Para o autor, tanto o meio quanto às vias de transporte desenvolveram-se diferentemente ao redor do mundo de acordo com seus respectivos gêneros de vida. É assim que diferencia (descreve) as sociedades que utilizaram como meios para deslocamento de pessoas e mercadorias somente os animais e veículos puxados por animais. Ainda diferencia, segundo as diferenças naturais, os grupos sociais que se especializaram em utilizar um determinado animal como meio de transporte.

Page 34: TRAMAS QUE BRILHAM

34

detalhadamente tratada pela geografia econômica19 que, durante todo o século XX,

monopolizou o debate da chamada Geografia dos Transportes.

Para Jones & Darkenwald (1950), a atividade econômica e os meios de

transportes não podem ser pensados separadamente, pois sem os meios de

transporte baratos e eficientes para levar as mercadorias ao mercado consumidor

seria impossível pensar em uma especialização geográfica da produção. Para os

autores, os estudos devem se pautar nos meios técnicos de circulação: os portos, os

terminais integrados, os meios de transporte utilizados e as rotas a serem seguidas,

todos esses distribuídos diferencialmente pelo espaço, seja na escala local ou

global. Embora nesses trabalhos a categoria central de análise tenha sido a

econômica, é possível encontrar uma certa tradição “lablacheana” no que diz

respeito à diferenciação distributiva dos meios de comunicação, pois afirmam que os

meios modernos de transportes estão concentrados em algumas poucas regiões

onde o ser humano melhor soube suplantar os condicionantes naturais20. As leituras

da geografia econômica no século XX se pautaram em duas estruturas de

pensamento: a do custo, resultado da relação peso-quilometragem-preço e a da

classificação das economias nacionais. A primeira é desenvolvida em praticamente

todos os trabalhos, revelados didaticamente por Ellis Jr. (1945, pp.121-22), ao

afirmar que: 19 Jean Brunhes, em seu livro Geografia Humana, ao tratar da “Geografia Geral e da Circulação”, nos mostra como a temática foi capturada pela geografia econômica. “De todos os lados, por todas as avenidas, chega-se uma vez mais à geografia da circulação, a partir da Geografia Humana que até agora foi mais ampla e mais detalhadamente tratada; é além disso, a parte central da geografia econômica” (BRUNHES, 1962, p.165). Ao contrario de La Blache e Ratzel, Brunhes, sob influência da Geografia Econômica, passa a analisar “os meios modernos de circulação” a partir da relação peso-quilometragem-preço. “O que cria a circulação são as formas caracterizadas de economia criadora ou destrutiva e as migrações obrigatórias que daí resultam e por excelência, a permuta. O intercambio tende a colocar as matérias-primas ou os produtos manufaturados nos pontos em que são desejados ou em que são úteis”. 20 Os autores citam algumas dessas regiões de pouca densidade de meios de transportes modernos: região norte e gélida da América e Eurásia, regiões desérticas do norte da África da península arábica, Ásia central e centro da Austrália. Em contrapartida, as regiões centrais e leste da América do Norte e Noroeste da Europa apresentam condições para desenvolverem excelentes meios de transportes.

Page 35: TRAMAS QUE BRILHAM

35

o objetivo da circulação é realizar o transporte, onerando o menos possível a mercadoria. Assim, o custo de transporte deve ser o mais barato possível [..]. A unidade de transporte é a tonelada-quilômetro, conjunção dos dois fatores que caracterizam a mercadoria a ser transportada. Para a obtenção do mais baixo custo da tonelagem-quilômetro [...] são elementos decisivos: condição técnica da via de transporte [...]; natureza da configuração física do relevo; tipo e quantidade de carga a ser transportada; custo da energia, mão-de-obra e material rodante; [processos administrativos]; e orientação política.

De alguma forma, quase todos os trabalhos de Geografia Econômica

estudaram os transportes pautados nessas premissas, na maioria das vezes,

comparando os resultados entre diferentes regiões e localidades do mundo, afinal,

essa continuava sendo a premissa geográfica: diferenciar as regiões. Em um

período de produção em massa, regulada pela produção fordista, os geógrafos não

deixaram de atentar à importância da circulação na produção mundial de bens e

serviços. Assim, seus trabalhos revelavam a centralidade produtiva e econômica dos

países que apresentavam maior densidade dos meios e vias de transportes.

Segundo George (1961, pp.390-91),

a intensidade de equipamento ferroviário regional é diretamente proporcional à do desenvolvimento da economia industrial. Uma densidade ferroviária superior a 10km de linha por 100km2, corresponde a complexos industriais progressistas com base em indústrias pesadas e, portanto, de transportes maciços [...]. Uma densidade de 5 a 10km corresponde a conjuntos regionais que associam zonas ou focos industriais a regiões agrícolas em economias industriais de mercado nacional e importante comércio nacional e importante comercio internacional [...]. Uma densidade inferior a 5km caracteriza as economias das regiões subdesenvolvidas, onde o trem de ferro é geralmente importado.

De acordo com Silveira (2003, p.23), os trabalhos destinados aos estudos da

circulação/transporte tiveram muita importância e destaque até os anos sessenta.

Todavia, identificou que, de lá pra cá:

a tendência tem sido eliminar dos estudos geográficos, algumas determinantes importantes, como os estudos do transportes e da circulação [...]. Ao longo das últimas décadas, essa temática foi se extinguindo do meio literário (inclusive dos principais periódicos de geografia), dos currículos dos cursos de graduação em geografia e das pesquisas acadêmicas.

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36

Talvez o autor não esteja exagerando em sua avaliação. Entrementes, os

transportes e a circulação deixaram de ser analisados nos últimos anos pelo viés

estritamente econômico para serem analisados de forma mais ampla e complexa,

em virtude da própria complexidade assumida pela circulação nos circuitos

produtivos no atual estágio de globalização. Assim, ao invés dos estudos se

pautarem na relação peso-quilometragem-preço, passaram a focar as “redes” e/ou

circuitos produtivos.

Dias (2000, pp.146-47) afirma que o termo “rede” não é recente e tão pouco a

preocupação em compreender seus efeitos sobre a organização do território21, no

entanto, é preciso contextualizá-lo e renová-lo diante de um novo quadro que se

apresenta: “a qualidade da instantaneidade e da simultaneidade das redes de

informação, que emergiram mediante a produção de novas complexidades no

processo histórico [..]: de integração produtiva, de integração de mercados, de

integração financeira; de integração de informação”. Tais complexidades para que

sejam efetivamente viabilizadas, demandam, segundo a autora, “estratégias de

circulação e de comunicação, duas faces da mobilidade que pressupõem a

existência de redes” (p.147).

Santos (1997) analisa o espaço da circulação e da distribuição a partir dos

circuitos produtivos22, com destaque para o papel das grandes empresas nesse

processo. Para o autor, a capacidade maior ou menor das empresas fazerem

circular seus produtos com maior velocidade, depende do poder de controle do

21 Dias (2000) afirma que é impossível retomar a história do conceito de “redes” a partir da ótica do final o século XX. Logo, a partir do questionamento: “que relação ou quais as relações que podemos encontrar entre as concepções dos diferentes autores daqueles primeiros trabalhos consagrados a este tema na primeira metade do século XIX?” a autora elabora uma revisão literária para acompanhar a evolução do conceito no tempo. 22 Para Santos (1997) o circuito espacial de produção trata dos fluxos de matéria, como das mercadorias em geral e das técnicas em geral. Já o circuito de cooperação no espaço trata dos fluxos não materiais, tais como a base normativa, a informação e o capital propriamente ditos.

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37

mercado que a empresa possui, que também é um poder político, pois quanto maior

é a empresa e/ou seu poder de mercado, maior será a força que exercerá sobre o

Estado e sobre o capital, para dotar o espaço de meios e vias de circulação que lhe

garantam maior fluidez na circulação, logo, maior poder. Dias (2000), para construir

uma epistemologia do conceito de rede, apóia-se na idéia de C. Raffestin de que

rede é, antes de qualquer coisa, um instrumento de poder. Assim, ao trabalhar essa

relação de rede e poder, também trás à tona a idéia de conexidade, ou seja, a

qualidade de conexo, que tem ou em que há conexão ou ligação. Nesse sentido,

afirma a autora:

os nós das redes são assim lugares de conexões, lugares de poder e de referência. É antes de tudo pela conexidade que a rede solidariza os elementos. Mas ao mesmo tempo em que tem o potencial de solidarizar, de conectar, também tem de excluir. (DIAS, 2000, p.148)

Para Santos (1997, p.219), no atual período histórico, marcado pela técnica,

ciência e informação, as redes têm por objetivo dar fluidez ao capital. Em suas

palavras: “Não basta pois produzir. É indispensável pôr a produção em movimento;

em realidade, não é mais a produção que preside a circulação, mas é esta que

conforma a produção”. Pensar em fluidez, segundo o autor, não se limita a pensar

apenas na técnica, mas também na política, pois a fluidez não está livre da base

normativa, uma vez que é preciso sempre desregular os impeditivos legais que

limitam a circulação. Entrementes, como bem afirma, “desregular, significa

multiplicar o número de normas”, não para todos, mas para as empresas mais

poderosas”.

Arroyo (2005), ao estudar o comércio internacional brasileiro a partir da

perspectiva do território, chama esse processo de fluidez territorial de “porosidade

territorial”. Para ela, a fluidez territorial é estruturada “a partir da existência de uma

base material formada por um conjunto de objetos, construídos e/ou acondicionados

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38

para garantir a realização dos fluxos”, ou seja, a condição necessária para que o

circuito material de produção circule. Essa base material é formada “por diversos

sistemas de objetos de ordem técnica cumprindo cada um deles uma função

determinada: portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, hidrovias, armazenagem, etc.”

Já a porosidade territorial é definida pela autora como “a qualidade dos territórios

nacionais que facilitam sua relação com o exterior, a partir da base institucional,

incumbida da regulação do movimento”. Tais regulações são produzidas e

promovidas por duas forças: a ação institucional pública e as instituições privadas. A

primeira é exercida pelo Estado em suas diferentes escalas de governo e, a

segunda, pelas câmaras empresariais, associações setoriais etc. Para a autora, “ora

como norma, ora como ação institucional direta, essa base que promove a

porosidade tem uma participação ativa nos processos de competição, cooperação e

controle do território.” (ARROYO, 2005. 397, grifo nosso).

Mas voltemos para o início do texto de Arroyo (2005, p.390), já que nos

apropriaremos de sua pergunta/problema, elaborada para construir seu “sistema de

conceitos” sobre circulação. Assim ela inicia seu texto: “podemos estudar o comércio

internacional exclusivamente da perspectiva do mercado ou podemos estudá-lo a

partir do território? Qual seria a diferença?” (grifo nosso). Posto isso, faremos a

pergunta, pertinente ao nosso objeto e problemática de pesquisa: Podemos estudar

a circulação no período colonial setecentista exclusivamente na perspectiva

econômica, ou podemos estudá-la a partir do território? É possível transladar essa

pergunta/problema para três séculos atrás?

Para a autora, caso a leitura se fixe na perspectiva do mercado, sua análise

estaria centrada no “movimento das mercadorias expresso nas exportações e

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39

importações e registrado tecnicamente na balança comercial23”. Mas se a análise

tomar o território como ponto de partida, o interesse seria outro, pois:

estaria focado principalmente numa teia de conceitos e não em instrumentos estatísticos da economia. Conceitos inspirados na própria constituição do território, no seu conteúdo político, que ajudariam a explicar como os espaços, enquanto uma realidade histórica, influenciam a economia internacional, como a forma e a norma tem papel na divisão internacional do trabalho”. (ARROYO, 2005, p.590)

Acreditamos que o desafio proposto pela autora é o mais pertinente para uma

leitura do sistema de circulação instalado na América Portuguesa no período

setecentista que se proponha a ultrapassar as leituras juridicista: -“os caminhos

avançaram as fronteiras para além-Tordesilhas”-, e economicista: -“os caminhos

materializaram na América Portuguesa o sistema colonial, baseado no exclusivo

metropolitano”- Se recusamos tais leituras é de se esperar que também refutemos a

concepção política de Ratzel e La Blache dada ao sistema de circulação, caso

contrário reproduziremos os discursos da historiografia brasileira clássica, dentre

eles o de Abreu (1963), de que os meios de circulação ou os primeiros caminhos

serviram para unir diferentes regiões brasileiras, servindo exclusivamente para

expandir o território e criar ou produzir o sentimento ou a identidade de nação.

Estudar a circulação sob o enfoque das redes pode contribuir para, nesse sentido,

identificar e analisar os elementos da formação sócio-espacial que passaram a

configurar o território brasileiro no século XVIII.

Santos (1997), nos diz que é possível fazer um estudo genérico das redes,

desde que se façam recortes no processo histórico, pois em cada período histórico

as técnicas que formam/constituem as redes são diferenciadas. Assim, o autor divide

23 Tomando a balança comercial como categoria central, passaria a estudar o “padrão de comércio por países, os coeficientes de exportação e de importação de países e das empresas, a composição das exportações e das importações por produto e por região, o destino das exportações e a origem das importações, entre outros.” (ARROYO, 2005, p.590).

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a história das redes em três períodos. Desses, nos interessa o primeiro período

histórico: o período pré-mecânico. Para ele,

há de algum modo, o ‘império’ dos dados naturais; [ou seja] o engenho humano era limitado; às vezes subordinado às contingências da natureza. Dentro dessas circunstâncias, as redes se formavam com um largo componente de espontaneidade. (SANTOS, 1997, p.210)

Ora, não seriam os Caminhos Reais do Ouro redes de circulação presas, de

alguma forma ou de outra, às contingências da natureza? Não seriam os Caminhos

Reais do Ouro a conexidade necessária para unir os nós do poder (poder régio e da

elite colonial) aos nós da produção aurífera?

Se nosso objetivo é estudar a configuração setecentista do território brasileiro

enquanto um projeto de “Interiorização da Metrópole”, o conceito de rede nos é útil

porque foi por ele que se produziu uma socioespacialidade ímpar no território

brasileiro, dados os interesses que se opunham e se complementavam da elite

colonial e do Poder Metropolitano. Se hoje são necessárias materialidades técnico-

científica-informacionais e novas regulações para dar fluidez às redes e à circulação,

no passado, as redes de circulação também demandaram materialidades, mas

segundo sua necessidade máxima: a do controle da Real Fazenda. Buscaremos,

nesse sentido, estudar o passado como “o presente de então”. Mas como bem nos

alerta Abreu (2000, p.18), fazendo “as necessárias correções metodológicas”. Para

este autor, não se pode transladar variáveis do presente para o passado e vice-

versa, uma vez que essas são datadas historicamente. Em contrapartida, as

categorias de análise que elas operacionalizam não o são, podendo essas sim,

serem usadas para estudar “o presente de então”.

As redes de circulação do século XVIII, são assim, redes presas ao imperativo

da natureza e do fisco, não abrindo espaço para “espontaneidade”, como nos diz

Santos (1997), mas espaços para a alteridade, produzida por aqueles que exerciam

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o poder e/ou utilizavam os caminhos para tal, bem como por toda a sociedade

colonial que dependia desses caminhos em suas múltiplas e ricas atividades

cotidianas.

A tese está dividida em duas partes. A primeira, intitulada “De Sertão à

Território”, é onde construímos o objeto e a problemática da pesquisa. Inicialmente,

o que nos chamou a atenção para esse estudo foi o próprio processo de

configuração do território brasileiro nos dois primeiros séculos de colonização, cuja

característica mais marcante foi a maritimidade ou a ocupação litorânea. No entanto,

no início do XVIII, como “num arranco brusco”, a Metrópole e a Colônia se

interiorizam, ou seja, o Poder Real e a população também passaram a se fixar e a se

apropriar de áreas que eram anteriormente consideradas como sertões. Para

compreender toda a complexidade que envolveu esse processo, foi necessário

entendermos os “sentidos” simbólicos do sertão e como ele foi sendo desconstruído

e reconstruído de acordo com os interesses dos homens poderosos que controlavam

a atividade de mineração.

A segunda parte da tese é onde trazemos para o foco o sistema de circulação

que se instalou no território brasileiro a partir da atividade aurífera. Primeiramente,

procuramos compreender como a sociedade colonial teve que se adaptar aos

primitivos caminhos de entradas para os sertões, sobretudo, os caminhos

bandeirantes que buscavam há muito tempo a serra resplandecente de Sabarabuçu.

Esses caminhos eram muitos dilatados espaço-temporalmente, o que fazia com que

o poder metropolitano pouco fosse “sentido” entre os mineradores, logo, criando as

condições para um território pouco controlado pelo poder régio, o que facilitava os

descaminhos do ouro e do seu imposto: o quinto real. À medida que a atividade vai

se densificando, a necessidade de um caminho mais rápido e, ao mesmo tempo, de

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um caminho controlado pelo Poder Metropolitano, foi também se tornando cada vez

mais premente. No entanto, em condições tão específicas, os interesses régios

nunca se instalavam na Colônia da mesma forma que foram pensados, mas sempre

se adequando aos interesses dos homens coloniais, que viam nesses caminhos

possibilidades de enriquecimento. Surgem, assim, os Caminhos Reais do Ouro ou,

simplesmente, Caminhos do Ouro, cujo objetivo central era evitar o descaminho,

num processo de controle territorial a partir da lógica fisco-normativa, bem como

aproveitamento da circulação intensa para o enriquecimento na atividade de

abastecimento.

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43

PARTE I

DE SERTÃO A TERRITÓRIO

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CAPÍTULO 1

A FORMAÇÃO TERRITORIAL BRASILEIRA NOS DOIS

PRIMEIROS SÉCULOS DE COLONIZAÇÃO

Os mapas produzidos por Azevedo (1994), (MAPA 1, p.24), constituíram o

ponto de partida para o nosso primeiro questionamento, uma vez que eles não

revelam apenas a distribuição das vilas e cidades ao longo das três primeiras

centúrias da História do Brasil, mas, antes de tudo, mudança na configuração

territorial brasileira no século XVIII, quando a litoralização abriu espaço para a

interiorização. Diante dessa constatação, lançamos a seguinte indagação: quais

foram os aspectos sócio-espaciais que possibilitaram a mudança na configuração

territorial brasileira nesse século?

Para responder essa questão recorremos, ao exercício da periodização.

Considerando a configuração territorial como uma categoria analítica, foi possível

delimitar três grandes períodos geohistóricos que, de forma geral, mais ou menos se

superpuseram aos três primeiros séculos de colonização, porém não obedecendo a

rigidez do tempo cronológico do calendário, ou tempo como seqüência24.

O primeiro período geohistórico ocorreu durante o século XVI e pode ser

sintetizado, sob o ponto de vista da configuração territorial, segundo Moraes (2000),

em uma única palavra: “instalação”. Durante toda a primeira metade quinhentista, a

24 Hobsbawm (1995), ao intitular a sua obra “A Era dos Extremos: o breve século XX - 1914 -1991”, confirma o que já era consenso entre os cientistas sociais: o tempo histórico não obedece à rigidez do tempo cronológico do calendário. Nesse sentido, se a datação “século XX” é empregada para marcar um tempo histórico, não o é para os acontecimentos ocorridos entre 1901 e 2000, mas sim entre a Primeira Guerra Mundial (1914) e o colapso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) (1991), ou seja, um século de setenta e sete anos.

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preocupação portuguesa para com a América era impedir que nações inimigas25

ameaçassem sua conquista territorial já assegurada com o Tratado de Tordesilhas

em meados dos anos noventa do século anterior. No período em tela, os

portugueses preocuparam-se em fundar alguns núcleos de ocupação, reconhecer a

faixa litorânea e, concomitantemente, explorar o pau-brasil (ainda abundante em

quase toda a mata atlântica) como matéria-prima para tingimento de tecidos e para a

construção de navios e móveis em Portugal. Ainda nas primeiras décadas do século

XVI, o território da América Portuguesa foi dividido em quinze capitanias

hereditárias26, numa tentativa de superar a fracassada experiência de exploração

baseada no sistema feitorial 27 implantado no Brasil logo após o “descobrimento”.

Embora a divisão territorial em capitanias hereditárias não tenha atingido

seus objetivos, serviu para demonstrar à Coroa portuguesa “a praticabilidade das

colônias agrícolas no Brasil”, conforme anunciou Marchant, 1980, citado por Moraes

(2000, p.302). Nesse sentido, a criação do Governo Geral do Brasil em 1548,

segundo esse autor, teria por objetivo reforçar a instalação portuguesa na América e

garantir, de alguma forma, a viabilidade das capitanias hereditárias. A Coroa

descobrira que a ocupação de sua possessão americana não poderia ocorrer sem a

25 Durante os dois primeiros séculos de colonização, os franceses representaram a maior ameaça ao projeto colonial dos portugueses para com a América, contrabandeando livremente o pau-brasil ao longo de toda a costa oceânica e, para desespero dos portugueses, fixando-se e fundando núcleos, como a França Antártica na atual cidade do Rio de Janeiro e a França Equinocial, na atual São Luís do Maranhão, esta última já no século XVII. 26 As capitanias hereditárias eram enormes faixas de terras que iam do litoral ao meridiano de Tordesilhas, entregues em forma de mercês aos capitães donatários que não podiam vendê-las ou desmembrá-las, cabendo apenas ao Rei o poder de modificá-las ou excluí-las. Para Moraes (2000, p.300), a efetivação da mercê implicava na criação de estruturas produtivas. “Nas condições reinantes, a criação de lavouras de gêneros tropicais impunha-se como modelo geral de instalação”, logo, a já bem sucedida experiência com a cana-de-açúcar nas ilhas atlânticas foi transferida para as capitanias. Para Abreu (1963), poucos foram os capitães que conseguiram efetivar esse projeto de ocupação, muitas vezes pela própria dificuldade econômica em implantar tal empreendimento, já que, em geral, não ocupavam o primeiro escalão da nobreza e dos comerciantes portugueses. O autor lembra que metade deles jamais pisou em suas capitanias. 27 As feitorias eram formadas por consórcios de negociantes que, mediante pagamento prévio, recebiam terras em arrendamento para explorá-las em um prazo de três anos. Esse sistema já tinha sido implantado nas ilhas atlânticas, onde os portugueses desenvolveram atividades agrícolas (HOLANDA, 2003, p.104).

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46

sua presença, não no sentido da centralização de poder e controle total do território,

mas em garantir, ainda que minimamente, uma base normativa e militar para tal

empreendimento28.

A configuração sócio-espacial nesse período (século XVI) foi marcada pela

litoraneidade, ou, como prefere Azevedo (1994), pela maritimidade29. Para Cortesão

(s/d), a tradição portuguesa de fixar-se no litoral é resultado de uma “cultura de

latitude”, ou seja de um processo de expansão apoiado no domínio oceânico, tanto

no sentido de buscar novas possessões quanto no de ocupá-las. Afastar-se do

oceano, logo, do litoral, era afastar-se do conhecimento que garantiu centralidade ao

pequeno país europeu no início das navegações. Para Vicente (2000) e Queiroz

(2000), entre outros, nos dois primeiros séculos de colonização, tal tradição resultou

no uso da cabotagem como a única forma de comunicação entre os núcleos

litorâneos, em detrimento dos caminhos terrestres. Moraes (2000), após analisar o

padrão de ocupação português em todas as partes do mundo, toma de empréstimo

os termos de um comentarista do período em questão, que chamava o sistema

colonial português de filiforme e talassocrático30, o que Holanda (1975), vai chamar

de padrão tradicionalista de ocupação portuguesa31.

28 “A nomeação de Tome de Souza, em 1549, como capitão e governador-geral das terras da Baía e outras capitanias, embora não contrariando os privilégios econômicos antes concedidos (aos capitães donatários), fez transferir os direitos reais a um dos capitães que se converteu em representante do Rei. Ele recebia regimentos e instruções a partir de então entregues a todos os governadores e, mais tarde ao vice-rei, com modificações até o regimento de 1567. A partir dessa data os governadores e funcionários que seguiam para o Brasil aplicavam as leis e os regulamentos estabelecidos pelo Conselho da Índia (de 1604) o qual, em 1642 se converte em Conselho Ultramarino” (VICENTE, 2000, p.116, destaque do autor). 29 A maritimidade está ligada diretamente ao termo que se empregava no período: “ocupar a marinha”. Holanda, (2003, p.146) apresenta e analisa o texto do historiador colonial do final do século XVIII – Frei Gaspar da Madre de Deus – que, ao analisar a ocupação do território brasileiro, revela a persistência da preocupação lusitana em ocupar o litoral. 30 Em outras palavras, a configuração linear ou delgada (filiforme) costeira verificada em quase todas colônias portuguesas era resultado do seu próprio poderio marítimo e controle dos mares (talassocrasia). 31 Para Holanda (2003, p.145), esse padrão tradicionalista era resultado da tradição portuguesa de expansão pelo mundo. “Esses critérios, herdados, por sua vez da atividade mercantil das repúblicas italianas na Idade Média, visavam mais do que a instituição de um genuíno império colonial, à criação

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Pero de Magalhães Gândavo, em seu “Tratado da Terra do Brasil”, escrito

em 1570, elucida tal padrão ao comunicar ao Rei que “não há pela terra de

povoações de portugueses por causa dos índios que não consentem e também pelo

socorro e tratos do Reino lhes he necessário estarem junto ao mar [para] terem

comunicação de mercadorias. E por este feito vivem todos junto da costa.”

(GÂNDAVO, 2006, p.2, grifo nosso)32.

Embora seja consenso entre os historiadores de diferentes correntes

historiográficas (ABREU, 1963; PRADO Jr., 1976; HOLANDA, 2003, 2000; MATTOS,

1987; MONTEIRO, 1994; FAUSTO, 1998; NOVAIS, 1983; MELLO e SOUZA, 1997),

que a configuração territorial do Brasil nos séculos XVI e XVII era marcada pela

litoraneidade, verificamos que há duas correntes interpretativas sobre essa questão.

A primeira reforça o isolamento dos primeiros núcleos e a extrema fixidez

desses no litoral, pois as principais bases materiais do século XVI e XVII estavam

localizadas nas capitanias de Pernambuco (Olinda), Bahia (Salvador), São Vicente e

Rio de Janeiro, sendo as primeiras mais prósperas que as últimas. Esse quadro

geográfico, foi interpretado pela historiografia e pelo pensamento geográfico como

uma ocupação/configuração territorial em arquipélago ou, como quer Bernardes

(1966 [s.p.]), “um verdadeiro arquipélago sócio-econômico”, padrão esse que vai se

prolongar até o século XVIII. Tal interpretação limita-se em reconhecer alguns

poucos núcleos coloniais e os têm num verdadeiro isolamento, resultado da

debilidade das intercomunicações33. Para aqueles que analisaram a ocupação do

de uma rede de feitorias e centros de abastecimentos costeiros, sob a proteção de fortalezas, em volta das quais formariam núcleos relativamente estáveis de população.” 32 Gândavo Pero de Magalhães. Tratado da terra do Brasil. Disponível em, http://www.cce.ufsc.br/~alckmar/ literatura/ litert.html. Acessado em 30/05/2006. 33 Frei Vicente de Salvador talvez tenha cunhado a mais expressiva e, talvez, a mais empregada metáfora entre os historiadores e geógrafos para a forma como os portugueses ocupavam sua possessão na América, ao dizer que estes [os portugueses] “contentam-se de andar arranhando as

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território na perspectiva do isolamento dos primeiros núcleos coloniais, a fixação dos

portugueses no litoral era uma condição de sobrevivência, pois:

Fixar-se junto às águas do Atlântico, dessas mesmas águas que também banham as costas lusitanas, constituía, até certo ponto, um gesto de sobrevivência e manifestação de uma esperança; afastar-se desse litoral e embrenhar-se pelo sertão desconhecido, planalto à dentro, era sujeitar-se a perigos de toda a ordem e a contratempos inimagináveis; era expor-se ao ataque da indiada hostil e abdicar ao mínimo de conforto que a civilização podia oferecer. Em última palavra, trata-se de escolher entre a Vida e a Morte. As necessidades materiais exigiam essa permanência na costa. (AZEVEDO, 1994, pp. 30-1, grifo nosso)

Um forte determinismo geográfico impõe-se nessa perspectiva analítica para

a ocupação territorial nos século XVI e XVII, uma vez que o impeditivo em adentrar,

fixar-se e ocupar o interior, bem como estabelecer rotas de comunicação por terra

entre as vilas era conseqüência da natureza hostil que dificultava o acesso ao

interior, dada a barreira formada pelas escarpas abruptas das serras do Mar e da

Mantiqueira, cobertas por uma densa floresta, povoada por animais ferozes e

peçonhentos, índios selvagens e guerreiros, rios poucos navegáveis e pela presença

de extensas faixas de manguezais (PRADO Jr., 2000)34.

Analisando as vilas e cidades do Brasil Colônia, Azevedo (1994, p.32),

(MAPA 1, p.24) corrobora a idéia de ocupação em arquipélago, ao afirmar que “os

núcleos surgiam de maneira isolada e esparsa, constituindo verdadeiros nódulos de

população no imenso ‘deserto humano’ do Brasil de então.” Essa leitura tão

serras ao longo do mar como carangueijos”. Frei Vicente do Salvador – História do Brasil. Rio de Janeiro, 1988, p.8 (edição de 1627). Cf. Mattos (1987, p.40). 34 Geiger (2001, p.165), retoma o sentido das cores no período renascentista para analisar a ocupação da América Portuguesa no século XVI: “Com o aparecimento da perspectiva e da paisagem na pintura, foi codificado que as cores quentes, como a sépia, seriam empregadas nos planos mais próximos; as cores frias, como o azul, nos mais afastados.” Nesse sentido, Albernaz ao desenhar e pintar de azul a serra em seus mapas, não apenas as localiza, como também nos diz: “aqui é distante, o desconhecido, ou ainda, o limite.”

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amplamente utilizada pela Geografia Brasileira na primeira metade do século XX,

ainda persiste nos trabalhos mais recentes.35

ILUSTRAÇÃO 1: “Mapa do Destricto do Rio de Janeiro” por João Teixeira Albernaz. In. Estado do Brasil colegiado das mais sertas notícias q pode aivntar do Jerônimo de Ataíde por Teixeira Albernas, cosmographo de Sua. Magde. Lisboa, 1631, Fonte: São Paulo. Calendário 2000. São Paulo: Imprensa Oficial, 2000.

É fato que a preocupação portuguesa estava voltada para o litoral, pois este

não representava apenas o suporte da exploração econômica, como também era

alvo de invasões estrangeiras que exploravam o pau-brasil e/ou fixavam-se no litoral

em detrimento do interior. Além dos condicionantes naturais e militares (segurança),

havia também as proibições régias que impediam a fundação de núcleos distantes

da costa36, evidenciando uma base normativa que imprimia a litoraneidade como

configuração territorial no século XVI. Todavia, as entradas exploratórias eram

permitidas e incentivadas desde que possuíssem autorização especial do

governador-geral ou, em sua ausência, do provedor-mor das fazendas e das

35 Ver capítulo 2: “Do meio natural ao meio técnico-científico-informacional” do livro de Santos, M.; Silveira, M.L.. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001. 36 Nas cartas de doação das capitanias hereditárias eram determinadas ao capitão, ao governador e a todos os seus sucessores que “podiam fazer as vilas que bem desejassem desde que ao longo da costa e dos rios navegáveis” (HOLANDA, 2003, p.148). A vila de Santo André da Borda do Campo (marco inicial para os povoamentos do planalto paulista), erigida sertão a dentro, não fora vista com bons olhos para o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, tanto que este só autorizou a fundação da vila a partir do momento que viu nela uma estratégia para impedir que se povoasse para além desse núcleo, logo, impedir que se despovoasse a vila de São Vicente, localizada no litoral.

Na representação seiscentista de Albernaz, as serras são tratadas como verdadeiros obstáculos entre o litoral e o interior, imprimindo dois espaços bem distintos no território: o litoral ocupado e civilizado e, o sertão, desocupado, selvagem e bárbaro

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capitanias, “mas tal autorização só haverá de conceder à quem pareça ir a bom

recado, e que de sua ida e trato não siga prejuízo algum.” (HOLANDA, 2003, p.146).

Paradoxalmente, é nesse ponto que emerge a corrente historiográfica que

considera esses núcleos litorâneos de forma mais integrada, revelando seus nexos

e, de alguma forma, uma certa tendência à interiorização, pois muitas dessas

expedições e entradas ocorriam sem uma resposta de aprovação, ou ainda, como

ocorria na maioria das vezes, nem se tomavam tais procedimentos legais, já que o

tempo da circulação e comunicação entre a América Portuguesa e a Metrópole era

muito lento. Para Araújo (2000), por mais que houvesse um impeditivo legal de

interiorização, há que se afirmar que os primeiros colonos nem sempre viviam tão

perto dos representantes do Rei, isto é, nos primeiros núcleos coloniais (vilas e

cidades), e que o poder formal não existia em muitos desses ou, quando havia, era

exercido de maneira a contentar muito mais aqueles que garantiam o equilíbrio das

forças locais, produzindo em alguns lugares o que Alencastro (2000) chamou de

“autonomismo” em relação à Metrópole.

Além desse distanciamento espaço-temporal com a Metrópole, inúmeras

trilhas indígenas que uniam o litoral ao interior foram logo apropriadas pelos

colonizadores, desempenhando papel fundamental nas entradas pelo interior. Sobre

essa temática, Magalhães (1978), Holanda (1975, 2003) e Abreu (1963), nos dizem

que, antes da chegada de Cabral, havia tribos no planalto que se comunicavam com

o litoral por inúmeras trilhas no meio da mata densa e no relevo acidentado.37 Onde

37 O mais conhecido desses caminhos é o polêmico Caminho de Peabiru, que ligava o Império Inca, localizado na Cordilheira dos Andes, ao litoral centro-sul brasileiro. Segundo Galdino (2002), o Peabiru teria várias ramificações, esgalhando-se pelo sul do Brasil, principalmente no atual estado do Paraná. Segundo o autor, inúmeras são as provas arqueológicas dessa comunicação entre a parte pacífica e atlântica da América do Sul, como, por exemplo, os machados de prata e cobre no interior e litoral de São Paulo e Rio Grande do Sul, entre inúmeras outras provas. Por esses caminhos (Peabiru) suspeita-se que os castelhanos se comunicavam com os portugueses da costa atlântica da América do Sul, por onde contrabandeavam parte dos metais preciosos explorados no Peru. Em carta

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os portugueses encontraram essa estrutura – dilatação espaço-temporal de

comunicação com a Metrópole e caminhos e trilhas indígenas – houve maior

tendência para as entradas. A criação da vila de São Paulo no interior da capitania

de São Vicente se enquadrou nesse contexto. No entanto, como bem reforçou

Holanda (2003, p.146):

o caso de São Paulo, onde os colonos e seus descendentes, brancos ou mestiços, se voltaram antes para o interior do que para a marinha, é, de qualquer forma, uma exceção. Em todo o restante do Brasil a regra, por muito tempo ainda, é seguir o povoamento aqueles padrões clássicos da atividade colonizadora portuguesa.

O rompimento da perspectiva historiográfica fundada nos ciclos econômicos

também aponta para a superação dos isolamentos dos primeiros núcleos coloniais,

uma vez que esses estavam articulados economicamente entre si, bem como com

outras praças comerciais no Atlântico sul, principalmente no negócio de escravos

com a África e contrabandeando ouro e prata que desciam dos Andes para o rio da

Prata. Para Moraes (2002), os três principais núcleos coloniais (Olinda, Salvador e

São Vicente) no final do século XVI estavam articulados de modo que formavam

“zonas de povoamento” ao invés de núcleos isolados de ocupação.

Em três áreas, basicamente, a proximidade e o nível de articulação entre os núcleos (revelando mesmo uma certa hierarquia, com o núcleo central exercendo uma clara polarização) permitem que se fale em zonas de povoamento, isto é, espaços contíguos de ocupação e exploração econômica. (MORAES, 2000, p.309)38

Tomé de Souza informa que “rendeu este ano passado cem cruzados de direitos de cousas que os castelhanos trazem a vender [em São Vicente]”. Historia da Colonização Portuguesa, III, p.336. Cf. Holanda (2003; p.143). 38 Moraes (2000, p.309-327) detalha como as três “zonas de povoamento” (Olinda, Salvador e São Vicente) estenderam a ocupação em quase toda a extensão litorânea do Brasil. Dessas, as duas primeiras foram as mais importantes e que apresentaram maior contigüidade ocupacional. Para o autor é até possível afirmar que ambas disputaram centralidade. Schwartz e Lockhart (2002) utilizam o conceito de centro e periferia para analisar as sociedades latino-americanas na época colonial. Para eles, a centralidade resultava do interesse da exploração européia de um produto de grande interesse, podendo ser mineral e/ou agrícola. No caso da atual Região Nordeste, até meados do século XVI, assumia característica de periferia no quadro colonial das Américas. No entanto, em virtude do lucrativo mercado açucareiro instalado na região, tornou-se uma área central já nas últimas décadas do mesmo século. Russell Wood (1998), também aborda a ocupação quinhentista e seiscentista a partir dos conceitos de centro, hinterlands, vorlands e unlands.

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Esses três núcleos centrais estavam articulados com as suas respectivas

zonas de produção, que se estendiam por quilômetros ao norte e ao sul, até suas

próprias fronteiras de ocupação, ou mesmo extravasando-as para as possessões

espanholas. Essa articulação se dava por meio da navegação de cabotagem, não

sendo poucos os casos em que um núcleo acossado por tribos hostis ou por navios

estrangeiros logo pudesse receber por mar auxílio dos demais núcleos, fatos esses

que minimizavam o isolamento relativo das unidades entre si. Segundo Schwartz e

Lockhart (2002), essas unidades com suas hinterlândias formavam unidades

distintas ou, como prefere Moraes (2000, p.309), “autônomas do ponto de vista

geográfico, mas plenamente integradas no que importa à economia. Tampouco, são

áreas isoladas na concepção ratzeliana do termo.” Sobre a formação territorial

brasileira no século XVI, assim expressou esse autor:

Enfim, os núcleos originários da formação do território colonial brasileiro encontram-se assentados na época da unificação das coroas ibéricas. Uma obra geopolítica de conquista havia sido realizada. De todos os centros de assentamento partiam movimentos de exploração e expansão geradores de novos núcleos e povoamentos. Tais fluxos abriam o conhecimento de novas áreas e definiam percursos, alargando o horizonte geográfico do colonizador lusitano e recortando extensas zonas de trânsito e visitação esporádica. O povoamento colonial avançava nos espaços contíguos, gerando zonas contínuas de ocupação e jogando para diante as fronteiras do território ocupado. (MORAES, 2000, p.328)

As capitanias hereditárias, as empresas açucareiras e o Governo Geral

garantiram a instalação portuguesa na Ámerica, fixando as bases materiais e

normativas essenciais para o período seguinte da colonização.

O segundo período geohistórico da configuração territorial brasileira foi

chamado por muitos historiadores como o período da “expansão geográfica”

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ILUSTRAÇÃO 2: John Blaeu: [Mapa da invasão holandesa] (século XVII), Holanda. Fonte: Novais (1997, p.25) O Brasil Holandês aparece em toda a sua extensão na iconografia. Além da indústria açucareira, também retrata a instabilidade da conquista em cenas de batalhas e movimentos de tropas. Destaque para o rio São Francisco, onde começavam a se expandir as fazendas de gado.

(WEHLING & WEHLING, 1999, p.110). Bernardes (1966 [s.p]), ao comentar sobre

essa formação territorial foi categórico ao dizer que:

embora correspondam ao século XVIII os lances mais espetaculares da expansão do povoamento do Brasil, no século XVII sucederam-se fases significativas de consolidação do povoamento litorâneo, expansão interior e incorporação de territórios além meridiano de Tordesilhas.

Contrapondo-se a essa leitura,

Moraes (2000), Araújo (2000) e Bicalho

(2003) nos dizem que a simplificação

geográfica ao considerar o século em

questão (XVII) como o período de

expansão territorial não possibilita o

entendimento da complexidade do

processo. Na verdade, tal síntese serve

apenas para pensar a ponta final do

processo, quando no seu bojo o que houve

foi um processo paradoxal de

fragmentação, consolidação e expansão,

devido aos eventos geopolíticos

importantíssimos ocorridos na Europa com

repercussões em todas as escalas da

Colônia.

Dentre esses eventos, destaca-se a União das Coroas de Portugal e

Espanha – União Ibérica39 - ocorrida entre os anos de 1580-1640. Num contexto de

39 A união das Coroas de Portugal e da Espanha ou, simplesmente, União Ibérica, como prefere os historiadores, foi resultado de uma crise dinástica da Casa de Avis, iniciada com o desaparecimento (morte) do rei de Portugal, D. Sebastião, em 1578, na batalha de Alcácer-Quibir, ocorrida no norte da África, em defesa de Mazagão contra os mouros de Marrocos. Além de todo o discurso religioso –

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exclusivo mercantil40, a União das Coroas aumentou ainda “a cobiça e a hostilidade

dos tradicionais inimigos da Espanha quanto ao Brasil” (MORAES, 2000, p.355),

rebatendo nesse último as disputas e conflitos pela hegemonia que se travavam na

Europa.41

Os ingleses, franceses e holandeses que já questionavam a partilha do

mundo entre portugueses e espanhóis a partir do Tratado de Tordesilhas, com a

União Ibérica, lançaram-se com maior ímpeto na disputa colonial, invadindo e

ocupando as terras da Américas Portuguesa e espanhola. Segundo Marques, citado

por Moraes (2000, p.356), cada um desses países inseriu-se no jogo de forma

diferenciada: “os franceses demonstravam um objetivo colonizador, buscando

assentar-se em áreas ainda não povoadas; os ingleses apenas saqueavam sem

buscar um assentamento efetivo; e os holandeses visavam a conquista atuando em

áreas já produtivas.”

De alguma forma, esses interesses tão distintos manifestaram-se no Brasil.

Contudo, aquele que mais se materializou geograficamente foi emanado a partir dos

Cruzada – o Rei estava interessado em dominar o comércio dessa região, rica em ouro, gado e açúcar. Como D. Sebastião não tinha descendentes direto, assumiu provisoriamente o trono seu tio-avô, o Cardeal D. Henrique. Com a morte deste em 1780, a crise dinástica se aprofundou, pois a sucessão ficou em aberto com vários candidatos ao trono. Desses, saiu vitorioso o Rei da Espanha Felipe II, filho do rei espanhol Carlos V com Isabel de Portugal, filha dos reis de Portugal Manuel I e Maria de Aragão. A nobreza portuguesa que, na ocasião, encontrava-se depauperada em virtude da guerra no norte da África, não criou resistências porque via na União das Coroas a possibilidade de se beneficiar do rico império espanhol. 40 O exclusivo metropolitano ou exclusivo mercantil consistia num conjunto de normatização que impedia a prática da concorrência entre as metrópoles e as colônias. Cabia a essas últimas a exclusividade do comércio externo em favor da sua Metrópole. “Tratava-se de impedir ao máximo que navios estrangeiros transportassem mercadorias da Colônia, sobretudo, para vender diretamente em outros países da Europa (...). Em termos simplificados, buscava-se deprimir, até onde fosse possível, os preços pagos na Colônia por seus produtos para vendê-los com maior lucro na Metrópole. Buscava-se também maiores lucros da venda na Colônia, sem concorrência dos bens por ela importados” (FAUSTO, 1998, p.56). 41 A União Ibérica também produziu na América contatos intra-americanos que, no século seguinte, viriam a legitimar a defesa portuguesa no alargamento das fronteiras do Brasil no Tratado de Madri (1750). Apesar de proibidas, segundo Holanda (1986, p.163), a comunicação se deu em três frentes: a dos “aventureiros”, que partindo da vila de São Paulo buscavam o Paraguai por terra ou pelos cursos dos rios, objetivando retornar com índios para serem escravizados; a do “contrabando”, que unia vários portos brasileiros, sobretudo, o do Rio de Janeiro à bacia do Rio da Prata; e, por fim, a da “curiosidade” que visionava chegar às ricas minas do Peru pelo Amazonas.

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objetivos holandeses. Para Puntoni (2002), com a União Ibérica, os espanhóis

aumentaram o rigor do exclusivo metropolitano sobre o comércio realizado no Brasil,

impedindo que empresas mercantis de outras nações aportassem nas principais

praças brasileiras. Os holandeses que transportavam, na ocasião, boa parte da

produção açucareira de Pernambuco foram os mais prejudicados com o fechamento

dos portos comandado pelos espanhóis. Por outro lado, combater a monarquia e o

império espanhol era fundamental para a própria sobrevivência da Holanda no

cenário europeu, uma vez que este originara-se da independência daquele. Esse

duplo conflito geopolítico europeu culminou na invasão da capitania de Pernambuco

(1630-1654) pelos holandeses que, logo em seguida, alastraram-se por quase todo

o norte, como era chamada parte da atual Região Nordeste (ABREU, 1963;

HOLANDA, 2000).

A invasão holandesa produziu um complexo rearranjo territorial na América

Portuguesa ao longo do século XVII. Primeiramente, ao se instalarem, os

holandeses conseguiram controlar a travessia do Atlântico, tornando suas águas

perigosas para a navegação portuguesa, que tinha seus navios constantemente

capturados. Esse fato resultou em enormes prejuízos para os comerciantes

instalados no Brasil, principalmente nas praças de Salvador e do Rio de Janeiro.

Economicamente, os holandeses tomaram da União Ibérica, sobretudo, de

Portugal42, a principal fonte de riqueza advinda da Colônia: a produção açucareira.

42 Para Moraes (2000, p.345), o rei espanhol optou pela manutenção da “autonomia formal da administração do reino português e de suas colônias, que passavam a ser dirigidas por um conselho composto por elementos do clero e da aristocracia lusitana – o qual respondia diretamente à Coroa espanhola nos mesmos moldes do Conselho das Índias.” Com essa política, D. Felipe II assegurou o apoio da nobreza portuguesa na União das Coroas, mantendo dois reinos praticamente distintos, porém, com um só rei. Segundo J.H. Elliot (1986), citado por Moraes (2000, p. 345), “a estrutura imperial da Espanha implicava um modelo administrativo geograficamente setorizado, e, nesse sentido, Portugal e suas colônias passavam a ser mais um componente deste complexo mosaico. Com a unificação, o império português torna-se mais uma peça no patrimônio ingovernável dos Habsburgos.”

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Segundo Schwartz & Lockhart (2002, p.245), os engenhos de açúcar nos Seiscentos

eram “a instituição social central da vida econômica da Colônia”. Para Furtado

(2000), a produção açucareira foi o setor dominante em todo o século XVII, pois

envolvia um complexo sistema produtivo, ultrapassando os limites da produção

agrícola, uma vez que a necessidade de processar a cana-de-açúcar no local de

origem fazia da atividade uma combinação de empreendimentos agrícola e

industrial, além da grande quantidade de capital e crédito que envolvia toda a sua

produção e distribuição. A produção também demandava profissionais

especializados, como ferreiros, carpinteiros, tanoeiros e pedreiros, além, é claro, dos

técnicos da produção do açúcar. Nesse contexto, é possível imaginar o dinamismo

da atividade açucareira como geradora de fluxos capazes de articular diferentes

núcleos e regiões na América Portuguesa.

Como nosso objetivo não é trazer à tona toda a complexidade da atividade

açucareira, cabe-nos apresentar, sinteticamente, algumas de suas necessidades e

articulações, para que possamos compreender a importância da invasão holandesa

em Pernambuco, seu impacto na formação sócio-espacial brasileira e todo o esforço

produzido na Colônia e na Metrópole para a expulsão dos invasores

A primeira necessidade da atividade açucareira foi o abastecimento de mão-de-

obra para os engenhos e, sobretudo, para as lavouras. Nos primeiros anos de

instalação dessa atividade, a mão-de-obra utilizada era a escrava indígena,

capturada em diversas frentes, destacando as incursões nos sertões do rio São

Francisco e do Maranhão, bem como as entradas e bandeiras paulistas nas atuais

regiões Sudeste e Sul. Num segundo momento, os índios foram substituídos pelos

escravos africanos. A historiografia nos diz que a relação da atividade açucareira

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com o tráfico negreiro era altamente lucrativa, consubstanciando uma intensa

atividade comercial no Atlântico sul.

Outra atividade complementar à açucareira, porém pouco estudada, foi a do

extrativismo de lenha para utilização no beneficiamento da cana-de-açúcar nas

fornalhas. Dean (1996), nos fala que enquanto o preamento do índio dizimou tribos

inteiras nos arrabaldes dos engenhos, a busca pela lenha levou à devastação da

mata atlântica para cada vez mais longe, abrindo espaço para o plantio da cana.

A instalação do complexo açucareiro também demandou atividades de

abastecimento alimentar. Dessas, destaca-se a criação de gado bovino. Enquanto a

cana ocupava as terras férteis do litoral, a pecuária bovina expandia-se em duas

frentes para o interior: a região do rio São Francisco e o eixo que se abria no sentido

Olinda-Piauí, chamados, respectivamente, de sertão de dentro e sertão de fora.

Segundo Araújo (2000, p.51), “não demorou muito e o gado baiano, como um

exército de chifres, sem grandes estardalhaços, percorreu léguas por vastidões

adentro, do imenso território brasileiro”, provendo o que Sodré (1990, p.135),

chamou de “expansão horizontal”.

Enfim, observa-se pelas várias articulações mencionadas que o motor do desenvolvimento brasileiro no período era claramente a produção de açúcar. O engenho era, assim, o centro da vida econômica da Colônia, a ‘fábrica que processava a cana e dava sentido a ocupação da terra neste setor que necessitava de uma unidade manufatureira para viabilizar a mercantilização das lavouras.’ Ele representava grande massa de capital fixado, cuja reprodução implicava no funcionamento de uma complexa rota de circuitos subsidiários de escalas variáveis: desde os fluxos locais das ‘tarefas de cana’ e da lenha, até os mais dilatados referentes à reposição dos estoques de mão de obra. Podemos falar em verdadeira rede de relações, na qual, conforme a avaliação de Stuart Schwartz, ‘os fluxos de renda dos engenhos para outros setores da economia representavam grandes transferências de recursos. (MORAES, 2000, p.343)

Diante do quadro de referência acima descrito, é possível compreendermos

o que Moraes (2000), quis dizer ao afirmar que a invasão holandesa processou-se

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muito mais como uma “conquista” do que uma mera invasão, uma vez que

objetivava a submissão e apropriação de uma economia já efetivamente instalada e

lucrativa.

Em pouco tempo de invasão, os holandeses conquistaram toda a faixa

litorânea do norte, isto é, do litoral maranhense até a atual delimitação entre Sergipe

e Bahia, na foz do Rio Real. Além dessa conquista, eles tomaram dos portugueses o

lucrativo negócio do tráfico negreiro com a conquista de Luanda (Angola) e de São

Tomé em 1641 que, na ocasião, eram as principais praças fornecedoras de escravos

da África.

Essa dupla conquista produziu repercussões imediatas na formação sócio-

espacial na América Portuguesa. Primeiramente, subcentros como Rio de Janeiro e

São Paulo também assumiram, no quadro colonial, a centralidade econômica que

antes era exercida pelas capitanias de Salvador e Pernambuco. Em segundo lugar,

com a dificuldade no abastecimento de escravos negros, as bandeiras paulistas

tiveram nas invasões holandesas o estímulo e as justificativas mais do que

necessárias para continuarem a captura de negros da terra43 (no imenso sertão)

para o trabalho escravo, chegando a atingir e destruir inúmeras reduções jesuíticas

na bacia do Paraná.

Diante desse quadro e da contínua perda de autonomia administrativa para

os espanhóis, que intensificavam sua política centralizadora, bem como de

transformação da América Portuguesa em zona de manobra nas estratégias

geopolíticas da diplomacia filipina (MORAES, 2000), emerge em Portugal o

movimento chamado de Restauração Nacional. Tal movimento iniciou-se com a

43 O índio capturado pelo bandeirantes paulista para servir de escravo em sua fazenda de abastecimento, ou mesmo, para ser vendido para os planteis de cana-de-açúcar era chamado de “negro da terra” (MONTEIRO, 1994).

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aclamação de D. João IV, em 1640, e concluiu-se em 1668, com o reconhecimento

da nova dinastia (Casa de Bragança) pelo Papa. Segundo Moraes (2000, p.371):

Tem-se, portanto, um período de quase três décadas, durante as quais os portugueses tiveram de atuar – no campo militar e diplomático – para consolidar sua soberania nacional. Processo que envolveu grandes esforços e significativos recursos, além de tino político considerável, visto que a emancipação de Portugal era parte de uma conturbada conjuntura continental na época.

Os portugueses, após a Restauração, além de terem perdido quase todas as

praças comerciais que possuíam na Ásia e na África para os holandeses e ingleses,

encontraram sua colônia na América praticamente fragmentada, restando-lhes

poucos espaços de atuação com autonomia, a saber: i) a faixa litorânea localizada

ao norte da capitania da Bahia estava sob domínio holandês; ii) o Estado do

Maranhão, que compreendia toda a bacia do Rio Amazonas até o atual Estado

Ceará, estava sob jurisdição administrativa independente do Estado do Brasil, com

pouca ou quase nula participação dos portugueses em sua administração44; iii) no

extremo sul, mais precisamente na bacia do Paraná, as missões jesuíticas

impunham ambigüidade à soberania portuguesa; iv) a formação do grande quilombo

dos Palmares, que ocupava vasta área entre os domínios holandês e português no

44 A criação do Estado do Maranhão, em 1621, por ordem do Rei da Espanha, era uma resposta aos portugueses que avançavam para o Vale Amazônico após a expulsão dos franceses do Maranhão em 1615. Segundo Furtado (2000, p. 68), “a experiência já havia demonstrado [aos portugueses] que a simples defesa militar sem a efetiva ocupação da terra era, a longo prazo, operação infrutífera, seja porque os demais povos não reconheciam direito senão sobre as terras efetivamente ocupadas, seja porque, na ausência de bases permanentes em terra, as operações em defesa se tornavam muito mais onerosas. [...] Foi defendendo as terras de Espanha dos inimigos desta que os portugueses se fixaram na foz do grande rio, posição-chave para o fácil controle de toda a imensa bacia.”.”. Nesses idos, a nobreza em Lisboa, já se apresentava descontente com a União das Coroas e procurava, cada vez mais, ocupar os territórios da América sob o domínio espanhol para assegurar o direito do uti possidetis numa possível separação das Coroas. Entretanto, a criação do Estado do Maranhão não impediu a consolidação e avanço dos portugueses pelo vale do rio Amazonas, pois durante o período da Monarquia Dual (União Ibérica) a administração do Brasil e do Maranhão, na prática, cabia ao conselho formado pelo clero e pela aristocracia lusitana, logo, pelos portugueses. O Estado do Maranhão, era, nesse sentido, apenas mais um elemento do jogo diplomático entre Espanha e Portugal.

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entre Recife e Salvador. A esses dois últimos (missões e quilombo), Moraes (2000)

chama de “extraterritorialidades”.

Segundo Abreu (1963), o Brasil apresentava-se para Portugal como a única

saída para a superação de sua crise no quadro geopolítico europeu, mesmo que

para isso fosse necessário se abdicar se de suas demais possessões coloniais na

África e Ásia. Conforme aponta Wehling & Wehling (1999), a primeira medida

importante tomada pela recém-aclamada Coroa Portuguesa, para superar os

obstáculos oriundos dos eventos geopolíticos da primeira metade do século XVII, foi

a adoção de postura política mais centralizadora com a criação do Conselho

Ultramarino, em 1642, substituindo a antiga Casa da Índia e o Conselho das Índias

(espanhol), cabendo-lhe a orientação política, econômica e tributária da América

Portuguesa naquilo que seria mais relevante à mera rotina burocrática.

Na verdade, o Conselho Ultramarino revelou certa tradição centralizadora

herdada dos espanhóis nos sessenta anos de União Ibérica. Uma de suas ações

imediatas foi a criação da Companhia do Comércio, em 1649, inscrita nas lógicas do

exclusivo mercantil de sustentação de amplos privilégios do comércio entre a

Metrópole e a Colônia.45

Após a Restauração, o maior empenho da Coroa foi a expulsão dos

holandeses do litoral norte, muito embora a campanha de expulsão tenha sido

promovida por forças locais (ABREU, 1963; MELLO, 1975). O movimento iniciou-se

por volta de 1642, com a retomada do Maranhão, chegando com força em

Pernambuco em 1645; mas somente tornou-se vitorioso em 1654. Por meio desse

movimento, revelou-se a tática luso-brasileira de empreender uma guerra lenta a

45 Bicalho (2003), revela-nos um pouco desses privilégios a partir do monopólio no embarque dos produtos coloniais para Europa, na venda e na fixação dos preços dos principais produtos vindos da Metrópole, como a farinha de trigo, o vinho, o azeite de oliva e o bacalhau. Em seu livro, ela trabalha detalhadamente os impactos da criação da Cia Geral do Comércio na praça do Rio de Janeiro.

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partir do interior, desorganizando a produção açucareira com a destruição das

plantações de cana-de-açúcar e dos engenhos, tornando o empreendimento

holandês altamente deficitário. Logo, os batavos se viram acossados no núcleo do

Recife, para serem definitivamente expulsos da América Portuguesa.

Com a retomada de Pernambuco e de toda a faixa litorânea, a soberania

portuguesa voltou a se instalar na área de maior interesse econômico: na dos

plantéis açucareiros. Nas décadas seguintes, a Coroa, por intermédio do Conselho

Ultramarino, não mediu esforços para consolidar e ampliar seu poder e controle na

América Portuguesa. Empenhando-se, sobretudo, na recuperação dos engenhos

destruídos durante a guerra com os holandeses, na destruição do Quilombo dos

Palmares, no incentivo à instalação de núcleos e vilas no sertão, assim como nas

entradas e bandeiras de descobrimentos de metais preciosos a partir da vila de São

Paulo.

Esse conjunto de eventos durante todo o século XVII46, sob o ponto de vista

da formação sócio-espacial, trouxe para a América Portuguesa importantes

conseqüências47, porém, pouco consolidado e ainda indefinido quanto às suas

fronteiras. Sobre isso, assim afirmou Moraes (2000, p.402):

a conformação básica do futuro território brasileiro estava posta, o que não significa que estivesse consolidado o domínio de todo o espaço que o compõe (...). O que se consolidava no final dos Seiscentos era o controle pleno de uma superfície já considerável, composta de núcleos de ocupação (...), com espaços de povoamento contínuo, a exemplo de São Paulo, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro.

46 Para Moraes (2000), o período histórico correspondente ao século XVI encerra-se somente em 1640 com a Restauração de Portugal. Para ele, durante todo esse período, dominou na América Portuguesa e em toda a Europa o período de estruturação da economia-mundo capitalista, inaugurada pela expansão marítima do final do Quatrocentos e comandada pelas potências navais ibéricas: Portugal e Espanha. Esse período se encerra na emergência de novas potências: Holanda e Inglaterra reveladas pela crise que deu fim a União Ibérica. 47 Muito mais eufórico, afirma Prado Jr. (1976, p.50), “a ruína de Portugal significara o desenvolvimento desmensurado do nosso país.”

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Na verdade, mesmo com todos os eventos geopolíticos que imprimiram

novas espacialidades no território, a sua configuração territorial pouco se alterou no

século XVII em relação ao século anterior, mantendo a faixa litorânea com sua

zonas de povoamento e as atividades de exportação ali instaladas como o núcleo

central da América Portuguesa. Prado Jr. (2000, pp. 247-48), ao analisar a

circulação no Brasil nos dois primeiros séculos de colonização, também corrobora

essa afirmação, uma vez que o litoral era “a grande via que articula[va] entre si todos

os núcleos de povoamento e seus sistemas locais respectivos de comunicações”.

Para o autor, em virtude das atividades econômicas instaladas na Colônia “não se

[afastarem] da proximidade do mar”, as vias de circulação também pouco

adentravam o interior48. Utilizavam, sobretudo, os rios que faziam barra no litoral

para acessarem os plantéis e currais que não estavam tão distantes da costa. Para o

autor, a litoraneidade era tão forte nesse período que os caminhos interioranos

visavam apenas “contornar com uma volta os obstáculos da marinha”, uma vez que

“o litoral da Colônia é por natureza geograficamente compartimentado”.

Toda a expansão além-Tordesilhas a partir dos eixos Maranhão-Belém,

Pernambuco e Bahia (sertões de dentro e de fora, conforme eram chamados49) e

São Paulo, não foram capazes de estabelecer bases fixas e dinâmicas de ocupação

e um sistema unificado de circulação interna, configurando-se, como propõe Moraes

(2000, p.401), “numa vasta zona de trânsito e visitação na hinterland englobada na

48 Quando o primeiro governador-geral do Brasil (1548), Tomé de Souza, trouxe o Regimento para instituir, efetivamente, o poder régio na América Portuguesa, trouxe no seu bojo a proibição legal para a circulação por terra entre as capitanias existentes. O regimento ainda determinava que “não vá ninguém por terra de uma a outra capitania sem licença especial das autoridades referidas, ainda quando reinem paz e tranqüilidade naqueles lugares, para evitar alguns inconvenientes que disso seguem”. Cf. Holanda (2003, p.148). 49 Após analisar a expansão dos currais de gado bovino pelo sertão nordestino, Sodré (1990, p.136) é categórico em afirmar que eles “apenas esboçaram uma ocupação efetiva dessas paragens, pois nesses dois séculos de expansão a atividade não conseguiu superar “a precariedade de sua bases econômicas”.

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designação de sertão”.50 Porém, não podemos deixar de mencionar que essas

“experiências sertanistas” se tornariam fundamentais para garantir, no século

seguinte, a expansão territorial da América Portuguesa.

Temos, enfim, durante os dois primeiros séculos de colonização, uma

formação territorial materializada na litoraneidade ou maritimidade. Entre o litoral e o

interior já conhecido, porém pouco incorporado à América Portuguesa, havia uma

sensação que Novais (1997, p.22) chamou de “sensação de descontinuidade”.

Todavia, pensar a descontinuidade, enquanto sinônimo de ocupação em

arquipélago, não nos ajuda a avançar na compreensão da formação territorial

brasileira porque fixa a análise a pontos isolados do território, extremamente

dependente das variáveis demográfica e econômica. O que era descontinuo era o

poder instituído, o controle fisco-normativo no e do espaço, pois, nesses dois

séculos de ocupação, os equipamentos burocráticos e os representantes reais

fixaram-se, exceto para São Paulo, nos núcleos litorâneos.

A interiorização assume, nesse sentido, caráter também metafórico. Ela não

denota o completo processo de ocupação do interior brasileiro, até porque isso

nunca aconteceu em sua totalidade. A interiorização é aqui tratada como processo

da perda da sensação de descontinuidade entre os núcleos do interior com o litoral,

graças, sobretudo, a um sistema de circulação que se instalou no território,

garantindo a posse, o domínio, a fixação e o prolongamento do poder régio para os

“nós colônias” não mais fixos com exclusividade no litoral.

50 Para Prado Jr. (2000, p.29) “mesmo no segundo século, a penetração é tímida. Excluo as bandeiras, está visto, que andaram por toda à parte, mas que exploram apenas e não fizeram povoadores. De ocupação efetiva para o interior, à parte o caso excepcional de São Paulo, plantado de início no planalto e arredado da costa, encontramos apenas marcha progressiva das fazendas de gado no sertão nordestino e a lenta e escassa penetração da bacia amazônica”. Para o autor, esses núcleos criaram pequenos sistemas autônomos de circulação.

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Esse processo só foi possível graças às descobertas das Minas dos

Cataguases51, seguidas por outras em Goiás e Mato Grosso, que, segundo Furtado

(2000), possibilitaram a transformação das “fácies da Colônia”. O que antes era uma

“vasta zona de trânsito” (MORAES, 2000), tornara-se mais fixa ou, ainda, o que era

antes uma experiência tornara-se uma realidade concreta, fixando sistemas de fixos

e fluxos capazes de possibilitar maior fluidez e articulação entre as regiões

mineradoras e o litoral.

Se a ocupação efetiva do interior por uma atividade agroexportadora, como

a canavieira, por exemplo, era inviável devido aos altos custos de produção e de

transporte; tais problemas foram superados por motivos óbvios: “o valor considerável

do ouro e dos diamantes em pequenos volumes e peso, anula o problema do

transporte.” (PRADO Jr.,1976, p.85).

51 Primeiro nome dado à região aurífera, localizada no atual estado de Minas Gerais, em referência aos índios cataguases que lá viviam.

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CAPÍTULO 2:

NEM TUDO QUE RELUZ É OURO:

O OURO ESCONDIDO NOS “FUNDOS” DOS SERTÕES

Enquanto nos dois primeiros séculos o processo de ocupação do território e

de instalação das vilas e cidades e de suas hinterlândias foi muito lento, com a

mineração ele foi mais rápido e intensivo, “num arranco brusco do litoral para o

coração do continente” (PRADO Jr., 2000, p.47). A mineração aurífera, logo nos

seus primeiros anos, produziu impactos sócio-espaciais em diferentes escalas. Na

escala do território colonial, ocorreu a desarticulação dos primeiros núcleos

instalados nos séculos anteriores52, devido ao grande êxodo migratório de seus

moradores para as minas, produzindo, conseqüentemente, impactos diretos na

escala do interior aurífero, dentre os quais a crise no abastecimento de gêneros

alimentícios, em virtude da escassez de roças de abastecimentos e dos altos preços

cobrados aos poucos produtos que lá eram produzidos ou chegavam; as péssimas

condições de moradia e de trabalho; debilidade nutricional e, por fim, as convulsões

sociais. A soma de todos esses problemas tornava a manutenção da vida no interior

aurífero uma condição muito difícil nesses idos.53

52 O rápido crescimento demográfico ocorrido nas Minas de Ouro produziu um verdadeiro despovoamento dos antigos núcleos coloniais, muitos dos quais desapareceram ou padeceram na total desarticulação produtiva na virada do século XVII para o XVIII, a exemplo das vilas de São Paulo de Piratininga e Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba (ALMEIDA,1951). 53 Na historiografia costuma-se utilizar uma passagem de Antonil (2001, p.169) em que o jesuíta diz que “não são poucos os mortos com uma espiga na mão, sem terem outro sustento.” De acordo com outro documento sobre o descobrimento das Minas Gerais, que remete ao tema da cobiça patrocinada pelo ouro, no caminho do sertão da Bahia, “morreu muita gente naquele tempo: de doenças e à necessidade, e de outros que matavam para os roubar na volta, que levavam o ouro, e ainda os camaradas que iam juntos fazer seus negócios ou de retirada com algum ouro matavam uns aos outros pela ambição de ficarem com ele.” Relação do princípio descoberto destas Minas Gerais. CCM, p.196. Cf. Andrade (2002, p.196).

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Paradoxalmente à desarticulação dos antigos povoados e vilas, uma das

características mais marcantes na formação sócio-espacial brasileira produzida pela

mineração foi seu potencial urbanizador (DEFFONTAINES, 2004; PRADO Jr., 1976

e 2000; AZEVEDO, 1994; CHAVES, 1999; MORAES, 2000 e 2002; SANTOS, 2001;

RODRIGUES, 2002 e FONSECA, 2003). É sabido que as principais características

desses primeiros povoados eram a sua “espontaneidade” (FONSECA, 2003, p.40) e

ausência de contigüidade espacial, pois surgiam nas proximidades das minas,

desenvolvendo ou entrando em declínio de acordo com a rentabilidade (relação de

quantidade e duração) das próprias minas. Talvez seja por isso que Bernardes

(1966) afirmou que, do ponto de vista geográfico, a característica mais notável da

mineração foi “a extrema insularidade das áreas ocupadas”. Concordamos que

essas características sejam marcantes apenas para o primeiro período da mineração

(1692-1710), pois na medida que a atividade se desenvolveu, muitos desses

povoados se fixaram e prosperaram e um complexo sistema de transporte se

instalou, possibilitando maior fluidez na circulação de pessoas, de mercadorias e do

poder real, unindo e integrando em rede esses primeiros povoados auríferos num

projeto só: a mineração.54 A esse sistema de transporte, soma-se também um

complexo sistema de abastecimento de gêneros alimentícios e, conseqüentemente,

no parcelamento em inúmeras sesmarias dos “sertões” existentes entre as vilas e

cidades.

Apoiados nas idéias de Prado Jr. (1976), acreditamos que as

transformações provocadas pela mineração produziram, como resultado final, o

54 Para Fonseca (2003, p.40), a espontaneidade das povoações marcou somente um estágio inicial das povoações, pois, “a permanência e o desenvolvimento posterior das povoações estiveram sempre atrelados, de alguma forma, aos interesses metropolitanos, pois, como se sabe, o Estado não tardou a se impor na região. A atribuição, pelo Rei e seus representantes, de funções administrativas – civis e eclesiásticas – às povoações mineiras permitiu uma diferenciação das mesmas e uma crescente hierarquização da rede urbana.”

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deslocamento dos centros econômico e político da América Portuguesa, antes

localizado nos grandes centros açucareiros do litoral norte, para o centro-sul. É

nesse século (XVIII) que a capital da Colônia é transferida de Salvador para a cidade

do Rio de Janeiro, que não só passou a ocupar o centro político, como também

tornou-se um importante centro econômico no Atlântico Sul, principalmente no

triângulo Rio de Janeiro, Luanda e Buenos Aires. Mesmo com todas essas

mudanças sócio-espaciais, originadas de ações e fluxos sediados no interior, o litoral

ou a faixa litorânea continuou concentrando a maior parte da população brasileira e

exercendo centralidade comercial e política, pelo menos para as capitanias da

porção norte do Estado do Brasil55. Entrementes, convém salientar que os totais

populacionais e econômicos não reproduziam mais a formação sócio-espacial

baseada na litoraneidade ou maritimidade, tão marcante nas duas primeiras

centúrias da colonização brasileira. A mineração produziu uma nova sócio-

espacialidade no território brasileiro, que vai para além do que a litoraneidade havia

conseguido imprimir até então. Muito mais que a expansão e delimitação dos limites

territoriais assegurados com a assinatura do Tratado de Madri, a marca geográfica

do período setecentista foi a Interiorização da Metrópole, com os equipamentos e

ações fisco-normativas produzidas num processo de trocas, conflitos e concessões

entre a Metrópole e a Colônia.

55 “Esse escasso meio século de interregno da mineração apesar da violência com que irrompe no cenário econômico e demográfico da Colônia, revolucionando a sua estrutura e o caráter da sua evolução, não bastou, contudo, para fazer pender a balança em proveito definitivo do interior. Como vimos, em fins do século, quando já cessara de longa data o deslocamento para ele, o litoral ainda o ultrapassa sensivelmente em número de habitantes. Na expressão econômica seria a mesma coisa.” (PRADO Jr., 2000, p.30).

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2.1 - Sobre o(s) sertão(ões) aurífero(s)

Para que possamos melhor compreender as mudanças sócio-espaciais que se

processaram no território brasileiro no século XVIII é necessário buscar o “sentido”

ou o conteúdo que esse(s) sertão(ões) aurífero(s) recebiam no período em questão.

Primeiramente, o termo “sertão” não é empregado aqui para referenciar uma

dada área do domínio fitogeográfico do semi-árido brasileiro. Procuramos nos

afastar de toda e qualquer tentativa de utilizar o referido termo a partir do conceito

atual desenvolvido pela Geografia brasileira para designar a compartimentação

central da Região Nordeste do Brasil, caracterizada “pela excepcionalidade

marcante no contexto climático e hidrológico de um continente dotado de grandes e

contínuas extensões de terras úmidas”, com especificidade fitogeografica

(AB´SABER, 2003, p.83), ou seja, por uma região de baixo índice anual de

precipitação e altas temperaturas, criando feições paisagísticas marcadas por uma

vegetação rasteira e/ou arbustiva, de formas contorcidas e grande quantidade de

cactáceas, além da presença de rios semi-perenes.

Deixar o litoral e rumar para o interior não significava romper ou enfrentar

apenas as agruras da natureza hostil, mas também romper e recriar os sentidos

simbólicos que o termo carregava. Para Moraes (2002-2003), o sertão não se

habilita como uma figura do universo empírico da Geografia, pois, não sendo uma

obra da natureza, nem um produto do trabalho humano, lhe falta uma base empírica

ou uma materialidade terrestre individualizável, passível de ser localizada, delimitada

e cartografada no terreno.

O entendimento do conceito de sertão, nas palavras de Moraes (2002-2003,

p.12), “força um rompimento na relação direta entre conceito e realidade empírica”,

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pois não apresentando limites e extensões materialmente aferíveis, o sertão pode

ser entendido, desta feita, como “uma realidade simbólica” ou como preferiu

Rodrigues (2003, p.253), como “algo movediço e em constante alteração”. Desta

forma,

(...) o sertão não é um lugar, mas uma condição atribuída a variados e diferentes lugares. Trata-se de um símbolo imposto – em certos contextos históricos – a determinadas condições locacionais, que acaba por atuar como um qualificativo local básico no processo de sua valoração. Enfim, o sertão não é uma materialidade da superfície terrestre, mas uma realidade simbólica: uma ideologia geográfica. (grifo nosso). Trata-se de um discurso valorativo referente ao espaço, que qualifica os lugares segundo a mentalidade reinante e os interesses vigentes neste processo. (MORAES, 2002-2003, p.13)

Os conceitos de “mobilidade” e “organicidade” elaborados por Russell-Wood

(1999, p.9) para a compreensão do termo sertão somam-se aos conceitos

trabalhados até aqui, uma vez que o seu aspecto mais marcante era a ausência de

limite e de contigüidade, que dificultava a definição do seu início e do fim, pois

quanto mais se adentrava, mais prolongado ficava. Assim, sintetiza: “o sertão não

era uma fronteira num sentido político ou geográfico, mas antes, um estado de

espírito”.

Nos três primeiros séculos de colonização brasileira, o sertão possuía um

caráter dual, ou seja, o enquadramento qualitativo objetivava diferenciá-lo de seu

antônimo, ou ainda, contrapô-lo a uma situação ou a um outro lugar. Sendo um

conceito dual, antes, era necessária a existência de lugares que não se englobavam

na denominação de sertão. “O sertão para ser identificado demandava o

levantamento de seu oposto, visto como o lugar que possuía as características de

positividade ali existentes” (MORAES, 2002-2003, p.15). Encontramos na bibliografia

três pares de oposição no que se refere ao sentido do sertão, porém, em nenhum

momento eles se distanciam um do outro. O primeiro diz respeito à oposição paraíso

versus inferno. Para Romeiro (2005, p.209), as narrativas que antecederam os

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“descobrimentos” das minas estavam carregadas desse duplo sentido: o da tópica

do sertão como trágica e o do lugar mítico onde se projetava o imaginário

maravilhoso, logo, tanto trágico, quanto maravilhoso; o sertão era um “espaço mais

simbólico do que geográfico, o sertão situava-se, então, nas margens do mundo

conhecido, ao qual se opunha rejeitando os valores da vida civilizada”.

Furtado (2005a, pp.275-95), analisou as observações geográficas intituladas

“Historiologia Médica”, produzidas por José Rodrigues Abreu,” para as Minas Gerais

no período que esteve na América Portuguesa, entre 1705 e 1713. Nesse trabalho a

autora identificou que o médico sempre recorria à visão paradisíaca terrial para os

descobrimentos portugueses na América - visão já em desuso no século XVIII -

resultado do maior conhecimento do interior, levado a cabo pelos bandeirantes. Para

a autora, esse conteúdo mágico persistente no trabalho do médico intelectual do

século XVIII revela seu empenho em desqualificar o conhecimento bandeirante

realístico e, em contrapartida, valorizar o papel dos emboabas (portugueses), como

os verdadeiros donos daquelas terras ricas em ouro, configurando a região aurífera

como uma “geografia própria do imaginário emboaba”.

Nesse mesmo sentido, Moraes (2006, p.166), ao analisar a cartografia histórica

e o processo de ocupação do território da América Portuguesa, identificou que as

áreas mapeadas para além das áreas conhecidas do território, isto é, para o interior

adentro, assumiam caráter extremamente simbólico, logo, eram representadas de

forma muito mais simbólica do que geográfica. Mantendo ainda tradições medievais,

os mapas assumiam também papel de veículo do imaginário e do maravilhoso, do

exótico e do mítico, onde a representação de um mundo exterior se misturava às

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ILUSTRAÇÃO 3: Detalhe. Vária Fortuna e Estranhos Fados. Anthony Knivet. Fonte: RIBAS (2003, p.22) As cenas de canibalismo foram intensamente ilustradas nas produções quinhentistas e seiscentistas, contribuindo para a manutenção da representação do sertão enquanto um lugar bárbaro e ausente da civilidade ocidental

projeções de teor simbólico de um mundo interior, curioso, especulativo e, por quê

não dizer, criativo.56

Tal caráter ambíguo do sertão é bem sintetizado por Rodrigues (2003, p.255),

ao tratar dos sertões da Borda do Campo:

apesar de ser o local onde a natureza detentora de um caráter ambíguo, tinha odores, que exalavam um ‘hálito pestilento’ e rios que só serviam de ‘bebedouros a monstros feios e dispersos, bandos de bárbaros, gente que habitavam suas sombrias margens’, possuía rios dadivosos, de onde se extraiam: ouro, diamantes, esmeraldas, safiras e águas marinhas.

O emprego do termo sertão para designar um

lugar ora paradisíaco, ora trágico ou bestializado não

remonta ao período da mineração no século XVIII. Já

no século XVI, textos, mapas, ilustrações e demais

documentos históricos, como a ilustração ao lado,

revelam esse duplo sentido simbólico.

A sua etimologia não é certa e as suas várias

versões, no entanto, convergem para o segundo

caráter dual do termo, expressa entre litoral versus

interior, ou como bem sintetizou Bluteau (2000), “o

interior, o coração das terras, opõe-se ao marítimo e

costa”.

56 Bueno (2004, p.229), também estuda a importância da cartografia para a produção do território brasileiro. Para a autora, “às terras interiorizadas, quiçá percorridas mas não oficialmente mapeadas dava-se o nome de sertão,[...] cabendo a ação humana dilatar-lhes ‘confins’ [...] os mapas produziam um território limitado e contínuo, sobre uma natureza descontinua e limitada.” O sertão também assume caráter simbólico na literatura, onde é possível encontrar seu emprego, conforme aponta Cristóvão (1993-94), sob três perspectivas: a de paraíso, purgatório e de inferno. As denominações empregadas pelo autor praticamente se superpõem aos seus conceitos construídos pelo cristianismo ocidental. O espaço sertanejo pode ser o paraíso terreno ou da obra original divina (paraíso), um espaço de passagem, daquele que leva um mundo ao outro (purgatório) ou, ainda, como um lugar da violência com princípio das ações humanas, ao desespero, do fatalismo.

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Rodrigues (2003, p.266), ao analisar o processo de ocupação dos sertões da

Borda do Campo recorre a dicionários dos séculos XVIII e XIX para acompanhar a

evolução do conceito. Assim:

A palavra sertão advém dos termos latinos desertanum, desertum. No português antigo se falava desertão para designar lugar desconhecido, solitário, seco e não entrelaçado ao conhecimento. Imaginou-se sertão também como a terra apartada do mar, mediterrânea, continental no sentido em que se empregava a palavra em Portugal no final da idade média: era a terra para lá das costas ao longo das quais se navegava. Com esses significados, desde a carta de Pero Vaz de Caminha e ao longo de três séculos de colonização o conceito sertão foi empregado para designar a terra ignota do continente, ‘o coração das terras’, por vezes lugar sombrio e incompreensível, habitado por feras e seres inimagináveis e onde se esperava encontrar riquezas incalculáveis.

Já para Rodrigues (2004), o emprego do termo sertão pelos portugueses

resulta de seu contato com os africanos, anterior ao “achamento” do Brasil. A autora

recorre a Gustavo Barroso que atrela sua origem ao vocábulo muceltão.

O termo muceltão, de onde, naturalmente celtão e sertão é corruptela, diz Frei Bernardo de Carnecatim, do puro angolano, mbunda ou simplesmente e classicamente bunda: michitu ou muchitu, através de muchitum por nasalação dialetal. Esse termo quer dizer propriamente mato e era empregado pela gente do interior da África Portuguesa. Tornou-se por isso designativo de mato longe da costa, como nas definições dos dicionários. Em seu sentido primeiro em língua bunda: michitu, muchitu, muchitum; depois, mulceltão por influência lusa; afinal celtão e sertão o interior das terras africanas coberto de mataria e nunca o deserto grande, de onde a forma aferética sertão. Essa origem falsa, à custa de ser apregoada, influiu na grafia da palavra, que passou a ser escrita com [s]. (Barroso, 1962, citado por RODRIGUES, 2004, p.299)

A compreensão do sertão como oposição ao litoral nos leva de imediato ao

objeto central desta tese que é a mudança da configuração espacial impressa pela

mineração nas terras da América Portuguesa, em outras palavras, à interiorização

do processo de ocupação do Brasil. Das primeiras descobertas das minas auríferas

e pedras preciosas ao declínio total da atividade, os povoadores tiveram que

reconstruir, remodelar incessantemente essa oposição interior versus litoral,

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segundo seus interesses e condições de existência material. Em nenhum momento

essa oposição será totalmente finalizada, pois, como, já dissemos, em nenhum

momento a interiorização será também plenamente realizada57. Para Romeiro (2005,

p.209):

esmagados pela tópica da geografia trágica, dominados por um mundo desconhecido que se estendia vigoroso e inquietante para além das aparências, os homens construíram a idéia de sertão, aparando-lhe as arestas, adaptando-o aqui e ali, convertendo-o, enfim, em realidade domada.

Encontrar o Brasil nos seus limites internos nos século XVI e XVII era superar

um obstáculo que o termo “interior”, impunha enquanto representação: espaço

incógnito, desconhecido e carregado de representações fantásticas (trágicas e

paradisíacas).

Os mapas do cartógrafo da corte de Lisboa João Teixeira Albernaz II,

produzidos em 1631 (ILUSTRAÇÕES 1 e 5) materializavam esse pensamento entre

o conhecido (entendido como o que estava perto ou na própria faixa litorânea) e o

desconhecido (entendido como o que estava longe ou no interior). Para Geiger

(2001:165), tais conceitos “não se resumem a uma distância física; mas assumem

um significado político: perto é o que se encontra bem consolidado pelo poder

português e, longe, é “o vir a ser”.

Toda a expansão e as experiências sertanejas pelo interior realizadas pelos

paulistas bandeirantes e pelos baianos curraleiros nos séculos XVI e XVII não foram

capazes de fixar ou levar o poder e, principalmente, o Erário/Fazenda Real ao

sertão/interior, daí, o controle social da Metrópole se tornava mais frouxo,

conduzindo as populações a comportamentos independentes e normas sociais

57 O termo sertão continuou sendo utilizado por muito tempo no Brasil, sempre com o sentido de opor dois lugares antagônicos. Os sertões da Mantiqueira e do Rio Doce eram designações empregadas enquanto discurso e práticas proibitivas a essas porções do território no centro sul brasileiro ao longo de todo o século XVIII e XIX. (Ver Espíndola, 2005).

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próprias. Para Sodré (1990, p.124), “no sertão não há poder público; o poder privado

é ali exclusivo”, ou seja, um autonomismo que, para o olhar da tutela e dos tutelados

da Coroa, configurava ao espaço as qualidades de lugar inóspito e aos seus

moradores a qualidade de bárbaros58.

O terceiro par dual envolto no sentido de sertão refere-se à dicotomia centro-

periferia, ou seja, o centro seria o não sertão e a periferia todo o sertão. Para esse

debate, Russell-Wood (1998) deu importante contribuição ao discutir com

profundidade os centros e periferias no mundo luso-brasileiro no período de 1500 à

1800. Para ele, essa dicotomia se diferencia escalarmente, podendo ser lida com

conteúdos específicos tanto na escala global (Metrópole – Colônia), quanto na

escala regional/local (internamente à Colônia). Não nos interessa aqui, em virtude de

nosso foco de pesquisa, nos aprofundarmos no debate dessa relação escalar maior.

No entanto, no que se refere ao sentido simbólico do sertão, enquanto lócus da

barbárie e da ausência de civilidade, toda a América Portuguesa assim poderia ser

tratada:

Ao longo de todo o período colonial, percebe-se [...] a presença de uma ênfase, como que um texto subjacente, no tema da degeneração associada tanto à terra quanto aos filhos da terra. Algo que corroborava a oposição periférica do Brasil, em termos mentais, espirituais, físicos e humanos. Se Portugal era visto como a marca autêntica de ortodoxia religiosa, de civilidade, de civilização, de relações interpessoais apropriadas, de instabilidade política e refinamento, os comentários sobre o Brasil e seus habitantes refletiam atitudes que percebiam a terra e suas populações, como marginalizadas e situadas na periferia. (RUSSELL-WOOD, 1998, p.195)

58 Russell-Wood (1998, p.205), analisa o autonomismo a partir daquilo que ele chamou de violação do governo. Para ele “a maior participação dos colonos no processo de tomada de decisão nos níveis local e regional poderia ser reduzida com um aumento de autonomia. Todos aqueles envolvidos na violação do governo estavam mais motivados pela perspectiva auto-enriquecimento do que preocupados com o provimento de impostos adicionais ao Erário Real; por lealdade derivadas de relações de parentescos ou por uma intrincada rede de interesses especiais locais, do que com a existência de um monarca distante; por interesses regionais ou setoriais do que com aqueles ligados à Metrópole.” (grifo nosso)

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Assim como Prado Jr. (1976 e 2000), Azevedo (1994), Holanda (2000 e 2003),

entre outros, Russell-Wood (1998), também defende a idéia que, tanto na Metrópole

quanto na Colônia, os núcleos urbanos - vilas e cidades - recebiam a conotação e

função de núcleos centrais ou de centralidade. Tinham por função “favorecer a

estabilidade administrativa, social e econômica” (p.217). Mas como bem lembra o

autor, nem todos eles tornaram-se núcleos para além da escala local e regional. O

raio de ação política e econômica desses núcleos urbanos dependia, em última

instância, dos seus “papéis multi-funcionais enquanto centros de governo, bispado,

comércio, importância estratégica para defesa, crescimento populacional e

habilidade de adaptação” (p.218). Em contrapartida, o que não era considerado

centro era, então, considerado periferia, mas não, necessariamente, dependente da

distância que este assumia com o núcleo central. Formando os primeiros e principais

núcleos centrais sediados no litoral, separados do continente pelas escarpas da

Serra do Mar, a periferia podia estar logo ali, a poucos quilômetros de distância,

porém separada pela topografia íngreme.

Em suas formas mais extremadas, as periferias eram associadas a um termo muito usado em Angola e no Brasil: o Sertão [...] que, tanto na mente dos reis, quanto dos conselheiros metropolitanos, administradores coloniais e muitos colonos, o sertão ou os sertões estavam associados à desordem, ao desvirtuamento e instabilidade. (RUSSELL-WOOD (1998, p.219)

Uma vez definidos os conceitos e hafirmado que o sertão(ões)/periferia(s)

“poderiam se localizar para além do alcance do governo” (p.219), Russell-Wood

questiona o emprego generalizado do termo periferia que enquadra todos os

espaços considerados como tal dentro do mesmo conceito. Analisando vasta

documentação, o autor chegou à conclusão de que a relação centro-periferia, ou

litoral-interior, era muito diferenciada na América Portuguesa. Em contrapartida, os

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Os sertões do Brasil eram representadoscomo um lugar de ausência de civilização erepleto de índios bárbaros e canibais. Nessailustração o autor preocupou-se emrepresentar o índio (em destaque) com aaparência de um gorila, tanto na sua forçafísica, quanto na aparência facial, nos cabelose, sobretudo, na postura. O cenário dabarbaridade regride no tempo pretérito, comopode ser observado pelo resto de ossadahumana (primeiro plano) e, no terceiro plano,na cena de ataque ao homem branco.

conceitos geográficos de Umland, Hinterland e Vorland possibilitam dimensionar e

diferenciar tais relações:

Por umland quero designar uma região imediatamente contígua [...] e com ligações culturais, políticas, econômicas e sociais de proximidade com o núcleo/centro. Hinterland implica em uma distância maior, mas em continuidade territorial entre o ponto nuclear de referência e a hinterland. [...] Vorland refere-se a localidade que não tem continuidade territorial como o núcleo, mas em relação às quais o “núcleo” tem intensa conexão, constituindo um relacionamento significante. (RUSSELL-WOOD, 1998, p.220)

Posto desta forma, é possível identificar que uma periferia poderia ser

enquadrada enquanto hinterland de acordo com determinado contexto político,

econômico e social e, em outro contexto, passar à condição de umland.

ILUSTRAÇÃO 4: Os Antropophagos do Brasil devorando huns portuguezes. Século XVIII. Lisboa, AHU - Fotografia: Laura Castro Caldas e Paula Cintra, Projeto Resgate. Fonte: COSTA, A.G. (org.) Cartografia da conquista do território das Minas, Belo Horizonte: Editora UFMG; Lisboa: Kapa Editorial, 2004, p.21

Com as descobertas das minas no interior do Brasil, aumentou

significativamente o número de vilas e cidades também no interior, contribuindo para

a perda da referência de positividade do litoral nessa relação dual com o sertão.

Além do mais, havia enormes trechos do litoral que também eram considerados

periferias ou sertões. Dessa forma, a dualidade passou a ser estabelecida com os

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núcleos urbanos, pois, segundo Monteiro (1998, p.199) estes “eram espaços

privilegiados de atuação do elemento colonizador”.

Para Mello e Souza (2004, p.144), as primeiras vilas mineiras tinham por

função “normatizar a população heterogênea e inquieta das Minas e enquadrá-la,

dentro das normas administrativas da Metrópole.” Esses primeiros núcleos tornaram-

se nós, ou ainda, centros de irradiação da moralidade, da ordem e do Poder Real no

vasto sertão, ainda que “vorlands” na relação com a cidade do Rio de Janeiro e

Salvador. No entanto, como bem apresentou Fonseca (2003), esses núcleos

também se tornaram o foco de resistência ao sistema de cobrança dos inúmeros

impostos que recaíram sobre a população mineira a partir da década de 1720,

obrigando a Coroa a reavaliar sua política de criação de novas vilas e cidades no

interior.

Em todos os momentos, essa contraposição entre sertão e não-sertão teve a

mesma essência, variando apenas na intensidade: bárbaro e selvagem em oposição

à civilização residente, primeiramente, no litoral e, depois, nos núcleos urbanos

interioranos. Enquanto esses eram os loci de reprodução da civilização portuguesa

na América, o sertão representava a própria ausência de poder régio, da

normatização, da fé, dos ritos católicos e da cultura européia. Nesse sentido, a

síntese de Russell-Wood (1999, p.9) está perfeita: “resumindo, a civilização e a

ortodoxia acabavam onde o sertão começava”.

Embora Moraes (2002-2003, p.13), afirme que o sertão não podia ser dividido,

muito menos considerado como um “habitat, ambiente, região ou território porque

recobria situações telúricas díspares e variadas”, a sociedade colonial não o

percebia de forma tão genérica e homogênea. Sua representação dependia, em

muito, dos grupos sociais que nele viviam, adaptando um conjunto de valores e

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diferentes discursos e projetos assentados sobre uma base material. Esses

diferentes grupos sociais acabaram por designar, qualificar e repartir ou dividir o que

“era uma coisa só” (MONTEIRO, 1998, p.200) em inúmeros fragmentos, ou seja, em

sertões específicos, próprios e individualizados.

O sertão e seus habitantes, os sertanejos, assim, não podem ser examinados e compreendidos de maneira uniforme: o pulsar de sua vida, ora frenético, ora vagaroso, ditava-se por motivações e consolidava-se por circunstâncias bem diferentes das existentes nas cidades onde se instalavam os maiores poderes - o régio e o eclesiástico - os quais nem sempre conseguiam controlar com sucesso um modo de vida particular, mas que, do ponto de vista do Estado, devia ao fim e ao cabo adaptar-se mesmo sob acomodações inevitáveis e necessárias a um padrão geral unificador. (ARAÚJO, 2000, p.53)

Também contrária à idéia de um único e vasto sertão, Russell-Wood (1999),

identificou três grupos sociais vivendo nos sertões que, de uma forma ou de outra,

produziram formas específicas de concebê-lo.59 Se para o autor o sertão era “um

estado de espírito”, logo, essas cotidianeidades diferenciadas também produziam

sertões ou representações de sertões também diferenciadas. Primeiramente,

segundo esse autor, para as áreas ocupadas por “índios bravos”, o sertão era visto

como o espaço da barbaridade ou ausência de civilização.60 O segundo grupo social

era formado por aqueles que encontravam refúgio no sertão, ou seja, os que

rejeitavam e/ou eram rejeitados pela sociedade, os que fugiam da Igreja e de sua

santa ferramenta inquisidora, os criminosos ou degredados lusitanos e os negros

quilombolas. Aos olhos dos homens brancos, o espaço ocupado por esses grupos

sociais só podia ser entendido como um lugar sem lei e de criminosos,

59 Rodrigues (2002), ao estudar a ocupação da Borda do Campo em Minas Gerais, também identificou diferentes sertões segundos as tribos indígenas que ocupavam a região: sertão dos coroados e puris. Nos documentos históricos analisados, os sertões aparecem identificando diferentes lugares, como o “sertão das cabeceiras do Chopotó” [rio], do rio Pitangui, etc.. 60 Para Silva (1999, p.151), “embora os sertanistas estivessem sempre armados, eles receavam as várias nações indígenas espalhadas pelo sertão e por essa razão todos os relatos as escreviam situando-as geograficamente e procurando avaliar a sua capacidade de ataque. (...) Os sertões eram por vezes denominados de acordo com as nações indígenas que habitavam, por exemplo: ‘sertão dos Bacaris”, ‘sertão dos Aguitis’, etc., predominando assim o critério étnico sobre o geográfico.”

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representando ameaça constante para aqueles que se aventuravam ou fixavam nas

suas proximidades.61 Por fim, outro grupo social era formado por aqueles que viam

os sertões como um território de oportunidades a serem conquistadas. Para tanto

era necessário, em primeira instância, conquistar os sertões ocupados pelos índios,

capturando-os como escravos ou dizimando-os, caso resistissem. O sertão era

assim visto pelos bandeirantes que penetravam no interior, partindo de Pernambuco,

Bahia e, principalmente, das vilas de São Paulo62.

Postos esses três pares antagônicos e intercomunicantes, surgem algumas

questões: por que todo o empenho da Coroa portuguesa em avançar a ocupação de

sua colônia na América para cada vez mais à oeste de Tordesilhas, estando esta já

situada ou absorvida por todo conteúdo simbólico do sertão? Por que a Coroa

incentivava e agraciava com mercês os aventureiros que partiam em expedições de

reconhecimento do interior/sertão adentro? Qual o sentido de tamanho cuidado em

divulgar na Europa a cartografia da sua porção na América?

O movimento de reconhecimento e de expansão dos sertões incentivado pela

Metrópole portuguesa não se limitava a um objetivo pontual, preso às condições

materiais do presente, mas sobretudo, projetado para o futuro. Segundo Moraes

(2002-2003), todo o juízo imaginário dado ao sertão já demonstra uma certa indução

quanto ao uso futuro do espaço absorvido, mobilizando uma valoração que traz em

si uma crítica à sua situação atual e/ou uma meta para sua transformação. Nesse

sentido, para o autor, a definição de um lugar como sertão significava projetar sua 61 Bicalho (2003), pôde identificar o temor dos moradores dos sertões limítrofes ao território urbano da cidade do Rio de Janeiro a partir do documento de Consulta do Conselho Ultramarino de 12/08/1676 (AHU, RJ, avulsos, Cx 30, doc.30), favorável ao requerimento dos moradores e senhores de engenho do Rio de Janeiro, solicitando licença para poderem ter em suas casas armas de fogo e as usarem nos caminhos e matas onde eram atacados por negros fugidos. 62 Oliveira (1999, p.48) também compartilha da compreensão de que o sertão era interpretado diferentemente, segundo os diferentes grupos sociais. Para ela “o sertão, para o habitante da cidade, aparece como espaço desconhecido, habitado por índios, feras e seres indomáveis. Para o bandeirante era o interior perigoso, mas fontes de riqueza. Para os governantes lusos das capitanias, era exílio temporário.”

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valoração para o futuro em moldes diferentes dos vigentes no momento dessa ação,

ou ainda:

O sertão é comumente concebido como um espaço para expansão, com o objetivo de um movimento expansionista que busca incorporar aquele novo espaço assim denominado, a fluxos econômicos ou a uma órbita de poder que lhe escapa naquele momento. (MORAES, 2002-2003, p.14)

Essa “projeção” de uso para o futuro, Moraes (2000, 2002-2003) vai chamar de

“fundos de território” 63, logo “transformar” esses fundos territoriais em território

usado64 é uma diretriz que atravessa a formação histórica do Brasil. Enfim, o sertão

é uma “figura do imaginário da conquista territorial, um conceito que ao classificar

uma localização opera uma apropriação simbólica do lugar, densa de juízos

valorativos que apontam para a sua transformação65.” (MORAES, 2002-2003, p. 20)

Ao aceitarmos o conceito de sertão enquanto “fundos de território”, temos

também que questionar o significado do padrão tradicionalista de ocupação de suas

colônias. Fixar-se no litoral e garantir daí a manutenção do exclusivo metropolitano

não significava em nada olhar apenas para o mar, ou melhor, “arranhar” as costas. O

esvaziamento do sertão era uma situação daquele momento histórico e não do que

se projetava para o futuro. O cronista Pero Magalhães Gândavo, ao narrar em 1570

o que vira “nestas partes”, vê nesses sertões a possibilidade de torná-lo:

63 A mera qualificação de uma localidade como sertão já revelava a existência de olhares externos que lhe ambicionava, espaços a serem conquistados, lugares para a expansão futura da economia e/ou domínio político (MORAES, 2002-2003, p.19). 64 O termo “território usado” foi apresentado por Milton Santos e demais colaboradores no XII Encontro Nacional de Geógrafos, Florianópolis, 2000, em “O papel ativo da Geografia: um manifesto”. Para os autores, o espaço geográfico não deve ser considerado como sinônimo de território, “mas como território usado; e este é tanto o resultado do processo histórico, quanto a base material e social de novas ações humanas. Tal ponto de vista permite uma consideração abrangente da totalidade das causas e dos efeitos do processo socioterritorial. (...) O território usado constitui-se como um todo complexo onde se tece uma trama de relações complementares e conflitantes.” (SANTOS, 2000, pp.104-05) 65 Para Geiger (2001, p.172), o sertão também carrega o sentido de um espaço “vir a ser” ou, em suas próprias palavras, “um pretendido” sendo o território brasileiro. Embora Vidal e Souza (1997) se fixe na categoria Nação, sua análise sobre o sertão-litoral também nos serve para pensar o território, uma vez que “enunciam no espaço território quais áreas e culturas pertencem plenamente ao espaço nação e aquelas outras pensadas como Brasil a ser em sua incompleta condição de parte do ideal nacional.” (Grifo nosso).

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cada vez [...] mais prospera[o], e depois que as terras viçosas se forem povoando (que agora estão desertas por falta de gente) hão de se fazer nelas grossas fazendas como já estão feitas nas que possuem os moradores da terra, e também se espera desta província que por tempo floresça tanto na riqueza como as Antilhas de Castela por que e certo ser em si a terra mui rica e haver nela muitos metaes, os quase até agora se não descobrem ou por não haver gente na terra pela cometer esta empresa, ou também por negligência dos moradores que se não querem dispor a esse trabalho. (Gandavo, 2006, p.3)

Na verdade, tanto o interior, quanto o litoral faziam parte do território colonial

brasileiro. A questão que se coloca é que nos dois primeiros séculos, mais

precisamente no primeiro século de colonização - que se encerra simbolicamente

em 1640 - a restauração de Portugal, a economia açucareira e sua base material

assentada na faixa litorânea davam o retorno esperado à Metrópole em seu projeto

imperial. A partir de meados do século XVII, os eventos geopolíticos que

reordenaram as forças imperiais européias, com impactos tanto nas metrópoles

quanto nas colônias, obrigaram os portugueses a lançarem seus olhares mais

pragmaticamente para os sertões do Brasil66 a fim de incorporá-lo, não mais como

um fundo de território, mas efetivamente como território usado e apropriado.

66 Para Holanda (2000), as lendas de minas e montanhas de ouro e prata no interior do Brasil não fizeram contaminar o pragmatismo português, até então preso ao litoral. Esse quadro só mudaria no século seguinte XVIII.

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2.2 - A lendária Serra de Sabarabuçu

As Minas dos Cataguases, localizadas extra-padrão tradicionalista português –

são um produto da última década do século XVII. No entanto, as investidas que

culminaram no “achamento” dos ribeirões auríferos são bem anteriores, remontando

ao século XVI, o que nos possibilita afirmar que há muito tempo o sertão já se

configurava como fundo de território.

Holanda (2000)67, em “Visão do Paraíso” e Barreiros (1979), em “Roteiro das

Esmeraldas. A bandeira de Fernão Dias Paes”, apresentam inúmeras expedições

oficiais que adentraram o sertão a partir dos núcleos de Porto Seguro, Espírito

Santo, São Vicente, Salvador e São Paulo68 exclusivamente com o propósito de

encontrar e comprovar a veracidade dos relatos feitos por um certo Fillipe Guillén69

que informara que, em março de 1550,

uns índios dos que vivem ‘junto de hu gran rio’ tinham chegado a Porto seguro com a novidade de uma serra situada em seu país; que resplandece muito e que, por esse seu resplendor era chamada ‘sol da terra’, além de resplandecente é a serra de ‘cor amarelada’ e despeja ao rio pedras dessa cor que se conheciam pelo nome de pedaços de ouro70.

67 Primeira edição é de 1959. 68 Dentre as entradas de reconhecimento de Sabarabuçu, Holanda (2000) cita algumas: i) partindo da Bahia, as de Francisco Bruza de Espinoza (1554), Vasco Rodrigues Caldas (1561), Martim de Carvalho (1567 ou 1568), Sebastião Fernandes Tourinho (1572 ou 1573), Antonio Dias Adorno (1574), Sebastião Álvares (1574), João Coelho de Souza (1574), Gabriel Soares de Souza (1592); ii) de Sergipe, a de Belchior Dias Moreia, neto de Caramuru (1595 ou 96 a 1603 ou 04); iii) do Ceará a de Pero Coelho de Souza (1603); iv) de Pernambuco (período de invasão Holandesa) partiram Elias Hercksmans (1641) e Mathias Beck (1649); v) do Espírito Santo, as de Diogo Martins Cão (1596), Marcos de Azevedo (1664); vi) de São Paulo vão partir inúmeras expedições dentre elas algumas sob instrução do governador-geral D. Francisco de Souza, como as de João Pereira de Sousa (1597), André Leão (1601), Nicolas Barreto (1602). 69 Ao que parece, segundo Holanda (2000), esse Fillipe Guillén foi degredado ao Brasil, por ter se passado por grande astrônomo e astrólogo em Portugal, quando na verdade sempre fora boticário em sua terra – Castela. 70 Carta de Fillipe Guillén (20 de julho de 1550)”, HCPB, III, p.359. Cf. Holanda (2000, pp.45-6).

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MAPA 2: Mapa de Minas Gerais com representação dos roteiros das principais entradas e bandeiras dos séculos XVI e XVII Fonte: João C. de Oliveira Torres. In: COSTA, A.G. (org.). Os Caminhos do Ouro e a Estrada Real. Belo Horizonte: Editora UFMG; Lisboa: Kapa Editorial, 2005, p. 25.

Esses relatos vão dar origem à lenda da terra de ouro e prata de Sabarabuçu71.

Os roteiros das entradas e bandeiras elaborados por Torres e apresentado por

Costa (2005, p.47) ilustram essas entradas, conforme pode ser observado no mapa

acima (MAPA 2).

A lenda de Sabarabuçu tem origem no mundo mítico europeu feudal, que dizia

que à leste (oriente) desse continente se localizavam riquezas jamais vistas.

71 O nome Sabarabuçu, como referência às montanhas resplandecentes em ouro, é, para Holanda (2000, p.46) e demais historiadores, “de origem indígena, do tupi Itaberaba e, no aumentativo, Itaberabuçu, que sem dificuldades se corromperia em Iaperaboçu e, finalmente, Sabarabuçu.” Outro mito que nasce nesse período referiu-se a “lagoa grande”, tão rica quanto às serras de Sabarabuçu. Acreditavam que essa lagoa era a matriz dos grandes rios de São Francisco, Prata e Amazonas, e estava localizada no centro do continente sul americano. Essa lagoa passou a fazer parte dos mapas quinhentistas e seiscentistas e foi criado em torno dela o mito da “Ilha Brasil”, que “em certo sentido, contribuiu para a delimitação das fronteiras nacionais” (MAGNOLI, 2002-2003).

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Acreditavam que quanto mais a oriente estivesse localizada uma colônia, terras ou

minas, maiores seriam os tesouros a serem descobertos (HOLANDA, 2000). Com as

navegações dos séculos XVI e XVII, tal lenda não só foi reforçada e recriada - uma

vez que os navios voltavam do oriente carregados de riquezas - como também foi

transposta para as possessões coloniais da América, África e Ásia. A descoberta de

metais preciosos na América Espanhola, no século XVI, mais precisamente em

Potosi (atualmente localizada na Bolívia), alimentou a idéia de que as verdadeiras e

ricas minas de metais preciosos ainda estavam para ser descobertas, em virtude da

extensa porção de terras ainda desconhecidas localizarem-se a oriente dessa.

Tratava-se do sertão brasileiro, localizado à leste (oriente) das minas espanholas,

que se apresentava como um verdadeiro “eldorado” ainda não explorado, encoberto

pela densa mata, aguardando sua exploração futura.72

Foi a partir dessa realidade fantástica que se criou o mito de Sabarabuçu (serra

de prata, esmeralda e, sobretudo, ouro) entre os portugueses, os espanhóis e,

sobretudo, entre os “homens coloniais” no século XVI, lançando-os para o sertão à

procura da serra, o que fez com que Moraes (2002, p.87), afirmasse que “os

atrativos simbólicos imaginados atuaram fortemente na apropriação dos territórios

coloniais.”

72 Segundo Moraes (2000), a União Ibérica também impulsionou a busca de metais preciosos na América Portuguesa, pois, ao desenvolver a mineração desde o século XVI em Potosi e com seu declínio nos seiscentos, os espanhóis (mesmo que por intermédio dos funcionários portugueses) estimularam as iniciativas de descobrimento, visto que o primeiro Regimento das Minas a valer na América Portuguesa foi publicado em 1602, por Felipe II, então Rei da Espanha e da União Ibérica. A exemplo do envolvimento dos espanhóis, “uma carta régia dirigida a Fernão Dias Paes, de 04 de dezembro de 1677, nomeava o fidalgo espanhol D. Rodrigo de Castel Blanco a administrador das minas, no caso das minas já conhecidas e exploradas de Paranaguá e Sabarabuçu, por última diligência do descobridor.” (SANTOS, 2001, p.41).

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ILUSTRAÇÃO 5: Demonstração da Capitania do Espírito Santo; Detalhe: Serra das Esmeraldas. João Teixeira Albernaz. Estado do Brasil colegiado das mais sertas notícias q pode aivntar do Jerônimo de Ataíde por Teixeira Albernaz cosmographo de Sva. Magestade. Lisboa, 1631 Fonte: COSTA, A.G. (org.). Os Caminhos do Ouro e a Estrada Real. Belo Horizonte: Editora UFMG; Lisboa: Kapa Editorial, 2005, p. 48.

Por mais fantasioso que fosse o mito das serras e lagoas douradas, ou, como

bem definiu Holanda (2000, p.67), essa “geografia fantástica”, os destinos das

primeiras bandeiras eram praticamente os mesmos: as cabeceiras do Rio São

Francisco, localizadas no atual Estado de Minas Gerais.

todas essas aparentes precisões e clarezas lançadas sobre coisa tão turva provinham de uma convicção originada até certo ponto em dados reais ou possíveis. Por outro lado, não deixam de comportar elementos fantásticos, que um lento processo de sedimentação lhe agregava no fio dos anos. (HOLANDA, 2000, p.67)

Se nesses fundos territoriais o metal “insistia” em não reluzir, pelo menos eles

disponibilizavam uma outra “riqueza” para a sociedade e economia fixadas acima da

Serra do Mar, a mão de obra escrava indígena. De acordo com Monteiro (1994,

p.61), “quaisquer que fossem os pretextos adotados pelos colonos para justificar

suas incursões, o objetivo maior dos paulistas era claramente aprisionar carijós ou

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guaranis que habitavam um vasto território ao sul e sudoeste de São Paulo.” No

entanto, jamais deixavam de lançar seus olhos e suas bateias para os fundos dos

rios à procura dos metais e das pedras preciosas, ainda ocultos sob o véu da

natureza.73

Os “fundos de territórios” com seus atrativos simbólicos representavam,

concretamente, para a monarquia portuguesa, um novo fôlego para sobreviver no

quadro geopolítico europeu redesenhado a partir de meados do século XVII, já que a

produção açucareira do atual nordeste brasileiro enfrentava grande concorrência

com novas áreas produtivas, sobretudo, na América Central. Para Furtado (2000,

p.77):

Em Portugal compreendeu-se claramente que a única saída estava na descoberta de metais preciosos. (...) Os governantes portugueses cedo se deram conta do enorme capital que, para a busca de minas, representavam os conhecimentos que do interior do país tinham os homens do Planalto de Piratininga.

Se foi “sempre fama constante que no Brasil havia Minas de ferro, ouro e

Prata” e, se já circulavam pela região da nascente do rio São Francisco, então, é

compreensiva a desconfiança levantada por Monteiro (1998, p.89) de que “se torna

difícil acreditar que as várias expedições que varriam esses sertões ao longo das

décadas de 1640 a 1690 não tivessem reparado na existência do ouro de aluvião.”

(grifo nosso)

73 É sabido que Afonso Sardinha e seu filho homônimo, a partir da segunda metade do século XVI, já garimpavam ouro em pequenas quantidades no morro de Jaraguá em São Paulo e na serra da Mantiqueira. Em 1589, adentraram ainda mais o sertão, chegando ao morro de Biroçoiaba (atual morro de Araçoiaba, localizado na região de Sorocaba - SP), juntamente com um mineiro especializado, chamado Clemente Álvares (ALMEIDA, 1964). Essas primeiras entradas não podem ser entendidas como atitudes isoladas de um pequeno grupo de homens, mas sim como mais um componente das políticas portuguesas de ocupação e expansão do Brasil. Não fosse dessa forma, o Governador-Geral do Brasil – D. Francisco de Sousa – jamais teria se deslocado de Salvador para São Vicente, e daí para o inóspito planalto paulista, para conferir pessoalmente as minas descobertas em Jaraguá, Bitiruna e Biroçoiaba.(sic).

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Não é nosso objetivo construirmos, pelo menos nesse momento, uma profunda

análise do processo de descobrimento, exploração e retração da atividade aurífera

nas Minas Gerais, mas compreender como essa atividade produziu uma nova

socioespacialidade no território brasileiro. Nesse sentido, a compreensão dos

primeiros anos da mineração visa acompanhar o movimento em que o sertão vai se

transformando em território a partir da incorporação da circulação à condição

colonial, pois, sendo assim, deixa de ser representado como “fundos de territórios”

para tornar-se território efetivamente usado pela sociedade de então.

2.3 - A transformação do metal dourado em ouro

A desconfiança levantada por Monteiro (1998) sobre as descobertas auríferas,

pode ser respondida à luz da análise de Andrade (2002) sobre o processo de

descobrimento das minas de ouro no Brasil Setecentista. Para este autor, tal dúvida

resulta de uma historiografia que se fixou na leitura econômica, em detrimento dos

aspectos simbólicos e políticos envoltos nas descobertas. Segundo o autor, o que

ocorre é o contrário:

a experiência econômica de produzir e acumular recursos com os descobrimentos, e, sobretudo, o direito para isto, conduzia-se segundo os valores de outros campos sociais como o do poder e o da religião. Por isso, os lucros provenientes da exploração colonial que não tivessem ancorados nos princípios do ‘direito comum’74 e nas representações canônicas do Estado monárquico perdiam amparo institucional e legitimidade para se conservarem. No final do século XVII e durante o século XVIII, os descobrimentos com privilégios dos descobridores ou dos colonos ao capital simbólico, aos benefícios e à riqueza, dependiam, acima de tudo, da posição social e política do agente, do reconhecimento da Coroa Portuguesa,

74 “Esta doutrina fundamentava nas ‘situações jurídicas reais [desde a Idade Média], estando os poderes sobre as coisas decalcados sobre as suas utilidades particulares, distribuídos por vários sujeitos, mutuamente condicionados, dependentes na sua efetivação e exercício de autorização alheia.’ Nas Minas de Ouro, os institutos de direito comum (como as terras realengas e de sesmarias) relativos às explorações minerais e agrícolas foram especialmente marcantes.” (Hespanha, 1995, citado por ANDRADE, 2002, p.16).

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e da validade moral das ações que culminavam nas descobertas do ouro e de pedrarias. (ANDRADE, 2002, p.16)

Vale ressaltar que tal capital simbólico não se limitara apenas às concessões

de lavras de ouro e diamantes, mas a todos os tipos de posses e usos do território

da América Portuguesa até ao final do período colonial, cuja fundamentação estava

baseada num poder monárquico de visibilidade difusa. Para Andrade (2002), esse

poder difuso tornava-se visível nos signos da Majestade Régia, traduzidas nas

cerimônias, rituais e audiências públicas, onde, tanto a figura do Rei, quanto de sua

Corte, eram modelo de organização política e de relações sociais que se pretendiam

criar. Seu sucesso derivava, sobretudo, de uma rede de clientelismo em que um

vassalo dependia de outro vassalo e todos do poder do Rei, ou seja, o mecanismo

régio consistia em manter essas redes hierárquicas ativas através da “economia do

favor”, retirando dela ganhos políticos e econômicos para si e para seus vassalos.

Nesse mesmo sentido, Furtado (2006, p.58) afirma que “para preservar a fidelidade

ao monarca e para que a Coroa fizesse sua a voz dos colonos, era preciso

reproduzir as cadeias informais de poder que se estruturavam com base no reino e

identificava-os como vassalos”.

Entretanto, fazer parte da rede de clientelismo, ou ainda, ser “identificado como

vassalo”, não era um dom destinado a todos. Era necessário, antes de qualquer

coisa, possuir poder de crédito e de qualidades, ambos intimamente relacionados. “A

qualidade significava a origem e a posição social do sujeito nas quais estava inscrita,

necessariamente, uma determinada conduta prevista e prescrita pela tradição75”

75 O conceito de “tradição” utilizado pelo autor foi extraído de Franco (1997, p.61), o qual optamos por reproduzir integralmente: “Sociologicamente, o conceito de tradição seria de pouco interesse se tomado apenas no sentido impreciso de transmissão, mediante o contacto entre gerações de elementos da vida social. O que diferencia a tradição do costume, do uso e do hábito, e faz com que possa constituir como um princípio essencial de regulamentação do comportamento em certos tipos de organização social, é que implica um julgamento de valor sobre o elemento transmitido, na crença de seu caráter sagrado e inquebrante. Na esfera do tradicional, saímos daquilo que existe faticamente, que foi de há muito estabelecido e que é apenas reconhecido e praticado de modo geral

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(ANDRADE, 2002, p.35). Já o poder de crédito, derivava de algumas virtudes morais

que poderiam ser resumidas em duas: prudência e valor. A primeira virtude –

prudência – era específica da prática política, enquanto a segunda – valor – era de

natureza militar. Tais virtudes funcionavam como normas de conduta e

comportamento prescritas para as empresas descobridoras no sertão.76

É nesse contexto que se encontra a explicação para o não “descobrimento” das

minas, que já eram conhecidas antes de 1692. Segundo Andrade (2002), faltava aos

primeiros bandeirantes da primeira metade do século XVII (fossem eles de origem

baiana, pernambucana ou mesmo paulista) as condições necessárias para

reivindicarem a primazia nos descobrimentos, já que a qualidade de mestiços ou de

descendentes de gentios da terra os desqualificavam na ascensão de posição social

e na aquisição de privilégios.

Foram os paulistas que, a partir das duas últimas décadas dos Seiscentos,

utilizaram a tradição e o poder do crédito para reivindicarem o descobrimento das

minas, bem como para manterem durante as décadas seguintes o privilégio nas

concessões, que lhes garantiam poder político, econômico e militar nessa nova

porção da América Portuguesa, rica em ouro e pedras preciosas. Mas como isso foi

possível, se sabemos que esses paulistas bandeirantes também eram descentes de

índios ou mamelucos, considerados homens rudes na representação das elites

sediadas nas capitanias de Salvador, Pernambuco e Rio de Janeiro, ou ainda, “uma

para articular a noção de antigo e consensual à de valor. Apenas nesses termos é que se pode reconhecer na tradição a força para cristalizar e fazer um código realmente unifomizador da conduta, pela firme adesão das consciências às suas prescrições.” 76 Segundo Andrade (2002), nos textos das concessões e mercês reais (patentes, provisões, instruções, cartas de sesmarias) passadas aos descobridores, os temas de prudência e do valor, aliando-se à origem e à posição social do favorecido, sempre estiveram presentes.

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anomalia para os portugueses natos”? (RUSSELL-WOOD, 1999a, p.112)77. Não

estariam os paulistas também inseridos no grupo dos desqualificados?

Para Araújo (2000), a legislação proibia negros, índios e mestiços (todas as

variações de mestiçagem) de usarem roupas caras e de carregarem armas, pois,

assim, os distanciariam dos brancos pela exibição dessas marcas distintivas.

Também era vedado ocuparem altos cargos na Igreja e no Estado. No entanto, essa

base normativa e socialmente discriminatória não se reproduzia da mesma forma e

intensidade para toda a sociedade colonial, pois as condições enfrentadas pelo

colonizador não eram as mesmas em todo o seu espaço de ação. Se os núcleos

litorâneos representavam a civilização e o interior a barbárie e, sabendo-se que

nesse último dominava o mestiço78, obviamente a Coroa e seus representantes aqui

instalados se viram diante da necessidade de estender o direito e uso do

clientelismo a esse grupo social. Logo, em áreas onde predominavam os mestiços e

de interesses metropolitanos “é de presumir que pelo menos aí não houvesse

discriminação racial mais rígida” (ARAUJO, 2000, p.59). Nesse mesmo sentido,

Russell-Wood (1999a, p. 114), ao se referir aos paulistas afirma que:

Tais honrarias constituíam parte de uma estratégia, nascida do pragmatismo, por parte da Coroa portuguesa. Para sua sobrevivência, o Império português era extremamente dependente dos não-portugueses e, às vezes, de não-católicos e não-europeus. [...] Por sua prática e habilidade de sobreviver no sertão, o conhecimento do território, proficiência linguística e domínio das

77 Embora a figura do paulista bandeirante apareça na historiografia brasileira sob diferentes interpretações, há um consenso entre os historiadores, de Taunay (1975) a Boxer (2000) de que “a feição mais característica do paulista era sua forte mescla de sangue ameríndio [...]. a maioria dos paulistas falava o tupi-guarani – língua geral ou língua franca – de preferência ao português, pelo menos quando em casa, com as mulheres da família ou quando se ausentavam para suas distantes expedições para os sertões.” (BOXER, 2000, pp.57-8). 78 Exemplo clássico desse tipo de composição populacional era a vila de São Paulo. É sabido que desde sua origem havia grande número de mamelucos e índios entre seus moradores e a miscigenação era freqüente, até mesmo dentre os mais abastados, tanto que a língua predominante era a tupi, ou, como se prefere, língua geral. Nas vilas fundadas na hinterlândia de São Paulo (ver PETRONE, 1994), também predominava a mesma dinâmica populacional. Em importante trabalho de demografia histórica desenvolvido, Bacellar (2001) apresenta a composição e a importância do grupo indígena e de mestiços na formação da sociedade na vila de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba nos séculos XVII e XVIII, bem como nas bandeiras para os sertões de Mato Grosso.

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táticas de combate, os paulistas atraíram a atenção real para missões especiais, como os ataques aos quilombolas. A Coroa também reconheceu que, seja no interior do Brasil ou de Angola, seja em regiões da Ásia portuguesa, distantes da sua intervenção e da autoridade do vice-rei, havia indivíduos dos quais ela era dependente se quisesse manter qualquer aparência de autoridade portuguesa.

As características e as especificidades de um núcleo inserido no planalto, para

além da Serra do Mar, isto é, praticamente dentro daquilo que se considerava

sertão, também criou características peculiares à mestiçagem paulista. A

necessidade constante de lidar com os limites do sertão fez com que a mestiçagem

não se desse no plano exclusivo da reprodução sexual, mas também, como bem

resume Saia, citado por Araújo (2000, p.60), na “mestiçagem de tudo, de gente, de

técnica militar, de dieta alimentar, de linguagem, de estilo de vida.”79

Tal mestiçagem não impedia os paulistas, segundo Boxer (2000, p.88), “de

serem excessivamente orgulhosos de seus antepassados, dados por eles como

aristocratas.”

Ao contrário de Holanda (2000, p.61) que creditava as entradas dos paulistas

ao sertão a uma “necessidade comezinha[sic], pois delas esperavam remédio para a

pobreza”, alguns estudiosos contemporâneos afirmam que, de fato, o que levou os

paulistas a adentrarem o sertão não foi a extrema pobreza material e a carência de

mantimentos às quais a vila de São Paulo estava submetida, mas, exatamente o

contrário, isto é, o desenvolvimento de uma agricultura de gêneros da terra para o

próprio abastecimento e também para a exportação para outras capitanias, como

Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro e no comércio com o Atlântico Sul80,

79 Ribeiro (1995) também trata da importância dos mestiços, ou melhor, dos mamelucos na formação do povo brasileiro. Para o autor, os mamelucos podem ser considerados como os verdadeiros “protobrasileiros”. 80 Monteiro (1994) mostra os nexos dos paulistas no comércio do Atlântico Sul a partir da produção de trigo nas vilas do planalto paulista.

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demandando, desta forma, de uma grande quantidade de mão-de-obra escrava

indígena.

Os traços notáveis dos mamelucos paulistas, como “a mobilidade, o

desembaraço com que se moviam pelas brenhas mais difíceis, a velocidade de

locomoção por vastidões de terreno virgem e a facilidade com que mudavam de

residência” (ARAÚJO, 2000, p.60), não eram resultado natural do cruzamento do

português com o índio, mas, antes de tudo, características forjadas para a própria

sobrevivência, para a captura de mão-de-obra escrava indígena encontrada

abundantemente nos sertões, bem como na expansão das terras agricultáveis81 ou,

como prefere Moraes (2000, p.395), o que os punham em marcha era “a guerra ao

gentio e a devassa de espaços.” Numa sociedade especialmente agrícola e com

dificuldade para acessar o mercado de escravo-negro, é de se esperar que o índio,

tenha se tornado “o maior bem dos bens materiais” entre os paulistas (HOLANDA,

2003, p.308).

Com a escassez da mão-de-obra escrava indígena nas proximidades das vilas

e do acesso às terras economicamente viáveis, as expedições tiveram que se

aprofundar cada vez mais no sertão, exigindo articulações cada vez mais intrincadas

entre os bandeirantes82. Tal processo, a partir de meados do século XVII, seria o

81 “A formação da sociedade paulista no período colonial estava estritamente ligada ao processo de transformação de um sertão inculto em núcleos populacionais razoavelmente estáveis, processo acompanhado pela evolução da escravização indígena. (...) A expansão territorial da capitania, portanto, deu-se em função do acesso pleno às terras e mão-de-obra abundantes.” (MONTEIRO, 1994, p.189). 82 Embora não haja consenso, estima-se em cinco milhões o total de índios que viviam nos limites do atual território do Brasil antes da chegada de Pedro Álvares Cabral. Logo, a prerrogativa de “terras desocupadas” para o sertão, também está carregada de conteúdo simbólico. Nesse sentido, Rodrigues (2004, p.303) questiona: “Despovoado desde quando? Isolado de que ou em relação a quem ?” Se os paulistas tinham que rumar cada vez mais para o sertão/interior para capturar os “negros da terra”, é de se imaginar que nesses dois primeiros séculos de colonização, os conflitos, as capturas e a escravidão levaram ao extermínio de milhões de índios que viviam na faixa costeira, bem como, deu origem a um verdadeiro êxodo desses, para o interior, refugiando-se cada vez mais “mata dentro” (sic) “isso permite afirmar ter sido o nosso país despovoado pelo genocídio e conformado pelo etnocídio via entradas e bandeiras.[...] Em certo sentido, o mote “esvaziar para recuperar” deu vida ao pacto colonial português em nosso país”. (RODRIGUES, 2004, p.306).

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93

cerne da diferenciação dos níveis de riqueza e da diversificação da atividade

econômica dentre os paulistas. Nesse sentido, conforme aponta Monteiro (1994),

grupos de homens vão se distinguindo na sociedade paulista - mesmo que com

alguma descendência indígena - com maior prudência política e valor militar,

daqueles homens que não possuíam escravos e terras em quantidade para lhes

garantir algum tipo de poder na sociedade, ambos baseados no acesso desigual às

forças de produção, ou seja, no trabalho indígena. Nessas condições:

a maioria dos produtores rurais, dispondo de alguns cativos indígenas, afastou-se da produção comercial, enquanto outros – aqueles que conseguiram uma força de trabalho considerável – começaram a dirigir recursos a outras atividades: [...] criação de animais de carga, numa tentativa de substituir as reservas de carregadores índios. Havia outros, ainda, como [...] Fernão Dias Paes, que enterravam seus recursos e esperanças na busca de metais preciosos. (MONTEIRO, 1994, p.209)

A dificuldade no abastecimento de gentios e o maior interesse da Coroa em se

apossar definitivamente de Sabarabuçu foi o estopim para que as bandeiras de

preamento se transformassem em bandeiras de descobrimentos. Segundo Andrade

(2002), a Coroa estimulou os paulistas [poderosos] com promessas de honras e

mercês aos que manifestassem os descobertos, buscando obter o controle sobre as

expedições destinadas à localização de metais preciosos. Os paulistas que já

circulavam por essas bandas minerais e, possivelmente, exploravam-nas

clandestinamente, com os direitos que receberam em Carta Régia de 1694 de se

tornarem os senhorios das lavras descobertas, logo começaram a fazer os primeiros

manifestos de descobrimento.

A prudência política e o valor militar, tão importantes para a relação clientelista

com a Corte, foram incorporados pelos paulistas mais abastados como resultado de

uma experiência no sertão herdada dos “antigos”, isto é, de seus antecedentes e

passados de geração em geração pela memória, pela própria prática sertanista e

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94

pelos escritos (SILVA, 1999). É nesse sentido que os “senhores paulistas forjaram

os discursos da prudência e da tradição, nos quais se qualificavam com os atributos

políticos e militares que convinham à fama de protagonistas de empresas de

descobrimentos e às pretensões estatais.” (ANDRADE, 2002, p.53).

Os paulistas se auto intitulavam como aqueles que levaram a expansão da

fronteira além-Tordesilhas, como os que converteram os carijós (índios) em cristãos

católicos, como os que atacaram as frentes de resistência indígenas e, por fim, como

o povo que contribuiu para o povoamento do sertão. Na concepção paulista não

havia prudência e valor maiores que estes.

Os descobrimentos de minas de ouro denotavam, de uma forma ou de outra,

um sentido militar. Não é por menos que as empresas de descobrimentos – as

bandeiras – estavam intimamente ligadas aos procedimentos e às técnicas militares

do Regimento das Ordenanças. A esse respeito, afirma Andrade (2002, p.55):

os descobrimentos figuravam, então, como empresas políticas, nas quais os laços entre a Coroa e seus súditos surgiam reforçados, e essa associação que conformava o Estado determinava o campo de poder do Monarca.

A empresa de descobrimento de esmeraldas de Fernão Dias Pais, ao contrário

de suas antecedentes, se inscreve nessa lógica de rede de clientelismo, tanto que

foi formada a partir de Carta Régia que solicitava aos “valorosos” homens de São

Paulo – os de maior poder de crédito – que buscassem as minas de ouro, prata e

esmeraldas ainda “não” descobertas no sertão.83

O governador-geral, enquanto agente da Coroa e elo na rede de clientelismo

entre o Monarca e seus súditos paulistas, encaminhou a Fernão Dias, entre 1671 e

1674, quando a expedição parte para Sabarabuçu, inúmeras cartas para louvar e

prometer grandes honras e mercês caso conseguisse atingir seus objetivos. Era

83 Informação do Estado do Brasil e de suas necessidades: RIHGB, t.25, 1926, p.473.

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sabido que nos sertões da cabeceira do São Francisco havia minas de ouro e

esmeralda, tanto que, em carta datada do dia em que a expedição partiu, o paulista

afirmara claramente que tais minas “foi já descoberto”.84

A questão não era a descoberta no sentido stricto da palavra, pois isso já se

constituía uma realidade concreta, mas sim inseri-la dentro da representação

simbólica de então, ou como prefere Andrade (2002, p.60), “conduzir a isso tudo de

outra maneira e com planos políticos e militares bem definidos.” (grifo nosso). Para a

tradição política do Estado português era necessário incorporar aos descobrimentos

o poder de crédito, ou seja, de homens (colonizadores) descendentes de

portugueses e já portadores de alguns privilégios e mercês, que os tornavam o elo

entre o Estado e a Colônia. Assim, o descobrimento de Fernão Dias estava

enriquecido desse conteúdo político porque carregava consigo o sentido da tradição

baseada na conquista militar e na força divina.

Na ordem prática, o que diferenciava a empresa de Fernão Dias das

expedições anteriores era a organização e o envio prévio de uma comitiva

comandada pelo Capitão-mor Matias Cardoso de Almeida (TAUNAY, 1975;

ANDRADE, 2002; RODRIGUES, 2002; HOLANDA, 2000, 2003) com o objetivo de

preparar o caminho, abrindo picadas, repelindo, escravizando e/ou exterminando

grupos indígenas hostis, encontrando locais mais adequados para os pousios e,

sobretudo, estabelecendo roças de gêneros da terra (milho, mandioca, feijão) para

garantir o sucesso da empresa que, segundo as próprias palavras de Fernão Dias,

“dependia essencialmente do povoamento de gente assistente.”85 Para Taunay

(1975), a entrada prévia da comitiva de Matias Cardoso garantia a fixação de postos

essenciais para a eventual necessidade de recuos da expedição principal. Logo, o 84Barreiros (1979, pp.23-4). 85 Carta de Fernão Dias Pais a Bernardo Vieira Ravasco, 20 de julho de 1674. Cf. Barreiros (1979, pp.23-4).

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objetivo não era apenas encontrar metal dourado no meio do sertão, mas, antes,

uni-lo a São Paulo a partir desses postos, num espaço contíguo de ocupação e,

sobretudo, de manutenção do poder exercido pelos paulistas.

O sertanista sabia que não bastava descobrir as minas, mas garantir sua

exploração de forma contínua e duradoura. Somente dessa forma a descoberta seria

lucrativa aos olhos da Coroa e de seus súditos. Para Andrade (2002, p.61),

o descobrimento era mais do que um achamento específico de riquezas minerais nas serras, como outros já haviam feito; exigiria agora a conquista militar e o conseqüente povoamento do sertão onde ficavam os descobertos indicados pelos antigos descobridores da tradição. 86

Novamente, afirmamos que o que havia antes era um “fundo de território”

aguardando seu uso no futuro, uma vez que estava ausente das representações

(elementos simbólicos) necessárias para tornar-se “território usado”, com uma

estrutura administrativa civil e militar a serviço do Reino de Portugal e de reprodução

da elite local.

A empresa de Fernão Dias Paes encerrou-se somente em 1681, com o retorno

de Garcia Rodrigues Paes à vila de São Paulo, que passara a comandar a

expedição em virtude da morte de seu pai no arraial de Sumidouro. Como resultado

da bandeira, Garcia Rodrigues trouxe alguns exemplares das pedras verdes, que

depois foram identificadas como turmalinas e águas marinhas (ROCHA, 1995).

O que nos interessa aqui não é o descobrimento das minas de ouro em si, até

porque não coube a Fernão Dias Pais e ao seu filho a “honra” de tais

descobrimentos, mas a instalação desse novo procedimento para as descobertas

86 “Quando o Conselho Ultramarino solicitou à Câmara de São Paulo que informasse sobre notícias de minas de prata, de ouro e de esmeraldas nos sertões do seu distrito, chamou Fernão Dias Pais ao Conselho Municipal ‘e pello dito capitão foi dito que elle ia aventurar pellas informaçoins dos antigos (...) e que ficava aviando-se pera março proximo que vem seguir o dito desobrimento a sua custa, por fazer este serviço a sua alteza”. (ANDRADE, 2002, p.61)

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97

subseqüentes e sua utilização para o domínio do território. Nesse sentido, afirma

Andrade (2002, p.62):

A empresa de Fernão Dias era precursora dos fatos que dariam origem às Minas Gerais; ela surgia como uma ruptura real para a criação do novo, embora tal novidade viesse enraizada na tradição dos feitos descobridores lusos e luso-brasileiros dos séculos XVI e XVIII.

As bandeiras de descobrimento não se encerravam com o retorno de seus

homens às vilas de origem, pois, de acordo como o Regimento, era preciso a seguir,

informar oficialmente os descobrimentos, para depois solicitar mercês e privilégios

pelo feito ao Monarca. Somente assim, para ambos os lados (Coroa e sertanistas), o

descobrimento se configurava com efeito. Essa relação trazia dividendos e favores

do agraciado com a Coroa e toda a Corte e vice-versa. Essa era a essência da rede

de clientelismo que não podia ser dispensada no Antigo Regime Português. A

solicitação de mercês via petições era, segundo Cardim, 1998, citado por Andrade

(2002, p.87):

uma das prerrogativas definidoras da posição do vassalo, enquanto atender as súplicas eram atributos específicos da função real. Aquele que utilizava desses recursos colocava-se na condição de vassalo e na necessária dependência com o Rei, ao mesmo tempo que demonstrava seu reconhecimento a este como senhor supremo. Portanto, pedir era um sinal claro da virtude política do vassalo porque significava conferir legitimidade à Majestade e o seu poder.

A questão era saber pedir. Para Andrade (2002), a primazia no reconhecimento

dos paulistas como descobridores das minas de ouro e de recebedores das mercês

no final do Seiscentos e durante todo o Setecentos, também se explica pelo

conhecimento que esses tinham do rito peticionário, que envolvia vocabulário, estilo

e manobras retóricas próprias, adquiridas durante muito tempo na tradição,

enquanto produtores de gêneros de abastecimentos e como desbravadores do

sertão, processo esse em que a riqueza e, conseqüentemente, o poder econômico,

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político e social se mediam muito mais pelo número de escravos do que por bens

materiais, razões essas das práticas sertanistas.

Não cabia a qualquer um solicitar mercês, pois os “ritos” das petições

envolviam vários passos, os quais, na sua essência já excluíam muitos

descobridores pertencentes à “arraia miúda”87. Em primeiro lugar, o pretendente a

descobridor fazia-se passar por vassalo de qualidade, baseando-se na experiência

ou habilidade e na origem da família; ambos fundamentados na tradição paulista de

sertanistas. Em segundo lugar, o suplicante devia indicar que a dita empresa não

traria nenhum custo ao Tesouro Real, cabendo à sua custa, ou “à custa da minha

[sua] fazenda, todos o custeio da empresa.” Desta forma, agregava maior valor

simbólico à sua pessoa, pois além de vassalo qualificado, também era endinheirado.

Depois, devia indicar que o achamento das minas era de interesse do bem comum

dos vassalos, do Tesouro Real e do Monarca. Por fim, deveria indicar as mercês que

pretendia receber. Nesse ponto, devia ter muito cuidado ou discernimento para pedir

conforme sua posição e as circunstâncias do descobrimento, ou seja, nunca podiam

pedir além e ou aquém daquilo que mereciam.

Esse longo quadro explicativo nos serve para entender como os sertões do

Brasil ou fundos de território foram transformando-se em território usado. Todo esse

conjunto de conhecimentos baseado na tradição, no poder de crédito e na rede de

clientelismo reproduziu-se por toda a América Portuguesa. No entanto, no século

XVIII, ele terá papel central na produção de uma nova socioespacilidade no território

brasileiro. Ao contrário da historiografia tradicional (TAUNAY, 1975; ABREU, 1963;

CARVALHO, 1959) que nos diz que uma das características do início da mineração

87 “Termo utilizado, apropriadamente, por Iraci del Nero da Costa (1992) para se referir aos livres não proprietários de escravos no Brasil do final do século XVIII e início do seguinte. No entanto, certamente fizeram parte dessa população pobre os pequenos escravistas – proprietários de 1 a 5 escravos -, que eram a maioria dos proprietários de escravos na capitania de Minas Gerais”. Cf. ANDRADE (2002, p.16).

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foi a ausência de base normativa, percebemos que o domínio do conteúdo simbólico

descrito acima foi a primeira, e por que não dizer, a mais importante base normativa

do século XVII, pois foi a partir dela que se estabeleceram relações de poder sobre o

território, que perduraram pelos séculos XVIII e XIX. Tal conteúdo simbólico-

normativo também foi significativo na aquisição e manutenção das terras ou

propriedades rurais e controle dos caminhos de circulação.

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CAPÍTULO 3

DE SERTÃO A TERRITÓRIO: A APROPRIAÇÃO

DOS “FUNDOS” TERRITORIAIS

A partir do descobrimento das minas ou, como prefere Andrade (2002), da

“invenção” das minas, presenciou-se na América Portuguesa um enorme êxodo

populacional dos primeiros núcleos coloniais para a região aurífera, alterando

profundamente o padrão tradicional de ocupação territorial. “A tópica da Geografia

trágica” (ROMEIRO, 2005, p. 209) não fora capaz de impedir que milhares de

pessoas migrassem para os sertões. O ouro suplantava qualquer representação

simbólica negativa impetrada ao sertão, pois, nas palavras de Zemella (1951, p.33),

“a notícia de cada descoberta88 despertava novas ambições e provocava novas

investidas. Era o delírio!” (grifo nosso). Essa situação contribuiu para que ocorresse

um elevado povoamento na região das minas de ouro. Além do que, deve-se

considerar que entre 1700 e 1760 saíram de Portugal e das ilhas do Atlântico cerca

de seiscentos mil portugueses das mais variadas condições socioeconômicas. “Em

pouco tempo, aquelas regiões desérticas tornaram-se densamente povoadas. Os

88 Zemella (1951, p.32-33) apresenta uma sucessão de descobrimentos de ouro, bem como seus descobridores, a saber: “O sertão foi tomado de assalto pelos bandeirantes que se sucederam e as descobertas se multiplicaram ininterruptamente: Salvador Fernandes Furtado descobriu as lavras do Ribeirão do Carmo. Antonio Dias de Oliveira revelou a existência do metal precioso no vale do Tripui. O Padre João Faria descobriu o famoso ouro preto, no lugar onde surgiu a cidade de igual nome. João Lopes Lima apontou outras jazidas no Ribeirão do Carmo. Borba Gato, recebendo indulto régio, revelou as minas de Sabará. Salvador Albernaz as de Inficionado. Domingos Rodrigues da Fonseca Leme descobriu ouro no Ribeirão do Campo, afluente do rio das Velhas. Domingos do Prado, no rio Pitangui. Bartolomeu Bueno, no rio Pará. Matheus Leme, em Itatiaiçu. Domingos Borges em Catas Altas. Os irmãos Raposo, no rio das Velhas. Tomé Portes del Rey, João de Siqueira Afonso e Antonio Garcia Cunha, nas margens do rio das Mortes. Outras minas foram descobertas no rio Santa Bárbara, em Cocais, em Congonhas do Campo e outros lugares. Em 1727 foram descobertas as minas Novas de Fanado e, em 1744 as minas de Paracatu. Para aumentar ainda mais os atrativos das terras de além Mantiqueira, em 1726 foram descobertos os diamantes no local chamado Tijuco.”

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101

ricos vinham com toda a escravaria, pleiteando lavras, os remediados com o que

tinham, e os pobres com a própria sorte.” (FAUSTO, 1998, p.98).

Não há precisão sobre o total de pessoas que migraram para as Minas Gerais

nas primeiras décadas de seu descobrimento, mas parece que há consenso entre

historiadores a partir das informações apresentadas por Antonil (2001, p.243), de

que

os que assistiram nelas nestes últimos anos por longo tempo, e as correram todas, dizem que mais de trinta mil almas se ocupam, umas em catar e outras em mandar catar nos ribeiros do ouro, e outras em negociar, vendendo e comprando o que se há mister não só para a vida mas para o regalo, mais que nos portos do mar89.

No início, devido à grande quantidade de ouro encontrado, o governo

português não se preocupou com o rápido crescimento populacional da região, pois

quanto mais mão-de-obra se dedicasse à mineração, maior seria a produção e,

conseqüentemente, maior se tornaria a arrecadação de impostos. Na Colônia, esse

também era o pensamento dos representantes da Coroa, tanto que em carta ao Rei,

em 1698, o governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá e Menezes informou que foi a

Vila de São Paulo “em busca de alguém que pudesse abrir um caminho direto do Rio

de Janeiro às Gerais”90, para garantir a entrada de grandes levas de migrantes

lusitanos e luso-brasileiros em direção às minas.

Várias foram as conseqüências sócio-espaciais oriundas desse movimento

migratório, dentre as quais se destacaram o despovoamento das primeiras vilas e

89 “A estimativa desta população varia conforme os informadores: ‘Affirmão os de melhor intelligencia que nas minas andam mais de trinta mil pessoas’, escrevia o desembargador João Pereira do Valle em 07/12/1705” (AHUL, Rio de Janeiro – 3100, relatório publicado infra doc. n ºXX). Mas, em 15 de setembro do mesmo ano, “Fillipe de Barros Pereira, escrivão do guarda-mor Garcia Rodrigues Pais, estimava em cinqüenta mil pessoas a população attiva das Minas” (AHUL, Rio de Janeiro – 3108). Cf. Silva (2001, p.243). 90 Carta do Governador Geral do Rio de Janeiro, Arthur de Sá e Menezes, de 24 de maio de 1698 ao Rei. Manuscritos do Arquivo Nacional. Col. Governadores do Rio de Janeiro, Livro VI, f. 142. Cf. Zemella (1951, p.39).

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povoados fundados nos dois primeiros séculos de colonização91, a crise no

abastecimento de gêneros da terra, além dos conflitos de ordem social que se

travavam para a aquisição das datas auríferas. Para quem estava acostumado a

encontrar nas possessões portuguesas a população sempre fixada no litoral, deve

ter sido chocante estar diante de populações em movimento e núcleos de ocupação

tradicionais esvaziados. Assim falou um viajante francês, que passou pelo Rio de

Janeiro em 1703:

o Rio de Janeiro, tal como se encontra é uma das mais importantes colônias portuguesas e talvez, a mais bem localizada. Contudo, a cidade seria muito diferente caso as minas não tivessem sido descobertas. Depois de tal acontecimento [...] mais de dez mil homens abandonaram a cidade. Tal diserção trouxe fome para a região, pois boa parte dos que partiram se dedicavam ao cultivo da terra [...] Daí a atual escassez de gênero que atinge o Brasil, pois, além do Rio de Janeiro, as minas despovoaram igualmente a Bahia de todos os santos, Pernambuco e todas as outras colônias da costa92.

Outra conseqüência, talvez a mais emblemática, foi a crise no abastecimento

interno de alimentos, uma vez que ocorreu um verdadeiro desinteresse pelo

desenvolvimento da agricultura de subsistência por parte da população, que se

preocupava apenas com a mineração, vivendo na ilusão do rápido enriquecimento,

mesmo que isso significasse subnutrição e péssimas condições de vida. A esse

respeito Antonil (2001, p.252) nos diz que “não se pode crer o que padeceram ao

princípio os mineiros por falta de mantimentos nos primeiros anos de mineração

91 No planalto paulista, segundo Monteiro (1994), o descobrimento das minas repercutiu na própria organização agrária em dois pontos importantes. Primeiramente, os principais produtores tiveram que reorientar seus plantéis, transformando suas searas em pastos e alambiques, já que estes produtos (gado de corte e cachaça) compensavam os custos elevados de transporte em detrimento do transporte de grãos e farinha. Outro ponto, reflexo do primeiro, diz respeito à condição de vida dos menos abastados que permaneceram na vila. Para o autor, “a migração intensa de boa parte da mão-de-obra indígena e a concentração do restante nas unidades [fazendas] maiores confinaram a vasta maioria dos colonos rurais a uma existência marginal e pauperizada” (MONTEIRO, 1994, p.225). 92 ANÔNIMO. Journal d’un Voyage sur lês costas d’Afrique... Cf. Romeiro (2005, p.209).

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achando-se não poucos mortos com uma espiga de milho na mão, sem terem outro

sustento”

Não bastando os problemas de abastecimento, o inicio da mineração conviveu

com conflitos sociais intensos, pois, fixados no sertão e distantes das áreas centrais

das colônias, os paulistas descobridores fizeram uso da prerrogativa de verdadeiros

proprietários das minas, com os reais direitos de exploração, bem como de todas as

demais atividades que a ela e dela demandavam para controlar os sertões auríferos

segundo seus interesses próprios, logo, tornando os sertões em territórios paulistas.

Todavia, a chegada de reinóis, de estrangeiros e de moradores das demais

capitanias do Brasil aos sertões auríferos ameaçou, de imediato, os interesses dos

paulistas, tanto que, em 1700, a câmara de São Paulo encaminhou ao Rei uma carta

“lembrando-o da mercê que garantia ‘a seus filhos’ (sic) a posse das minas em troca

apenas do quinto devido à Régia Fazenda” (HOLANDA, 2003, p.324). Apesar disso,

tanto as autoridades coloniais, quanto as metropolitanas não acataram as

solicitações paulistas e continuaram concedendo sesmarias, datas auríferas e

cargos políticos aos estrangeiros ou aos emboabas93.

Os paulistas descobridores souberam perfeitamente inserir e transformar o mito

de Sabarabuçu em territórios auríferos, ou seja, transformar uma “geografia

fantástica” em uma “geografia realística”. O sertão, enquanto categoria/conceito

impossível de ser localizado, delimitado e cartografado no terreno (MORAES, 2002-

2003), deixa de ter sentido nesse momento, pois o que antes era difuso, cabendo ao

aqui e acolá, ou aos dois lugares ao mesmo tempo, passa a ser pontual, localizável

no espaço rural e em suas representações cartográficas, como no Mapa da Maior

93 A origem do termo emboaba foi bem debatida pela historiografia brasileira: Hoje, parece ser consenso que o termo era utilizado pelos paulistas para designar todos aqueLes que estavam nas Minas Gerais, mas que não eram e faziam uso da primazia de defendida pelos paulistas (FURTADO, 2006; BORREGO, 2004; MELLO E SOUZA, 2004; HOLANDA, 2000 e 2003, PRADO Jr., 2000 e ABREU, 2000).

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Parte da Costa e Sertão do Brasil que informa: “aqui a muito ouro, mas ouve muita

peste94”. Todavia, esses lugares não são mais exclusividade dos e para paulistas.

Muitos daqueles que chamavam ou designavam os sertões de lugares bárbaros,

para lá se mudaram. Aqueles que conferiram aos paulistas o título de homens rudes

e primitivos, às mesmas condições se submeteram. Tudo valia a pena com a

possibilidade de rápido enriquecimento em minas tão abundantes e de fácil

extração.

De lugar indefinido ou fundos de território, o sertão passa a ser usado e, mais

do que isto, território disputado entre dois grupos: paulistas e emboabas. Diante de

tais fatos, a Coroa não podia mais fazer “vistas grossas” à tamanha desordem

instalada, até porque, ao contrário do que pensava o governador do Rio de Janeiro,

os problemas causados pelo rápido crescimento demográfico e pela disputa pelo

controle das terras auríferas passaram a representar muito mais uma ameaça do

que uma vantagem à Fazenda Real. Dentre as medidas tomadas para impedir o

fluxo migratório para as minas de ouro, a Coroa passou a controlar a migração de

portugueses para a América Portuguesa.

Outra medida similar foi implantada, em 1703, por D. Álvaro da Silveira e

Albuquerque, então governador do Rio de Janeiro, com o objetivo de impedir que

qualquer pessoa, de qualquer condição social, pudesse passar às Minas sem sua

licença por escrito, “sob pena de ser severamente castigada”.95 Por sua vez, em

Portugal, as Leis promulgadas em 26 de novembro de 1709 e 10 de fevereiro de

1711 tentavam impedir a todo custo a saída de seus “filhos”, exigindo passaportes,

licenças e ordens especiais para quem desejasse migrar para a América

Portuguesa. No entanto, conforme aponta Zemela (1951, p.42), “não houve medida 94 Mapa da Maior Parte da Costa e Sertão do Brasil. Extraído do Original do Pe. Coclio. ca..1699. AHEX. (nº23-24. 2798; CEH 1530). 95 ANRJ, Cód. 77, vol. 12, fls. 74-75. Carta de nove de agosto de 1703. Cf. Bicalho (2003, p.319).

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legal que pusesse um dique à ambição e à cobiça desenfreadas com a notícia dos

descobertos. As restritivas eram burladas, desobedecidas e ignoradas.”

A Coroa não conseguia, via normatização, impedir o enorme êxodo migratório

para as Minas Gerais, tanto que, em 1732, o Conselho Ultramarino reconhecia sua

inoperância:

A fama d’estas mesmas riquezas convida os vassalos do reino a se passarem para o Brasil a procura-las; e ainda que por uma lei se quiz dar providencia a esta deserção, por mil modos se vê frustrado o effeito d’ella, e passam para aquelle Estado muitas pessoas, assim do Reino como das ilhas, fazendo esta passagem, ou occultamente negociando este transito com os mandantes dos navios e seus officiais, assim nos de guerra, como nos mercantes, além das fraudes que se fazem à lei procurando passaportes com pretextos e carregações falsas: por este modo se despovoará o reino, e em poucos anos virá a ter o Brasil tantos vassalos brancos como tem o mesmo reino. (...)96

Segundo Godinho (1971), citado por Mello e Souza (2004, p.42), “durante os

sessenta primeiros anos do século XVIII, a corrida do ouro provocou na Metrópole a

saída de aproximadamente seiscentos mil indivíduos, em média anual de oito a dez

mil indivíduos”. Boxer (2000, p.72), contesta esses números, pois, considerando o

número de embarcações que os portugueses possuíam para o transporte de

pessoas, “é duvidoso que mais de cinco ou seis mil pessoas tenham emigrado no

decorrer de um ano. [...]”. Para Furtado (2006), os portugueses não eram de maioria

lisboeta, mas, preferencialmente, do Minho, Trás-os-Montes, Porto, Douro e das

Beiras.

Fosse como fosse a drenagem de pessoas que emigravam foi suficientemente alarmante para que a Coroa lançasse um decreto, em março de 1720, limitando drasticamente a emigração para o Brasil, que dali por diante só seria permitida com passaporte fornecido pelo governo. (BOXER, 2000, p.72).

Mas para onde se deslocavam essas pessoas, como viviam e onde e se

alojavam? Conforme já mencionamos anteriormente, desde as primeiras notícias de 96 Consulta ao Conselho Ultramarino em 1732 a SM., feita pelo Cons. Antonio Rodrigues da Costa. RIHGB., vol. VII, p.475. Cf. Zemella (1951, p.44).

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descobrimentos, espacialmente, a característica mais marcante da mineração foi a

aglutinação de pessoas em pequenos núcleos urbanos. No entanto, não podemos

afirmar que logo nos primeiros anos os sertões mineiros tenham se transformado

numa enorme e articulada região urbanizada, com vilas e cidades estruturadas.97

A configuração dos primeiros núcleos mineiros acompanhou “pari passu a

própria evolução das técnicas de mineração” (SANTOS, 2001, p.66). As minas de

ouro, segundo Zemella (1951), podiam ser de três naturezas: os depósitos

aluvionais, as faisqueiras e as rochas matrizes. Inicialmente, o processo de extração

nas minas aluvionais não exigia grandes conhecimentos e ferramentas

especializadas, pois com uma simples batéia98 era possível remexer os fundos dos

rios e separar o ouro do cascalho e da areia. Não é de outra forma que os homens

poderosos de São Paulo, contando apenas com seus muitos escravos, bateavam e

extraíam grandes quantidades do metal precioso dos fundos dos rios.

O trabalho escravo nas minas era árduo e extremamente insalubre, pois os

cativos eram obrigados a trabalhar muitas horas com parte do corpo submerso nas

águas geladas dos ribeirões auríferos. Segundo Simonsen (1967), a vida útil de um

negro nas Minas não passava de sete anos. Em 1744, os “Officiais da Vila de

Ribeyrão do Carmo”, ao justificarem sua posição contrária à forma de arrecadação

do Quinto Real pela capitação, ou seja, pelo imposto que recaía sobre cada escravo,

revela-nos um pouco sobre as condições de trabalho e as debilidades físicas que

resultavam dessas técnicas de minerar impostas aos escravos.

97 Na verdade, as atuais configurações arquitetônicas e urbanísticas das cidades históricas mineiras são heranças de um outro período da mineração, mais especificamente pós 1724, quando a antiga Vila Rica foi escolhida para abrigar o Governo Geral da recém criada capitania de Minas Gerais (BAETA, 2004). 98 “Gamela de madeira que se usa na lavagem das areias auríferas ou dos cascalhos diamantíferos.” In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua Portuguesa. 3 ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

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107

he certo que nelles imprime o curso dos annos aprovieta idade menos apta para aqueles laboriozos serviços e de ordinario em dez annos de minerar, ou em montes, ou em rios se atrazão tanto em forças os escravos, que fica inultil o serviço por falta daqueles, e pelas copeas de enfermedades contrahidas no mesmo exercicio, que por extenço ponderão os naturaes que observarão os damnos do ar reprezado das cavernas subterraneas, que escallados os montes, e transferidos os rios penetrão os mineiros em demanda preciozo metal.99

A aglomeração de mineiros se dava nas proximidades das catas, nas margens

dos rios, até mesmo por questão de vigilância, pois assim era mais fácil controlar o

trabalho dos escravos e os possíveis desvios do ouro que podiam fazer. Tais

núcleos configuravam-se muito mais como um ajuntamento de gente do que como

um núcleo urbano propriamente dito. Devido à facilidade e a intensidade de

extração, as minas aluvionais se esgotavam rapidamente, obrigando os mineiros a

migrarem constantemente para outras minas que iam sendo descobertas. Essa

dinâmica contribuiu para caracterizar o primeiro período da mineração como aquele

de franca “itinerância” (MORAES, F.B. de, 2002).

ILUSTRAÇÃO 6: (Detalhe) S. Caetano nas Geraes, e Mato Dentro. (1732). Diogo Soares (atribuído). AHU (n. 250/1156). Fotografia: Laura Castro Caldas e Paula Cintra, Projeto Resgate. Fonte: COSTA, A.G. (org.) Cartografia da conquista do território das Minas, Belo Horizonte: Editora UFMG; Lisboa: Kapa Editorial, 2004, p.229

99 Impostos na capitania Mineira. Clamores e Supplicas das Câmaras em nome do povo. RAPM, ano II, fasc. 2, abril a junho de 1897, pp. 289-290.

“A lavra podia situar-se junto ao núcleo urbano onde era aberta uma grande cata com um “rosário” para esgotar a água da cata. O rosário, movido por uma roda d’água, era uma das poucas máquinas usadas na mineração do século XVIII.” Na ilustração é possível identificar o alinhamento das ocupações junto aos riachos auríferos, característica muito peculiar ao início da mineração.

Page 108: TRAMAS QUE BRILHAM

108

Esses núcleos ou arraiais eram formados por instalações muito rústicas e de

caráter provisório, onde, na maioria das vezes se acomodavam os escravos e seus

senhores. Poucos são os relatos e as heranças materiais desse período, dadas as

características perecíveis das construções. O relato de Costa Matoso sobre o arraial

de Ribeirão do Carmo é ilustrativo a respeito das condições de alojamento e moradia

dos primeiros mineradores:

correndo muito os mineiros, assim paulistas como reinóis, ao mesmo passo que a opulência do descobrimento ia enriquecendo // as primeiras notícias. Não se ocupavam na eleição dos aposentos nem na melhoria dos sítios porque, como o seu desígnio só era a extração do ouro onde se descobria, ali fabricavam os seus ranchos ou choças de beira no chão, feitos de palha de palmito, onde ele e os negros se recolhiam para, com mais facilidade se permutarem para diferentes paragens, segundo os descobertos que apareciam em melhor conta 100

Muitos dos núcleos que surgiam no sertão aurífero prosperaram

posteriormente com o descobrimento de minas de encosta, como são os casos dos

núcleos de Ribeirão do Carmo e da Vila Rica. Entretanto,

muitos outros permaneceram em razão da produtividade das lavras nas paragens onde se localizaram, de características de seus sítios, de sua posição geográfica, etc. Uma razão e outra que tenham favorecido a fixação desses povoados lhes permitiram, com o tempo, assumir novas funções na organização político-administrativa e, particularmente, na contextura de base urbana que organizou na região a partir dos setecentos. (COSTA, 2004, p.118)

O rápido esgotamento das minas faisqueiras e aluvionais obrigava os

mineiros a buscarem novos veios auríferos. As técnicas que eram empreendidas no

processo de extração também foram tornando-se cada vez mais sofisticadas e, em

pouco tempo, agregou-se à garimpagem de bateia “a construção de canoas,

mundéus101, emprego de máquinas hidráulicas como o ‘rozário’, escavamento de

100 Informações das antiguidades da Cidade de Mariana. Caetano da Costa Matoso, Mariana, 1750. Códice Costa Matoso, (1999, p.251). 101 Mundéu era um “grande tanque de paredes de pedras, lajeado, onde se depositavam as areias auríferas arrastadas pelas águas.” MORAIS Silva, Antônio. Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa. II vol. Lisboa, Editorial Confluência, 1961.

Page 109: TRAMAS QUE BRILHAM

109

galerias e poços, desvio do leito dos rios e desmontes das encostas por processos

hidráulicos” (ZEMELLA, 1951, p.34-35).102 O período em que essas técnicas mais

sofisticadas foram empregadas não corresponde mais à fase inicial da mineração,

mas sim ao seu período áureo com grande produção aurífera. Obviamente que a

“arraia-miúda” fora excluída dessa nova etapa técnica, tendo que se contentar com

as faisqueiras que produziam cada vez menos, ou ainda, com os rejeitos dos

processos mais sofisticados. Para Deffontaines (2004), esses empreendimentos

técnicos de mineração, de características mais estáveis e duradouras, foram

importantes para fixar a população, bem como para a gestação de novas

aglomerações.

102 A descrição das técnicas de mineração não foi esquecida no longo e detalhado relato de um anônimo, escrito em 1750 para compor o Códice Costa Matoso. Assim, diz o relato: “Até que pelos de 1707, pouco mais ou pouco menos, inventou o artifício dos mineiros lavrar e desmontar as terras com água superior aos tabuleiros altos, aprendido do natural efeito que fazem as águas no tempo das invernadas das chuvas, e cavando as terras descobriam cascalhos nos lugares mais baixos e neles, ouro, à reflexão que fizeram nessa obra natural das águas, de lugares // superiores conduzindo-as por olivel [minas horizontais, paralelas ao horizonte] a outros para, artificiosamente, ajudados de alavancas e instrumentos de cavadeiras de ferro, ajudar as águas a desfazerem a terra para ser conduzida por ela até dar nos rios de maior potencia [...]. Logo se comunicou grandemente a todas as partes o invento, de que foram usando todos, conduzindo custosas águas, desfazendo penhascos, cortando montes, fazendo passagens de jiraus altíssimos de madeira de lei para passar bicas e outros por alcatruzes [manilha ou conduto de água, geralmente feito de pedra], ou bicas fechadas, descendo e subindo com elas até pô-las nos lugares que descem ouro [...]. Notícias dos primeiros descobridores das primeiras minas de ouro pertencentes a estas Minas Gerais, pessoas mais assinalada nesses empregos e dos mais memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios. Códice Costa Matoso (1999, pp.191-92).

Page 110: TRAMAS QUE BRILHAM

110

ILUSTRAÇÃO 7: Modo como se estrai o ouro no Rio das Velhas e nas mais partes que à rios. ca. 1780. São Paulo, IEB/USP (Coleção Almeida Prado, cód. 23 - F. 18) - Fotografia: José Rosael. FONTE: COSTA, A.G. (org.) Cartografia da conquista do território das Minas. Belo Horizonte: Editora UFMG; Lisboa: Kapa Editorial, 2004, p.104.

Mas a relação entre núcleos urbanos e mineração não se restringiu

estritamente às catas de ouro e seu desenvolvimento técnico. Borrego (2004), ao

questionar como o solo colonial mineiro pôde ser apropriado para a ocupação

urbana no início da mineração - quando a base normativa (Regimento das Minas)

trata exclusivamente de datas auríferas – concluiu que:

antes da imposição do aparelho político-administrativo em Vila Rica, é a constituição de múltiplos espaços marcados, simultaneamente, pela [i] existência de datas auríferas, regulamentadas pelo Regimento de 1702, já que os mineiros erguiam seus barracos junto às catas; [ii] chãos de terra ao redor e doados pelas capelas, por meio de seu patrimônio religioso, erigidas em devoção a um santo; [iii] além das sesmarias, doadas pelo governador-geral, por meio de seus loco-tenente, o capitão general da capitania. (BORREGO, 2004, p.71)

Ribeiro (1995, p.153) sintetiza o período da mineração de metais e pedras

preciosas da seguinte forma: “Tudo isso fez Minas Gerais o nó que atou o Brasil e

fez dele uma coisa só” (grifo nosso). Ao confrontarmos a afirmação do autor acima

“Uma grande roda d’água aciona um rosário para tirar água da cata no nível do rio. Os escravos apanham os cascalhos auríferos na cata para ser lavado na canoa, vista no fundo à esquerda”

Page 111: TRAMAS QUE BRILHAM

111

com as características sócio-espaciais produzidas pela mineração apresentadas até

aqui, podemos afirmar que a rapidez da divulgação dos primeiros descobrimentos,

bem como a rapidez com que novas minas iam sendo descobertas, levou para o

interior, também na mesma velocidade, algumas centenas de milhares de pessoas

das mais diversas origens e seguimentos sociais. Todavia, a simples presença

desse contingente populacional, a sagacidade com que enfiavam suas batéias nos

barrancos e fundos dos córregos e os conflitos produzidos na definição do controle

das terras auríferas, não foram capazes de transformar efetivamente aqueles fundos

territoriais em territórios efetivamente usados.

Se aceitarmos a afirmação de Prado Jr. (2000, p.47), de que os primeiros

núcleos mineradores apresentavam-se desarticulados, sem uma contigüidade

espacial, ou como prefere Bernardes (1966, s/p.), “do ponto de vista geográfico a

característica mais marcante da mineração foi a extrema insularidade das áreas

ocupadas” tenderemos a aceitar que, nas duas primeiras décadas de mineração, as

vilas mineiras caracterizavam-se como Vorländer dos dois principais núcleos da

Colônia: Salvador e do Rio de Janeiro. Tal insularidade não pode ser entendida

exclusivamente em sua objetividade espacial, ou seja, de pontos ou “ilhas de

ocupação” isoladas dos principais centros coloniais, mas também como uma

metáfora para a sensação de ausência dos poderes fiscal e normativo, uma vez que

os descaminhos e os conflitos sociais eram muito constantes.

Diante dessa sensação, a Coroa passou diretamente a intermediar o conflito

entre os emboabas e os paulistas, não no sentido de favorecer a um ou ao outro

isoladamente, mas no intuito de se apossar das forças políticas, econômicas e

simbólicas do grupo que lhe pudesse servir de sustentação para “fincar seu cetro de

poder” naquelas paragens. O sertão deixava, assim, de ser lugar de passagem e de

Page 112: TRAMAS QUE BRILHAM

112

reconhecimento para se tornar um território delimitado por forças e interesses, logo,

disputado. Para Romeiro (2005), se a Coroa havia antes pactuado com os paulistas,

nas duas últimas décadas do XVII e nos primeiros anos do XVII, com a deflagração

da Guerra dos Emboabas, o Conselho Ultramarino mudou de orientação e voltou-se

para os interesses dos portugueses, que eram considerados mais civilizados e mais

acostumados ao jugo político do monarca.

mais que apaziguar o conflito entre paulistas e emboabas, a chegada de Antônio de Albuquerque [governador de São Paulo e Minas Gerais] assinala a disposição da Coroa em apostar na mineração, confiscando a região dos paulistas e instalando ai a estrutura político-administrativa necessária para a arrecadação do quinto e a subordinação política das populações. (ROMEIRO, 2005, p.212)

Configurar-se enquanto uma “Vorland” era muito arriscado para uma região que

se apresentava para metrópole portuguesa como o “último suspiro” no quadro

geopolítico europeu. Distante e fragmentada espacial e politicamente, as minas

precisavam ser incorporadas com mais rapidez aos centros coloniais ou, ainda, era

preciso eliminar definitivamente a sensação de que estavam “tão distante, como se

estivessem fora do império.” (RUSSELL-WOOD, 1998, p.219).

Enfim, podemos dizer, então, que nas primeiras décadas de exploração, o

metal dourado pouco havia contribuído para a superação da representação

simbólica do sertão enquanto espaço da barbárie e da ausência de civilização e,

sobretudo, do poder régio.

Nesse sentido, questionamos:

- Quais foram, então, os condicionantes sócio-espaciais que impediam tal

superação?

- O que fazia das minas e do interior ainda um sertão?

Page 113: TRAMAS QUE BRILHAM

113

- Por que não podemos empregar a metáfora de Ribeiro (1995) - atar tudo a um

só nó - para as duas ou três primeiras décadas de mineração?

Para que a Coroa pudesse exercer maior poder e controle e,

conseqüentemente, recriar os “sentidos” do sertão, fazia-se necessário,

primeiramente, anular o poder dos paulistas e transferi-lo aos seus representantes

ou “homens coloniais” sediados nos núcleos centrais – no caso, Rio de Janeiro e

Salvador – para, por intermédio desses, fazer chegar o Poder Real às minas num

fluxo constante e sem os hiatos que a insularidade impunha. A ausência de

contigüidade sugerida por Caio Prado Jr. e Russell-Wood, não era somente física,

imposta pelas Serras do Mar e Mantiqueira, mas, sobretudo, por um sistema de

comunicação que impedia a chegada do poder régio, do controle fiscal, ou melhor,

da Fazenda Real.

Faltava a essa região uma comunicação direta com os portos e com os

núcleos centrais, que eram os locais por excelência da morada da civilidade, do

poder normativo, do controle régio na América Portuguesa.

Se a forma de governar a Colônia se dava pelas relações de clientelismo

(ANDRADE, 2002), através das quais o Rei concedia aos seus súditos (apenas aos

homens bons) segurança e mercês: datas auríferas, sesmarias, títulos honoríficos,

direitos de exclusividades, entre outras, em troca de fidelidade a seus serviços e à

Fazenda Real, as minas localizadas no sertão e ligadas ao litoral por picadas

indígenas, apresentavam-se como um obstáculo simbólico ao propósito Real.

Para que a Metrópole pudesse estender seu poder às minas, era preciso,

em primeiro lugar, fazê-lo chegar às minas e ai residia boa parte dos problemas, pois

estando localizada entre São Paulo e Salvador no sentido norte-sul e distante a

algumas centenas de léguas do Rio de Janeiro no sentido leste-oeste, nada havia

Page 114: TRAMAS QUE BRILHAM

114

entre esses pontos que pudesse garantir uma circulação também fundamentada nas

relações de clientelismo. As trilhas indígenas utilizadas pelos aventureiros e

descobridores de minas não podiam comunicar esses dois mundos tão distintos, já

que, até então, elas não passavam de rotas de reconhecimento e de trânsito no

sertão adentro. Fazia-se necessário dotar essas trilhas ou novos caminhos dos

elementos e símbolos régios e transferi-los aos “homens bons”, pois a enorme

quantidade de ouro retirada dos fundos dos rios e, posteriormente, também de

diamantes, demandava uma complexa rede de controle que se iniciava nas minas e

se estendia pelos caminhos até atingir os portos de escoamento para a Metrópole.

Dito de outra forma, era necessário criar uma contigüidade territorial entre as minas

auríferas e seus portos de escoamento por meio de um sistema de caminhos.

Os Caminhos Reais do Ouro são, sobretudo nessa porção do território, os

Caminhos dos Reais Direitos, ou melhor, da Fazenda Real, ou ainda, os braços e as

pernas do Erário Real que se instalavam no território. Para fazer valer seus

objetivos, a Coroa precisava, antes, fazer-se também presente nesses caminhos,

mas, impossibilitada de trocar favores com os índios ou com os “impuros de

sangue,”103 inicialmente distribuiu mercês ao longo desses caminhos – entenda-se

sesmarias - aos descobridores das minas, aos desbravadores de caminhos, aos

grandes comerciantes e funcionários régios. Em pouco tempo, o que antes era

sertão, tornou-se extensão da cidade e da civilização. Tais caminhos podiam não ter

a densidade dos elementos que dignificavam as vilas e cidades, mas já estavam

lavrados em livros e atas de doações de sesmarias, ou seja, sob o olhar e a tutela do

103 Os “homens de sangue impuro” eram os cristão novos migrados ou degredados para o Brasil.

Page 115: TRAMAS QUE BRILHAM

115

Rei, por onde seu “cetro” poderia circular e onde e se materializariam as relações

clientelistas104”.

A instalação dos Caminhos Reais do Ouro enquanto um “projeto

metropolitano” é, nesse sentido, a situação geográfica que tomaremos de

empréstimo para analisarmos o “presente de então” sediado no final do século XVII

e início do XVIII. Buscaremos, enfim, por meio dos Caminhos Reais do Ouro,

descortinar não só os interesses metropolitanos e das novas potências européias,

mas, sobretudo, as especificidades na formação sócio-espacial instalada com a

mineração, marcadas pela alteridade política, econômica e social como uma

resposta aos conflitos políticos entre todos os atores sociais envolvidos nesse

processo: a Corte, os mineiros, os comerciantes, os sesmeiros, funcionários régios,

trabalhadores livres, os escravos, dentre outros.

104 Ana Miranda, em seu romance “O Retrato do Rei” consegue - magistralmente – captar o sentimento de ausência do poder real nas minas dos Goytacazes, no início do século XVIII e, conseqüentemente os conflitos entre os emboabas e paulistas que buscavam ocupar e instalar nos sertões auríferos seus próprios interesses. Tais conflitos colocavam em risco e repercutiam diretamente na arrecadação do quinto real. Além da ausência de um poder normativo, a distância e a dificuldade de comunicação entre os sertões e seus representantes máximos sediados em Salvador e Rio de Janeiro precisavam ser eliminadas, já que não havia uma rota capaz de dar a contigüidade entre esses dois mundos. A solução encontrada pela Corte Portuguesa foi mandar um retrato – o Retrato do Rei – para que o Poder Régio estivesse presente. Se o retrato era a materialização simbólica do poder, aquele que o conduzisse para as minas e seu guardião passaria a ter grandes poderes na sociedade mineradora, uma vez que seria o porta-voz direto do Rei. Logo, os dois grupos que disputavam o poder na região aurífera, também disputarão e travarão conflitos para a posse do retrato que rumava, em segredo, pelo Caminho Velho do Rio de Janeiro às Minas, sob a guarda de Mariana, prima do governador do Rio de Janeiro. Será uma longa viagem, repleta de surpresas e descobertas por esses sertões. MIRANDA. Ana. O Retrato do Rei. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

Page 116: TRAMAS QUE BRILHAM

116

PARTE II

AS TRAMAS QUE BRILHAM

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117

CAPÍTUL0 4

OS CAMINHOS REAIS DO OURO

Atualmente, em todo o Brasil, muito se tem

falado na mídia sobre os Caminhos Reais do Ouro

ou, ainda, sobre os caminhos tropeiros. Numa

simples consulta à Internet utilizando as palavras-

chave “Caminhos Reais”, “Caminhos do Ouro,”

“tropeiros” e/ou “tropeirismo” muitos sítios eletrônicos

de prefeituras municipais são encontrados. Se

acessarmos esses sítios veremos que tais palavras

são utilizadas por fazer parte da história desses

municípios, muitos dos quais formados a partir de

pousos tropeiros localizados ao longo dos caminhos

antigos, dentre eles o Caminho do Ouro.

Além da importância histórica, a temática

também vem ganhando atenção Da mídia105 devido a

muitos projetos de desenvolvimento turístico que

estão explorando a especificidade histórico-cultural

ILUSTRAÇÃO 8: Mapa do eixo turístico Estrada Real - Instituto Estrada Real Fonte: <www.estradareal.org.br> Estrada Real:

Grande projeto de

desenvolvimento turístico ao

longo dos Caminhos do Ouro e

Diamante. Há várias trilhas a

serem exploradas nesse eixo

turístico explorando recursos

paisagísticos e histórico-

culturais.

produzida pela circulação nos caminhos e trilhas dos séculos XVIII e XIX, tais como

a culinária, música, arquitetura, festividades religiosas, entre outras. Além desses

105 Em fevereiro de 2004, em virtude da escola de samba Estação Primeira de Mangueira ter levado para a passarela do samba Marquês de Sapucaí o enredo “Mangueira redescobre a Estrada Real e deste eldorado faz seu carnaval”, de autoria de Cadu, Gabriel, Almyr e Guilherme, algumas revistas, encartes ou materiais publicitários trouxeram como tema central o turismo na região cortada pelos Caminhos do Ouro, mais especificamente o Caminho de Bernardo Proença: Revista Encontro, fev. 2004. “Estrada Real – Especial – Deu Samba: saiba porque o Programa Estrada Real se firma como um dos mais importantes roteiros turísticos do Brasil sendo, inclusive, tema de Carnaval da Mangueira”; Caderno Boa Viagem, Jornal O Globo, quinta feira, 19 de fevereiro de 2004. “Caminho do Ouro: Estrada Real ganha novos roteiros em Minas Gerais e no Rio.”

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118

aspectos, valorizam também os recursos paisagísticos encontrados ao longo dos

caminhos. Como exemplo, temos em desenvolvimento dois grandes programas de

desenvolvimento turístico, a saber: i) “Instituto Estrada Real para o Desenvolvimento

do Turismo nos Caminhos do Ouro - Minas Gerais - Rio de Janeiro”106, com

colaboração direta do Governo Federal (Ministério do Turismo), do Estado de Minas

Gerais, do Sistema FIEMG (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) e

da SEBRAE – Minas Gerais; ii) Projeto Inventário de Bens Culturais e Imóveis.

Desenvolvimento Territorial dos Caminhos Singulares do Estado do Rio de Janeiro:

ouro, café, açúcar e sal, elaborado pelo Instituto Estadual de Patrimônio Cultural

(INEPAC) e pela Fundação SEBRAE – Rio de Janeiro, com apoio do Governo do

Estado do Rio de Janeiro.107

Nas universidades, a temática também tem sido estudada

predominantemente a partir do enfoque turístico, conforme pode ser constatado a

partir dos trabalhos publicados em eventos científicos e periódicos.108 Na Geografia

brasileira poucos trabalhos foram dedicados à essa temática109.

106 <www.estradareal.org.br > Acessado em 27 de junho de 2005. 107 INEPAC: < http://www.inepac.rj.gov.br> acessado em 25 de setembro de 2006. 108 ALMEIDA, Simone Ap. Pinheiro de. Legado cultural da economia tropeira paranaense na formação da memória coletiva: seus desdobramentos e aproveitamentos para o turismo. In: Encontro Nacional de Turismo em Base Local, X., 2007, João Pessoa. Anais eletrônicos. Tomo II. João Pessoa, 2007.; ALVES, Fernanda Virgínia de Souza. A música como experiência e diferencial mercadológico no turismo: um estudo de caso sobre o trecho Serro a São Gonçalo do Rio Preto – Estrada Real – MG. In: Encontro Nacional de Turismo em Base Local, X., 2007, João Pessoa. Anais eletrônicos. Tomo II. João Pessoa, 2007.; ARAÚJO, Ricardo Alexandre Santos. O Caminho Novo da Estrada Real: os caminhos, as paisagens e as manifestações culturais das Minas Gerais. In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação em Geografia. V., 2003, Anais eletrônicos. Florianópolis, 2003.; DAROS, Marilia. O turismo cultural do tropeirismo. In: SANTOS, Lucila Maria Sgarbi; BARROSO, Vera Lúcia Maciel. Bom Jesus na rota do tropeirismo no Cone Sul. Bom Jesus-RS: Edições Est, 2004.; MARTONI, Rodrigo Meira. Caminhos das Tropas no Paraná: rota de desenvolvimento econômico e interligação cultural. In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação em Geografia. V., 2003, Anais eletrônicos. Florianópolis, 2003.; MARTONI, Rodrigo Meira. In: SANTOS, Lucila Maria Sgarbi; BARROSO, Vera Lúcia Maciel. Bom Jesus na rota do tropeirismo no Cone Sul. Bom Jesus-RS: Edições Est, 2004.; OLIVEIRA, Aline Calixto de. O uso do SIG como instrumento de planejamento do turismo: uma análise da cidade de Catas Alta da Noruega – MG. In: Congresso Brasileiro de Geógrafos. X, 2004, Anais eletrônicos. Goiânia: Associação dos Brasileiros, 2004.; OLIVEIRA, Celso Ramos de Comunidade, Iniciativa privada e governo municipal: uma aliança pela cultura de Silveiras – SP. In: Encontro Nacional de Turismo em Base Local, X., 2007, João Pessoa. Anais eletrônicos. Tomo II. João Pessoa, 2007.; RESENDE, Julio; PESSOA,

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119

As leituras ou as interpretações que se fazem dos antigos caminhos

apresentam alguns equívocos em virtude da própria objetividade com que o assunto

foi tomado. Entendê-los significa, em primeiro lugar, contextualizá-los em lógicas

próprias e específicas que se deram no tempo e no espaço. Não é porque quase

todos os caminhos eram picadas abertas no meio da mata e de chão batido (raros

eram os trechos calçados), por onde circulavam tropas de burros e mulas guiadas

por tropeiros, comerciantes e viajantes em geral, que eles apresentavam as

mesmas lógicas.

Os antigos caminhos terrestres podem ser datados em três períodos

históricos bem distintos: 1) caminhos de escoamento e reconhecimento do território;

2) caminhos do ouro e; 3) caminhos do café e abastecimento interno. Cada um

desses períodos pode ser subdividido em sub-períodos menores porque foram se

formando a partir da sobreposição no tempo e no espaço de diferentes interesses

políticos, sociais e econômicos articulados em rede, envolvendo, também, diferentes

vias e meios circulação: terrestre, fluvial e marítima. Em cada período histórico e/ou

sub-período, também temos os eixos principais de circulação no território (eixos

primários, os eixos secundários, os terciários e, assim sucessivamente, formando

uma rede de caminhos, que também se alternavam em escala e grau de importância

Fabio. Planejamento do cicloturismo: uma análise das ações do Programa Estrada Real. In: Encontro Nacional de Turismo em Base Local, X., 2007, João Pessoa. Anais eletrônicos. Tomo II. João Pessoa, 2007.; SOLERA, Carlos Roberto. Projeto Turístico Rota dos Tropeiros. In: SANTOS, Lucila Maria Sgarbi; BARROSO, Vera Lúcia Maciel. Bom Jesus na rota do tropeirismo no Cone Sul. Bom Jesus-RS: Edições Est, 2004.;SOLERA, Roberto Carlos. Pólo turístico rural de São Luiz do Purunã – Balsa Nova/PR. In: SANTOS, Lucila Maria Sgarbi; BARROSO, Vera Lúcia Maciel. Bom Jesus na rota do tropeirismo no Cone Sul. Bom Jesus-RS: Edições Est, 2004. 109 Encontramos poucos trabalhos publicados por geógrafos sobre a temática tropeira e caminhos reais do ouro: DEFFONTAINES, Pierre. As feiras de burro de Sorocaba. São Paulo. Geografia. v.3. s/d; SCHIMIDT, Carlos Borges. Tropas e Tropeiros. Boletim Paulista de Geografia. São Paulo. n.32 (junho), 1959. BERNARDES, Lysia Maria Cavalcanti. As grandes vias de comunicação do setor ocidental da baixada da Guanabara, nos primeiros séculos da colonização. Boletim Carioca de Geografia. Rio de Janeiro. ano XIV, n. 3 e 4, AGB-Seção Regional do Rio de Janeiro, 1961. Mais recentemente: STRAFORINI, Rafael. Tropas e tropeiros em Sorocaba: a importância dos muares na produção de um lugar. Geografia. Rio Claro. Vol. 23, n.2, agos., 1998. STRAFORINI, Rafael. No Caminho das Tropas. Sorocaba: TCM, 2001. Alguns dos trabalhos indicados na nota anterior também são de geógrafos contemporâneos.

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120

ao longo do tempo. Analisado em rede, ou isoladamente, cada eixo também

apresentava um conteúdo político, econômico e técnico próprio, ou seja, o estudo da

circulação no período colonial da história brasileira não é uma tarefa tão fácil ou

generalizante, como muitos podem pensar.

Como exemplo dessa enorme diferença, temos o Caminho Real do Viamão1,

resultado dos esforços de Francisco de Souza Faria, na década de 1720 e de

Cristóvão Pereira de Abreu na década de 1730. Ambos visavam unir por terra a já

tradicional rota comercial marítima entre os campos naturais sulinos e da bacia do

Prata às “capitanias do sul” (São Paulo e Rio de Janeiro), agora intensificada pela

demanda de abastecimento de gado de corte, couro e, sobretudo, gado muar

(burros e mulas) para o transporte de cargas entre o interior aurífero e os portos

litorâneos. O Caminho Real do Viamão, analisado isoladamente, pode ser

considerado um eixo primário de circulação. No entanto, na escala da América

Portuguesa, insere-se como um eixo secundário, uma vez que o principal eixo de

circulação era o da mineração, estando os demais, inclusive o do Viamão, ligados a

esse. É por isso que a mineração “ata tudo a um só nó”, ou seja, de alguma forma,

as atividades econômicas localizadas fora da área core de mineração estão unidas a

ela, formando uma rede produtiva e de circulação. Nesse sentido, o Caminho Real

do Viamão, ao mesmo tempo que fazia parte de uma rede produtiva e de circulação

maior, também apresentava uma divisão social e territorial do trabalho

(STRAFORINI, 2001) bastante diferenciada do Caminhos Reais do Ouro, imprimindo

socioespacialidades também diferenciadas, marcadas pelos espaços da criação, da

pastagem e da comercialização dos gados: bovino, eqüino e muar.

Diante do nosso objeto e problemática de estudo, nos objetivaremos em

estudar o segundo período histórico da circulação, cujo evento histórico-geográfico

Page 121: TRAMAS QUE BRILHAM

121

predominante foi a mineração aurífera, ou seja, a primeira metade do século XVIII,

com ênfase no interior da Colônia.110

No entanto, o período da mineração inicia-se na última década do Seiscentos

e se estende por todo o Setecentos, podendo também ser dividido em subperíodos

menores, marcados por especificidades também próprias. À luz da circulação,

subdividimos, então, o período da mineração em três subperíodos:

- Primeiro período da circulação: ocupação territorial; - Segundo período da circulação: normatização territorial; - Terceiro período da circulação: consolidação da interiorização da metrópole. Uma análise geoespacial do período histórico em questão demanda uma

profunda compreensão das forças políticas, econômicas e sociais que produziram

sócio-espacialidades específicas para cada um dos sub-períodos elencados,

contribuindo, em seu conjunto, para uma nova configuração territorial brasileira,

marcada pela sua interiorização.

110 A exemplo das especificidades desses territórios, inúmeros trabalhos procuraram entender suas lógicas sociais, econômicas e políticas separadamente, não enquanto unidades isoladas, mas dentro da conjuntura colonial estabelecida. Almeida (1951), Straforini (2001), Badini (2003), Petrone (1973) estudaram a importância da feira de muares para a formação sócio-espacial sorocabana nos séculos XVIII e XIX

Page 122: TRAMAS QUE BRILHAM

122

4.1 - Primeiro período da circulação: ocupação territorial

4.1.1 - O Caminho Geral do Sertão

Conforme já trabalhamos anteriormente, nos dois primeiros séculos de

ocupação, a ausência de uma rede de caminhos e rotas de circulação no interior

“não era apresentada ante o colonizador, como um problema realmente grave”

(QUEIROZ, 2000, p.116). Tal fato não significava que os portugueses apenas

“arranhavam” as costas da Serra do Mar ou pouco se aventuravam para o interior.

Holanda (1975, 1986 e 2003), Abreu (1963), Leite (1963), Barreiros (1979), Martins

Filho (1965), entre tantos outros historiadores, apresentam rica e extensa lista de

incursões a partir da primeira metade do século XVI, que transpuseram a Serra do

Mar, rumando interior adentro, com objetivos díspares: reconhecimento, preamento

de índios e busca da lendária serra e lagoa douradas localizadas no interior/sertões

(ver MAPA 2, p. 83).

Em todas elas, o “homem colonial” não deixou de fazer uso das inúmeras

trilhas indígenas que cortavam praticamente todo o território lusoamericano. No

entanto, como bem salientou Prado Jr. (2000, p.247), esses caminhos foram apenas

percorridos ou ainda, não passavam de “sistemas autônomos de circulação”, não

criando as condições necessárias para a fixação, ocupação e interiorização colonial,

configurando o interior ou os sertões como um espaço de trânsito e também de

exploração em trânsito (MORAES, 2002), a exemplo das expedições de preamento

indígena.111

111Na primeira metade dos séculos XVII, as entradas paulistas em busca dos sertões auríferos deixaram de ocorrer. Para Ellis Jr. (1938, pp 109-110) a razão para tal, estava nas inúmeras invasões que o Brasil era alvo por nações inimigas e piratas, culminando no mandado do Capitão-mor Álvaro Luiz do Valle, de 1624, que proibia “sahir gente para o sertão obrigando a gente de armas a se

Page 123: TRAMAS QUE BRILHAM

123

Os paulistas, uma vez fixados no interior da Colônia e separados do litoral pela

escarpa da serra do Mar, não tinham outra alternativa senão forjarem suas rotas de

comunicação com o litoral e com qualquer outro lugar que lhes garantisse

sobrevivência naquele mundo hostil. Para Holanda (1975), essa condição

“interiorana” criou nos paulistas uma “vocação para o caminho” ou, ainda, “para o

movimento”. Tal vocação se fez a partir da apropriação do conhecimento indígena

de como sobreviver em longos trajetos em meio à mata fechada, à serrania, ao clima

quente e úmido, bem como das técnicas de navegação fluvial.112 Já Venâncio (1999,

p.182) analisa os caminhos a partir do conceito de longa duração que, segundo sua

perspectiva, “deve ser entendido enquanto continuidades datadas por resistências

às mudanças”. Nesse sentido, afirma: “a história dos caminhos mineiros deve ser

considerada como a de usurpação de estruturas viárias pré-coloniais por parte de

povoadores de origem européia”.

Para Holanda (2003), além desse amalgamento cultural do homem branco e

do índio, há também que se levar em consideração os aspectos naturais do planalto,

que tiveram influência direta nas rotas bandeirantes, tanto no preamento indígena,

quanto no descobrimento e exploração aurífera. Assim, a:

zona de convergência das linhas do relevo e do sistema hidrográfico da região, fez de São Paulo de Piratininga um centro de entrocamento de passagens naturais [...]. [Cinco] grandes passagens partem de São Paulo, seguindo as linhas do relevo que condicionaram as diretrizes da expansão: i) A passagem rumo nordeste, pelo Vale do Paraíba, rota das expedições para Minas Gerais, para o rio São Francisco, para o Norte e Nordeste do Brasil; ii) A passagem para o norte, por Campinas e Mogimirim em direção à Minas Gerais e Goiás; iii) A passagem em direção ao sul e sudeste via Sorocaba e Itapetininga, visando às regiões meridionais;

aprestar para a defesa da capitania”. Nessas condições, os paulistas recuaram um pouco a busca pelo ouro, mas continuaram a rumar seus tradicionais caminhos de preamento de indígenas e a contribuírem nas disputas territoriais no extremo meridional da América Portuguesa. 112 Holanda (2003, p. 344) nos diz que os bandeirantes se apropriaram plenamente das técnicas de navegação usada pelos índios brasileiros, da escolha da madeira e da árvore, do fabrico das canoas e do próprio sistema de navegação. Para o autor, na circulação fluvial no período das monções foi praticamente nula a influência eurpoéia.

Page 124: TRAMAS QUE BRILHAM

124

iv) O caminho fluvial do “Tietê”, em direção oeste, rumo às minas de Cuiabá; v) O caminho do mar, rumo ao litoral, eixo do sistema São Paulo – Santos. (HOLANDA, 2003, p.302)

Foram por esses caminhos que ocorreram as entradas, descobrimentos e,

fundamentalmente, a introdução de levas de homens de todas as condições e

origens nas minas de ouro recém descobertas. Dentre esses primeiros caminhos,

destacou-se aquele que, de alguma forma, derivou do roteiro aberto pela empresa

bandeirante de Fernão Dias Paes113 (1674-1681) e demais bandeiras de

descobrimento das duas últimas décadas dos Seiscentos, dentre elas a de Garcia

Rodrigues114 que, partindo de São Paulo, rumavam para o vale do rio Paraíba e, na

altura de Guaratinguetá, dobravam a oeste, cortando/atravessando a Mantiqueira

rumo ao Sabarabuçu por várias gargantas115 que se abrem na Mantiqueira, como

113 “Nula quanto às riquezas que procurava, foi a expedição importantíssima pelo contato que estabeleceu entre o período das entradas pesquisadoras e o descobrimento dos mananciais auríferos efetuado algum tempo após. Além disso, os três nomes citados [Matias Cardoso de Almeida, o genro Manuel de Borba Gato e o filho, Garcia Rodrigues] estão intimamente relacionados aos primórdios do povoamento de Minas Gerais. Matias Cardoso de Almeida, pelo estabelecimento da estrada que ligou as minas aos currais de gado de São Francisco na Bahia. Borba Gato, pelo devassamento do sertão do rio das Velhas. Garcia Rodrigues Pais, pela abertura do caminho de grande significação histórica entre as Minas Gerais e o Rio de Janeiro.” (HOLANDA, 2003, p.321, grifo nosso). 114 “Mostrando que a sua família ainda tinha poder econômico e crédito suficiente para armar expedições, apesar dos alegados gastos da jornada do pai, [...] o sucessor Garcia Rodrigues empreendeu mais duas entradas para ‘continuar’ nos descobrimentos das esmeraldas na direção de Sabarabuçu, e para aprofundar mais na terra e assim, achar pedras ‘mais perfeitas’. Na primeira entrada, ele referiu que durante dois anos reformou as plantas e feitorias deixadas por seu pai, e esperou as ordens régias que lhe garantiram o cargo de capitão-mor e administrados de tais minas. Na segunda entrada, enfatizou que teve gasto considerável de sua fazenda em ‘mantimentos, carnes e farinhas, comprando muitos cavallos para a carruagem, levando Homens, escravos e índios de seu serviço, com capellam para a tropa’, demorando cinco para seis anos” (ANDRADE, 2002, p.160). 115 O Caminho de Atibaia ou Sapucaí e o do Paraíba do Sul comunicavam-se na Mantiqueira por várias gargantas, apontadas segundo notas graciosamente fornecidas por Gentil Moura. ‘Na região de Piracaia (antiga cidade de Santo Antonio da Cachoeira) há as gargantas do rio cachoeira e Muquem, afluentes do rio Atibaia e situado entre os morros do Lopo e a pedra do Selado. Fronteiras a Jacareí há as gargantas do rio do Peixe e do Rio das Cobras, afluentes do Paraíba e situado ao sul da Pedra do Selado. Fronteira a de São Jose dos Campos há as gargantas do rio Buquira. Fronteira a Pindamonhangaba e entre os morros do Itapeva e Pico Agudo, há a garganta do Piraquama. A partir de Jacareí, as gargantas convergem para a região mineira chamada Sapucaí. Fronteiras de Guaratinguetá há as gargantas do Piraguí e Guaratinguetá, fronteira de Lorena a Piquete, fronteiras de cachoeira (Bocaina) há a garganta do Embaú, onde se fez a entrada para Minas Gerais, ganhando o vale do Passa Vinte depois da travessa da serra”.(BARREIROS, 1979, p.49)

Page 125: TRAMAS QUE BRILHAM

125

bem demonstraram Abreu (1963, pp.37-8) e Barreiros (1979). Esse roteiro passou a

ser conhecido por vários nomes, dentre eles Caminho Geral do Sertão116.

Garganta do Embau

MG

SP

RJ

Roteiro aproximado do Caminho Geral do Sertão

ILUSTRAÇÃO 9: Imagem de satélite com indicação aproximada do Caminho Geral do Sertão, trecho Vale do Paraíba – Serra da Mantiqueira Fonte: Google Earth <imagem capturada em 11/03/2007> Edição de Imagem: Rafael Straforini

Tendo os paulistas a primazia nos descobrimentos e nos reais direitos de

exploração aurífera, é de se esperar que boa parte do ouro extraído das Minas dos

116 Não se pode afirmar com precisão o itinerário aberto por Fernão Dias Paes. Para Zemella (1951, p.123), “o sertanista não teria seguido o caminho descrito pelo Pe. Antonil, que chegava às minas pela Garganta do Embaú, mas sim pelo caminho que seguia por Atibaia, Bragança, extrema e transpunha a serra da Mantiqueira pelo Vale do Camunducaia:” No entanto, a própria autora cita em nota Taunay, que, em conferência, afirmou que “ninguém conseguiu até hoje demonstrar, de forma irretocável, se Fernão transpôs a Mantiqueira pela garganta que fica nos corredores de Bragança ou pela garganta de Embaú”. Barreiros (1979), também apresenta amplo debate dos historiadores quanto ao real itinerário de Fernão Dias Paes.Se Fernão Dias realmente seguiu pelo Paraíba e garganta do Embaú para atingir Sabarabuçu, é bem provável que tenha utilizado o caminho percorrido por André de Leão entre 1600 e 1601, em expedição organizada por D. Francisco de Souza. Dentre os participantes estava um certo holandês chamado Wilhelm Josten Glimmer que publicou em 1648 o seu “diário” de viagem, descrevendo detalhadamente esse caminho. (COSTA, 2005).

Page 126: TRAMAS QUE BRILHAM

126

Cataguases seguisse pelo referido caminho, primeiro para a Vila de São Paulo onde

era quintado, para somente depois ser conduzido ao porto de Santos, onde era

embarcado rumo ao Rio de Janeiro e, a partir desse, era encaminhado a Lisboa117.

Se a bandeira de Fernão Dias Paes não descobriu as minas auríferas, ao

menos cravou definitivamente o eixo central que viria se tornar o primeiro caminho

real das Minas de Ouro do Brasil, por onde cruzariam todas as demais bandeiras.

Em carta escrita em 21/07/1674, nas vésperas de sua partida, a Bernardo Riveira

Ravasco, Fernão Dias deixou claro que a empresa de descobrimento era composta

de duas premissas: o próprio descobrimento e a definição de uma rota fixa para que

“povoado de gente assistente para que sua Alteza o mande ver e examinar para que

sem gasto nem dilação, havendo muito que comer e bastante creação se faça com

toda as facilidades, que oir e vir facíl [...]118.

Para que a circulação entre os sertões das esmeraldas e o núcleo paulista se

efetivasse, Fernão Dias Paes sabia que era preciso refazer as trilhas e caminhos

primitivos “conforme as exigências do colonialismo, agora não mais trilhas vivas

como a natureza, testemunha de uma relação retroalimentadora, mas caminhos

contra a natureza, verdadeiras veias abertas à exploração desmedida dos seus

recursos” (CAVALCANTE, 2006, p.94). Assim, antes mesmo de sua partida, como

parte essencial de sua empresa de descobrimento, foi enviada aos sertões de

Sabarabuçu uma tropa comandada por Matias Cardoso, cuja função era abrir o

caminho e estabelecer roças de gênero da terra para o suprimento posterior da

grande bandeira. Tal estratégia visava garantir a fixação de núcleos de apoio ao

longo do caminho para a manutenção da bandeira, caso ela tivesse que recuar em

117 Segundo Costa (2005, p.42) “considerando-se as ações desenvolvidas ao longo dos Seiscentos, tudo indicava que de fato caberia a São Paulo não só o controle das comunicações entre o sertão e o litoral, mas também o conseqüente aproveitamento das riquezas então descobertas pelos paulistas”. 118 Carta de Fernão Dias Paes a Bernardo Vieira Ravasco, 20/07/1674. Cf. Barreiro (1979, pp 23-24).

Page 127: TRAMAS QUE BRILHAM

127

virtude de ataque dos principais inimigos de então, o índio e as intempéries naturais,

como os períodos das fortes chuvas. Assim, a entrada prévia de Matias Cardoso

garantiu ao longo do caminho a fixação de “um centro de operações[...], de um

núcleo que, apesar da enorme distância conseguia comunicar-se com sua base de

abastecimento em São Paulo.” (CARVALHO, 1959, p.34).

Andrade (2002), ao analisar documentação dos descobrimentos auríferos nas

Gerais, é categórico ao afirmar que:

Fernão Dias deu mais importância ao beneficiamento do caminho e à povoação do sertão das minas a partir das roças e das criações locais do que às notícias dos serros. O descobrimento era um processo mais complexo do que um ‘descoberto’, era uma lavra de rendimento constante, que visto e examinada pela Coroa, seria lucrativa à Fazenda Real e aos súditos. Isso se conseguiria com a colonização sob as vistas do Estado, com arraias, roças e circulação de colonos. O ‘descoberto’ era difícil, mas não suficiente.” (ANDRADE, 2002, p.154, grifos nossos)

O caminho aberto por Fernão Dias, nesse sentido, não pode ser considerado

como uma mera condição de adaptação do paulista “brabo” (sic) ao sertão, mas

antes de tudo, um projeto de ocupação, capaz de dotar aquelas paragens dos

elementos simbólicos da relação clientelista entre a Coroa e seus súditos. Uma

trilha, um caminho ou uma estrada oficialmente sob a tutela metropolitana era

condição sine qua non para tal empreendimento.

A historiografia apresenta alguns relatos do itinerário do Caminho Geral do

Sertão, dentre os quais os mais detalhados e ricos em informação são:

1) O roteiro do Padre Faria, analisado por Calógeras119 (1938);

2) O roteiro do Caminho da Vila de São Paulo para as Minas Gerais e para o

rio das Velhas, do Pe. André João Antonil, em sua obra Cultura e Opulência

do Brasil por suas Drogas e Minas (MAPA 3). 119 O padre João de Faria foi um dos descobridores das minas em Ouro Preto. Seu relato aparece na carta de Bento Correia de Souza Coutinho ao governador-geral Dom João de Lancastre, de 1693.

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MAPA 3: CAMINHO GERAL DO SERTÃO

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Mogi

Embaú

Raposos

Taubaté

Jacareí

Traituba

Carnapuã

Baependi

Cachoeira

Carrancas

Boa Vista

Rio Verde

São Paulo

Pouso alto

Guaipacaré

Casa Branca

Pinheirinho

Lagoa Dourada

Guaratinguetá

Rio das Pedras

Pindamonhagaba

Itaquequecetuba

São João del-Rei

Cachoeira Paulista

Congonhas do Campo

Capela de Caçapava

Vila Real do SabaráVila Nova da Rainha

Sto Antônio do Rio Acima

44°0'0"W

44°0'0"W

22°0

'0"S

22°0

'0"S

CAPITANIA DO RIO DE JANEIROCAPITANIA DO

RIO DE JANEIRO

Oceano Atlântico

Rio Paraíba do Sul

®

50 025 KmEscala 1:2.850.000

Base Cartográfica: IBGE (2005).Fonte: Antonil, André João (2001); Barreiros, Eduardo Canabrava (1979); IHGB, Coleção Enéas Martins Filho: Lata 772, Pasta 72;Autoria: Rafael StaforiniExecução: Fernando Bezerra

MG

ES

BAGO

DF

SPPR

RJ

Legenda

!. Localidades (Nomes antigos)Caminho Geral do SertãoRios Principais

CAPITANIA DE SÃO PAULO E MINAS DE OURO

CAPITANIA DE SÃO PAULO E MINAS DE OURO

Rio Do

ce

Rio das Velhas

Rio Paraopebas

Rio ParáRio das Mortes

Rio Gran

de

Rio Preto

Rio Paraíba do Sul

Rio Paraibuna

Rio Tietê

(Localização aproximada)

Vila do Ribeirão do Carmo

Vila Rica

128

Page 129: TRAMAS QUE BRILHAM

129

Optamos por reproduzir este último por ser o roteiro tomado como o

“Caminho Real do Sertão”. Vejamos:

[...] gastam comumente os paulistas, desde a vila de São Paulo até as Minas Gerais dos Cataguás120, pelo menos dois meses (...) O roteiro de seu caminho (...) até a serra de Itatiaia, aonde se divide em dois, um para as minas do Caeté ou ribeirão de Nossa Senhora do Carmo e do Ouro Preto e outro para as minas do rio das Velhas, é o seguinte, em que se apontam pousos e paragens do dito caminho, com as distâncias que têm e os dias que pouco mais ou menos se gastam de uma estalagem para outra, em que mineiros pousam... No primeiro dia (...) vão ordinariamente pousar em Nossa Senhora da Penha, por ser o primeiro arranco de casa, e não são mais que duas léguas. Daí, vão à aldeia de Itaquaquecetuba, caminho de um dia. Gastam, da dita aldeia, até a vila de Moji, dois dias. De Moji vão às Laranjeiras, caminhando quatro ou cinco dias até o jantar. Das Laranjeiras até a vila de Jacareí, um dia, até as três horas. De Jacareí até a vila de Taubaté, dois dias até o jantar. De Taubaté até Pindamonhangaba, freguesia de Nossa Senhora da Conceição, dia e meio. De Pindamonhangaba até a vila de Guaratinguetá, cinco ou seis dias até o jantar. De Guaratinguetá até o porto de Guaipacaré, onde ficam as roças de Bento Rodrigues, dois dias até o jantar. Destas roças até o pé da serra afamada de a Mantiqueira, pelas cinco serras muito altas, que parecem os primeiros muros que o ouro tem no caminho para que não cheguem lá os mineiros, gastam-se três dias até o jantar. Daqui começam a passar o ribeiro que chama Passa Vinte, porque vinte vezes se passa e se sobe às serras sobreditas (...), e daí se descobrem muitas e aprazíveis árvores de pinhões, que a seu tempo dão abundância deles para o sustento dos mineiros, como também porcos monteses, araras e papagaios. Logo, passando outro ribeiro, que chamam Passa Trinta, (...), se vai aos Pinheirinhos, lugar assim chamado por ser o princípio deles; (...) Dos Pinheirinhos se vai à estalagem do Rio Verde [São Sebastião do Rio Verde], em oito dias, pouco ou mais ou menos, até o jantar. (...) Daí, caminhando três ou quatro dias, pouco mais ou menos, até o jantar, se dá na afamada Boa Vista (...) tudo campo bem estendido e todo regado de ribeirões, (...) e todos com seu mato, que vai fazendo sombra, com muito palmito (...). Tem este campo seus altos e baixos, porém moderados, e (...) têm os olhos que ver e contemplar na prospectiva do monte Caxambu (...). Da Boa Vista [Pouso Alto/MG] se vai a chamada Ubaí, aonde também há roças, e serão oito dias de caminho moderado até o jantar. Do Ubaí, em três ou quatro dias, vão ao Ingaí. Do Ingaí, em quatro ou cinco dias se vai ao Rio Grande (...). Do Rio Grande, em cinco ou seis dias se vai ao Rio das Mortes (...) e esta é a principal estalagem aonde os passageiros se refazem, por chegarem já muito faltos de mantimentos. (...) Desta estalagem vão seis ou oito dias às plantas de Garcia Rodrigues. E daqui, em dois dias, chegam à serra de Itatiaia. Desta serra seguem-se dois caminhos: um, que vai dar nas minas gerais do ribeirão de Nossa Senhora do Carmo e do Ouro Preto, e outro, que vai dar nas minas

120 Primeiro nome dado à região aurífera no interior do Brasil, em referência aos índios cataguases que lá viviam.

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130

do rio das Velhas, cada um deles de seis dias de viagem. (ANTONIL, 2001, pp.277-84)

4.1.2 - O Caminho da Bahia

Embora o movimento das descobertas auríferas e da abertura de caminhos

para seu escoamento tenha origem nas capitanias do sul, foi pelas capitanias da

atual Região Nordeste, mais precisamente pela Bahia, que se estabeleceu o

primeiro grande fluxo do escoamento aurífero, migratório, e do abastecimento de

mercadorias e mão-de-obra escrava para a região das minas. A citação de Zemella

(1951, p. 66) é reveladora desse processo: “Descobertas as minas, a Bahia sentiu

imediatamente a determinação geográfica que impelia a tornar-se mercado

abastecedor das Gerais”. Para a autora o destaque assumido pela praça de

Salvador resultara “não só pelas facilidades geográficas de comunicação”, como

também pelos fatores de “ordem históricos e econômicos”, resultado da atividade

pecuária que se expandira anteriormente para o vale do rio São Francisco.

O Caminho da Bahia, ou Caminho do Sertão da Bahia, ou ainda, os

Caminhos dos Currais está diretamente ligado à atividade pecuária. Sodré (1990,

p.122), ao analisar essa atividade, identificou três fases distintas: “a da vizinhança, a

da coexistência e a da separação entre as atividades agrícolas e pastoris”. Na

primeira, a criação do gado estava próxima das áreas agrícolas, enquanto na

segunda fase, dada a necessidade de terras para o plantio de cana-de-açúcar e a

proibição de pastagens de criação no litoral, os currais migraram para as áreas

próximas ou de hinterlands dos canaviais. Já a terceira fase foi a da separação, isto

é, de expansão para regiões mais dilatadas do interior. Todavia esse distanciamento

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131

não significou o fim da interdependência das atividades açucareira e pastoril, mas

uma complementaridade, como numa “projeção” dir eta da economia açucareira.

Para o autor, uma das características mais marcantes da economia açucareira foi a

especialização produtiva121, congregando e concentrando nela a força produtiva

(mão-de-obra), capital (investimento) e espaço (área de plantio e proximidade com

os portos). Tal característica fazia da economia açucareira uma atividade com

“mercado de dimensões relativamente grandes, podendo, portanto, atuar como fator

altamente dinâmico do desenvolvimento de outras regiões do país.” (SODRÉ, 1990,

p.58)

Como a produção de gado de corte não estava organizada no regime do

monopólio e o seu fornecimento era essencial para a própria manutenção da

atividade açucareira, uma vez que a carne compunha a refeição dos homens

coloniais122 e, inclusive, dos escravos123, a expansão dos currais em unidades - em

número de cabeça e em área ocupada - não encontrou obstáculos a partir das

primeiras cabeças que foram introduzidas na região124, ainda no século XVI. De

acordo com Furtado (2000, p.61), “a condição fundamental de sua existência e

expansão era a disponibilidade de terras”. Geograficamente, Bernardes (1966 [s/p])

define bem a atividade pecuária.

O sistema que se difundiu foi o do livre pastoreio, extremamente extensivo, baseado no aproveitamento exclusivo da vegetação

121 “A própria produção de alimentos para os escravos, nas terras do engenho, tornava-se antieconômico nessas épocas. A extrema especialização da economia açucareira constitui uma verdade, uma contraprova de sua elevada rentabilidade”. (FURTADO, 2000, p.57) 122 Segundo Antonil (2001, p.326), “o certo é que não somente a cidade, mas a maior parte dos moradores do recôncavo mais abastados se sustentam, nos dias não proibidos, da carne de açougue e da que se vende nas freguesias e vilas”. 123 Antonil (2001, p. 326), também relata o uso da carne bovina na dieta dos escravos, no entanto, restringindo-se às “fressuras, bofes e tripas, sangue e o mais fato das reses.” 124 A introdução de gado vacum, segundo Holanda (2003, p.133), parece ter chegado no recôncavo baiano junto com a frota do governador-geral Tomé de Souza, “Rapidamente multiplicam-se as criações e, em 1552, já pareça estreita a terra que Garcia d’ Ávila, um dos funcionários da Coroa, ganhara no termo da cidade, para comportar as duzentas cabeças de gado, sem contar os porcos, cabras e éguas”.

Page 132: TRAMAS QUE BRILHAM

132

nativa com apropriação dos espaços abertos. Tal sistema necessitava de grandes áreas para a manutenção de umas poucas cabeças de gado e exigia um afastamento grande entre os ‘currais’, a fim de facilitar a separação dos rebanhos. Na verdade, o adensamento da ocupação humana no sertão se processou em um largo período, mas importa notar que a expansão pela maior parte da região se realizou, praticamente, em toda a segunda metade do século XVII. (BERNARDES, 1966, [s.p])

Assim, foi o gado que levou a ocupação colonial para as cabeceiras do São

Francisco, região que viria se tornar, em breve, a de maior produtividade aurífera

mundial do período em tela. A historiografia confere a Matias Cardoso (oficial da

empresa de Fernão Dias Paes)125 a responsabilidade pela ligação dos caminhos

vindos de São Paulo e percorridos pelos bandeirantes descobridores aos currais

instalados ao longo do São Francisco. De acordo com um cronista anônimo do início

dos Setecentos, os paulistas tiveram papel importante na junção do Caminho Geral

do Sertão ao Caminho do São Francisco:

Das vilas de São Paulo para o Rio de São Francisco descobrirão os paulistas antigamente um caminho a que chamavão Caminho Geral do Sertão, pelo qual entravão e cortavão os vastos desertos que medeam entre as ditas vallas o dito rio. Nelle fizeram várias conquistas de tapuias e passaram outras para os sertões de diversas jurisdições, como foram a Maranhão, Pernambuco e Bahia[...] em o qual mudavam o rumo conforme a jurisdição ou capitania a que se encaminhavam, ou conveniência que se oferecia e com tão continuada frequência facilitaram o trânsito daquelle caminho [...].126

125 Ver mais informações em FRANCO, Francisco de Assis C. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil. Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1989. 126 Cópia de outra escrita no século XVIII, a qual existe na Biblioteca Real da Ajuda, em um códice com o título: Govêrno Próximo de Portugal. Tomo I, folhas 450 a 467. Rodrigo Vicente de Almeida (o Official da mesma Biblioteca) IHGB, Coleção Enéas Martins Filho, lata 218, Doc. 7.

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44°0'0"W

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40°0'0"W

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22°0

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18°0

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14°0

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14°0

'0"S

CAPITANIA DO RIO DE JANEIROCAPITANIA DO

RIO DE JANEIRO

CAPITANIA DA BAHIA DETODOS OS SANTOS

CAPITANIA DA BAHIA DETODOS OS SANTOS

Oceano Atlântico

Rio Jequitinhonha

®50 025 Km

Escala 1:5.600.000

Base Cartográfica: IBGE (2005).Fonte: Antonil, André João (2001); Neves, Erivaldo Fagundes e Miguel, Antonieta (2007); Santos, Márcio (2001).Autoria: Rafael StraforiniExecução: Fernando Bezerra

MGES

BA

GO DF

TO

SP

Legenda!. Localidades (Nomes antigos)

Caminho da Bahia pelo Rio São Francisco

Rios Principais

MAPA 4: CAMINHOS DA BAHIA

CAPITANIA DO ESPÍRITO SANTOCAPITANIA DO

ESPÍRITO SANTO

Rio de Contas

Rio Sã

o Fran

cisco

SalvadorMaragogipe

CachoeiraMangabeira

Muritiba

Faz. do GadoTranqueira

Sto Antônio deJoão Amaro

Boa Vista

Faz. do Pau a PiqueCurralinho

Rio de Contas

Caetité

Vila Velha

Brejo do Salgado

Brejo Grande

Faz. da Jaíba

Montes AltosMalhada

Matias Cardoso

Montes Claros

Pedras dos Angicos

São Romão

Extrema

Sto Antônio da Estrada

Campo da Graça

São Gonçalo das Tabocas

Barra do Rio das Velhas

Sabará

Jaguara

Santa Luzia

Vila Rica

Fidalgo

JequitibáMaquiné

Caminho da Bahia - Itinenário de João Gonçalves do Prado

CAPITANIA DE ILHÉUSCAPITANIA DE ILHÉUS

CAPITANIA DE PORTO SEGUROCAPITANIA DE

PORTO SEGURO

CAPITANIA DE SÃO PAULOE MINAS DE OURO

CAPITANIA DE SÃO PAULOE MINAS DE OURO

133

Page 134: TRAMAS QUE BRILHAM

134

Em virtude da ocupação dos sertões das capitanias da Bahia, Pernambuco e

Maranhão pela atividade pecuária, inúmeras trilhas e caminhos de passagem foram

abertos, ligando os currais distantes às principais praças localizadas na faixa

litorânea. Todavia, o caminho ou o eixo que seguia o Rio São Francisco era o mais

importante e mais utilizado, principalmente com as descobertas auríferas, uma vez

que por ele era possível unir, num único movimento, o porto, os currais e as

minas127. Segundo Boxer (2000, p.65), os caminhos que vinham de toda a parte se

encontravam num único ponto – fazenda (arraial) de Matias Cardoso - “de onde o

caminho para as minas de ouro seguia a margem do rio por umas cento e sessenta

milhas até a junção com o Rio das Velhas”.

Dentre as descrições sobre o itinerário do referido caminho, optamos

novamente por utilizar a de Antonil (2001, pp.293-97), por ser a mais rica em

detalhes (MAPA 4):

Partindo da cidade da Bahia, a primeira pousada é na Cachoeira; da Cachoeira vão à aldeia de santo António de João Amaro, e daí à Tranqueira. Aqui dividi-se o caminho: e tomando-o à mão direita, vão aos currais do Filgueira longo à nascença do rio das Rãs. Daí passam ao curral do Coronel António Vieira Lima, e deste curral vão ao arraial de Matias Cardoso. Mas se quiserem seguir o caminho à mão esquerda, chegando à Tranqueira metem-se logo no caminho novo e mais breve que fez João Gonçalves do Prado, e vão adiante até a nascença do rio verde. Da dita nascença vão ao campo da Garça e daí, subindo pelo rio acima, vão ao arraial do Borba, donde brevemente chegam às Minas gerais do rio das Velhas. Os que seguiram o caminho da tranqueira à mão direita, chegando ao arraial de Matias Cardoso vão longo do rio de São Francisco acima, até darem na barra do rio das Velhas, e daí, como está dito logo chegam às minas do mesmo rio. [...]. E são por todas cento e oitenta e seis léguas. Este Caminho da Bahia para as Minas é muito melhor que o do Rio de Janeiro e o da Vila de São Paulo, porque posto que mais comprido, é menos dificultoso por ser mais aberto para as boiadas, mais abundante

127 Duas importantes obras que tratam das Minas Gerais foram recentemente publicadas: “Cartografia da Conquista do Território das Minas” e “Os Caminhos do Ouro e a Estrada Real”, ambos organizadas por Antônio Gilberto Costa e publicadas pela UFMG Editora (Belo Horizonte) e Kapa Editorial (Lisboa), em 2004 e 2005, respectivamente. Em ambos os livros são analisados vários mapas referentes aos Caminhos da Bahia.

Page 135: TRAMAS QUE BRILHAM

135

para o sustento, e mais acomodado para as cavalgaduras e para as cargas.

O ouro produzido nas Gerais deveria seguir para São Paulo ou Rio de Janeiro

para ser quintado nas casas de fundição de Taubaté; São Paulo ou Rio de Janeiro.

Todavia, para desespero do Erário Real, nos primeiros anos da mineração era pela

Bahia que a maior parte dele saía sem ser quintado. Era também por esse caminho

que entravam levas de migrantes vindos das capitanias do litoral norte, de Portugal e

demais “nações”, bem como era por ele que se realizava, efetivamente, o

abastecimento, conforme pode-se inferir do “extracto do descobrimento das minnas

geraes” de Diogo Lobo da Silva128.

“fizerão que pelos caminhos do certão, Bahya e Pernambuco laborasse o negócio de fazenda seca e molhados, gado vacum e cavallar, escravos e o mais que se julgava ter sayda em huma nova povoação129”.

Este caminho era, por certo, o caminho mais fácil de fazer comunicar os

sertões dos Cataguases ao litoral, dadas as condições de relevo, hidrografia e

vegetação e, sobretudo, de ocupação, uma vez que em seu percurso, não só havia

“largíssimas roças”, como ambém grande quantidade de currais de criação bovina.

Essas características seriam suficientes para lhe conferir a condição de caminho

oficial para o escoamento do ouro e para o rota de abastecimento das minas.

Para Zemella (1951, p.68), “a vida nas minas, nos primeiros anos que

sucederam os descobertos seria praticamente impossível sem os fornecimentos

128 Zemella (1951, p.79) credita a escolha do Caminho da Bahia como a principal rota de abastecimento das minas pelo fato da praça de Salvador ser o mais importante “entreposto importador de artigos embarcados em Lisboa, de produção reinól e de outras procedências. Pela Bahia [...] entravam para as gerais, espelhos ornados de ricas molduras, louças da Índia, panos de Damasco, tapeçarias das mais famosas fábricas da Europa ou do Oriente, variados artigos de produção portuguesa, inglesa, francesa, holandesa, etc...” 129 Manuscrito do Arquivo Público Mineiro, livro 81 DF (avulso) extracto do descobrimento das Minas Geraes, tempo em que nellas principiou a arrecadação da Real Fazenda, origem e contractos, creação das villas, of. de Justiça”... dirigido e ordenado pelo governador e Capitão General de Minas Gerais, Luiz Diogo da Silva. Cf. Zemella (1951, p.67)

Page 136: TRAMAS QUE BRILHAM

136

partidos do Recôncavo, e das zonas marginais do rio São Francisco”. O já citado

cronista anônimo evidencia bem esse movimento em virtude de suas vantagens aos

demais caminhos para as minas:

sobretudo na sahida e volta das minas é este caminho do rio de S. Fco. totalmente melhor de que qualquer outro por muy breve que seja, porque nas mattas das mesmas minas fazem grandes e boas canoas, em as quaes se embarcam pelo rio das Velhas, entram no de S. Fco., e por elle abaixo chegam ordinariamente em quinze dias a cachoeira chamada de Paulo Affonso que está acima da vila de Penedo e da barra que o dito rio faz no mar quarenta legoas, ficando na dita cachoeira em igual distancia de oitenta para a Bahia e Pernambuco. E por esta cauza todos aquelles que não tem domicilio ou razão particular para descerem das minas para São Paulo ou Rio de Janeiro, se retiram delllas pelo rio de S. Fco., embarcados na fornma sobredita porque além da brevidade e soavidade da viagem a fazem por muito pouco custo porque evitam comprar cavallos pelo excessivo preco que valen nas minas (...).130

As facilidades apontadas para o Caminho da Bahia, não significa que também

não apresentasse aos seus usuários dificuldades de trafegabilidade, assim como as

encontradas nos caminhos de São Paulo e do Rio de Janeiro. Segundo Furtado

(2005, p.195), em todo o percurso, eram constantes as ameaças de doenças, de

ataque de animais selvagens, de confrontos com os índios e com bandos de negros

fugidos. Por esses motivos, as viagens eram sempre realizadas em grupos

fortemente armados. Não é verdadeiro, também, que todo o percurso percorria

relevo plano e de fácil locomoção, como fazem supor a bibliografia e os documentos

históricos, pois na medida que o caminho se aproximava das cabeceiras do rio São

Francisco, a feição plana do relevo ia se modificando para uma feição mais

movimentada, com morros de vales encaixados, que dificultavam a circulação nesse

trecho. Mesmo sob tais condições geográficas a circulação de toda a sorte de

mercadorias e pessoas, bem como o desvio do Quinto Real, não deixou de ser

realizada por este caminho. Por isso, a Coroa não se fez de rogada e proibiu

130 Cópia de outra escrita no século XVIII... IHGB Coleção Enéas Martins Filho, Lata 218, Doc 7.

Page 137: TRAMAS QUE BRILHAM

137

rigorosamente o uso do Caminho da Bahia para a circulação de pessoas,

mercadorias e informações, exceto para a circulação de gado que, até então, se

apresentava como única forma de abastecer as minas recém descobertas com carne

e, conseqüentemente, evitar crises generalizadas de fome que costumavam solapar

a produção aurífera nesses idos, conforme se verifica no 17º artigo do Regimento do

Superintendente, Guardo-mor e mais officiaes das minas de Ouro de São Paulo, de

19/04/1702:

nenhuma pessoa do destrito da Bahia poderá levar as minas pelo caminho do sertão outras fazendas ou gênero que não sejão o gado, e querendo trazer outras fazendas as naveguem pela barra do Rio de Janeiro e as poderão conduzir por Taubaté ou São Paulo como fazem os mais, para que desta sorte se evite o levarem ouro em pó [...] como também não consentirão nellas outras fazendas que não for o gado.

O Regimento era claro e a punição para o seu descumprimento também estava

prevista: confisco das cargas, prisão ou pagamento de multas. Todavia, conforme

aponta Chaves (1999), nos anos iniciais da instalação do Regimento não havia

condições reais de controle e fiscalização desses caminhos devido à ausência de

tropas de milícias. A forma encontrada para fazer valer o dito Regimento foi, então,

incentivar a prática de delação dos extraviadores, com oferta da terça parte dos bens

confiscados131.

A proibição à circulação pelo Caminho da Bahia parece não ter surtido efeito

nas duas primeiras décadas do século XVIII, pois ele continuava a ser a rota

preferida pelos comerciantes que abasteciam as minas de mercadorias e escravos.

Para o cronista anônimo supra citado, a proibição do caminho era um convite ao

131 Um anônimo que esteve nas minas dos Cataguases, quando de sua descoberta, relata que a proibição de circulação pelos caminhos da Bahia foi utilizada pelos paulistas como uma forma de impor seu poder aos demais forasteiros. “Aqueles paulistas de mais suposição que tinham esta incumbência para confiscar metiam a uns para dentro livres e outros eram confiscados, e logo ali repartiam as fazendas com os seus soldados”. Notícias do descobrimento das minas de ouro e dos governos políticos nelas havidos. Anônimo, Minas Gerais, 1750. In: Códice Costa Matoso (1999, p.246).

Page 138: TRAMAS QUE BRILHAM

138

descaminho, ao passo que a sua abertura e a instalação de casas de fundição em

seu trajeto seria a medida mais prudente para evitar o não pagamento dos impostos.

Para ele, proibido ou não, continuavam os comerciantes e os viajantes a procurar

por ele devido a “quatro motivos principais”, a saber:

o primeiro, a conveniência que no dito caminho tem os moradores das minas, o segundo, a conveniência dos moradores dos sertões do Rio São Francisco e dos povoados com que lhes tem commercio; o terceiro a qualidade destes moradores assim das minas como dos sertões; o quarto, a facilidade e provimento do dito caminho132.

Segundo Zemella (1951, p.74), “o comércio de contrabando foi aos poucos se

organizando”, de forma que os pontentados de gado, comerciantes, tropeiros,

camboeiros de negros, entre outros, foram se “congraçando” com o objetivo de

resistirem – mesmo que na franja da normatização – às Ordens Régias proibitivas.

Ao que tudo indica, esse movimento foi mais forte e resistente, pois em carta ao Rei,

de 30/09/1728, o governador de Minas Gerais D. Lourenço de Almeida deixava bem

claro o quanto se descaminhava “os que trazem fazendas e negros da Bahia, e

também os metedores de gados”, que vendiam seus produtos com pagamento em

ouro em pó. O descaminho da Bahia se realizava, fundamentalmente, pelo ouro em

pó não quintado pelos comerciantes, uma vez que era a moeda corrente na região

desde as primeiras notícias de descobrimento, logo, muito difuso na sociedade

mineira. O ouro que chegava a Salvador era tão abundante que o dito governador

revelava ao Rei que, na Bahia, se vendia o ouro quase publicamente e com pouco

rebuço133. Zemella (1951, p.80), assim sintetiza a importância desse caminho:

São as trocas avultadas e intensas que a Bahia manteve com as Gerais que explicam o fausto de suas magníficas igrejas do século XVIII, de arquitetura grandiosa, altares forrados de ouro, com verdadeiros tesouros em objetos litúrgicos.

132 Cópia de outra escrita no século XVIII... IHGB Coleção Enéas Martins Filho, Lata 218, Doc 7. 133 Carta de Dom Lourenço de Almeida – Vila Rica, 30/09/1728. RAPM, Belo Horizonte, 1980, ano 30. p.246-248.

Page 139: TRAMAS QUE BRILHAM

139

4.1.3 - O Caminho Velho ou Caminho Velho de Paraty

Assim como os paulistas se apropriaram de antigas trilhas indígenas em suas

entradas para o sertão e contato com o litoral, os habitantes da capitania do Rio de

Janeiro também se utilizaram desses caminhos para ter acesso às terras localizadas

acima da Serra do Mar.

É sabido que as tribos indígenas Goianás ou Goiamimins viviam na atual região

de Parati e se comunicavam com as tribos de cima da Serra do Mar por uma trilha

que partia do “pé” (sic.) da serra do Facão. Esse parece ser o primeiro caminho

utilizado pelos moradores do Rio de Janeiro para chegar ao sertão, cujo objetivo era

manter contato com a vila de São Paulo, bem como encontrar a lendária serra de

ouro134.

Como não havia um caminho ligando diretamente a cidade do Rio de Janeiro às Minas de Ouro: “os moradores da cidade [...] que [queriam] hir às minas do ouro a trabalhar ou a negosear [...] [tratavam] de preparar as cargas que seus escravos hão de levar e carregar; e se embarção em umas barcas e saem fora da Barra do Rio de Janeiro [...] e vão a uma pequena povoação que chamam Paraty, que é porto do mar [...]. Nela dezembarcão seus escravos, e cada um carrega a cabeça o que há de levar [...] por umas serranias muito alta, em cujo caminho gastão cinco, e as vezes oito dias, athé chegarem á vila de Tatuapé135.

134 No livro “Vária Fortuna e Estranhos Fados de Anthony Knivet”, o autor relata expedição, que fez junto com Martim Correia de Sá e mais setecentos portugueses e dois mil índios na captura de índios e na procura do “eldorado” perdido no interior adentro, cujo ponto de partida foi a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, em 14/10/1597, passando por Parati e subindo uma íngreme e fechada serra, hoje chamada de Facão, por uma trilha indígena já existente (KNIVET, Anthony. Vária Fortuna e Estranhos Fados de Anthony Knivet. São Paulo: Editora Brasiliense, 1947). Para Franco (1989), teria Knivet errado a data dessa expedição em um ano para mais. Para esse autor, a data verdadeira teria sido em 14/10/1596. Ribas (2003) apresenta várias entradas para o interior que utilizaram o caminho de Parati. 135 Memoire inédit d’Ambroise Jauffrel sur le Brésil à époque de la découvert dês mines d’or [1704]. In: Actas do V Colóquio Internacional de estudos luso-brasileiros, Coimbra, 1965, II, pp.407-444. Cf. Silva (2001, p.285).

Page 140: TRAMAS QUE BRILHAM

140

O Caminho de Parati - que a partir da abertura do Caminho Novo viria a ser

chamado de Caminho Velho – era um caminho misto, feito parte por terra, parte pelo

mar. No relato acima apresentado, o autor dá a entender que do Rio de Janeiro até

Parati o caminho era feito por mar. No entanto, parece que os viajantes que

procuravam as minas de ouro preferiam seguir por terra até Sepetiba e, desse ponto,

seguir por mar até Parati, conforme pudemos verificar em vários relatos, dentre eles

os originados das viagens feitas pelo governador136 Artur de Sá, que André Antonil

em sua obra “Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas” descreveu a

partir do relato da segunda viagem do referido governador, o qual transcrevemos

abaixo.

menos de trinta dias, marchando de sol a sol, podem chegar os que partem da cidade do Rio de Janeiro às Minas Gerais. Porém raras vezes sucede poderem seguir esta marcha, por ser o caminho mais áspero que o dos Paulistas. E por relação de quem andou por ele em companhia do governador Arthur de Sá é o seguinte: partindo ao vinte de agosto da cidade do Rio de Janeiro, foram a Parati. De Parati a Taubaté. De Taubaté a Pindamonhangaba. De Pindamonhangaba a Guaratinguetá. De Guaratinguetá às roças de Garcia Rodrigues. Desta roças ao Ribeirão e do Ribeirão, com oito dias mais de sol a sol, chegaram ao Rio das Velhas aos vinte nove de novembro, havendo parado no caminho oito dias em Parati, dezoito em Taubaté, dois em Guaratinguetá, dois nas roças de Garcia Rodrigues, e vinte e seis no Ribeirão, que por todo são cinqüenta e seis dias. E tirando estes de noventa e nove que se contam desde vinte três de agosto até vinte nove de novembro, vieram a gastar neste caminho não mais que quarenta dias.

136 Silva (1991, p.258) revela que o governador Artur de Sá e Meneses não fez apenas duas viagens às minas, como a bibliografia costuma afirmar, mas três. A primeira foi de 16/10/1697 a 1698; a segunda de 23/08/1700 até abril ou maio de 1701 e a terceira ocorreu em fins de 1701, permanecendo até o final de 1702. Esse longo período no sertão aurífero tinha por objetivo “restabelecer a ordem e a paz, e sobretudo introduzir estruturas administrativas”. Segundo Cavalcante (2006, p.97), o dito governador não utilizou a trilha dos Guainases para chegar ao planalto em sua primeira viagem, preferindo fazer o percurso do Rio de Janeiro a Santos de navio. A partir desse porto, seguiu pelo caminho de Santos até São Paulo e de lá partiu para as cabeceiras do São Francisco. Ao chegar em Taubaté, teve que retornar para o Rio de Janeiro,utilizando – ao que tudo indica – o mesmo caminho. O governador foi acompanhado nessa viagem “de toda a nobreza daqueles povos, levando [...] mais de setenta pessoas [...] Regressou em maio de 1698”. Consulta do Conselho Ultramarino, 30/10/1698, e carta do Senado da Câmara de São Paulo a Dom Pedro II, 04/03/1698; AHU, Rio de Janeiro – 2128 e 2100). Cf. Silva (1991, p.258).

Page 141: TRAMAS QUE BRILHAM

141

O Caminho Velho não era, assim, um caminho exclusivo dos moradores do

Rio de Janeiro, uma vez que ele se encontrava em Taubaté com o Caminho Geral

do Sertão, que ligava a Vila de São Paulo às Minas dos Cataguases. Em pouco

tempo, os viajantes descobriram que era muito mais fácil atingir a garganta do

Embaú se seguissem para Pindamonhangaba primeiro, ao invés de Taubaté.

A aspereza do Caminho Velho era sua principal característica. Circular por ele

não era nada conveniente nos primeiros anos da mineração, a contar pelo tempo de

viagem que, se comparado ao Caminho Geral do Sertão, não era nada muito

vantajoso. Pelo relato de Antonil, tirando os dias em que a comitiva do governador

ficou parada, foram pouco mais, ou pouco menos, quarenta e três jornadas, ou seja,

percursos diários percorridos. Logo, é de se supor que a comitiva não viajou “de sol

a sol”, mas “a paulista”, isto é, até ao meio dia, e quando muito, até uma ou duas

horas da tarde, assim para se arrancharem e terem tempo de descansar e de

“buscar alguma caça ou peixe onde o há, mel de pau e outro qualquer

mantimento”137, revelando-nos certa dificuldade de acesso às roças de

abastecimentos e, conseqüentemente, no suprimento de alimentos na longa e

demorada viagem, como bem comprova o relato anônimo:

com esta notícia de grandeza, quis logo vir as minas, mas não o fiz por falta de mantimentos nos caminhos e cama, de que movia muita gente, o que consegui em companhia de Antonio Rodrigues de Souza, partindo do Rio de Janeiro em março de 1698 ou 1699138. E chegamos a 12 de julho do dito ano, com viagem de alguns dois meses139.

Ao contrário do que afirma Pimenta (1971, p.12), que na passagem do

governador D. Rodrigo Castelo Branco, em 1681, a picada de Parati já se

137 Antonil (2001, pp.277-79). 138 Esse texto foi escrito em 1750 por um dos primeiros moradores das Minas Gerais, por solicitação de Ouvidor Caetano da Costa Matoso. 139 Notícia do Descobrimento das Minas de Ouro e dos governos políticos nela havidos. Códice Costa Matoso (1999, p.245).

Page 142: TRAMAS QUE BRILHAM

142

encontrava razoavelmente assentada, o que lhe permitiu percorrer longos trechos do

percurso a cavalo, ao que tudo indica, o caminho passou por todo o século XVIII

impondo muitas dificuldades aos viajantes pela completa falta de manutenção e

“estreiteza” do seu leito. Francisco Tavares de Brito, ao produzir, em 1732, um

documento descrevendo “Os verdadeiros caminhos que ha da cidade do Rio de

Janeiro até as minas de ouro”, nos revela que nesses idos, o Caminho de Santos e o

Caminho Novo já estavam bem conservados, ao passo que a serra do Facão, em

Parati, continuava sendo descrita como inacessível140. As péssimas condições do

Caminho Velho permaneceram por muito tempo, pois, em 1751, quando o Conde de

Azumbuja desceu a Serra do Facão para se encontrar em Parati com o governador

Gomes Freire, não deixou de relatar que:

a estrada em partes é tão apertada, aberta em rochas, que me era necessário levantar os pés até os pôr garupa do cavalo [...], o chão estava calçado ou alastrado de pedras soltas e desiguais com muito saltos e barrocas e onde isto faltava era atoleiro grande e caldeirões muito fundos141.

140 Itinerário Geográfico com a verdadeira descrição dos caminhos, estradas e raças, sítios, povoações, vilas rios, montes e serras que há na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro até as Minas de Ouro. Composto por Francisco Tavares de Brito. Sevilha. Na oficina de Antonio da Silva. MDCCXXXII [1732]. Com todas as licenças necessárias. In: Códice Costa Matoso (1999, pp.898-910). 141 Relato de viagem do Conde de Azambuja, Dom Antônio Rolim, da cidade de São Paulo para a Villa de Cuiabá, em 1751. Cf. Costa (2005, p.86)

Page 143: TRAMAS QUE BRILHAM

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Mogi

Embaú

Raposos

Taubaté

Jacareí

Traituba

Carnapuã

Baependi

Cachoeira

Carrancas

Boa Vista

Rio Verde

São Paulo

Pouso alto

Guaipacaré

Casa Branca

Pinheirinho

Lagoa Dourada

Guaratinguetá

Rio das Pedras

Pindamonhagaba

Itaquequecetuba

São João del-Rei

Cachoeira Paulista

Congonhas do Campo

Capela de Caçapava

Vila Real do SabaráVila Nova da Rainha

Sto Antônio do Rio Acima

44°0'0"W

44°0'0"W

22°0

'0"S

22°0

'0"S

SÃO PAULOSÃO PAULO

Oceano Atlântico

®

50 025 KmEscala 1:3.500.000

Base Cartográfica: IBGE (2005).Fonte: Antonil, André João (2001); Códice Costa Matoso (1999); IHGB, Coleção Enéas Martins Filho: Lata 767, Pasta 53; Lata, 772, Pasta 34; Lata 772, Pasta 72; Lata, 774, Pasta 4; Lata, 770, Pasta 11.Autoria: Rafael StraforiniExecução: Fernando Bezerra

MG

ES

BAGO

DF

SPPR

RJ

Legenda

MAPA5: CAMINHO VELHO E GERAL DO SERTÃO

Rio de JaneiroSanta Cruz

FacãoParati

Angra dos Reis

Rio das VelhasRio ParaopebasRio Pará

Rio Do

ce

Rio Paraibuna

Rio Gran

de

Rio das Mortes

Rio Preto

Rio Paraíba do Sul

Rio Paraíba do Sul

Rio Tietê

(Localização aproximada)

!. Localidades (Nomes antigos)Caminho Geral do Sertão

Rios Principais

Caminho Velho - trecho terrestre Caminho Velho - trecho marítimo

Vila RicaVila do Ribeirão

do Carmo

CAPITANIA DO RIO DE JANEIROCAPITANIA DO

RIO DE JANEIRO

CAPITANIA DE SÃO PAULO E MINAS DE OURO

CAPITANIA DE SÃO PAULO E MINAS DE OURO

143

Page 144: TRAMAS QUE BRILHAM

144

Além desses problemas de trafegabilidade por terra, a maior ameaça para

quem utilizava esse caminho eram os piratas que ficavam atocaiados na Baía de

Angra dos Reis, à espera dos carregamentos de ouro que partiam de Parati (ou

mesmo de Santos) com destino à cidade do Rio de Janeiro. Bicalho (2003, p 36)

afirma que “de fato, a enseada de Angra dos Reis, desde a Ilha Grande até Parati,

dividia com a região de Cabo Frio a preferência de piratas, corsários e

contrabandistas provenientes de outras nações”, pois, com litoral bastante recortado

e grande quantidade de ilhas, a costa sul da capitania do Rio de Janeiro era um

lugar perfeito para os piratas se amotinarem à espera dos navios portugueses que

saíam do porto de Parati carregados de ouro.

A cidade do Rio de Janeiro, que já acumulava a função de principal praça

comercial das capitanias do sul da América Portuguesa (RUSSELL-WOOD, 1999),

unida, agora, às Minas dos Cataguases por um caminho, e estabelecida a

obrigatoriedade de que todas as demais mercadorias (inclusive o ouro) teriam que

entrar pelo seu porto – conforme impunha o Regimento de 1702 - tomando daí o

rumo para Paraty e vice-versa, teve sua centralidade reforçada, assumindo o papel

de principal porto de escoamento do ouro, antes ocupado pelos portos de Santos e

Salvador. Em conseqüência dessa obrigatoriedade, nos últimos anos do século XVII

e nos primeiros do século seguinte, a vila de Parati, localizada no litoral da capitania

do Rio de Janeiro, desenvolveu-se como um importante entreposto nessa rota de

circulação.

A viagem do Rio de Janeiro ao interior aurífero era uma jornada longa e

penosa, com duração de aproximadamente cem dias, pois exigia embarque e

desembarque no mar e nos rios, gerando grandes perdas de mercadorias nesse

processo. Enfim, nas palavras de Martins Filho (1965, p.175):

Page 145: TRAMAS QUE BRILHAM

145

Era realmente tempo demasiado, não só para trazer rapidamente o ouro ao porto de embarque como, também, para permitir que recursos, auxílios e mantimentos chegassem com maior brevidade aos novos centros de povoamento que fazia surgir com rapidez incrível na região de Ouro Preto.

Mas não era esse quadro limitante de fluidez e porosidade territorial da

circulação que preocupava a Metrópole, mas sim a sonegação ou o descaminho do

Quinto Real, ou seja, de vinte por cento de toda a extração aurífera, pelos principais

caminhos que davam acesso às Minas Gerais, no início da mineração.

A exploração aurífera só seria considerada uma empresa lucrativa para a

Real Fazenda se a região estivesse unida às principais praças comerciais – Rio de

Janeiro e Salvador – por caminhos que pudessem garantir sua sustentação. O

Caminho da Bahia, nesse sentido, era reconhecidamente a melhor opção, dada a

facilidade de locomoção em virtude dos aspectos naturais, aos inúmeros currais de

gado e roças de abastecimento simetricamente distribuídas em seu percurso, e ao

dinâmico centro comercial de Salvador. Todavia, o Conselho Ultramarino fechou os

olhos para essas vantagens comparativas e, em 1701, aconselhou ao rei de

Portugal que “restrin[gisse] os caminhos que leva[vam] às minas, pois quanto mais

forem os caminhos, mais descaminhos haverá142”. O Artigo 17 do Regimento das

Minas de 1702, publicado no ano seguinte – 1702 – transformou o conselho em lei e

passou a proibir, definitivamente, a circulação por esse caminho.

Essas ações marcaram, sobremaneira, a configuração territorial que

começara a se delinear no início da mineração: uma interiorização cuja característica

principal era o conflito de interesses entre a Metrópole, que olhava para as minas

com os olhos da Fazenda Real e seu imposto – o Quinto Real - versus os interesses

dos primeiros descobridores e mineradores, que viam nos fundos dos rios e riachos

142 Representação do Conselho Ultramarino ao Rei de Portugal. Cf. Ribas (2003, p.29).

Page 146: TRAMAS QUE BRILHAM

146

ouro farto e fácil de explorar. Para ambos os lados, os caminhos de acesso tinham

significados diferentes. Se para a Coroa os caminhos eram uma das poucas

possibilidades de controlar e normatizar a exploração aurífera, para quem estava

nas minas comercializando ou minerando, os caminhos também eram a

possibilidade de lá chegar e sair, de fazer chegar os alimentos e demais mercadorias

necessárias à manutenção da vida, bem como uma das formas de desviar o

pagamento do Quinto Real.

Os três primeiros caminhos de acesso às Minas dos Cataguases (Geral do

Sertão, Caminho da Bahia e Caminho Velho de Parati) também materializaram,

desde os seus descobrimentos e durante todo o século XVIII, os muitos dos conflitos

de jurisprudência administrativa ocorridos na Colônia. Todavia, tais conflitos não

podem ser entendidos exclusivamente como uma oposição entre o poder

metropolitano e os interesses dos homens coloniais, uma vez que o que pode nos

parecer um conflito entre essas duas escalas de ação (hegemônica e

hegemonizada), nada mais eram que uma forma travestida dos conflitos de

interesses econômicos e políticos entre os funcionários régios e dos homens

poderosos residentes na Colônia, como bem pode ser constatado nas trocas de

correspondências entre o governador-geral do Brasil, João Lancastre, sediado em

Salvador e um certo sertanista e capitão João de Góis e Araújo, recém-chegado de

uma missão de descobrimento de um caminho ligando as Minas dos Cataguases à

Bahia. Sabendo de sua chegada em Salvador, e da falta de alimentos nas Minas, o

governador-geral solicitou ao dito capitão, em 05/03/1701, que declare,

se da parte de São Paulo, Rio de Janeiro e mais villas que ficão na repartição do Sul, há gados bastantes e mantimentos para provimento da gente que se acha oje lavrando ouro nas ditas minas, ou se precizamente lhe he necessário valeremse dos gados e

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147

mantimentos dos curraes desta Bahia, e qual caminho he mais acommodado e fácil para a conducção dos ditos gados143.

Em resposta, em 06/03/1701, João de Góis não hesita em responder:

Se disserem que das villas de bayxo pode ir algum sustento de farinha, milho, legumes doces ou outra alguma couza portatil, não duvido, mas que possão ir gados vivos, tenho-o por quazi impossível, e no meu sintir e de todos aquelles homens que assistem nas dittas minas não será possível a conservação dellas sem os gados do Rio de Sam Francisco, assim pella mayor abundancia delles como pella conveniência dos caminhos não serem tam fragozoz nem terem tantas serras quase inacessíveis [...].144

O que estava oculto nessas trocas de correspondências era a intenção de

utilizar a crise de abastecimento vivenciada nas minas e referendar, a partir de um

parecer produzido pela experiência sertanista, o retorno da centralidade de Salvador

no cenário político e administrativo das Minas dos Cataguases, transferidos para a

cidade do Rio de Janeiro na última década dos Seiscentos, que passou a ter

jurisprudência de todas as capitanias do sul do Estado do Brasil145, inclusive, sobre

“as minas descobertas e que há de se descobrir146”. Para Romeiro (2005, p.210), “a

proposta da abertura do Caminho Novo em direção ao Rio de Janeiro, ainda em

143 Carta de Dom João de Lancastro a João de Góis, Bahia, 05/03/1701. Arquivo casa Cadaval. Código 1087, f.482. Cf. Apêndice documental In: Antonil (2001, p.431). 144 Resposta de João de Góis a D. João de Lancastro. Bahia, 06/03/1701. Apêndice Documental. In: Antonil (2001, p.433) 145 Desde as três tentativas de divisão governativa do Brasil (1572-1577, 1608-1612 e 1658-1662), os termos Repartição do Norte e Repartição do Sul passaram a ser costumeiramente empregados pelos funcionários régios. Costumava-se chamar de capitanias do sul àquelas ao sul de Porto Seguro: Ilhéus, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, posteriormente, acrescentou-se Minas Gerais. Ribeiro (2006) analisa detalhadamente as divisões governativas do Estado do Brasil e da Repartição do Sul). 146 “A 2 de janeiro de 1697, ao mesmo tempo em que o monarca nomeava Artur de Sá e Meneses governador e capitão-general do Rio, incumbia-o muito especialmente de incentivar a exploração aurífera nas capitanias do sul. A fim de facilitar aos capitães generais do Rio de Janeiro o desempenho da missão de administradores das minas, a carta régia de 27 de dezembro de 1697 ampliou-lhe as atribuições, tornando-os, nessa matéria, independentes da jurisdição do governo-general, submetendo-os apenas às deliberações da Metrópole. Em novembro de 1698, nova carta régia desligou a capitania de São Paulo do governo da Bahia colocando-a sob a dependência imediata do Rio de Janeiro. Por fim, em 1699, a ordem de novembro colocou a Colônia do Sacramento sob jurisdição dos governadores do Rio de Janeiro”. (BICALHO, 2003, pp316-317).

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148

1697, constitui mais um lance no embate entre o governador-geral Dom João de

Lancastre e Artur de Sá e Menezes, que disputavam entre si a jurisdição política da

região”.

Se o governador-geral não conseguiu retomar para Salvador a administração

das minas, pelos menos garantiu no Regimento de 1702 a exclusiva permissão de

se utilizar o Caminho da Bahia para abastecer as minas com gado bovino. Podemos

dizer que essa foi uma concessão negociada entre Rio de Janeiro, Salvador e

Lisboa, tendo um dos caminhos reais como palco de ação.

O fechamento parcial do Caminho da Bahia atendia aos interesses da Real

Fazenda, bem como dos paulistas, que tinham no Caminho Geral do Sertão (São

Paulo) e no Caminho Velho (Parati) a possibilidade de monopolizarem o controle dos

direitos de passagens e entradas e, sobretudo, no fornecimento de mantimentos aos

viajantes que se dirigiam aos ribeirões auríferos. Nesse período de escassez de

mantimentos, alguns paulistas perceberam que fabricar roças de abastecimento ao

longo dos caminhos era tão ou mais lucrativo quanto a exploração aurífera. Tomé

Portes Del Rei é um exemplo desses paulistas que,

situando-se na mesma passagem [caminhos de São Paulo], viveu anos de fabricar mantimentos para vender aos mineiros que passavam para as Minas ou voltavam para os povoados fazendo neste negocio altíssimas fortunas, até que, pelos cascalhos que se descobriam pelos barrancos do rio [rio das Mortes], fazendo experiência neles, descobriu ouro147”

Nesse primeiro sub-período da circulação aurífera, a função dos três principais

caminhos - Caminho Geral do Sertão, Caminho da Bahia e Caminho Velho de Parati

147 Notícias dos primeiros descobridores das primeiras minas de ouro pertencentes a estas Minas Gerais, pessoas mais assinaladas nestes empregos e dos mais memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios. In: Códice Costa Matoso (1999, p.183).

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– foi conduzir ao interior aurífero os paulistas,148 os aventureiros vindos de todos os

núcleos e vilas da América Portuguesa, bem como os reinóis que chegavam

principalmente a partir dos portos de Salvador e Rio de Janeiro.

Como a posse e a distribuição das datas auríferas estavam diretamente ligadas

à quantidade de escravos que cada pleiteador de datas auríferas possuía, foi por

esses caminhos que também chegou a mão-de-obra escrava indígena e negra, seja

da África ou das lavouras canavieiras da Bahia e Pernambuco. Foi por esses

primeiros caminhos que levas de homens que “deixaram suas terras e a meterem-se

por caminhos tão ásperos como são os das minas, que dificultosamente se podera

dar conta do número das pessoas que actualmente lá estão149”. Mais que fazer

escoar o ouro para os portos, esses caminhos levaram milhares de homens com o

mínimo necessário para a sua manutenção no sertão, porém, “com a sede insaciável

do ouro150.

Segundo Furtado (2000), o que fazia atrair tanta gente das mais variadas

condições sociais para os sertões auríferos era a possibilidade de enriquecimento

com pouco investimento, bastando algumas poucas ferramentas e alguns escravos,

uma vez que essa era a condição básica para pleitear datas auríferas151;

148 Segundo Holanda (2003, p.324), “a posse das minas havia sido garantida aos seus descobridores pelo ato real de 18 de março de 1694, que deles exigiu apenas o quinto devido à Régia Fazenda”. Assim que a imigração se intensificou e os paulistas se viram em condições de disputa como os reinóis pela posse aurífera, e estando certos de que a posse das minas cabia a eles e não aos “estrangeiros”, a Câmara de São Paulo manda carta ao Rei (07/04/1700), solicitando que “não fossem doadas datas de terras nas minas, senão aos moradores da Vila de São Paulo e das Vilas anexas”. 149 Antonil (2001, p.242). 150 Antonil (2001, p.242). 151 De acordo com o Regimento aurífero de 1702, depois de distribuídas as três primeiras datas auríferas (primeira data ao descobridor - “aonde ele apontar”-; a segunda data à Real Fazenda – também de “boa pinta”; a terceira data, também ao descobridor) passava-se o guarda-mor a distribuir as datas auríferas “pelos escravos que cada hum tiver, que em chegando a doze escravos ou dahi para sima, fará repartição de huma data de trinta braça [cada braça media aproximadamente 2,20 metros] conforme o estilo e aquellas pessoas que não chegarem a ter doze escravos, lhe serão repartidas duas braças e meia por cada escravo” [..] para evitar que se houvesse queixa “nem dos pobres nem dos ricos” quanto a localização das todas, o regimento previa que a partir do terceiro lote todos fossem sorteados. Regimento do Superintendente... Apêndice documental In: Antonil (2001, pp.394-98).

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diferenciando-se, assim, da economia açucareira, que exigia vultosos investimentos

para financiar uma empresa de dimensões relativamente grandes. Para Sodré

(1990, pp.136-37) a economia mineradora não estava presa à terra. Para o autor:

a mineração configura a desvalia da terra. Não é a propriedade de terra que tem importância, só o ouro tem importância. Esgotado o veio, a terra em si não tem valor, e o minerador passa adiante em busca de outra área. Não disputa um título de propriedade, mas um título de concessão para minerar.

Na primeira década da mineração, a Coroa portuguesa não se preocupou com

o intenso movimento migratório para o interior. Afinal, em condições tão fáceis de

extração e com tão pouco investimentos, quanto mais pessoas com seus escravos

rumassem para as minas, maior seria o Quinto Real arrecadado, o que lhe

possibilitaria a recuperação da profunda estagnação econômica das décadas de

1670 a 1680 e um novo suspiro no quadro geopolítico europeu. Cavalcante (2006,

pp 52-3) problematiza esse desinteresse da Metrópole em controlar com mais afinco

a extração aurífera nesses idos, até porque nem ela mesma sabia o quanto seriam

rentáveis (tempo e quantidade) os ribeirões auríferos152, tanto que o primeiro

regimento das minas foi escrito pelo governador da Repartição do Sul, Artur

Meneses, em 1700, e não por Lisboa.

Zemella (1951, p.98) também corrobora essa interpretação ao afirmar que “a

princípio, o governo luso viu com bons olhos esse ‘rush’ delirante. Procurou facilitar o

acesso às jazidas porque quanto mais gente havia nas minas lavrando o ouro, mais

quintos entravam para o Erário Real”. Para a autora, várias foram as formas de

152 Para Romeiro (2005, p.211), “o Conselho Ultramarino reagiu com cautela e prudência às notícias dos descobertos auríferos. Do ponto de vista econômico, o risco da ruína da economia açucareira impunha a escolha entre a agricultura e a mineração e a grande maioria dos conselheiros não estava disposta a investir naquilo que se lhes afigurava uma miragem efêmera”.

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incentivar a entrada de moradores do Rio de Janeiro153 no “fabrico” de roças pelos

caminhos Geral e Velho (Parati).

Se a preocupação era apenas garantir o aumento do Quinto Real, uma carta do

Juiz da Casa da Moeda, endereçada a Dom Pedro II em 26/06/1700, é reveladora:

em razão da riqueza do mineral e de muita gente que se acha nas minas e a que todos os dias esta indo, uns a tirar ouro, outros com mantimentos e todos com sede de trazer ouro, que nenhum lá vai a outro fim.154( grifo nosso)

Os primeiros caminhos foram a condição material necessária para esse

movimento de verdadeira invasão dos sertões. Todavia, e muito rapidamente, os

representantes metropolitanos na América Portuguesa e no reino perceberam que o

movimento migratório era uma faca de dois gumes: tanto poderia produzir riqueza,

quanto levar a pobreza para os diferentes nós da rede colonial portuguesa. Assim, já

nos últimos anos dos Seiscentos, começam a aparecer preocupações quanto ao

estado da fome instalada, do despovoamento dos núcleos coloniais e da ausência

de normatização das áreas de mineração, e o quanto tudo isso era prejudicial ao

Erário Real.

De acordo com Mello e Souza (2004, p.41), “o grande paradoxo inicial é o signo

da fome que marcou o nascimento das minas de ouro”. Em 20/05/1698, o

governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá e Meneses, informou Dom Pedro II, que

naquele ano os mineiros se quer haviam trabalhado nas minas, devido a grande fome que experimentaram, que chegou a necessidade a tal extremo que se aproveitaram dos mais imundos animais, e faltando-lhes estes para poderem alimentar a vida, largaram as minas e fugiram para os matos com seus escravos a sustentarem-se das frutas agrestes que neles achavam155

153 Manuscrito do Arquivo Nacional, coleção governadores do Rio de Janeiro, livro VI, folha 42. Cf. Zemella (1951, p.39). 154 Arquivo Histórico Ultramarino, rio de Janeiro, 2404. Cf. Silva (1991, p.240). 155 Cf. Vasconcelos (1948, p.199).

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152

A fome era tanta e a escassez de mantimentos tão presente no cotidiano dos

primeiros mineiros que as práticas de caça de animais selvagens, de pesca e de

coleta de frutos selvagens tornaram-se fundamentais para a sobrevivência,

principalmente nos dois períodos em que fome foi mais marcante: 1697-1698 e

1700-1701. A carta de Baltasar de Godoy, para o rei Dom Pedro II, em 1705, é

reveladora sobre o estado de desespero pelo qual passavam esses homens, pois,

frente a tanta fome, a solução foi partir para a “cassa e frutas agrestes”. No entanto,

“como a gente fosse crescendo, diminuiu-se tudo, e está exausto o sertão de forma

que não poderão viver com esta falta156”. Esse trecho, além de nos revelar as

condições de sobrevivência dos primeiros mineradores, fortemente dependentes dos

recursos naturais, revela-nos também o impacto direto da atividade extrativista em

tão pouco tempo de exploração: “a exaustão” que, hoje, poderíamos chamar de

extinção da fauna e flora.

Evidentemente que a falta de mantimentos nas Minas de Ouro elevou em muito

o preço dos poucos produtos que lá chegavam, fazendo da fome uma condição de

todos, dos escravos e dos seus donos. Antonil (2001, pp.255-57) apresenta uma

lista de gêneros e seus respectivos preços, “repartindo-os em três ordens: coisas

comíveis, os vestuários e armas e o dos escravos e cavalgaduras, tudo em oitavas

de ouro157. Para efeito de ilustração escolhemos alguns desses itens:

a) Coisas comíveis:

1 Boi – 100 oitavas; 60 espigas de milho – 30 oitavas; 1 alqueire (aproximadamente 13 litros) de farinha de mandioca –

40 oitavas; 1 paio – 3 oitavas;

156 Carta de Baltasar de Godoy Moreira a Dom Pedro II. Minas Gerais, 31/07/1705. Arquivo Histórico Ultramarino – Rio de Janeiro. 3101. Cf. Apêndice documental In: Antonil (2001, p.419). 157 “não havendo nas Minas outra moeda mais que ouro em pó, o menos que se pedia e dava por qualquer coisa [se pagava] em oitavas”. Antonil (2001, p.254).

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1 galinha – 3 ou 4 oitavas; 1 queijo da terra – 3 ou 4 oitavas; 1 arroba (15 kg) de açúcar – 32 oitavas; 1 barrilote de aguardente – 100 oitavas;

b) Coisas de vestir e armas:

1 camisa de pano fino – vinte oitavas; 1 camisa de linho – 4 oitavas; 1 par de sapatos de cordovão - 5 oitavas; 1 espingarda sem prata – 16 oitavas; 1 faca de ponta – 6 oitavas;

c) Negros e cavalgaduras

1 negro bem feito, valente e ladino – 300 oitavas; 1 mulata de partes – 600 oitavas; 1 cavalo sendeiro – 100 oitavas; 1 cavalo andador – 2 libras (aproximadamente 1 Kg) de ouro158;

Aqueles foram os anos em que a fome atingiu seus limites extremos.159 A partir

de então, procurou-se atentar mais para as roças de abastecimento, conforme

parecer do Conselho Ultramarino de 02/03/1702:

conveniente parecia que aqueles campos gerais se povoassem e cultivassem para que seus moradores e cultivadores reparassem os danos que se temem e já se vão experimentando naqueles sertões por inabitados e a falta de mantimentos por incultos.160

Anos depois, em 1711, Antonil (2001, p.253) escreveria que “logo se fizeram

estalagens e logo começaram os mercadores a mandar às minas o melhor que

chega nos navios [...], assim de mantimentos como de regalo e de pomposo para se

vestirem”. Segundo Mello e Souza (2004, p.44), “a fome nunca mais chegou a ter tal

158 Antonil (2001, pp255-257). 159 Bicalho (2003, p.319) nos revela que o forte movimento migratório para as minas também teve rebatimento no abastecimento da cidade do Rio de Janeiro, produzindo alta inflação sobre os preços dos alimentos. 160 Consulta do Conselho Ultramarino: 02/03/1702. In: Documentos Históricos do Rio de Janeiro, XCIII, pp 132-134.

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154

alcance, pois a concentração de riquezas e a crescente estratificação social fizeram

com que ela voltasse a atuar somente no seu círculo costumeiro: o da pobreza.”

Outro impacto produzido pela mineração na América Portuguesa foi o

esvaziamento de suas vilas, povoados e cidades pré-existentes à mineração. Muitos

desses núcleos ficaram bastante esvaziados, refletindo diretamente na manutenção

dos poucos que ficaram e em sua completa desestruturação econômica, a exemplo

dos plantéis açucareiros das capitanias de Pernambuco e Bahia, além do abandono

e desguarnição dos fortes litorâneos.

Zemella (1951, p.40) apresenta interessante documento que revela a

preocupação vivida em 1704 por Álvaro da Silveira Albuquerque com a guarda da

cidade do Rio de Janeiro, ao comunicar ao governador da Bahia que “a cada dia me

acho mais só, assim de soldados como de moradores, porque o excesso com que

fogem para as minas nos dá a entender que brevemente ficaremos sem ninguém161”.

A preocupação do governador se justificava em virtude do recrudescimento da

pirataria e do corso promovidos pelos países inimigos de Portugal, mas, sobretudo,

frente a maior importância que o porto do Rio de Janeiro assumira com o Regimento

das minas de 1702, que obrigava que todo carregamento de ouro devesse ser

escoado para a Metrópole a partir dele. “Temor, cautela e prevenção eram palavras

de ordem incessantemente reiteradas na correspondência ultramarina” (BICALHO,

2003, p.318). Entrementes, pelo mesmo caminho que escoava o ouro, o governador

via a sua já reduzida tropa de soldados dissipar-se162, o que fazia do porto e da

161 Manuscrito do Arquivo Nacional. Coleção Governadores do Rio de Janeiro, livro XIII A, f. 273 v. Cf. Zemella (1951, p.40). 162 Segundo Silva (2001, p.243), a fuga dos soldados ou arregimentados para as minas não cessou ao longo da primeira década do século XVIII, de forma que “quando foram recrutados três regimentos de infantaria para o Rio de janeiro, a maior parte dos soldados fugiu para a região das minas, sem haver nenhum remédio para se proibir o seu roteiro”. Por este motivo, conformando-se com as sugestões do Conselho Ultramarino, Dom João V tomou medidas drástica contra os desertores: pena de galés, obrigação de participarem, agrilhoados, nas obras de fortificação do Rio de janeiro, ‘para

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155

cidade do Rio de Janeiro altamente vulneráveis às invasões estrangeiras, o que de

fato veio a ocorrer em 1711, com a frota comandada pelo francês Duguay Trouin163.

Além dos soldados, muitos dos artesãos e oficiais mecânicos (sapateiros,

latoeiros, ferreiros, entre inúmeros outros) saídos de diferentes vilas e cidades do

Brasil e do Reino também procuravam as Minas, tanto para minerarem com alguns

poucos escravos, quanto para exercerem seus respectivos ofício e se beneficiarem

dos altos preços pagos por seus produtos. Boxer (2000, p.76) nos revela que, em

1703, “a câmara de São Paulo era informada de que havia queixa em toda a cidade

pelo fato de estarem os alfaiates e sapateiros cobrando preços desaforados pelos

seus trabalhos”, resultado da fuga desses profissionais para a região mineradora.

Holanda (2003 e 2000) analisa detalhadamente o impacto das descobertas auríferas

e da mineração para as vilas da capitania de São Paulo.

A “qualidade” da população que migrava para as Minas era outra preocupação

da Metrópole e de seus representantes na Colônia, pois, distante de qualquer núcleo

com as insígnias da Coroa, o poder real e a normatização eram extremamente

frágeis nos núcleos minerais, o que poderia ameaçar a manutenção da exploração

aurífera. José João Teixeira Coelho, escrevendo em 1780 sua “Instrução para o

governador da capitania de Minas Gerais” não deixou de registrar tal preocupação

presente nos discursos dos primeiros anos do XVIII: “a distancia em que residia esse

que esta injuria e igonominia tão pública os faça abster de se absterem-se’”. Consulta do Conselho Ultramarino, Lisboa, 27/03/1711, Arquivo Histórico Ultramarino, Códice nº 20, ff.309-310; carta de Dom João V a Francisco de Castro Moraes; governador do Rio de Janeiro, Lisboa, 28/03/1711. In: DISP, XLIX, pp. 20-2. 163 Bicalho (2003), desenvolve profundo estudo sobre as condições e políticas e segurança (militares) da cidade do Rio de Janeiro, também analisa o impacto da invasão francesa na economia da cidade e da Colônia.

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156

governador fez infrutosa todas as suas providencias e se reduziram as minas a uma

total desordem, sendo o melhor direito de cada um o mais forte164”.

Os relatos, documentos oficiais e narrativas históricas que tratam dessa

temática estão impregnados das representações que se construíram a partir da

Guerra dos Emboabas, em 1708. Aqueles que foram escritos por paulistas, tendiam

a valorizar suas descobertas e suas ações165 em detrimento dos reinóis e vice-

versa166.

Antonil (2001), ao relatar “as pessoas que andam nas minas e tiram ouro dos

ribeiros”, não deixou de mostrar a preocupação com a “qualidade” dessa gente que

tinha as mais diferentes origens: reinóis e coloniais das mais diferentes localidades,

raças, condições sociais e idade. Mas o problema não era única e exclusivamente a

“mistura de toda a condição de pessoas” mas o estado em que viviam e a ausência

de um poder que se impusesse a todos, sob o mando do Poder Metropolitano. Para

o cronista:

sobre esta gente, quanto ao temporal, não houve até o presente cocção ou governo algum bem ordenado, e apenas se guardam algumas leis que pertencem às datas e repartições dos ribeiros. No mais, não há ministros nem justiças que tratem ou possam tratar do

164 COELHO, Jose João Teixeira. Instrução para o Governo da Capitania de Minas Gerais. Introdução de Francisco e Iglesias. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1994. 165 O relato de um paulista em 1750 que esteve nas minas desde o início dos seus descobrimentos mostra/evidencia a representação que os paulistas construíram dos portugueses, culminando na Guerra dos Emboabas: “neste estado se achavam as minas, correspondendo o rendimento ao custoso trabalho com mineiros com rendosas conveniências, aumentando cada vez mais o concurso dos negócios e do [//] povo, e do povo de várias partes, e maiormente filhos de Portugal, entre os quais vieram muitos que, senso mais ardilosos para o negócio quiseram inventar contratos de vários gêneros para mais depressa e com menos trabalho, encherem as medidas a que aspiravam da incansável ambição [...]”. Notícias dos primeiros descobridores das primeiras minas de ouro... Códice Costa Matoso (1999, p.192). 166 Em contraposição aos reinóis assim relatavam os paulistas “com esta administração de justiça se governaram estas Minas alguns anos, porém sempre os paulistas, como mais poderosos, dominavam a tudo e faziam insultos, tratando com grande desprezo aos reinóis [...]. Viana, homem de grande valor, não só a ele haviam os paulistas de matar, mas a todos os reinóis, para ficarem senhores das Minas, que este era o seu intento, mas saiu-lhe frustrado, porquanto Viana agregou a si muita gente e com ela se defendeu belamente dos paulistas.” Relação de algumas antiguidades das Minas [documento anônimo, Vila Rica, 1750]. Códice Costa Matoso (1999, p.218).

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castigo dos crimes que não são poucos, principalmente dos homicídios e furtos167.

Em 1701, Dom João de Lencastro, governador-geral do Brasil, mostrou-se

preocupado política e economicamente com o resultado desse movimento de

pessoas que se dirigiam às Minas dos Cataguases “sem alguma limitação no

número ou exceição nas pessoas”. Para ele, essa gente vivia nas minas

“soltamente, sem o freyo e o temor das leys e da justiça”. Vivendo em tais condições

poderiam facilmente se rebelar contra o Rei, sua justiça e seus impostos168, criando

uma instância autônoma à la “huma nova Gênova”. Mostrava-se, também, muito

preocupado com a queda do preço do ouro no mercado internacional, pois, quanto

mais gente se dedicar à extração, “abundará o Reino e o Brazil em mais ouro do que

há conveniente. Que importa haver muito ouro se chegar a valler como prata?169”.

Revelando as mesmas preocupações de João de Lancastro, o desembargador

João Pereira do Vale informou ao Rei Dom Pedro II, em carta datada de 07/12/1705,

que “se do ouro que nelas [minas] se tira cada anno se pagassem os quintos e datas

com pontualidade, teria Vossa Majestade mais de cem arrobas cada ano

[arrecadado com o Quinto Real]”. Todavia, bem lembra o desembargador, “esta

arrecadação só será possível se o governo dellas se estabeleser de modo que

naquelles montes, dezertos e caminhos possa resplandesser a justiça”,

167 Antonil (2001, pp.244-45). 168 Poderia formar-se naquele sertão “uma nova Geneva ou Vallocouto de criminozoz, vagabundos e malfeitores que poderam vir a crescer pelo tempo adiante em tanto número que ponhão em cuidado todo este Brasil que será, se lhes der na cabeça, fazerem se fortes e rebeldes naqueles citios”. Copia do papel que o Senhor Dom Joam de Lancastro fez sobre a recadaçam dos quintos do ouro das minas que se descobrirão neste Brazil na era de 1701. Bahia, 12/01/1701. Arquivo Casa de Cadaval. Códice 1087, ff. 488-490. Apêndice Documental. In: Antonil (2001, p.436). 169 Copia do papel que o Sr. Dom Joam de Lancastro... Cf. Apêndice Documental. In: Antonil (2001, p.436).

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158

principalmente sobre as ações dos paulistas porque “nêm contra elles há poder que

os sojeite nem rezão que os convença, e assim não pagão quinto [...]170”.

As posições políticas de ambos divergiam das do governador do Rio de

Janeiro, Artur de Sá e Meneses, que se mostrava bastante entusiasmado com a

grande quantidade de ouro extraído, a exemplo de uma bandeira que “descobriu e

socavou o ribeiro que chamam de Bento Roiz, nome do cabo, de tanta grandeza que

tirarão dele alguma bateyadas de duzentas e trezentas oitavas, sendo a pinta geral

de duas e três oitavas171”.

O que estava em jogo não era a qualidade de vida dos mineiros e seus

escravos, não era o problema da escassez de alimentos ou da violência vivenciada,

mas o que tudo isso poderia interferir no objetivo único da Coroa: a arrecadação do

imposto aurífero – o Quinto Real.

Para Anastásia (2005, p.33), esse estado da ocupação das minas revela que,

nos primeiros anos da mineração, o Estado não teve presença marcante na região.

Nessa mesma linha de pensamento, Boxer (2000, p.77) afirma que “alguns anos

passaram antes que a Coroa e seus conselheiros compreendessem integralmente a

importância da corrida do ouro em Minas Gerais”. Quando isso de fato ocorreu, por

volta dos primeiros anos do século XVIII, a primeira preocupação foi controlar o

acesso e a entrada de pessoas nas minas e, para isso, a forma encontrada foi

controlar os primeiros caminhos. Não bastava impor uma lei, mas sim fazer com que

ela se materializasse. Assim, proibir a circulação, controlar a produção, a migração e

a sonegação do quinto eram o fim, o objetivo final. No entanto, o meio encontrado

para a efetivação de tais ações estava no espaço, mais precisamente num sistema

170 Carta de João Pereira do Vale a D. Pedro II. Rio de Janeiro, 07/12/1705. Arquivo Histórico Ultramarino – Rio de Janeiro – 3100. Cf. Apêndice Documental. In: Antonil (2001, pp.408-09). 171 Basilio de Magalhães. Expansão Geográfica, (1978. p.223).

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159

de circulação que ia se forjando sobre esse espaço. Para Romeiro (2005, p.210),

“não é à toa que todas as propostas enviadas ao Conselho Ultramarino para

estabelecer o ‘governo de minas’ – conforme a expressão da época – tinha como

ponto de partida a questão dos caminhos”.

Proibir ou controlar a entrada de pessoas nas Minas foi a primeira de quatro

medidas adotadas por Dom João de Lencastro, em 1701, para que se evitasse o

descaminho e aumentasse a arrecadação da Real Fazenda. Para ele, era

necessário que houvesse lei que fosse:

inviolável sob a pena de morte e confiscação de bens que ninguém possa ir as minas sem passaporte do capitão general deste Estado do Brazil e dos governadores de Pernambuco e Rio de Janeiro, os quaes poderam passar com ordem especial de Vossa Majestade, os dittos passaportes a certo número de pessoas que Vossa majestade mandar, alguns homens de negocio e mercadores ou seus comissários, e sô estas pessoas que aquy aponto me parece conveniente que vam às ditas minas, por assim convir ao serviço de Vossa Majestade172.

Uma vez estando o Caminho da Bahia proibido, o controle da entrada de

pessoas para o interior aurífero deveria recair sobre os dois caminhos tornados

oficiais até então, o de São Paulo e o do Rio de Janeiro. O governador do Rio de

Janeiro, Dom Álvaro da Silveira e Albuquerque (junho de 1702 a abril de 1704)

escreveu ao Rei uma carta “mostrando a conveniência de erguer-se um reduto na

villa de Parati, a fim de impedir o rush do Rio de Janeiro para as minas e evitarem-se

os descaminhos do ouro173”.

Assim, são esses três primeiros caminhos que conduziram os interesses

localizados fora das Minas para dentro das Minas. Nessas duas primeiras décadas

da mineração, em virtude do caráter simbólico que os sertões auríferos possuíam e 172 Copia do papel que o Sr. Dom Joam de Lancastro... Cf. Apêndice Documental. In: Antonil (2001, p.437). 173 Carta do governador do Rio de Janeiro, D. Álvaro da Silveira e Albuquerque ao Rei D. Pedro II. Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. Vol. LI, p.128. Arquivo do Estado de São Paulo.

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160

da configuração territorial até então predominante na América Portuguesa, a função

dos caminhos ou da circulação para as minas era, em primeiro lugar, possibilitar a

ocupação e a posse dos ribeirões auríferos. Na lógica nos mineradores, fossem eles

paulistas ou portugueses, o que era fundamental era chegar os mineiros e,

evidentemente, aposse conforme a tradição mandava. A tônica dos relatos e

documentos históricos evidencia esse processo, pois o que menos aparece é a

segurança, a justiça e o poder normatizador da Metrópole.

Nessas condições, os caminhos deixaram de ser “rotas de reconhecimento”

para serem rotas ou vias ou de conquistas territorial. Todavia, o poder régio não

circulou por eles e nem se instalou neles na densidade necessária para transformar

aqueles fundos territoriais em territórios verdadeiramente “usados”, entendidos aqui,

sob a égide do Rei. Na verdade, a opção que a Coroa fez pelos caminhos de São

Paulo e do Rio de Janeiro em detrimento ao Caminho da Bahia – este último

amplamente reconhecido como o de melhores condições de circulação – fora política

e econômica e, não havendo nenhum interesse em impugná-lo, não restava outra

saída que não fosse encontrar um outro caminho mais direto e menos traumático

para a circulação. A segunda alternativa apontada pelo governador-geral do Brasil,

Dom João de Lancastro, em 1701, para evitar as “prejudicialíssimas conseqüências

que ou podem rezultar destas minas ou já rezultam cá no Brazil” era que “se

applique toda a indústria possível (empreza que já comecey) para que se descubra e

achasse o caminho mais fácil e mais breve para as dittas minas174”.

O desembargador João Pereira do Vale, ao escrever ao Rei Dom Pedro II em

07/12/1705, também ressalta a importância de se abrir um novo caminho. 174 Cópia do papel que o Sr. Dr. Joam de Lancastro... Cf. Apêndice Documental. In: Antonil (2001, p.438). O governador na ocasião indica que a melhor rota seria pela Vila de Espírito Santo “por ser distante do lugar das minas quarenta léguas pouco mais ou pouco menos, e ser villa marítima mais fortificada e forte pela natureza”. O Governador-Geral não faz menção ao Caminho Novo de Garcia Rodrigues porque ao que tudo indica ele não era ainda “um caminho” e pouco se circulava por ele.

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161

Entrementes, ao contrário do governador-geral, defende que o caminho deveria

partir do sertão do Rio de Janeiro

que dizem será mais breve, e mais seguro [...] este novo caminho, suposto esteja comedido ao cuidado de Garcia Roiz, não está feito nem por elle vai pessoa alguma, antes dous homens que o cometerão renderão as vidas em sumo dezemparo, e para se pôr coerente necessita de grande cabedal para fazer rossas e plantar mantimentos, sem os quais não he possível que tenha effeito este intento175.

Havendo três caminhos para as minas, a questão não era abrir mais um

caminho, mas sobrepor a esses uma base material e normativa que pudesse, na

perspectiva metropolitana, dotar os sertões das Minas Gerais dos Cataguases de um

sistema de circulação que, além de mais rápido e seguro na fluidez do ouro,

mercadorias, alimentos, pessoas e informações, também pudesse ser o próprio meio

de controle e arrecadação dos impostos oriundos da produção aurífera e, também,

da própria fluidez de pessoas e mercadorias. Em outras palavras, podemos dizer

que a exploração das minas de ouro ocorreu num ritmo veloz em detrimento da

circulação e da normatização régia, que permaneciam muito lentas.

175 Carta de João Pereira do Vale... Cf. Apêndice Documental. In: Antonil (2001, pp.411-12).

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162

4.2 – Segundo período da circulação: normatização territorial

4.2.1 - O Caminho Novo de Garcia Rodrigues ou Caminho do Couto

Diante do quadro social encontrado no primeiro período da circulação nos

sertões auríferos, onde o dourado do ouro era substituído na representação colonial

pelo vermelho do sangue, não é de se estranhar que o então governador do Rio de

Janeiro, Artur de Sá e Meneses, tenha realizado três viagens para essas paragens.

Com exceção dos governadores da capitania de São Paulo, quase nenhum

governador tinha realizado tamanha aventura até então: adentrar os sertões da

América Portuguesa.

O que estava por trás dessas viagens era “dar conta” (sic) dos

descobrimentos, levar o poder régio corporificado em sua pessoa aos ditos sertões,

e apaziguar os conflitos por meio da distribuição das datas auríferas e sesmarias

para o cultivo de gêneros da terra. Mas seu objetivo maior era lembrar que aquelas

terras pertenciam ao Rei e que, por isso, deveriam todos pagar o imposto devido: um

quinto de todo o ouro produzido.

Na primeira viagem, o governador partiu do Rio de Janeiro em 16 de outubro

de 1697 e regressou em maio de 1698176, totalizando sete meses de viagem e de

estada nos ribeirões auríferos. Se Antonil (2001, p.277) estava certo de que “gastam

os paulistas desde a Vila de São Paulo até as Minas Gerais dos Cataguás pelo

menos dois meses”, acrescentando o trecho entre Rio de Janeiro e São Vicente (por

mar) e deste último até São Paulo (subindo a Serra do Mar), podemos inferir que

somente a viagem - ida e volta - tenha durado entre quatro e cinco meses. Era uma

condição de tempo-espaço demasiada alargada para fazer chegar novos mineiros, 176 Consulta do Conselho Ultramarino, 30/10/1698 e carta do Senado da Câmara de São Paulo a Dom Pedro II, 04/03/1698, AHU, Rio de Janeiro (2.128 e 2.100). Cf. Silva (2001, p.258).

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para o abastecimento de gêneros básicos para a manutenção da vida e, sobretudo,

para o controle régio, permitindo múltiplas possibilidades de se descaminhar o

imposto devido. O tempo de permanência do governador nas minas recém-

descobertas era também muito alargado, principalmente em um período de ameaças

de invasões estrangeiras.177 Nesse sentido, não é de se estranhar que a intenção da

abertura de um caminho que ligasse diretamente a cidade do Rio de Janeiro às

Minas Gerais já aparecesse em sua carta endereçada ao Rei, em 24 de maio de

1698. Nela, o governador demonstra preocupação com “o extravio do ouro por

caminhos outros, com as dificuldades que se acham os mineiros de todas as vilas e

os do Rio de Janeiro de [lá} chegarem”, como fica expresso no trecho seguinte:

pareceu-me conveniente ao serviço de Vossa Majestade buscar todos os caminhos para que os quintos do ouro de lavagem não se extraviem, e continuem aumentando das minas; como as dos Cataguases são tão ricas pareceu-me preciso facilitar aquele caminho de sorte que convidasse a facilidade dele aos mineiros de todas as vilas e aos do Rio de Janeiro a irem minerar, e poder ser as minas providas de mantimentos o que tudo redundará em grande utilidade da Fazenda de Vossa majestade 178.

O governador deixa claro na carta sua orientação política: ligar o Rio de

Janeiro diretamente às Minas Gerais, contrariando os interesses dos paulistas que

tiravam grandes vantagens com o Caminho Geral do Sertão e Caminho Velho de

Parati. Todavia, os compromisso assumidos pela Coroa para com os paulistas

impediam que o governador resolvesse os conflitos e os descaminhos

177 Essa preocupação foi manifestada no artigo 30 do Regimento Original do Superintendente, Guardas-mores e mais oficiais deputados para as minas de ouro que há nos sertões do Estado do Brasil. Consta que o governador do Rio de Janeiro não “possa ir às ditas Minas sem especial ordem minha, assim ele como os demais que lhe sucederem, salvo por um acidente tal que não possa esperar e que se lhe daria em culpa se a ela com prontidão não acudisse”. Cf. Apêndice Documental. In: Antonil (2001, p.403). 178 Carta de Artur de Sá e Meneses ao Rei, 24 de maio de 1698. Diogo de Vasconcelos, em seu livro História Antiga das Minas Gerais transcreve toda a carta, porém não fornece a fonte do documento. Zemella (1951) também faz uso da mesma carta e fornece como fonte: MS do Arquivo Nacional. Col. Governadores do Rio de Janeiro. Livro VI, p.142. Andrade (2002) apresenta como fonte: Carta de Artur de Sá e Meneses, 24 de maio de 1698. ANRJ, Códice 77, v.6, f142v-144v.

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diplomaticamente, pois, os paulistas utilizavam suas cartas de sesmarias e de

mercês, as vantagens e os privilégios concedidos pelo próprio Rei para proveito

próprio no jogo do poder instalado nas minas. A forma encontrada pelo governador

para impor sua orientação política e, fundamentalmente, diminuir o espectro de

poder dos paulistas foi fazer uso de um novo caminho fixado em um novo espaço,

preferencialmente que não estivesse sob controle dos paulistas e nem dos

emboabas. Dito de outra forma, o sertão começava a ganhar seu status de território,

uma vez que passava a ser incorporado como condição fundamental para definir e

delimitar [novas] relações de poder (SOUZA, 2000),179 e, por fim, controle territorial.

Podemos dizer que a intenção de um novo caminho não se limitava apenas a

direcionar as minas diretamente ao Rio de Janeiro, mas, também, desviar o poder

das mãos dos paulistas.

Nas condições de apropriação e de escassez encontradas nas minas, os

interesses do governador do Rio de Janeiro não poderiam ser impostos

unilateralmente sobre o território. Pelo contrário, era preciso acondicioná-los às

lógicas locais, recriando-os segundo os interesses políticos ali presentes. Assim,

continua em sua carta ao Rei:

[...] o que tudo redundará em grande utilidade da fazendo de Vossa Majestade, o que obrigou a fazer diligência em São Paulo por pessoa, que abrisse o caminho do Rio de janeiro para as Minas.180

Ao mesmo tempo em que a busca por um paulista para a realização da “dita

obra” poderia pôr em risco o redirecionamento político que começava a ser forjado

179 Segundo Souza (2000, p.78-9), “O território é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder. A questão primordial é [...] quem domina ou influencia e como domina ou influencia esse espaço? Este Leitmotiv traz embutida, ao menos de um ponto de vista não interessado em escamotear conflitos e contradições sociais, a seguinte questão inseparável, uma vez que o território é essencialmente um instrumento de exercício de poder: quem domina ou influencia quem nesse espaço e como?” (destaque do autor). 180 Carta de Artur de Sá e Meneses ao Rei, 24 de maio de 1698... Cf. Andrade (2002)

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na América Portuguesa, para os paulistas um novo caminho também poderia pôr em

risco todos os seus investimentos. Mas, na lógica de um território que começava a

se formar, cujo poder ainda se apresentava difuso, a convergência dos interesses

entre ambos poderia ser acatada naquele momento e retrabalhada em seguida.

Naqueles idos, a ameaça maior para os paulistas não vinha de um novo caminho

para o Rio de Janeiro, mas do Caminho da Bahia, que se apresentava tão mais

favorável para a circulação de toda e qualquer tipo de mercadoria e dos seus

inimigos – os emboabas -, tanto que imediatamente se prontificaram a realizar a

empreitada.

Na própria carta, o governador informa que um certo Amador Bueno havia se

oferecido para a abertura do caminho, porém “eram tão grandes os interesses que

me pedia, que o excusei sobre a dita diligência”. Como esse era um negócio de

grandes possibilidades lucrativas, o paulista Garcia Rodrigues, descobridor das

chamadas minas de esmeraldas,

se me veio oferecer com todo o zelo e interesse para fazer este em menos tempo porque pende o interesse de se aumentar os quintos pela brevidade do caminho; porque por este onde agora vão aos cataguases se porá do Rio não menos de três meses e de São Paulo cinqüenta dias pelo caminho que se intenda abrir, conseguindo-se, porão pouco mais de quinze dias181.

Para Martins Filho (1965, p180), o governador Artur de Sá e Meneses teria

oficialmente incumbido Garcia Rodrigues de abrir o referido caminho em 1699,

quando, em seu retorno das Minas dos Cataguás, passou pela na região da Borda

do Campo, onde o paulista já estava fixado com roças de abastecimento.182

181 Carta de Álvaro da Silveira de Albuquerque ao Rei, 15 de março de 1705. RIHGB, t. 84, 1920, p.35. 182 Portaria pela qual se fez mercê a Garcia Rodrigues Pais da Vila que pretendia edificar na passagem do Rio Paraíba do Sul (20/04/1703). AHUL 10.657. Cf. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, p.180).

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Antes de nos revelar uma simples negação a um e autorização a outro, a

carta nos revela os conflitos existentes entre os próprios “paulistas poderosos” para

definir quem iria controlar o Caminho Novo e seu território. Não foi o zelo e o

desinteresse por mercês que fez com que Garcia Rodrigues fosse agraciado com o

direito da abertura do Caminho Novo. Na verdade, ele:

Astuciosamente, apropriou-se de prerrogativas do suposto descobrimento dos campos gerais, região contígua aos descobertos auríferos (...). com isso, passou o sertanista-descobridor a deter capital simbólico necessário ao feito alegado – qualidade, honra, capacidade e crédito – que fez com que fosse imbatível na concorrência com outros bandeiristas [na abertura do outro caminho]. (ANDRADE, 2002, pp. 162-63)

O que estava em jogo era a possibilidade de grandes lucros com o comércio

em trânsito que se realizaria no novo caminho e da apropriação de seu território via

concessões de sesmarias e demais mercês. Percebendo que Garcia Rodrigues

ainda não havia deixado o seu caminho totalmente transitável nos primeiros anos da

década de 1700, outros paulistas também se colocaram à disposição na tarefa do

“descobrimento” de um caminho mais curto para as Minas, como um certo Félix

Madeira e seu filho Félix de Gusmão, além do bandeirante Antonio Machado. Félix

de Gusmão chegou a oferecer-se para abrir o caminho à sua custa, de forma que

pudesse ser transitado permanentemente. Todavia, Garcia Rodrigues já se

apoderara dessa função e, sobretudo, das prerrogativas que a obra lhe conferia

diante do Rei e dos administradores coloniais, tanto que, em 1704, o então

governador do Rio de Janeiro, D. Álvaro da Silveira e Albuquerque suspendeu

qualquer possibilidade da abertura de novos caminhos.

O mandei suspender, por se asentar não convir ao serviço de Vossa Magestade haver dous caminhos, mayormente tendosse por infalível

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que o mais útil era o Garcia Rodrigues quando o outro se houvesse de conseguir, o que estava em dúvida.183

A opção pelos paulistas para a abertura do Caminho Novo custou ao

governador assumir garantias não só com o “descobridor” do dito caminho, como

também com os demais moradores das vilas da capitania de São Paulo, pois foram

estes os que primeiro receberam sesmarias ao longo do Caminho Novo. Assim que

os paulistas perceberam que os habitantes do Rio de Janeiro também estavam

recebendo sesmarias ao longo do caminho, imediatamente escreveram ao Rei uma

representação, alegando serem eles “os conquistadores e descobridores dos

Campos Gerais dos Cataguases” (ROMEIRO, 2005, p.210), e que, por isso,

deveriam ter exclusividade no recebimento desse tipo de mercê. Percebe-se nesse

jogo que a alteridade não era somente uma característica dos vassalos mais baixos

na hierarquia clientelista do Antigo Regime Metropolitano. Se o governador Artur de

Sá e Menezes assumiu algum compromisso com os paulistas em sua estada na vila,

quando retornou à cidade do Rio de Janeiro, outros vassalos moradores dessa

capitania também aguardavam garantias e compromissos do então governador184.

Era preciso, sempre e constantemente, adequar o poder e as normas às demandas

cotidianas e aos interesses metropolitanos e dos homens coloniais.

No que se refere ao ponto de partida da abertura do caminho, há duas

correntes: os que defendem a idéia de que Garcia Rodrigues começou o caminho no

sentido sertão-litoral e os que defendem o sentido contrário, ou seja, do litoral para o

sertão. Para Abreu (1963), Carvalho (1931), Leite (1963), Vasconcelos (1948),

183Carta de Álvaro da Silveira de Albuquerque ao Rei, 15 de março de 1705. RIHGB. t. 84, 1920, p.35. 184 Para Andrade (2002, pp.165-66), “é muito provável que do ponto de vista econômico e comercial, em 1700, os colonos do Rio de Janeiro valorizassem mais o acesso aos campos de criação de gado bovino do que as minas de aluvião que, supunha-se, eram de parcos rendimentos. [...] Antes das primeiras manifestações das Minas de ouro dos cataguases, como anuncia com exagero Artur de Sá e Menezes, já havia a intenção de forjar este caminho para os campos gerais”.

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Martins Filho (1965) e Lamego (1963), o caminho teria partido da Borda do Campo,

local onde Garcia Rodrigues já tinha sesmarias recebidas como mercês das prévias

descobertas das minas de esmeraldas na expedição de seu pai e, posteriormente,

de suas próprias descobertas auríferas. Nessa leitura, presumi-se que antes mesmo

da abertura do caminho, Garcia Rodrigues já estava fixado com sesmarias entre a

cidade do Rio de Janeiro e as Minas dos Cataguases. Então, o que faltava era

colocá-los em comunicação185.

Em oposição a esses autores, Silva (2001) e Rodrigues (2002), apoiados em

um processo sobre Fernão Dias Pais, escrito por seu filho e transcrito por Capistrano

de Abreu, defendem que o caminho fora aberto no sentido contrário, ou seja, da

cidade do Rio de Janeiro para as Minas dos Cataguases:

É por convir ao bem comum daquelas capitanias cultivarem-se os campos gerais novamente descobertos por ele, o dito seu pai, em cuja diligência se andava há mais de 90 anos [Garcia Rodrigues Pais foi] avisar [em] São Paulo o governador Artur de Sá e Menezes [para que] viesse ao Rio [de] Janeiro para dar princípio à abertura do caminho; por entender da sua atividade e zelo com que se emprega em servir a Vossa Majestade, o poria em execução, o que fez vindo de São Paulo para a dita empresa em que fez considerável gasto, gastando dois anos em que trabalhou para abrir do dito caminho para os campos gerais com serventia conveniente para as minas do ouro, para as quais vai com mais brevidade e por ele se conduzem os quintos reais do ouro que pertencem a Vossa Majestade com mais facilidade e menos risco (...).186

Quanto à data de início da empresa, também não há muito consenso entre os

historiadores. Para Martins Filho (1965), ela começou a ser aberta em 1699. Já

Costa (2004) e Santos (2001) aceitam a data de outubro de 1698, quando a Coroa,

atendendo à recomendação do governador do Rio de Janeiro, aceitou a contratação

de Garcia Rodrigues para a abertura do novo caminho. Tais autores creditam essa

185 Segundo Carvalho (1959), Garcia Rodrigues possuía uma sesmaria nas margens do rio Paraíba e outra nas cabeceiras do rio Paraopeba, próximo à Borda do Campo. 186 Cf. Rodrigues (2002, p.16).

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data em função de uma solicitação feita por Garcia Rodrigues, onde consta que

dezoito meses depois de iniciada a empresa (abril de 1700), com a perda de alguns

escravos e tendo dificuldades para a abertura da picada na Mata Atlântica das

serras do Mar e da Mantiqueira, ele teria solicitado, em 1699, aos comerciantes,

moradores e sesmeiros do Rio de Janeiro, dez mil cruzados para terminar as obras,

o que lhe foi negado (SILVA, 2001)187, em virtude das próprias condições de

trafegabilidade do caminho, afinal, segundo inúmeros relatos do início dos

Setecentos, seu caminho aparentava “ser muito escabroso e deserto188”. Mas se o

“descobridor do caminho” não conseguiu o que queria junto aos moradores do Rio

de Janeiro, diante do governador seu poder de crédito continuava em alta, tanto que

conseguiu em 1699 o “direito exclusivo de fazer ou manter negócio” no caminho por

dois anos, a partir de 1700:

[...] em nome de sua majestade que Deus guarde conceder ao dito capitão Garcia Rodrigues Paes que só ele possa meter o negócio que lhe parecer pelo dito caminho por espaço de dois anos que terão principio [em 1700] e durante o dito tempo, nenhuma outra pessoa possa usar o dito caminho sem consentimento do dito capitão Garcia Rodrigues [...]189

O debate travado sobre o ponto de partida e a data de seu início nos revela

que, sob qualquer um dos pontos de vista, havia, de fato, um enorme interesse em

controlar o processo de exploração e circulação do ouro o mais rápido possível, bem

como o comércio que se estabeleceria com o caminho que ligava diretamente o Rio

de Janeiro às Minas Gerais.

187 Andrade (2002, p.165) também faz menção a essa solicitação da Garcia Rodrigues aos moradores do Rio de Janeiro, usando como fonte a Provisão de Artur de Sá e Meneses a Garcia Rodrigues Pais, de 02 de outubro de 1699, ou seja, apenas doze meses após a contratação do serviço com a Coroa. 188 Copia de outra [copia] escrita no século XVIII, a qual existe na Biblioteca Real da Ajuda, em um códice com o título: governo Próximo de Portugal, Tomo I, folhas 450 a 467. IHGB, lata 218, documento 7. 189 Provisão de Artur de Sá e Meneses concedendo a Garcia Rodrigues Paes o uso exclusivo, por dois anos, do caminho por este aberto entre o Rio de Janeiro e os campos gerais. Rio de Janeiro, 2 de outubro de 1699. RIHGS, São Paulo, 1913, v.18, p.363.

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Não há nenhuma documentação que indique que Garcia Rodrigues tenha se

apropriado de trilhas indígenas para a “abertura” de seu caminho. No entanto,

alguns documentos indicam que a região cortada pelo Caminho Novo já tinha sido

anteriormente percorrida por homens à procura de escravos e também de minas

auríferas190. Mas, segundo Venâncio (1999), a partir de novos descobrimentos

arqueológicos é possível afirmar que o bandeirante teria utilizado como sua guia,

uma antiga trilha indígena aberta há cerca de dez mil anos do presente (AP).191

Há vários relatos de viajantes que percorreram o Caminho de Garcia

Rodrigues ou Caminho do Couto, porém, em sua quase totalidade são relatos do

século XIX que, embora muito ricos, escapam de nosso recorte temporal.192 Dos

190 Segundo Franco (1989, p.252), um certo Salvador Fernandes Furtado de Mendonça percorreu em 1694 a região que futuramente viria a ser cortada por Garcia Rodrigues em busca de escravos índios. Em carta ao Rei Dom Pedro II, em 30/08/1705, Garcia Rodrigues deixa claro que em suas empresas, fossem elas de descobrimentos de esmeraldas, ouro ou de abertura de caminho, não dispensava do trabalho e do conhecimento indígena. Essa mão-de-obra era tão importante para seu projeto de domínio territorial que chegou a solicitar o direito de “administração delles e de outros muitos que pretendo reduzir pelo sertão e que possa aldealos na povoação de Paraiva [Paraíba] em serviço de Vossa Magestade”. Carta de Garcia Rodrigues Pais a Dom Pedro II. Rio de Janeiro, 30/08/1705. AHU – RJ – 3095. Apêndice Documental. In: Antonil (2001, p.247). 191 Para Venâncio (1999) “de acordo com pesquisas arqueológicas, a ocupação humana da rota [...] ocorreu há dez mil anos antes do presente (AP)” (p.185). Além dos achados arqueológicos, tanto ao longo dos caminhos, quanto nos pousios, uma característica marcante do caminho que comprova suas suposições é o fato do caminho estar “quase todo localizado em elevadas altitudes” (p.185), que segundo Beltrão (1978), citada pelo autor, “era uma forma da população indígena se proteger frente à mega fauna da época, como por exemplo, os temíveis dentes-de-sabre” (p.187). Após o período de extinção desses animais, a manutenção da rota pelos índios deveria se explicar por motivos religiosos. Embora o autor apresente algumas suposições para sua hipótese ainda nos faltam mais elementos para concordarmos totalmente com ele. Preferimos aceitar uma suposição mais genérica: se, até então, todos os demais caminhos e trilhas se fizeram utilizando o conhecimento indígena de circulação, é de se esperar que Garcia Rodrigues assim também o tenha feito, dada sua origem bandeirante paulista. 192 A primeira viagem de Auguste de Saint Hilaire às Minas Gerais ocorreu em 1816. Nesse percurso, utilizou o Caminho Real do Ouro – Estrada Real – até Vila Rica e, desta, até Vila do Príncipe pelo seu prolongamento chamado de Estrada do Mato. SAINT-HILAIRE, Auguste de, Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974. Há vários outros viajantes (botânicos, naturalistas, médicos, geólogos, comerciantes entre outros) que percorreram o Caminho Real no século XIX após a chegada da família Real no Brasil em 1808. Muitos deles também adentraram o interior utilizando outros caminhos que, nessa época, já tinham sido abertos para pôr em circulação o café e a agricultura de abastecimento interno. Costa (2005, pp.108-133), apresenta importante contribuição ao estudar seus relatos e produção iconográfica (mapas, aquarelas e desenhos). São eles: John Mawe, Ernesto Barão de Eschwege, João Severiano de Terrabuzi, Auguste de Saint-Hilaire e Carl Friedrich Philipp von Martius, John Luccock, Barão Georg Heinrich von Langsdorff, Thomas Ender, Johann Emmanuel Pohl. Alexander Caldeleigh, Alcide Dessalines D’ Orbigny e George Gardner.

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documentos estudados, encontramos dois que remontam ao início do século XVIII e

podem ilustrar um pouco a dinâmica que ia se operando ao longo do caminho na

primeira década dos Setecentos: o “Roteiro do Caminho Novo da Cidade do Rio de

Janeiro para as Minas” do Pe. Antonil, de 1711193, e o “Itinerário Geográfico com a

verdadeira descrição dos caminhos, estradas, roças, sítios, povoações, lugares,

vilas, rios, montes e serras que há da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro

até as Minas do Ouro”194.

Procurando recuperar o trajeto do Caminho Novo, recorremos novamente aos

relatos de Padre Antonil, onde consta que:

Partindo da cidade do Rio de Janeiro por terra195, com gente carregada e marchando à paulista, a primeira jornada se vai à Irajá; a segunda ao engenho do alcaide-mor, Tomé Correia; a terceira ao porto do Nóbrega no rio Iguaçu, onde há passagens de canoas e saveiros; a quarta ao sítio que chamam de Manuel do Couto. E quem vai por mar e embarcação ligeira, em dia se põe no porto da freguesia de Nossa senhora do Pilar; e em outro, em canoa, subindo pelo rio Morobaí acima, ou indo por terra, chega pelo meio dia ao referido sítio do Couto.

193 Cf. Antonil (2001, p.286-293). 194 “Itinerário Geográfico com a verdadeira descrição dos caminhos, estradas, roças, sítios, povoações, lugares, vilas, rios, montes e serras que há da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro até as Minas do Ouro”. Composto por Francisco Tavares de Brito. Sevilha. Na Oficina de Antonio da Silva MDCCXXXII [1732]. Com todas as licenças necessárias. In: Códice Costa Matoso (1999, pp. 898-910). Embora esse documento seja de 1733, ao estudá-lo e confrontá-lo com outras descrições do caminho, a exemplo do “manuscrito de Èvora, IHGB, coleção Enéas Martins Filho, lata 772, pasta 41” e dos comentários críticos de Silva (2001) para o referido caminho apresentado em Cultura e Opulência... por Antonil (2001), percebeu-se uma perfeita sobreposição dos lugares e toponímias. Nesse sentido, podemos afirmar que Francisco Tavares de Brito utilizou-se do mesmo documento dos demais, que, segundo Silva (2001), refere-se ao Manuscrito 148: “Descripçam do mapa geográphico que comprehende os limites do governo de São Paulo e Minas, e também os do Rio de Janeiro” a que se segue uma Descripção dos rios das ditas capitanias”, depositado na Biblioteca geral da Universidade de Coimbra. De acordo com o sumário explicativo do documento elaborado por Luciano Raposo de Almeida Figueiredo e Maria Verônica de Campos, o tal mapa teria sido elaborado em 1717, “que, com o acréscimo de uma pequena introdução e a atualização de alguns dados, foi transformado em roteiro para as Minas Gerais”. (Códice Costa Matoso, 1999, p.898). Em virtude dessa diferença de seis anos para com o documento de Antonil, justifica-se o aparecimento de mais localidades (roças e sítios). 195 Esse caminho por terra indicado por Antonil era de um antigo caminho já existente no Recôncavo da Guanabara, utilizado pelos produtores rurais aí instalados desde o início do século XVII. Percorria os trechos menos alagadiços do recôncavo. Embora mais longo e demorado que o trecho feito por água, foi muito utilizado pelos tropeiros porque evitavam os altos custos dos transbordos e do aluguel das embarcações.

Page 172: TRAMAS QUE BRILHAM

172

Deste se vai à cachoeira do pé da serra e se pousa em ranchos. E daqui se sobe a serra, que são duas boas léguas; e descendo o cume, se arranchando nos pousos que chamam Frios (...) Dos pousos Frios se vai à primeira roça do capitão Marcos da Costa; e dela, em duas jornadas, à segunda roça, que chamam de Alferes. Da roça do Alferes, numa jornada se vai ao Pau Grande, roça que agora principia e daí se vai pousar no mato ao pé de um morro que chama Cabaru. Deste morro se vai ao famoso rio Paraíba, cuja passagem é em canoas da parte daquém está uma venda de Garcia Rodrigues e há bastante rancho para os passageiros e da parte dalém está a casa do dito Garcia Rodrigues, com larguíssimas roçarias. (grifo nosso). Daqui se passa ao rio Paraibuna, em duas jornadas: a primeira no mato e a segunda no porto, onde há roçaria e venda importante e ranchos para os passageiros de uma e outra parte. É este rio pouco menos caudoloso que o Paraíba; passa-se em canoas. Do rio Paraibuna fazem duas jornadas à roça do Contraste do Simão Pereira; e o pouso da primeira é no mato. Da roça do dito se vai à do Matias Barbosa e daí à de Antônio de Araújo e, desta à roça do capitão Jose de Sousa; donde se passa à roça do Alcaide-mor Tomé Correa. Da roça do dito alcaide-mor, se vai a uma roça nova do Azevedo; e daí à roça do Juiz da Alfândega Manuel Correia e desta à de Manuel de Araújo. E em todas essas jornadas se vai sempre pela vizinhança do Paraibuna. Da roça do dito Manuel de Araújo, se vai à outra rocinha do mesmo. Desta rocinha se passa à primeira roça do senhor Bispo, e daí à segunda roça do senhor Bispo Da segunda roça do senhor do Bispo, fazem uma jornada pequena à borda do Campo196, à roça do coronel Domingos Rodrigues da Fonseca. Quem vai para o rio das Mortes passa desta roça à de Alberto Dias, daí à de Manuel Araújo,que chamam de Ressaca, e desta à Ponta do Morro, que é arraial bastante, com muitas lavras, donde se tem tirado grande cópia de ouro; [...] Deste lugar se vai jantar ao arraial do rio das Mortes. E quem segue a estrada das Minas Gerais da roça sobredita de Manuel de Araújo da Ressaca do Campo, vai à roça que chamam de João Batista; daí à de João da Silva Costa, e desta à roça dos Congonhas, junto ao Rodeio de Itatiaia, da qual se passa ao campo do Ouro Preto, aonde há várias roças e de qualquer delas é uma jornada pequena ao arraial do Ouro Preto, que fica mata dentro, onde estão as lavras de ouro (...) E de todo o dito caminho se pode andar em dez até doze dias (...) Do campo de Ouro Preto ao rio das Velhas são cinco jornadas pousando sempre em roças. (ANTONIL, 2001, pp.286-93, grifo nosso).

196 Atual Município de Antonio Carlos/MG, vizinho de Barbacena.

Page 173: TRAMAS QUE BRILHAM

Base Cartográfica: IBGE (2005).Fonte: Antonil, André João (2001); IHGB, Coleção Enéas Martins Filho: Lata 767, Pasta 53; Lata, 772, Pasta 34; Lata 772, Pasta 72; Lata, 774, Pasta 4; Lata, 770, Pasta 11Autoria: Rafael StraforiniExecução: Fernando Bezerra

MG

ES

BAGO

DF

SPPR

RJ

Legenda

Localidades - Denominações antigasCaminho do Couto ou de Garcia RodriguesAntigo Caminho de Terra FirmeRios Principais

!. Rio de Janeiro e Ouro Preto

MAPA 6: CAMINHO NOVO DE GARCIA RODRIGUES OU CAMINHO DO COUTO E SUAS INDICAÇÕES DE SÍTIOS, ROÇAS E POUSOS, SEGUNDO ANDRÉ JOÃO ANTONIL (1711)

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44°0'0"W

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22°0

'0"S

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Oceano Atlântico

Rio das Mortes

Rio Gran

de

Rio Preto

Rio Paraíba do Sul

Rio Paraibuna

®

50 025 KmEscala 1:1.800.000

Morro do Cavaru

Vila Rica

Rio de JaneiroIrajá

Engenho do Alcaide-mor Tomé Correia

PilarManoel do Couto

AlferesCachoeira do Pé da Serra

Pousos FriosMarcos da Costa

Pau Grande

Sítio de Garcia Rodrigues

Rio ParaibunaSimão PereiraMathias Barbosa

Antônio de AraújoCapitão José de SouzaAlcaide-mor Tomé Correia

Manuel Correa AzevedoManuel de Araújo

1º Roça do Bispo2º Roça do Bispo

Coronel da Borda do Campo

Alberto DiasRessaca

João Batista

João da Silva Costa

Congonhas

Arraial do Rio das Mortes Ponta do Morro

Rio Paraíba do Sul

Rio Do

ce

Rio das VelhasRio Paraopebas

Rio Pará

Rio Piracicaba

CAPITANIA DE SÃO PAULO E MINAS DE OURO

CAPITANIA DE SÃO PAULO E MINAS DE OURO

CAPITANIA DO RIO DE JANEIROCAPITANIA DO

RIO DE JANEIRO

173

Page 174: TRAMAS QUE BRILHAM

174

Francisco Tavares de Brito, assim descreveu o itinerário do Caminho Novo de

Garcia Rodrigues:

Parte-se da Cidade do Rio de Janeiro em lancha; e se entra pelo rio Iguaçu; e em uma maré se chega ao sítio do Pillar; e daqui em canoa pelo Rio acima se vai ao Couto. Aqui se monta a cavalo e se segue jornada a Taquaraçu ao pé da Boa Vista. Sobe-se a Serra com bastante trabalho. Do mais eminente da estrada se vê o mar, os Rios e a planície da Terra em recíproco comércio; goza aqui a vista de um famoso espetáculo; E prosseguindo a jornada, fica à mão esquerda um monte inacessível, tão redondo e igual que parece ser feito ao torno. É todo de pedra, e por uma banda da sua falda // vai a estrada deixando a sua agigantada eminência muito atrás os Atlantes, e Olympos. Ao pé desta serra, da parte do Norte, estão situadas as roças do Silvestre; Bispo; governador; Alferes; Rocinha; Pau Grande; [Cavaru-Mirim]; Cavaruaçu; Dona Maria; Dona Maria; Dona Maria Tacurusa; Dona Maria Paraibuna. Passa-se aqui o Rio deste nome e aqui está o Registro - rocinha do Araújo; Contraste; Cativo; Medeiros; José de Souza; Juiz de Fora; Alcaide-mor; Alcaide-mor; Antonio Moreira; Manoel Correia; Azevedo; Araujo; Gonçalves; Pinho; Bispo; - aqui se sobe a grande cordilheira da Mantiqueira – rocinha; Coronel – Borda do Campo; Registro – Aqui se paga de cada carga de seco uma oitava e de molhado meia oitava.

E quem quer ir para a vila de São João Del Rei toma uma estrada à mão esquerda e vai ao sítio do Barroso. E em outra jornada pode chegar a dita vila.

E vamos prosseguindo o nosso caminho das Minas Gerais: // José Rodrigues; João Rodrigues; Alberto Dias; Passagem; Ressaca; Carandaí; Outeiro; os Dois Irmãos; Galo Cantante; Rocinha; Amaro Ribeiro; Carijós; Macabelo – aqui se passa o Rodeio, isto é, que se rodeia uma serra a que chamam de Itatiaia – Ilhéus; Lana.

Daqui se toma a mão esquerda quem quer ir caminho direto para Vila Real; e se vai pela Cachoeira, à vista da Casa Branca, buscar a passagem do Garavato.

E prosseguindo o caminho das Minas Gerais, do Lana se vai a Três Cruzes; e dai à Tripuí, que fica a uma légua de Vila Rica, e logo se entra nela.

Para passar daqui a Vila Rica se torna pelo Tripuí às Três Cruzes e pela Bocaina [ou outras duas ou] três estradas se vai à vista da Casa Branca buscar a passagem do Garavato; e daí se toma à mão esquerda; pelo Curralinho e Raposos; e se entra em Vila Rica; e desta se passa a todas as mais vilas de sua comarca.197

197 Itinerário Geográfico com a verdadeira descrição dos caminhos, estradas, roças, sítios, povoações, lugares, vilas, rios, montes e serras que há da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro até as Minas do Ouro. Composto por Francisco Tavares de Brito. Sevilha. Na Oficina de Antonio da Silva MDCCXXXII [1732]. Com todas as licenças necessárias. In: Códice Costa Matoso (1999, pp. 898-910).

Page 175: TRAMAS QUE BRILHAM

Base Cartográfica: IBGE (2005).Fonte: Antonil, André João (2001); IHGB, Coleção Enéas Martins Filho: Lata 767, Pasta 53; Lata, 772, Pasta 34; Lata 772, Pasta 72; Lata, 774, Pasta 4; Lata, 770, Pasta 1; Códice Costa Matoso (1999)Autoria: Rafael StraforiniExecução: Fernando Bezerra

MG

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BAGO

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SPPR

RJ

MAPA 7: CAMINHO NOVO DE GARCIA RODRIGUES OU CAMINHO DO COUTO E SUAS INDICAÇÕES DE SÍTIOS, ROÇAS E POUSOS SEGUNDO ANDRÉ JOÃO ANTONIL (1711) E FRANCISCO TAVARES (1732)

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Rio das VelhasRio Paraopebas

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Rio das Mortes

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Rio Preto

Rio Paraíba do Sul

Rio Paraibuna

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50 025 KmEscala 1:2.300.000

Morro do Cavaru

Rio Piracicaba

Ouro Preto

Rio de JaneiroIrajá

Engenho do Alcaide-mor Tomé Correia

Pilar

Manoel do Couto

AlferesCachoeira do Pé da Serra

Pousos FriosMarcos da Costa

Pau Grande

Sítio de Garcia Rodrigues

Rio Paraibuna Simão Pereira

Mathias BarbosaAntônio de Araújo

Capitão José de SouzaAlcaide-mor Tomé Correia

Manuel Correa AzevedoManuel de Araújo

1º Roça do Bispo2º Roça do BispoCoronel da Borda do Campo

Alberto DiasRessaca

João Batista

João da Silva Costa

Congonhas

Arraial do Rio das Mortes

Ponta do Morro

Rio Paraíba do Sul

BispoGovernador

Rocinha

D. MariaD. Maria

D. Maria Taquarussu

Rocinha do Araújo CapitivoJuiz de Fora

Antônio Moreira

José Roiz

PassagemOuteiro Os Dois Irmãos

RocinhaD. Amaro Ribeiro

Carijós

Macabelo

CAPITANIA DO RIO DE JANEIROCAPITANIA DO

RIO DE JANEIRO

CAPITANIA DE SÃO PAULO

CAPITANIA DE SÃO PAULO

CAPITANIA DEMINAS GERAISCAPITANIA DEMINAS GERAIS

LegendaLocalidades em André João Antonil (1711)

Caminho do Couto ou de Garcia RodriguesAntigo Caminho de Terra FirmeRios Principais

!. Rio de Janeiro e Ouro Preto!

Localidades em Brito Tavares (1732)#

175

Page 176: TRAMAS QUE BRILHAM

176

Os itinerários transcritos pelo Pe. Antonil e por Francisco Tavares de Brito

refletem apenas a história do Caminho Novo a partir da segunda década do século

XVIII, pois nos dez primeiros anos de sua existência ele não passava de uma picada

aberta na mata, com inúmeros problemas e limitações para os viajantes e

comerciantes. Embora se considere o ano de 1698 como o de sua abertura, a

recusa dos moradores o Rio de Janeiro, em 1699, em contribuir com dez mil

cruzados para poderem circular pelo mesmo, evidencia que o referido caminho não

passava de uma picada aberta em meio a Mata Atlântica. Em 1701, o Rei já

expressa preocupação com o Caminho de Garcia Rodrigues e pedia informações,

pois era reclamação geral que o “dito Caminho não permitia mais do que gente em

pé”, o que obrigava os viajantes a transportarem suas cargas nas costas dos

índios198.

Em 1702, o governador do Rio de Janeiro, D. Álvaro da Silveira de

Albuquerque (recentemente empossado), respondia a Dom Pedro II que o Caminho

de Garcia Rodrigues só era possível de transitar “a gente que vai a pé, e carregada

com suas cargas, mas não o que for a cavallo [...] porque o atalho não estava inda

feito199”.

Vários são os relatos que evidenciam as condições de circulação e do meio

de transporte nesses anos iniciais de exploração aurífera. Frente às condições tão

impróprias de circulação, o único meio possível era “fazer carregar tudo nas costas

198 Tamanha preocupação demonstrava o interesse do Rei por um caminho direto de Minas Gerais ao Rio de Janeiro, bem como por notícias verdadeiras para que pudessem servir em suas avaliações nas solicitações de mercês de Garcia Rodrigues pelos seus esforços nas empresas de descobrimento de minas e do Caminho Novo. Carta Régia a Artur de Sá e Menezes, 15 de Novembro de 1701. RIHGB, t.84, p.28. 199 Carta do governador do Rio de Janeiro, Dom Álvaro da Silveira e Albuquerque ao Rei D. Pedro II. Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. Vol. LI, p.45. Arquivo do Estado de São Paulo.

Page 177: TRAMAS QUE BRILHAM

177

dos escravos índios e negros”, dificultando o fluxo e encarendo ainda mais os

produtos que se dirigiam às Minas Gerais. Nessas condições de viagem, não é de se

estranhar os milhares de mineiros que rumavam para as minas carregando apenas o

possível para a sobrevivência na longa viagem200.

Garcia Rodrigues ganhara o monopólio para explorar seu caminho entre

1700-1702, porém não deve ter lucrado muito com isso nesses idos, pois as

representações encaminhadas pelos moradores do Rio de Janeiro e, principalmente,

por quem já estava nas minas retratavam a mais completa impraticabilidade de se

caminhar por ele devido às péssimas condições do trajeto e ausência de roças de

abastecimento.

No Mapa da Maior Parte da Costa e Sertão, do Brasil. Extraído do Original do Pe.

Cocleo de 1699201, o Caminho Novo aparece apenas como um traçado, sem nenhuma

identificação de vilas, povoados, roças ou pousos em seu percurso. Tal representação

revela-nos que o caminho em questão já era conhecido na ocasião da produção do

mapa. Entrementes, dada a condição de trafegabilidade, o caminho não deveria ser

muito utilizado, uma vez que o autor sequer preocupou-se em acrescentar informações

cruciais para quem se dirigia as minas: a presença de roças e paragens e suas referidas

localizações. Parece que o mais importante para o autor do mapa era informar que já se

conhecia um caminho que ligava diretamente os sertões ricos em ouro (são

apresentadas 27 “fazendas” nas margens dos rios auríferos) à cidade do Rio de Janeiro.

Em 1705, continuava chegando na Metrópole representações contrárias a

Garcia Rodrigues, conforme se constata na carta do “Dezembargador Syndicante”

João Pereira do Valle encaminhada ao Rei Dom Pedro II, relatando os diversos

200 Há vários trabalhos que tratam do transporte realizado por carregadores humanos – indígenas e negros, dentre eles: Abreu (1963), Holanda (1975), Ellis (1950). 201 AHEx (n.23-24.2798; CEH 1530)

Page 178: TRAMAS QUE BRILHAM

178

problemas encontrados na Colônia, que se refletiam na baixa arrecadação do Quinto

Real. Dentre esses problemas, deu destaque ao problema da circulação interna. Em

suas palavras:

O caminho por que hoje se continuão as minas he pella barra fora, exposto aos perigos do mar e invasões de piratas, como já tem sucedido, alem de ser muito distante, e por estas, e outras rezões seria conveniente se abrisse outro pello certão desta cidade, que dizem sera mais breve, e mais seguro [...] Este novo caminho, suposto esteja cometido ao cuidado de Garcia Roiz [Garcia Rodrigues], não está feito, nem por ele vai pesoa alguma [...], e para se pôr corrente necessita de grande cabedal para fazer rossas e plantas mantimentos, sem os quais não he possivel que tenha efeito este intento202.

Se a trafegabilidade do Caminho Novo ainda era incerta e as representações

negativas não paravam de chegar na Metrópole, o empenho de Garcia Rodrigues

para convencer o Monarca de sua “grande obra” era enorme e constante. Usando de

suas relações clientelistas e do poder de crédito junto à Metrópole e ao governador

do Rio de Janeiro, conseguiu que este último encaminhasse carta ao Rei, em 1703,

informando que às margens do Rio Paraíba havia Garcia Rodrigues “estabelecido

arraial e roças203” capazes de suprimir as necessidades dos viajantes. Em 1705, em

mais uma estratégia de convencimento, deslocou sua família para o dito arraial, com

o objetivo de provar à Coroa e, principalmente, aos viajantes que seu sítio

possibilitava a permanência e o abastecimento das comitivas e/ou tropas. Com essa

ação, não haveria prova maior de que seu caminho estava pronto para circulação,

substituindo definitivamente o Caminho Velho (de Parati)204. Em 1705, o próprio

202 Carta de João Pereira do Vale a Dom Pedro II. Rio de Janeiro, 07/12/1705. AHU – Rio de Janeiro – 3100. Apêndice documental In: Antonil (2001, p.411). 203 Carta do Governador do Rio de Janeiro ao Rei, 14 de junho de 1703; Papel de Garcia Rodrigues Paes, 8 de junho de 1703. – RIHGB, t 84, 1920, pp. 28-9. 204 Carta de Álvaro da Siqueira de Albuquerque ao Rei, 15 de março de 1705 – RIHGB, t. 84, 1920. pp.37-8.

Page 179: TRAMAS QUE BRILHAM

179

Garcia Rodrigues escreveu ao Rei informando as condições de trafegabilidade de se

caminho. Em suas palavras:

desde o primeiro de junho de 1704 que sahi das minas, e o tenho já de todo aberto mas não se pode inda curçar por falta de mantimentos. Vou agora plantar as roças, e da Paschoa por diante se pode andar por elle. Pelo qual são daqui às minas corenta legoas o mais, que he menos da tersa parte do caminho de Parati, e com muito menos rios e serranias sem o deterimento e risco da viagem do mar205.

Nesses idos, Garcia Rodrigues já ocupava o cargo de guarda-mor das Minas

Gerais206, o que lhe garantia poderes máximos numa vasta área de pouco

reconhecimento normativo. Dentre suas atribuições estava a possibilidade de

nomear guardas-mores como seus substitutos, “que assistiam nas partes mais

distantes”207. Se os primeiros leitos auríferos não se distanciavam muito uns dos

outros nesses primeiros anos de mineração, a garantia de poder nomear guarda-mor

como seu substituto só pode ser entendida a partir da importância que dava ao

caminho que ele próprio abrira. Assim, tal direito forjado junto ao Rei lhe garantia

não só poderes sobre as minas, mas também sobre o Caminho Novo e seu território,

numa nítida cartada de quem possuía visão estratégica projetada para o futuro, pois,

não precisando estar nas minas para distribuir as datas auríferas e controlar a

arrecadação dos impostos, Garcia Rodrigues poderia se dedicar a “pôr o caminho do

Rio de Janeiro para estas Minas na sua última perfeição”208, como bem informou um

de seus substitutos, um certo Baltasar Godoy Moreira, em carta ao Rei D. Pedro II,

em 1705.

205 Carta de Garcia Rodrigues Pais a Dom Pedro II. Rio de Janeiro, 30/08/1705. AHU – Rio de Janeiro – 3095. Apêndice documental In: Antonil (2001, p.427). 206 Certidão de uma provisão em que S. Mag. fez mercê a Garcia Rodrigues Paes, do cargo de guarda-mor das Minas de São Paulo [...] – 19/04/1702. RAPM, ano XX-1924, 1926, p.442. 207 Certidão de uma carta Regia a Garcia Rodrigues Paes em que S. Mag. Foi servido resolver, que o mesmo possa nomear guardas-mores, seus substitutos [...] – 02/05/1703. RAPM ano XX-1924, 1926, p.442. 208 Carta de Baltazar de Godoy Moreira a Dom Pedro II. Minas Gerais, 30/07/1705. AHU – Rio de Janeiro – 3105. Apêndice documental In: Antonil (2001, pp.416-17).

Page 180: TRAMAS QUE BRILHAM

180

O que fica premente nesses documentos históricos é o papel que o controle

da circulação exerceria sobre o território que estava para ser efetivamente usado.

Garcia Rodrigues sabiamente percebeu que aqueles fundos territoriais repletos de

ouro precisavam se comunicar com o Rio de Janeiro, e que tal comunicação era

condição básica para o ouro “reluzir” no quadro geopolítico do Antigo Regime

Português. Sem essa comunicação, o ouro continuaria na condição de riqueza

oculta nas entranhas da terra; com a comunicação passaria a ser riqueza do Rei,

controlada e normatizada segundo seus interesses.

Na virada do século XVII para o XVIII, a tarefa de Garcia Rodrigues foi fazer o

poder real chegar às minas por um caminho que partia do Rio de Janeiro. Mas sua

“obra” foi executada segundo os seus interesses próprios de apropriação do

território, que lhe garantiriam não só o direito normativo sobre as minas enquanto

guarda-mor, mas, sobretudo, poder político e econômico com o controle da

circulação que se estabeleceria a partir de seu caminho.

Assim, o controle e a força dispersora de poder deixavam de ser emanados

exclusivamente de algum núcleo urbano para serem difundidos a partir de um

caminho, uma estrada, ou ainda, uma picada. Garcia Rodrigues previamente

garantiu o controle sobre o caminho, logo, um poder que se materializou num

território contínuo, em oposição ao pontual, como até então ocorrera.

Evidentemente, o simples traçado do caminho não garantia poder a ninguém, mas

se apoderar previamente dele ou de parte dele sob a forma de sesmarias, dos

direitos de cobrança de entradas e passagens de rios e da garantia para “fazer vila”

em uma de suas dilatadas sesmarias lhe garantiu a base institucional e normativa

para o pleno exercício do poder, e esse parecia ser, desde 1698, o objetivo de

Garcia Rodrigues.

Page 181: TRAMAS QUE BRILHAM

181

Segundo Silva (2001, p.285), “assim que tornou transitável o Caminho Novo

para as Minas, provavelmente a partir de 1707, o troço do ‘caminho velho’ entre Rio

de Janeiro e Taubaté, via Parati, foi proibido aos viajantes, mineiros e negociantes”,

numa nítida demonstração de que os interesses metropolitanos se amalgamavam

aos de Garcia Rodrigues. Todavia, tais interesses sempre foram contestados por

quem dependia dos caminhos para reproduzir suas riquezas ou suas esperanças

nas Minas de Ouro, evidenciando o conflito que se operava entre os homens

coloniais e entre esses e o poder metropolitano, cujo objeto de disputa era sempre o

território onde se sobrepunha uma via de circulação com suas demandas básicas de

trafegabilidade e de controle fiscal.

Em 1710, um requerimento dos comerciantes do Rio de Janeiro encaminhado

ao governador da capitania,revela-nos um fragmento desses múltiplos conflitos que

tinham como palco de ação os caminhos ou as vias de circulação. Sentindo-se

“impossibilitados para poderem continuar com o dito comércio de levar mantimentos

e visturiarias às minas pello lastimozo estado em que se acha o caminho novo por

falta de mantimentos que de todo se têm acabado”209, os comerciantes solicitavam a

permissão para transitarem pelo Caminho Velho (via Parati). O governador

concedeu-lhes o direito de utilizarem o Caminho Velho de Parati somente para a ida

às Minas, pois temia que uma nova crise de abastecimento se instalasse na região

aurífera. No entanto, o governador, enquanto mediador dos interesses

metropolitanos na Colônia, obrigou-os a regressarem pelo Caminho Novo, afinal,

esse era um dos meios adotados pela Coroa para controlar o pagamento do Quinto

Real. Se era interesse dos comerciantes carregados de mercadorias chegar nas

Minas por caminhos outros, não havia porquê comprar essa briga. Entrementes, ao

209 DISP, LII, pp 197-199. Cf. Silva (2001, p.286).

Page 182: TRAMAS QUE BRILHAM

182

retornarem para o Rio de Janeiro carregados de ouro em pó adquirido com a venda

de seus produtos, prevaleceriam os interesses da Real Fazenda e, dessa ninguém

poderia escapar sob nenhuma alegação dos instrumentos de controle fixados ao

longo do Caminho Novo.

Contraditoriamente, foram os paulistas que mais apresentaram

representações contrárias à “obra anti-paulística de Garcia Rodrigues” (ABREU,

1963, p.267) ao governador do Rio de Janeiro e ao Rei a partir da metade da

década de 1700, pois já se clarificava o direcionamento político da Metrópole em

desviar de suas mãos o controle e poder político sobre a produção aurífera e da

circulação, conforme se pode perceber na ata da junta realizada em São Paulo, em

07/07/1710:

esperavam da Real Grandeza fosse sua Magestade servida mandar considerar os danos que se seguiam dos muitos caminhos abertos para as minas não só pelo que se respeitava aos descaminhos dos Reais quintos, como por darem passagem a pessoas prejudiciais como as muitos que entravam via Rio de Janeiro, caminho que se devia topar só devendo permanecer o de São Paulo210.

Para Andrade (2002, p166):

Garcia Rodrigues soube explorar bem os trabalhos durante a década de 1710, de fabricação do Caminho Novo. Em 1711, consta que cobrou a execução da promessa Régia feita em 1703, de datas de terras no Caminho Novo, além das mercês efetuadas. Lembrando o compromisso régio, consta que Garcia Rodrigues pediu de prêmio sesmarias para si e para cada um dos seus doze filhos no Caminho Novo do Rio de Janeiro para as Minas Gerais. O Rei anuiu, e favoreceu dando lhe sesmarias quatro vezes maior que as concedidas costumeiramente, além das sesmarias dos filhos, mas com a condição que fossem dadas separadas e não contíguas à área da vila que o sertanista pretendia fazer211.

210 Agust Taunay. “História Geral das Bandeiras Paulistas”. 211 “Em 1702 [Garcia Rodrigues] era nomeado guarda-mor das minas; também recebeu o privilégio de controlar as passagens dos rios Paraíba e Paraibuna; em 1709, obteve a guarda-moria vitalícia por cinco gerações; em 1710, esteve na corte e recebeu o hábito da ordem de Cristo, colaborou com a

Page 183: TRAMAS QUE BRILHAM

183

Associado às péssimas condições de trafegabilidade do Caminho Novo

estava o uso do elemento humano enquanto o meio de transporte ou como condutor

das mercadorias que circulavam entre o interior e o litoral, encarecendo em muito o

preço de todo e qualquer tipo de produto que em Minas chegavam. À medida que os

núcleos minerais foram se tornando cada vez mais povoados, aumentava na mesma

proporção a demanda por produtos importados. Logo, a pressão dos moradores e

dos comerciantes passou a ser para que Garcia Rodrigues fosse obrigado a pôr o

caminho que abriu “capaz de irem por ele bestas com cargas para as minas”.212

Colocar ou abrir estradas para as tais “cavalgaduras carregadas”213

significava transformar as estreitas trilhas ou picadas abertas no meio da mata

fechada em caminhos com melhores condições de trafegabilidade para os animais,

tarefa essa que Garcia Rodrigues passou a executar a partir da década de 1710. Se

não havia capital suficiente para o calçamento do caminho com pedras, pelo menos

era preciso alargar o seu leito, construir pontes, desviar dos atoleiros ou drená-los e,

sobretudo, evitar os “precipícios” (sic.). Iniciava-se, assim, um longo período em que

a presença das tropas e tropeiros iria marcar a paisagem nas vias de circulação,

conforme rica iconografia deixada pelos viajantes e artistas que passaram por esse

caminho.

Tantas concessões, privilégios e conflitos de interesses expressam a

importância da abertura do Caminho Novo. Primeiramente, para a Metrópole ele

sustentação das tropas dos governadores em diversas ocasiões; em 1718, recebeu quatro sesmarias e mais quatro para seus filhos, além disso recebeu da Coroa a tença anual de 5.000 cruzados”. Códice Costa Matoso [...], v.2. Glossário, Biografia e índices, coordenado por Luciano Raposo de Almeida Figueiredo e Maria Verônica Campos (1999, p.44). 212 Carta Régia de 14 de Agosto de 1711, dirigida ao governador do Rio de Janeiro. Cf. Santos (2001, p.86). 213 Carta Régia de 23 de Setembro de 1704, acompanhada de cópia do Requerimento de Amador Bueno da Veiga. Cf. Magalhães (1978).

Page 184: TRAMAS QUE BRILHAM

184

materializou a política fiscal baseada no controle da circulação interna da Colônia.

Se no primeiro período da circulação do ouro (período da ocupação), os caminhos

existentes pouco conseguiram materializar esse propósito fiscal, o caminho de

Garcia Rodrigues, em contrapartida, já nascera com essa intencionalidade. Logo,

podemos afirmar que seu objetivo maior era controlar o território aurífero a partir do

que entrava (mercadorias e pessoas), mas principalmente, do que saia: do ouro, na

forma de Quinto Real.

Com a efetiva instalação do poder metropolitano no interior aurífero a partir da

criação da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro e das vilas fundadas a partir da

década de 1710, a Coroa necessitava de um caminho que também garantisse maior

velocidade na circulação entre o litoral e interior de seus elementos e símbolos do

poder. Estava claro para a administração metropolitana que a sensação de

isolamento e de que a representação daquelas bandas enquanto sertão era

altamente prejudicial para o Erário Real, a exemplo das conseqüências da Guerra

dos Emboabas.

O Caminho Novo representava, nesse sentido, a sustentação material de um

sistema fisco-normativo que se instalara, transformando os sertões auríferos em um

território aurífero, ou ainda, em um território usado. Para que a política fiscal se

efetivasse não bastava apenas a existência de um caminho que diminuísse o

espaço e tempo de viagem, mas dotá-lo de seus elementos que representavam a

presença do fisco, da Igreja e da adminsitração, como os registros de entrada e

saída, as barreiras fiscais, sesmarias de abastecimento; algumas freguesias com

suas capelas e igrejas; os povoados e vilas com suas Casas de Câmara e Cadeia.

Espacialmente, a principal característica impressa por esse período da

circulação mineira foi unir o território aurífero ao litoral. Em outras palavras, pela

Page 185: TRAMAS QUE BRILHAM

185

primeira vez um núcleo de ocupação interiorizado estava efetivamente contíguo ao

litoral.

Para os homens coloniais, o Caminho Novo representou uma nova

possibilidade de apropriação do território e de formação de potentados. Analisar a

importância da mineração pela lógica da circulação, revelou-nos que não somente

as datas auríferas eram disputadas, mas também as terras ao longo das vias de

circulação. Muitos desses homens rapidamente compreenderam que a “sorte” de

minerar poderia ser substituída pela certeza dos altos rendimentos constantes que a

atividade de abastecimento aos viajantes proporcionava, conforme será melhor

analisado no capítulo 6.

Já para os viajantes, comerciantes e mineiros, o Caminho Novo representou

maior agilidade e fluidez na atividade comercial e de abastecimento, principalmente

a partir da década de 1710, quando melhoram as condições de trafegabilidade do

caminho. Em contrapartida, viram intensificar o poder de fiscalização e a

obrigatoriedade do pagamento do Quinto Real e demais impostos que recaíam

sobre a circulação. Em resposta, o Caminho Real do Ouro foi o principal estímulo

aos descaminhos dos referidos impostos.

Assim, o segundo período da circulação aurífera foi marcado pela

institucionalização do poder e das políticas fisco-normativas sobre o território, cuja

eficácia não teria sido meramente atingida sem a abertura do Caminho Novo.

Page 186: TRAMAS QUE BRILHAM

186

4.3 – Terceiro período da circulação: consolidação da interiorização da metrópole

4.3.1 - O Caminho Novo de Bernardo Proença ou Caminho de Inhomirim

Durante a década de 1710, Garcia Rodrigues conseguiu fazer do seu caminho a

via oficial, ou melhor, o Caminho Real do Ouro. Para tanto, fez uso de seu poder de

crédito e de muito clientelismo junto à Corte para se apoderar de mercês que lhe

transformou em verdadeiro potentado no Brasil que se interiorizava. No entanto,

conforme já vimos anteriormente, em nenhum momento deixaram de chegar aos

governadores das capitanias do Rio de Janeiro e São Paulo e Minas de Ouro

representações, solicitações e reclamações contra o seu caminho, tanto no que diz

respeito às condições de trafegabilidade, quanto aos seus desmandos, sobretudo no

Registro do Paraíba. O requerimento abaixo é bastante ilustrativo dessa insatisfação:

Sendo Vossa Magestade informado da incapacidade dos Caminhos das Minas do Pilar até o Rio Paraíba, e do grande prejuízo que padeciam os viandantes, principalmente no intratável das serras, foi servido ordenar o capitão Garcia Rodrigues Paes que se abrisse o caminho pelo Inhomirim214.

Todavia, alegando estar muito velho, Garcia Rodrigues se negou a cumprir a

Ordem Régia, abrindo espaço para que o sargento-mor Bernardo Soares de Proençae

demais moradores do rio Inhomirim entrassem com um requerimento solicitando

autorização para abertura de uma outra variante mais rápida e segura, dadas “as muitas

inconveniências, moléstias, perdas e riscos de vida que continuamente experimentam

os viandantes deste atual Caminho”. No requerimento informavam que faltavam 214 Requerimento de Antônio de Proença Coutinho, morador do Rio de Janeiro, no qual pede que não fosse deferida a petição de João Rodrigues dos Santos na parte que se refere à proibição da passagem pelo Caminho de Inhomirim. AHUL. 10.643. Cf. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, p.202).

Page 187: TRAMAS QUE BRILHAM

187

“estalagens ou abrigo onde se livrem de alguma acidental tempestade” no trecho da

barra do rio Goagoassu [Iguaçu] até o porto do Pilar; onde também eram obrigados a

baldearem as cargas vindas do Rio de Janeiro em embarcações ligeiras para canoas

menores para serem transportadas até o sítio do Couto, localizado no pé da serra; além

dos constantes acidentes envolvendo essas canoas devido à correnteza do rio, gerando

grandes perdas para os comerciantes. Em suas próprias palavras, “o lucro que tiram

dele [transporte pelo Caminho Novo], nêle o tornam a deixar, gastando mais de oito dias

até o Paraíba.” O requerimento também deixa claro que os moradores do rio Inhomirim

já conheciam uma outra variante para o caminho de Garcia Rodrigues – talvez já

previamente utilizada como rota alternativa para o não pagamento dos tributos reais.

Assim, apontaram as vantagens do caminho que pretendiam “abrir”:

fazendo-se o caminho pelo rio Inhomirim que desde a barra é povoado de moradores, com estalagem à beira d’água, cômodos pastos para as bestas até o pôrto e que as dito acomodar, porque de qualquer pôrto poderão carregar bestas e marchar até o Paraíba sem tirar cargas, nem sentirem inconveniência de subir serra nem alugarem canoas por não ser necessário e sobretudo ser o caminho muito breve que em três dias se poderá ir à Paraíba.215

O “requerimento dos moradores do rio Inhomirim”, não se limitava apenas a

permitir autorização para abertura de uma nova variante para o Caminho Novo, pois

o que estava em jogo não era simplesmente uma questão técnica de circulação,

baseada na máxima clássica da geografia dos transportes “de realizar adaptações

capazes de reduzir ao mínimo tudo o que onera o tráfico de produtos alimentares, e

215 Nesse momento, revelar o conhecimento de trilhas e caminhos não se configurava como um descaminho, logo crime de Lesa Majestade, até porque fora o próprio monarca Dom João V que solicitou a abertura de um caminho menos áspero a partir de verdadeiras e certas experiências. Assim, o Rei pede que “se vá a cidade do Rio de Janeiro e lá pegue “informação de todas as pessoas que nella achastes, mais práticas no Caminho das Minas, e também alguns engenheiros que virão do Sítio do Parahiba, e pelo que vos dicerão huns e outros viestes no conhecimento de q’ o dito sítio he o mais apto para nella se fabricar sua importante chave para as Minas [...]”. Ordem Regia de 06 de Novembro de 1717, Anais da BN, Códice 643, f.30-31. Cf. Costa (2005, p.89). Caetano da Costa Matoso em seu diário de viagem realizada entre 27 de janeiro de 1749 e 07 de fevereiro de 1749 deixa a entender que o caminho de Inhomirim já era conhecido bem antes de 1725. “Este Caminho de Inhomirim, e por este sítio se descobriu no ano de 1718 ou 1719” (COSTA MATOSO, 1999, p.885).

Page 188: TRAMAS QUE BRILHAM

188

de modo a evitar à circulação o maior número possível de transbordos e de gastos

acessórios” (LA BLACHE, 1954, p.346)216.

Para a Coroa portuguesa, a circulação tinha um objetivo econômico muito

claro e bem definido: aumentar o Erário Real. No entanto, o meio para alcançar esse

objetivo não se restringia a uma questão técnica, caso contrário, não teria proibido a

livre circulação pelo Caminho da Bahia e nem teria ela abortado a abertura do

Caminho de Vitória pelo vale do Rio Doce217, ambos reconhecidos por todos como

possíveis rotas de menor custo para chegar às Minas Gerais. Já para os moradores

da América Portuguesa, a questão central era se apropriar dos sertões e fazer deles

seus territórios de mando e poder, e um dos meios encontrado para tal foi,

primeiramente, se apropriarem dos Reais direitos de abrir e controlar caminhos.

Assim, os moradores de Inhomirim sabiam que não bastava apenas valorizar

os referenciais qualitativos de sua variante, mas, sobretudo, desqualificar ou

desconstruir junto ao Rei o poder de crédito de Garcia Rodrigues, uma vez que era

este quem dominava exponencialmente a principal rota de circulação entre Minas

Gerais e Rio de Janeiro. Sabiam também que o ato do Rei de conceder a uma outra

pessoa o direito de abrir uma variante ao Caminho Novo significaria admitir que seus

interesses na relação clientelista com Garcia Rodrigues não estavam sendo

alcançados. Era preciso usar todos os possíveis discursos para convencer o Rei a

assumir que tantas mercês concedidas ao vassalo ao longo do Caminho Novoem

216 Tal leitura técnica da circulação também foi apropriada e desenvolvida pela Geografia Econômica. Para Jones & Darkenwald (1950), as atividades econômicas e os meios de transportes caminhavam juntos, pois quanto mais baratos e eficientes os meios de transportes para fazer chegar ao mercado consumidor os produtos, mais fácil será a especialização geográfica da produção. George (1961, p.376), ao analisar o comércio internacional é categórico em afirmar: “as transformações porque passou o comercio internacional, de um século a esta parte, são inseparáveis do emprego de novos meios de transporte, atendendo a duas necessidades fundamentais: aumento da capacidade quantitativa e qualitativa de deslocamento e o abaixamento dos fretes de transportes”. 217 Espíndola (2005), trata com profundidade a recusa da Coroa em não abrir caminhos ligando o porto de Vitória/Espírito Santo às Minas Gerais pelo vale do Rio Doce.

Page 189: TRAMAS QUE BRILHAM

189

nada haviam lhe beneficiado. Nesse sentido, os moradores de Inhomirim não deixam

de informar no requerimento que

visto a pouca vontade e conveniências próprias que tem o dito Garcia Rodrigues para mandar executar a ordem de Vossa Magestade, querem abrir o dito caminho a sua custa pelas justas conveniências que há para os viandantes e Real Fazenda de Vossa Magestade218 (grifo nosso).

No mesmo ano, o governador do Rio de Janeiro, Aires de Saldanha, ordena a

Bernardo Soares de Proença que “vá aquele sertão fazer o referido exame”219 para

comprovar as “ditas” vantagens anunciadas pelos moradores do Inhomirim. “Movido

pelo zelo do Real Serviço”, fez o sargento o:

dito exame à sua custa, em que gastou cinqüenta dias examinando pessoalmente com muito trabalho e desvelo as paragens mais exquisitas encurtando em quatro dias e mais direto e suave por descobrir melhores passagens nas abertas das serras e também com viagem mais direta e breve desta Cidade para o dito Rio de Inhomirim, o qual não só tem a comodidade de ser habitado de vários moradores pelas margens dêle, logo do princípio de sua barra para cima como vários portos abundantes de tôda maré, convenientes para o desembarque da gente e cavalaria, mas também livre da pensão que há no Rio de Guaguassu de fazerem segunda viagem em canoas pequenas pela incapacidade do dito rio e não ser necessário tirarem as cargas aos cavalos nas passagens estreitas e perigosas, que não tem.220

Tão logo comprovada a vantagem desta variante, o sargento Bernardo de

Proença colocou-se efetivamente na tarefa de torná-la em condições de circulação,

levando aproximadamente quatro meses e meio nessa tarefa.221 Era uma variante

ao Caminho do Couto,

abandonando este ao sul do Paraíba (atual Encruzilhada), seguia para sudeste na direção do vale do Fagundes e de seu afluente Secretário, que acompanhava antes de ganhar o Piabanha, cujo curso seguia até o alto da serra. Daí descia para a Baixada pelo vale

218 Requerimento dos moradores do Rio de Janeiro... AHUL. 4.398. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, p.197). 219 Portaria. AHUL. 7.833. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, p.200). 220 Requerimento do Tenente Coronel Bernardo Soares de Proença relativo à abertura de um caminho para as Minas pela Serra do Mar. AHUL. 7.832. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, p.199). 221 Idem à nota anterior

Page 190: TRAMAS QUE BRILHAM

190

do Inhomirim ou Estrela até o porto de mesmo nome, por onde se alcançava por água o Rio de Janeiro.” (BERNARDES, 1961, p.62)

As descrições do Caminho de Inhomirim na primeira metade do século XVIII

são muito restritas, como também são os mapas com o seu respectivo traçado.

Utilizaremos como referência o “Diário de jornada que fez o ouvidor Caetano da

Costa Matoso para as Minas Gerais”, cuja viagem foi realizada entre 27 de janeiro e

7 de fevereiro de 1749, para tomar posse do cargo de Ouvidor Geral da Comarca de

Vila Rica. Por ser uma descrição muito longa, apresentaremos, neste momento,

somente as indicações das localidades, as distâncias percorridas, os horários de

partida e de chegada entre um pouso e outro e o respectivo dia de cada jornada

diária.

DIA PARTIDA CHEGADA

DISTÂNCIA APROXIMADA LÉGUA / KM

SITIOS, ROÇAS E POVOADOS

27/01/1749 segunda-feira

Partida: 4:00h Chegada: 18:30 Nada consta

1. Rio de Janeiro (Carmo), seguiu pela baía de Guanabara até foz do rio Inhomirim;

2. Povoado de Inhomirim (11:30h);3. Sítio Fragoso (às margens do

rio Inhomirim) 28/01/1749 terça-feira

Partida: 6:45 Chegada: 10:45 2 léguas 4. Sítio da Boa Vista;

5. Sítio Itamarati

29/01/1749 quarta-feira

Partida: 6:00 Chegada: --- Nada consta

6. Rancho Preguiça; 7. Aldeia Rio da Cidade; 8. Rancho Araras; 9. Rocinha do Secretário; 10. Roça do Secretário; 11. Aldeia Fagundes;

30/01/1749 quinta feira

Partida: 5:30 Chegada: 10:45 5 léguas

12. Rancho Paiol; 13. Aldeia Boa Vista; 14. Rocinha do Fagundes; 15. Rocinha Cebola; 16. Roça de Pedro Moreira; 17. Rocinha de Pedro Moreira; 18. Sítio Borda do Rio Paraíba;

27/01/1749 sexta-feira

Partida:: 5:45 Chegada:10:15 Nada consta 19. Aldeia Pedro Dias ou Farinha;

20. Registro Rio Paraibuna;

01/02/1759 sábado

Partida: 6:15 Chegada: 5 léguas

21. Rancho Três Irmãos; 22. Várzea dos Três Irmãos; 23. Roça Simão Pereira; 24. Rocinha de Simão Pereira; 25. Rocinha Matias Barbosa; 26. Roça de Matias Barbosa

(Registro do Contrato das Fazendas)

Page 191: TRAMAS QUE BRILHAM

191

02/02/1759 domingo

Partida: 6:15h Chegada:12:00 5 léguas

27. Rocinha de Matias Barbosa; 28. Rocinha do Medeiros; 29. Rancho Marmelo; 30. Sítio Juiz de Fora

03/02/1759 segunda-feira

Partida: 6:00 Chegada: 5 léguas

31. Rocinha do Alcaide-mor; 32. Roça do Alcaide-mor; 33. Rocinha do Alcaide-mor; 34. Rocinha de Antonio Moreira; 35. Roça de Antonio Moreira; 36. Sítio Queirós

04/02/1759 terça-feira

Partida: 5:30h Chegada: 12:00 Nada consta

37. Sítio do Azevedo; 38. Rocinha do Azevedo; 39. Engenho; 40. Sítio de Luís Ferreira ou seu

Filho Cristóvão Pereira; 41. Aldeia Pedro Álvares; 42. Rocinha de Pedro Alvares; 43. Rocinha de João Gomes; 44. Roça João Gomes

05/02/1759 quarta-feira

Partida: Chegada: 12:00 Seis léguas

45. Aldeia Pinho Velho; 46. Aldeia Pinho Novo; 47. Aldeia Mantiqueira; 48. Aldeia Palheiros; 49. Sítio da Borda do Campo

06/02/1759 quinta feira

Partida: 5:30 Chegada: 19:00 h Nada consta

50. Registro Velho; 51. Sítio José Ribeiro; 52. Sítio Caveira 53. Aldeia o Cangalheiro; 54. Sítio Alberto Dias; 55. Sítio Samambaia; 56. Aldeia Ressaquinha 57. Aldeia Capoeira; 58. Sítio Gama

0702/1759 sexta-feira

Partida: 5:00 Chegada: Nada consta 59. Sítio Carandaí;

60. Rocinha do Taipa QUADRO 1: Quadro sintético do “Diário da jornada que fez o ouvidor Caetano da Costa Matoso para as Minas Gerais” entre 27 de janeiro a 7 de fevereiro de 1749

4.3.2 - A importância dos aspectos naturais na definição dos traçados dos caminhos

Com a abertura do Caminho de Inhomirim, a circulação entre Minas Gerais e

Rio de Janeiro se consolidou, limitando-se praticamente a esse trajeto, dadas as

melhores condições de trafegabilidade se comparada ao Caminho do Couto. Em

1749, Caetano da Costa Matoso, ao relatar sua jornada às Minas Gerais, nos diz

que o caminho aberto por Garcia Rodrigues, dada a condição “mais áspera”,

Page 192: TRAMAS QUE BRILHAM

192

apresentava-se “pouco freqüentado222”. Mas não podemos tomar essas palavras

como resultado de um avanço técnico na construção do Caminho de Inhomirim em

detrimento do Caminho do Couto. Ambos continuavam - numa leitura da história das

técnicas de circulação (SANTOS, 1997, p.210) - sob o “império dos dados naturais,

subordinados às contingências da natureza”.

Ambos os caminhos partiam dos fundos da Guanabara em virtude da

“presença de uma rica rede fluvial bastante esgalhada, convergindo para o

Recôncavo da Guanabara e cujos altos cursos entalham profundamente a escarpa

da serra” (BERNARDES, 1961, p.57)223. Para quem adentrava pelo rio Iguaçu,

passava-se por um trecho da planície litorânea bem alagadiça que impedia que do

porto de Pilar até o “pé” [sic] da serra do Couto se seguisse por terra. A única forma

de atingir a referida serra era por via fluvial. Todavia, os canais afluentes do Iguaçu

que até lá chegavam eram muito estreitos e rasos, condicionando as viagens às

variações das marés, o que obrigava também a realização de transbordos das

mercadorias e pessoas para canoas menores que, evidentemente, eram cobrados,

onerando ainda mais a circulação.

Para quem adentrava o Recôncavo da Guanabara pelo rio Inhomirim era

possível navegar até o porto Estrela, pois seu leito era mais profundo e largo, não

demandando transbordos das embarcações vindas do Rio de Janeiro, conforme já

mencionamos.

222 Códice Costa Matoso (1999, p.885). 223 Lamego (1964, p.193), em seu livro “O homem e a Guanabara” apresenta a importância do complexo flúvio-marinho da Baia da Guanabara no processo de ocupação e circulação do Recôncavo da Guanabara, ou Baixada, como também é conhecida essa extensa planície litorânea. “Tornando-se difícil o caminhar pelos bordos da baía, devido a tanto brejo, tinha entretanto o carioca admiráveis estradas naturais para a sua grande obra civilizadora no sistema de rios que dela se irradia em leque para as zonas montanhosas. Todas decididamente influíram na penetração. Pelas águas do Meriti, do Sarapuí, do Iguaçu, do Pilar, do Saracuruna, do Inhomirim, do Suruí, do Majé, do Guapimirim, do Macacu e do Guaxindiba é que foram subindo os desbravadores. Ao longo de suas margens é que se foram alinhando engenhos e fazendas e por eles é que descia para o Rio de Janeiro a produção agrícola do Recôncavo.”

Page 193: TRAMAS QUE BRILHAM

193

ILUSTRAÇÃO 10: (Detalhe) Rio Inhomirim na BaíRugendas. Paris, Casa Litográfica: Engelmann. Fonte: DIENER, Pablo; COSTA, Maria de Fátima. Rugenda2002, p.209 De qualquer forma, tanto por um ato quanto por

passar pela planície alagadiça ou inundável, pois, segun

característica essencial de todas essas planície

permanentemente.”224 Não podemos nos esquecer q

predominante nesse complexo costeiro flúvio-marinho e

não deixou de relatar suas impressões sobre esse tipo

rio Inhomirim225

na borda de uma das árvores a que ca singularidade de irem metendo os rdentro chegarem a terra e fincarem

224 Costa Matoso chegou ao porto Estrela por volta das 11h e 30mindo mesmo dia em direção ao Sítio Fragoso, localizado nas “falddescreveu esse percurso: “Era o Caminho, por este respeito, sotrovoadas, que neste tempo do verão há certas quase todos oscaminhos” (COSTA MATOSO, 1999, p.884). Desse relato, perce[atual praça XV – de onde partira do Rio de Janeiro – até o Sítio do Já nos relatos de Antonil (2001, p.286), “quem vai por mar em embno porto da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar, em outro, emacima, ou indo por terra, chega pelo meio dia ao referido sítio dotrecho eram necessários dois dias de viagem. 225 Lea Quintiere Cortines Peixoto (1951), em seu livro “Principais aas Minas Gerais”, detalha a localização e a descrição dos elementode Janeiro – até ao que corresponde atual Baixada Fluminense. Obuscou uma alternativa a esse quadro natural, procurando terras maviria a ser chamada mais à frente de caminho de Terra Firme ou Tin

A navegação no rio Inhomirim era muito melhor que no rio Iguaçu, pois suas águas eram bem mais tranqüilas, permitindoque as embarcações carregadas de mercadorias saídas do Porto do Rio de Janeiro chegassem direto no Porto Estrela e vice-versa, sem ter que fazer antes transbordo de cargas. Ilustração revela um pouco da paisagem dominada pela vegetação natural (mangue), cuja população a utilizava na caça e pesca

a do Rio de Janeiro.

s e o Brasil. São Paulo: Capivara,

outro, o viajante tinha que

do Lamego (1964, p.135), “a

s era serem alagadas

ue o domínio paisagístico

ra o mangue. Costa Matoso,

de vegetação ao adentrar o

hamam de Mangues, que tem amos para as águas e por ela raízes, e depois de terem

. e partiu, por volta das 16h horas as” da serra dos órgãos. Assim

mbrio, e pelas muitas chuvas de dias, estavam impraticáveis os

bemos que o trecho do “Carmo” Fragoso foi feito em um único dia. arcação ligeira, em um dia se põe canoa, subindo pelo rio Morobaí Couto”, ou seja, somente nesse

ntigos caminhos fluminense para s físicos naturais da cidade do Rio mestre de campo Estevão Pinto is secas para o seu itinerário, que guá.

Page 194: TRAMAS QUE BRILHAM

194

lançado quantidade entram a crescer para cima e é coisa vistosa estar uma árvore comprida sustentada sobre quantidade de pequenas raízes, todas por cima da água, e dessas arvores são as varas que daqui vão para as parreiras daí.226

Todos os documentos históricos e bibliografias estudadas são unânimes em

afirmar que a principal diferença entre essas duas variantes do Caminho Novo

estava no percurso que cortava a Serra do Mar. No que se refere ao Caminho do

Couto, segundo Costa (2005), Garcia Rodrigues não havia feito a melhor opção pelo

trecho na travessia da Serra do Mar, porque em direção às Minas Gerais o trecho de

subida mostrou-se impróprio para as cavalgaduras, o que dificultava e encarecia a

circulação, uma vez que tudo tinha que ser transportado “às costas dos negros”227.

Segundo Martins Filho (1965, p.180), tal opção comprova que a abertura do referido

caminho teria sido iniciada nas Bordas do Campo, onde Ga rcia Rodrigues tinha um

sítio. Em seu raciocínio lógico, o autor afirma:

um homem partindo do litoral da Guanabara, em direção do interior, jamais escolheria para vencer a serrania o ponto onde ela se apresenta mais escarpada, mais agreste e mais hostil, indo procurar uma “quebrada” acima de mil metros quando uma simples inspeção visual da serrania lhe revelava passagens mais baixas e em terrenos mais amenos.

Ao contrário do Couto, o trecho de serra do Inhomirim era menos íngreme e

não tão alto, tanto que nos relatos de Costa Matoso, o percurso fora percorrido em

duas horas, embora não deixasse de informar que esse era o caminho mais

“escabroso” até então percorrido.

226 Diário da jornada... Costa Matoso (1999, p.884). 227 Requerimento dos moradores do Rio de Janeiro... AHUL. 4.398. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, p.197).

Page 195: TRAMAS QUE BRILHAM

Base Cartográfica: IBGE (2005), EMBRAPA/SRTM (2006).Fonte: Antonil, André João (2001) e Códice Costa Matoso (1999)Autoria: Rafael StraforiniExecução: Fernando Bezerra

MG ES

SP

RJLocalidades - Denominações antigasCaminho do Couto ou de Garcia RodriguesCaminho Novo de Terra Firme

Rios Principais

!.

MAPA 8: MAPA ALTIMÉTRICO DO CAMINHO NOVO (COUTO E INHOMIRIM).

!

Rio de Janeiro

12

345

76

1098

11

14

1312

15

1617

18

A

B

L

J

I

H

C

D

EG F

M

Rio Paraíba do Sul

Rio Paraíba do Sul

22°0

'0"S

22°0

'0"S

®

10 05 Km

1. Povoado de Inhomirim ou porto Estrela2. Sítio Fragoso (as margens do rio Inhomirim)3. Sítio da Boa Vista;4. Sítio Itamarati5. Rancho Preguiça;6. Aldeia Rio da Cidade;7. Rancho Araras;8. Roça do Secretário;9. Aldeia Fagundes;

10. Rancho Paiol11. Aldeia Boa Vista12. Rocinha do Fagundes13. Rocinha Cebola14. Roça de Pedro Moreira15. Aldeia Pedro Dias ou Farinha16. Registro Rio Paraibuna17. Rancho Três Irmãos

A IrajáB Alcaide-mor Tomé CorreiaC PilarD Manuel do CoutoE Cachoeira do pé da Serra (ranchos)F Pousos FriosG Marcos da CostaH AlferesI Pau GrandeJ Morro do CavaruL Garcia Rodrigues ou Rio ParaíbaM Rio Paraibuna

LEGENDARio de Janeiro

Caminho de Inhomirim ou Bernardo Proença

Altimetria (m)

CAPITANIA DEMINAS GERAIS

CAPITANIA DO RIO DE JANEIRO

1 - 279280 - 559560 - 838839 - 1.1171.118 - 1.3961.397 - 1.9551.956 - 2.234

195

Page 196: TRAMAS QUE BRILHAM

196

Assim como os primitivos caminhos indígenas, as variantes do Caminho Novo

- Couto e Inhomirim - até o Rio Paraíba, onde se encontravam, e daí para a região

aurífera, também procuraram obedecer a algumas facilidades de locomoção

impostas pela natureza, como percorrer os fundos de vales, os divisores de águas,

as “gargantas” (vales) nas serras do Mar e da Mantiqueira, bem como as cabeceiras

dos rios, por serem aí mais rasos e menos caudalosos, facilitando a travessia (Mapa

8).

La Blache (1954, p.307), ao estudar os transportes, não deixou de perceber a

sua subordinação aos aspectos da natureza e criou um interessante conceito: a

“permanência das estradas”. Para o autor, “essas estreitas faixas, que a repetição

dos passos humanos inscreve ligeiramente na superfície, aspira já a permanência,

reivindica uma personalidade.” Mas as estradas não se inscreveriam na superfície

aleatoriamente, pois elas demandam obstáculos, que “pelo esforço exigido

contribuem para fixar a estrada, para instalá-la num sulco definitivo.”228 Assim, “rios,

pântanos e montanhas impõem um ponto de paragem, a assistência de auxiliares

presentes no local, a organização de novos meios de transportes”.

Constatada a importância dos aspectos físicos da natureza na definição dos

caminhos, podemos dizer que esse conhecimento – transmitido enquanto tradição

oral – foi importante para a definição das rotas e redes de circulação na América

Portuguesa. Logo, mesmo estando “subordinado à natureza”, era um conhecimento

que se impunha enquanto um projeto racional de circulação, pois, ao fim e ao cabo,

228 Parece que La Blache (1954, p.309) tinha razão ao afirmar que “os homens têm interesses em adaptar as pistas ou as vias abertas pelos seus antepassados”, pois se observarmos as malhas rodoviárias e ferroviárias no atual centro-sul brasileiro, veremos que, com raras exceções, se sobrepõem aos antigos caminhos de circulação percorridos a pé e/ou por mulas e burros abertos no século XVIII. Assim, ao que nos interessa aqui, o Caminho Novo foi transformado na Estrada Geral da Corte, no Brasil Império, depois foi apropriada pela Estrada de Ferro Dom Pedro II, partindo da Guanabara até o Rio Paraíba, e deste até Itabirito em Minas Gerais. Por esses caminhos também se sobrepôs a estrada que liga a atual Rio de Janeiro à Belo Horizonte (BENTO, 1998; COSTA, 2005; ARAUJO, 2003).

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197

ao invés dos aproximados cinqüenta dias necessários para percorrer o Caminho

Velho de Parati, o viajante poderia chegar às Minas Gerais percorrendo não mais

que dez ou doze dias pelo Caminho de Garcia Rodrigues (MARTINS FILHO, 1965).

Por sua vez, a viagem pelo Caminho de Bernardo Proença poderia ser feita em oito

dias. Em outras palavras, foi um encurtamento espaço-temporal desejado e

intencionalizado.

ILUSTRAÇÃO 11: (Detalhe) Demonstração na Carta Chorográfica para a intelliga. dos pontos das devizoens Q tem havido entre a Capitania de São Paulo e a de Minas Gerais. [MI (Inv. N. 11.4930)] Fonte: COSTA, A.G. (org.) Os Caminhos do Ouro e a Estrada Real. Belo Horizonte: Editora UFMG; Lisboa: Kapa Editorial, 2005, p.82. Mas a diminuição do tempo de viagem não foi resultado direto de melhorias

das condições técnicas das estradas. O que ocorreu, de fato, foi a diminuição da

distância do trajeto e também a escolha de trechos que não demandavam

passagens por rios profundos e caudalosos, pois cada vez que isto ocorria era

necessário retirar as cargas dos lombos dos animais - “dezarriar” - e atravessá-las

em canoas; enquanto os animais atravessavam o rio a nado, para depois arriar

novamente toda a carga. Cada operação dessa era muito demorada, o que fazia

Nos traçados dos caminhos paulistas para Minas Gerais, percebe-se nitidamente a opção por caminhos que cruzavam as nascentes dos cursos d’água, com raras travessias dos rios principais. Os pousos estavam sempre localizados nas margens dos rios

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198

com que ela se realizasse apenas uma vez por dia, seguida do descanso para, no

dia seguinte, iniciar novamente todo o processo do “arreamento” das tropas para

mais um dia de jornada.

Costa (2005), ao estudar os relatos dos viajantes no século XIX, apresenta

algumas informações interessantes e curiosas sobre o caminho e suas variantes

aqui tratadas. Embora muitos desses viajantes, como Eschwege e Saint Hilaire

tenham relatado o bom estado da subida da Serra da Estrela, com calçamento em

quase todo o seu trecho, essa não foi a condição de trafegabilidade encontrada por

quem por ela circulou na primeira metade do século XVIII. Mas esses viajantes não

deixaram de relatar a precariedade das estradas nos demais trechos, principalmente

no que diz respeito à falta de pontes e dos longos trechos estreitos, o que obrigava a

passagem dos animais em fila única, por grandes desfiladeiros e precipícios, e

submetia os viajantes às péssimas condições das estalagens e ranchos nos pousos.

O Ouvidor Geral das Minas de Ouro Preto, Caetano da Costa Matoso, em sua

viagem realizada em 1749, só começou a esboçar algum elogio ao caminho

percorrido quando “vendo que respirava e se estendiam mais ao longe os objetos da

vista [...]. Assim, neste maior desafogo, cheguei pelo meio-dia a uma baixa em que

há um sítio chamado a Borda do Campo por nele se acabar o caminho do Mato.”229

Ao longo de toda a viagem, o ouvidor não deixou de relatar as dificuldades da

estrada, tais como os incontáveis morros e rios que precisava “subir e descer” e

atravessar. Quando chovia, o caminho se tornava “impertinente, por esbarrar

sumamente, de forma que era dificultosa a subida e ainda mais a descida dos

morros”.230

229 Códice Costa Matoso (1999, p. 894-95). Na região da Borda do Campo (atual município de Barbacena) a mata atlântica cede lugar para o cerrado e campo cerrado, conforme Zoneamento Agroclimático de Minas – Gerais (grifo nosso). 230 Códice Costa Matoso (1999, p. 893).

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199

Para Prado Jr. (2000, p.262-3), a definição do traçado dos caminhos “não

escolhia outro critério senão a economia de esforços na construção, e o limite

extremo do justo trafegável.” Quanto à largura do traçado, limitava-se “ao extremo

necessário”, tendo as tropas de animais de carga que caminhar sempre em fila

indiana. As pontes eram raras, obrigando os viajantes em algumas situações a

realizarem desvios consideráveis em busca de leitos mais rasos. No que se refere

ao calçamento de pedra, “são na Colônia verdadeiros prodígios de tão raros;

[podendo] contar os trechos calçados nos dedos de uma só mão, e medi-los a

palmo.231” O que se fazia na maioria das vezes era revestir os solos mais alagadiços

e os atoleiros com pedaços de madeira atravessados. Assim, sintetiza o autor: “a

técnica da construção de estradas na Colônia é o que pode haver de sumário e

rudimentar, e a trafegabilidade delas estava muito mais entregue aos azares da

natureza que às artes dos homens.” (PRADO Jr., 2000, p.263).

Nessas condições de trafegabilidade, o meio de transporte que prevaleceu foi

a utilização dos muares (burros e mulas) como animais de carga. Já muito utilizados

na América Espanhola, esses animais foram facilmente introduzidos no relevo

acidentado que cortava o Caminho Novo. Essa parece ser uma outra subordinação

da circulação aos imperativos da natureza. Segundo La Blache (1954, p.309), “a

natureza do relevo decide os modos de transportes: animais de carga ou

carretagem”. Na leitura do autor, em lugares acidentados não há possibilidade de

utilização dos carros puxados por animais, mas somente o uso dos animais de

carga, dentre esses os muares que, em sua compressão, eram uma das “mais 231 Muitos dos calçamentos que ainda podem ser encontrados nos dias de hoje são heranças produzidas no período posterior à mineração, em sua maioria no século XIX, pós chegada da Família Real, com o desenvolvimento da economia de abastecimento no sul de Minas Gerais (LENHARO, 1993) e da atividade cafeeira no Vale do Paraíba e nas serras do Mar e Mantiqueira. Prado Jr. (2000), diz ter encontrado poucos documentos referentes aos trechos com calçamentos de pedra no Setecentos. Os mais importantes (quase únicos) eram o Caminho de Inhomirim, no trecho referente a subida da serra na estrada de Porto Estrela (RJ), e na subida da Serra do Mar – Santos-São Paulo – sendo essa última a maior obra viária realizada até os primeiros anos do século XIX.

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200

notáveis aplicações da força e da destreza dos animais à industria dos transportes”.

Em outras palavras, dadas a condição montanhosa e extremamente acidentada da

região aurífera de Minas Gerais e a necessidade de transpor as serras da

Mantiqueira e do Mar para se chegar ao porto do Rio de Janeiro, o muar era o único

meio de transporte possível de ser utilizado.

As dificuldades ao longo do Caminho Novo, encontradas e narradas durante

todo o século XVIII, bem como a exclusividade do emprego do muar como meio de

transporte, não podem ser entendidas como uma máxima determinista, mas como

uma condição de apropriação do território, cujas ações políticas eram emanadas

simultaneamente da Metrópole e da Colônia, ambas com interesses semelhantes e,

ao mesmo tempo, díspares. Todos queriam uma circulação interna mais rápida,

porém, tal velocidade poderia representar uma ameaça ao controle fiscal,

conseqüentemente à Real Fazenda, bem como às poucas possibilidades dos

sitiantes, localizados ao longo dos caminhos, de se beneficiarem com o comércio e

com o abastecimentos das tropas e viajantes, uma vez que estes eram obrigados a

passar longas horas em suas propriedades para transpor um obstáculo natural,

pernoitando ou apresentando-se a um registro ou a um posto de guarda.

A relação estabelecida entre a via e o meio de transporte na primeira metade

do século XVIII na América Portuguesa, associada à circulação das frotas vindas de

Portugal232, marcou, sobremaneira, o tempo colonial setecentista, uma vez que a

Companhia Geral do Comércio realizava somente uma viagem por ano entre

Portugal e Brasil, evidentemente, não tão regulares quanto às datas de chegada e

232 De acordo com Bicalho (2003) e Furtado (2006), o sistema de frotas implementado na América Portuguesa refletia a preocupação dos portugueses aos estoques de piratas e corsários mouros, ingleses, franceses e flamengos as embarcações carregadas de ouro e demais produtos do exclusivo metropolitano. Assim, foi criada a Companhia do Comércio que deveria organizar e regular a circulação entre a Metrópole e a Colônia, estando proibida a navegação fora da frota tanto de ida quanto de volta.

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201

de partida, o que causava grandes prejuízos e agitações sociais na Metrópole, na

cidade do Rio de Janeiro, nas Minas Gerais e nas demais vilas e cidades do Brasil.

Nesse sentido, temos dois tempos: o da circulação da Metrópole e o da

circulação da Colônia; o primeiro comandado por forças políticas e econômicas

hegemônicas e internacionais e o segundo pelos interesses coloniais. Um não

poderia existir sem o outro e a razão da existência de ambos era exatamente a

relação entre eles. A questão é que um era, contraditoriamente, limite para o outro. A

dependência da chegada da frota vinda de Portugal para os comerciantes do Rio de

Janeiro abastecerem as Minas Gerais era um grande problema e fonte de muitas

reclamações entre os empresários comboieiros ou tropeiros. Por outro lado, quando

os responsáveis pelas frotas decidiam por partidas imediatas para Portugal, muitos

navios ainda estavam vazios porque os comboios ou as tropas vindos das Minas

Gerais, carregados de produtos da terra e, principalmente, de ouro ainda não

haviam chegado ao Rio de Janeiro, pois, conforme sugere Braudel (1997), dada a

fixidez do itinerário e do arcaísmo do meio de transporte, o tempo da circulação

interna no Brasil era dado pelo tempo da marcha dos animais233.

Para Cavalcanti (2004, p.90),

na Colônia, o tempo era marcado tanto pelo badalar dos sinos das igrejas (...) quanto pelo ritmo das tropas de abastecimento e pelos navios das frotas metropolitanas. Esses eventos determinavam a rotina da vida das pessoas, fazendo com que elas se mobilizassem para atender os prazos definidos pelo chegar e pelo partir das cargas, das notícias, dos indivíduos...

Tinha-se, dessa forma, a força e a intencionalidade de um tempo hegemônico

comandado pelo capital mercantil português, que por essência demandava maior

233 Segundo Cavalcanti (2004, p.90), a época de partida da frota para a Metrópole produzia grande reboliço: “contas deviam ser prestadas aos donos de investimentos em Minas Gerais, mas com residência em Portugal; funcionários reinóis tentavam terminar seus relatórios e devassas (...), contava-se pesava-se e embalava-se todo o ouro recolhido pelos diversos impostos.

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202

rapidez e controle na circulação, pois estava articulado com os grandes

comerciantes portugueses que, por sua vez, também estavam articulados com

agentes mercantis mais fortes e poderosos, situados em outras praças, destacando-

se a capital britânica.

Todavia, esse tempo hegemônico não se instalou na América Portuguesa

imprimindo a mesma velocidade, racionalidade e sócio-espacialidade de seu ponto

de origem ou de seu desejo, porque ao tocar o espaço encontrou condições de

tempo-espaço específicas, obrigando-o a se adaptar a elas. Se o tempo da

circulação marítima obedecia ao período manufatureiro (SANTOS,1994, p.23), o

tempo da circulação interna, ainda que sobre os Caminhos Reais do Ouro, foi

obrigado a adaptar-se aos condicionantes naturais e, sobretudo, à velocidade do

trotar dos muares. Assim, podemos afirmar que o tempo da circulação interna na

Colônia era resultado do conflito dessas múltiplas temporalidades técnicas de

circulação.

O interesse e a necessidade de tornar a circulação entre as Minas Gerais e o

porto do Rio de Janeiro mais rápida eram tão prementes que o processo de abertura

dessa variante do Caminho Novo foi também extremamente rápido, pois da petição

dos moradores do Inhomirim (1723) à Ordem Régia (1728), enviada ao governador

do Rio de Janeiro para que agradecesse a Bernardo Proença pela “obra”234, não se

passaram mais que cinco anos. Por ter aberto o caminho “a sua custa”, o Rei ficou

extremamente agradecido, mandando-lhe comunicar “que fica na minha Real

234 Ordem Régia pela qual se louvou o governador do Rio de Janeiro e se mandou agradecer ao Sargento-mor: Bernardo Soares de Proença a serviço que prestará na abertura, à sua custa, do novo Caminho das Minas por Inhomirim. Lisboa, 28 de janeiro de 1728. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, p. 204).

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203

lembrança para atender aos seus préstimos quando tratar dos seus

requerimentos”235.

Bernardo Proença e os moradores de Inhomirim para se defenderem das

solicitações de fechamento da variante do Caminho Novo aberta por eles, se

apropriaram das inúmeras reclamações feitas pelos viajantes contra a variante do

Couto. Aproveitaram, também, do sentimento de contrariedade do Rei em relação à

Garcia Rodrigues para referendar as vantagens de sua variante, conforme pode ser

observado na Carta encaminhada pelo monarca ao governador do Rio de Janeiro,

Ayres de Saldanha de Albuquerque e Noronha, mostrando-se insatisfeito com a

recusa do velho bandeirante paulista:

que se viu o que me representastes em carta do ano passado [1724], em como Garcia Rodrigues Paes se isentara de abrir o Caminho Novo para as Minas, donde pretendia inteirar-se das datas de terra que diz lhe estavam permitidas, com o pretexto de que os seus muitos anos não lhe permitiam aturar as inclemências do sertão e vendo-o vos [o governador] com este desengano e que se não abria o dito caminho e instando os requerimentos de partes de que era preciso a dita abertura, se vos viera oferecer para ela, voluntariamente, o Sargento- Mor Bernardo Soares de Proença, dizendo-vos me queria fazer este serviço à sua custa, sem mais interesse que o Zelo de sevir-me e ao bem comum.236

Essa Ordem Régia é reveladora dos conflitos de interesse de controle

territorial entre o monarca e seus súditos coloniais, bem como os conflitos entre os

próprios homens coloniais, cujo objeto de disputa era o controle da circulação e por

meio deste, do poder político e econômico territorialmente demarcado. Não foi a

esmo que, no mesmo requerimento em que os “ditos” moradores, ao solicitavam a

abertura de um novo caminho, também esperavam “ser providos com as mesmas

mercês que a ele [Garcia Rodrigues] foram concedidas com tôdas as terras que se

235 Idem a nota anterior. 236 Idem.

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204

acham devolutas desde as vertentes da serra até o Paraíba que serão doze ou

quatorze léguas”237.

Garcia Rodrigues sabia mais que ninguém que a forma mais “prática” de

lucrar com as minas de ouro não era minerar, mas abastecê-la, controlar a entrada e

a saída de pessoas e mercadorias, cobrar os Reais impostos, ter direito sobre as

passagens, oferecer ranchos aos viajantes. Mas para isso ocorrer era preciso estar

presente no caminho, estrategicamente localizado ou, no seu caso, ao longo do

caminho.

Assim que Garcia Rodrigues soube que foram “dadas a várias pessoas as

terras afins do caminho, que as pediram na forma de minha Ordem para as

cultivarem238”, também solicitou terras ao longo deste, utilizando da prerrogativa de

descobridor das minas e do Caminho Novo. Porém, tal discurso já não fazia mais

sentido naqueles idos e o Rei mandou-lhe informar “que como ele não tinha aberto o

caminho [Inhomirim] à sua custa não tinha lugar o seu requerimento239”.

Provavelmente, causava muito estranhamento na Metrópole seu pedido de mais

sesmarias, uma vez que a justificativa para não ter aceitado a Ordem Régia de abrir

a variante do Inhomirim era por “estar muito velho”, porém, não tão velho assim para

solicitar mais terras.

Se até então era Garcia Rodrigues quem detinha o poder de crédito para

solicitar fechamento de caminhos que colocavam em risco seus interesses, agora,

com a variante de Inhomirim, esse papel passou a ser exercido por seu

“descobridor” Bernardo Proença, tanto que assim que soube que um certo Mestre de

Campo Estevão Pinto tentava abrir uma outra variante para as Minas Gerais, entre

237 Requerimento dos moradores do Rio de Inhomirim... AHUL 4.398. Cf. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, p.197). 238 Ordem Régia pela qual se louvou ... AHUL. 10.644. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, p.204). 239 Idem nota anterior.

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205

os caminhos do rio Inhomirim e Iguaçu, imediatamente encaminhou requerimento

pedindo:

à vossa Magestade lhe faça mercê mandar que o dito Mestre de Campo Estevão Pinto não abra o dito caminho e que se obsorve a ordem do dito Governador, atendendo do prejuízo que se segue ao bem público, descaminho da Fazenda Real e o mais que se declara na dita Ordem.240

O solicitante se apoiava do Alvará de 27 de Outubro de 1733, que proibia a

“abertura de novos caminhos ou picadas para as Minas, em que já houver forma de

arrecadação da sua Real Fazenda241”.

Outras ações de cunho mais normativo também impactaram o sistema de

circulação que se engendrava sobre o território, como foi o caso da Ordem Régia,

pela qual se mandou afixar editais em que se declarasse pública e livre a navegação

do Rio do Pilar, em 14 de Dezembro de 1725242.

Assim que a referida Ordem Régia foi divulgada, imediatamente surgiram

inúmeras manifestações contrárias ao fim da cobrança da navegação por canoas;

afinal, esta era uma atividade que gerava grandes lucros para os arrematadores dos

seus respectivos contratos, bem como era a atividade que garantia a sobrevivência

de trabalhadores livres que moravam em suas margens e possuíam também

“quantidade de canoas que alugam243”.

240 Requerimento do Tenente Coronel Bernardo Soares de Proença relativo à abertura de um caminho para as Minas pela serra do Mar (1733). AHUL. 7.832. Apêndice Documental. In: Martins Filho. (1965, pp.199-200). 241 Registro de Alvarás, ordens, leis, decretos e cartas Régias. Livro Quinto (1704-1735). RAPM, ano XX, 1924, p.511. 242 Pelo Caminho de Garcia Rodrigues ou do Couto, como também era conhecido, os viajantes que preferiam fazer o primeiro trecho pela baia de Guanabara, deveriam entrar na foz do rio Iguaçu e seguir em suas barcas ou saveiro até a freguesia de Nossa Senhora do Pilar “Daí para cima é o rio baixo e não permite as ditas embarcações; usam então canoas porque demandam menos água”. Logo, era necessário que se fizesse o transbordo das cargas para canoas mais leves e rasas, serviço esse cobrado e apropriado sob forma de contratos e fonte de grandes lucros. Ordem Régia pela qual se mandaram afixar editais em que se declarasse pública e livre a navegação do Rio do Pilar. Lisboa, 14 de Junho de1725. AHUL. 10.654. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, p.206). 243 Ordem Régia pela qual se mandaram afixar ... AHUL. 10.654. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, p.206).

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206

Ao longo da década de 1720, e durante toda a década de 1730, moradores e

sesmeiros de ambos os caminhos tentaram dificultar ou proibir o caminho rival. Em

1736, um certo João Rodrigues dos Santos solicitou a proibição do Caminho Novo

de Inhomirim, ao mesmo tempo em que aconselhava “ser conveniente a Real

Fazenda executar-se um novo contrato das passagens da canoa do Pilar244”, no

roteiro do Caminho do Couto. O filho e herdeiro de Bernardo Proença, Antonio de

Proença Coutinho, respondeu em um longo requerimento a essa solicitação:

À vista desta verdade esta hoje o caminho do Pilar quase deixado não só pela maior despesa que nêle se faz como também pelos grandes prejuízos das muitas serras perdas nos precipícios que tem e em que se despenham muitos cavalos e outros vários inconvenientes que se experimentam, tem o suplicante a notícia que os seus moradores e roceiros intentam impedir aquêle nôvo caminho de Inhomirim, por meio de um requerimento que fazem a Vossa Magestade para tomar as canoas do Rio do Pilar, por contrato novamente criado, assim como as passagens do Rio da Paraíba e Paraibuna oferecendo por êle, no tempo de três anos, 18.000 cruzados à Fazenda Real, pagando-se por cada canoa 1.280 do contratador quando de presente só se paga 640, a quem as dá por aluguel e como condição de não seguir o Caminho Inhomirim que é todo o fim deste requerimento o qual parece não pode ter lugar e muito menos semelhante condição.245

O que Antonio Proença Coutinho queria explicitar em seu requerimento era

que o pedido feito por João Rodrigues dos Santos proibindo a utilização do caminho

aberto por seu pai não visava os objetivos anunciados, isto é, “ser conveniente à

Fazenda Real”, mas sim objetivos particulares e alheios ao Erário, uma vez que a

“proibição” visava unicamente garantir a retomada do monopólio dos moradores do

Caminho do Couto sobre a circulação interna. O filho de Bernardo Proença sabia

244 Requerimento de João Rodrigues dos Santos, morador do Rio de Janeiro, no qual pede que se lhe passe provisão do Novo contrato das passagens das canoas do Rio do Pilar, para o Couto no caminho das Minas (1736). AHUL. 10.648. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, p.209). 245 Antonio de Proença Coutinho, ao contestar, em requerimento de 1736, a solicitação de fechamento do Caminho de Inhomirim, não deixa de valorizar a obra e o empenho do pai na abertura do dito caminho, “não sendo acostumado ao mau trato de tão trabalhosa diligência, adquiriu tais achaques que depois de os padecer quatro anos de cama, em que gastou quase o resto de sua fazenda, veio a perder de tôda a saúde e a vida”. Requerimento de Antônio de Proença Coutinho, morador do Rio de Janeiro, no qual pede que não fosse deferida a petição de João Rodrigues dos Santos na parte que se refere à proibição da passagem pelo Caminho de Inhomirim. AHUL. 10.643. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, p.202).

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207

que, no trato com a Corte, o jogo das representações era o elemento mais

importante. Assim, antes de encerrar seu requerimento não deixou de desconstruir a

imagem do João Rodrigues dos Santos, informando que este é:

Um pobre que vive de uma taverna e por inducção dos roceiros do Caminho do Pilar entrou em semelhante diligência, afim tão somente do seu próprio interesse, querendo prejudicar aos viandantes com a carestia do preço das canoas e obrigados a que só naveguem por aquêle caminho tão intratável para o consumo dos frutos de suas fazendas com dano irreparável para os mesmos viandantes, sendo em tudo falso e caviloso246 semelhante requerimento, e a ser algum dêstes dois caminhos proibidos, somente seria o do Pilar pelas razões acima alegadas.247

A abertura do Caminho de Estevão Pinto – Caminho de Terra Firme ou

Tinguá - não só preocupou Bernardo de Proença, como também o Capitão-mor

Francisco Gomes Ribeiro, morador do Rio de Janeiro, além de seus vizinhos “que

têm fazendas em Guaguassu [Iguaçu], Caminhos das Minas”, como pode ser

comprovado no requerimento “no qual pede que se não abram novas picadas para

as Minas, para evitar os descaminhos dos Quintos Reais248”. Diante desse

Requerimento, o Conselho Ultramarino, em 06 de fevereiro de 1736, ordenou que o

governador do Rio de Janeiro fornecesse informações sobre “abertura de novas

picadas para as Minas249”. A resposta do governador Gomes Freire de Andrade,

ainda em 1736, foi reveladora e sintetiza como se conjugava os interesses

246 O termo [caviloso] significa, segundo Ferreira (1999), “matutar com astúcia”. 247 Requerimento de Antônio de Proença Coutinho, morador do Rio de Janeiro, no qual pede que não fosse deferida a petição de João Rodrigues dos Santos na parte que se refere à proibição da passagem pelo Caminho de Inhomirim. AHUL. 10.643. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, p.202). 248 Requerimento do Capitão-mor Francisco Gomes Ribeiro, residente no Rio de Janeiro, em seu nome e dos demais vizinhos, senhores de Fazendas em Guaguaçu, no Caminho das Minas, no qual pede que não se abram novas picadas para as Minas Gerais, para evitar os descaminhos dos Quintos Reais. AHUL. 10.642. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, 201). 249 Provisão do Conselho Ultramarino, na qual ordena que o governador do Rio de Janeiro informe sobre a petição de Francisco Gomes Ribeiro relativa à proibição da abertura de novas picadas para as minas. Lisboa, 06 de Fevereiro de 1736. AHUL. 10.650. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, p.211).

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208

metropolitanos e coloniais sobre um território controlado a partir das rotas de

circulação:

Depois de passarem os andantes que vêm das Minas, o Rio Paraíba a esta parte, vem montar a grande serra do Mar por três partes: pelo Couto, Inhomirim e Caminho do Mestre de Campo Estevão Pinto. Os senhores das fazendas que estão em estas passagens, desejam e pretendem fazer fechar os outros dois passos da serra para que todo o rendimento venha a cair em suas roças. Assim, uns fingem o que esta petição representa de bem comum e utilidade da Fazenda de Vossa Magestade, a qual ao presente diminuiria nos dízimos se as fazendas das outras passagens não tivessem consumo nos seus mantimentos [...].250 (grifo nosso)

Embora os conflitos de interesses entre os sesmeiros das variantes do Couto

e Inhomirim fossem a tônica das representações encaminhadas ao governador do

Rio de Janeiro e à Corte, no terceiro período da circulação aurífera as atividades de

mineração (agora também de diamantes), de abastecimento e comercial já estavam

bastante consolidadas e sob forte controle régio.

A dinâmica urbana e a maior produtividade aurífera experienciadas a partir da

década de 1730 demandavam de um sistema de circulação mais rápido, seguro e

menos oneroso. O Caminho de Inhomirim surgiu, então, para consolidar e dar maior

fluidez a essas atividades, logo, foi um caminho que deu sustentação e consolidou a

ocupação interiorizada da metrópole.

250 Informação do Governador Gomes Freire de Andrade a que se refere à provisão antecedente. Rio de Janeiro, 15 de Agosto de 1736. AHUL. 10.651. Apêndice Documental. In: Martins Francisco (1965, p.212).

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209

CAPÍTULO 5

CAMINHOS E (DES)CAMINHOS DO OURO:

NORMATIZAÇÃO E CONTROLE TERRITORIAL

5.1 - O Regimento aurífero

Geograficamente, o estudo do sistema de circulação terrestre no Brasil

setencentista implica a análise da própria materialidade produzida ao longo dos

caminhos e de suas bases fisco-normativas, aqui com ênfase para as políticas

tributárias. Foi a partir dessa normatização que a Coroa, por intermédio de seus

representantes na Colônia, agiu sobre o território, sempre objetivando a garantia de

maiores arrecadações ao Erário Real, conforme pode ser constatado na carta do

governador do Rio de Janeiro Artur de Sá e Meneses, endereçada ao Rei em 1698,

comunicando que um caminho novo seria aberto para ligar, “em pouco mais de

quinze dias”, as minas de ouro localizadas no interior do Brasil ao porto do Rio de

Janeiro. O governador não deixou de enfatizar que o caminho seria de grande

importância para a Coroa porque “pende o interesse de se aumentar os quintos pela

brevidade do Caminho”251.

O Caminho Novo, com suas duas variantes (Couto e Inhomirim), só pode ser

entendido dentro dessa lógica fisco-normativa. Definir a abertura de caminhos e

depois controlar a entrada e a saída de mercadorias, alimentos e pessoas era, sem

dúvidas, um forte controle do território a partir de objetivos tributários.

Em contrapartida, segundo Holanda (1975), o interesse tributário também

levava ao fechamento de caminhos consolidados e à proibição da abertura de novos 251 Carta de Artur de Sá e Meneses ao Rei, 24 de maio de 1698. NRJ. Códice 77, v.6., f. 142v-144v. Cf. Santos (2001, p.79).

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caminhos. O Caminho da Bahia é o exemplo mais claro dessa ação fisco-normativa

e restritiva sobre o território, pois, mesmo se reconhecendo suas vantagens sobre os

dois primeiros caminhos – Caminho Geral do Sertão e Caminho Velho – ele foi alvo

de várias restrições régias na tentativa de impedir o contrabando do ouro e o desvio

do pagamento do seu tributo mais importante – o Quinto Real – pois, nas palavras

de Prado Jr. (2000, p.178), “nada interessava senão o quinto: que fosse pago por

bem ou à força; tudo o mais não tinha importância.”

A submissão da atividade aurífera, desde seus primeiros descobertos na

capitania de São Vicente (São Paulo) no final do século XVI, até o regimento que

procurou discipliná-la, constituiu uma diferença básica em relação a atividade

agromercantil, mais especificamente à produção de açúcar. Data de 1603 a primeira

legislação sobre a mineração, ocasião em que se estabeleceu a livre exploração

aurífera e de pedras preciosas, desde que se reservasse à Coroa o Quinto (1/5) de

todo ouro e pedras extraídas.252 Em 19 de abril de 1702, incentivada pelas novas e

abundantes descobertas, a antiga Lei foi substituída pelo “Regimento dos

Superintendentes, guardas-mores e oficiais deputados para as minas de ouro.”

Segundo Andrade (2002, p.93), salvo algumas modificações, a essência do primeiro

regimento permaneceu até o Império, porém, com “maior preocupação de controlar

mais diretamente os descobrimentos dos ribeiros de lavras e fiscalizar o pagamento

dos quintos reais.”

O Regimento de 1702 legislava sobre todo o processo de descobrimento e

exploração das minas auríferas, ou seja, da organização das empresas de

252 Entre 1603 (primeiro Regimento) e 1702 (Regimento específico para as Minas de Ouro de Goitacazes) várias Ordens Régias foram estabelecidas para normatizar a produção aurífera. Em ambos, segundo ANDRADE (2002), foi garantida aos paulistas a supremacia na posse das minas porque todo processo de descobrimento: organização da empresa, exploração em si, comunicação ao superior (Provedor) e os ritos peticionários dos direitos e mercês encaminhados ao Rei, estavam embasados no poder de crédito e na rede de clientelismo, discursos esses que os paulistas dominavam muito bem pela tradição bandeirista.

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descobrimentos às petições encaminhadas ao Rei253. Aqui, nos interessa a parte

que se refere à cobrança do Quinto Real. Segundo Prado Jr. (1976 e 2000), para

garantir a cobrança do dito imposto era necessário submeter as Minas a um poder

institucionalizado e, sobretudo, régio, dada a desordem social que aquelas paragens

ermas vivenciavam, resultado das disputas pela posse das minas de aluvião. Desta

forma, criou-se em cada capitania em que se descobriam minas de ouro e pedras

preciosas um organismo administrativo especial: a Intendência de Minas. Seu

superior era o superintendente, que tinha total autonomia frente às autoridades

coloniais locais, devendo obediência direta ao governo metropolitano. Abaixo dele

estava o guarda-mor, que tinha como função repartir e fiscalizar as datas

auríferas.254 Embora a função das Intendências fosse controlar todas as “causas”

minerais, elas “exerceram efetivamente e de forma normal senão a função de cobrar

o quinto e fiscalizar os descaminhos do ouro.” (PRADO Jr., 2000, p.177).

253 Ver Prado Jr. (1976 e 2000) 254 No Regimento de 1702 mantiveram-se as funções dos guardas-mores prescritos no "Regimento que se há de guardar nas Minas dos Cataguases e em outras quaisquer do distrito destas capitanias de ouro de lavagem”, passada pelo governador da capitania do Rio de Janeiro - Artur de Sá e Meneses – quando esteve na vila de São Paulo, em 3 de março de 1700. Após comunicado um descobrimento, os guardas-mores se “transportavam então ao local, faziam a demarcação dos terrenos auríferos, e em dia e hora marcados e previamente anunciados, realizava-se a distribuição entre os mineiros presentes. Qualquer pessoa podia comparecer e participar da distribuição, mas não se aceitava representação de terceiros. A distribuição se fazia por sorte e proporcionalmente ao número de escravos com que cada pretendente se apresentava; mas antes desta distribuição geral, o descobridor da jazida tinha direito de escolher livremente sua data (era o nome dado às propriedades mineradoras); e depois dele, a Fazenda Real também reservava uma para si, que, aliás, nunca a explorava, vendendo-a em leilão logo depois de adquiridas.” (PRADO Jr., 1976, p.76) Ver Regimento do Superintendente, guarda-mor e mais Officiais das Minas de Ouro de São Paulo, 19/04/1702. Cf. Apêndice Documental. In: Antonil (2001, pp.394-406).

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5.2 - Os descaminhos do ouro

No ano de 1710, o recém empossado governador da capitania de São Paulo

e Minas Gerais, Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho, em carta ao Rei,

relatou que as condições de controle e pagamento do Quinto Real não eram nada

animadoras, ao constatar que “he sem dúvidas que as três partes dos quintos se

descaminharão por mais cuidados que se poem nelles”255. À partir desta afirmação,

levantamos os seguintes questionamentos: 1º) O que o governador estava querendo

alcançar junto ao Rei com tal constatação? 2º) Por que foi tão drástico, quando sua

função era exatamente levar a “Ordem” a esse território aurífero e impedir a saída do

ouro sem a devida taxação régia?

Acreditamos que as palavras de Antônio de Albuquerque tinham por objetivo

deixar claro que, nas condições coloniais, o ato de descaminhar era a prática

corrente entre quase todos os seus habitantes, enquanto o pagamento do imposto

era a exceção. A revelação de tal quadro tinha por objetivos eximi-lo de toda e

qualquer responsabilidade de pôr em prática o fim ou a diminuição da sonegação,

bem como mostrar-se consciente e preocupado com as conseqüências dessa

prática e conduta colonial ao Erário Real. Encaminhava, nesse sentido, uma postura

tanto quanto difusa diante dos interesses metropolitanos e coloniais. Não de forma a

opor uma em relação à outra, mas apropriando-se e valorizando das condições que

ora favoreciam ao Rei, ora aos homens coloniais e, por que não dizer, ora a si

próprio?

255 Carta de Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho à Coroa, Rio de Janeiro, 3 de Abril de 170. APM, (SG) Códice 6, f. 10-12. Cf. Boxer (2000, p.103).

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Se a obrigatoriedade do pagamento do Quinto Real não nascera com os

descobrimentos nas Minas dos Cataguases, a questão que se apresenta a nós é:

por que, em tão pouco tempo de exploração, a sonegação do devido imposto era tão

alta e reconhecidamente uma prática comum?256

Segundo Mello e Souza (2004, p.139-40), para entender o processo em tela é

preciso se apropriar e, ao mesmo tempo, avançar nas interpretações historiográficas

propostas por Caio Prado Jr. e Raymundo Faoro sobre a administração colonial.

Para a autora, a sonegação dos devidos impostos não era a conseqüência de um

sistema administrativo confuso e irracional ou, na sua oposição, uma resposta ao

extremo controle e centralismo político metropolitano, mas um “movimento pendular

entre sujeição extrema ao Estado e autonomia”257. Era pendular porque as minas

auríferas não só despertavam a cobiça da Metrópole, como também dos homens

coloniais. Para a autora: “longe da Metrópole, longe até mesmo do litoral e das

frotas, as Minas excitavam os ânimos e proporcionavam toda a sorte de infrações.”

Nessas condições, a Metrópole sabia que era preciso impor seu poder; no entanto,

dependente dos vassalos que mineravam e administravam a atividade, tinha que

“evitar que se tornasse inoportuna e odiosa, pois as distâncias e a morosidade do

aparelho administrativo a colocavam em situação delicada”.

O movimento pendular revelava a contradição na forma de governar as Minas

Gerais. Se para cobrar o imposto era necessário que o Estado estivesse presente,

firme e incisivo, por outro, tal postura poderia prejudicar a própria cobrança e a

arrecadação da Real Fazenda. 256 Em 1695 – logo após os primeiros comunicados do achamento das minas de ouro – o Rei já se mostrava bastante preocupado com os descaminhos do quinto, pois fora informado “que nos quintos do ouro nas minas das capitanias do sul, há muitos descaminhos em prejuízo de minha fazenda”. Alvará Régio em forma de Lei providenciando sobre os descaminhos dos quintos do ouro das minas do Sul. (Lisboa / 10-12-1695). RIHGSP, São Paulo, 1913, vol. 18, p.286. 257 Cavalcante (2006), ao estudar os descaminhos em Minas Gerais e Rio de Janeiro também se apropria do conceito de “movimento pendular”, cunhado por Laura de Mello e Souza para o sistema administrativo luso-colonial.

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Posto desta forma, Cavalcante (2006) acrescenta que o não pagamento dos

impostos não pode ser entendido como decorrência de desvios morais, mas, antes

de mais nada, do contexto geral que envolvia a atividade; inter-relacionando lógicas

locais e também globais. Em suas palavras:

O descaminho é pratica enraizada do sistema existente. Só se pode descaminhar porque há um caminho: o da Real Fazenda. [...] Portanto, o ato de descaminhar constitui-se em deter ou desviar o curso esperado dos direitos reais, os quintos, preferencialmente. Por essa distinção, pode-se apenas descaminhar o que, por direito, já pertence a el-Rei. Com efeito, se é correto afirmar que o descaminho pressupõe um conjunto de relações clandestinas em curso paralelo à rotina oficial, todavia, sem a vinculação proporcionada pelos meios legais, o lucro não se realiza plenamente. (CAVALCANTE, 2006, p.36)

Muito utilizado na bibliografia, o termo “contrabando” também se referia à

prática de desviar os devidos impostos da Real Fazenda258. Preferimos o emprego

do termo “descaminho” para designar o não pagamento do Quinto Real em

detrimento de contrabando, pois este último não se restringia especificamente ao

imposto, mas à circulação de qualquer produto proibido.

O termo “descaminho” não era empregado, segundo Garcia (1995, p.71),

exclusivamente “às vias clandestinas que acompanhavam, cruzavam e auxiliavam o

Real Caminho do Ouro, pois servia também para toda e qualquer atividade que

atingisse a execução dos Reais Quintos”. Cavalcante (2006) analisa a complexidade

e as “multiformas dos descaminhos” existentes na primeira metade do século XVIII.

Segundo o autor, descaminhava-se em todos os lugares, de todas as formas e

258 Garcia (1995, pp.70-71) ao estudar os “descaminhos” no Rio de Janeiro (1770 a 1790), apresenta a origem e evolução da palavra “contrabando”: (Ban) pode designar o momento no qual a autoridade local convoca a população, através de clarins e tambores. Uma vez feito o ajuntamento em voz alta, proclamavam-se as medidas legais, normalmente policiais. O indivíduo citado em um “bando”, passava a ser designado de bandido. De outro modo, a introdução ou retirada de mercadorias que não percorressem o caminho legal (ban), recebia o nome de (contra) bando.”

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envolvendo todos os segmentos sociais, isto é, do governador de capitania aos

escravos259.

Pijning (2001) questiona como algumas pessoas eram presas, processadas e

condenadas se os descaminhos eram um fenômeno aceito e onipresente. Para

responder a essa questão-problema o autor nos diz que é preciso que se entenda o

contrabando e/ou os descaminhos como algo inerente à economia do Atlântico pré-

moderno, atuante em todos os aspectos da sociedade luso-brasileira, de forma

competitiva e em rede dentro das atividades ilegais. Mas se os descaminhos eram

aceitos e ao mesmo tempo considerados crime de lesa-majestade, faz-se necessário

distinguir dois tipos de contrabando/descaminhos: o que era tolerado e o que era

preciso combater. Numa sociedade marcada pelas relações clientelistas, que se

materializavam desde a relação de dependência entre Rei e a mais baixa

vassalagem da Colônia, bem como entre os nobres e/ou administradores com os

comerciantes, senhores de engenho e mineradores, é de se supor que a questão

não era quanto, como e o que era contrabandeado ou descaminhado, mas quem

descaminhava, em outras palavras, “a qualidade vinha antes que a quantidade [..]

tais limites eram muito mais definidos pelo status dos envolvidos do que por

questões éticas ou morais.” (PIJNING, 2001, p. 399).

Marcado por tamanha contradição, Cavalcante (2006, pp.128-29), assim

sintetiza os descaminhos:

eis o fio da navalha pelo qual passam a ordem e a desordem, o lícito e o ilícito, o caminho e descaminho. O mesmo oficial responsável pela ordem propiciava desordens, o mesmo oficial empenhado em dar cabo de ‘execrando delitos’ com eles precisava conviver para melhor extingui-los, o mesmo oficial que cunhava a moeda dentro da Casa da Moeda, as falsificava fora dela [...].

259 “Não se trata simplesmente de roubo, de furto ou de corrupção, mas de um tipo determinado de prática social; encoberta pelas formalidades oficiais, porém radicalmente ativa e penetrante, irradiada por todo o corpo social, incluído os escravos, formando e redefinindo, afirmando e negando, isto é, afirmando pela negação, enfim caminhando pelo descaminho.” (CAVALCANTE, 2006, p.59)

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A fiscalização estatal não se realizava nas lavras de ouro, mas se limitava

praticamente a dois equipamentos administrativos: nas casas de moeda e fundição -

onde o ouro era recolhido para ser quintado, fundido e cunhado -, e nos registros e

barreiras localizados ao longo dos caminhos - onde se verificava a documentação

comprobatória do pagamento do Quinto Real nesses equipamento. Logo, uma

imensa gama de possibilidades se abria para descaminhar o ouro logo após a sua

extração. As estratégias empregadas eram muitas, diversificadas e dificilmente eram

percebidas pelos administradores coloniais. No entanto, nada superava os

descaminhos resultados do uso generalizado do ouro em pó como moeda corrente.

O governador D. Rodrigo José de Menezes, ao escrever sobre “estado de

decadência da capitania de Minas Gerais e meios de remediá-lo”, não deixou de

relatar o problema da circulação do ouro em pó. Embora esse documento seja de

1780, ele revela que a falta de moedas circulantes na América Portuguesa

perpassou todo o século XVIII.

O prejuízo que a Fazenda Real recebe na Origem do extrato, que venho de ponderar he quanto a mim o menor que ela experimenta no cego abrizo da circulação do Ouro em pó. No giro interior desta, que passando de huma mão a outra sem nunca chegar a fundir-se, fica para sempre frustrada a percepção do Quinto, não só de huma quantidade certa, que se poderia supor continuamente circulando, mas daquelas pequenas partes, que na incomprehensivel, e continua passagem que faz de compradores e vencedores se vae sempre perdendo de maneira que huma oitava de Ouro, já não he uma oitava a segunda vez que se pesa, e progressivamente vai diminuindo em razão das mais ou menos operações semilhantes que se fazem.”260

O ouro em pó, literalmente pulverizado nas mãos da sociedade colonial

mineira, da gente poderosa à arraia miúda, era empregado para todo e qualquer tipo

260 Exposição do Governador D. Rodrigo José de Menezes, sobre o estado de decadência da Capitania de Minas Gerais e meios de remedialo. RAPM, ano II, fasc. 2, abril- junho de 1897, pp.321-22.

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de negociação, transação e trocas que garantiam a manutenção da vida naquelas

paragens interiorizadas. Com o ouro comprava-se tanto os produtos básicos quanto

os de luxo; fazia-se doações às igrejas, como também se pagava as meretrizes.

Segundo Chaves (1999), o ouro era a moeda corrente no mercado mineiro, o

que fazia com que os agricultores e comerciantes “estimulassem” os preços do

mercado a depender da variação do ouro, aquinhoando grandes quantidades do

metal sem ter que pegar na bateia, mas apenas se dedicando ao comércio e à

agricultura. Para Santos, R.M. (2002, p.71), o ouro em pó:

tão logo deixa a natureza e cai nas mãos do homem adquire a propriedade ”mágica” de ser dinheiro. Isto o torna indiferente também à ilegalidade de sua circulação, facilitando a mercantilização interna e o contrabando com o exterior, concentrando recursos monetários possíveis de se tornarem capital-dinheiro, superando também a escassez de numerário para as transações correntes internas.

Para Carrara (1999, p.2), o uso do ouro em pó como moeda, ou “capital

mineral circulante”, na economia e sociedade agrária mineira ao longo de todo o

século XVIII, foi tão presente e constante que julga ser esta a sua particularidade no

quadro colonial261. De acordo com Antonil (2001, p.253),

tanto que se viu a abundância do ouro que se tira, e a largueza com que se pagava tudo o que lá ia e logo começaram os mercadores a mandar às Minas o melhor que chega nos navios do Reino e de outras partes [...].

Embora difuso nas mãos de toda a sociedade mineira, esse ouro ia se

aglomerando nos interstícios do controle metropolitano, cujo destino era um só: os

portos e, a partir desses, o mundo. Uma complexa rede de descaminhos se

apropriava do ouro produzido na América Portuguesa sem o devido controle da Real

Fazenda. Alencastro (2000), apresenta a articulação mercantil no Atlântico Sul entre

261 Segundo Carrara (1999, p.7), o último ano em que o ouro em pó circulou como moeda foi em 1807. “Em primeiro de setembro de 1808 foi baixado o alvará proibindo a circulação e a 12 de outubro de 1808 foi expedido o alvará regulamentando a feitura de bilhetes impressos para a troca do ouro em pó nas casas de permuta.”

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Brasil, o rio Prata e a África, no qual a produção aurífera desempenhou importante

papel. Todavia, a maior parte desse ouro ia para a Europa, principalmente para a

Inglaterra, Holanda e França262, também numa complexa rede ilegal que envolvia

comissários, estrangeiros e funcionários régios presentes nos portos brasileiros, em

Buenos Aires, nas praças coloniais portuguesas localizadas na África e, sobretudo,

em Lisboa263.

Todo esse ouro descaminhado só podia chegar aos portos de uma única

forma: circulando por caminhos, fossem eles os permitidos, os proibidos ou, mesmo,

os desconhecidos. A todos esses caminhos transgressores ao fisco Real

chamaremos de caminhos descaminhantes. Se os descaminhos eram uma “prática

disseminada e incorporada ao cotidiano luso-brasileiro” (ROMEIRO, 2005, p.217),

desde muito cedo, a Coroa optara pela forma mais arcaica de evitar os descaminhos

e controlar o território a partir de seus princípios fiscais: proibindo e coibindo a

circulação pelos caminhos já consolidados, bem como proibindo a abertura de novos

caminhos de melhor trafegabilidade. Enfim, a política fisco-normativa se restringia

basicamente à política de circulação, cujo objetivo era um só: controlar e impedir que

o ouro deixasse as Minas sem ser quintado. Contraditoriamente, os elementos

simbólicos e as normatizações fisco-adminsitrativas da Coroa precisavam circular

262 Cavalcante (2006, p.79), a partir do trabalho de Morrisson; Barrandonho & Marrisson (1999) apresenta uma tabela sobre o percentual do ouro brasileiro no numerário francês de 1700 a 1785, em médias decenais. Enquanto na década de 1710 não chegava aos 10%, para as décadas de 1740 e 1770 correspondia a aproximados 40% e 62% respectivamente. 263 A corrupção dos funcionários régios no porto do Rio de Janeiro foi detalhadamente analisada por Bicalho (2003). Segundo a autora, esta prática se estendeu por toda a centúria do século XVIII, conforme se verifica em uma carta do conde de Resende (Vice-Rei) a Luis Pinto de Souza, de 5 de novembro de 1795, onde, informava que expedia rondas aos oficiais, assim que um navio estrangeiro atravacava na cidade; a fim de se evitar o contrabando. “Mas concluía que, infelizmente, aquela providência não evitava os males que os ingleses causavam à cidade, podendo mesmo aumentá-lo, pois desconfiava que alguns dos oficiais eram ‘tão infiéis’ que pelos seus interesses próprios facilitavam a comunicação e o comércio entre os estrangeiros e moradores da cidade”. (BICALHO, 2003, p.136)

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por caminhos para transformar os fundos territoriais auríferos em territórios usados,

submetidos ao poder pleno da Coroa.

O problema dessa política de controle territorial rebatia no fato que os

ribeirões auríferos não estavam localizados no espaço de ação da tradição

portuguesa de ocupação, ou seja, no litoral. Logo, interiorizar a Metrópole em

dimensões tão alargadas era uma tarefa que também se apresentava nova para o

poder metropolitano. Se era impossível estender o poder e a norma para toda a

conquista longitudinal do território, ao menos em alguns eixos ou faixas horizontais

de leste-oeste, isso era possível, via um eixo de circulação ligando alguns portos do

litoral aos centros e/ou núcleos interiorizados, desde que nesses eixos se fixassem

seus equipamentos burocráticos de controle fiscal e de reprodução das estruturas

clientelistas: os registros, as barreiras, os postos fiscais e as mercês em forma de

sesmarias, títulos e favorecimentos.

Se durante os dois primeiros séculos de colonização as trilhas e caminhos

serviam apenas como rota de reconhecimento do sertão, agora, requalificadas, elas

também se apresentavam como um elemento de qualificação do território. Ao longo

dos caminhos a sociedade colonial também se reproduzia, acatando as lógicas

metropolitanas de controle, como também reelaborando-as a partir das demandas e

dos interesses da elite local. O Caminho Novo de Garcia Rodrigues nasceu dessa

necessidade de controlar o território aurífero, mas ao mesmo tempo, garantiu ao seu

“descobridor” o direito exclusivo de explorar qualquer atividade comercial e de

abastecimento em seu percurso. Nascido dessa forma, o caminho era um convite a

todos para que procurassem os caminhos descaminhantes.

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5.3 - Circulação e impostos: as duas faces da mesma moeda

Uma ampla bibliografia264 e diversas fontes documentais foram encontradas

sobre os diferentes impostos cobrados nas Minas Gerais setecentista. Optamos em

apresentá-las sinteticamente, para que melhor possamos compreender a relação

fisco-normativa sobre o território que se materializava a partir do sistema de

circulação. Ao longo de todo o século XVIII, a taxação do Quinto Real foi efetivada

de diferentes formas. O primeiro Regimento que normatizou a cobrança desse

imposto na América Portuguesa data do início do século XVII e faz parte das

Ordenações Filipinas265. Nele já estavam previstas duas condições básicas para a

exploração aurífera, que vigorariam dali por diante: i) os “veeros e minas” de ouro

descobertos em doações de sesmarias não pertenciam ao sesmeiro, “salvo se

expressamente forem nomeadas e dadas na dita doação;” ii) “que de todos os

metais que se tirarem, depois de fundido e apurado, paguem o quinto em salvo de

todos os custos”266. As primeiras experiências auríferas mais duradouras e

produtivas localizadas na então capitania de São Vicente267 foram normatizadas e

controladas por esse Regimento.

264 Sobre os impostos que incidiam sobre produção aurífera estudamos; Andrade (2002, pp.143-46; 189; 211); Santos (2001, p.73, 149, 153); Chaves (1999, pp.70-2); Rodrigues (2002, p.94, 120); Garcia (1995, p.137, 164-6); Moraes (2002, p.7); Prado Jr. (1976, pp.58-9; 2000, pp.176-77); Abreu (2000, pp.169-172); Borrego (2004, p.45, 98); Mello e Souza (2004, pp.183-190); Boxer (2000, pp.78-9, 202, 212-13, 215-19); Russell-Wood (1998, pp.207-08); Romeiro (2005, pp. 213-16); Bento (1998, p.1641); Sodré (1990, p.157); M. Ellis (1956, pp.456-57, 470-417, 475); M. Ellis (1958, p.437, 444, 453, 455, 462); Cavalcante (2006, pp.31-5, 47-8, 51, 65-72, 119-120, 123-26) e Furtado (2000, pp.77-90). 265 O direito régio sobre um quinto da produção aurífera consta das “Ordenações e Leis do Reino de Portugal, recopiladas por mandado do muito alto católico e poderoso do rei de Portugal Philippe - O Primeiro” (Lisboa 1603) – conhecida como Ordenações Filipinas (Título 4, livro 2). Antonil (2001, pp.263-277), ao fazer uso de longo espaço de seu texto sobre a “obrigação de pagar a el-Rei nosso Senhor a quinta Parte que se tira das minas do Brasil”, apoiou-se não somente nas ordenações, como também na teologia, cujo objetivo era produzir ou introjetar nas consciências, uma cultura, ou, como proferiu Mello e Souza (2004, p.140), “tornar uma necessidade profunda”. 266 Antonil (2001, p.264). 267 Antonil (2001, p.222), faz referência às primeiras experiências de mineração aurífera: “tantas em número e tão rendosas aos que delas o tiram. E primeiramente, é certo que de um outeiro alto,

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O Regimento de 1702 não poderia deixar de legislar sobre essa instituição

que era o Quinto Real, como descrito em seu artigo 29:

E para a boa arrecadação dos quintos que pertencem à minha fazenda, todo o ouro que sahir das ditas minas saira com registro, para que o Superintendente terá hum livro por elle rubricado e numerado, em que pelo seu escrivão se faça termo com declaração da pessoa que registra o ouro, dos marcos ou oitavas que registra, da officina dos quintos, para onde o leva a quintar; do dia, mez e anno em que faz o dito registro, [...], e as pessoas que não registrarem o dito ouro que levarem das minas, sendo achadas sem o quintar ou registrar antes ou depois de chegar as casas dos quintos, o perderão para a minha fazenda, e alem disso haverão as mais penas em que incorrem os que descaminhão os meus direitos268.

As primeiras casas de quintar o ouro das Minas dos Cataguases estavam

localizadas nos pontos estratégicos dos primeiros caminhos que para lá seguiam.

Antonil nos diz que “houve até agora [1711] casa de quintar em Taubaté, na vila de

São Paulo, em Parati e no Rio de Janeiro”269. Embora Taubaté seja citada na obra

de Antonil, estudos recentes mostram que em Taubaté existia um registro, mas sem

equipamento para fundir o ouro, por isso não se podia quintá-lo naquela paragem. A

máquina de cunhar as barras de ouro enviada de Portugal em 1701, teria ficado

retida em Parati até 1704. Apesar das repetidas ordens do governador da capitania

do Rio de Janeiro e do provedor da Fazenda Real, os oficiais da Câmara

recusavam-se a transportá-la a Taubaté270. Alegavam a dificuldade que seria subir a

distante três léguas da V. de São Paulo, a quem chamam Jaraguá se tirou quantidade de ouro, que passou de oitava a libras. Em Parnaíba também. [...]. Muito mais e por muitos anos se continuou a tirar de Paranaguá e Curitiba. 268 Regimento do Superintendente, guarda-mor e mais officiais das minas de ouro de São Paulo, 19 de abril de 1702. Cf. Apêndice Documental. In: Antonil (2001, pp.402-03). 269 Antonil (2001, p.248). 270 Em 1701, Luis da Silva é nomeado e mandado de Portugal como fundidor e cunhador de ouro extraído das Minas de Ouro dos Cataguases. Trouxera consigo um engenho para fundir e cunhar o ouro quintado. No entanto, segundo Ribas (2003), o engenho jamais conseguiu chegar ao seu destino – Taubaté – em virtude das dificuldades impostas pelo Caminho Velho que ainda não passava de uma picada aberta numa serra de floresta densa. É bem provável que o engenho tenha ficado no meio do caminho, junto ao Registro de Parati que já estava instalado na Serra do Facão, comprovado no documento de 8 de julho de 1704: “Registro da Carta de sua Majestade escrita ao Governador desta Praça . Dom Álvaro da Silveira de Albuquerque sobre as oficinas de São Paulo vir para Santos e de Taubaté para Parati e as lanchas que de lá vierem apresentarem as cargas na

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serra de Parati (Facão) com o equipamento. O que estava oculto nessa recusa era,

de fato, evitar que a casa de quintar fosse instalada no território de mando dos

paulistas. Finalmente, em 18 de janeiro de 1704, por Consulta do Conselho

Ultramarino, o Rei resolveu criar duas casas de quintos: uma em Parati, em

substituição à de Taubaté, e outra em Santos, em substituição à de São Paulo

(SILVA, 2001). Tal decisão ilustra a alteridade que ia se estabelecendo no interior de

América Portuguesa, uma vez que os interesses régios não se instalavam no

território sem antes se adequarem aos interesses coloniais. Num território pouco

dotado de regras e normas, quaisquer que fossem os equipamentos administrativos

instalados dotariam seus administradores de poderes políticos e econômicos que os

colocariam em vantagem na relação clientelista com o Rei, que se materializariam

na Colônia em forma de grandes sesmarias, títulos honoríficos e demais mercês,

delimitando territórios de mando, verdadeiros potentados locais.

Nas duas primeiras décadas de mineração (1690-1710), era para essas casas

de fundição que a produção aurífera devia ser levada para ser quintada, fundida e

identificada com o selo real. Se a fixação das “casas de fundir” nos pontos extremos

dos dois únicos caminhos livres para a circulação aurífera fora definida para atender

aos interesses dos senhores camaristas da Vila de São Paulo e da Vila de Parati, no

que se refere ao recolhimento do devido imposto, tal fator locacional não agradou o

Erário Real, pois, ao longo da década de 1710, por meio de intensa troca de

correspondência entre os governadores do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas dos

Cataguases e demais funcionários régios, buscava-se encontrar uma forma de evitar

Alfândega”. Neste documento o Rei diz que “o aparato ficaria então na cidade, sendo o mesmo aproveitado no registro, que, por este motivo prosaico, passa a ter Casas de Quintos” Na mesma carta são extintas todas as “outras” casas de registros excedentes, exceto para as de Parati e Santos, e manda que se crie uma nova Casa no Rio de Janeiro para quintar o ouro que vier “pelo Caminho Novo que abre Garcia Pais.” Arquivo Nacional. Fundo da Secretaria de Estado do Brasil, Códice 61, vol. 14, fls.139v-141v. Cf. RIBAS (2003, p.57).

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223

os descaminhos. Três motivos eram alegados na explicitação da pífia arrecadação

do Quinto Real nesses anos iniciais de mineração: i) as casas de fundir e/ou os

registros estavam localizados muito distantes das minas auríferas; ii) a corrupção

dos funcionários responsáveis pelo recolhimento do imposto e em todo processo de

fiscalização dos descaminhos; iii) a abertura de caminhos descaminhantes.

Quanto à distância, outros argumentos se somavam aos anteriores: i)

péssimas condições dos caminhos de São Paulo e Parati, em detrimento das

melhores condições de trafegabilidade do Caminho da Bahia; ii) ausência de postos

fiscais nos dilatados caminhos e no vasto sertão; iii) dificuldade em patrulhar áreas

florestadas bem conhecidas pela população local. O sentimento capturado nas

correspondências trocadas entre a Metrópole e seus funcionários na Colônia

exprimia a idéia de que “dos caminhos parecia praticamente impossível evitar a

entrada nas Minas por qualquer dos referidos [caminhos], e muito menos a “sahida

dellas”271.

O desembargador sindicante, João Pereira do Valle, ao responder à

solicitação Real sobre as condições da “caza da Moeda do Rio de Janeiro e do

estado das Minas”, em 7 de dezembro de 1705, também não escondeu que o

descaminho era uma prática comum na América Portuguesa e que a decisão Real

em abrir casa de fundir em Santos e Parati não tinha conseguido, sequer reverter o

problema. Sobre as barras recebidas dessas casas, diz o desembargador:

Estas barras vierão falsos, ou os officiais dellas, uzando mal do poder que Vossa Magestade lhe com cedeo, furtão estes quintos ou signão o cunho real o ouro que os não tem pago. Disto há grande mormuraçam, e os mais zellosos entendem que ter Cazade quintos em Parati e na Villa de Santos, aonde hoje existem, mais serve de descaminhar o ouro que ajudar de sua arrecadação; porque nestas partes só se executa a ley nos pobres e mizeráveis; ficando izentos os poderozos e insolentes, e os officiais em breve tempo tem fama

271 Anônimo. “Informações sobre as Minas do Brasil”. Cópia IHGB, lata 218, documento 7.

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de ricos, circunstâncias que mais persuadem extinguir estas oficinas que conservallas”272.

Ficava cada vez mais explícito para a Coroa que esperar que os mineradores

levassem, espontaneamente, a produção aurífera para ser quintada nos pontos

extremos dos caminhos permitidos, não apresentava resultados satisfatórios para a

Real Fazenda. Em resposta, a Coroa tentou implementar, a partir de 1710, uma

nova estratégia para aumentar a arrecadação a partir de um valor previamente

fixado sobre cada escravo que minerava. O responsável para por em prática esse

sistema - chamado de imposto de capitação - foi o governador da capitania de São

Paulo e Minas Gerais273, Antônio de Albuquerque, que estipulou a cobrança de dez

oitavas de ouro em pó (36 gramas) sobre cada bateia, ou então, sobre cada escravo

que minerava.

272 Carta de João Pereira do Vale a D. Pedro II. Rio de Janeiro, 07 de dezembro 1705. Cf. Apêndice Documental. In: Antonil (2001, p.407). 273 A Guerra dos Emboabas em 1708 ocorrida na região dos ribeirões auríferos deixou bem claro para a Coroa portuguesa que era preciso investir naqueles sertões os seus elementos simbólicos, dentre eles os que carregavam as capitanias enquanto instâncias político-administrativas. Assim, em 09 de novembro de1709, criou a capitania de São Paulo e Minas de Ouro, desmembrando-se do Rio de Janeiro. Acreditamos que a criação da capitania não foi apenas uma medida simplista para apaziguar os paulistas de sua derrota no conflito com os emboabas, mas, acima de tudo, uma tentativa de instalar o poder régio na região aurífera por meio da figura de um Capitão-General, cargo ocupado na ocasião por Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho, tanto que este não se fixou na vila de São Paulo, mas sim no ainda povoado de Ribeirão do Carmo, ao tomar posse em 18 de junho de 1710. No ano seguinte (1711), o governador agrupa e eleva alguns dos povoados auríferos à categoria de Vila (Vila Rica, Vila de Nossa Senhora do Carmo e Vila Nossa Senhora da Conceição do Sabará). Desta forma, estava garantida, segundo Russell-Wood (1999a, p.110), a asseveração da autoridade real; reconhecimento das realizações de tais comunidades; investidura de autoridade local legítima nos senados da câmara; a criação, enfim, de uma força estabilizadora, um agente de controle social, uma estrutura regulatória e um instrumento de governo representativo. Estavam criadas, então, as condições para que o poder régio, no objetivo de aumentar o seu erário, se assentasse sobre as ricas minas de ouro. O que antes era considerado como um sertão, despossuído de poder institucional, agora, passara a ter uma base político-administrativa a partir da criação da capitania de São Paulo e Minas de Ouro e das câmaras municipais sobre as quais o representante direto da Metrópole se apresentava – o Capitão-General. Não é de outra forma que o Antonio de Albuquerque, já em 1711, “reuniu as câmaras e pessoas mais notáveis para assentarem o melhor meio de garantir os interesses da Coroa” (ABREU, 2000, p.169).

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ILUSTRAÇÃO 12: Instrumentos de extração, fundição, aferição e transporte de ouro. Fonte: Melo e Souza, Laura de. Desclassificados do Ouro: a pobreza mineira no século XVIII. 4 ed. Rio de Janeiro: Graal, 2004, p.148. Esse sistema mostrou-se bastante desigual porque as minas e ribeirões em

fase de retração tinham que pagar o mesmo valor que os novos e ricos ribeirões ou

minas auríferas. Evidentemente, houve muita reclamação e motins nos ribeirões e,

como já se sabia, quanto mais insatisfeitos estivessem os mineradores, menor seria

a arrecadação dos quintos. Segundo Antezana (2006), em uma junta realizada em

01 de dezembro de 1710, entre os camaristas de São Paulo e o governador, foi

instituído o direito das entradas para a capitania de São Paulo e Minas de Ouro

“como único método que os povos excogitarão e elegerão para haverem de

satisfazer o direito senhorial do quinto devido.”274 Assim, pagariam nos registros

fiscais duas oitavas de ouro quintado cada escravo negro, uma oitava de ouro por

cabeça de gado vacum e duas oitavas por cada cabeça de gado muar e cavalar,

duas arrobas e seis libras275 por cada carga de fazenda seca e meia oitava por cada

carga de molhado.

274 Rebelo (1976), citado por Antezana (2006, p. 78). 275 Segundo Silva (2001), a oitava equivalia a 3,6 g de ouro; a libra, 449g e à arroba 14,688 Kg.

Os instrumentos utilizados nas casas de fundição e em todos os ambientes da Colônia onde o ouro em pó era utilizado como moeda não eram nada precisos. Os instrumentos ao lado pertenceram à antiga Casa de Fundição de Vila Rica

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Segundo Vasconcelos (1948), a tentativa malograda do governador Antonio

de Albuquerque em instituir o direito de entradas como forma de contribuição do

Quinto Real, somente foi colocada em prática por seu sucessor, D. Braz Baltazar da

Silveira, em 1714, que preferiu definir junto com os camaristas da Vila do Carmo a

cota anual fixa de trinta arrobas de ouro como pagamento do imposto. Também se

permitiu que as câmaras das vilas mineiras utilizassem os direitos das entradas para

pagar parte dessa cota, cobrando uma oitava e meia de ouro por cada carga de

gêneros secos; meia oitava por carga de gêneros molhados, uma oitava para cada

cabeça de gado e duas oitavas por escravo.

A Coroa, insatisfeita com o acordo, solicitou que o governador voltasse ao

sistema original sobre as bateias. Tão logo fixou-se o novo bando, a população

amotinou-se, mostrando-se completamente insatisfeita:

Todos lhe repugnaram, e o povo se amotinou de forma que se o governador se não retira para Vila Rica, haveria motim grande; e ainda na retirada, vindo ele pernoitar aos Raposos; à casa de um João Lobo, ali o perseguiram, cercando-lhe as casas e clamando contra ele, de sorte que foi preciso retirar-se por uma janela.276

Diante da reação da população e percebendo que o movimento poderia

alastrar-se para os demais povoados, o governador teve que voltar atrás a Ordem

Régia e retornar às trinta arrobas (BOXER, 2000). No entanto, assim que foi

substituído por Dom Pedro de Almeida – Conde de Assumar – em 1717, um

conjunto de normas foram instituídas para aumentar a arrecadação, dentre elas, a

manutenção da dita cota anual, porém não mais de trinta arrobas, mas de vinte e

cinco arrobas, desde que o controle da arrecadação dos direitos das entradas saísse

276 Documento anônimo, escrito em 1750, para o Ouvidor geral Costa Matoso, relata um pouco da atmosfera de insatisfação dos moradores das Minas Gerais, bem como do representante real - governador da capitania de São Paulo e Minas Gerais – tinha que fazer valer os interesses do Rei e, ao mesmo tempo, fazer valer os interesses dos mineradores. Relação de algumas Antiguidades das Minas, Códice Costa Matoso (1999, p.225).

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227

das mãos das câmaras municipais. A diminuição do total a ser pago foi uma forma

de agradar a população e tornar imperceptível o movimento do fisco de tomar para si

o controle e o direito sobre os registros a partir de contratos de pagamentos, também

previamente estabelecidos.

Ainda não satisfeita com a arrecadação e alegando que o aumento da

população nas Gerais poderia render maiores quantidades de ouro, a Coroa criou a

Lei de Moeda em 11 de fevereiro de 1719, que instituía as casas de fundição em

todas as Comarcas de Minas Gerais. Tais casas estavam subordinadas à

Intendência, onde, segundo Prado Jr. (2000, p.177):

se recolhia obrigatoriamente todo ouro extraído e onde, depois de fundido, ensaiado, quintado (isto é, deduzido o quinto da Coroa) e reduzido a barras, era devolvido ao portador acompanhado de um certificado de origem que provava o cumprimento das formalidades legais e com que deviam circular as barras. Só então o ouro podia correr livremente e ser expedido para fora da capitania.

O imposto tão fortemente normatizado e vigiado, também produziu grande

oposição por parte dos mineiros, culminando com a revolta de Felipe dos Santos, em

Vila Rica, contra o então governador de São Paulo e Minas de Ouro – o Conde de

Assumar – e, encerrada com severa punição dos responsáveis.277 Para Costa (2004,

p.100), “se por um lado essa revolta adiou o projeto de instalação das casas de

fundição, por outro, apressou a decisão de dar autonomia administrativa à região”.

277“No ano de 1720, pretendeu o conde pôr a casa da moeda e o ouro a 1.200 réis a oitava, porém a isto repugnaram todos, e o povo, apoiado do favor de alguns grandes se alterou na noite de São Pedro do mesmo ano, clamando pelas ruas desta vila ‘Viva o Povo’, e com este motim se ajuntou um fatal troço de gente e foram ao Ribeirão, onde estava o conde, com intento de o descomporem. Porém, ele, com semblante agradável, lhes disse que se não queriam a casa da moeda que se não poria e que estava pronto para fazer o que eles quisessem; e com esta idéia sossegou o povo. E logo, com simulação e cautela, entrou o conde a indagar quem eram os motores e cabeças, e achou ser o principal Filipe dos Santos, a quem mandou prender; e fazendo-lhe sumário, foi setenciado a ser arrastado à cauda de um cavalo e depois esquartejado. Assim se executou pelas ruas desta vila, e os quartos se dividiram pelas estradas e cabeça se pôs no pelourinho. E com o rigor deste castigo e várias prisões que fez, atemorizou-se o povo.” Relação de algumas antiguidades das Minas. Anônimo. In. Costa Matoso (1999, p.226, grifos nossos). Santos (2001) apresenta o sentido desse gênero de execução na sociedade colonial mineira.

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Nesse mesmo ano, pelo alvará de dois de dezembro de 1720, D. João V criou a

capitania de Minas Gerais desmembrado-a de São Paulo por acreditar ser:

muito conveniente ao meu serviço e bom governo das ditas Capitanias de São Paulo e Minas e a sua melhor defesa que a de São Paulo se separe das que pertencem as minas, ficando dividido todo aquele distrito que até agora estava sob a jurisdição de um só Governador, em dois governos e dois Governantes (...)278

Novamente, uma Ordem Régia teve que aguardar os ânimos daqueles que

deveriam pagar os impostos se acalmarem para ser implementada. A Coroa sempre

agia com rigor, mas também com cautela, pois tumulto, desordem e motim eram

muito mais prejudiciais à Real Fazenda do que a manutenção de um sistema de

cobrança de impostos que julgava insuficiente para a arrecadação desejada. As

casas da moeda e fundição em Vila Rica foram, finalmente, abertas em 1725, sob o

governo de Dom Lourenço de Almeida, vigorando até 1735, quando o sistema de

capitação as substituiu.

Alexandre de Gusmão foi o grande incentivador e articulador desse novo

imposto, pois, para ele, o sistema anterior (casa de fundição/registros) facilitava o

contrabando e a sonegação fiscal dos quintos, até porque, embora proibido na

ocasião, o ouro em pó circulava livremente em Minas Gerais como moeda corrente.

Pela capitação não se tributava mais o ouro extraído, mas todo escravo acima

de doze anos no valor de 4 ¾ oitavas de ouro. Esse imposto, tão logo instalado,

tornou-se extremamente oneroso para toda a população, pois recaía não apenas

sobre os mineiros, mas sobre as oficinas, lojas comerciais, vendas e até mesmo

278 Torres (1980) citado por Costa (2004, p. 112). Não consta origem do documento.

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sobre os escravos libertos que possuíam algum escravo279. O imposto durou até

1750, quando se retornou ao antigo sistema das casas de fundição280.

De todas as formas de cobrança do Quinto Real, a capitação foi a que mais

produziu reações contrárias junto à população mineira e vários foram os “clamores e

súplicas das Câmaras em nome do povo” contra esse sistema. De acordo com a

documentação analisada e fontes bibliográficas consultadas, as câmaras municipais,

seguindo a tradição, jamais deixaram de reconhecer o Real Direito de um quinto da

produção aurífera para a Fazenda Real, no entanto, reclamavam sobre o método

vigente, denunciando os equívocos e sugerindo propostas, de forma a “dar se lhe

melhor methodo, sem terem prejuízos os Vassalos de Vossa Magestade nem

deminuição a Real Fazenda”281, conforme pode-se constatar no documento enviado

pela Câmara da Vila do Ribeirão do Carmo, em 17 de Outubro de 1744, ao Rei:

Damno, e inconveniente da forma, e methodo com que se arrecada o real quinto, se descobre na deziguladade com que se cobra dos que minerão, e estrahem o ouro como seus escravos, e dos que apenas possuem os precizos para seus serviços, sem delles receberem ouro algum e molumento.282

Assim, deixavam claro que a sociedade mineira era formada por aqueles que

possuíam escravos para minerar e por aqueles que os tinham para serviços gerais,

principalmente domésticos, que não lhes rendiam nenhum cabedal pelo seu

trabalho. Também contestavam a cobrança do imposto sobre escravos que

“contrahiam enfermidades pelo mesmo exercício” e que, em conseqüência, não 279 Regimento da Capitação. Códice Costa Matoso (1999, pp. 301-11). Apresenta o documento completo. 280.“Regimento baseado no projeto elaborado por Alexandre de Gusmão em 1733, continha, em primeira versão, de 02 de julho de 1735, apenas 28 parágrafos, aumentados para 41 com auxílio do intendente de Sabará. Regulamentava a cobrança do quinto por capitação – matrícula de escravos, escrituração, fiscalização, penas e punições à sonegação e à intendência -, implantada em Minas Gerais por Gomes Freire de Andrade e Martinho de Mendonça de Pina e de Proença em julho de 1735. vigorou até 1750, embora nunca tenha sido oficialmente aprovado pela Coroa.” (Nota introdutória. In: CODICE COSTA MATOSO, 1999, p. 300) 281 Clamores e Supplicas das Câmaras em nome do povo. RAPM, ano II, fasc. 2, abril/ junho 1897, p.280. 282 Idem à nota anterior.

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rendiam o quanto se cobrava. O impostos formatavam todas as minas e todos os

escravos e seus rendimentos a um único valor, quando, em virtude do tempo de

exploração da “sorte”, da força e da saúde dos escravos, elas proporcionavam

rendimentos diferentes. Assim relatavam os oficiais das câmaras:

O sistema da capitação pois pagando hum mineiro dos que venturozamente descobrem ouro em seus serviços a ditta capitação se deus escravos, e ficando-lhe livre o mais ouro que tirou e pagando tão bem o que somente encontra despezas em conseguir lucros, paga este mais do que pode e aquele menos do que devia.283

Já a Câmara de São João Del Rey relatava que o imposto era injusto porque

recaía sobre todos, quando deveria se restringir aos que se dedicavam a minerar,

Pagão os Roceyros o dizimo do mantimento, que plantão, e o quinto do ouro, que não tirão; [...] pagão quintos o negro, negra, mulato, e mulatas foros que não tem escravos que não tem escravos com q’ tirem ouro; [...] pagão quinto os escravos doentes; [;...] até o escravo do mizerável cego mendicante paga, e também as meretrizes; [...] até os escravos mortos, porque como se cobra antes de se dever o que tem pago pelos que depois lhe morrerem fica perdendo o que pagou.284

Na mesma proporção em que o poder régio se intensificava na região,

também se intensificava a cobrança dos tributos. A política fiscal (base da política

territorial das Minas Gerais) não se limitou à cobrança do Quinto Real. Com o

crescimento da circulação interna de mercadorias e de pessoas, dada a

especificidade da configuração urbana instalada na região, a Coroa não abriu mão

de taxar a produção de gêneros de abastecimento (dízimos), além de cobrar os

direitos das entradas nas vilas e passagens pelos rios. Segundo Ellis (1958, p.445),

a tributação baseada nos quintos sofreu muitas alterações pelo século XVIII afora, o regime das entradas, no entanto, permaneceu o mesmo, constituindo um dos rendimentos da Fazenda Real durante todo o setecentos, ao lado dos Quintos do Ouro, do Contrato dos Dízimos [...].

283 Clamores e Supplicas ... RAPM, ano II, fasc. 2, abril/ junho 1897, p.280.. 284 RAPM, ano II, fasc. 2, abril/junho 1897, p.298.

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Para Rodrigues (2002, p.207), o dízimo era um dos impostos mais

importantes cobrados nas Minas Gerais, pois recaía sobre os rendimentos auferidos

por cada indivíduo, exceto o clero; afinal, o tributo fora adjudicado à Coroa para que

este assumisse a manutenção dos serviços espirituais prestados na Colônia.

“Cobram-se tributariamente as entradas sobre quatro categorias de gêneros de

comércio: secos (produtos não comestíveis, como ferramentas, utensílios, roupas,

etc.), molhados (produtos comestíveis), animais (como o gado) e escravos.”285.

Gêneros Valor Pago Escravo ou animal utilizado no transporte 2 oitavas Cabeça de gado (por unidade) 1 oitava Carga de produtos molhados 0,5 oitava por carga

Carga de produtos secos 1,5 oitava por duas arrobas de carga

Circulação de pessoas 80 réis Circulação de pessoas portadoras de mercadorias (por unidade de mercadoria)

160 réis

TABELA 1: Dízimo cobrado nas Minas Gerais do século XVIII Fonte: RESENDE, Fernando. A tributação em Minas Gerais no século XVIII. Anais do Segundo Seminário sobre Economia Mineira. Belo Horizonte: CEDEPLAR, 1983.

Se, na primeira metade do século XVIII, os comerciantes eram vistos pela

Coroa como contrabandistas e como ameaças à arrecadação do quinto, com a

retração aurífera a partir da segunda metade do mesmo século, passaram a ser

considerados importantes geradores de renda, graças ao impostos que deviam

pagar. Além de todos esses impostos, a Coroa estabeleceu o subsídio voluntário

para ajudar na reconstrução de Lisboa após o terremoto de 1755. Tal subsídio teve

285 Segundo Rodrigues (2002, p.207), “o dízimo correspondia à décima parte dos ganhos em qualquer atividade. Os dízimos se dividiam em três tipos: reais ou prediais (devido às necessidades colhidas nas propriedades rurais), mistos (provém dos animais, “caça e aves que se criam e peixes que se pescam”) e pessoais (meramente industriais). Os dois primeiros eram tributos reais. Os dízimos muitas vezes eram desviados de seu real objetivo: a construção de templos, o pagamento de côngruas (remuneração) aos párocos colados (ministros diocesanos, sacerdotes), para servirem de pagamento de salários aos governadores, estabelecimento militares, administrativos e judiciais.”

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um impacto direto sobre o comércio porque taxava a circulação de mercadorias,

animais e escravos já taxados previamente pelo dízimo e direito das entradas.286.

Assim sintetiza Mello e Souza (2004, p.185) sobre a cobrança dos impostos

em Minas Gerais: ”de fato, os mineiros foram massacrados pelos tributos enquanto

houve ouro para extrair da terra. Desde a primeira forma de taxação adotada, todas

as outras formas de arrecadação foram injustas.”

5.4 - Os registros e o controle do território

Nenhuma ação fisco-normativa atingiria seus objetivos em um território

distante dos principais núcleos coloniais, tecnicamente subordinado às

contingências da natureza e socialmente convulsionado sem os elementos

identificatórios da Poder Real. Nesse sentido, os registros, enquanto equipamentos

fiscais da Real Fazenda, podem ser entendidos como fixos, ou materialidades

instaladas em pontos estratégicos do território, com o objetivo de controlar a entrada

e saída de pessoas, mercadorias, informações e, sobretudo, do ouro.

Seu raio de ação não era pontual, mas linear e radial. Uma vez instalados,

carregavam consigo todos os elementos simbólicos e materiais que identificavam a

presença do Rei, fossem por meio de seus representantes administrativos e suas

condutas de fiscalização ou pela sua própria objetividade material, que se

diferenciava dos ranchos e das palhoças erguidas ao longo dos caminhos.

286 Chaves (1999, p.44) apresenta a seguinte relação dos valores do subsídio voluntário por mercadoria: “escravo novo 4$800 (lê-se quatro mil e oitocentos réis), besta muar nova 2$400, cavalo ou égua nova 1$200, gado vacum $450 (lê-se quatrocentos e cinqüenta réis); barril ou frasqueira de vinho ou aguardente do reino $300; as pessoas que possuíssem vendas pagariam por mês 1$200”. A Contribuição Voluntária deveria ter vigência de dez anos, no entanto, mostrou-se também bastante lucrativa, sendo apropriada por algumas câmaras municipais e, mesmo depois da Independência, também por alguns governos provinciais, como foi o caso do “Novo Imposto” cobrado no Registro de Sorocaba, que perdurou até 1892, mantendo, praticamente, os mesmos valores cobrados em sua criação em meados do XVIII (ALMEIDA, 1951).

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233

Desde o início da mineração, o controle do sistema de circulação foi o meio

que a Coroa encontrou para materializar sua política fisco-normativa, como

aconteceu com o simultâneo fechamento do caminho que lhe ameaçava (Caminho

da Bahia) e na obrigatoriedade à transitar pelo Caminho Geral do Sertão – São

Paulo – e Caminho Velho – Parati). Nas extremidades portuárias desses últimos

(Santos e Paraty) foram instalados os registros e casas de fundição. Entrementes,

tal decisão mantinha os núcleos minerais muitos distantes ou isolados dos

elementos simbólicos do poder metropolitano, o que favorecia a intensa prática de

descaminhar ouro. Como em nenhum momento a Coroa acenava com qualquer

mudança de estratégia de controle político, social e econômico, a forma encontrada

para reverter o quadro de sonegação foi instalar registros, barreiras e postos fiscais

ao longo dos caminhos, principalmente, nas três principais entradas para as Minas: o

Caminho Novo, Caminho de São Paulo e Caminho da Bahia.

Os Caminhos Reais do Ouro assumiram, nesse sentido, papel central na

política territorial portuguesa, pois não eram meros eixos de circulação do ir e vir,

mas, sobretudo, instrumentos concretos de controle do território, pois nenhuma

política tributária teria efeito sem um sistema de circulação que lhe desse

sustentação. Desta forma, ao contrário de Perides (1995, p.82) que, ao diferenciar a

atividade açucareira da mineradora, defendeu a idéia de que enquanto na primeira a

fiscalização ocorria na circulação do produto e na segunda o no próprio processo

produtivo, acreditamos que o sistema de circulação era a própria essência do

controle da produção aurífera e das pedras preciosas, ou seja, um não poderia

existir sem o outro.

Nos primeiros anos da mineração, os registros de Parati e São Paulo tinham a

função de quintar o ouro extraído das minas. Com o passar dos anos e com as

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sucessivas mudanças na forma de cobrança dos quintos, eles foram se adaptando a

essas transformações, mas jamais deixaram de cumprir seu papel principal:

controlar o Quinto Real, evitar o descaminho do ouro e das pedras preciosas e

cobrar o direito das entradas e os dízimos. (GARCIA, 1995; CHAVES, 1999;

RODRIGUES, 2002; COSTA, 2005).

No que se refere ao Quinto Real, a função dos registros era evitar que

circulasse o ouro que não tivesse sido quintado previamente. Para isso, os oficiais

vistoriavam os documentos (guias) emitidos pelas casas de fundição, onde aquele

ouro já estava devidamente quintado287. Durante o período da capitação (1735-

1750) os moradores deviam pagar o imposto diretamente nas casas de fundição, o

que, de certa forma, afrouxou o trabalho nos registros e barreiras, pois bastava o

viajante apresentar a documentação do recolhimento do imposto para que o

caminho lhe fosse liberado. Todavia, com a extinção da capitação e o retorno ao

sistema de casas de fundição, segundo Chaves (1999), foi necessário reforçar o

controle das saídas das Minas Gerais, sobretudo do ouro em pó, amplamente usado

como moeda, o que fez com que o Rei, por Alvará, de 1757, estipulasse uma

quantia mínima de ouro em pó que devesse permanecer nos registros288. Pelo

Alvará, os comerciantes que passassem com suas cargas nos registros deveriam

tirar guias289 e, no retorno, fazer pagamento em ouro em pó e/ou permutar com

287 A decisão em se quintar o ouro nas casas de fundição, localizadas nas vilas, também pode ser entendida como resultado da pressão da população mineira, uma vez que o pagamento do devido imposto nos registro era muito arriscado, dado a distância, as péssimas condições de trafegabilidade e, sobretudo, dos custos necessários para organizar uma frota de carga. No documento que os moradores de Vila Rica encaminhou ao governador solicitando “perdão geral” ao motim de 1720, logo no primeiro parágrafo explicitaram: “não consentem que se pague o Registro da Borda do Campo, pelo descômodo que dá, só sim traga bilhete cada qual das cargas que trouxer para delas pagar meia [...]”. Cópia do que o povo das Minas amotinado, pediu ao senhor general Dom Pedro de Almeida Portugal, Conde de Assumar. Códice Costa Matoso (1999, p.370). 288 Seção Colonial, fls. 191-192, Arquivo Público Mineiro; Cf. Chaves (1999, p.72). 289 Como os pagamentos nos registros eram realizados em espécie (moeda ou oitavas de ouro), os comerciantes raramente o faziam na entrada da vila ou passagem de ida por um caminho, mas sim quando retornavam já com suas mercadorias vendidas. Para isso usavam o sistema de guias que eram documentos que se comprometiam a pagar o imposto devido de sua mercadoria no retorno.

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235

moedas. Atingida uma determinada quantia de ouro, o contratador do registro devia

levá-lo a uma casa de fundição onde seria transformado em barras. “As quantias

mínimas permitidas eram estabelecidas de acordo com a localização e o volume de

tráfego de cada registro, ou seja, quanto maior o trânsito de comerciantes, maior a

quantia de permutas.” (CHAVES, 1999, p.73).

No Caminho Novo, antes mesmo de se instalar seu primeiro registro, todo

viajante deveria pagar a Garcia Rodrigues os direitos de passagem ou de travessia

pelos rios Paraíba e Paraibuna290, onde possuía extensas sesmarias e roças de

abastecimento.291. O bandeirante paulista sabia que a posse de enormes sesmarias

ao longo do Caminho Novo lhe traria muitos benefícios, dentre eles a cobrança pela

passagem de rios e desfiladeiros. Não foi aleatoriamente que solicitou sesmarias

justamente nas passagens “dos dois rios mais caudalosos”, considerados por todos

a “paragem melhor por onde se possa passar””292. Nesse local:

colocou duas canoas para que todos os passageiros que subissem para as minas e descessem das Minas para o Rio de Janeiro, lhe pagassem por cada pessoa meia pataca e por cada cavallo outra meia, cujo tributo embolsou durante alguns anos293.

Esse direito era mais uma das inúmeras mercês que Garcia Rodrigues havia

recebido como agradecimento pelos feitos de seu pai (Fernão Dias Paes) e de suas

obras. Todavia, por volta de 1714, a Coroa se apoderou desse direito de cobrança,

uma vez que as passagens pelos rios Paraíba e Paraibuna apresentavam-se como

290 De acordo com os estudos de Andrade (2002, p.172), os valores cobrados por Garcia Rodrigues, segundo relato de e seu sobrinho, não deveria ser falacioso, como bem proclamou Taunay. Assim, se aceita quarenta réis para cada pessoa e sessenta réis para cada uma das bestas carregadas. 291 Segundo Antonil (2001, p.289), entre o Rio Paraíba e Paraibuna, Garcia Rodrigues tinha quatro sesmarias. 292 Informação sobre os registros das passagens de Parahiba e Parahibuna e os direitos que indevidamente nelles cobrava o Capitão-mor Garcia Rodrigues Paes. Annaes da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1924, vol. XLVI, 1934, p. 32. 293 Antonil (2001, p.289), ao descrever o itinerário do Caminho Novo não faz nenhuma referência a cobrança do direito de passagem pelos rios Paraíba e Paraibuna, porém, não deixa de relatar: “desse morro se vai ao famoso rio Paraíba cuja passagem é em canoas. [...] na segunda [...] passa-se em canoa.

Page 236: TRAMAS QUE BRILHAM

236

“a chave das minas”294, ou seja, com importante pontos de controle da circulação

interna, logo, dos territórios auríferos. A Coroa passou a administrar essas

cobranças sob forma de contrato de arrendamento, fazendo nascer, efetivamente, o

primeiro registro localizado no Caminho Novo. Evidentemente, tal decisão não

agradou nem um pouco aos interesses de Garcia Rodrigues que, usando sua força

política conseguiu que nenhum arrendatário se apresentasse ao leilão. No embate

entre a Coroa e o guarda-mor, os interesses foram ajustados de forma a contemplar

a ambos. Assim, segundo Andrade (2002, p.172), “resolveu-se então explorar a

passagem por conta da Fazenda Real, com a suposição de que [Garcia Rodrigues]

cobraria estes direitos para depois repassá-los à Fazenda Real”, de forma a

completar as trinta arrobas de ouro que as vilas deveriam pagar enquanto Quinto

Real295. Vê-se nesse confronto que o Caminho Novo era a aposta política para o

domínio territorial das Minas Gerais. No entanto, nenhuma Ordem ou Provisão Régia

se impunha da mesma forma que fora emitida, pois, ao rebater no espaço colonial,

encontrava uma sociedade já enraizada, que também tinha projetos políticos,

econômicos e sociais já estabelecidos. Assim, ambos se ajustavam, convergindo

e/ou divergindo para um ou outro lado segundo contextos vigentes.

Os primeiros leilões dos contratos dos direitos das entradas colocados em

praça pública aconteceram em 01 de dezembro de 1718, tendo como primeiros

contratadores o Brigadeiro Antônio Francisco da Silva e José Nunes Neto, que

ofereceram onze arrobas e meia libra de ouro (161,797 Kg) para o registro do

Caminho Novo do Rio de Janeiro e São Paulo e quinze arrobas de ouro (220,32 Kg)

para o registro do Caminho da Bahia e Pernambuco (ANTEZANA, 2006, p.80).

294 Carta de Dom Pedro de Almeida à sua Majestade, informando e mostrando a conveniência de se fortificar o Parayha que é a chave das minas. RAPM, ano XX, 1924, p. 480. 295 De acordo com a Provisão Régia sobre passagem do Rio Paraibuna de 07 de dezembro de 1704. DIHCSP, v.49, 1929, pp.136-37, Garcia Rodrigues recolheu não mais que 770$200 réis (setecentos e setenta mil e 200 réis), valor que não deve ter agradado a Real Fazenda.

Page 237: TRAMAS QUE BRILHAM

237

Os contratos dos direitos das entradas eram estabelecidos entre a Coroa e

particulares - em sua grande maioria, homens de negócios – em um período de

tempo pré-estabelecido de três anos, tendo como data de início e de encerramento

os dias 01 de outubro e 30 de setembro, respectivamente (ANTEZANA, 2006). A

Provedoria das Minas Gerais, que já tinha a função de identificar, recolher e impor os

tributos, assumiu também a responsabilidade de lançar os editais em praça pública

para suas arrematações. Entrementes, na primeira metade do XVIII, as

arrematações desses contratos mudaram várias vezes de lugar, ora se realizando na

capitania mineira, ora em Lisboa, sob o olhar atento do Conselho Ultramarino, onde

se tornou fixo a partir de 1736.

À medida que os valores dos contratos aumentavam (Gráfico 1) a cada novo

leilão e, conseqüentemente, a participação desses nas receitas régias (veja Gráf. 2 e

3), também aumentava a cobiça dos homens de negócio para se apropriar do

monopólio que os contratos garantiam aos arrematadores através do controle da

circulação nos três principais caminhos com destino às Minas Gerais.

Envolvendo cifras enormes, somente os mais abastados, individualmente ou

em associação, poderiam arrematá-los. Em sua maioria, residiam nas principais

praças comerciais da Colônia (Salvador e Rio de Janeiro) ou em Lisboa, articulando-

se política, econômica e socialmente em diferentes escalas. Segundo Antezana

(2006), embora a Coroa tenha tentado impedir que seus funcionários régios se

apoderassem desse imposto, não conseguiu impedir que governadores e

conselheiros se beneficiassem de suas redes de poder e sociabilidade para se

apropriarem, direta ou indiretamente, dos monopólios conferidos pelos contratos.

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238

0

200

400

600

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17181721

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17421745

17451748

17481751

17511753

kg

Caminho Novo e Velho do RJ e SP Caminho da Bahia TOTAL

GRÁFICO 1: Arrecadação dos contratos das entradas de Minas Gerais 1718 a 1753 (kg)

Fonte: Antezana, Sofia Lorena Vargas. Os contratadores dos caminhos do ouro das minas setecentistas: estratégias, relações de poder, compadrio e sociabilidade (1718-1750). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Minas Gerais, 2006, p. 80-2. Organizado por Rafael Straforini

01020304050607080

(%)

1725 1740 1755

QUINTO DO OURO QUINTO DOS DIAMANTESDIREITO DAS ENTRADAS DÍZIMOSPASSAGENS DOS RIOS

GRÁFICO 2: Participação dos contratos na receita total da América

Portuguesa: 1725-1755 Fonte: RESENDE, Fernando. A tributação em Minas Gerais no século XVIII. Seminário sobre a economia mineira. Diamantina. In: CEDEPLAR/FACE/UFMG. Belo Horizonte. 13 (2), Maio/Ago., 1983. p. 376. Organizado por Rafael Straforini

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239

GRÁFICO 3: Participação do quinto do ouro e dos contratos na receita total da América Portuguesa: 1725-1755

Fonte: RESENDE, Fernando. A tributação em Minas Gerais no século XVIII. Seminário sobre a economia mineira. Diamantina. In: CEDEPLAR/FACE/UFMG. Belo Horizonte. 13 (2), Maio/Ago., 1983. p. 376. Organizado por Rafael Straforini Esses dados nos revelam que a articulação local-global em Minas Gerais não

se restringia somente à extração aurífera. Os seus “caminhos” emergiam para o

segmento da sociedade mais abastada, como a possibilidade de se inserirem nessa

atividade sem jamais terem que se preocupar em minerar. Os registros do Caminho

Novo e Velho do Rio de Janeiro e São Paulo, bem como o da Bahia não apenas

controlavam a entrada e saída de mercadorias, gados, pessoas, informações e ouro,

como também se constituíam em verdadeiros “nós” na intricada trama de poder que

envolvia a atividade mineradora, a circulação e a administração colonial. No

Caminho Novo não se extraía o ouro, mas era ali que estava um dos meios mais

eficientes para se apropriar dele, sem o custo de extração, fundição e do quinto. Era

também possível, embora proibido, apropriá-lo limpo do quinto real. Se os ribeirões

auríferos reluziam aos olhos dos mineiros, os caminhos brilhavam aos olhos dos

controladores dos registros.

0

10

20

30

40

50

60

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(%)

1725 1740 1755

QUINTO DO OURO ENTRADAS, DIZIMO, RIOS

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A conexidade proporcionada pela rede de circulação colonial, além de

envolver os pontos terminais desse sistema – região aurífera-portos – também era

formada por esses nós, ou seja, pelos registros do direito das entradas. Logo, o

Caminho Novo, não era apenas uma rota de passagem, um corredor, uma relação

econômica peso-quilometragem-custo, mas, sobretudo, um território a ser

conquistado, definido e apropriado. Os contratos, além de conferirem o direito do

controle absoluto da circulação interna, também proporcionavam

[...] todos os privilégios, isenções e liberdades conferidos pelas Ordenações do Reino e em todas as causas cíveis e crimes em que pudessem ser autores ou réus. Os Provedores da Fazenda Real seriam seus juízes privativos. (ELLIS, 1958, p. 450)

Nessas condições, não é de se estranhar as “grandes vexações que

padeciam os povos nas minas pelas abusivas extorsões dos contratos das entradas

reais”296.

De acordo com o Itinerário Geográfico de Francisco Tavares de Brito (1732) e

o Diário da jornada de Costa Matoso (1749), ao longo do Caminho Novo havia

apenas dois registros. Em ambos os relatos, o primeiro registro aparece logo após a

passagem pelo rio Paraibuna. No entanto, no intervalo de tempo entre um autor e

outro – dezessete anos – houve mudança na localização do segundo registro para

quem partia do Rio de Janeiro. Para Brito Tavares, esse registro localizou-se logo

após a subida da “grande cordilheira da Mantiqueira”, após a roça da Borda do

Campo. Já para Costa Matoso, o segundo registro não ficava tão distante do

primeiro, localizando-se a apenas um dia de jornada do primeiro, num sítio “que

chamam de Matias Barbosa”. Com toda a certeza este registro era o que estava

anos antes localizado mais adiante, pois, segundo o próprio autor, “este registro está

296 Carta do Procurador da Fazenda Real, Gonçalo José da Silveira Pinto, para o Rei D. João V, sobre as vexações que padeciam os moradores de Minas Gerais devido aos contratos reais. AHUL – Brasil/MG. Ex: 56, doc. 39. Cf. Antezana (2006, p. 91).

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241

neste sítio há doze anos, tendo estado antes no sitio [adiante] da Borda do

Campo”297.

A partir da segunda metade do século em questão, em virtude do crescimento

da atividade comercial e, sobretudo, dos descaminhos e do contrabando de ouro,

aumentou significativamente o número de registros no interior das comarcas

mineiras298. A preocupação da Coroa em controlar a circulação do ouro em pó nos

registros também refletiu o crescimento da atividade comercial, quando a extração

aurífera começou a apresentar certa retração.

Tão logo o comércio começou se firmar em Minas Gerais, a Coroa passou a

utilizar os registros localizados ao longo dos caminhos para controlar a atividade

comercial, ou, como prefere Chaves (1999, p.72), “a ser mais severa nas cobranças

dos muitos impostos que recaíam sobre os comerciantes”299. Nesse sentido, as

licenças e guias para comercialização de mercadorias nas vilas e arraiais

constituíram-se num dos mais eficientes meios de regulamentação do comércio.

Enfim, as formas adotadas para controlar as atividades dos comerciantes se

confundiam com as formas de cobrança dos impostos que recaíam sobre os eles.

297 Diário da Jornada que fez o ouvidor Caetano da Costa Matoso para as Minas Gerais e itinerários geográficos com verdadeira descrição dos Caminhos, estradas, sítios... Composto por Francisco Tavares de Brito [...] 1732 [...]. Códice Costa Matoso (1999, pp.882-897 e 903). 298 Chaves (1999), ao estudar os mercadores das Minas setencentistas analisou os livros dos postos fiscais correspondentes ao período de 1750 a 1800. Nesses identificou os seguintes postos fiscais: i) Comarca do Rio das Velhas: Onça, Pitangui, Sete Lagoas, Ribeirão de Areia, Santa Isabel, São Luiz, Olhos d’Água, Nazareth e Santo António (estes cinco últimos passaram a pertencer a comarca de Paracatu a partir da criação desta e, 1815); ii) Comarca do Serro Frio: Galheiro, Inhacica, Minas Novas, Rio Pardo, Araçuí, Itacamlra e Jequitinhonha; iii) Comarca do Rio das Mortes: Ouro Fino, Jaguari, Mantiqueira e Caminho Novo – Paraibuna. Também identificou alguns registros citados em listas, mas sem livros específicos. São eles: Zabelê,Abóboras, Jaguará, Caet-Morim, Rebelo, Pé do Morro, Entre Serras, Capão Grosso e Capivari 299 Straforini (2001), apresenta a importância dos registros localizados no Caminho de Viamão, que ligava São Paulo aos campos criatórios de muares e gado vacum no sul do Brasil. O Registro de Sorocaba, a partir de sua instalação para cobrança e averiguação das guias do imposto voluntário de 1756, criou as condições para que na vila se realizasse a mais importante feira de muares. Segundo Francisco Luiz d’Abreu Medeiros, em Curiosidades Brasileiras, de 1864, a cidade, nos dias de feira, “como se pode fazer idéia, prazenteira e ruidosa, sobrepuja a muitas capitais de província.”.

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242

Com o aumento da atividade comercial, os registros não foram capazes de

controlar sozinhos toda a circulação nos Caminhos Reais do Ouro, obrigando, desta

forma, a instalação de barreiras ou postos policiais entre um registro e outro.

Enquanto o registro tinha função fiscal, as barreiras serviam para que os

contrabandistas não escapassem aos olhos da Coroa pelos inúmeros descaminhos

que se abriam. Em todos eles, os comerciantes, os mineiros e toda “gente” deviam

apresentar suas documentações, porém, conforme enfatiza Garcia (1995), cabia aos

registros a revista minuciosa da carga à procura do ouro e de pedras preciosas.

Dada a sua riqueza de detalhes, apresentamos a seguir um longo relato do

Registro do Paraibuna, encontrado no Diário que fez Costa Matoso, pois ele nos

possibilita acompanhar um pouco a dinâmica cotidiana de um registro.

Este rio [Paraibuna] é caudaloso e vem de varias partes incluindo em si muitos outros rios, e vem a ser um braço do rio Paraíba, em que se vai meter em boa distância; tem a mesma largura que o Paraíba na parte em que o passei e há nele embarcação por que se passa. Da outra parte dele está uma casa em que há um provedor, ofício que el-rei vende por 9, 10 mil cruzados a cada três anos, um escrivão, que também vende por pouco mais, e um alferes com quinze soldados da guarnição do Rio de Janeiro. Ninguém pode passar para as Minas sem licença do governador do Rio, que se lhe passa e de que paga certo emolumento ao provedor da Fazenda daquela cidade. Esta licença se apresenta ao passar deste rio àquele provedor, o qual a faz registrar em livro de registro que assina o que a traz, de cujo registro paga uma pataca, que são 320 [réis], ao provedor por assinar este registro e outra ao escrivão de o fazer, e da sua pessoa meia pataca para o contador e dois vinténs, que se repartem pelos solados e alferes, que percebe à proporção do seu ordenado, que sempre lhe fica a salvo, assim como o dos soldados; e de cada cavalo 320 para o contador e dois vinténs para os soldados, havendo-se nisto por paga a passagem do Paraíba, advertindo que pelos róis anda nesta carreira para cima de quinhentos cavalos, os quais passam este rio oito e dez vezes no ano, e neles se avança mais que tudo. E o dinheiro dos soldados é tributo que aqui introduziram os governadores do Rio com boa consciência. E aqui nada escapa, porque há rigoroso exame apurando-se as licenças, que tendo alguma dúvida ou vindo alguém sem ela não passa e torna a voltar, porque não pode passar por outra parte por se não vadear este rio. E tudo isto que se paga é vindo para cima ou para baixo, e só tem a diferença de que para baixo se não precisa licença e só se paga os 200 réis por cada pessoa e 360 por cada cavalo. E também o que tem tenção de voltar às Minas é preciso leve certidão de que passou, para no Rio se lhes

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passar segunda licença; e desta certidão pagam uma pataca, meia para o escrivão e meia para o provedor de a assinar. Este registro está neste sítio há pouco mais te trinta anos, e depois de aberto o caminho e que se introduziu se pôs na serra Mangalarga, por que passei, onde esteve poucos anos e veio para este sítio depois que Garcia Rodrigues ofereceu a el-rei as passagens destes rios. Esta casa em que fiquei é feita pouco depois que se abriu o caminho e Garcia Rodrigues fez a do Paraíba, e aqui tem (ermida sua e várias acomodações, sendo suas também as casa em que está o registro que dá gratuitamente a el-rei. Aqui passei a noite bem acomodado.300

Chaves (1999), nos diz que, além dos registros e dos postos fiscais, também

havia nos caminhos e nas área circunvizinhas das sesmarias, as patrulhas

realizados pelos moradores “de que tiver melhor confiança”301 das comarcas mineira

e fluminense, principalmente por aqueles que moravam ao longo do Caminho Novo.

O objetivo era sempre o mesmo: impedir que os viajantes e as tropas carregadas

buscassem caminhos descaminhantes.

ILUSTRAÇÃO 13: (Detalhe) Rio Paraibuna Rugendas. Paris, Casa litográfica Engelmann. Fonte: DIENER, Pablo; COSTA, Maria de Fátima. Rugendas e o Brasil. São Paulo: Capivara, 2002, p.216.

A Coroa portuguesa incentivava os moradores do Caminho Novo a delatar

pessoas que praticavam descaminho. Como recompensa, o delator recebia parte do 300 Embora o geólogo alemão Ludwing Welhelm Eschwege tenha passado pelo Brasil na segunda década do século XIX, seu relato sobre os procedimentos fiscais revelam um pouco de uma prática que, com certeza, também se realizava no Setecentos. Em todos os registros da fronteira fazia-se a mais acurada busca, não só nas pessoas senão também em todos os efeitos e mercadorias, o que motivava não pequena perturbação no comércio. Busca que se repetia várias vezes, sobretudo se se suspeitava de alguém, em cujo encalço se enfiavam patrulhas, que retinham o viajante no meio da estrada. O suspeito devia desempacotar tudo, tirar a cangalha dos animais de carga, cortar os coxins e madeiras das selas, e mesmo os saltos das botas, pois se receava que os diamantes pudessem estar ocultos nesses objetos. O viajante era, muitas vezes, retido dias e dias, até conseguir pôr em ordem as suas mercadorias e consertar as cangalhas (ESCHWEGE, 1944). 301 Seção Colonial, 117, fl.68v, Arquivo Público Mineiro. Cf. Chaves (1999, p.74).

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244

produto confiscado, fosse mercadorias, animais ou mesmo ouro, abrangendo ainda

mais o raio de ação exercido por esses equipamentos reais.

Se os registros tinham a função de evitar os descaminhos da Real Fazenda,

Cavalcante (2006, p.107), em um exaustivo estudo sobre os caminhos e

descaminhos na América Portuguesa, não hesita em afirmar que quanto mais

repressora era ação do fisco, mais a população descaminhava. Mesmo com a

proibição de se abrir “novos caminhos e picadas para quaisquer minas”, em

27/10/1733302, inúmeros caminhos descaminhantes eram abertos a todo momento.

Os registros jamais conseguiram impedir que os viajantes utilizassem os

caminhos descaminhantes abertos pelos moradores, roceiros e posseiros fixados ao

longo do Caminho Novo ou um pouco recuados a eles, mata adentro. Mesmo sem

termos encontrado qualquer documentação primária ou secundária que trate

diretamente da negociação estabelecida entre esses moradores e os viajantes, é

possível inferir que a lógica dos caminhos descaminhantes era a de “uma mão lava a

outra” (sic), ou seja, esses moradores conduziam os viajantes por trilhas não

fiscalizadas, localizadas à margem do caminho principal, ou, então, recolhiam-nos

em suas residências ou choupanas no meio da mata em troca de pagamentos

menores que os cobrados nos registros, para que nenhuma das partes fosse

prejudicada

Se essas práticas representavam menor recolhimento dos direitos das

entradas, dízimos e de passagens de rios, muitas vezes, quando era de interesse do

próprio arrematador ou dos guardas, o descaminho era realizado no próprio caminho

oficial, sob o olhar cúmplice de quem deveria coibi-lo. Assim dizia o governador Luis

302 Alvará em forma de lei, prohibindo aberturas de novos caminhos ou picadas para as Minas, em que já houver forma de arrecadaçào da sua real fazenda [...]. Registro de Alvarás e Ordens Régias, cartas Patentes, Sesmarias e Doações. RAPM, ano XX, 1924, p.511. Ver também Coleção abreviada da lesgislação e das autoridades de Minas Gerais. In: Códice Costa Matoso (1999, 360),

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245

Vahia Monteiro, em carta ao secretário de estado Diogo de Mendonça Corte Real,

em 09 de agosto de 1729:

De todos esses sucessos me resulta o conhecimento da grande quantidade de ouro que se furta e de que os Provedores dos Registros são cúmplices nestes furtos porque todavia se fizessem melhores diligências ninguém se atreveria a perder o muito, nem pelo pouco persuado que ninguém se atrevesse a passar doze arrobas de ouro sem uma certeza moral de não encontrar impedimento e por esta causa me parece conveniente extinguir-se este ofício de Provedor do Registro. [...] eu sempre entendo que os provedores dos registros são os primeiros passadores.303

Associadas aos registros, às barreiras e às patrulhas, as vias de circulação no

Brasil Colônia, em especial, os Caminhos Reais do Ouro, acrescentaram ao território

conteúdos normativos e fiscais antes não existentes, contribuindo, dessa forma, para

sua requalificação, uma vez que sistemas indissociáveis de objetos e de ações

garantiram a sua ocupação efetiva por sesmeiros influentes, por posseiros,

comerciantes, vendeiros, entre outros, além da presença do poder régio na figura de

seus representantes e de suas Leis. Podemos afirmar, então, que os Caminhos

Reais do Ouro e seus registros compunham um único sistema, onde a circulação e o

controle tributário só podem ser entendidos na sua indissociabilidade.

303 Carta de Luís Vahia de Monteiro para o secretário de Estado Diogo de Mendonça Corte Real (Rio de Janeiro, 09/08/1712). ANRJ/códice 80, vol. 2, fls. 229-30. Cf. Cavalcante (2006, p. 111-12)

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CAPÍTULO 6

OS CAMINHOS REAIS DO OURO E O ABASTECIMENTO INTERNO

A relação entre mineração e agricultura antecede à existência das Minas

Gerais e remonta às primeiras experiências mineradoras, ainda no século XVI. Já no

primeiro Regimento de minas do Brasil, essa relação era explicitada ao se

determinar que:

toda pessoa de qualquer qualidade, que for ao certão a descobrimentos, será obrigado a levar milho, feijão e mandioca, para poder fazer plantas e deixá-las plantadas, porque com esta diligência se poderá penetrar os certões, que sem isso hé impossível.304

Segundo Andrade (2002), os primeiros descobridores sabiam que as roças de

abastecimento serviam para convencer a Coroa de que as minas propiciariam

rendimentos constantes e duradouros, condições essas necessárias para o

reconhecimento e permissão para a sua exploração. É por isso que a expedição de

Fernão Dias Paes foi antecedida por uma outra, cujo objetivo era conhecer a região,

capturar índios e, sobretudo, instalar roças de abastecimento capazes de dar

sustentação à empresa bandeirante.

Carrara (1997, p.149), ao estudar a agricultura e a pecuária na capitania de

Minas Gerais no período de 1674 a 1807, nos diz que “as minas e os sertões

conformaram igualmente duas paisagens rurais distintas”. Enquanto nos sertões se

encontravam as grandes “fazendas ou as curraleiras”, nas áreas de minas

predominavam as datas e os sítios. Para o autor, os sítios estavam geralmente

localizados nas proximidades das jazidas auríferas e tinham como principais

características o tamanho diminuto e a produção de gêneros da terra voltada para o

abastecimento dos núcleos urbanos.

304 Informação sobre as minas de São Paulo e dos sertões da sua capitania desde o ano de 1597 até o presente 1772. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. 64, v. 103, 1901. p. 53.

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Ao longo dos principais caminhos de acesso às Minas, exceto para o

Caminho da Bahia, as propriedades rurais também aparecem na documentação

como sítio. Entrementes, apresentavam especificidades que se diferenciavam em

muito dos sítios de abastecimento localizados próximos às datas auríferas, bem

como das curraleiras, localizadas às margens do rio São Francisco, pois não se

configuravam como pequenas datas, não estavam voltadas para a criação de gado

de corte e montaria e, tão pouco, especializavam-se no abastecimento dos núcleos

urbanos. A ocupação dos Caminhos Reais do Ouro ocorreu, fundamentalmente, por

meio de doações de sesmarias, contrariando a tradição existente até aqueles idos

de se fazer doações a partir de “um determinado ponto de comando do território –

uma vila ou uma cidade” (ABREU, 1997, p.221). Na verdade, nesse novo eixo de

ocupação, eram os caminhos que se configuravam como o “o ponto de comando do

território”, pois, além de constituírem o principal objetivo de apropriação territorial dos

homens poderosos, também serviam como o principal elemento de referência de

localização e para a demarcação das sesmarias ou, como se dizia nas cartas, “como

pião”. 305

Originário da tradição medieval portuguesa, o sistema sesmarial foi

incorporado às Ordenações Afonsinas em 1446 e mantido com poucas alterações

nas Ordenações Manuelinas, de 1521, e nas Ordenações Filipinas, de 1603.

Todavia, sua transposição para a América Portuguesa exigiu, segundo Abreu

(1997), adaptações de tempo e espaço. A primeira adaptação referiu-se ao caráter

perpétuo das doações, contrariando os textos régios que estabeleciam que a doação

deveria ser vitalícia. Outra adaptação foi o não cumprimento do período obrigatório

305 Brioschi (1999, p. 39), também afirma que “as estradas e caminhos para as minas tornaram-se os principais eixos de ocupação das áreas do sertão, através da implantação dos pousos, nascimento dos arraiais. Do maior ou menor movimento em seu trajeto dependiam a riqueza ou, frequentemente, a simples possibilidade de sobrevivência dos seus moradores.”

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de cinco anos que os sesmeiros tinham para colocar suas terras (sesmarias) em

produção e, por fim, a liberdade de concessão que o capitão donatário passou a ter

de conceder mais de uma sesmaria à mesma pessoa.

ILUSTRAÇÃO 15: Rancho no pé da Serra da Estrela, no caminho para Fazenda da Mandioca – Estrada Real Fonte: COSTA, A.G. (org.) Os Caminhos do Ouro e a Estrada Real. Belo Horizonte: Editora UFMG; Lisboa: Kapa Editorial, 2005, p.134.

ILUSTRAÇÃO 14: Fazenda na região do Pico de Itacolomi. Ca. 1789. IEB/USP. Fonte: COSTA, A.G. (org.) Cartografia daconquista do território das Mina. Belo Horizonte: Editora UFMG; Lisboa: Kapa Editorial, 2004, p.120)

A partir do século XVII, as sesmarias foram concedidas, com raríssimas

exceções, aos “homens bons”, ou àqueles que possuíam as qualidades validadas

pelo pensamento do Antigo Regime português como dignas de receberem uma

mercê do Soberano. Para tanto, era preciso ter ascendência portuguesa, ter

contribuído “na obra” expansionista do Rei, tradição familiar, cabedal e não ter

origem judaica, moura ou mestiça. Como lembrou Andrade (2002), além de todas

essas qualidades, era preciso também saber qualificar-se nas petições sem deixar

de se posicionar na condição de vassalo ou subalterno ao Rei306. Tais prerrogativas

306 Em Carta Patente do Governador Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho, Sabará, 03/02/1711, a Garcia Rodrigues Paes, concedendo-lhe a mercê de Capitão-mor pelo novo descobrimento das esmeraldas, aparecem as seguintes qualidades do bandeirante paulista: “pessoa de toda a sufficiencia, verdade e talento [...] ser natural da Villa de São Paulo, e das principais famílias della, de respeito, prudente e amado de todos [...], e a boa vontade que que se offerece para hir fazer este tão grande serviço a S. Magestade, não reparando nos seus annos de trabalho, e despesas que succede em semelhantes jornadas pelo sertão.” Patente passada ao capitão-mor Garcia roiz Velho, do novo descobrimento das Esmeraldas. RAPM, ano II, fasc. 4, out./dez. de 1897, p.780. Embora essa patente seja referente à concessão de um título administrativo e não de

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excluíam a “arraia miúda” do acesso à terra, isto é, os homens livres, porém de

poucas posses, os degredados e os de origem indígena e africana.

Para Abreu (1997), as sesmarias no Brasil começaram a se desvincular das

Ordenações a partir do final do século XVII. Acreditamos que essa mudança refletia

a demanda por sesmarias nos sertões auríferos a partir da divulgação dos primeiros

descobrimentos, pois era preciso, de alguma forma, impedir que potentados ou

“extraterritorialidades” se apossassem da tão esperada riqueza mineral. Assim, em

1695, o pagamento do dízimo (tributo que já era cobrado na América Portuguesa

desde o século XVI) passou a ser obrigatório também nas Minas dos Cataguases,

bem como impôs-se limites ao tamanho das sesmarias307.

A questão aurífera foi tratada de forma especial na Colônia, tanto no que diz

respeito ao seu abastecimento, quanto ao acesso e ao tamanho às sesmarias nas

proximidades das minas e ao longo dos caminhos existentes. Em 15 de junho de

1711, uma provisão determinava que as sesmarias de terras doadas ao longo do

Caminho Novo fossem de “uma légua em quadra308, respeitadas as que já tinham

sido concedidas anteriormente”309. Vinte anos mais tarde, em 15 de março de 1731,

uma nova Ordem Régia estabeleceu que as sesmarias próximas às minas e aos

caminhos fossem de meia légua em quadra, enquanto nos sertões elas poderiam ser

sesmarias, a valorização das qualidades para quaisquer mercê no Antigo Regime português era extremamente valorizada, conforme se verifica acima. 307 A definição do tamanho da sesmaria também variou muito. Em 1695, era de quatro léguas de comprimento e uma de largura. Em 1697 e 1699, foi reduzida para três léguas de comprimento e uma de largura, ou légua e meia em quadra; e em 1701 foi novamente expandida para quatro léguas de comprimento e uma de largura, ou, duas léguas em quadra. Em 1729, as sesmarias não deveriam exceder a três léguas de comprimento e uma de largura. (Vasconcelos, 1989, citado por ABREU, 1997, p.226). 308 “A légua colonial, também chamada légua de sesmaria ou légua craveira, media 6,6km. Uma légua quadrada equivalia a 4.356ha. Uma braça de sesmaria era igual a 14.520m2 e uma sesmaria de terras tinha 1.125ha. Uma braça media 2,2m e 400 braças quadradas formavam um prazo, Uma tarefa equivalia a 30 braças em quadra ou 4.356m2. No Brasil Colônia e Imperial uma data totalizava aproximadamente 272ha ainda que muitas vezes a expressão fosse utilizada para designar uma pequena propriedade.” (FRIDMAN, 2002, p.9) 309 Provisão resolvendo que as sesmarias de terra fossem concedidas, sejam de uma legoa em quadra respeitando as que já foram concedidas. RAPM. Ano XX, 1924, p. 425.

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de três léguas em quadra310. “Outra importante decisão foi a obrigatoriedade de

confirmação régia de doação para a garantia da propriedade plena, introduzida pela

Carta Régia de 23 de novembro de 1768” (ABREU, 1997, p.226). Essa decisão

também passou por várias adaptações ao longo dos Setecentos.

No Caminho Novo ou Caminhos Reais do Ouro, toda essa normatização

sesmarial ou “estatuto” sesmarial não se aplicou sem antes se adequar ou se

adaptar às especificidades sócio-espaciais que começavam a ser produzidas. Garcia

Rodrigues, por exemplo, foi o primeiro a impor seus interesses à normatização régia,

ao utilizar da tradição bandeirantista de sua família e de descobridor do Caminho

Novo para justificar sua solicitação de sesmaria de quatro léguas na passagem do

rio Paraíba do Sul para a construção de uma vila, onde pudesse exercer a condição

de capitão donatário. Em Carta Régia de 14 de agosto de 1711, o próprio Rei abriu

exceção às Leis previamente impostas quanto ao tamanho das sesmarias, pois

houve “por bem fazer doação ao dito Garcia Rodrigues de huma datta de terras com

a natureza de sesmaria que comprehenda o mesmo número de legoas como se

houvessem de dar repartidas a quatro pessoas.”311

Como entender, então, “larguíssimas” sesmarias ao longo do Caminho Novo

se o sistema sesmarial limitava o seu tamanho, impunha prazos pô-las em

produtividade e exigia carta de confirmação da sesmaria?

Primeiramente, assim como acontecia com todas as concessões de mercês, a

partilha das terras via sesmarias também deve ser enquadrada dentro da relação de

clientelismo estabelecida entre a Coroa e aqueles que possuíam as qualidades 310 Ordem Régia a Lourenço de Almeida, 15 de março de 1731. APM. Sc 29, f. 146. Cf Andrade (2002, p.213). 311 Carta Régia pela qual se mandaram passar cartas de sesmaria a Garcia Rodrigues Paes e a seus 12 filhos das terras que se lhe fizera mercê, em recompensa dos serviços que prestara na abertura do caminho para as Minas. Inventário dos Documentos relativos ao Brasil existentes no Archivo de Marinha e Ultramar de Lisboa. Rio de Janeiro. Annaes da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1924, vol. XLVI, pp. 32-3.

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necessárias para recebê-las. Enquadrando-se nessa lógica, todas as estratégias

eram válidas.

Se era proibida um indivíduo receber em doação mais de uma sesmaria nos

caminhos de Minas, a solicitação poderia ser feita em nome de outras pessoas,

geralmente familiares de primeiro grau, não importando a quantidade de sesmarias

solicitadas, como bem fez Garcia Rodrigues, que solicitou sesmarias para seus doze

filhos, garantindo a ele aos seus descendentes uma imensa área que começava nas

margens do rio Paraíba e seguia até a Borda do Campo.

Também era possível obter sesmarias por compra e/ou herança, fossem elas

anexadas ou separadas da primeira unidade. Segundo Carrara (1997), a prática de

comercialização das terras foi tão comum nas Minas Gerais e em seus caminhos

que as cartas de sesmarias eram consideradas muito mais como garantias de

posses já lançadas ou de terras já compradas, conforme se verifica na solicitação de

Matias Barbosa, de 17 de dezembro de 1716, que “queria ter o título de sesmaria de

um sítio já comprado”312.

Mesmo valendo-se do título de guarda-mor Geral das Minas, Garcia

Rodrigues dedicou-se muito mais aos negócios do caminho do que à própria

mineração a que tinha direito. Conforme já dissemos anteriormente, para que

pudesse permanecer em suas sesmarias no Caminho Novo, utilizou-se do direito

conseguido junto ao Rei de indicar guardas-mores para lhe substituir em suas

funções obrigatórias nas minas. Esse procedimento chegou a causar indignação ao

governador da capitania de São Paulo e Minas de Ouro, que escreveu ao Rei

dizendo “que não lhe parecia de direito o guarda-Mor Geral morar longe das

312 Cartas Patentes passadas por dom Braz Baltazar da Silveira a Mathias Barbosa em 17/12/1716. RAPM, ano XXI, fasc. III e IV, jun./dez., 1927, p. 642.

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minas”313. Diante dessas condições de adaptações normativas, podemos dizer que o

estatuto sesmarial se geografizou ao longo do Caminho Novo sob um regime de

exceção, segundo os interesses locais e também metropolitanos.

O Caminho Novo já nasceu com promessas de grandes lucros imediatos,

tanto no fornecimento de gêneros da terra e víveres, quanto na cobrança dos

direitos de passagem pelos rios (HOLANDA, 1975). A fazenda da Paraíba do Sul

saía em vantagem nesse uso em virtude de seu próprio sítio geográfico, que

favorecia a convergência de toda “a gente” que partia do Rio de Janeiro para as

Minas Gerais e vice-versa, bem como a obrigatoriedade da passagem do rio Paraíba

do Sul, que era muito demorada. Evidentemente, Garcia Rodrigues se aproveitou da

situação e construiu, na margem direita, uma venda e vários ranchos para os

tropeiros e viajantes e, na margem esquerda, a sua casa e roças de

abastecimento314. A fazenda estabeleceu-se, desta forma, como o mais importante

entreposto entre as Minas Gerais e o Rio de Janeiro, abastecendo os tropeiros e a

todos que pelo caminho circulavam. Não foi impunemente que ali também se

estabeleceu um dos primeiros e mais importantes registros ao longo do Caminho

Novo.

Embora o Caminho da Bahia não seja objeto de estudo desta pesquisa, vale

ressaltar que as mesmas estratégias de posse e controle de “larguíssimas”

sesmarias localizadas em pontos estratégicos de passagem, também foram

adotadas nesse caminho. O bandeirante Borba Gato utilizou-se das prerrogativas de

Superintendente das Minas - que lhe garantiam amplos poderes no controle das

entradas e saídas de mercadorias - para fixar-se com grandes currais de gado

vacum ao longo desse caminho. Tanto Garcia Rodrigues, quanto Borba Gato 313 Seção Colonial,, 04, f. 226. Carta de D. Pedro de Almeida ao Rei, 8/06/1719. Arquivo Público Mineiro. Cf. Andrade (2002, p. 168). 314 Antonil (2001).

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utilizaram os títulos que receberam e a vantagem de estarem fixados em pontos

estratégicos de circulação para confiscar tudo aquilo que julgavam em situação

irregular, repassando parte para o erário real e mantendo a outra parte para si.

O Ouvidor Geral das Minas Gerais, Caetano da Costa Matoso, ao passar pela

região dos rios Paraíba e Paraibuna em 1704, não deixou de registrar em seu “diário

de viagem” a grande propriedade deixada por Garcia Rodrigues a seus herdeiros:

Ao passar este rio está um lugar de várias choupanas, também do mesmo nome, com outras mais palhoças e ermida, e entre elas umas casas de madeira e sobrado de telha, com dez janelas de sacada, e nos lados duas grandes varandas com boas acomodações por dentro, em que hoje reside um doutor Pedro Dias, guarda-mor de todas as Minas e senhor de duas léguas de terreno pelo caminho que vim até a borda deste rio, de cinco até o Paraibuna, de mais duas até Três Irmãos, e sem medida pela largura, por ser tudo sertão, de que usa como lhe parece.315

Segundo Mello e Souza (1999, p. 387-8), além dos filhos de Garcia

Rodrigues, ainda tinham terras ao longo do caminho outros aparentados: o sogro,

alcaide-mor do Rio de Janeiro, que emprestara o nome a uma das roças onde

paravam os viajantes; o cunhado Manuel de Sá, casado com uma de suas irmãs; o

juiz de fora 316 do Rio de Janeiro, Luís Fortes, que vinha a ser irmão de Manuel de

Sá. “Esta constelação é um exemplo das redes de famílias extensas típicas dos

tempos antigos, e que, no caso, tinham por coluna dorsal o Caminho Novo das

Minas.”

Costa Matoso também nos informa que o filho herdeiro de Garcia Rodrigues,

Pedro Dias, não estava no sítio para lhe receber “porque ficava no Rio de Janeiro”,

mas que, sabendo de sua viagem, “lhe tinha feito a lisonja de mandar

315 Diário da Jornada que fez o ouvidor Caetano da Costa Matoso para as Minas Gerais. Códice Costa Matoso (1999, p. 888). 316 O juiz de fora era o cargo atribuído a pessoa letrada pelo Rei, competindo-lhe funções semelhantes às do juiz ordinário, devendo administrar a justiça na vila ou cidade.

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antecipadamente hospedar-me, o que se me fez com toda a boa comodidade”317.

Também informa que o mesmo Pedro Dias “andou por Coimbra e se formou”. Além

desse, também encontrou, um pouco mais à frente, nas proximidades do Registro

Velho, na Borda do Campo, mais dois contemporâneos de “seu tempo de Coimbra”.

Tais informações evidenciam que as sesmarias no Caminho Novo foram apropriadas

por homens coloniais que sabiam se projetar e se reproduzir enquanto elite colonial

para além da escala da unidade sesmarial. Negócios esses que não se limitavam ao

comércio, mas também às relações interpessoais, ampliando suas redes de

favorecimento tanto no Reino, quanto nas principais praças da Colônia. Mandar os

filhos para estudar em Coimbra era a chance dos grandes sesmeiros de inseri-los,

bem como a si próprios, no quadro das redes sociais mais altas do segmento

jurídico-administrativo do Poder Metropolitano, garantindo nomeações de altos

cargos administrativos na Colônia.

Mas a ocupação das margens do Caminho Novo de Garcia Rodrigues não se

restringiu às fazendas de Garcia Rodrigues. Desde sua abertura, os “homens bons”

dos principais núcleos coloniais, principalmente os de São Paulo e do Rio de

Janeiro, lançaram seus olhos e suas garras para aquelas terras e também fizeram

uso do poder de crédito para se apossar delas sob a forma de sesmarias. Outra

condição para a manutenção da posse da sesmaria era pô-la em produtividade num

prazo determinado318, no entanto, como bem apontou Abreu (1997, p.221), o “termo

produção” não se projetava para toda a área recebida, mas aplicava-se apenas a

“uma parte da terra doada”. No Caminho Novo essa estratégia se materializou em

inúmeras rocinhas. O Ouvidor Caetano da Costa Matoso identificou, em 1749, pelo

317 Diário da Jornada que fez o ouvidor Caetano da Costa Matoso ... Códice Costa Matoso (1999, p. 888). 318 Segundo Carrara (1997) esse prazo também variou ao longo do século setecentista, passando dos dois anos em 1698 para um ano em 1727 e, por fim, dez meses a partir de 1728.

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menos treze rocinhas em sua viagem a Minas Gerais. Algumas sesmarias eram tão

grandes que apresentavam uma rocinha antes e outra depois de sua sede principal

(ver MAPA 9, p. 260). Considerando que, depois de ter passado pela rocinha de

Simão Pereira, o ouvidor encontrou, na seqüência, a rocinha, o sítio e rocinha de

Mathias Barbosa, podemos inferir que em linha reta ou acompanhando o caminho,

esta sesmaria deveria ter de duas léguas e meia a três léguas, ou seja, entre 16 e

19km, conforme se infere na descrição abaixo:

Veio o caminho, correndo junto, e à vista sempre do rio Paraibuna que aqui corria; e ai passei a rocinha de Mathias Barbosa, e sempre seguindo o mesmo rio em mais de uma légua, junto a ele e a um sítio que chamam de Mathias Barbosa [onde pernoitou, partindo no dia seguinte – domingo – às 6:45] [...] e continuando viagem da mesma sorte por entre atos e morros, em um pouco mais de meia légua na descida de um morro estava um pequeno rancho junto a um ribeiro a que chamam de rocinha de Mathias Barbosa.319

Carrara (1997), Abreu (1997) e Rodrigues (2002) nos dizem que uma outra

estratégia utilizada pelos homens poderosos para se apoderarem de sesmarias era

a prática da grilagem, para somente depois de algum tempo solicitarem cartas de

sesmaria que lhes garantissem o título definitivo da posse. No Caminho Novo, essa

prática foi amplamente empregada, em suas duas variantes, ou seja, no Caminho de

Garcia Rodrigues (Caminho do Couto) e no de Bernardo Proença (Caminho de

Inhomirim).

Em 1736, Antonio de Proença Coutinho, filho do “descobridor” do Inhomirim,

encaminhou um requerimento ao Rei contestando o pedido de um certo João

Rodrigues dos Santos, que solicitara o fechamento da variante do Caminho Novo,

aberta por seu pai. Dentre as suas justificativas que apresentou para manter o

caminho aberto, dizia que o caminho já estava ocupado por moradores, dos quais

319 Diário da Jornada que fez o ouvidor Caetano da Costa Matoso. Códice Costa Matoso (1999, p. 889).

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muitos eram “parentes ou amigos de seu pai” que para lá foram na promessa de que

após “trabalharem na obra e colocarem-a em perfeito estado”, poderiam “pedir

aquelas terras por sesmarias e recuperar as despesas que fizeram na feitura do

caminho”320. Pela data da referida carta (1736) e da carta que confirma a abertura da

variante do Inhomirim (1728), podemos inferir que os tais moradores que ajudaram

na obra do caminho já estavam assentados ao longo de seu percurso há pelo menos

oito anos.

Evidentemente, ao longo dos Caminhos Reais do Ouro inúmeros conflitos

pela posse de terras foram travados entre posseiros e sesmeiros. Segundo

Rodrigues (2002), a qualidade das terras era medida pela sua fertilidade e

localização, principalmente se eram cortadas por uma das variantes do Caminho

Novo (Couto ou Inhomirim). Algumas áreas consideradas de melhor qualidade

estavam concentradas nas mãos de poucas pessoas, como foi o caso das terras da

Borda do Campo, conforme já apresentado.

Para Abreu (1997, p.224), as imprecisões das cartas de sesmarias também

eram geradoras de conflitos entre os sesmeiros e posseiros, haja vista que “o uso de

marcos que não tinham perenidade era comum na demarcação dos lotes, não sendo

raro a ausência total de qualquer identificação precisa”.

Tal imprecisão era muito comum nas sesmarias concedidas ao longo dos

caminhos, como pode ser observado pela Carta Régia de 14 de agosto de 1711, que

concedeu a Garcia Rodrigues sesmarias para criação da vila de Paraíba, “sendo a

demarcação e território, o que vae da serra dos Órgãos, águas vertentes da Parayba

do sul, até a sahida dos Campos Gerais, com dez léguas de estradas, cinco para

320 Requerimento de Antonio de Proença Coutinho, morador no Rio de Janeiro, no qual pede que não fosse deferida a petição de João Rodrigues dos Santos na parte que se refere à proibição da passagem pelo Caminho de Inhomirim. AHUL 10.643. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965, p. 202).

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uma parte e cinco para outra”321. Procedimento muito comum era informar o

tamanho da testada (sic) ao longo do caminho, porém com imprecisão para o sertão.

Para os sesmeiros, essa imprecisão poderia ser bastante vantajosa, uma vez que

eles sempre demandavam mais terras para a agricultura, em virtude do desgaste do

solo provocado pela técnica agrícola de coivara, que consistia em atear fogo na

vegetação natural ou sempre que era preciso limpar o terreno para o plantio dos

gêneros de abastecimento. Para Rodrigues (2002, p.189):

Possuir uma fazenda demarcada era ter uma propriedade finita, limitada, sem recursos à ampliação de terras. A indefinição dos limites geográficos criava ao sesmeiro a possibilidade de expandir no futuro área sob seu domínio, conseguindo terras públicas ou de terceiros.”

Além dos homens de maior poder de crédito, uma quantidade sem fim de

homens livres, porém, não pertencentes ao seleto grupo social dos “homens bons”,

se fixaram nas margens do Caminho Novo como posseiros, estabelecendo

pequenas unidades produtivas, principalmente de milho322 voltadas para o auto-

abastecimento e fornecimento de gêneros da terra aos viajantes, tropeiros e suas

tropas de muares. Segundo Goulart (1961), em muitas dessas pequenas unidades,

a “lida na roça” era familiar, já que não possuíam a valiosa mão-de-obra escrava,

condição necessária para ser um sesmeiro. A presença de posseiros ao longo do

Caminho Novo teve início logo após a sua abertura, como pôde ser constatado na

delação feita por Garcia Rodrigues, em 1710, que acusava a presença de posseiros

321 Carta Régia 14/08/1711 communicando que além de outras, faz mercê a Garcia Rodrigues Paes, pelos serviços da abertura do caminho novo, de uma vila na paragem de Parahyba do Sul. RAPM. Ano XX, 1924, pp.512-13. 322 Para HOLANDA (1975), dada a importância do milho na sociedade planaltina paulista e, depois, na mineira, vai usar o termo “civilização do milho” para designar essa enorme região interiorana.

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ao longo do “seu” caminho, sob a alegação de estarem “impedindo o acabamento da

obra”323, isto é, o alargamento do leito do dito caminho.

A delação, enquanto um procedimento incentivado pela Coroa, enquadrava-

se como uma “obra” ou serviço prestado à Majestade, logo, era qualificada como

justificativa para a solicitação mercês, de preferência se elas viessem com léguas de

sesmarias tomadas desses posseiros. No que se refere ao “sertão proibido da

Mantiqueira”, os posseiros tiveram importante papel na sua ocupação.324 No entanto,

ao contrário dos grandes sesmeiros, tal parcela da população de trabalhadores livres

vivia, nas palavras de Rodrigues (2002, p.171), de forma:

dispersa e de modo irregular, deslocando-se continuamente pelas florestas virgens, sem bens e raiz e, de modo geral, sem nada a perder. Como pertences, possuíam objetos de sua labuta diária: redes de pescar e também de dormir, alguns utensílios para plantar suas roças de subsistência, além de algumas poucas vestimentas. Geralmente eram pessoas livres e não proprietárias de escravos, haja vista que nenhum dos posseiros listados conseguiu carta de sesmaria, legitimando o seu quinhão.

Havendo pequenos roceiros ou trabalhadores livres convivendo com os

grandes sesmeiros ao longo do Caminho Novo, ou mesmo interiorizados, a questão

que emerge é: por que Costa Matoso e a cartografia setecentista não faz nenhuma

referência a eles ou a esse tipo de ocupação? Acreditamos que, enquanto

representante direto da Coroa, Matoso não podia fazer existir, via suas palavras,

aquilo que era visível e concreto na paisagem, porém, invisível e proibido para o

poder metropolitano. Negando completamente a existência dos pequenos roceiros e

valorizando os grandes sesmeiros, exaltando suas roças, rocinhas e construções, o

ouvidor ocultava os conflitos iminentes e reais e, ao mesmo tempo, validava a

existência das grandes sesmarias.

323 Arquivo Público Mineiro. Seção Colonial. 04, fls.233-233v. Carta do Conde de Assumar ao Rei, 24 de setembro de 1719, citada por Andrade (2002, p.169). 324 Rodrigues (2002), apresenta 198 nomes de posseiros encontrados na Serra da Mantiqueira até 1780, a partir da análise do Códice 224, fls. 41-48, da Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro.

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Os estudos clássicos de Zemella (1951) e de Ellis (1958) já apontavam para a

importância das sesmarias ao longo dos caminhos para o abastecimento necessário

à circulação entre a cidade do Rio de Janeiro e Minas Gerais, dadas as condições

dilatadas de tempo e espaço. Porém, foi a partir das pesquisas de Franco (1974),

Singer (1977), Lenharo (1993), Fragoso e Florentino (1998), Carrara (1997), Chaves

(1999) e Rodrigues (2002) que essa temática passou a ser estudada como objeto

central de pesquisa historiográfica, revelando não somente suas respectivas

produtividades agrícolas, como também suas articulações com toda a sociedade

colonial do centro-sul, fosse ela urbana ou rural, dedicada à mineração, ao comércio

ou à administração. Segundo Singer (1977), um dos equívocos da historiografia

sobre a atividade aurífera foi a não consideração da produção de auto-consumo de

gêneros da terra, que se estabeleceu desde a chegada dos primeiros mineiros.

Nesse sentido, o autor afirma que:

esta distorção na análise dos fatos históricos permeou toda a historiografia brasileira e se explica pelo menosprezo com que eram encaradas as atividades de subsistência pelos contemporâneos, cujos depoimentos chegaram até nós. (SINGER, 1977, p.204)

Chaves (1999), ao utilizar-se de cartas de doações de sesmarias, é

categórica em afirmar que, nas primeiras décadas da colonização de Minas Gerais,

já havia uma agricultura voltada para o abastecimento interno. Os Caminhos Reais

de São Paulo, da Bahia e, depois, o Caminho Novo assumiram papéis centrais no

abastecimento interno porque, de imediato, foram sendo ocupados por sesmeiros

interessados no lucrativo negócio do abastecimento. Rodrigues (2002) e Fridman

(2002), encontraram documentos que comprovam a ocupação das margens do

Caminho Novo de Garcia Rodrigues ainda nos primeiros anos do século XVIII, mais

precisamente nos sertões do oeste fluminense. Quanto à variante do Inhomirim, bem

antes da carta Régia de 1728 que mandava agradecer a Bernardo Proença pela

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abertura do caminho, já havia, pelo menos, oito sesmarias em seu percurso325,

comprovando que o referido caminho fora muito mais oficializado do que aberto.

A diversificação produtiva também era uma prática comum nos grandes sítios,

pois além de produzirem gêneros da terra para o abastecimento dos viajantes, de

tropas e tropeiros, também produziam aguardente e açúcar (produtos altamente

valorizados nas Minas) e, quando possível, a extração aurífera, uma vez que em

virtude do tamanho da propriedade era bem provável possuir algum rio ou riacho

com ouro de aluvião.

Em pouco tempo, o Caminho Novo e suas variantes foram densamente

ocupados por fazendas (sesmeiros e posseiros) com roças, ranchos, pousos,

vendas e povoados com o objetivo de dar apoio aos viajantes e tropeiros que

circulavam por eles.

Embora o recorte temporal final dessa tese seja a década de 1750,

analisamos alguns mapas produzidos na segunda metade do XVIII326, para

confrontá-los com os relatos, descrições e diários de viagens que retratam o

Caminho Novo da primeira metade do século XVIII (Quadro 2). Constatamos que,

ao longo do Caminho Novo, pouca coisa se alterou na segunda metade do século

XVIII, mesmo com intensa dinâmica comercial, baseada na economia de

abastecimento que se instalou na capitania mineira. As localidades indicadas nesses 325 1) 2/2/1721 - Sargento Mor Bernardo Soares de Proença - AHUL 4163/64 - MFP-15; 2) 12/11/1721 - Capitão Luis Peixoto da Silva - AHUL 4278 - MFP – 16; 3) [sem indicação de data]. Ao que parece nas anotações a data é a mesma da anterior] - José Rodrigues Gomes [também sem indicação de localização]; 4) 23/02/1723 - Luiz Antunes Álvares - AHUL 5045 -MFP 32; 5) 20/04/1723 Ambrósio Dias Raposo - AHUL 4725 - MFP –38; 6) 02/05/1723 - Francisco Fagundes do Amaral AHUL 4883/84 - MFP – 18; 7) 14/09/1723 - José Borges Raymundo - AHUL 4985/86 - MFP – 27; 8) 03/12/1723 - Jorge Pedroso de Souza - AHUL 4875/76 MFP – 26. Coleção Enéas Martins Filho, IHGB, Lata 774, n. 4. 326 Carta Geogrhaphica que comprehende toda a Comarca do Rio das Mortes, villa Rica, e parte da cidade de Mariana do Governo de Minas Gerais. O mesmo mapa também recebe o nome de Mapa da Comarca do rio das Mortes, Villa rica e parte da cidade de Mariana do Governo de Minas Gerais. Atribuído a Cláudio Manuel da Costa. 1768. MI (Inv. N. 115); 2) Mapa da comarca do Rio das Mortes. Jozé Joaquim da Rocha, 1778. AHEx. (n. 05.05.1115; CEH 3182); 3) Mapa da Capitania de Minas Gerais com devisa de suas comarcas. Jozé Joaquim da Rocha, 1789. AHEx. (n.06.01.1151; CEH 3158).

Page 261: TRAMAS QUE BRILHAM

261

mapas continuam se sobrepondo às apresentadas por Antonil, Brito Tavares e Costa

Matoso, exceto para as omissões de Antonil, a partir da roça de Alberto Dias e de

Costa Matoso, a partir da Rocinha da Taipa. Esses mapas, assim como o “Diário de

Viagem de Costa Matoso”, também eram documentos oficiais e por isso só

registraram o que era “oficialmente” aceito no que diz respeito ao processo de

ocupação do Caminho Novo. Acreditamos que somente a partir de um estudo

aprofundado das cartas de sesmaria será possível verificar a dinâmica e os conflitos

que marcaram o processo de apropriação territorial ao longo do Caminho Novo,

conflitos esses que podem ser denominados de vozes ocultas versus vozes

reveladas.

Page 262: TRAMAS QUE BRILHAM

Base Cartográfica: IBGE (2005).Fonte: Antonil, André João (2001); IHGB, Coleção Enéas Martins Filho: Lata 767, Pasta 53; Lata, 772, Pasta 34; Lata 772, Pasta 72; Lata, 774, Pasta 4; Lata, 770, Pasta 11; Códice Costa Matoso (1999)Autoria: Rafael StraforiniExecução: Fernando Bezerra

MG

ES

BAGO

DF

SPPR

RJ

LegendaLocalidades - indicação de uma roça - Antonil

Caminho do Couto ou de Garcia RodriguesCaminho Antigo de Terra Firme

Rios Principais

!. Rio de Janeiro e Ouro Preto

MAPA 9: CAMINHO NOVO (COUTO E INHOMIRIM) E SUAS INDICAÇÕES DE SÍTIOS, ROÇAS E POUSOS SEGUNDO ANDRÉ JOÃO ANTONIL (1711) E CAETANO DA COSTA MATOSO (1749)

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1

11

7 65

4

2

8

9

10

3

1213

17 161514

1819

20

21

2223

2624

25

27

28

29

30

44°0'0"W

44°0'0"W

22°0

'0"S

22°0

'0"S

MINAS GERAISMINAS GERAIS

Rio Do

ce

Rio das Velhas

Rio Paraopebas

Rio Pará

Rio das Mortes

Rio Gran

de

Rio Preto

Rio Paraíba do Sul

®50 025 Km

Escala 1:1.600.000

Ouro Preto1. Povoado de Inhomirim ou porto Estrela2. Sítio Fragoso (as margens do rio Inhomirim)3. Sítio da Boa Vista;4. Sítio Itamarati5. Rancho Preguiça;6. Aldeia Rio da Cidade;7. Rancho Araras;8. Roça do Secretário;9. Aldeia Fagundes;10. Rancho Paiol;11. Aldeia Boa Vista;12. Rocinha do Fagundes;13. Rocinha Cebola;14. Roça de Pedro Moreira;15. Aldeia Pedro Dias ou Farinha;16. Registro Rio Paraibuna;17. Rancho Três Irmãos;18. Roça Simão Pereira;19. Roça de Matias Barbosa (Registro do Contrato das Fazendas)20. Rocinha do Medeiros;21. Rancho Marmelo;22. Sítio Juiz de Fora23. Roça do Alcaide-mor;24. Roça de Antonio Moreira;25. Sítio Queirós26. Sítio do Azevedo;27. Engenho;28. Sítio de Luís Ferreira ou seu Filho Cristóvão Pereira;29. Aldeia Pedro Álvares;30. Roça João Gomes 31. Aldeia Pinho Velho;32. Aldeia Pinho Novo;33. Aldeia Mantiqueira;34. Aldeia Palheiros;35. Sítio da Borda do Campo36. Registro Velho;37. Sítio José Ribeiro;38. Sítio Caveira39. Aldeia o Cangalheiro;40. Sítio Alberto Dias;41. Sítio Samambaia;42. Aldeia Ressaquinha43. Aldeia Capoeira;44. Sítio Gama45. Sítio Carandaí;46. Rocinha do Taipa

SITIOS, ROÇAS E POVOADOS1. Irajá2. Alcaide-mor Tomé Correia3. Pilar4. Manuel do Couto5. Cachoeira do pé da Serra (ranchos)6. Pousos Frios7. Marcos da Costa8. Alferes9. Pau Grande10. Morro do Cavaru11. Garcia Rodrigues ou Rio Paraíba12. Rio Paraibuna13. Simão Pereira14. Matias Barbosa15. Antonio de Araújo16. Capitão José de Souza17. Roça do Alcaide-mor Tomé Correa18. Roça do Azevedo19. Roça do Juiz da Alfândega Manuel Correa20. Manuel de Araújo21. 1ª roça do Bispo22. 2ª roça do bispo23. Coronel Domingos Rodrigues da Fonseca (Borda do Campo)24. Ponta do Morro25. Arraial do Rio das Morte26. Alberto Dias27. Ressaca ou Manuel de Araújo28. João Batista29. João da Silva Costa30. Congonhas

SITIOS, ROÇAS E POVOADOS

1

3 45 67 8

910 1112

2

1716

15

1413

201918

24 23 22 2125

26

27

3130

2928

3233

40414239383736

3534

46 4544 43

Rio Paraibuna

! Localidades - indicação de uma roça - Costa Matoso! Localidades - indicação de 2 ou 3 roças - Costa Matoso

Caminho de Inhomirim

CAPITANIA DO RIO DE JANEIROCAPITANIA DO

RIO DE JANEIRO

CAPITANIA DEMINAS GERAISCAPITANIA DEMINAS GERAIS

262

Page 263: TRAMAS QUE BRILHAM

263

As terras do Caminho Novo, inicialmente, não foram visadas para o

abastecimento de gêneros da terra e víveres à região aurífera. Os sesmeiros sabiam

que por ele passariam, obrigatoriamente, todas as frotas de comerciantes, tropeiros

e viajantes em geral, demandando pousos, pernoites, alimentação para si e para os

animais de carga, além o abastecimento de toda sorte de mercadorias necessárias

na tropeada, tais como redes, facas, facões, ponches, chapéus, cordas, couro,

panelas, etc.

Com o estabelecimento dos Caminhos Reais do Ouro e, dentre eles, o mais

importante - o Caminho Novo de Inhomirim - a característica insular dos primeiros

núcleos mineiros (DEFONTAINNES, 2004; AZEVEDO, 1994 e BERNARDES, 1966)

foi substituída por uma ocupação contígua e radial, ou seja, os núcleos urbanos

antes isolados, se tornaram interligados pelos principais caminhos de circulação,

bem como lançaram para as hinterlândias suas lógicas de ocupação. Se nos

primeiros anos do século XVIII, a mineração garantiu o pontilhamento salpicado de

núcleos urbanos, com os Caminhos Reais do Ouro acrescentou-se a esses uma

ocupação linear, chamada por Straforini (2001) de “ocupação simétrica do território”,

marcada pela eqüidistância simétrica entre um núcleo e outro, resultado do tempo de

uma jornada diária de caminhada ou, como preferem outros, de uma tropeada.327

Por mais que o Caminho Novo tivesse representado “uma verdadeira

revolução no sistema de circulação com as Gerais, em virtude da diminuição da

distância e da economia de tempo assombrosos” (ZEMELLA, 1951, p.127), a

viagem, ou seja, toda a distância percorrida entre o ponto de partida e ponto de

chegada, ainda era muito longa; afinal, 80 léguas ou aproximadamente 490

quilômetros separavam as minas do porto do Rio de Janeiro. Era necessário, no fim 327 Baeta (2004), ao estudar a importância dos Caminhos Reais na configuração urbana de Ouro Preto, também utiliza a linearidade ou a longilínearidade desenvolvido por Sylvio de Vasconcellos como o elemento diferenciador das cidades mineiras das portuguesas.

Page 264: TRAMAS QUE BRILHAM

264

de cada jornada ou caminhada - percurso vencido em um dia - fazer uma parada

para que os peões e animais pudessem descansar e pernoitar. Segundo os relatos

de Antonil (2001), a distância diária percorrida variava de acordo com o destino e a

procedência da tropa. As tropas de São Paulo em direção às Minas Gerais, por

exemplo, não marchavam de sol a sol, mas até ao meio dia, e quando muito até

duas horas da tarde.

O processo de ocupação espacial - espaço simétrico - e sua evolução de

simples pousos a povoados ou vilas foi resultado da própria dinâmica vivenciada nas

vias de circulação do Brasil Colônia, processo esse dinâmico e complexo, uma vez

que se realizou através da apropriação das terras ao longo dos caminhos pelos

sesmeiros e pelos conflitos com os posseiros, pela política fisco-normativa e suas

materialidades instaladas (registros, barreiras, postos fiscais) e pelo próprio o

trabalho dos tropeiros que davam vida ao caminho, em suas tropeadas incessantes.

Page 265: TRAMAS QUE BRILHAM

265

ESQUEMAS DO CAMINHO NOVO DE GARCIA RODRIGUES: SESMARIAS, ROÇAS E PARAGENS

ANTONIL (1709) MORADORES DO CAMINHO NOVO –

ROL DA CASA DOS CONTOS - 1717 TERRA FIRME POR MAR

Manuscrito de Brito Tavares (1732)

Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro --- Irajá ----- ----- ---

Engenho do Alcaide Mor Tomé

Correia ----- ----- ---

Porto do Nóbrega ----- ----- --- ----- Pilar ---

Manuel do Couto ou Parada da Mantiqueira

Porto da Freguesia. Na. Sra. Do Pilar;

Sítio de Manuel do Couto

Couto ---

Cachoeira do pé da Serra (ranchos) Taquarussu (pé da Boa Vista, onde esta o registro) ---

Pousos Frios Sylvestre Rossa de Silvestre Rodrigues (7 escravos)

--- Bispo

--- Governador Rossa que chamão do Governador (7 escravos)

Marcos da Costa ----- Rossa que foi de Marcos da Costa (8 escravos)

Alferes Alferes Francisco Tavares (25 escravos) --- Rossinha

Pau Grande Pau Grande Duas rossas de Estevão Pinto que

adminsitra Joseph Rodrigues que chamão o Pao Grande (20 escravos)

Domingos Gonçalves e seu genro Pedro Álvares de Oliveira (9 escravos) Morro do Cavaru Cavaru mirim Rossa de Antonio de Brito Cavaru

(20 escravos) ----- Cavaru assû --- ----- D. Maria --- ----- D. Maria ---

Garcia Rodrigues ou Rio Paraíba D. Maria (aqui se passa o rio em canoa) Guarda Mor Garcia Rodrigues (com 4 rossas grandes e cem escravos)

----- D. Maria Taquarussu --- Rio Paraibuna

D. Maria Paraibuna (passa-se o rio)

----- Rosinha de Araújo ---

Simão Pereira Contraste ou Simão Pereira [?] Rossa de Simão Pereira (sem indicação de escravos)

----- Captivo --- Matias Barbosa ----- Rossa de Matias Barbosa ( 18 escravos)

Antonio de Araújo Medeiros A rossa de Joseph Medeyros (14 escravos)

Capitão José de Souza Joseph de Souza Joseph de Souza Fragoso (6 escravos) ----- Juiz de Fora ---

Roça do Alcaide-mor Tomé Correa Alcaide Mor Rossa do alcaide mor Thomé Correa (sem indicação de escravos)

----- Alcaide Mor --- ----- Antonio Moreira ---

Roça do Azevedo Manuel Correa Joseph de Azevedo (18 escravos)

Roça do Juiz da Alfândega Manuel Correa Azevedo (aparece invertido) Antonio Moreira da Cruz

Manuel de Araújo Araújo Manoel de Araújo (8 escravos) --- Gonçalves --- --- Gonçalves ---

--- Pinho Agostinho de Pinho (6 escravos)

Manuel de Araújo (outra rocinha) ----- ---

1ª roça do Bispo Bispo (sobe-se aqui a grande cordilheira da Mantiqueira) ---

Page 266: TRAMAS QUE BRILHAM

266

Rossinha (saesse ao Campo)

--- --- ---

José Rodrigues ( 10 escravos) ---

2ª roça do bispo -----

Luiz Pereira [ou Ferreira] Coronel Domingos Rodrigues da Fonseca

(Borda do Campo) Coronel da Borda do Campo

(Nesse ponto há uma bifurcação) Domingos Rodrigues da Fonseca

(30 escravos)

Bifurcação para rio das Mortes

Bifurcação para Minas Gerais

----- José Roiz ----- João Roiz

Alberto Dias Alberto Dias Rossa de Alberto Dias (sem indicação de escravos

----- Passagem

Ressaca ou Manuel de Araújo

(Nesse ponto há uma bifurcação -----

Ressaca Canandaí Outeiro

Os dois Irmãos Galo Cantante

Rossinha D. amaro Ribeiro

Carijós Mâ Cabelo

Bifurcação para rio das Mortes

Bifurcação para Minas Gerais

Ponta do Morro João Batista Ponta do Morro [?] Arraial do rio das Mortes (S. J. Del Rey)

João da Silva Costa S. J. de el Rey

Congonhas Ouro Preto

QUADRO 2) ESQUEMAS DO CAMINHO NOVO DE GARCIA RODRIGUES: SESMARIAS, ROÇAS E PARAGENS Fonte: ANTONIL André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas. Introdução e comentário crítico por Andrée Mansuy Diniz Silva. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001; 2) Itinerário Geográfico com a verdadeira descrição dos caminhos, estradas, roças, sítios, povoações, lugares, vilas, rios, montes e serras que há da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro até as Minas do Ouro”. Composto por Francisco Tavares de Brito. Sevilha. Na Oficina de Antonio da Silva MDCCXXXII [1732]. Com todas as licenças necessárias. In: Códice Costa Matoso (1999, pp. 898-910). 3) Moradores do Caminho Novo – Rol da Casa dos Contos, 1717. Anais da Biblioteca Nacional, vol. 65. documentos do Arquivo da Casa dos Contos de Minas Gerais, p. 108-109.

Page 267: TRAMAS QUE BRILHAM

267

No início de cada caminhada, já se estabelecia como objetivo atingir, no final

da tarde, o pouso seguinte; afinal, sua definição também era garantia de maior

segurança, uma vez que nesses pousos outros viajantes e tropas de mercadores e

militares também se arranchavam.

Franco (1974), analisando alguns relatos de viajantes que percorreram as

rotas tropeiras no Brasil, encontrou uma diferenciação quanto à tipologia dos

pousos, pois estes podiam ser rancho, venda, estalagem e/ou fazenda, cada qual

com características próprias. Os ranchos apresentavam em toda a parte a mesma

estrutura: barracão sustentado por pilares, aberto dos lados, com simples teto

coberto de palha para as mulas e camaradas. As diferenças estavam na solidez, no

tamanho e na higiene. Dependiam, sobretudo, das vendas que se encontravam ao

seu redor.

Já as vendas tinham por objetivo abastecer as tropas e tropeiros que

pernoitavam nos ranchos. Na maioria, eram pequenos casebres construídos de pau-

a-pique, muito rudimentares, com mercadorias simples e básicas para os tropeiros,

como feijão, farinha, carne seca e, para os animais, o farelo de milho. As vendas

maiores apresentavam maior variedade de mercadorias, incluindo tecidos,

quinquilharias, selas, arreios e todo tipo de ferramentas que um tropeiro necessitava.

Em outras situações, também era possível encontrar o “complexo fazenda-rancho-

comércio”.

Esses complexos combinavam, de maneira imediata e em escala modesta, a exploração da terra e a colocação de seus produtos: a pequena fazenda fornece a mercadoria; o rancho mais a venda atraem seu provável comprador e possibilitam as transações. São assim, fazenda, rancho e venda, elementos cuja importância é equivalente no circuito completo da atividade da mesma pessoa, que enfeixa a posse de todos os três. (FRANCO, 1974: 68-69)

Page 268: TRAMAS QUE BRILHAM

268

ILUSTRAÇÃO 16: Repouso de uma caravana Rugenda s. Paris, Casa Litográfica: Engelmann. Fonte: DIENER, Pablo; COSTA, Maria de Fátima. Rugendas e o Brasil. São Paulo: Capivara, 2002, p.129. Os ranchos localizados ao longo do Caminho Novo eram sempre muito simples, conforme pode ser constatado nas iconografias oitocentistas, bem como nas descrições setecentistas, a exemplo da de Costa Matoso. Geralmente eram construídos de estacas de madeira e cobertos com palha. O cotidiano nos ranchos era sempre o mesmo. Após descarregarem as cargas, providenciavam a refeição, algum cuidado nos animais machucados e descanso. Os ranchos eram onde as atividades comerciais de abastecimento aconteciam. Na ilustração, por exemplo, uma mulher expõe tecido ou rede de dormir, provavelmente confeccionado por ela em tear rústico.. Essa atividade era muito comum no período e garantia a complementação da renda familiar. Os tropeiros dormiam no rancho, em redes ou no chão, próximos de suas mercadorias. Os registros iconográficos sempre apresentam a figura do violeiro junto aos pousos.

Muitos desses complexos não se formaram apenas pela espontaneidade

acima descrita, como defendem muitos estudiosos da temática tropeira, a exemplo

do próprio autor desta pesquisa (STRAFORINI, 2001), mas também de forma

proposital e forçada pelos próprios fazendeiros, que faziam de tudo para dificultar o

percurso, obrigando os tropeiros a permanecer longo tempo em suas propriedades,

logo, sendo obrigados a pernoitar, alugando ranchos cobertos, quartos (para os

tropeiros ou viajantes mais abastados), além de consumir seus produtos. Uma carta

do Conde de Assumar, enviada ao Rei de Portugal em 1717, registra um pedido com

reclamações dessa natureza:

Page 269: TRAMAS QUE BRILHAM

269

[...] também me requereram os homens de negócio que andam no dito caminho [novo] pusesse remédio nas desordens que os roceiros dele cometiam não só no excesso com que vendiam os mantimentos pondo-lhes preços a sua vontade, e usando de medidas falsas mas desconsertando os caminhos de propósito para os ditos homens de negócio se deterem nas suas roças do que procedia fazerem grandes gastos, e morrendo-lhe ou estropeando-se lhe os cavalos por causa dos ditos caminhos deixarem aos ditos roceiros as fazendas que nele conduziam, ou vendidos por preços muito diminutos, ou dado a guardar, o que eles faziam de sorte que depois lhes não aparecia uma grande parte delas.328

Assim, a espontaneidade da formação de núcleos populacionais e urbanos

conferida à atividade tropeira (ABREU, 2000; PRADO Jr. 1976 e 2000;

STRAFORINI, 2001), não se enquadra plenamente ao Caminho Novo até meados

do Setencentos, exceto para os extensos trechos que não tinham o complexo

fazenda-rancho-comércio, a exemplo dos sertões proibidos da Mantiqueira. Nessas

áreas, sim, tivemos a espontaneidade; ali foi comum que nas proximidades dos

pousos, um posseiro construísse uma palhoça, tornando-se um morador fixo e

desenvolvesse trabalho agrícola de subsistência e para o abastecimento das tropas,

produzindo gêneros da terra como feijão, mandioca, além do milho que era fornecido

como ração aos animais de carga. Prosperando, montava uma venda, abastecia-se

melhor com outros produtos necessários para o cotidiano tropeiro e, lentamente

formava-se um povoado ao seu redor. Este, progredindo e aumentando o número de

casas, ganhava autonomia política e administrativa até tornar-se vila e,

posteriormente, cidade. Nesse sentido, Goulart (1961) aponta que as

transformações dão a nítida impressão do desdobramento social que se ia operando

em derredor dos pousos. Assim, tem-se com o rancho, o povoado; com a venda, a

povoação; com a estalagem a vila; e com o hotel a cidade.

328 Carta do Conde de Assumar ao Rei de Portugal. Vila do Carmo, 03/02/1719. RAPM, 1898, ano 3, fasc. I, abr./jun., 1998, p. 262.

Page 270: TRAMAS QUE BRILHAM

270

Os Caminhos Novos de Garcia Rodrigues e de Bernardo Proença

possibilitaram a todo o sertão - enquanto representação de tudo aquilo que está

longe do litoral - uma nova socioespacialidade. Ele foi muito mais que um simples

caminho de trânsito de mercadorias e pessoas. Na verdade, ele não apenas garantiu

a ocupação efetiva dos 490 km que separam as Minas Gerais do porto do Rio de

Janeiro, por meio de todo um sistema de objetos e ações intrínsecos a ele (registros,

barreiras, roças de abastecimento, pousos, ranchos, sesmarias, pontes, igrejas,etc),

como também garantiu a experiência exploratória e de ocupação de todo o interior

do Brasil e de seus eixos de circulação (Caminho da Bahia, Caminho de Goiás e

Caminho de Viamão), uma vez que era a principal porta de entrada e saída de toda

a região centro-sul.

Page 271: TRAMAS QUE BRILHAM

271

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A configuração territorial brasileira nos dois primeiros séculos de colonização

foi expressivamente marcada por uma ocupação filiforme, materializada na faixa

litorânea, chamada pela historiografia de ocupação tradicional ou de

maritimidade/litoraneidade. Para além dessa faixa de ocupação encontravam-se os

sertões desconhecidos, carregados de conteúdo simbólico, ora pendentes para a

trágica geográfica, ora para o paraíso terreal. Assim, litoral e interior, ou núcleos

urbanos e sertões eram duas entidades espaciais antagônicas ou dicotomizadas

nesse período da história do território brasileiro.

A Coroa portuguesa nunca deixou de incorporar os sertões às suas lógicas de

apropriação territorial, mesmo estando estes carregados de conteúdos simbólicos.

Não podendo ser efetivamente ocupados e explorados naquele momento (séculos

XVI e XVII), apresentavam-se como um espaço de reserva para uma ocupação

futura, ou, fundo territoriais, como prefere Moraes (2002-2003).

As inúmeras entradas de reconhecimento e, mesmo, de descobrimento de

minas pelos os sertões nos séculos XVI e XVII, não foram capazes de transformar o

conteúdo simbólico dos fundos territoriais em território usado. Para além do fato de

não terem sido descobertas as desejadas minas de ouro, os caminhos utilizados

nessas entradas não passavam de trilhas indígenas apropriadas pelos

colonizadores, muitas vezes ligando um sertão a um outro sertão, configurando-se

apenas como rotas de reconhecimento ou de trânsito.

Esse quadro somente começou a ser alterado na última década do século

XVII, com as primeiras notícias das descobertas auríferas nos sertões de

Sabarabuçu, localizados no interior das capitanias do sul da América Portuguesa,

Page 272: TRAMAS QUE BRILHAM

272

produzindo um intenso e rápido movimento migratório para essa região.

Entrementes, nem mesmo o ouro e o fluxo migratório foram capazes de alterar o

conteúdo simbólico do sertão enquanto um espaço marcado pela ausência de

civilização; na verdade, essa característica foi reforçada, em virtude dos inúmeros

conflitos sociais que resultaram das disputas travadas pela posse e controle das

minas. O que se clarifica nesse movimento contraditório é que a mudança da

configuração territorial brasileira iniciada no século XVIII não pode ser entendida

apenas como uma simples ocupação populacional e/ou exploração de uma nova

base econômica, ou ainda, como pontos que emergem num mapa de ocupação do

território brasileiro.

Para que os sertões auríferos (fundo territoriais) se transformassem em um

território aurífero (território usado), era necessário acrescentar a eles uma base

normativa capaz de regular a tudo e a todos sob uma única lógica: a do poder

metropolitano português. A junção dessa base normativa à massa da população

instalada nas minas e à própria atividade aurífera foi extremamente contraditória,

porque envolvia interesses divergentes e convergentes dos diferentes grupos

sociais, tanto os da Metrópole, quanto os da Colônia. A esse processo de

territorialização chamamos de Interiorização da Metrópole.

Não bastava apenas querer regular e normatizar a atividade aurífera, mas sim

fazer chegar e dar fluidez às normas e ao poder emanados dos principais núcleos

político-administrativos da América Portuguesa, localizados na faixa litorânea. Nesse

sentido, a Interiorização da Metrópole só foi possível de ser engendrada a partir do

momento em que se instalou sobre o território um sistema de circulação sob o

controle da Coroa portuguesa.

Page 273: TRAMAS QUE BRILHAM

273

Das primeiras expedições de descobrimento, no século XVII, até a abertura

do Caminho Novo (Couto e Inhomirim), o chamado “sertão das minas” passou por

inúmeras transformações sócio-espaciais, tais como crescimento demográfico,

surgimento de inúmeras vilas, degradação ambiental, dizimação da população

indígena, fixação de rede de circulação, entre outras. No entanto, a Coroa ainda não

havia conseguido se instalar efetivamente com seu cetro de poder nessa área,

objetivando maior controle e arrecadação de impostos sobre a produção aurífera.

Faltava nesse novo território um sistema de circulação capaz de garantir maior

fluidez para o escoamento do ouro, das mercadorias vindas do litoral e dos gêneros

da terra, bem como maior fluidez ao poder régio, que chegava nas minas muito

difuso e lentamente. Por outro lado, esses caminhos de circulação interna

precisavam ser abertos e controlados pelos vassalos do Rei que, sendo portugueses

ou “brasileiros” (homens coloniais), viam neles a possibilidade de definir seus

territórios sobre um fundo de território ainda a ser apropriado e usado, logo, abrindo

espaço para um território cuja delimitação de poder se caracterizaria pela alteridade.

Os Caminhos Novos do Couto e, principalmente, o de Inhomirim

proporcionaram a dinamização, a normatização e, conseqüentemente, o maior

controle dos processos sócio-espaciais já instalados nas Minas Gerais em anos

anteriores, bem como o surgimento de novos conflitos na definição do controle do

território ao longo de todo o seu percurso. Podemos dizer que com o Caminho Novo

do Couto e Inhomirim novos fixos e fluxos, representativos das forças hegemônicas

e hegemonizadas, se densificaram no território, garantindo e viabilizando “a

Interiorização da Metrópole” e a transformação da configuração territorial brasileira.

Os caminhos sozinhos, isto é, apenas com seus leitos abertos, não eram

capazes de garantir as transformações sócio-espaciais que viriam em breve alterar a

Page 274: TRAMAS QUE BRILHAM

274

configuração territorial brasileira e garantir, durante todo o século XVIII, a dinâmica

urbana vivenciada nas Minas Gerais. Para adquirirem essa “eficiência”, os caminhos

foram enriquecidos com um complexo sistema de fixos e fluxos.

Page 275: TRAMAS QUE BRILHAM

275

BIBLIOGRAFIA

1) Documentos manuscritos e mapas

Anotações de Documentos do IPHAN; Arquivo nacional e Arquivo Histórico Ultramarino sobre a concessão e demarcação de sesmarias no Rio de Janeiro; relação de freguesias do termo da cidade (séc. XVI a XVIII); Caminhos do Couto; Inhomirim e do Tinguá. IHGB, Coleção Enéas Martins Filho, Lata 774, n. 4.

Caminhos do Inhomirim e do Couto, Estrada Ouro Preto – Rio, Estrada União e Industria; roteiro Miguel Pereira/Paraíba do sul; fontes cartográficas dos Caminhos do Ouro. IHGB, Coleção Enéas Martins Filho, lata 772, pasta 34.

Caminhos no século XVIII. IHGB, Coleção Enéas Martins Filho, Lata 218, doc. 7.

Cópia de outra escrita no século XVIII, a qual existe na Biblioteca Real da Ajuda, em um códice com o título: Govêrno Próximo de Portugal. Tomo I, folhas 450 a 467. Rodrigo Vicente de Almeida (o Official da mesma Biblioteca) IHGB, Coleção Enéas Martins Filho, lata 218, Doc. 7

Distância em léguas do Porto da Estrela a Vila Rica. (fichas) – IHGB, Col. Eneas Martins Filho. LATA 770, N. 11

Distancia em léguas do Porto da Estrela a Vila Rica. . IHGB, Coleção Enéas Martins Filho, Lata 770, n. 11.

Esquema dos Caminhos Rio-São Paulo-Minas Gerais (séc. XVIII e XIX) com comparações das etapas através dos diferentes caminhos citados e citação das fontes. . IHGB, Coleção Enéas Martins Filho, Lata 772, pasta 72.

Etapas do Itinerário Rio-Minas, do Porto da Estrela a Borada do Campo (Minas) com a distância expressa em horas de viagem e Kms. (em folhas soltas). . IHGB, Coleção Enéas Martins Filho, Lata 767, pasta 53.

Indicação dos primitivos caminhos do Rio de Janeiro a Minas Gerais: 9 fragmentos de mapas (reproduções); estudos (Enéas Martins Fº) dos Caminhos Velho (de Parati); do Couto ou Novo de Garcia Rodrigues, do Inhomirim, de Terra Firme ou de Estevão Pinto e Estrada do Comércio. IHGB, Coleção Enéas Martins Filho, Lata 772, pasta 61.

Mapa da Maior Parte da Costa e Sertão do Brasil. Extraído do Original do Pe. Coclio. ca..1699. AHEX. (nº23-24. 2798; CEH 1530).

Os Caminhos para as Minas. IHGB, Coleção Enéas Martins Filho, lata 774, n.8

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2) Documentos impressos

Alvará em forma de lei, prohibindo aberturas de novos caminhos ou picadas para as Minas, em que já houver forma de arrecadação da sua real fazenda [...]. Registro de Alvarás e Ordens Régias, cartas Patentes, Sesmarias e Doações. RAPM, ano XX, 1924, p.511.

Alvará Régio em forma de Lei providenciando sobre os descaminhos dos quintos do ouro das minas do Sul. (Lisboa / 10-12-1695). RIHGSP, São Paulo, 1913, vol. 18, p.286.

Anônimo. “Informações sobre as Minas do Brasil”. Cópia IHGB, lata 218, documento 7.

Carta da Câmara de São João Del Rey ao Rei. RAPM, ano II, fasc. 2, abril/junho 1897, p.298.

Carta de Álvaro da Silveira de Albuquerque ao Rei, 15 de março de 1705. RIHGB, t. 84, 1920, p.35.

Carta de Baltasar de Godoy Moreira a Dom Pedro II. Minas Gerais, 31/07/1705. Arquivo Histórico Ultramarino – Rio de Janeiro. 3101. Apêndice documental. In: Antonil (2001).

Carta de Dom João de Lancastro a João de Góis, Bahia, 05/03/1701. Arquivo casa Cadaval. Código 1087, f.482. Apêndice Documental. In: Antonil (2001, p.431).

Carta de Dom Lourenço de Almeida – Vila Rica, 30/09/1728. RAPM, Belo Horizonte, 1980, ano 30. p.246-248.

Carta de Dom Pedro de Almeida à sua Majestade, informando e mostrando a conveniência de se fortificar o Parayha que é a chave das minas. RAPM, ano XX, 1924, p. 480.

Carta de Garcia Rodrigues Pais a Dom Pedro II. Rio de Janeiro, 30/08/1705. AHU – RJ – 3095. Apêndice Documental. In Antonil (2001).

Carta de João Pereira do Vale a D. Pedro II. Rio de Janeiro, 07/12/1705. Arquivo Histórico Ultramarino – Rio de Janeiro – 3100. Apêndice Documental. In: Antonil (2001).

Carta do Conde de Assumar ao Rei de Portugal. Vila do Carmo, 03/02/1719. RAPM, 1898, ano 3, fasc. I, abr./jun., 1998, p. 262.

Carta do governador do Rio de Janeiro, Dom Álvaro da Silveira e Albuquerque ao Rei D. Pedro II. Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. Vol. LI, p.128. Arquivo do Estado de São Paulo.

Carta do Governador do Rio de Janeiro ao Rei, 14 de junho de 1703; Papel de Garcia Rodrigues Paes, 8 de junho de 1703. – RIHGB, t 84, 1920, pp. 28-9.

Carta Régia a Artur de Sá e Menezes, 15 de Novembro de 1701. RIHGB, t.84, p.28.

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Carta Régia 14/08/1711 comunicando que além de outras, faz mercê a Garcia Rodrigues Paes, pelos serviços da abertura do caminho novo, de uma vila na paragem de Parahyba do Sul. RAPM, Ano XX, 1924, pp.512-13.

Carta Régia pela qual se mandaram passar cartas de sesmaria a Garcia Rodrigues Paes e a seus 12 filhos das terras que se lhe fizera mercê, em recompensa dos serviços que prestara na abertura do caminho para as Minas. Inventário dos Documentos relativos ao Brasil existentes no Archivo de Marinha e Ultramar de Lisboa. Rio de Janeiro. Annaes da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1924, vol. XLVI, pp. 32-3.

Cartas Patentes passadas por dom Braz Baltazar da Silveira a Mathias Barbosa em 17/12/1716. RAPM, ano XXI, fasc. III e IV, jun./dez., 1927, p. 642.

Certidão de uma carta Regia a Garcia Rodrigues Paes em que S. Mag. Foi servido resolver, que o mesmo possa nomear guardas-mores, seus substitutos [...] 02/05/1703. RAPM, ano XX-1924, 1926, p.442.

Certidão de uma provisão em que S. Mag. fez mercê a Garcia Rodrigues Paes, do cargo de guarda-mor das Minas de São Paulo [...] – 19/04/1702. RAPM, ano XX-1924, 1926, p.442.

Clamores e Supplicas das Câmaras em nome do povo. RAPM, ano II, fasc. 2, abril/ junho 1897, p.280.

Coleção abreviada da legislação e das autoridades de Minas Gerais. Conselho Ultramarino; Lisboa ocidental, 03-07-1739. In: Códice Costa Matoso (1999).

Cópia do que o povo das Minas amotinado, pediu ao senhor general Dom Pedro de Almeida Portugal, Conde de Assumar. José Peixoto da Silva; Vila Rica, 28-06-1720 Códice Costa Matoso (1999).

Copia do papel que o Senhor Dom Joam de Lancastro fez sobre a recadaçam dos quintos do ouro das minas que se descobrirão neste Brazil na era de 1701. Bahia, 12/01/1701. Arquivo Casa de Cadaval. Códice 1087, ff. 488-490. Apêndice Documental. In: Antonil (2001).

Diário da Jornada que fez o ouvidor Caetano da Costa Matoso para as Minas Gerais e itinerários geográficos com verdadeira descrição dos Caminhos, estradas, sítios... Composto por Francisco Tavares de Brito [...] 1732 [...]. In: Códice Costa Matoso (1999).

Exposição do Governador D. Rodrigo José de Menezes, sobre o estado de decadência da Capitania de Minas Gerais e meios de remedia-lo. RAPM, ano II, fasc. 2, abril- junho de 1897, pp.321-22.

Impostos na Capitania Mineira. Clamores e Supplicas das Câmaras em nome do povo. RAPM, ano II, fasc. 2, abril a junho de 1897, pp. 289-290.

Informações das antiguidades da Cidade de Mariana. Caetano da Costa Matoso, Mariana, 1750. In: Códice Costa Matoso, (1999).

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Informação do Estado do Brasil e de suas necessidades. RIHGB, t.25, 1926, p.473.

Informação do Governador Gomes Freire de Andrade a que se refere à provisão antecedente. Rio de Janeiro, 15 de Agosto de 1736. AHUL, 10.651. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965).

Informação sobre as minas de São Paulo e dos sertões da sua capitania desde o ano de 1597 até o presente 1772. RIHGB, t. 64, v. 103, 1901. p. 53.

Informação sobre os registros das passagens de Parahiba e Parahibuna e os direitos que indevidamente nelles cobrava o Capitão-mor Garcia Rodrigues Paes. Annaes da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1924, vol. XLVI, 1934, p. 32.

Itinerário Geográfico com a verdadeira descrição dos caminhos, estradas, roças, sítios, povoações, lugares, vilas, rios, montes e serras que há da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro até as Minas do Ouro. Composto por Francisco Tavares de Brito. Sevilha. Na Oficina de Antonio da Silva MDCCXXXII [1732]. Com todas as licenças necessárias. In: Códice Costa Matoso (1999, pp. 898-910).

Notícias do descobrimento das minas de ouro e dos governos políticos nelas havidos. Anônimo, Minas Gerais, 1750. In: Códice Costa Matoso (1999).

Notícias do que ouvi sobre o princípio destas Minas.. Anônimo; Vila Rica, 1750. In: Códice Costa Matoso (1999).

Notícias dos primeiros descobridores das primeiras minas de ouro pertencentes a estas Minas Gerais, pessoas mais assinalada nesses empregos e dos mais memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios. Bento Fernandes Furtado. Minas Gerais, 1750. In: Códice Costa Matoso (1999).

Ordem Régia a Lourenço de Almeida, 15 de março de 1731. APM. Sc 29, f. 146. Cf Andrade (2002, p.213).

Ordem Régia pela qual se louvou o Governador do Rio de Janeiro e se mandou agradecer ao Sargento-mor: Bernardo Soares de Proença a serviço que prestará na abertura, à sua custa, do novo Caminho das Minas por Inhomirim. Lisboa, 28 de janeiro de 1728. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965).

Ordem Régia pela qual se mandaram afixar editais em que se declarasse pública e livre a navegação do Rio do Pilar. Lisboa, 14 de Junho de1725. AHUL. 10.654. Apêndice Documental. In Martins Filho (1965).

Parecer de Francisco Dantas Pereira em consulta ao Conselho Ultramarino de 28/08/1706 RIHGSP, v.57, 1955,

Patente passada ao capitão-mor Garcia roiz Velho, do novo descobrimento das Esmeraldas. RAPM, ano II, fasc. 4, out./dez. de 1897, p.780.

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Portaria pela qual se fez mercê a Garcia Rodrigues Pais da Vila que pretendia edificar na passagem do Rio Paraíba do Sul (20/04/1703). AHUL 10.657. Cf. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965).

Portaria. AHUL. 7.833. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965).

Provisão de Artur de Sá e Meneses concedendo a Garcia Rodrigues Paes o uso exclusivo, por dois anos, do caminho por este aberto entre o Rio de Janeiro e os campos gerais. Rio de Janeiro, 2 de outubro de 1699. RIHGSP, São Paulo, 1913, v.18, p.363.

Provisão do Conselho Ultramarino, na qual ordena que o Governador do Rio de Janeiro informe sobre a petição de Francisco Gomes Ribeiro relativa à proibição da abertura de novas picadas para as minas. Lisboa, 06 de Fevereiro de 1736. AHUL. 10.650. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965).

Provisão Régia sobre passagem do Rio Paraibuna de 07 de dezembro de 1704. DIHCSP, v.49, 1929, pp.136-37.

Provisão resolvendo que as sesmarias de terras fossem concedidas, sejam de uma legoa em quadra respeitando as que já foram concedidas. RAPM. Ano XX, 1924, p. 425.

Regimento da Capitação. Gomes Freire de Andrade; Vila Rica, 1735. In: Códice Costa Matoso (1999).

Regimento do Superintendente, Guardo-mor e mais officiaes das minas de Ouro de São Paulo, de 19/04/1702. Original consta no Arquivo Histórico Ultramarino, São Paulo –65, bem como no Arquivo Público Mineiro, seção Colonial 01. Apêndice Documental. In: Antonil (2001).

Registro de alvarás, ordens, leis, decretos e cartas régias. Livro Quinto (1704-1735). RAPM, ano XX, 1924, p.511.

Relação de algumas antiguidades das Minas. Anônimo; Vila Rica, 1750. In: Códice Costa Matoso (1999).

Requerimento de Antônio de Proença Coutinho, morador do Rio de Janeiro, no qual pede que não fosse deferida a petição de João Rodrigues dos Santos na parte que se refere à proibição da passagem pelo Caminho de Inhomirim. AHUL. 10.643. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965).

Requerimento de João Rodrigues dos Santos, morador do Rio de Janeiro, no qual pede que se lhe passe provisão do Novo contrato das passagens das canoas do Rio do Pilar, para o Couto no caminho das Minas (1736). AHUL. 10.648. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965).

Requerimento do Capitão-mor Francisco Gomes Ribeiro, residente no Rio de Janeiro, em seu nome e dos demais vizinhos, senhores de Fazendas em Guaguaçu, no Caminho das Minas, no qual pede que não se abram novas picadas para as Minas Gerais, para evitar os descaminhos dos Quintos Reais. AHUL. 10.642. Apêndice Documental. In:Martins Filho (1965).

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Requerimento do Tenente Coronel Bernardo Soares de Proença, relativo a abertura de um caminho para as Minas Gerais pela Serra do Mar. 1733. AHUL. 7832. In: Annaes da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1924, vol. XVVI. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1934, p. 151.

Requerimento dos moradores do Rio Inhomirim, no qual pedem autorização para construírem à sua custa o Novo Caminho para as Minas do Ouro, de que fôra encarregado Garcia Rodrigues Pais e a que não dera execução e concessão de tôdas as mercês e terras dadas ao mesmo. AHUL. 4.398. Apêndice Documental. In: Martins Filho (1965).

Resposta de João de Góis a D. João de Lancastro. Bahia, 06/03/1701. Apêndice Documental. In: Antonil (2001, p.433).

Rol dos antigos povoadores de Minas Gerais. (ROL DA CASA DOS CONTOS –1717). Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro v. 25 Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. Imprensa Nacional, 1943., Documentos do Arquivo da casa dos Contos de Minas Gerais, p. 108-109).

Roteiros de uma obra das primeiras bandeiras paulistas. Willhelm Josttem Glimmer. RIHGSP, vol. IX, 1898-1899, pp. 329-350

3) Obras de referência

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BLUTEAU, Raphael. Vocabulario português e latino. (CD Room). Rio de Janeiro: UERJ, 2000.

Códice Costa Matoso. Coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na Amnérica que fez o doutor Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que tomou posse em fevereiro de 1749 & outros papéis. V.1. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999. – (Coleção Mineiriana, Série: Obras de Referência).

Códice Costa Matoso. Coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na Amnérica que fez o doutor Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que tomou posse em fevereiro de 1749 & outros papéis. V.2. Glossário, Biografia e Índices. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999. – (Coleção Mineiriana, Série: Obras de Referência).

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4) Jornais

JORNAL O GLOBO. “Caminho do Ouro: Estrada Real ganha novos roteiros em Minas Gerais e no Rio”. Caderno Boa Viagem. Quinta feira, 19 de fevereiro de 2004.”

REVISTA ENCONTRO. “Estrada Real – Especial – Deus samba: saiba porque o Programa Estrada Real se firma como um dos mais importantes roteiros turísticos do Brasil sendo, inclusive, tema de Carnaval da Mangueira”. fev. 2004.

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5) Sítios eletrônicos

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6) Livros, dissertações, teses e artigos

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-----. Capítulos de História Colonial: 1500 - 1800. 7 ed. rev. anotada e prefaciada por José Honório Rodrigues. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Publifolha, 2000. (Grandes nomes do pensamento brasileiro).

ABREU, Maurício de Almeida. Pensando a cidade no Brasil do passado. In: CASTRO, I.E. de; GOMES, P.C. da C.; CORRÊA, R.L. (orgs.) Questões atuais da reorganização do território. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

-----. A apropriação do território no Brasil Colonial. In: CASTRO, I.E. de; GOMES, P.C. da C.; CORRÊA, R.L. (orgs.). Explorações Geográficas: percursos no fim do século. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

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