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Monografia - Parte textual e...
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INTRODUÇÃO
A temática desenvolvida neste trabalho tem por base o princípio da função
social da propriedade (arts. 5°, XXIII; 170, III; 182, §2°, e 186, caput, da CF), e todos
os seus reflexos na propriedade imobiliária, inseridos, por sua vez, em um tema mais
abrangente, dos princípios constitucionais e institutos tutelados pelo direito civil.
O tema em tela, saindo da teoria para a prática, torna-se bastante
interessante, bem como atual, haja vista que através da Justiça Social, defendida
pelo princípio, a propriedade deve ser utilizada no sentido de proporcionar amplas
oportunidades para todos, comportando, neste caso, desapropriações para a
promoção ao acesso à propriedade urbana ou rural, dos sem-terra ou sem-
habitação, com o objetivo de melhorar a condição de vida dos hipossuficientes.
A abordagem desta temática não tem por finalidade incentivar a invasão de
terras, ou suprimir a instituição da propriedade privada, direito constitucional
garantido ao legítimo proprietário do bem imóvel, mas sim caracterizar os requisitos
para que haja efetivo cumprimento da função social da propriedade, nos termos
propostos pela lei.
O objetivo geral desta pesquisa foi discutir o instituto da função social da
propriedade no país, bem como seus reflexos no imóvel urbano e rural. Os objetivos
específicos foram investigar a evolução histórica do instituto, comparar a norma
Constitucional com leis extravagantes e legislação internacional e elucidar a
aplicação prática do instituto.
A presente pesquisa científica possui vertente metodológica qualitativa,
método de abordagem dedutivo e método jurídico sociológico sob a linha dogmática.
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É classificada, ainda, como exploratória, no que se refere aos objetivos gerais; e
bibliográfica, com relação aos procedimentos técnicos utilizados.
O marco teórico tem por base a Constituição Federal de 1988 e legislações
complementares, com destaque a legislação urbanística e agrária. Grande
contribuição acerca desta pesquisa foi dada pelos doutrinadores, sobressaindo-se a
obra de Luciano de Souza Godoy, base estrutural deste trabalho monográfico, com
contribuições de Uadi Lammêgo Bulos, na área constitucional, Nelson Nery Junior,
Silvio Rodrigues, Maria Helena Diniz e Silvio de Salvo Venosa, na área cível. Não
menos importantes como bases de sustentáculo desta pesquisa estão às obras de
Pinto Ferreira, Marcelo Beserra, João B. M. de Souza, Hugo de Brito Machado, Hely
Lopes Meirelles e Paulo Guilherme de Almeida. Também foram utilizados artigos de
Juliano Taveira Bernardes, Carlos Araújo Leonetti, José Barroso, Máriton Silva Lima
e Marco Abreu Aurélio Bicalho de Chagas.
A presente pesquisa científica é composta de três capítulos. O primeiro
capítulo aborda a evolução do conceito de propriedade no decorrer do tempo, e sua
decorrente relativização em favor do bem comum, com isso, “prepara o terreno” para
o aparecimento do princípio da função social da propriedade. Já o segundo capítulo
mostra a positivação legal deste princípio em todas as Constituições Federais,
outorgadas ou promulgadas, até a presente data, bem como em legislações
esparsas. O terceiro e último capítulo aborda as bases do principio da função social
da propriedade trata, mais especificamente, das modalidades do imóvel urbano e
agrário, especificamente, e toda influência que a função social da propriedade
exerce sobre os mesmos.
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CAPÍTULO I
EVOLUÇÃO HISTÓRICA
1.1 A Propriedade na Antiguidade
Desde os tempos mais remotos do surgimento do homem a propriedade
esteve presente. Não através da propriedade imobiliária, já que naquele momento
esta não era considerada de forma individual, ou pelos povos serem nômades,
organizados em clãs ou tribos, e às vezes, em famílias; mas em razão dos utensílios
domésticos e armas que se apresentavam como suas propriedades privadas
individuais(GODOI, 1999).
Com efeito, Gumersindo de Azcárate, estudioso acerca da Teoria Coletivista
da Propriedade, afirma que a sociedade primitiva não conheceu outra forma de
propriedade a não ser a familiar, a grupal e a tribal. Seguem-no, entre outros
doutrinadores espanhóis, Pérez, Pujol Costa, Urenã, Altamira, etc(BARROSO,
2005).
Na Grécia, embora sejam esparsos os registros a respeito, admitia-se alguma
forma de propriedade privada. Atestava-se, desde a época mais antiga, a prática da
divisão e atribuição de terras entre vários livros familiares, consubstanciada em uma
propriedade imóvel familiar. A idéia de propriedade individualmente considerada só
foi se consolidando, de forma lenta, a partir do fim do século VII a.C. , e início do
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século VI a.C.(GODOY, 1999) Todavia, foi justamente na Grécia que surgiram as
origens do princípio da função social, através das lições de Aristóteles, o primeiro a
entender que aos bens se deveria dar uma destinação social, e ensinava que “ a
propriedade deve ser comum, mesmo permanecendo particular” (BERNADES,
2005).
No Direito Romano, o conceito de propriedade só começou a aproximar-se de
sua fisionomia atual no período pós-clássico (século IV a VI d. C.). Não se
encontrava definição de propriedade em texto nenhum romano. A definição –
proprietas et jus utendi et abutendi – só foi mencionada por autores a partir da Idade
Média , no século XIV(GODOY, 1999).
Na sociedade romana arcaica (século II a. C.), presume-se a propriedade
como coletiva e não dividida, pertencia as gens. O pater famílias detinha todo poder
sobre essas gens, o que abrangia a terra (fundus), os escravos e os animais. O
poder do pater famílias era uma mistura de elementos públicos e privados. Por muito
tempo, o patrimônio familiar ficou sendo propriedade exclusiva do pater famílias,
com características marcantes e típicas do dominum ex iuri quiritum : é perpetua,
exclusiva, absoluta, isenta de impostos, extensiva a tudo que se encontrava acima e
abaixo do solo, e sujeita a um pequeno número de limitações(BOBBIO, 1983 apud
GODOY, 1999 ).
Com o decorrer do tempo, grandes extensões de terras foram se
concentrando nas mãos de poucos (nobres, patrícios e uma elite de plebeus), que
detinham um verdadeiro direito real de fruição sobre elas, decorrentes de
concessões do Estado, fazendo, com isso, com que a plebe insurgir-se. Em 367 a.
C., foi editada uma lei muito importante pelos tribunos da plebe, a Licinae Sextiae,
que determinava um limite máximo de área que uma pessoa podia deter de posse
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de uma ager publicus, que assim eram considerados os terrenos cultiváveis
pertencentes ao estado, oriundos, geralmente, de ocupação bélica sobre inimigos
vencidos.
A crise da pequena propriedade rural, o aumento do número de latifúndios e o
declínio da autoridade estatal, incapacitada de reagir contra a invasão dos bárbaros,
caracterizaram a última fase do império. Desencadeou-se um processo de
estruturação econômica e social com característica pré-feudais, pela formação de
alguns tipos precários de propriedades(BOBBIO, 1983 apud GODOY, 1999).
1.2 A Propriedade na Idade Média
Durante a Idade Média, predominou no continente europeu o feudalismo,
como sistema social, político e econômico dominante. Teve repercussão direta na
forma de apropriação e manutenção da propriedade imobiliária da terra, podendo,
até mesmo, dizer que ocorreu o fim da propriedade como era entendida no Direito
Romano(GODOY, 1999, p.22).
A desintegração da propriedade causou fragmentação do domínio (direto e
útil). O titular do domínio direto, proprietário do imóvel (do solo e da terra), cedia, a
um vassalo, determinada área de sua propriedade, que podia explorar da forma que
lhe conviesse. Reservando o domínio direto, preservava uma obrigação com o
vassalo, que este deveria retribuir com armas, dias-trabalho, alimentos, entre outras
coisas. Era a prestação servil de vassalo a senhor.(BOBBIO, 1983 apud GODOY,
1999)
O primeiro Senhor, muitas vezes, o Rei, constituía uma relação de
vassalagem, em troca dos benefícios mencionados, especialmente armas e homens
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pra a sua proteção. Esse vassalo, por sua vez, constituía outras relações com
terceiros, agora na condição de senhor feudal, o qual mantinha poderes políticos,
podendo inclusive aplicar a lei e cobrar impostos. E, pouco a pouco, estendeu-se
uma rede de inter-relacionamentos políticos, jurídico, social e econômico, refletindo
em uma assistência recíproca, de auxílios e alianças(PEREIRA, 1982 apud GODOY,
1999, p.22).
O escravo, por sua vez, era sucedido pelo servo mais simples, desenvolvendo
suas atividades num pequeno espaço de terra. Possuía uma liberdade individual
restrita, pois devia trabalhar determinados dias para o senhor de suas terras,
pagando altos impostos e fornecendo alimentos(GODOY, 1999).
No feudalismo, a propriedade imóvel tinha um significado diferente, era
sinônimo de poder, tinha um grande valor político, pois dentro da terra o nobre tinha
soberania, cobrava tributos, distribuía justiça, fazia guerra e celebrava a paz.
A relação de servilismo tornou-se abusiva, e por isso foi o tema principal na
Revolução Francesa. Realizada a libertação das propriedades ocupadas pelos
servos dos ônus, a unidade do direito de propriedade foi restaurada. Foi assim
chamada reunificação dos poderes inerentes à propriedade imobiliária, nas mãos
daqueles que possuíam a posse, e assim trabalhava e produzia(GODOY, 1999).
Importante destacar que as idéias que predominaram no período feudal ainda
restam difundidas na forma de pensar de algumas pessoas no Brasil moderno. Para
estas, a propriedade imobiliária é uma expressão de poder, exemplificadas pela
exploração do trabalho precário, na condição análoga à escravidão, e na exploração
do trabalho infantil(GODOY, 1999, p.24).
1.3 A Revolução Francesa – Reflexos na Concepção de Propriedade
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Com a Revolução Francesa, eliminou-se a hierarquia social que havia no
feudalismo, unificando-se o conceito de propriedade em patamar de paridade com a
liberdade e a igualdade, a propriedade privada passou a ser considerada como pilar
estrutural dessa sociedade. Na tentativa de igualar os homens, cada um passou a
valer menos pelos títulos de nobreza e mais por seu patrimônio. Era a ascensão da
burguesia, que detinha muito capital acumulado, como classe social.
Em 1789, com o advento da declaração de Direitos do Homem e do Cidadão,
em seu art. 17, considera o direito à propriedade inerente à natureza humana; e
surgiu o princípio da desapropriação por utilidade pública, inserto no Código de
Napoleão.
Já com o aparecimento do Código Civil Francês em 1804 – o Código de
Napoleão – que exprimia todas as idéias liberais desenvolvidas pela Revolução
Francesa, a propriedade privada como direito individual foi colocada como núcleo do
ordenamento jurídico. Este é um grande marco no Direito mundial, especialmente
quanto à regulamentação amplamente liberal que deu à propriedade. Resultado
jurídico das idéias econômicas do início do século XIX, e também da reestruturação
política sofrida em face da Revolução Francesa, representando ponto importante na
concepção histórica do conceito de propriedade privada e individual, em que cada
coisa possui apenas um dono de direito e de fato (GODOY, 1999).
O parágrafo 1º do art. 1.228 do atual Código Civil pátrio, determina que o
direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as finalidades
econômicas e sociais, uma restrição direta e expressa ao direito de fruir e dispor da
coisa do modo mais absoluto, idéia essa que perdurava até o código civil de 1916,
que colocou, em seu bojo, limitações e se visto o seu conceito de propriedade, de
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forma isolada, se concluiria por ser um conceito absolutista, oriundo da concepção
trazida pela Revolução Francesa, positivada pelo Código de Napoleão.1
As normas do Código Civil francês serviram de inspiração para inúmeras
legislações do século XIX, tanto da Europa ocidental, como é o caso dos códigos
civis da Bélgica (1807), Áustria (1811), Itália (1865), e o clássico Código Civil Alemão
(1896) ; quanto americanas, com destaque ao Código Civil Argentino (1869). Todas
estas legislações de natureza ultra-liberal, enfocando a família, a propriedade
privada individual e a autonomia de vontade entre as partes, colocando como pilares
do arcabouço jurídico privado(GODOY, 1999).
1.4 Os Movimentos Antipropriedade Privada do Século XIX
Na primeira metade do século XIX, e com a conseqüente evolução econômica
pela qual passava a Europa, por força da Revolução Industrial, os códigos civis
mencionados sofreram forte influência da concepção econômica liberal. Essa corrida
desenfreada pelo liberalismo, considerado posteriormente como “capitalismo
selvagem”, teve de enfrentar, em contrapartida, varias teorias filosóficas e jurídicas.
O direito à propriedade privada, como direito individual, tinha caráter meramente
formal, pois só podiam usufruir os que tivessem condições materiais para tanto,
grande parte do povo não podia gozar desse direito, ficando, deste modo, restrito
apenas a classe burguesa (ALMEIDA, 1980, p.12).
Em meados do século XIX, Marx e Engels, pelo ”Manifesto do Partido
Comunista”, com ideais comunista-socialista, criou um dos marcos históricos para a
1 O código civil de 1916 não incrementou a função social da propriedade, limitando-se a regular genericamente os caso de necessidade e utilidade pública, para fins de desapropriação (art. 590 e §§1º e 2º), e de requisição de bens por autoridade pública (art. 591, parágrafo único).
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evolução do conceito de propriedade privada, ou sua negação, no que toca a
propriedade agrária e seus bens de produção. Com base nesses ideais ocorreu a
Revolução Russa em 1917, implantando a sociedade comunista, na qual os bens de
produção pertenciam ao Estado. Na esfera agrária, as fazendas coletivas eram
administradas pelo Estado ou pelos próprios campesinos, em forma de cooperativa.
Ainda merece destaque, na Filosofia e no Direito, a Teoria da Especificação ,
desenvolvida por Locke, Mac Culloch, Guyot e Rousseau, que alegava que a
propriedade resultava do trabalho, e apenas da atividade laboral a coisa era
incorporada ao indivíduo.
Contemporânea a esta ultima vertente, surgiu a Teoria Legalista, com Hobbes
e Montesquieu como sustentáculo. Preconizava, esta teoria, que a propriedade era
uma concessão do Estado, e negava sua existência antes da criação deste
último(GODOY, 1999).
Para Grócio, em sua Teoria da Ocupação, aquele que primeiro ocupasse o
bem detinha sua propriedade privada.
Em contraponto, Proudhon sustentava a Teoria Negativista da Propriedade,
que dizia que a propriedade privada é um roubo e deveria ser abolida do
ordenamento jurídico, por atentar ao princípio da igualdade. Procurava, ainda,
rebater os argumentos defendidos por todas as outras teorias (especificação,
legalista e ocupação) (GODOY, 1999).
É de se observar que com o final do século XX, e início do século XXI, e a
queda sistemática do regime comunista, muitas dessas teorias filosóficas perderam
sua força. Entretanto, sua explanação se torna importante, face à demonstração de
toda uma evolução histórica sofrida pelo conceito de propriedade privada, até a sua
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relativização, posteriormente, com a pacificação em torno do cumprimento da função
social da propriedade.
1.5 A Propriedade no Século XX
No final do século XIX, os distúrbios sociais ganharam notoriedade mundial e
a questão do direito de propriedade foi alvo de questionamentos. Desta forma a
concepção individualista da propriedade teve que ser revista. Neste contexto é que
surge a idéia de condicionar o direito à propriedade à sua utilização ao bem comum
(BARROSO, 2005).
Com isto, verifica-se que a propriedade privada já não se molda ao conceito
jurídico de propriedade oriundo do antigo Código Civil francês de 1804, o qual
concedia ao titular do domínio um direito absoluto, sem limites e obrigações. As
constituições de vários paises, bem como seus códigos Civis, consideram sempre a
propriedade privada ligada ao cumprimento de uma função social que lhe é inerente,
isto sobre todas as suas formas, quer imobiliária ou mobiliária, quer urbana ou
agrária(GODOY, 1999).
Com o advento do chamado Estado Social, que a doutrina costuma situar na
segunda década do século XX, e a promulgação das constituições do México, de
1917, e da Alemanha, de 19192, mais conhecida como Constituição de Weimar, em
homenagem a cidade onde foi elaborada, a situação começou a mudar de forma
mais rápida e drástica(LEONETTE, 2005).
2 A desapropriação por interesse social, resultante do conceito de função social da propriedade, foi inserto na maioria das constituições modernas, depois da Segunda Guerra Mundial, principalmente na Constituição de Weimar (Alemanha) de 1919. Que em seu art. 153, estabeleceu por inspiração dos civilistas Martin Wolff e Otto Von Gierke os princípios de que “a propriedade obriga”(Eigentum verpflichtet) e da “função social da propriedade” (Gebrauch nach Gemeinem Besten).
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No campo doutrinário, o francês Léon Duguit tem sido considerado o
precursor da moderna concepção do direito de propriedade, lastreada na idéia de
que esta deva cumprir a sua função social. Em ciclo de palestras proferidas na
Argentina (Buenos Aires), em 1911, convertidas, posteriormente, em livros
publicados em Paris, Duguit expôs a revolucionária idéia de que o proprietário não é,
em verdade, titular de um direito subjetivo mas, apenas, o detentor de uma riqueza,
uma espécie de gestor da coisa que devia ser socialmente útil. São suas estas
palavras:
A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do individuo e tende a se tornar a função social do detentor da riqueza mobiliária e imobiliária; a propriedade implica para todo detentor de uma riqueza a obrigação de empregá-lo para o crescimento da riqueza social e para a interdependência social. Só o proprietário pode executar uma certa tarefa social. Só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; a propriedade não é, de modo algum, um direito inatingível e sagrado, mas um direito em contínua mudança, que se deve modelar sobre as necessidades sociais às quais deve responder. (GOMES 1986 apud LEONETTI, 2005) (grifos do original).
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, conquista jurídica da vitória
das potências democráticas contra paises do regime autoritário, nazista e fascista,
aprovada em 10 de dezembro de 1948, por iniciativa da ONU, estabelece:
Art. XVII (...) 1- Toda pessoa tem direito à propriedade, individual e coletivamente. 2- Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
A Declaração dos Povos da América aprovada em reunião de 1961, em Punta
Del Este, consagrou a limitação do direito da propriedade da terra, defendendo a
realização de programas de reforma agrária integral tendente à efetiva
transformação, onde for necessária, das estruturas e dos injustos sistemas de posse
e exploração da terra.
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O Papa João Paulo II, dirigindo-se aos indígenas do México, em 29 de janeiro
de 1979,foi enfático: “... sobre a propriedade privada pesa sempre uma hipoteca
social, para que os bens sirvam ao destino geral que Deus lhes deu”. Em 1987, na
encíclica Laborem Exercens, observou que a propriedade privada deve ter uma
finalidade social ou servir ao bem comum da sociedade (LIMA, 2005).
No ramo do Direito Agrário a propriedade aparece com mais ênfase ligada a
sua função social, haja vista o caráter de bem de produção que a caracteriza, por
isso, é amparada por uma legislação de proteção bastante rígida. Deste modo,
direcionando o instituto jurídico, a legislação busca promover a produção
agrária(GODOY, 1999).
É a promoção da produção que estabelece um importante fator sócio
econômico, pois, uma vez que patrocina o abastecimento de alimentos e matéria –
prima, visando à manutenção da população, por meio de sua alimentação, expressa
a concessão da dignidade da pessoa humana e da cidadania das populações
diretamente ligadas ao campo. E em face deste aspecto econômico a ser
considerado, que interessa ao titular do domínio e a toda a coletividade, alguns
autores e a Doutrina Social da Igreja já falam em função socioeconômica da
propriedade (GODOY, 1999).
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CAPÍTULO II
A PROPRIEDADE NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS E NA LEGISLAÇÃO CIVIL
2.1 A Constituição de 1824
Após a independência, a primeira constituição brasileira, a do império, em
1824, outorgada pelo príncipe regente, depois de determinar o fechamento da
Assembléia constituinte que havia convocado, não se dedicou especificamente ao
tema, declarando o direito de propriedade “em toda sua plenitude”, ressalvada uma
única exceção: o uso publico indenizado do bem, quando legalmente necessário (o
que hoje se denomina utilidade pública e necessidade pública). Segundo
preceituava o seu art. 179, XXII, in verbis:
Art. 179 A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela constituição do império pela maneira seguinte: (...) XXII – É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A lei marcará os casos em que terá lugar esta única exceção, e dará as regras para determinar a indenização.
Entretanto, verifica-se desde logo a necessidade de regulamentação do
instituto, como há ainda hoje, por norma infraconstitucional. No mesmo artigo 179,
só que no inciso XVIII, determinava a criação de um Código Civil e um Código
Criminal para o Império, “fundados nas sólidas bases de justiça e equidade”. O
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Código Criminal do Império foi promulgado em 1830; todavia, o Código Civil teve de
esperar quase um século para efetivar-se(ALVES, 1993).
Para a manutenção da regulamentação das relações jurídicas, uma lei de 20-
10-1983, determinou a continuação da vigência dos diplomas legais portugueses
(Ordenações do Reino, leis, decretos, alvarás e resoluções) que tivessem sido
promulgados até 25-04-1921, devendo vigorar enquanto não tivessem sido
organizados novos códigos, evitando assim, a falta de um dispositivo legar a ser
aplicado no caso concreto. Por isso, o Direito Civil brasileiro, antes do Código Civil
de 1916, desde a sua independência e até mesmo após a proclamação da
República, esteve regulado pela legislação portuguesa, por meio das Ordenações
Filipinas de 1603- Livro IV.
Diante ao caos gerado pelos princípios civis constantes nas Ordenações
Filipinas e nas leis extravagantes, durante o Império, foi contratado o eminente
Teixeira de Freitas3, para fazer uma Consolidação das Leis Civis, concluindo seu
trabalho em 1858. A partir desta data, ficou vigorando o Direito Português, mas por
via reflexa, tendo em vista a Consolidação realizada por Teixeira de Freitas.
2.2 A Lei n° 601, de 1850 : a Lei das Terras
A formação da propriedade privada no país se dava de duas formas: carta de
sesmarias ou leis de terras. As primeiras, concedidas no Brasil sob o amparo de
uma lei portuguesa de 1375, era um contrato enfitêutico, vitalícios, que pagavam de
forma contraposta um foro, podendo ser transmitido hereditariamente. Foi esta a
forma de transmissão inicial de terras no Brasil.
3 Este jurista ainda exerce grande influência sobre o Direito Civil latino-americano, sobretudo, servindo de inspiração na criação do Código Civil Argentino.
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Em 1822, o Príncipe Regente do Brasil, D. Pedro de Alcântara, sensibilizado
pela carta de um posseiro que reclamava por ter sido expulso de uma terra que
cultivava, determinou a permanência do posseiro e suspendeu todas as sesmarias.
Diante disto, de 1822 a 1850 o país ficou sem qualquer regulamentação sobre as
terras, não havendo qualquer lei instruindo a transferência das propriedades do
Estado para o domínio privado, este período ficou conhecido como Regime das
Posses. Qualquer um poderia ocupar qualquer área, desde que já não tivesse
outrem com sua posse. Com isso, o que já era particular assim permanecia, e
poderia ser livremente transferido pelas leis civis; o que era público, as terras que
não tinham sido transferidas a particulares por sesmarias, continuava público.
Acrescenta-se que a impenhorabilidade dos bens públicos já era regra.
Assim, só com o aparecimento da Lei das Terras, lei n° 601 de 1850, pôs-se
fim a esse período de incertezas, voltando a ter uma norma regulamentando a
transferência das terras. Assim dispôs a lei:
Art. 1º Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra. (...) Art. 3º São terras devolutas: § 1º As que não se acharem aplicadas a algum uso público nacional, provincial, ou municipal. § 2° As que não se acharem no domínio particular por qualquer título legítimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em comisso por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura. § 3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apesar de incursas em comisso, forem revalidadas por lei. § 4º As que não se acharem ocupadas por posse, que, apesar de não se fundarem em título real, forem legitimadas por lei.
Neste sentido, o artigo 1º da Lei das terras de 1850 dispõe sobre as proibições de
aquisição de terras devolutas, especificando cada uma das hipóteses nos parágrafos
elencados de seu caput.
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2.3 A Constituição de 1891, e o Código Civil de 1916
Por sua vez, a primeira constituição republicana, a de 1891, manteve o
mesmo espírito da constituição anterior, colocando a propriedade como garantia
constitucional, asseverando, em seu art. 72, parágrafo 17:
Art. 72 A constituição assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) §17 O direito de propriedade mantém-se em toda sua plenitude, salvo a desapropriação por necessidade, ou utilidade pública, mediante indenização prévia.
Embora a constituição republicana não tenha inovado acerca do tema, todo o
clima de liberalismo, após a proclamação da República, foi extremamente
proveitoso, haja vista foi promulgado nosso primeiro Código Civil.
O Código Civil de 1916, logo foi criticado por sua inspiração liberal, voltado
para as idéias elaboradas no inicio do século XIX, oriundas do Código Civil Francês
de 1804 e no Código Civil Alemão, tratando-se de um diploma com bases
romanísticas. Elegendo a família, com base no casamento, o contrato, baseado na
autonomia privada das partes, e a propriedade, como direito individual, seus pilares
fundamentais.
Todavia, nenhuma destas críticas foi suficiente para manchar a importância
desse Código, já há muito tempo necessário a dirimir os conflitos oriundos da
carência de normas no ordenamento jurídico pátrio. Além de que a solidez jurídica
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emanada pelo Código foi extremamente importante ao desenvolvimento social,
político e econômico do início do século.
O Código Civil de 1916, complementado por leis extravagantes, buscou não
só especificar os direitos do proprietário, mas, também, suas limitações. Estas,
atuando sempre de forma negativa, impondo uma proibição ao titular do bem, ora
exigindo um fazer do mesmo, ora exigindo um não fazer.
Segundo Orlando Gomes, as limitações se classificam em: limitações de
direito civil, visando à coexistência pacífica dos direitos privados, presente nos
direitos de vizinhança, onde não há interesse público direto; limitações de direito
administrativo, através das restrições do Estado sobre a propriedade privada,
prevalecendo unilateralmente o interesse público, tem como exemplos a
desapropriação, tombamento, requisição, e a servidão administrativa; limitação de
direito econômico, uma vez que a lei deve reprimir o abuso do poder econômico,
caracterizado no domínio de mercado, ausência da livre concorrência e no aumento
arbitrário dos lucros; e por fim as limitações jurídicas, e que defende a normalidade
do exercício dos direitos, pois se utilizados sem legitimo interesse ou contrario a sua
destinação social, caracterizaria a prática do abuso de direito.
Ainda acerca das limitações, agora no que diz respeito à propriedade
imobiliária rural, abrangem a regra proibitiva de desmembramento abaixo do módulo
rural, a desapropriação para fins de reforma agrária, os contratos agrários
(arrendamento e parcerias), a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros e as
áreas de segurança (faixa de fronteira e margens de rodovias na Amazônia Legal)
(ALMEIDA, 1980).
Quanto aos bens públicos, o código civil de 1916 os classificou como bens de
uso comum do povo, imprescritíveis e inalienáveis, que são os bens embora
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pertencentes à pessoa jurídica de direito publico interno, podem ser utilizados por
todos sem necessidade de qualquer permissão especial desde que cumpridas as
condições impostas por regulamentos administrativos; bens de uso especial, que
são os bens utilizados pelo próprio poder público, recebendo uma destinação
especial para a pratica de um determinado serviço público; e bens dominiais, que
são bens que compõem o patrimônio publico, podendo ser alienados mediante lei
que autorize, ou convertidos em bens de uso comum ou especial(DINIZ, 2014).
2.4 As Constituições de 1934 e 1937, e Leis do Período
O condicionamento do direito à propriedade privada ao cumprimento da sua
função social somente ganhou, no Brasil, status constitucional com a carta de 1934,
inspirada no modelo alemão da Constituição de Weimar. A constituição brasileira de
1934, promulgada no período getulista, fruto da Revolução Constitucionalista de
1932, assim dispunha, nas palavras de GODOY(1999):
Art. 113 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e a propriedade, nos seguintes termos: (...) 17 – É garantido o direito à propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.
Infelizmente, como se sabe, a carta de 1934, cuja elaboração foi provocada
pela Revolução Constitucionalista de 1932, após o Movimento Revolucionário de
1930, que alçou Getulio Vargas ao poder, teve vida curta. Com efeito, em 1937,
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Vargas implanta o chamado Estado Novo e impõe ao país uma nova constituição,de
nítida inspiração na sua congênere polonesa de 1935, o que lhe valeu a alcunha de
“Polaca”.
A Constituição de 1937, a segunda do governo Getúlio Vargas, como era de
se esperar, não repetiu o tratamento dado ao tema pela sua antecessora, omitindo
qualquer tratamento acerca da função social da propriedade. Dispôs assim:
Art. 122 A constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 14 O direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e seus limites serão definidos nas leis que lhe regularem o exercício.
Verifica-se que apesar da omissão quanto à vinculação ao interesse social,
reconheceu a necessidade de criação de uma lei para regular o conteúdo e os
limites da propriedade.
Vários diplomas legais surgiram sob a égide destas constituições, permitindo
a interferência do poder público sob a propriedade imobiliária privada, amenizando a
estrutura rígida e absoluta veiculada ao Código Civil de 1916. Uma das primeiras
legislações intervencionistas, e muito significativa, fez referência ao regime de
locação predial urbana, refletindo na fruição da coisa, por um terceiro autorizado
pelo titular, por meio de uma contraprestação mensal em dinheiro.
O país sofreu inúmeras reformas legislativas, neste período, no que se refere
ao inquilinato. Após a crise habitacional, agravada pelo crescimento das cidades e
pelo êxodo rural, decorrente das duas grandes guerras mundiais, vários foram os
diplomas legais regulamentando este contrato; o primeiro, Decreto Legislativo n°
4.403 de 1921, foi sucedido logo, em 1928, pelo Decreto n° 5.617, que restaurou as
31
normas do Código Civil sobre a locação; em 1942, o Decreto-Lei n° 4.494, inaugurou
um novo regime de inquilinato, baseando-se numa intervenção cada vez mais
acentuada e pela adição de normas de ordem pública, interferindo na liberdade
contratual. Entre várias outras leis regulando a matéria, a de atual vigência é a Lei
8.245, de 1991(PEREIRA, 1982 apud LEONETTI, 2005).
Segundo Caio Mário da Silva Pereira, as leis do inquilinato interferem
buscando dois objetivos: a estabilização dos preços dos aluguéis e a fixação do
locatário no imóvel. Através desta ingerência do poder público, através de normas
cogentes, na relação de direito privado, o Estado busca fazer um dirigismo
contratual, privilegiando o locatário, pólo economicamente mais fraco na relação.
Na vigência da Constituição de 1937, foi editado o Decreto-Lei n° 3.365 de
1941, para disciplinar as desapropriações. Este diploma que continua em vigor até
hoje, quase que em sua plenitude, prescrevia normas de natureza material e
processual regulamentando o instituto, motivando as desapropriações apenas na
utilidade pública.
Por fim, é de se destacar a edição do Código das Águas do Brasil em 1934,
pelo Decreto n° 24.643 do governo de Getúlio Vargas. Pelo diploma legal, o
proprietário particular não é privado do uso e gozo das águas de seu imóvel, porém
deve observar restrições (limitações negativas) e obrigações (limitações positivas),
impostas em beneficio da coletividade. Este decreto determinou, classificou e
regulamentou o regime hídrico brasileiro, considerando águas particulares aquelas
que não tiverem classificadas entre as águas comuns de todos, além das águas
públicas e as águas comuns. Constituindo um conceito claramente residual, por
exclusão, em que é estabelecido em face dos tipos anteriores(GODOY, 1999).
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2.5 A Constituição de 1946 e Leis do Período
Após omissão da carta de 1937, a Constituição de 1946 retornou o vinculo da
propriedade ao interesse coletivo, dispondo deste modo:
Art.141 A Constituição assegura os brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 16 É garantido direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como guerra e comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito à indenização ulterior.
A carta de 1946, redigida sob influência da redemocratização que se seguiu
ao final da Segunda Guerra Mundial, restaurou a necessidade do cumprimento da
função social da propriedade, incluindo-a entre os princípios regentes da ordem
econômica e social, nos seguintes termos:
Art. 147 O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, par. 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.
Em 1962, a Lei de n° 4.132, complementou o artigo 147 supracitado,
prevendo a desapropriação por interesse social. Fundamentado na Função Social da
Propriedade, esta inovação legal permitiu ao Poder Público desapropriar para
realizar justiça distributiva.
Com a industrialização brasileira, regulamentação dos direitos trabalhista no
governo de Getulio Vargas, o desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek, e a
assimilação do principio da Função Social da Propriedade pelos operadores do
Direito, formaram fatores decisivos para criar um ambiente político, econômico e
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jurídico favorável para a edição, em 1962, da Emenda Constitucional nº. 10.
Tornando-se logo um marco histórico do nascimento legislativo agrário no Brasil, por
instituir o imposto territorial rural progressivo e a desapropriação por interesse social
para fins de reforma agrária, com a indenização sendo paga através de títulos da
dívida agrária.
A Emenda Constitucional nº. 10 possibilitou a edição do tão festejado e
extremamente evoluído Estatuto da Terra, a lei de nº. 4.504/64, que em seu art. 2º
expressamente tratou da função social do imóvel agrário, estando redigido assim:
Art.2º É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta lei: § 1º A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente: a) Favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela
labutam, assim como de suas famílias; b) Mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) Assegura a conservação dos recursos naturais; d) Observa as disposições legais que regulam as justas relações de
trabalho entre os que a possuem e a cultivem.
Este estatuto trouxe importantes inovações: a criação do módulo rural, que
estabeleceu o princípio da indivisibilidade da pequena propriedade; ocorreu a
regulamentação das colonizações públicas e particulares; a criação do usucapião
especial agrário, denominado pro labore, hoje regulado pela Constituição Federal
(art. 191); e ainda regulou os contratos de arrendamento e parceria rural, até então
tratados pelo Código Civil de 1916 como locação de prédio rústico e contrato de
parceria agrícola ou pecuária. A idéia do Estatuto foi estabelecer normas rígidas, de
ordem pública, que vigoram independente da vontade das partes, para realizar uma
proteção ao rurícola, o arrendatário ou parceiro(BERNARDES, 2005).
Nesta época, destaque também para a promulgação do Código Florestal, Lei
nº. 4.771/65.
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2.6 O Decreto-Lei n° 271/67
Ainda sob a égide da Constituição de 1946, e seguindo os vários outros
diplomas legais disciplinando a propriedade imobiliária privada, surgiu o Decreto-Lei
nº. 271/67, dispondo sobre o loteamento urbano, responsabilidade do loteador,
concessão de uso e espaço aéreo. Assim, está disposto acerca da concessão de
uso:
Art. 7º É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, ou outra utilização de interesse social. § 1º A concessão de uso poderá ser contratada por instrumento público ou particular, ou por simples termo administrativo, e será inscrita e cancelada em livro especial. § 2º Desde a inscrição da concessão de uso, o concessionário fruirá plenamente do terreno para os fins estabelecidos nos contrato e responderá por encargos civis, administrativos e tributários que venham a incidir, sobre o imóvel e suas rendas. § 3º Resolve-se a concessão antes de seu termo, desde que o concessionário dê ao imóvel destinação diversa da estabelecida no contrato ou termo, ou descumpra cláusula resolutória do ajuste, perdendo, neste caso, as benfeitorias de qualquer natureza. § 4º A concessão de uso, salvo disposição contratual em contrário, transfere-se por ato “inter vivos”, ou por sucessão legítima ou testamentária, como os demais direitos reais sobre coisas alheias, registrando-se a transferência.”
O entendimento é que o artigo supracitado não se caracterizaria como um
direito real sobre coisa alheia, mas, contrario a referência legal, por construção
doutrinaria, deveria concebê-lo como um direito real autônomo, assentado em
imóvel alheio, o direito a propriedade superficiária.
O direito de superfície afasta os efeitos legais de acessão, criando
propriedades distintas para o solo com relação à propriedade imobiliária,
diferenciando o titular do terreno, que é um, de outro, o titular da construção ou
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plantação, aspecto muito importante no aproveitamento de imóveis públicos. Em
vários países o direito de superfície é regulado como direito real sobre coisa alheia,
no Brasil, era assim considerado até o advento da lei 10.402 de 2002, do “novo”
Código Civil, que disciplinou o direito de superfície de forma própria (arts. 1.369, e
seguintes).
O ilustríssimo doutrinador considera o direito a superfície como um
instrumento de mobilização e dinamização social. Assim foram as palavras do
doutrinador, elaborador do projeto do Código Civil de 2002 :
Toda vez que uma sociedade, como toda vez que um grande centro se desenvolve – e isto acontece em Roma – surge à idéia do direito de superfície. É o que nós costumamos dizer, que os modelos jurídicos às vezes entram em eclipse e, quando menos se espera, por circunstâncias completamente imprevistas, esses modelos antigos reaparecem com roupagens novas, mas na mesma feição dos antigos, para realizar a mesma feição ou feição análoga ou paralela à do modelo antigo. Assim acontece com a superfície. (...) De maneira que é um instrumento do Direito Romano que modernizado e atualizado é trazido para o nosso tempo como um instrumento de ação. Ao mesmo tempo que beneficia para o proprietário e para a coletividade(REALI, 1986).
É de muita importância destacar este instituto, por todo proveito social que o
mesmo dar sustentáculo, principalmente no sentido de incrementar as relações
econômicas agrárias, no sentido de utilização da propriedade e aproveitamento de
terrenos imobiliários públicos, um tanto quanto ociosos em um país de dimensões
continentais, como o Brasil, que, no entanto, permanece com o problema incessante
de distribuição racional da terra.
Merece destaque também a união de dois ideais neste instituto jurídico:
primeiramente, do proprietário do imóvel, que não tem capital necessário para
investir, deixando a terra ociosa, descumprindo sua função social, contudo sem ter
intenção de aliená-la; e de outro lado está o investidor, que geralmente tem uma
grande quantidade de capital pra investir numa atividade com fins empresarias,
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visando o lucro, entretanto não está disposto a se desfazer de parte desta quantia
no intuito de adquirir o terreno.
2.7 A Constituição de 1967, Emenda n° 1 de 1969 e Leis do Período
A Constituição de 1967, manteve, por seu turno, na declaração de direitos, a
função social da propriedade entre os princípios da ordem econômica e social (art.
157, III), dispondo:
Art. 150 A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida e à liberdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes: (...) § 22 É garantido o direito à propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvado o disposto no art. 157, VI, § 1º. Em caso de perigo eminente, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, assegurando ao proprietário o direito à indenização ulterior.
O art. 157 diz “A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social com
base nos seguintes princípios: (...) III – função social da propriedade”.
Esta constituição trouxe ainda a desapropriação por interesse social para fins
de reforma agrária, com indenização em títulos.
Agora, é importante mencionar a Ementa a Constituição de 1967, de n° 1 de
1969, que alterou quase que por inteiro a carta, passando a dispor deste modo:
Art. 153 A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança, e à propriedade, nos seguintes termos: (...) § 22 É assegurado o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvado o disposto no artigo 161, facultando-se ao expropriado aceitar o pagamento em título da
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dívida pública, com cláusula de exata correção monetária. Em caso de perigo público eminente, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior. (...) Art. 160 A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios: (...) III - função social da propriedade .
A elevação do principio da função social da propriedade, é de grande
importância, pois uma vez presente na constituição, carta maior de um país, serve
como sustentáculo a todo um sistema jurídico, especialmente no direito privado.
Destaque também para o Decreto n° 5.481/28, substituído posteriormente
pelo Decreto-Lei n° 5.234/43, e pela lei n° 285/48, regulamentando os edifícios
coletivo, divididos em unidades autônomas, seja com finalidades residenciais,
profissionais ou empresariais. Entretanto, só com o advento da lei n° 4.591/64, a
matéria foi regulada de forma eficaz e moderna, atendendo aos anseios da
sociedade.
É de natureza do condomínio a coabitação, contudo, existe a individualidade
e exclusividade no que se refere à unidade autônoma, onde o condômino, embora
restrito as normas do condomínio, pode ceder, lato sensu, sua unidade a outra
pessoa. Por outro lado, deve arcar através de sua quota-parte com a manutenção da
edificação, por meio de um rateio de despesas, constituindo uma taxa de
condomínio, obrigação esta de caráter propter rem, sobre a coisa.
Outro diploma legal de grande destaque no período foi o Código de Processo
Civil, editado pela lei n° 5.869/73, trazendo dispositivos importantes, especialmente
quanto à garantia individual dos bens do devedor. Dando destaque ao art. 649, que
instituiu como impenhoráveis, os livros, as maquinas, os utensílios e os
instrumentos, necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão (inciso V), em
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face do caráter alimentício que propicia a prática laboral; e, também, importante o
dispositivo contido no inciso X do mesmo artigo, que dispõe sobre a
impenhorabilidade do imóvel rural até um módulo4, desde que seja o único que
tenha o devedor, ressalvada a hipoteca para fins de financiamento agropecuário,
gerando uma obrigação propter rem (GODOY, 1999).
Destaque também para a Lei n° 6.766/79, que regulamenta o parcelamento
do solo através de loteamentos, para imóveis urbanos. Esta lei que trás todo um
regramento minucioso, que disciplina desde o trâmite administrativo até a previsão
dos tipos penais para comercialização de loteamentos irregulares, por diversos
motivos, não conseguiu impedir o aparecimento cada vez maior de loteamentos
“clandestinos”, principalmente nos grandes centros.
Na esfera agrária, a matéria é regulada pelo Estatuto da Terra (Lei n°
4.504/64), que regulamenta os loteamentos destinados à atividade agrária,
principalmente os denominados projetos de colonização públicos ou particulares.
Entretanto, o parcelamento do solo em áreas rurais para empreendimentos que
visem à formação de sítios de recreio e chácaras, existe uma questão ainda não
resolvida, pois, a priori, por não desenvolver uma atividade agrária, não seriam
considerados imóveis agrários, todavia, incide sobre eles o imposto territorial rural
(ITR).
2.8 A Constituição Federal de 1988
A carta de 1988 inovou, substancialmente, o tratamento dado à matéria ao
incluir a função social da propriedade entre os direitos e garantias individuais e 4 Hoje a impenhorabilidade da pequena propriedade agrária está disposta, também, no art. 5°, XXVI da Constituição Federal.
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coletivos (art. 5°, XXIII), conferindo-lhe, assim, o status de cláusula pétrea (art. 60, §
4°, IV). O art. 5° da carta de 1988, dá o seguinte tratamento ao tema:
Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvado os casos previstos nessa constituição; XXV – no caso de eminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;
Nas palavras de José Afonso da Silva, bastava a disposição contida no art.
5°, XXIII para que “toda forma de propriedade fosse intrinsecamente permeada
daquele princípio constitucional”. Com efeito, ao asseverar que “é garantido o direito
de propriedade” mas, também, no mesmo dispositivo constitucional, e portanto, com
o mesmo campo de aplicação, que “a propriedade atenderá a sua função social”, o
constituinte de 1988 deixou claro que todo o direito à propriedade está condicionado
a que esta cumpra a sua função social. Ou, vendo por outro lado, apenas a
propriedade que cumpre a sua função social, está albergada na Constituição Federal
como um direito, ou garantia, fundamental (LEONETTI, 2005).
Deste modo, somente poderá ser concebido o direito de propriedade, e assim
garantido pela ordem constitucional, se utilizado de forma que cumpra a função
social que lhe é inerente, mesmo que a matéria tenha sido tratada por legislação
anterior a Constituição de 1988. Neste caso haveria uma revogação tácita da
legislação infraconstitucional pela carta maior, a Constituição Federal.
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Por sua vez, o art. 170, que inicia o capitulo I (Dos princípios gerais da
atividade econômica) do Título VII (Da ordem econômica e financeira), estabelece, in
verbis:
Art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) II – propriedade privada; III – função social da propriedade.
Seguindo o exemplo dos diplomas constitucionais de 1967 e 1969 que
proclamaram, in verbis, ser finalidade da ordem social realizar a função social da
propriedade, o legislador constituinte de 1988 mencionou quatro vezes a locução
“função social da propriedade”, nos arts. 5°, XXIII, 170, III, 182, §2°, e 186, caput.
Considerando-se uma interpretação sistemática, todos esses artigos são
peças de uma mesma engrenagem, e, por isso, poder ser compreendidos como
realidades conexas, indissociáveis, complementares, buscando sempre um alcance
em conjunto de todos os dispositivos que tratam da matéria. Tais preceitos
constitucionais mantêm estreitos vinculo de reciprocidade (BULOS, 2002).
O conjunto de normas sobre a propriedade comprova que ela não mais
consigna um simples direito individual. Caso viesse prevista apenas como instituição
econômica (art. 170, III) já seria bastante, como é o caso das constituições italianas
(art. 42) e portuguesa (art. 62). O fato é que o constituinte de 1988, procurou reforça-
la em varias partes do texto, no intuito de não vê-la mais como um instituto apenas
do direito privado, mas sim voltado a assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social.
O art. 182 disciplina a Política Urbana, que é o conjunto de providências que
objetivam ordenar os espaços habitáveis, organizando todas as áreas que o ser
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humano exerce funções sociais indispensáveis, isto é, habitação, trabalho,
recreação, e circulação, bem como dispõe de instrumentos legais para implementar
e melhor promover o desenvolvimento urbano. A desapropriação de imóveis urbanos
por interesse social será mediante prévia e justa indenização em dinheiro, o que às
vezes não acontece, o proprietário é expropriado do bem, na emissão do precatório,
mero título executório, configurando uma hipótese de fraude a constituição.
Da mesma forma age com a Política Agrária, nos arts. 184 a 187, concebendo
medidas de efetivação pelo Poder Público, tais como: políticas agrícolas,
desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, imposto territorial
rural progressivo (art. 153, §4°), e o usucapião constitucional agrário, com uma
aplicação harmônica, tendo em vista o caráter de direito promocional.
Ainda sobre o tema, é importante destacar as palavras escritas por Caio
Mário da Silva Pereira (1992):
Na verdade, crescem os processos expropriatórios, sujeitando a coisa à utilidade pública e aproximando-a do interesse social. Condicionando-se o uso da propriedade predial a uma conciliação entre as faculdades do dono e o interesse do maior número; reduz-se a liberdade de utilização e disposição de certos bens; sujeita-se a comercialidade de algumas utilidades a severa regulamentação; proíbe-se o comércio de determinadas substâncias no interesse da saúde pública; obriga-se o dono a destruir alguns bens em certas condições. De certo modo os legisladores e os aplicadores da lei em todo o mundo, segundo afirma Trabucchi, mostram-se propensos a atenuar a rigidez do direito de propriedade.
Foi à luz da Constituição de 1988, que foi regulamentada a Lei de Registros
Públicos , lei n° 8.009/90, que em seu art. 260 instituiu a impenhorabilidade do bem
de família, com grande repercussão social.
2.9 O Código Civil de 2002
42
O ainda muito recente Código Civil de 2002, em seu art. 1.228, mantém uma
correspondência legislativa parcial ao que estava previsto no antigo Código de 1916
(art. 524), assim está disposto:
Art. 1.228 O proprietário tem a faculdade de usar, gozar, e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem injustamente a possua ou detenha. § 1° O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. § 2° São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. § 3° O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público eminente. § 4° O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5° No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
Por essa nova redação, o Código Civil mostra-se perfeitamente adaptado aos
preceitos constitucionais relativos à propriedade, trazendo positivado em seu corpo,
um aceno claro ao exercício da função social e econômica dos bens.
Com efeito, em linhas gerais, com a evolução do direito de propriedade,
verifica-se uma incessante redução dos direitos dos proprietários, sejam as
decorrentes da própria natureza do direito de propriedade, que se explicam através
do recurso à noção de abuso de direito, através de limitações voluntárias, ou por
imposição da lei. Estas limitações que antes vinham de fonte doutrinária, hoje estão
substanciadas nos §§ 1° e 2° do art. 1.228.
Nessas regras, a intenção da lei é clara, a propriedade também é concebida
como fato econômico social. Daí, devem ser afastadas as pretensões emulatórias,
43
meramente egoísticas de seu titular, o qual não pode opor o direito de propriedade
tão só para prejudicar terceiros. É o velho abuso de direito convertido em tipo de
descumprimento da função social da propriedade. Portanto, a interpretação do §2°
do art. 1.228 deve ser conciliada com a disciplina geral do novo Código acerca do
abuso de direito (art. 187).(BERNARDES, 2005)
O § 3° trata da desapropriação por utilidade ou necessidade pública, bem
como por interesse social e requisição em caso de perigo público iminente. O
saudoso doutrinador Sílvio Rodrigues defende a idéia de que o código permite a
expropriação para promover a justa distribuição da propriedade, com igual
oportunidade para todos. Acrescenta ainda:
A nacionalização é um meio de o Estado intervir na economia.Por seu intermédio, bens que se encontravam no poder do particular passam ao Poder Público. Tal recurso é aconselhado quando se trata de bens de grande importância para a sociedade, pois sua retirada da administração do particular evita que caiam em regime meramente especulativo (RODRIGUES, 2003, P 88).
O texto legal do §4°, sob o ponto de vista social, é perfeitamente explicativo.
Matéria correlata está presente no Estatuto da Cidade, lei n° 10.257/2001, ao instituir
o usucapião coletivo no art.10:
Art. 10 As áreas urbanas com mais de 250m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados), ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por 5 (cinco) anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são suscetíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.(VENOSA, 2004, p.173)
O doutrinador Nelson Nery Junior, acerca dos §§ 4° e 5°, afirma que
presentes os requisitos da desapropriação judicial pela posse-trabalho (CC, art.
1.288,§4°), os possuidores poderão defender-se (exceção de desapropriação
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judicial), ou ajuizar ação autônoma incidental (por exemplo, reconvenção),
pretendendo ter a propriedade declarada em seu nome, mediante pagamento do
preço (indenização), fixado pelo juiz na sentença. Somente depois de pago o preço
pelos possuidores e que a sentença pode ser registrada em cartório de registro de
imóveis, revestindo-se da qualidade de título translativo de imóveis.
Portanto, a regra dos §§ 4° e 5° do art. 1.228 parecem regular caso de
alienação compulsória do imóvel, cabendo ao judiciário avaliar a presença dos
pressupostos autorizadores, ligados ao interesse social ou econômico, que impõem
o suprimento da vontade do proprietário. É dizer, em prol do melhor atendimento da
função social, permite-se que os possuidores adquiram a propriedade do imóvel, de
forma onerosa, mesmo contra a vontade de seu titular. Neste prumo, sob pena de
não atingir a vontade da norma, a alienação forçada deve ser considerada forma
originária de aquisição da propriedade, liberando, assim, o bem de quaisquer ônus,
cabendo aos eventuais credores somente a sub-rogação no preço pago ao antigo
proprietário.
Por outro lado, é de grande importância destacar que, como pode haver
desapropriação pelo poder público, por interesse social, o instituto criado pelo art.
1.228 §§ 4° e 5° pode evoluir no sentido de que o poder público venha a arcar com a
responsabilidade pela desapropriação judicial, isto é, fique responsável pelo
pagamento da indenização, pois a ela cabe o poder-dever de fazer reforma agrária e
a posse-trabalho, nas circunstâncias mencionadas pela norma ora comentada, é
instrumento de realização da função social da propriedade.
O art. 1.229, do Código Civil, limita o direito de propriedade do solo a altura ou
profundidade úteis ao proprietário, não podendo, deste modo, opor-se a trabalhos
que estejam compreendidos em alturas e profundidades aquém de seu interesse,
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superando, com isso, a antiga concepção romana de que o domínio do solo se
estendia em profundidade usque ad ínferos e em altura usque ad sidera
(RODRIGUES, 1992).
Em matéria de aquisição da propriedade por usucapião, a Lei 10.402/2002
também é inovadora. Na nova sistemática, foram reproduzidos nos arts. 1.239 e
1.240 as hipóteses de usucapião criadas pela Constituição, bem como foi diminuído
o prazo do usucapião ordinário para 15 anos (caput do art. 1.238), salvo se o
possuidor houver estabelecido no imóvel moradia habitual ou nele realizado obras
ou serviços de caráter produtivo, caso em que cai para 10 anos (par. único do art.
1.238). Aqui, mais uma vez, sente-se a preocupação com a função social da
propriedade, pois havendo algum dos requisitos legais, haverá a redução do prazo
do usucapião, ainda que ausente à boa-fé do possuidor (BERNARDES, 2005).
É de bom alvitre destacar que o Código Civil de 2002, em seu art. 421,
protegeu também os contratos, atribuindo-lhes uma função social, os elevando à
categoria de princípio de ordem pública, não podendo ser derrogado por convenção
das partes (CC, art. 2035, § único).
46
CAPÍTULO III
A FUNÇÃO SOCIAL DO IMÓVEL
3.1 A Função Social da Propriedade
Olhando pela evolução dos direitos do homem, Rivero (193 apud ALMEIDA,
1990) aponta a influência da idéia do abuso do direito para relativização do direito de
propriedade, lembrando que:
à medida em que o rigor da doutrina cede diante das realidades da vida social, torna-se evidente que existe um bom e um mau uso dos direitos, não somente do ponto de vista do seu titular, mas sobretudo com relação ao conjunto da sociedade. Sem atentar contra o direito igual de outrem, o indivíduo pode prejudicar os outros, ou a todos, exercendo seu direito próprio em certas condições. A noção do abuso de direito traduz no plano jurídico esta tomada de consciência.
O abuso no exercício do direito de propriedade, com o passar dos anos,
contribuiu a uma nova concepção sobre este direito, passando-se a assinalar-lhe
uma função social, considerando os interesses da coletividade, não podendo ser
prejudicados pelo titular do domínio.
Para Antônio C. Vivanco, a função social da propriedade representaria nada
mais nada menos que o reconhecimento de todo titular do domínio, de que por ser
um membro da comunidade têm direitos e obrigações com relação aos demais
membros, de maneira de que ele pode chegar a ser o titular do domínio, tem
obrigação de cumprir com os direitos dos demais sujeitos, que consiste em não
47
realizar ato algum que possa impedir ou obstaculizar o bem de ditos sujeitos, ou
seja, da comunidade.
Ainda para Vivanco( 1983 apud GODOY, 1999), em sua obra Teoria del
derecho Agrário, o direito à coisa se manifesta concretamente no poder de usá-la e
usufruí-la. O dever que importa ou comporta a obrigação que se tem com os demais
sujeitos se traduz na necessidade de cuidá-la afim de que não perca a sua
capacidade produtiva e que produza frutos em benefício do titular e, indiretamente,
para a satisfação dos demais sujeitos da comunidade. Assim, para o agrarista
argentino, o direito do titular implica o direito de usar livremente das coisas, porém
por sua vez supõe o dever de utilizá-la de maneira que não se desnaturalize. Isso
em razão de que sua capacidade produtiva interessa por igual a todos os sujeitos da
comunidade e de que os elementos essenciais à vida humana, como a alimentação,
provêm de elementos agrários como a terra e os animais.
Acerca do tema, mas de um ponto de vista mais genérico colabora Orlando
Gomes(1970 apud DINIZ, 1993):
“O que se procura significar, ao relatar o fenômeno evolutivo da propriedade em sua projeção na realidade social nos dias corrente, na fórmula que atribui ao seu exercício uma função social é, em síntese, que sob esse aspecto, vem acompanhada de certos ônus e deveres para com a coletividade, impostos pelo Estado. Deveres e ônus que reduplicam e são estabelecidos numa escala que vai desde as proibições restritivas do exercício do direito, até a condenação da propriedade inerte, traduzida na obrigação do proprietário de utilizar seu bem na forma do interesse coletivo. Sua atividade deixa de ser livre em face da operacionalidade externa da função sobre a estrutura, primando o elemento teleológico sobre o estrutural. Conclui-se, em definitivo, que a atividade do proprietário dos bens de produção não pode cumprir-se me contraste com a utilidade social, somente se justificando sua proteção jurídica se em conformidade com esse propósito.”
Segundo Augusto Conte, que tratou a propriedade à luz do positivismo, a
mesma se justificava desde que tivesse cumprido sua função social. Mesmo
48
princípio enfatizado por Léon Duguit, já citado neste trabalho monográfico, para
quem “a propriedade não é mais o direito subjetivo do proprietário; ela é a função
social do detentor da riqueza”, que se não a cultiva ou deixa que sua propriedade se
arruíne, torna legitima a intervenção do poder público para compeli-lo ao
cumprimento de sua função social de proprietário, consistindo em assegurar a
utilização da riqueza conforme o seu destino.(ALMEIDA, 1993)
Giselda Maria F. N. Hironaka (1983) criticou a teoria da propriedade como
uma função, elaborada por Duguit, considerando que:
“escorregou em excessos, quando negou, principal e ambiciosamente, a inexistência de direitos subjetivos, negativa essa decorrente da função da qual cada um dos membros da sociedade está impregnada.”
Ainda citando a professora Hironaka (1983), Luciano de Souza Godoy(1999)
afirma que:
“A propriedade privada como um direito individual e funcionalizado, isto é, que tem presente uma função social, apresenta um conceito não absoluto, de propriedade – pela função social que lhe é inerente. Esta fórmula é adotada em grande parte dos países, como conceito de propriedade juridicamente correto. Para usar uma expressão metafórica muito feliz, diz-se que o direito de propriedade é o corpo, e a função social é a alma, elementos inseparáveis, mais distintos, que se mantêm vivos enquanto ligados.”
Deste modo, a professora Hironaka, ensinou que o direito de propriedade é
garantido pelo ordenamento jurídico, desde que cumprida a função social que lhe é
inerente, fazendo parte, assim, do próprio conceito de propriedade.
Neste diapasão, o princípio da Função Social da Propriedade, ao invés de
revelar uma mera restrição ao direito de propriedade, compõe o próprio desenho do
49
instituto, pois a partir de 05 de outubro de 1988, somente é garantida a propriedade
particular que cumpra sua função social.
No mesmo sentido, José Afonso da Silva repudia as manifestações
doutrinárias que vêem na função social da propriedade um mero sistema de
limitação da propriedade, com o apoio de Karl Renner, Angel Sustaeta Elutizia e M.
S. Giannini. Seguindo a mesma trilha, Fabio Konder Comparatto afirma que “a
função social da propriedade representa um poder-dever positivo, exercido no
interesse da coletividade, e inconfundível, como tal, com as restrições tradicionais ao
uso de bens próprios”(LEONETTI, 2005).
No mesmo sentido aponta Juliano Taveira Bernardes (2005):
Não se confunde a função social com as limitações de propriedade contidas no direito civil, tampouco com as limitações administrativas. Mesmo sendo invalido afirmar que se resumem a prestações de não fazer, as limitações constituem condição de exercício do direito. Já a função social esta ligada aos deveres inerentes ao exercício da propriedade, convertendo-se em “elemento da estrutura e do regime jurídico da propriedade”. Como afirma Araújo Sá, as limitações administrativas tem fundamento não na função social da propriedade mas no poder de polícia, e são externas ao direito de propriedade, interferindo tão-somente no exercício do direito, enquanto a função social interfere no conceito e na estrutura do direito de propriedade.
O doutrinador Paulo Guilherme de Almeida advoga em sentido contrário,
sendo a função social como um limite à propriedade, consubstanciando suas idéias
nas palavras de Alberto Trabucchi, doutrinador italiano, que assevera “precisamente
a função social dos bens, passível sempre de novos desenvolvimentos, determina
as várias limitações do direito, e aliás frequentemente constitui seu efetivo
conteúdo”. Contudo, pelos motivos já expostos, em face do advento da constituição
de 1988, entendemos ser esta uma tese já superada.
50
Conforme Gondinho, a função social da propriedade tem como destinatários,
além do titular do direito da propriedade, o legislador e o juiz. O legislador, porque
não pode conceder ao titular do direito de propriedade, através de normas
infraconstitucionais, poderes extravagantes ou em contrário ao interesse social. Já
para o magistrado, deve haver um critério de interpretação e aplicação do direito,
deixando de aplicar as normas que lhe forem incompatíveis.(GODINHO, 2001 apud
LYRA JUNIOR, 2005)
Quanto à eficácia da aplicabilidade deste princípio, previsto no inciso XXIII do
art. 5° e do art. 170, III, a Constituição Federal criou dispositivos no sentido de que o
seu descumprimento crie, implícita ou explicitamente, para o titular da propriedade
conseqüências jurídicas concretas, como é o caso, por exemplo, dos arts. 153, §4°;
art. 156, §1°; art. 182, § 4° e art. 184. Na esfera agrária, há previsão de que o
imóvel rural que não estiver cumprindo sua função social, nos termos do art. 186 da
Constituição, está sujeito, além de tributação mais gravosa pelo ITR (art. 153, §4°), à
desapropriação para fins de reforma agrária (art. 184). Deste modo, evita-se dar um
aspecto de norma programática, desprovida de eficácia, ao instituto.
Em se tratando de ações possessórias ou reivindicatórias, incidentes sobre
bens imóveis, Leonetti afirma que o principio constitucional deve ser observado, no
caso concreto, tanto por parte do autor, quanto por parte do réu, se for o caso. Se
concluir que o principio não era atendido pelo autor da ação, deve ser julgado
improcedente, ainda que os requisitos exigidos pela lei sejam atendidos. Uma
sentença desta natureza não implica, no entanto, que a parte vencida não faça jus a
uma indenização, principalmente se for proprietário do bem. Neste caso, a
indenização deverá ser paga pela parte vencedora da ação, ou pelo Poder Público,
se aquela for hipossuficiente.
51
Neste sentido, ensina Orlando Gomes (1986):
A resposta segundo a qual a função social da propriedade é antes uma concepção com eficácia autônoma e incidência direta no próprio direito consente leva-la a dignidade de um princípio que deve ser observado pelo interprete, tal como sucede em outros ramos do direito, civil, como o principio da boa fé nos contratos. É verdade que assim considerada se torna uma noção vaga, que todavia não é inútil na medida em que inspira a interpretação da atividade do proprietário. Nessa ótica, a ação do juiz substituí a do legislador, do Congresso ou da Administração Pública. O comportamento profissional do magistrado passa a ser, no particular, uma “ação de invenção e de adaptação”, como se exprime Lanversin definindo a ação pretoriana como um meio de realizar a modernização do direito.
A verificação do atendimento, ou não, do principio da função social da
propriedade deve ser feito, em cada caso, sempre com muita cautela e, se
necessário, mediante perícia. O fato do bem imóvel, urbano ou rural, se encontrar
aparentemente sem uso, não implica deduzir que não esteja preenchendo sua
função social, no entanto, deve se coibir o não uso para fins meramente
especulativos ou de acumulação
Nesta linha de raciocínio, a propriedade, ou posse, de um bem utilizado
apenas esporadicamente, por exemplo, uma casa de praia ou de campo, uma
chácara, sítio, etc., podem estar cumprindo sua função social, satisfazendo os
requisitos a que se destina.
Deste modo, a questão atinente ao cumprimento, ou não, da função social
requer um exame cuidadoso e isento, sob pena de distorção do instituto.
3.2 A Função Social do Imóvel Agrário
Inicialmente, é oportuno estabelecer uma distinção entre o conceito de imóvel
rural e imóvel urbano, assunto este que sempre exerceu uma polêmica tradicional.
52
Diversos juristas procuram estabelecer uma distinção tendo por base dois
critérios divergentes, o primeiro verificando a destinação do imóvel. Se o mesmo for
destinado à moradia, ao comércio ou a industria, é urbano; caso seja destinado a
agricultura ou pecuária, é rural, também chamado de rústico.
Uma linha divergente segue a posição topológica do bem. É urbano o imóvel
situado dentro do perímetro das cidades, do perímetro urbano, que paga o imposto
territorial urbano; rural é o imóvel que está fora do perímetro rural, pagando o
imposto territorial rural.
Hodiernamente, a Lei n° 8.629/93 em seu art. 4°, I, determina o critério de
destinação para o imóvel agrário, definindo-o como “o prédio rústico de área
contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à
exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial”
(FERREIRA, 1999, p.177).
A função social da propriedade rural recebeu amparo constitucional em seu
art. 186, redigido nos seguintes termos:
Art. 186 A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigências estabelecidas em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – Exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Neste sentido, o preenchimento da função social do imóvel rural exige a
presença simultânea de requisitos espalhados em três óticas: produtividade,
também chamada de econômica pelos doutrinadores, ou seja, havendo uso racional
e adequado; social, abrangendo as disposições que regulam as relações de trabalho
53
e as que contemplam o bem-estar social dos que exploram a terra (incluídos ai não
só os proprietários e trabalhadores, mas aos que detém a posse direta do imóvel); e
ecológica, relacionada à preservação do meio ambiente, concebido como direito
fundamental de terceira geração, garantido à presente e futuras gerações.
Consoante o texto prescritivo da norma supracitada, todos os seus requisitos
devem conjugar-se ao mesmo tempo, pois não basta que a propriedade cumpra
apenas um deles. O que o Constituinte de 1988 tentou ao estabelecer critérios para
determinar o que seria a “função social da propriedade”, foi acabar com o
subjetivismo da expressão.
Existem algumas peculiaridades acerca deste princípio. De inicio, a expressão
“função social da propriedade rural” é muito criticada pelos estudiosos do direito
agrário. Eles defendem que a expressão utilizada pelo Constituinte não satisfaz
plenamente as preocupações com a total dimensão do problema agrário, o qual não
se resume apenas a questão da propriedade, pois deve englobar também a função
social da posse e dos contratos agrários. Daí, sustentam a predileção pela
expressão mais genérica “função social do imóvel agrário”, do qual seriam espécies
a “função social da posse agrária” e a “função social dos contratos agrários”. Neste
sentido, o professor Getúlio Targino Lima, afirma quer a posse de imóvel rural não
pode mais ser encarada como simples exercício de um dos poderes inerentes ao
domínio, mas sim como um comportamento em relação à coisa que se tenha por
pressuposto o cumprimento da função social.
3.3.1 Elemento Produção
54
É de grande apreço que a Carta Constitucional destaque este elemento, dada
a importância da produção agrária na propriedade, pois a produtividade constitui o
núcleo de atenção do Direito Agrário.
Ricardo Zeledón Zeledón (1999 apud GODOY, 1999, p.66) escreve sobre a
propriedade agrária, a produção que lhe constitui obrigatória e a função social,
assim:
A função social da propriedade agrária na América Latina tem como fundamento o fato de que os bens agrários, por sua natureza de bens produtivos, devem ser adequadamente explorados. Em virtude desse princípio a propriedade passa a definir-se como ativa e a produção ou produtividade da terra impulsionando-se mediante os seguintes requisitos: o dever de cultivação de todos os imóveis rurais com capacidade produtiva, o dever de cultivação direta da empresa agrária, a prioridade do uso agrícola da terra cultivável e os critérios de eficiência e racionalidade. Com isso se busca superar a idéia da propriedade privada concebida como mercadoria, convertida em capital produtor de renda somente, tendente a mera especulação para tomar uma nova concepção, considerando o rendimento dela com vista na produtividade.
A propriedade agrária tem por excelência a produção de alimentos e
matérias-primas, a partir do momento que é considerada um bem de produção.
Entretanto, a lei exige que sua utilização seja feita de forma racional e adequada.
Por mais imprecisos que esses termos possam ser, o legislador quis privilegiar a
produção realizada sob técnicas científicas e pela experiência, levando-se em conta
o tipo de solo, relevo e clima.
O art. 187 da Constituição Federal, disciplina a Política Agrícola que serve
como base de regulamentação para a produção racional e adequada do solo. Por
sua vez, segundo leciona a professora Giselda Maria F. M. Hironaka (1995 apud
GODOY, 1999 p.66), a produção é o desenvolvimento da atividade agrária sobre o
solo, compreendendo um:
55
Complexo das operações realizadas pelo rurícola, profissionalmente, visando à produção da terra, num processo agrobiológico no qual participa ativamente, sendo certo que seus atos não se executam isoladamente, mas com a colaboração ativa do processo evolutivo da própria natureza.
A produtividade da propriedade agrária é de tanta importância, que a
Constituição Federal (art. 185, II), exclui a possibilidade de desapropriação para fins
de reforma agrária a propriedade produtiva. Este tratamento especial demonstra o
valor que a Carta Magna dá a propriedade produtiva e ao aspecto da produção.
Portanto, em linhas gerais, é a Lei Federal n° 8.629/935, que fixa os critérios
de produtividade do imóvel que cumpre sua função social. O reconhecimento da
produtividade da terra exige que sejam definidos, cumulativamente, nos termos do
art. 6°: um percentual mínimo de 80% do grau de utilização da terra (GUT); e um
percentual igual ou superior a 100% do grau de eficiência de exploração econômica
(GEE).
O cálculo do índice do GUT considera a área efetivamente utilizada do imóvel,
em comparação com a área potencialmente utilizável, excluídas, desse último
conceito, por força do art. 10 da Lei 8.629/93, as áreas ocupadas por construções e
instalações, excetuadas aquelas destinadas a fins produtivos, como estufas,
viveiros, sementeiros, tanques de reprodução e criação de peixes e outros
semelhantes; as áreas comprovadamente imprestáveis para qualquer tipo de
exploração agrícola, pecuária, florestal ou extrativa florestal; as áreas sob efetiva
exploração mineral; as áreas de efetiva preservação permanente e demais áreas
protegidas por legislação relativa à conservação dos recursos naturais e à
preservação do meio ambiente.
5 Esta lei foi alterada em vários pontos pelas Medidas Provisórias n° 1.577, 1.632, 1.658, 1.703, e 1.774, em todas mantendo o texto semelhante. Hoje, a matéria é regulamentada pela MP 2.183-56, de 24/08/2001, até agora não convertida em lei.
56
Por sua vez, o GEE é obtido por meio da aplicação de sistemática de cálculo
que leva em consideração a destinação econômica da gleba em face dos índices de
rendimento considerados medianos, de acordo com a região onde se localiza o
imóvel. Assim, determina o art. 6°, §2°, da Lei n° 8.629/93, que, para produtos
vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices
de rendimento estabelecidos pelo órgão competente de Poder Executivo, para cada
Microrregião Homogenia (inciso I); para exploração pecuária, divide-se o número
total de unidades animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo
órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea (inciso
II). Então, a soma dos resultados obtidos na forma anterior é dividida pela área
efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determinando-se assim o grau
de eficiência de exploração (GEE) do imóvel rural. Dessa forma, os imóveis com
níveis de exploração econômica mais eficiente que aqueles relativos à média exigida
pelos órgãos poderá obter um percentual superior a 100% de GEE.
Merece destaque ainda, que a Lei n° 8.629/93 não retira a qualificação de
propriedade produtiva do imóvel que, por razões de força maior, caso fortuito ou de
renovação de pastagens tecnicamente conduzida, devidamente comprovados pelo
órgão competente, deixar de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência
na exploração, exigidos para a espécie (art. 6°, § 7). Assim, os danos à
produtividade decorrentes de esbulho da área podem ser considerados protegidos
pela norma legal.
3.3.2 Elemento Ecologia
57
Hodiernamente, tem se tomado consciência que os problemas ambientais
extravasam a esfera da pessoa, individualmente considerada, da família, da cidade
e até mesmo dos países. São problemas postos a serem enfrentados por toda a
raça humana, pela simples questão de conservação da espécie.
Em capítulo próprio, a nossa Carta Magna apresenta maior abrangência na
tutela ambiental com relação às constituições de outros países, como aponta
doutrinadores. A regulamentação principal encontra-se sistematicamente elaborada
no art. 225, do capítulo do Meio Ambiente, do título da Ordem Social. No § 4º
determinou que a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal
Mato-grossense e a Zona Costeira constituem patrimônio nacional, e condiciona sua
utilização à regulamentação da lei, com previsão sobre o uso dos recursos naturais
(GODOY, 1999).
Quanto à propriedade agrária, outro lado deve ser considerado. A
preservação e conservação dos recursos naturais não significa que estas áreas não
devem ser utilizadas; muito pelo contrario, a regra é conservar e preservar utilizando.
A não-utilização é uma exceção destinada a situações convenientes. Desta forma, o
desenvolvimento com preservação ambiental cria um desenvolvimento sustentável,
atendendo a função social que lhe é inerente, e, de forma intrínseca, cumpre a idéia
do Direito Agrário a preservação dos recursos naturais.
A atividade agrária apresenta três elementos que a particularizam: o sujeito
agrário (o homem), o meio e o processo agrobiológico. O meio aparece qualificado
no direito agrário como o solo, que pode caracterizar-se como terra, água ou mesmo
o ar. Disto decorre que a defesa do meio ambiente está ligada diretamente à
atividade produtiva agrária, assim, não pode o titular da propriedade, em nome da
produção, degradar, pois estaria contrariando e prejudicando o natural
58
desenvolvimento do ciclo biológico na qual se sustenta à atividade agrária, o
processo agrobiológico.(HIRONAKA, 1995 apud GODOY, 1999)
Os preceitos inscritos na Constituição Federal consistem em garantir a todos
um meio ambiente ecologicamente equilibrado, consoante já proclamou o Supremo
Tribunal Federal (RE 134.297-SP, Rel. Min. Celso de Mello), nos seguintes termos:
Trata-se de um típico direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstancia esta que justifica a especial obrigação que incumbe ao Estado e a própria coletividade - de defendê-lo e de preservá-lo em beneficio das presentes e futuras gerações, evitando-se, deste modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social.
Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos),
compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais, os direitos de segunda
geração (direitos econômicos, sociais e culturais), se identificam com as liberdades
positivas, reais ou concretas, acentuando o princípio da igualdade; já os direitos de
terceira geração, materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos
genericamente a todas as formações sociais, por exemplo, o direito ao meio
ambiente.
É de se destacar que, atualmente, a preocupação com o meio ambiente vai
além do plano das presentes gerações, para atuar também em favor das futuras
gerações.
O direito à integridade do meio ambiente constitui prerrogativa jurídica de
titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos
humanos, a expressão significativa de um poder atribuído não ao individuo
singularmente, mas a própria coletividade social. Por isso, o direito a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado, constitui uma realidade nos ordenamentos
59
positivos nacionais e as formulações normativas proclamadas no plano
internacional.
É importante destacar que a desídia do proprietário do imóvel, por exemplo,
agindo pelo mau e excessivo uso de agrotóxicos e degradação de áreas destinadas
a preservação de fauna virgem, podem causar punições de caráter administrativo,
penal e civil. Onde, por obvio, haverá a observação do princípio da
proporcionalidade pelo Poder Público.
A defesa da integridade do meio ambiente, quando venha esta a constituir
objeto de atividade predatória, pode justificar reação estatal veiculadora de medidas,
como a desapropriação-sanção, que atinjam o próprio direito de propriedade, pois o
imóvel rural que não se ajusta, em seu processo de exploração econômica, aos fins
elencados no art. 185 da Constituição claramente descumpre o princípio da função
social inerente à propriedade, legitimando, deste modo, nos termos do art. 184 c/c
art. 186, II, a expropriação para fins de reforma agrária.
3.3.3 Elemento social
O art. 186, III da Constituição Federal determina a observância das
disposições que regulam as relações de trabalho, pois o empregador na poderá
descumprir as garantias constitucionais laborais (art. 7°),evitando com isso, entre
outras coisas, o êxodo rural. Já o inciso IV do art. 186, que determina que a norma
favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores, mostra-se bastante
subjetivista, gerando uma “ilusão constitucional”, pois no plano em que vivemos,
dificilmente predominarão a solidariedade, compreensão e cooperação entre
trabalhadores e empresários rurais.(BULOS, 2002, p. 1188).
60
A lei Federal n° 8.629/93, no seu § 4° do art. 9°, considera que a observância
das disposições que regulam as relações de trabalho implicam tanto o respeito às
leis trabalhistas quanto aos contratos coletivos de trabalho. A referida lei também faz
referência a respeito dos contratos de arrendamento e parcerias rurais, apesar de tal
matéria não se referir à legislação trabalhista.
O art. 7°, XXIX, da Carta Magna, prevê um prazo prescricional de 02 (dois)
anos após a extinção do contrato de trabalho para que a parte ajuíze uma ação
pleiteando os créditos resultantes da relação de trabalho, referente aos últimos 05
(cinco) anos do contrato de trabalho. A Emenda Constitucional n° 28 de 25/05/2000,
revogou a letra “b” deste inciso, que permitia, ao trabalhador rural que pleiteasse os
créditos trabalhistas desde o inicio da relação empregatícia, o que tornava a regra
extremamente forte e onerosa.
É de bom alvitre destacar que o não-atendimento das normas trabalhistas
pode ocasionar punições nas três esferas. Administrativamente, com multas
interdições, na hipótese de desrespeito ao horário e segurança no meio ambiente de
trabalho; civilmente, por pedido de indenização por fato culposo ou doloso que
ocasionasse acidente no trabalho; e por fim, penalmente, havendo a tipificação de
delitos criminais relacionados ao trabalho, como é o caso do crime de redução a
condição análoga de escravo.
3.3 A Função Social do Imóvel Urbano
A Constituição Federal, assim como o fez com o imóvel agrário, preocupou-se
em delinear regramentos que assegurassem o cumprimento da função social do
imóvel urbano, para garantir ordenamento da política urbana dos município, e
61
evitando, com isso, o crescimento desordenado decorrente do fenômeno da
urbanização.
Com efeito, a Lei Maior brasileira, em pese apresente preceitos normativos
comuns ao imóvel agrário e ao urbano, já esmiuçados neste trabalho monográfico,
dedicou um capítulo – Da Ordem Econômica e Financeira – à política urbana,
estabelecendo que a “propriedade urbana cumpre sua função social, quando atende
às exigências fundamentais de ordenação de cidade expressas no plano diretor”
(art. 182, § 2º, da CF), decorrente de uma política de desenvolvimento urbano, a
cargo do Poder Público Municipal, visando implementar as funções sociais da
propriedade e, consequentemente, da cidade, garantindo o bem-estar de seus
habitantes (art. 182, caput, da CF).
Com efeito, o Capítulo II, inseriu os instrumentos da Política Urbana, dizendo
que os limites da propriedade depende da política adotada por cada cidade, com
previsão no Plano Diretor, conforme artigo 182, parágrafo 2º, da CRF/88.
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. [...] § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
O parágrafo 1º, do artigo 182 da Constituição, estabelece que o plano diretor
é obrigatório para todas as cidades com mais de vinte mil habitantes, devendo ser
aprovado pela Câmara Municipal de cada Município.
A Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamentou os artigos 182 e
183 da Constituição repetiu o consignado na Lei Maior quanto a obrigatoriedade do
Plano Diretor para os municípios com mais de vinte mil habitantes, integrantes de
62
regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, bem como acrescentou, no seu
artigo 42, que mesmo deve conter no mínimo delimitação das áreas urbanas onde
poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsória,
considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização.
Cumpre ressaltar que o Plano Diretor representa um documento importante
para orientar os rumos do desenvolvimento municipal, que, independente de ser
obrigatório, deveria ser legislado por todos os municípios, já que os mesmos têm
competência para legislar sobre assuntos de interesse local, suplementar a
legislação federal e estadual e promover o adequado ordenamento territorial,
planejando, controlando e parcelando o uso e ocupação do solo urbano (art. 30, CF).
O legislador, conforme parágrafo 4º do artigo 182, da Constituição Federal,
combinado com inciso III do artigo 41, da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001,
criou mecanismos de Política Urbana ao autorizar o Município a possibilidade
de exigir do proprietário do solo urbano não edificado o seu adequado
aproveitamento:
Art. 182. [...] § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
Assim, incluída área no Plano Diretor, o município poderá estabelecer em lei
especifica, o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios do solo urbano
63
não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar os prazos para
cumprimento da obrigação.
É uma medida que visa coibir a especulação imobiliária, minimizar a
expansão urbana desordenada, ampliar a oferta dos imóveis e revitalizar os espaços
degradados.
Segundo Lorival Fallero, imóvel subutilizado é aquele em que o
aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação
dele decorrente, hipótese em que o proprietário será notificado pelo Município, para
cumpri com a obrigação imposta, esta notificação deve ser averbada junto ao
cartório de registro de imóveis.
Neste caso, o proprietário deverá em até um ano após a notificação,
protocolizar o projeto de adequação no órgão municipal e iniciar as obras do
empreendimento em até dois anos, contados de sua aprovação.
Há ainda a possibilidade de utilização do Imposto sobre a Propriedade Predial
e Territorial Urbana – IPTU, em caráter extrafiscal, com alíquotas progressivas, no
prazo de cinco anos consecutivos e com alíquotas máximas de quinze por cento,
como forma de compelir o proprietário a dar a adequada destinação ao imóvel.
Muito foi discutido sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da
cobrança do IPTU progressivo, dado seu caráter de confisco, todavia, em 2003 o
Supremo Tribunal Federal sacramentou, ao editar a súmula 668, que é
constitucional a lei municipal editada antes da Emenda Constitucional 29/2000,
desde que seja para assegurar a função social da propriedade urbana.
Destarte, com base no apresentado, fica evidenciado que o constituinte criou
bases legais para que o gestor tomasse medidas que assegurassem o cumprimento
da função social, a saber: o parcelamento ou edificação compulsórios, o IPTU
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progressivo e a desapropriação. São medidas que, indiretamente, restringem a ação
especulativa de imóveis vagos ou subutilizados, bem como a ocupação de áreas
que não estão estruturadas para ocupação residencial ou comercial de forma
permanente (com rede de saneamento, elétrica, de transporte público, coleta de
resíduo, suporte assistencial de saúde, etc).
O Direito Urbanistico, Segundo Suzycleide de Almeida Santos, procura
ordenar todo esse ordenamento do espaço urbano, senão vejamos:
Nesta esteira é que o Direito Urbanístico, conjunto de medidas destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem nas cidades, preocupado com a qualidade de vida, a facilidade de circulação, a eficiência como esta se realiza, procurando o equilíbrio ecológico e a preservação do meio ambiente, tem como uma de suas principais preocupações impedir a concentração de terra com objetivos especulativos. E como é sabido, a população normalmente carente, instalada num processo de segregação residencial, na periferia, pressiona e reivindica ao Poder Público melhores condições. Para tanto é necessário ordenar esses espaços.
3.5 Da Desapropriação
O saudoso Hely Lopes Meireles, sobre este tema, conceituava que:
Desapropriação ou expropriação é a transferência compulsória de bens particulares (ou públicos de grau inferior) para o Poder Público ou seus delegados , por necessidade ou utilidade pública, ou ainda por interesse social, mediante prévia e justa e justa indenização em dinheiro (MEIRELLES. 1990, p.497).
É a regra no direito pátrio que a propriedade individual pode ser extinta por
motivo de interesse público, isto é, por necessidade ou utilidade pública, ou
interesse social, o Poder público impõe a um proprietário a perda a perda de um
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bem, mediante indenização em dinheiro, salvo exceções constitucionais de
pagamento em títulos da dívida pública, ou títulos da dívida agrária, no caso de
reforma agrária, por interesse social.
O fundamento da desapropriação esta inserido na garantia da propriedade
que a constituição disciplina. Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o direito de
propriedade protege duas garantias: a garantia de conservação e a garantia de
compensação. Pela garantia de conservação, o proprietário tem o direito de manter
o bem no tempo e na forma que lhe aprouver. Pela garantia de compensação, caso
o Poder Público queira um bem , objeto de propriedade de outra pessoa, para os fins
previstos em lei, deve compensar o particular com uma indenização suficiente para
repor o prejuízo com a expropriação do bem.
Pelo art. 184 da Constituição Federal, compete à União desapropriar por
interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja
cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da
dívida agrária, com clausula de preservação de valor real,resgatáveis no prazo de
até vinte anos. Disciplina, ainda, que as benfeitorias úteis e necessárias serão
indenizadas em dinheiro.
Verifica-se que a desapropriação para fins de reforma agrária, por interesse
social, é uma exceção a regra geral constitucional de compensação justa e prévia
em dinheiro, uma vez que o pagamento é feito mediante títulos da dívida agrária
(TDA), resgatáveis em até 20 anos.
O TDA é um titulo de crédito emitido pro soluto. Pelo fenômeno da
“incorporação”, nele se materializa a própria indenização pelo desapossamento. Em
razão da autonomia cambial, o TDA equipara-se a bem móvel e como tal circula no
comércio. Quando entrega o TDA ao expropriado, o Estado ao tempo que se
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considera exonerado pela indenização, compromete-se de resgatá-lo de qualquer
portador ou endossatário que o apresente, sem indagar como ou porque se deu a
transferência.(BESERRA, 2001)
É sabido que os TDAs são títulos que são comercializados com deságios
sempre superiores a 30% de seu valor. Quanto a possibilidade do Poder Público
recompor estas perdas decorrentes dos deságios das TDAs vendidas antes do
vencimento, o STJ decidiu pela compensação destes deságios (RSTJ 25/230).
Desta forma, é assegurado ao expropriado ou ao endossatário a incorporação de
todas as perdas inflacionárias ou escamoteação de índices provocados por
desvalia.(BESERRA, 2001)
Prevê ainda o art. 184 da Carta Magna, que a indenização ocorre em cima do
valor da terra nua6, valor fundiário do imóvel, o valor considerado somente para a
propriedade agrária, sem os acréscimos e benfeitorias (úteis ou necessárias), que
serão pagos em dinheiro. Esta modalidade de desapropriação, denominada
desapropriação agrária, serve como sanção àquele proprietário que não atende ao
apelo de produção, segundo o vetor da função social da propriedade.
O descumprimento da função social agrária implica no não-atendimento dos
requisitos dispostos no art. 186 da CF, já esmiuçados neste trabalho monográfico,
que seriam os elementos produção, social e ecológico.
O art. 185 da Constituição gera um pouco de polêmica pois afasta a
possibilidade de desapropriação da propriedade considerada produtiva, no entanto
não cita os outros elementos da função social: ecológico e social. Contudo,
entendemos que o legislador quis citar, neste caso, a propriedade produtiva que
6 O STF pacificou a tese de indenização das coberturas florísticas, proclamando que “As matas de preservação permanente são indenizáveis visto que, embora proibida a derrubada pelo proprietário, persiste o seu valor econômico e ecológico” (STF, RE 110717, rel. Min. Francisco Resek, RTJ, 108:1314).
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cumpre sua função social. Pois seria inaceitável tornar uma propriedade produtiva
isenta da possibilidade de expropriação, mesmo utilizando do trabalho em condições
análogas de escravidão, ou em caso que o titular do domínio abusasse do uso de
agrotóxicos, degradando a natureza.
No caso do imóvel urbano, segundo artigo 8º da Lei 10.257/2001, ocorrerá
possibilidade de desapropriação quando o proprietário do imóvel não atender as
obrigações de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios e do IPTU
progressivo, devendo ser aplicado depois de decorridos cinco anos.
Neste caso, o pagamento é feito com títulos da dívida pública, num prazo de
até dez anos, com prestações sucessivas iguais e anuais, assegurando o valor real
de indenização, com juros de seis por cento ao ano e dependendo de prévia
aprovação do Senado Federal.
A fim de que o imóvel cumpra sua função social, deve o Município, num prazo
máximo de cinco anos, após a incorporação do imóvel ao seu patrimônio público,
dar o seu destino correto, a exemplo da implantação de Zona de Especial Interesse
Social (ZEIS), criação dos espaços públicos (praças, parques, outros), preservação
ambiental e áreas para atividades econômicas.
O prefeito e seus agentes ficam condicionados ao que reza o inciso II e caput
do artigo 52, do Estatuto da Cidade, isto é, pode incorrer em atos de improbidade
administrativa se deixar de proceder aquilo que determina a lei.
Muitos diplomas legais regularam, ao longo do tempo, a desapropriação no
Brasil, entretanto, após a Constituição de 1988, estes diplomas foram revogados em
parte por ampla jurisprudência. Atualmente, atendendo aos ditames constitucionais,
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regulam a matéria: Lei Complementar n° 76/93, modificada pela Lei Complementar
88/ 96, que institui o rito sumário, e a Lei n° 8.629/937, que regula a parte material.
Há a necessidade de um ato declaratório da desapropriação que deve vir por
meio de decreto editado pelo Chefe do Executivo. A lei complementar prescreve
prazo decadencial de dois anos. O sujeito passivo será o proprietário do imóvel a ser
expropriado, podendo atingir terceiros que tenham interesse jurídico em questão,
como os titulares de direitos reais sobre coisa alheia (usufrutuário, enfiteuta, credor
hipotecário, por exemplo).
Este decreto expropriatório não retira a propriedade do proprietário, isto só
ocorre após o pagamento por via amigável administrativa ou judicial, apenas
possibilita, a priori, que a administração Pública adentre no imóvel desapropriado,
podendo, se necessário, em caso de resistência, utilizar-se de força policial.
É importante destacar, que constitui regra a vedação do Poder judiciário de
apreciar o mérito administrativo, referente à discricionariedade da Administração
Pública. Essa idéia vem sendo amenizada pelo controle jurisdicional defendido pela
Constituição atual, haja vista que até mesmo a discricionariedade deve se sujeitar à
legalidade, evitando, com isso, coibir o abuso de poder por parte dos governantes.
Pelo art. 9° da Lei Complementar n° 76/93, a contestação, como de regra,
pode ser apresentada no prazo de 15 dias. Podendo questionar as mais variadas
matérias, sendo, no entanto, defeso a contestação do interesse social. No entanto,
apesar da proibição legal, nada impede que seja questionado o mérito
administrativo, assim, não discutindo os limites legais desse, mas o próprio conteúdo
(motivação e finalidade) da desapropriação.
7 Alterada pela MP n. 2.183-56 de 24 de agosto de 2001.
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Quando a desapropriação for agrária, a lei exclui a necessidade de
apreciação do interesse social, mas não pode deixar de ser apreciado o elemento
produtividade, pois e da improdutividade do bem que é dada a condição legal para a
expropriação agrária.
O Poder Público, através de seus agentes e seus concessionários, muitas
vezes, prescinde dos procedimentos legais administrativos nos casos de
desapropriação, e por não dizer, movido por dolo, para safar-se da obrigação de
pagar previamente a obrigação ao proprietário, apossa-se ilicitamente do bem, sem
qualquer comunicação prévia, cuja conduta revela verdadeiro esbulho possessório.
Este ilícito administrativo, cuja nomenclatura no caso é tratada pela doutrina e
jurisprudência eufemisticamente como apossamento administrativo, é mais
conhecido como desapropriação indireta (BESERRA, 2001).
Neste caso, cabe ao proprietário do imóvel promover ação de indenização por
apossamento administrativo, dentro de um prazo de cinco anos (MP n. 1.658-12 de
16-05-1998), com acréscimo de eventuais perdas e danos, juros compensatórios
(6% ao ano) e moratórios, custas e despesas processuais e honorários advocatícios.
O art. 243 da Constituição Federal prevê a desapropriação de áreas em
qualquer parte do país que sirvam para culturas ilegais de plantas psicotrópicas, as
quais serão destinadas ao assentamento de colonos para a produção de produtos
alimentícios e medicamentosos. Dispõe, ainda, que a desapropriação será realizada
sem qualquer indenização ao proprietário.
Na realidade a expropriação a que se refere o art. 243 da CF, é um confisco
promovido pelo Poder Público como punição pela utilização da terra para fins ilícitos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta do estudo realizado sobre o tema da propriedade e sua função
social foi procurar responder os questionamentos feitos com relação a este instituto,
suas eventuais controvérsias, garantias, bem como sua eficácia e credibilidade.
Na pesquisa analisou-se a evolução do conceito de propriedade e viu-se que
este conceito muito se modificou no decorrer dos anos, em face da constante
evolução social a qual vivemos. Desde os tempos mais remotos o homem procurou
manter um vinculo com bens materiais, mesmo que no inicio fossem apenas bens
móveis, destinados à caça ou utensílios domésticos. A propriedade de bens imóveis
sempre foi um sonho inalcançável aos menos abastados, isto, pelo menos, até a
Revolução Francesa, quando a burguesia ascendeu ao poder trazendo consigo
vários ideais, igualdade, fraternidade, e no mesmo patamar, como pilar estrutural da
sociedade, o direito à propriedade.
Contudo, as velhas concepções absolutistas do direito do proprietário a usar,
fruir e abusar do bem imóvel a sua conveniência, foram derrubadas, a idéia da
função social alterou a estrutura do direito à propriedade, convertendo-o em dever-
poder voltado à destinação do bem comum, a objetivos que transcendem o simples
interesse do proprietário, que venha a satisfazer indiretamente as necessidades dos
demais membros da comunidade.
Na seqüência de nossa pesquisa, analisamos a positivação do principio da
função social da propriedade no direito pátrio. Essa evolução partiu do período pré-
constitucional, momento onde havia o cumprimento de um misto entre legislações
brasileiras e diplomas legais portugueses.
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Concluímos que o direito de propriedade se modificou bastante no decorrer
dos anos, do inicio, com o advento da Constituição Imperial de 1824, até a
Constituição vigente de 1988, em todo o tempo se falou do direito a propriedade.
Com a evolução gradual destas Cartas, sempre seguindo o desenvolvimento social,
ressalvada a Constituição de 1937 que nada acrescentou, muito se caminhou até
chegar ao que se entende hoje por função social da propriedade. De fato, A Carta
Magna vigente, Também intitulada “Constituição Cidadã”, deu muito destaque ao
instituto, como já foi destacado acima, elevando-o ao status de princípio
constitucional.
Assim como as Constituições, a legislação civil se modificou de forma
considerável para recepcionar este princípio. Exemplo disto foi o novo Código Civil,
instituído pela lei n° 10.406/2002, que incorporou a preocupação com a função social
da propriedade em muitos momentos, a começar da própria conceituação do
conceito de propriedade em geral, cujo exercício deve pautar-se de acordo com
finalidades econômicas, sociais e voltadas a preservação do equilíbrio ecológico, do
patrimônio histórico e artístico (§1° do art. 1.228).
O principio da função social da propriedade, deste modo, está recepcionado
pela legislação pátria, inclusive como norma de eficácia plena, pela Constituição
Federal, cabendo a sociedade brasileira, em especial, a comunidade jurídica, se
conscientizar da sua existência e passar a aplicá-la, de forma efetiva, pois não deve
ser vista como norma programática, porque, de fato não é.
No capitulo III, foram abordadas as peculiaridades do instituto e seus reflexos
nas propriedades rurais e urbanas. Foi visto a distinção entre o este e o imóvel
urbano, fazendo valer o critério da destinação, onde o bem imóvel agrário é o
destinado à agricultura ou pecuária, ressalvado sempre que para fins tributários o
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critério a ser adotado é o topológico. Após analise detalhada dos vários conceitos
dados à função social, chegamos à conclusão que a mesma não é uma limitação
imposta ao direito de propriedade, mas, apegando-se a corrente majoritária, é uma
condição inerente ao próprio conceito de propriedade, assim, não existe abrigo legal
a propriedade que não cumpre sua função social.
Quanto ao imóvel agrário, foi visto que o mesmo cumpre sua função social
quando exerce, simultaneamente, os elementos produção, através do uso racional e
adequando do solo, elemento social e elemento ecológico, relacionado à
preservação do meio ambiente, o que é de total importância por ser considerado um
direito fundamental de terceira geração. No que se refere ao imóvel urbano restou
fica evidenciado que o legislador criou bases legais para que o gestor tomasse
medidas que assegurassem o cumprimento da função social, são medidas que,
indiretamente, restringem a ação especulativa de imóveis vagos ou subutilizados,
bem como a ocupação de áreas que não estão estruturadas para ocupação
residencial ou comercial de forma permanente.
Por fim, vimos que para evitar dar um caráter programático à função social da
propriedade, a Constituição e leis extravagantes criaram dispositivos persuasivos ao
proprietário. Na esfera agrária, ora objeto de estudo, o imóvel rural que não estiver
cumprindo sua função social, nos termos do art. 186 da Constituição, está sujeito,
além de tributação mais gravosa pelo ITR (art. 153, §4°), a desapropriação para fins
de reforma agrária (art. 184). Na esfera urbana há possibilidade de parcelamento ou
edificação compulsórios, o IPTU progressivo e a desapropriação.
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REFERÊNCIAS
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