Monografia

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16 1 APRESENTAÇÃO Este trabalho monográfico integra os objetivos do projeto de pesquisa ―Projetos de Desenvolvimento e Conflitos Socioambientais no Maranhão‖, realizado no âmbito do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), que tem como coordenadores os Professores Horácio Antunes de Sant‘Ana Júnior, Elio de Jesus Pantoja Alves, Madian de Jesus Frazão Pereira e Bartolomeu Rodrigues Mendonça. Tendo como sustentáculo o projeto supracitado, o trabalho aqui apresentado é resultado de análises acerca das diversas estratégias discursivas e práticas que a Companhia Vale do Rio Doce 1 tem investido buscando consolidar sua imagem de responsável socialmente e sustentável ambientalmente. Não obstante, grupos sociais são atingidos pelos discursos da Vale (povos indígenas, quilombolas, camponeses, trabalhadores), cujas práticas agressivas deflagraram rápidos processos de apropriação de territórios e culturas, levando a reelaborar identidades, qualificando-as como subdesenvolvidas, e fazendo, portanto, com que seus significantes e significados, suas cosmologias sejam inferiorizadas e ditas atrasadas. Esse discurso tem sido naturalizado via conhecimento científico, por mecanismos de internalização como o marketing ambiental e empresarial da Companhia, cujo ancoradouro são os ideais de modernidade e progresso. A articulação entre mineração e siderurgia tem imposto aos referidos grupos sociais deslocamentos, realocações, desestruturação do modo de vida, supressão da diversidade biológica e social. Lembro que o alcance deste trabalho monográfico ―restringe-se‖ à Vale e que, a partir dela, argumentamos que suas investidas modernas, desenvolvimentistas e progressistas têm produzido uma verdadeira cadeia produtiva de conflitos ambientais, na medida em que as estratégias relacionais e discursivas tanto da Vale, quanto dos atingidos, opõe-se contundentemente, em especial na Amazônia Maranhense. Com o fito de obter êxito em tal empreitada, e atendendo a critérios estéticos/metodológicos de organização do trabalho, dividi a monografia em três eixos temáticos: 1) Crise ambiental e as sevícias do capital; 2) Territorialização da Vale ao longo da história; e 3) a discussão dos documentos oficiais da empresa. Os três eixos temáticos são compostos de sete capítulos, no qual faço, em cada um, diversas discussões de ordem teórica e contraposições com casos concretos de injustiça ambiental, o que me permitiu conectar as formações discursivas da Vale com os conflitos ambientais aqui compendiados. 1 Desde 2007, utiliza o nome fantasia Vale.

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1 APRESENTAÇÃO

Este trabalho monográfico integra os objetivos do projeto de pesquisa ―Projetos de

Desenvolvimento e Conflitos Socioambientais no Maranhão‖, realizado no âmbito do Grupo

de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), que tem como

coordenadores os Professores Horácio Antunes de Sant‘Ana Júnior, Elio de Jesus Pantoja

Alves, Madian de Jesus Frazão Pereira e Bartolomeu Rodrigues Mendonça.

Tendo como sustentáculo o projeto supracitado, o trabalho aqui apresentado é

resultado de análises acerca das diversas estratégias discursivas e práticas que a Companhia

Vale do Rio Doce1 tem investido buscando consolidar sua imagem de responsável

socialmente e sustentável ambientalmente. Não obstante, grupos sociais são atingidos pelos

discursos da Vale (povos indígenas, quilombolas, camponeses, trabalhadores), cujas práticas

agressivas deflagraram rápidos processos de apropriação de territórios e culturas, levando a

reelaborar identidades, qualificando-as como subdesenvolvidas, e fazendo, portanto, com que

seus significantes e significados, suas cosmologias sejam inferiorizadas e ditas atrasadas. Esse

discurso tem sido naturalizado via conhecimento científico, por mecanismos de internalização

como o marketing ambiental e empresarial da Companhia, cujo ancoradouro são os ideais de

modernidade e progresso.

A articulação entre mineração e siderurgia tem imposto aos referidos grupos sociais

deslocamentos, realocações, desestruturação do modo de vida, supressão da diversidade

biológica e social. Lembro que o alcance deste trabalho monográfico ―restringe-se‖ à Vale e

que, a partir dela, argumentamos que suas investidas modernas, desenvolvimentistas e

progressistas têm produzido uma verdadeira cadeia produtiva de conflitos ambientais, na

medida em que as estratégias relacionais e discursivas tanto da Vale, quanto dos atingidos,

opõe-se contundentemente, em especial na Amazônia Maranhense.

Com o fito de obter êxito em tal empreitada, e atendendo a critérios

estéticos/metodológicos de organização do trabalho, dividi a monografia em três eixos

temáticos: 1) Crise ambiental e as sevícias do capital; 2) Territorialização da Vale ao longo da

história; e 3) a discussão dos documentos oficiais da empresa. Os três eixos temáticos são

compostos de sete capítulos, no qual faço, em cada um, diversas discussões de ordem teórica

e contraposições com casos concretos de injustiça ambiental, o que me permitiu conectar as

formações discursivas da Vale com os conflitos ambientais aqui compendiados.

1 Desde 2007, utiliza o nome fantasia Vale.

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No primeiro eixo temático, de forma sintética, analiso o cenário do surgimento da

crise ambiental, pois, é nesse que a reprodução das relações capitalistas encontram limites

ecológicos bem postos para o seu projeto de crescimento infinito. A meu ver, a crise

ambiental é, na verdade, uma crise da civilização burguesa/ocidental que construiu uma ideia

de Natureza antagônica à Sociedade. Se antes, boa parte do mundo ocidental achava que a

raça humana desapareceria por conta de Deus e seu regresso para o ―Juízo Final‖, a partir da

década de 1960, a raça humana, em especial as sociedades ocidentais/ocidentalizadas ―viram‖

em si próprias o inimigo. É claro não faço aqui uma ecologia burguesa que aponta o Homem

como destruidor da Natureza: para mim o homem que destrói a natureza e que se vê inimigo

dela é o homem moderno/desenvolvido, um projeto de homem semeado por Bacon, lapidado

por Descartes, conduzido através das luzes para o abismo. Enfim, este eixo temático é

fundamental para compreender os seguintes.

No segundo eixo promovo a recuperação histórica e territorial da Companhia Vale do

Rio Doce: desde a fundação da Estrada de Ferro Vitória-Minas, passando pela criação da

estatal no Governo de Getúlio Vargas, bem como sua transição para o regime de privatização

que culminou numa política econômica extremamente agressiva, principalmente a partir da

escolha do Diretor-Presidente Roger Agnelli, hoje ex-presidente.

Por fim, no terceiro eixo, trago para a discussão reflexões de minha análise sobre os

Relatórios de Sustentabilidade, a Política de Desenvolvimento Sustentável e o Desempenho

da Vale, todos documentos oficiais da Companhia. Nesses documentos, pude constatar que a

Vale deseja a internalização do seu discurso como uma verdade objetiva, sem espaço para

questionamentos ou subjetividades. Paralelamente a isso, busco sempre arrostar com aquilo

que é alegado pela Companhia com exemplos de injustiça ambiental. Também analiso a luz

dos conceitos de campo, habitus e governamentalidade, o discurso e as práticas espaciais da

Vale e suas ações, reações e relações com os agentes sociais envolvidos (Estado, setor

privado, sociedade civil). O conceito de habitus foi fundamental para me ajudar a entender

como as estruturas dos discursos e das práticas se forjam, conduzem representações do espaço

e inserem-se em diversos campos (político, econômico, simbólico, material, epistêmico,

cultural) se intra-articulando e inter-articulando de maneira heterogênea numa verdadeira

disputa pelo poder.

Enfim, todas as análises e críticas aqui promovidas foram construídas e alicerçadas na

base teórica das ciências humanas, de maneira geral, com destaque epistêmico para Filosofia,

mas procurando a todo instante como cada agente social deixa as suas marcas no espaço, ou

seja, como fazem Geografia.

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2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: Trabalhadores Explorados, Famílias Despejadas,

Natureza Destruída... Isso Vale?

Desde 1930, o Estado brasileiro vem assumindo a missão nada fácil de encarregar-se

do desenvolvimento de certos aspectos relativos ao crescimento econômico do país. As obras

necessárias para tanto eram altamente custosas e englobavam desde a infraestrutura necessária

à industrialização até as indústrias pesadas, ou de base, como é o caso da siderurgia.

O desenvolvimento industrial de grande porte que o Brasil começou a experimentar

nas décadas de 1930 a 1950 intensificou-se na década de 1970, em pleno Regime Militar,

precisamente no governo do general Garrastazu Médici, quando se vivia o ―milagre

econômico‖2. O Estado brasileiro interferia maciçamente na economia nacional, pois os

governos militares estavam determinados a transformar o Brasil num país desenvolvido e

numa ―potência emergente‖. O milagre econômico possibilitou pesados investimentos em

ferrovias, portos, rodovias, hidrelétricas, telecomunicações, indústria de transformação e

mineração.

No setor de mineração, destaca-se a, então, Companhia Vale do Rio Doce-CVRD,

criada no governo de Getúlio Vargas, em decorrência dos Acordos de Washington3,

precisamente no dia 1º de junho de 1942, através do decreto-lei nº 4.352. Essa companhia foi,

durante 55 (cinqüenta e cinco) anos, controlada pelo Estado brasileiro, todavia, no governo de

Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), foi privatizada, uma vez que o então presidente

lançou mão de uma política econômica em que se inseriam as reformas constitucionais que

visavam à atração do capital estrangeiro para o Brasil.

A Vale é uma das maiores transnacionais e uma das maiores mineradoras do mundo.

Seu grupo empresarial é composto por pelo menos 27 empresas coligadas, controladas ou

2 A rigor, a intensa e generalizada internacionalização do capital ocorreu no âmbito da intensa e generalizada

internacionalização do processo produtivo. Os ―milagres econômicos‖ que se sucedem ao longo da Guerra Fria e

depois dela são também momentos mais ou menos notáveis dessa internacionalização (IANNI, 2007, p. 62).

3 ―A empresa surgiu de um acordo assinado em Washington entre Estados Unidos, Inglaterra e Brasil, em plena

Segunda Guerra Mundial. Estados Unidos e Inglaterra, dedicados ao esforço de guerra contra Hitler,

necessitavam que o Brasil fornecesse minério de ferro para sua indústria de armamentos. Daí surge a proposta de

construção da CVRD. Os Estados Unidos entrariam com um empréstimo e com a tecnologia para montar tanto a

mineradora quanto a siderúrgica, CSN (Companhia Siderúrgica Nacional). A Inglaterra não se oporia a

encampação das empresas, pagando-se uma indenização, e o governo de Getúlio entraria com a matéria-prima,

os trabalhadores e toda a infra-estrutura para o negócio‖ (GODEIRO et al. 2007, pp.10-11). Mais uma vez

tomamos ciência de até onde podem ir as sevícias do capital: do minério de ferro do nosso país saía a matéria-

prima que se transformaria em armamentos contra os nazistas. A construção da Vale já é ―agressiva‖. Repare-se

também na colonialidade do negócio: os EUA fazem empréstimos e a tecnologia; A Inglaterra indenizada; e o

Brasil entra com os trabalhadores, a infraestrutura e a matéria-prima. Um legítimo comércio colonial com as

metrópoles.

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joint-ventures distribuídas em mais de 30 países, dentre eles Brasil, Angola, Austrália,

Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Indonésia, Moçambique, Nova Caledônia e Peru, nos

quais desenvolve atividades de prospecção e pesquisa mineral, mineração, operações

industriais e logística.

Os segmentos de atuação da Vale são: minerais ferrosos; alumínio e sua cadeia

produtiva (bauxita, alumina e alumínio primário); minerais não ferrosos (minério de cobre,

cloreto de potássio, caulim); siderurgia; e carvão. A empresa investe também no setor

logístico, infraestrutura portuária e transporte ferroviário. Entre os clientes da Vale,

encontram-se os maiores grupos de siderurgia mundial: as italianas Ilva e Lucchini (grupo

russo Severstal); Corus (grupo indiano Tata); ArcelorMittal (França e Holanda); Taiwan

China Steel Corporation; Baosteel (maior grupo de siderurgia chinês); ThyssenKrupp

(Alemanha), Nisshin Steel, Sumitomo, Kobe Steel, JFE Steel, Nippon Steel (Japão); POSCO

(Coréia); Erdemir (Turquia).

Os minerais ferrosos respondem por 61,6% de sua receita, seguidos de níquel (13,6%),

alumina (5%), cobre (4,7%), serviços de logística (4,6%) e alumínio (3,6%).

Desde sua privatização a empresa teve lucros de US$ 49,2 bilhões, sendo que US$

13,4 bilhões foram distribuídos a seus acionistas. Nos últimos 10 anos, a Vale foi a quarta

empresa mais rentável entre as grandes companhias (Boston Consulting Group).

A Vale qualifica-se como uma empresa que transforma recursos minerais em

utensílios necessários para o cotidiano das pessoas. Reflexo da internacionalização do capital,

ela é uma empresa multinacional sediada no Brasil que conta com mais de 100 mil

empregados, entre terceirizados e próprios. No seu discurso, a referida empresa qualifica-se

também como sendo socioambientalmente responsável, considerando-se corresponsável no

desenvolvimento dos empregados e na sustentabilidade do ambiente, sempre levando em

consideração as comunidades em que atua.

Essa breve descrição da Companhia Vale do Rio Doce – CVRD – permite ter uma

noção sintética da grandeza da Vale, bem como, torna apto extrair informações basilares que

servirão de questionamento: 1) é possível pensar em ―desenvolvimento sustentável‖ no seio

de uma empresa cuja atividade é extremamente agressiva ao ambiente? 2) Será que a Vale

preza pela responsabilidade socioambiental ou trata-se apenas de mais uma tática de

marketing de sua Política Ambiental? 3) A apropriação do discurso moderno de

responsabilidade socioambiental e, por conseguinte, desenvolvimento sustentável, são apenas

mecanismos que visam legitimação ou são perfeitamente conexos com a realidade?

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A partir dessas três perguntas pode-se analisar de forma crítica4 e radical

5 a temática

da Política Ambiental contemporânea, notadamente, enfocando a referida empresa através de

aspectos teóricos, mas também práticos e pontuais, que permitem averiguar a veracidade dos

discursos, uma vez que os fatos não existem por si só e, destarte, devem ser questionados.

Esta obra tem como intuito investigar o discurso de responsabilidade socioambiental

empregado pela Vale no período pós-privatização (1997-2010), principalmente em sua

atuação no município de São Luís – MA. Para tanto, a monografia foi dividida em 8 (oito)

seções. Na primeira parte, contextualiza-se historicamente a crise ambiental tendo como

referencial as conferências promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Partindo

para analisar o desenvolvimento da companhia de estatal a privada, a territorialização da Vale

na tessitura histórica é abordada na segunda seção. Os Relatórios de Sustentabilidade de

2007 e 2008 - documentos oficiais disponíveis no sítio da empresa, www.vale.com - são

analisados na terceira e quarta parte respectivamente. Através do documento oficial

Desempenho da Vale em 2009, apresentado durante a Assembleia Ordinária de Acionistas

ocorrida no Rio de Janeiro (RJ), sede mundial da Vale, no dia 27 de abril de 2010, a quinta

seção, objetiva avaliar a performance econômica da Vale no ano de 2009, contrapondo com

casos concretos de injustiça socioambiental. Partindo da categoria governamentalidade, do

filósofo Michel Foucault, a sexta parte propõe enfatizar os reflexos da ―governamentalidade

valiana‖ no campo socioambiental no ano de 2010. Procurando identificar como a Vale se

posiciona diante da questão socioambiental e analisando de maneira crítica o discurso, a

sétima seção tem como desígnio avaliar a Política de Desenvolvimento Sustentável

(documento oficial também disponível no sítio eletrônico da empresa). Finalmente a oitava

seção propõe investigar os elementos do campo discursivo pari passu a formação de um

habitus ecológico da empresa, por meio da apropriação do discurso contemporâneo de

desenvolvimento sustentável, da responsabilidade social empresarial e o marketing ambiental,

para obter legitimidade social, jurídica, política e pública de uma empresa que se apresenta

como comprometida com o ambiente.

4 De acordo com Japiassu e Marcondes (1990) apud Spósito (2004, p. 66) ―a palavra vem do grego kritiké, que

significa a ‗arte de julgar‘‖.

5 Segundo Japiassu e Marcondes (1990, p. 209) apud Spósito (2004, p. 65) o termo é proveniente do latim tardio

radicalis, e ―diz respeito à raiz das coisas, à sua natureza mais profunda, sem admitir restrição ou limite‖.

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3 METODOLOGIA

Na construção da monografia, a metodologia ocupa um lugar de destaque uma vez que

o método, de certa forma, é quem vai mediar a relação entre o que quer conhecer e aquilo que

vai ser reconhecido. Por isso, o método escolhido para servir de ―caminho‖ foi o dialético,

pois ele permite uma maior interação com o objeto estudado, escapa do objetivismo

positivista, da rigidez matemática, permitindo que entendamos o problema problematizando-o

e, assim, criando hipóteses e enfrentando os problemas.

O método dialético tem como base o movimento e a mudança (POLITZER, 1986). A

realidade é mutável, a história não é estática. Até mesmo o mundo, hoje, tal qual como o

conhecemos e concebemos está destinado a desaparecer, pois nenhuma sociedade é imóvel,

tudo é transformado porque ―o que vemos por toda a parte, na natureza, na história, no

pensamento, é a mudança e o movimento. É por esta constatação que começa a dialética‖

(POLITZER, 1986, p. 119). Dessa forma, a dialética nos permitirá encontrar diferenças de

pensamento, perspectivas, teorias e análises, assim como uma necessidade de investigar o

discurso de responsabilidade socioambiental que a Vale emprega, com ênfase no município de

São Luís, no período pós-privatização (1997-2010). As concepções presentes neste trabalho

são frutos da noção de realidade espaço-temporal vigente na contemporaneidade: uma

―geografia das frases-feitas‖, onde se discursa demasiadamente, mas as práticas produtivas

concretas são extremamente dissonantes do discurso proferido.

A concretização da monografia somente foi possível, também, primeiramente porque o

―caminho‖ traçado permitiu a todo instante sermos incomodados pelo objeto de pesquisa:

situações novas surgiam, atores sociais remodelavam seus hábitos, o cenário econômico

mundial favorecia as mudanças e os movimentos. Além disso, a escolha dos procedimentos

permitiram o aprofundamento do conteúdo; identificar erros e acertos, suscitou mais

questionamentos, nem todavia, com mais respostas.

Sendo assim, podem-se avaliar as ações e atividades desenvolvidas pela empresa no

que tange às políticas de responsabilidade ambiental e social. Para tanto, se utilizará como

base o modelo cronológico disponível no site da empresa, www.vale.com, que atesta apenas

os fatos ―politicamente benéficos‖ ou que não ―mancham‖ a imagem da referida empresa.

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3.1 Procedimentos Metodológicos

Para a realização do presente trabalho lançamos mão de alguns procedimentos

metodológicos, a saber:

Levantamento e análise de material bibliográfico;

Revisão bibliográfica enfocando temas como responsabilidade ambiental,

desenvolvimento, modernidade, responsabilidade social, desenvolvimento sustentável,

política ambiental e discurso;

Documentação fotográfica, para ilustrar as informações estudadas bem como para

validação científica do trabalho;

Obras de consulta relacionadas ao tema de forma geral na Biblioteca Central da

Universidade Federal do Maranhão (UFMA), da Universidade Estadual do Maranhão

(UEMA) e no Núcleo de Documentação, Pesquisa e Extensão Geográfica (NDPEG);

Jornadas de campo para registro fotográfico no bairro Alto da Esperança, localizado

na área Itaqui-Bacanga, São Luís-MA.

Realização de entrevistas dirigidas junto a atores sociais.

Realização de pesquisa na página eletrônica da empresa;

Por conseguinte, interpretação, análise e tabulação dos dados brutos e informações

obtidas.

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4 A CRISE AMBIENTAL E AS SEVÍCIAS DO CAPITAL

Antes de entrar diretamente no mérito da questão, é de suma importância anotar que

um dos mais importantes agentes sociais - o Estado - está atravessando, desde a década de

1990, um processo de transformação gradual no que tange às ações diretas na esfera

econômica, fruto de uma ampliação das táticas e estratégias liberais que alavancariam o

neoliberalismo.

Os anos 1990, no mundo, marcam o fim da Guerra Fria e o começo de uma nova

ordem política e econômica. A queda do Muro de Berlim, autorizada pelo governo comunista,

é um marco histórico que simboliza o novo momento do mundo. As transformações mundiais

observadas não se resumiam à liderança dos Estados Unidos, mas também são o resultado de

um conjunto de idéias econômicas e políticas que defendiam o livre mercado6 a nível global,

ou seja, o Neoliberalismo.

―Mundo Neoliberal‖ é uma das muitas metáforas que podem ser utilizadas para se

entender os anos 1990. Investimentos estrangeiros diretos, não-protecionismo, liberalização

econômica-comercial-financeira e diminuição da participação do Estado na economia, são

algumas das características desse sistema político-econômico. Essa remodelagem do Estado

(de controlador para regulador) permite uma maior gerência e autonomia do setor privado na

economia, que se processa metodologicamente pelos programas de privatização.

No Brasil, os anos 1990 começam com o governo Collor de Mello, eleito presidente

em 1989. Collor apresentava como sendo seu programa de governo erradicar a inflação,

diminuir a influência do Estado (movimento este internacional) na economia e moralizar a

política. Na economia, Collor lançou um plano homônimo que tinha dentre outras funções

estabilizar a economia e conter a inflação. Em tese, os motivos do Plano Collor eram

justificáveis, mas as medidas tomadas para o atendimento dos objetivos do Plano foram

catastróficas, uma vez que o governo lançou mão do confisco monetário (de contas-correntes

e poupanças) e congelamento de salários e preços. Após um breve período de relativo apoio

popular, o Governo Collor passou por crescente desgaste em sua imagem e, sob fortes

acusações de corrupção. No final das contas, Collor sofreu processo de impeachment e foi

afastado da presidência da República. Itamar Franco assumiu o cargo interinamente.

6 Em outras palavras É como se fora do mercado, que possui suas próprias regras de funcionamento, não

houvesse possibilidade de existência socioeconômica. Logo ele se absolutiza como única dimensão econômica

possível e pensável, o que nos leva a deduzir que, de um ponto de vista externo do mercado, ou seja, fora do

sistema, exista apenas a exclusão (MORENO, 2005).

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Os governos de Itamar Franco e, principalmente, de Fernando Henrique Cardoso,

serão avaliados num outro momento. Importante notar que, entre os anos 1930 e 1990,

indubitavelmente, uma das características do Estado brasileiro foi, e continua sendo, os

investimentos no setor de indústria e infraestrutura. Penteado (2006, p. 01) escreve que:

Historicamente a participação do Estado em atividades econômicas privadas pode

ser identificada com a criação do Banco do Brasil S/A, primeira sociedade de

economia mista fundada pelo Alvará de 12.10.1808, do Príncipe Regente [...] Com o

início da industrialização, e sob a égide da Carta de 1937, começaram a ser criadas

uma série de sociedades de economia mista, voltadas a atividades econômicas

básicas ou de infra-estrutura industrial e de serviços, como [...] a Companhia Vale

do Rio Doce (Decreto-Lei n.º4.352/42).

Todavia, caso queira-se entender os descompassos do modelo neoliberal com o meio

ambiente e, por conseguinte, compreender a lógica dos discursos e a ―Geografia das frases-

feitas‖ é preciso recuar no tempo, antes mesmo do nascimento formal do Neoliberalismo.

A partir do final dos anos 40 a integração mundial, pela expansão capitalista em

novas bases, estabelece o tema do desenvolvimentismo como questão central, tendo

em vista as necessidades de ampliação dos mercados e de superação da ordem

anterior. Na América Latina a CEPAL - Comissão Econômica para a América

Latina - foi, na década de 50, o grande fórum de debates sobre o tema

[desenvolvimentismo], colocando a nu as desvantagens dos países pobres no

comércio internacional, e apontando a industrialização como solução para os

problemas econômicos, sociais e políticos das regiões atrasadas (CASTRO, 1992,

pp. 60-61).

Sim, os países pobres tinham como matriz de explicação de sua pobreza o fato de

serem pouco industrializados. Era preciso então fomentar a industrialização para que os países

latino-americanos não tivessem tanta desvantagem em relação às nações européias e,

principalmente, em relação aos Estados Unidos. Ou seja, era preciso deixar de ser um país do

primeiro setor (exportador de matérias-primas) e adentrar ao mundo do segundo setor (a

indústria). Como a adesão formal ao neoliberalismo se processou no Brasil apenas nos anos

1990, o grande condutor do desenvolvimento industrial era o Estado. Temos, então, aqui, o

motor do desenvolvimento: a indústria, e o seu condutor: o Estado.

Em termos mundiais, década de 1960 é o momento do nascimento de uma possível

crise ambiental. A Europa e o Japão recuperavam-se da Segunda Grande Guerra e as tensões

entre EUA e URSS começavam a intensificar-se. Industrialização, modernidade e progresso

confundiam-se com desenvolvimento. Mas, esta década também marca o acirramento do

duelo entre a Economia e a Ecologia, uma vez que se pode pensar em dois modelos de

racionalidade diferentes, talvez até mesmo incompatíveis levando-se em consideração que

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existe uma espécie de ―limite‖ entre as duas ciências, afinal o racionalismo econômico

burguês desencadeou uma irracionalidade ecológica.

La crisis ambiental se hace evidente en los años 60, reflejándose en la irracionalidad

ecológica de los patrones dominantes de producción y consumo, y marcando los

límites del crecimiento económico. De esta manera, se inicia el debate teórico y

político para valorizar a la naturaleza e internalizar las externalidades

socioambientales del proceso de desarrollo (LEFF, 2001, p. 150).

Sendo assim, cresce a constatação de que é preciso respeitar a natureza caso se queira

aproveitar de seus serviços/recursos ecossistêmicos/ambientais. Dessa forma, o ―mundo

ocidental‖ ou ―ocidentalizado‖ investiga novas condições que possibilitassem recondicionar

tanto de forma econômica, quanto de forma ecológica, a Natureza às vontades humanas7,

agora inseridas em limites espaciais, temporais e ambientais. Todavia, enganou-se quem

pensou que esta empreitada representaria uma inversão ou reversão na lógica do sistema: Leff

(2001, p. 150) diz que: ―sin una nueva teoría capaz de orientar el desarrollo sustentable, las

políticas ambientales siguen siendo subsidiarias de las políticas neoliberales‖.

Sim, o grande fundamentalismo do Ocidente, como dissera Milton Santos, é o

consumismo. Consequentemente, o que promove o consumismo é a produção (a recíproca é

verdadeira também). Então, como pensar numa compatibilização entre capitalismo e Natureza

se 1) o mecanismo que ―rege‖ essa relação é a lógica do mercado8, e 2) se a Natureza é

construída ideologicamente no capitalismo industrial como uma fronteira (SMITH, 1988)?

Por isso, Leff fala em buscar uma nova teoria: afinal, é necessário proteger o ambiente e

questionar a matriz dos problemas ecológicos, que por sua vez, localizam-se na racionalidade

econômica9 e filosófica

10. Essa nova teoria estaria fundada no conceito de sustentabilidade

11,

e o seu embrião foi lançado no Clube de Roma.

7 Smith (1988), parte da noção de que além da natureza ser dominada, principalmente no capitalismo, ela

também é produzida pelo homem.

8 Em seu livro: Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal, o geógrafo

brasileiro Milton Santos (1926-2001) fala que o motor único do mundo é a mais-valia universal.

9 O Liberalismo Econômico de Adam Smith (1723 - 1790). Este economista estava buscando entender a

―natureza‖ da economia capitalista. Visando o âmago do capitalismo, ele acreditava que as sucessivas inovações

tecnológicas causariam o barateamento da produção e, consequentemente, promoveria condições de mercado

para vencer os competidores. A força do seu pensamento deu embasamento moral e teórico para que a burguesia

pudesse se expandir. Uma das informações mais interessantes da doutrina de Smith, e que nos interessa

majoritariamente em nossa discussão, é tentar entender o que ele estipulava como ―preço natural‖. Uma possível

resposta é entender que Smith interpreta como natural aquilo que é justo, portanto, se é justo é aceitável

(RIBEIRO JUNIOR; OLIVEIRA; SANT‘ANA JÚNIOR, 2009).

10

A Filosofia de René Descartes (1596-1650): ―[...] é possível chegar a conhecimentos muito úteis para a vida e

de achar, em substituição à filosofia especulativa ensinada nas escolas, uma prática pela qual, conhecendo a

força e a ação do fogo, da água, do ar, dos astros, do céu e de todos os demais corpos que nos cercam, tão

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4.1 Primícias de uma Teoria: O Clube de Roma

O ano de 1968 é chave para se entender a problemática da questão relacional entre

Homem e Natureza. O homo economicus começava a dar-se conta das agressões proferidas

contra a ―Mãe Gentil‖, e questionava-se (mesmo que de forma incipiente) sobre os conceitos

de desenvolvimento humano, crescimento econômico e qualidade de vida, uma vez que

mesmo as grandes potências mundiais, como os EUA, exemplificavam corriqueiramente a

discrepância existente entre progresso técnico e progresso social. Então, se for possível pensar

em um grande marco histórico da política ambiental, este fora o Clube de Roma.

Os estudiosos da área ambiental são unânimes em afirmar que o marco das

preocupações do homem moderno com o meio ambiente, incorporando questões

sociais, políticas, ecológicas e econômicas com uso racional dos recursos, deu-se em

1968, com o Clube de Roma. Essa foi uma reunião de notáveis de diversos países e

de diversas áreas do conhecimento: biológica, econômica, social, política e

industrial. Reuniram-se para discutir o uso dos recursos naturais e o futuro da

humanidade. O relatório final chamado ―Limites de Crescimento‖ abalou as

convicções da época sobre o valor do desenvolvimento econômico e a sociedade

passou a fazer maior pressão sobre os governos acerca da questão ambiental

(SANTOS, 2004, p. 17-18).

O relatório ―Limites do Crescimento‖, expressa aquilo que, possivelmente, povoou a

mente dos participantes do Clube de Roma: o que fazer para compatibilizar o modo de

desenvolvimento capitalista com a proteção do ambiente? Como conjugar crescimento

econômico com meio ambiente? Leff (2001, p. 151) argumenta que:

En 1972 se publica Los límites del crecimiento (Meadows Et al., 1972). Este estudio

plantea los límites físicos del planeta para proseguir la marcha acumulativa de la

contaminación, la explotación de recursos y el crecimiento demográfico, haciendo

sonar la alarma ecológica. Un año antes, Georgescu Roegen (1971) publicó La Ley

de la Entropía y el Proceso Económico, mostrando los límites físicos que impone la

segunda ley de la termodinámica a la expansión de la producción. Se advierte allí

que el crecimiento económico se alimenta de la pérdida de productividad y la

desorganización de los ecosistemas, enfrentándose a la ineluctable degradación

entrópica de los procesos productivos.

Sim, o título da obra deixa claro: Os Limites do Crescimento. Se limite pode significar

restrição, deduz-se que o modo de produção capitalista necessitava de restrições para

distintamente quanto conhecemos os diversos misteres dos nossos artífices, poderíamos empregá-los igualmente

a todos os usos para os quais são próprios, e desse modo nos tornar como que senhores e possuidores da

natureza” (DESCARTES, 2008, p. 60, os grifos são meus).

11

―Sustentabilidade é um termo relativamente antigo, de origem no saber técnico na agricultura no século XIX.

Entrou na rota do uso pelos ecologistas modernos nos anos 80, em cujo debate I. Sacks deu grande contribuição‖

(RUSCHEINSKY, 2003. pp. 39-40).

27

continuar o seu ritmo de acumulação. Mas como pensar em restrição ou limite em um sistema

que tem como um dos seus ideários a liberdade econômica?

Liberdade e limite são antônimos. Portanto, está-se diante de uma crise ambiental.

Precisam-se encontrar novos modos apropriação do ambiente para a manutenção da

produtividade. Uma das alternativas foi a construção do ideário do desenvolvimento

sustentável.

O ideário atual foi semeado no ano de 1950 quando a IUCN (World Conservation

Union/International Union Conservation of Nature) apresentou um trabalho que

usou pela primeira vez o termo ―desenvolvimento sustentável‖. No entanto, ele

difundiu-se, claramente, em 1971, na Reunião de Founeux, agora com o nome de

ecodesenvolvimento, formulado basicamente pela escola francesa. Nele estava clara

a preocupação com a degradação ambiental, com a condição social dos

desprivilegiados, com a falta de saneamento, com o consumo indiscriminado e com

a poluição ambiental (SANTOS, 2004, p.19).

Notadamente, o conceito de desenvolvimento sustentável remonta à década de 1950

(anterior mesmo ao Clube de Roma). Todavia, a questão ambiental naquele momento era um

tanto quanto incipiente. Assim, somente na década de 1970, com a citada reunião e com a

Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano em 1972, o caráter ecológico

é enfatizado.

Entretanto, a questão ambiental demandava mais do que discussões, conferências ou

estabelecimento de conceitos: era necessária uma política voltada para o campo ambiental.

Ateste-se, desde já, que a política ambiental, tal como foi concebida, não reflete uma mudança

de modelo, pois caso fosse dessa forma, haveria uma série de empecilhos à reprodução do

capital em larga escala, e sendo assim o comércio mundial seria afetado.

Os EUA foram o primeiro país que lançou mão de uma política ambiental para tentar

compatibilizar proteção ambiental com exploração econômica. De fato, a nação mais

poluidora e consumista do mundo largou na frente objetivando a compactuação entre

crescimento econômico e política ambiental. O resultado foi uma extrema mobilização no seio

da questão ambiental que culminou com o NEPA (National Environmental Policy Act)

estadunidense, de 1970, cuja promulgação é anterior ao próprio relatório do Clube de Roma,

que foi publicado em 1972. Cánepa (1991, p. 259) escreve que:

[...] Como culminância de toda essa mobilização, é aprovado pelo Congresso norte-

americano, e promulgado em 1969, o National Environmental Protection Act

(NEPA). Essa lei é um verdadeiro marco na história da gestão ambiental pelo

Estado, não tanto por aquilo pelo qual é mais conhecida — a instituição dos Estudos

de Impacto Ambiental (EIAs) e respectivos Relatórios de Impacto Ambiental

(RIMA) como instrumentos preferenciais na tomada de decisão e gestão ambiental

—, mas, sim, pelo estabelecimento do Conselho da Qualidade Ambiental, órgão

diretamente ligado ao Poder Executivo e encarregado de elaborar anualmente, para o

28

Presidente dos EUA, o relatório ao Congresso sobre o estado do meio ambiente em

todo o território nacional. Trata-se do primeiro passo — mas um passo

verdadeiramente gigantesco — no sentido de o Estado assumir, em nome da

coletividade, a efetiva propriedade desse bem público que é o meio ambiente,

mantendo os cidadãos informados sobre a sua qualidade.

Ora, se política ambiental estadunidense representou, em termos de lei, um avanço, ela

atestou a continuidade da exploração, só que agora levando em consideração os impactos

causados ao ambiente. Por isso, vieram ao mundo o Planejamento e Gestão Ambiental, os

EIA-RIMA, etc.

De fato, a sensibilização12

ambiental vem numa crescente desde a década de 1960. O

desafio estava posto: integrar o homo economicus com a preservação e conservação dos

recursos ambientais. Mais do que isso, é apresentado como desafio para a humanidade a

busca de exercício de um duplo papel: abandonar (teoricamente) o caráter de poluidor, para

assumir o de protetor da Natureza, e assim desenvolver equilibradamente sociedade,

ambiente, cultura e tecnologia. A expansão em larga escala da problemática ambiental se

processa com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano.

4.2 Os Ecos do Clube de Roma: A Conferência das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente Humano

A partir do Clube de Roma, a questão ambiental no ―mundo ocidental‖ ganhou força,

afinal percebia-se a necessidade de rever hábitos de apropriação dos recursos ambientais, a

fim de que se torne o capitalismo ―sustentável‖, ou seja, que o modelo civilizatório ocidental

de apropriação material do ambiente ocorra em situação de equilíbrio da biosfera13

.

A realização da Primeira Conferência Mundial do Desenvolvimento e Meio

Ambiente, em 1972, em Estocolmo, constitui-se em importantíssimo evento

sociopolítico voltado ao tratamento das questões ambientais; se aquele evento

significou, por um lado, a primeira tentativa mundial de equacionamento dos

problemas ambientais, por outro, significou também a comprovação da elevada

degradação em que a biosfera já se encontrava (MENDONÇA, 2005, p. 46).

Por mais que fossem expostas as mazelas que o capitalismo causava ao ambiente, a

situação não mudou substancialmente, uma vez que a raiz do problema, o sistema, continuou

12

Será trabalhada aqui sensibilização ambiental, pois quando se utiliza a locução ―consciência ambiental‖

implica em dizer que uns possuem (consciência ambiental) e outros não.

13

É engraçado perceber que, em tese, os atores do capitalismo buscam a sustentabilidade; mas na prática, ao

contrário de pensarem em uma solução para os problemas da raça humana, fortificam o sistema econômico que

tem por base a insustentabilidade, a amortização da natureza. Daí, melhor falar em capitalismo sustentável que

desenvolvimento sustentável.

29

a apropriar de forma predatória os recursos ambientais. Pior: é justamente nesta década em

que ocorreu o deslocamento de indústrias altamente poluidoras dos países ditos desenvolvidos

para os países chamados de em desenvolvimento/subdesenvolvidos (para utilizar a linguagem

da época), como é o caso do Brasil.

Voltando um pouco mais no tempo: em 1964, no Brasil, vivíamos o Regime Ditatorial.

Essa época é interessantíssima para se compreender a construção dos discursos. Se pensarmos

bem, o regime ditatorial de direita brasileiro ilustrou, como uma das suas muitas

características espaço-temporais, as grandes obras e projetos de Modernização. Por enquanto,

não se entrará em detalhes. O que cabe anotar é: como pensar numa relação dual entre

proteção ambiental e exploração dos recursos naturais uma vez que o Governo do Brasil

adotara um paradigma industrial altamente contraditório? A postura dual do Governo do

Brasil identificada com a criação da Secretaria do Meio Ambiente, em 1973, é demonstrada

por Leite Lopes (2004, p. 20):

Embora o governo brasileiro tenha se pronunciado contra a preocupação e os

controles ambientais da conferência – com receio de um cerceamento internacional

do processo de industrialização levado a efeito no país desde os anos 30 e 40, e

continuado pelo regime militar, que na ocasião vinha apostando tudo no efêmero

milagre econômico brasileiro de então – ele, no entanto, não deixou de criar logo no

ano seguinte uma secretaria do meio ambiente, subordinada ao Ministério do

Interior.

Sendo assim, a criação da SEMA revela a institucionalização da problemática

ambiental, fato este que pode ser visto como um avanço.

Institucionalizada em 1973, a SEMA refletia, por um lado, a demanda de controles

ambientais por parte de uma minoria advertida de técnicos governamentais e, por

outro, a oportunidade da chancela institucional, para a captação de financiamentos

internacionais para os quais as garantias ambientais eram necessárias (LEITE

LOPES, 2004, p. 20).

Alguns projetos de industrialização e modernização representavam um sério risco

ambiental, tal como a intensificação da industrialização do sudeste brasileiro, a zona franca de

Manaus e a Transamazônica. Podem-se citar também outros investimentos como o PGC

(Programa Grande Carajás) e alguns que tiveram o Maranhão como um dos principais

centros: o Consórcio ALUMAR (Alumínio do Maranhão S/A) entre as empresas Billiton

Metais S/A e a ALCOA do Brasil S/A; e a CELMAR (Celulose do Maranhão S/A). Sobre o

PGC, Aquino e Sant‘Ana Júnior (2009, p. 47) explicam que:

O Programa Grande Carajás foi concebido para garantir a exploração e

comercialização das ricas jazidas de minério localizadas no sudoeste do Pará. Para

tanto, além da implantação das minas e das condições para seu funcionamento,

dentre as medidas tomadas destacam-se a construção da Estrada de Ferro Carajás,

30

que liga as minas ao litoral maranhense, e a construção do Complexo Portuário de

São Luís, composto pelos portos do Itaqui, administrado pelo governo do Estado do

Maranhão, da Ponta da Madeira, administrado pela Vale, e Porto da Alumar,

administrado pela própria Alumar (Consórcio de Alumínio do Maranhão).

A Conferência de Estocolmo foi um marco histórico demasiado importante para a

Ecologia. Não obstante, se voltarmos no tempo, perceber-se-á que a cientifização e

tecnificação teve início ―a partir dos anos 60 [quando] a ecologia deixou as faculdades de

biologia das universidades e migrou para a consciência das pessoas. O termo científico

transformou-se numa percepção do mundo‖ (SACHS apud LEITE LOPES, 2004, p. 21). O

reflexo disso é a institucionalização de organismos públicos que ―controlem o ambiente‖,

como foi o caso da SEMA.

Enquanto os Estados Unidos promulgou o NEPA (National Environmental Policy Act)

em 1970, o Brasil esperou mais uma década para ter sua Lei de Política Ambiental (1981),

―promulgando um arcabouço institucional federal, com a secretaria de meio ambiente ligada à

presidência da República (a Sema), com um conselho nacional de meio ambiente (órgão

consultivo e deliberativo), com o Ibama‖ (LEITE LOPES, 2004, p. 22). O porquê desse atraso

deve-se

Em primeiro lugar que, a questão ambiental no Brasil, não era prioridade de

políticas públicas. Em segundo lugar, a política ambiental não era prioridade do

processo de industrialização brasileiro que, baseava-se numa estratégia de

substituição de importações, privilegiando setores intensivos em emissão, e no uso

direto de recursos naturais (energia e matérias-primas baratas) (LUSTOSA,

CÁNEPA e YUONG apud GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 02)

Como foi observado, o Brasil caminhou a passos lentos rumo à inserção da esfera

institucional na política ambiental. Sem entrar em muitos detalhes, aqui foi extraído um trecho

da referida Lei que trata da Política Nacional do Meio ambiente.

Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,

melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar,

no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da

segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana [...].

O brilhantismo com que é tratada, em termos de lei, a Política Ambiental no Brasil é

digno de elogios. No entanto, entre o formalismo da legislação e a aplicação da lei, constata-

se que as ações governamentais deixam a desejar no que tange a redução de impactos

negativos sobre o ambiente. Percebe-se uma (ir)racionalização na forma como os organismos

econômicos tem adotado posturas dúbias em relação ao ambiente. O planejamento em si é

orientado e gestado para a racionalização da reprodução ampliada do capital (OLIVEIRA,

31

1981), ou seja, ele é a ferramenta que permite ao sistema capitalista aumentar racionalmente

os lucros oriundos dos ciclos produtivos. Não obstante, a fiscalização, que deveria ser uma

arma no combate àquela irracionalidade citada, não é executada com eficiência, permitindo

assim a continuação de procedimentos desastrosos e hostis para com os recursos naturais

(sociais). E o principal: estudiosos ligados à ―Nova Direita‖ (neoliberais e neoconservadores)

não vêem a problemática ambiental como multiescalar; estão cegos acerca das forças motrizes

que, de maneira multiescalar, produzem o contexto ambiental. Não enxergam que o problema

é sistêmico e não, unicamente, individual14

.

4.3 A Conceituação da ―Frase Feita‖: A Comissão Mundial para o Meio Ambiente e

Desenvolvimento das Nações Unidas e o Relatório Brundtland

Desde 1972 até 1987 transcorreram 15 (quinze) anos. Nesse intervalo de tempo

(espaço) a problemática ambiental evoluiu: a discussão ambiental ganhou proporções

internacionais e mundiais. Tudo virou ambiental: tem-se geomorfologia ambiental, sociologia

ambiental, política ambiental, economia ambiental, etc. Ao mesmo tempo, emerge como

paradigma ambiental, aquela locução que dá embasamento para a ―Geografia das frases

feitas‖: o desenvolvimento sustentável. Dessa maneira, recorre-se a categorizações, como é o

caso do ―ambiental‖ vazio, anteriormente citado, ou diz-se que o capitalismo está se

―ecologizando‖ e esvazia-se o debate político sobre a sustentabilidade, bem como a raiz do

problema: o modo de produção capitalista, camuflando assim os discursos de legitimação e

apropriação dos recursos sociais.

O debate sobre sustentabilidade está marcado por uma diversidade muito grande de

perspectivas epistemológicas e teóricas de abordagem. Tal como ela aparece, em

meio a uma questão ambiental construída progressivamente ao longo dos últimos 30

anos, a sustentabilidade é uma inovação discursiva emprestada às ciências

biológicas. Estas últimas, por sua vez, já a haviam formulado sob uma concepção

fortemente economicista dos sistemas vivos, ou seja, à luz de uma analogia entre os

processos biológicos e aqueles de determinadas economias, mais especificamente de

economias produtoras de excedentes. Nesta perspectiva, a noção de

―sustentabilidade‖ da Biologia pensou os sistemas vivos como compostos de um

―capital/estoque‖ a reproduzir e de um ―excedente/fluxo‖ de biomassa, passível de

ser apropriado para fins úteis sem comprometer a massa de ―capital‖ originário. No

âmbito do manejo agrícola dos ecossistemas, por exemplo, Conway refere-se à

sustentabilidade como ―a capacidade do sistema manter sua produtividade face a

grandes distúrbios como aqueles causados por erosão do solo, secas imprevistas e

novas pragas‖. Podemos observar toda uma trajetória desse conceito de uma para

outra disciplina científica até o mesmo aparecer no final do século XX como uma

noção relativamente corrente no debate público. Neste âmbito, tratar-se-á de uma

14

É só perceber como as campanhas pró-educação ambiental centram-se demasiadamente nas ações

individuais...

32

construção discursiva que colocará em pauta os princípios éticos, políticos,

utilitários e outros, que orientam a reprodução da base material da sociedade. Ao

fazê-lo, essa noção, nos seus múltiplos conteúdos em discussão, pressupõe uma

redistribuição de legitimidade entre as práticas de disposição da base material das

sociedades. Em função do tipo de definição que prevaleça, estabelecida como

hegemônica, as práticas sociais serão divididas em mais ou menos sustentáveis,

entre sustentáveis e insustentáveis; portanto, serão legitimadas ou deslegitimadas,

retirando-se e atribuindo-se legitimidade a essas diferentes formas de apropriação

(ACSELRAD, 2004, p.2-3).

O desenvolvimento sustentável foi conceituado na referida Comissão Mundial para o

Meio Ambiente e Desenvolvimento, das Nações Unidas, precisamente em 1987, e é definido

como ―aquele que atende às necessidades presentes sem comprometer a possibilidade de as

gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades‖ (CMMAD, 1991, p.46). Acselrad

(2004, p. 3) diz que esse corte intergeracional abdica, sem dúvida, de perceber a diversidade

social no interior do futuro e do próprio presente. Como bem fala Pitombo (2007, p.12):

Com a ameaça de degradação ambiental em todo o planeta, a miséria e as privações

existentes nos países do chamado Terceiro Mundo, os temas como gestão social,

proteção ambiental e desenvolvimento sustentável passaram a merecer, nos últimos

anos, grande atenção dos governos, das empresas e dos meios de comunicação.

De fato, se o ambientalismo ganhou tanta relevância, muito se deve às atividades

agressoras (ao meio ambiente), mas também à formulação do conceito de desenvolvimento

sustentável. Consequentemente, o Relatório ―Nosso Futuro Comum‖, coordenado pela

Primeira Ministra Norueguesa Gro Harlem Brundtland, assinalou a necessária implicação de

limites à economia, além de constatar a extrema necessidade em se rever práticas ambientais

degradantes.

Os autores do documento apontaram as várias crises globais (como energia e

camada de ozônio) e destacaram a extinção de espécies e o esgotamento de recursos

genéticos. Reforçou-se, ainda, o debate sobre o fenômeno da erosão induzida e a

perda de florestas (SANTOS, 2004, p. 19).

A citação acima nos explica a evolução que certas ciências como a biogeografia e a

agroecologia experimentaram. Cada uma, com seu saber, colabora de forma técnica, científica

e informacional para a discussão da temática ambiental. No que tange ao conceito de

sustentabilidade enquanto alternativa para a problemática ambiental, Leff (2001, p. 152-153)

explana que:

―Nuestro futuro común‖ reconoce las disparidades entre naciones y la forma como

se acentúan con la crises de la deuda de los países del Tercer Mundo, sin embargo,

la Comisión Bruntland busca un terreno común donde platear una política de

consenso capaz de disolver las diferentes visiones e intereses de países, pueblos y

clases sociales que plasman el campo conflictivo del desarrollo sostenible. […] la

ambivalencia del discurso de la sustentabilidad surge de la polisemia del término

33

sustainability, que integra dos significados: el primero, traducible como sustentable,

implica la internalización de las condiciones ecológicas de soporte del proceso

económico; el segundo aduce a la sustentabilidad o perdurabilidad del proceso

económico mismo. En este sentido, la sustentabilidad ecológica es condición de la

sostenibilidad del proceso económico.

Seguindo o raciocínio de Leff, o que é sustentável? A internalização das condições

ecológicas de suporte do processo econômico ou a sustentabilidade do processo (modelo)

econômico? É preciso focar na sociedade e romper com a dicotomia sociedade-natureza15

presente nas relações de produção. Por isso que Acselrad (2004, p. 4) alerta que:

A sustentabilidade remete a relações entre a sociedade e a base material de sua

reprodução. Portanto, não trata-se de uma sustentabilidade dos recursos e do meio

ambiente, mas sim das formas sociais de apropriação e uso desses recursos e deste

ambiente. Pensar dessa maneira implica certamente em se debruçar sobre a luta

social, posto que torna-se visível a vigência de uma disputa entre diferentes modos

de apropriação e uso da base material das sociedades.

Provavelmente, o ecodesenvolvimento negligencia (na prática) a degradação da

natureza, a desigualdade social e a socialização das perdas, tanto econômicas quanto

ecológicas. Sendo assim, o que se observa é que apesar do conceito abarcar o caráter

econômico-ecológico, as práticas produtivas concretas muitas vezes vão de encontro com o

discurso, negligenciando o caráter sociocultural.

Da mesma forma, enquanto populações ribeirinhas e migrantes podem ser

igualmente qualificadas como populações ―pobres‖, elas apresentam diferentes

culturas ecológicas e produzem diferentes impactos ambientais, desafiando, deste

modo, o consenso expresso no Relatório Brundtland, na Eco 92 e em publicações

oficiais, de que pobreza e degradação ambiental estejam necessária e intimamente

relacionadas (LIMA; POZZOBON, 2005, p. 52-53).

As perspectivas e discussões oriundas da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e

Desenvolvimento e do Relatório Brundtland serão enfatizadas novamente na Conferência das

Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, na qual a política ambiental teve

um caráter primordial, principalmente no que tange às questões de planejamento.

15

A luz do materialismo histórico-dialético a separação entre homem/sociedade/cultura e natureza é uma

construção ideológica ensejada pelo capitalismo (MARX; ENGELS, 2007).

34

4.4 A consolidação do ideário sustentável: A Conferência das Nações Unidas sobre o

Meio Ambiente e Desenvolvimento

Depois da Conferência de Estocolmo, em 1972, outro evento histórico da temática

ambiental que marcou época foi a Eco-92, ou Rio-92. Como já fora mencionado, teorizou-se e

discutiu-se muito sobre a política ambiental mundial em 1972. Todavia, as ações

―ecologicamente responsáveis‖ não aconteceram, ou se aconteceram foram em uma escala

mínima. A Natureza foi cada vez mais entendido como recurso16

, como meio para se atingir

um fim. No entanto, este fim não versa - da forma que se esperava como resultados práticos

dos debates de cunho ambiental - sobre qualidade de vida satisfatória e atendimento dos

serviços básicos de vida (educação, saúde e moradia).

A escolha da cidade do Rio de Janeiro para sediar a conferência mundial foi muito

acertada, pois o cenário apresentado pela cidade, quanto pelo país, se constitui em

excelente exemplo de como as relações sociais se encontram deterioradas; de como

as relações de dependência entre o norte/desenvolvido e sul/não

desenvolvido/subdesenvolvido são prejudiciais à vida do Homem e à natureza... à

Terra. A onda de seqüestros e epidemias, assim como o tráfico internacional de

drogas, por pouco não inviabilizaram a realização da conferência. Possam estes

testemunhos de degeneração social ter provocado a reflexão dos conferencistas,

sobretudo no âmbito político, para as reais causas e conseqüências da degradação

ambiental!!! (MENDONÇA, 2005, p. 47).

Mendonça aponta um aspecto muito peculiar na conferência de 1992: a escolha do

espaço. O Rio de Janeiro, como afirma o autor, era (e ainda é) um bom exemplo de cidade

para se compreender as desigualdades geradas a partir de um modelo político-econômico

agressivo. É importante também perceber o deslocamento do eixo da Conferência: em 1972, o

lugar de debate era a Suécia, país de cunho religioso protestante, economia próspera (a saber:

papel, produtos químicos e veículos), setor de telecomunicações de elevado desenvolvimento

tecnológico e população que apresenta boa qualidade de vida. Já em 1992, o debate transloca-

se para o Brasil, país cristão/católico, de altíssima diversidade biológica (principalmente na

Amazônia) e cujas desigualdades sociais (de raiz econômica, como a concentração de renda)

são o verdadeiro retrato de nossa história. Outro reflexo foi a introdução de um paradigma da

Educação Ambiental que visa estabelecer convenções e diretrizes que norteiem as práticas

socioambientais.

16

Destaque-se que a palavra recurso originalmente ―enfatizava o poder de auto-regeneração da natureza e

chamava atenção para a sua criatividade prodigiosa‖ (SHIVA, 2000, p.300). Todavia, o projeto baconiano

(dessacralização da natureza) frequentemente tem extrapolado os limites da natureza, uma vez que limite tem

sido entendido como obstáculo ao desenvolvimento.

35

Na Rio 92, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e

Responsabilidade Global coloca princípios e um plano de ação para educadores

ambientais, estabelecendo uma relação entre as políticas públicas de educação

ambiental e a sustentabilidade. Enfatizam-se os processos participativos na

promoção do meio ambiente, voltados para a sua recuperação, conservação e

melhoria, bem como para a melhoria da qualidade de vida (JACOBI, 2003, p. 194)

Note-se que a educação ambiental já aparece como um modelo de conduta ética

individual e coletiva (LEITE LOPES, 2004). Sim, como disse Jacobi, o conceito de

desenvolvimento sustentável representou um avanço. Contudo, não interessa aqui apenas o

lado conceitual ou teórico, mas sim o lado prático e concreto, uma vez que as referidas

práticas produtivas concretas não têm como foco compatibilizar homem-natureza17

, mas sim

salvar o sistema capitalista, mesmo que para isso sacrifique-se a humanidade. Todavia, apesar

do conceito de desenvolvimento sustentável levar em consideração a pluralidade, diversidade,

multiplicidade e heterogeneidade de nações e nacionalidades, define e limita a

sustentabilidade a um modelo de pensamento único. Além disso, negligencia o mundo formal

(como ele pode ser18

) em detrimento do mundo real (o mundo como é19

).

Sim, a globalização possibilitou a ampliação da mais valia enquanto motor único e

universal (SANTOS, 2008). Todavia, essa mesma ampliação desencadeou uma crise

ambiental levando a uma incorporação de um discurso do ―ecologicamente correto‖ que dará

embasamento ao desenvolvimento sustentável. Acselrad (2004, p. 13) explana que essa crise

ambiental é fundada numa idéia de objetividade que, por sua vez, imprime ―a perspectiva de

um colapso na relação quantitativa malthusiana entre população e território ou entre o

crescimento econômico material e a base finita de recursos‖. Traduzindo: o objetivismo de

que Acselrad fala conduz a um pensamento único dissonante da visão dialética que o objeto,

os conflitos ambientais, merece. Pode se falar também que os discursos de responsabilidade

socioambiental e desenvolvimento sustentável, pautados no ―ecologicamente correto‖, não

17

É importante notar que ainda se insiste em uma dicotomia homem-natureza, não percebendo desta forma que,

ainda estaremos imersos na matriz filosófica-econômica do capitalismo que preconiza em seus princípios a

segregação homem-natureza. Contudo, apenas da superação dessa dicotomia, nascerá a possibilidade de uma

Nova História. Aqui cabe lembrar também o ―velho e bom‖ filósofo Karl Marx (1818-1883) quando este nos diz

nos Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844): ―O homem vive da Natureza, ou também, a Natureza é o seu

corpo, com o qual tem de manter-se permanente intercâmbio para não morrer.[...] o homem é uma parte da

Natureza‖ (2006, p.116).

18

Por isso os defensores desta razão falam, no conceito de desenvolvimento sustentável, em ―gerações futuras‖.

Obviamente, o capitalista não tem como principio (ético, moral, filosófico ou econômico) o lucro a longo-prazo:

o lucro deve ser imediato, simultâneo, sincrônico.

19

É interessante perceber que ao falarem de gerações futuras, os defensores da razão capitalista esquecem-se das

gerações atuais, algo que soa, no mínimo, como algo fora do seu tempo.

36

representam necessariamente uma associação direta entre as práticas econômicas e

ambientais. Enrique Leff (2001, p.149) ensina que:

El principio de sustentabilidad emerge en el contexto de la globalización como una

nueva visión del proceso civilizatorio de la humanidad. […] la sustentabilidad

ecológica aparece así como un criterio normativo para la reconstrucción del orden

económico, como una condición para la supervivencia humana y para lograr un

desarrollo durable, problematizando los valores sociales y las bases mismas de la

producción. El concepto de sustentabilidad emerge así del reconocimiento de la

función que cumple la naturaleza como soporte, condición y potencial del proceso

de producción.

De forma brilhante, Leff investiga a bases conceituais da legitimação do crescimento

econômico, questionando a visão mecanicista da razão cartesiana (DESCARTES, 2008) e sua

penetração na teoria econômica. Porto-Gonçalves (2006a) também já alertara sobre a

―amortização da natureza‖, destruição ecológica e degradação ambiental.

Em quase duas décadas repercutiu-se amplamente ou internacionalmente a questão da

preservação do meio ambiente. A Rio-92 também é um importante marco histórico, pois é

justamente no seio desta conferência que é consagrado o conceito de desenvolvimento

sustentável, em outras palavras materializa-se a questão ambiental.

Em 1992 realiza-se a conferência sobre Meio Ambiente da ONU no Rio de Janeiro,

20 anos após a de Estocolmo, referida como Rio-92 ou Eco-92. No seu processo de

preparação, grande atenção é dada à questão ambiental por ONGs não

especializadas, movimentos sociais, associações de moradores, federações

empresariais, instituições governamentais. [...] Na realização da conferência

destacam-se a reunião paralela das ONGs e associações populares, por um lado; e

por outro, compromisso de governos signatários com a Agenda 21, um enorme

documento composto de quatro seções, 40 capítulos e dois anexos (a edição

brasileira, publicada pelo Senado Federal, tem 598 páginas), dispondo de objetivos,

atividades e considerações sobre meios de implementação, de um planejamento de

uma cooperação internacional e de ações nacionais e locais em vista do

desenvolvimento, do combate à pobreza e da proteção ao meio ambiente (LEITE

LOPES, 2004, p.23).

Essa burocratização da questão ambiental modificou muito pouco a situação ambiental

mundial. A mundialização da temática ambiental a nível global se burocratizou, mas não com

o intuito de corrigir o cerne da questão ambiental. A burocracia passou de espírito do Estado

para espírito do neoliberalismo ambiental, ou seja, debilitam-se as discussões acerca da raiz

do problema e passa-se a estudar apenas os efeitos, e não as causas. As causas, finais, não se

mostraram ser anticientíficas, metafísicas, divinas, mas sim produzidas pelo ―homo

crematisticus”, uma espécie de homem que mercadifica o ambiente e a própria crise

37

ambiental/ecológica para formar preços de mercado, para ganhar dinheiro20

. E a apropriação

da problemática ambiental por parte das grandes corporações será observada principalmente

na Rio+10 (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006).

4.5 Uma década perdida? A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável

Há nove anos, aconteceu aquela que foi a mais recente conferência da ONU: Rio+10.

Realizada em 2002, em Johanesburgo, a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento

Sustentável teve como principais objetivos integrar as iniciativas das Nações Unidas com

vistas à redução quantitativa do número de pessoas miseráveis (vivem com menos de um

dólar por dia), no mundo, até o ano de 2015 e avaliar quais medidas estabelecidas na Agenda

21 tinham sido alcançadas, o que demonstra ser mais um indício da crise ecológica global.

Esta conferência não foi, nem de perto, a sombra daquilo que havia ficado dez anos atrás, pois

―[...] em Johanesburgo o clima estava mais para aquele do Riocentro em 1992, com um

elevado número de ONGS, já não mais associadas aos movimentos sociais, mas sim a

governos e empresas das quais captam verbas‖ (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES,

2006, p. 126).

Também foi objetivado nesta cúpula reduzir o número de pessoas que não possuem

acesso à água potável, bem como saneamento básico. Só para se ter uma idéia, conforme a

ONU, um bilhão e cem milhões de pessoas vivem sem acesso adequado à água

(ALMANAQUE ABRIL, 2006, p.72). Além disso:

Em 1998, os 20% mais ricos do planeta dispunham de 86% do produto mundial, e os

20% mais pobres de apenas 1%. Enquanto isso, a diferença de renda passou de 30

para 1, em 1960, para 60 para 1, em 1990, e 74 para 1 em 1997. Explica esse

aumento das desigualdades a proliferação do desemprego (segundo a OIT, são 188

milhões de desempregados em 2003 – ou seja, 6,2% da força de trabalho mundial),

do subemprego, dos circuitos ilegais da economia. [...] Basta verificar que 22% da

população mundial, ou seja, 1,3 bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar

por dia, considerado o limiar da pobreza absoluta (HAESBAERT; PORTO-

GONÇALVES, 2006, p. 47).

Por fim, acordaram também a recuperação, até o ano de 2015, dos estoques de peixe

através do controle da pesca oceânica, visando assegurar a reprodução anterior à captura.

Diante desse quadro, nada indica, essencialmente, uma mudança radical na forma de

se relacionar com a Natureza; a natureza não produz ricos e pobres, não explora trabalhadores

20

A crematística é o estudo da formação dos preços de mercado, para ganhar dinheiro; já oikonomia (economia)

é a arte do aprovisionamento material da casa familiar (MARTÍNEZ ALIER, 2007, p. 53).

38

ao contrário do capitalismo: ele apropria-se da força de trabalho e da natureza produzindo-a e

reproduzindo a si mesmo e as suas relações de produção (LEFEBVRE, 1973). A natureza no

capitalismo possui um destino: ser um instrumento da produção, algo exterior, inumano

(SMITH, 1988).

Apenas acordar e estipular prazos de recuperação de espécies não nos conduz a uma

nova prática socioambiental. Isso porque para que se tenha uma prática revolucionária é

preciso uma teoria revolucionária. E o que nós vimos até aqui é a eterna tentativa de se ajustar

crescimento econômico com proteção ambiental. Proteger o ambiente e crescer

economicamente: missão impossível no capitalismo, pois por onde quer que lancemos olhares

vê-se a desigualdade social, o desenvolvimento desigual (SMITH, 1988), o desajuste

ecológico e a injustiça ambiental. Não estamos sustentando a raça humana, tampouco

protegendo a natureza, mas sim exacerbando os conflitos e os problemas ambientais. Todavia,

homem e natureza não seriam inimigos que precisam ser dominados; e dessa forma não

teríamos conflitos ou problemas, caso tivéssemos outro modelo de racionalidade, outro modo

de produção e de vida.

5 TERRITORIALIZANDO A VALE NA TESSITURA HISTÓRICA: de estatal à

privada, da razia capitalista às políticas de responsabilidade socioambientais

É preciso mergulhar nos 67 anos de história da Vale, objetivando entender as

mudanças sofridas pela empresa desde o seus primórdios, passando pela criação em 1942, a

privatização em 1997, até o ano de 2010. Dessa forma, pode-se avaliar as ações e atividades

desenvolvidas pela empresa no que tange às políticas de responsabilidade ambiental e social.

Vejamos alguns antecedentes históricos da criação da Vale:

Com a primeira Constituição Republicana de 1891, foram totalmente alteradas as

regras para a exploração mineral do país. Pela nova Carta, os proprietários das terras

onde fossem encontradas reservas minerais, seriam também proprietários destas

jazidas. Além disso, a lei permitia que estas reservas fossem exploradas por

empresas estrangeiras. A civilização industrial colocava em cena novas descobertas

da ciência e através de técnicas recém inventadas, o ferro, um mineral até então

pouco valorizado adquiria têmpera de aço. Geólogos e engenheiros mapeavam,

então, o subsolo brasileiro, não só em busca do ouro, mas também em busca do ferro

e descobriram que o chão de Minas Gerais, compreendido pelo quadrilátero formado

pelas cidades de Conselheiro Lafayette, Mariana, Sabará e Itabira, abrigavam três

bilhões de toneladas de minério de ferro (BARBOSA, 2002, p. 20).

Antes da oficialização e da criação propriamente dita da Vale, alguns acontecimentos

primordiais merecem ser lembrados. Em 1901, ocorre a Fundação da Companhia Estrada de

39

Ferro Vitória a Minas (CEFVM), inaugurada oficialmente em treze de maio de 1904, no

trecho entre as estações Cariacica e Alfredo Maia. Já em 1909, é criada a Brazilian Hematite

Syndicate, de capital britânico. Os ingleses compraram todas as terras onde estavam as

reservas conhecidas de minério de ferro em Minas Gerais, estimadas em 2 bilhões de

toneladas (GODEIRO et al., 2007, p. 10). No mesmo ano, a empresa compra a maioria das

ações da CEFVM e sela a união entre os dois grupos, para explorar21

as reservas de minério

de ferro de Minas Gerais. Um ano depois, 1910, são esboçados os primeiros projetos de levar

a ferrovia até Itabira (MG), onde chega em 1943. O empresário Percival Farquhar entra em

cena em 1911, pois controla a Itabira Iron Ore Company, anteriormente conhecida como

Brazilian Hematite Syndicate. Finalmente, no ano de 1940, a Itabira Iron Ore faz o primeiro

embarque de minério de ferro pelo Porto de Vitória, em julho. Como bem escreveu Barbosa

(2002, p. 21):

Estas informações fizeram com que grandes mineradoras da Inglaterra, Estados

Unidos, Bélgica e França voltassem a atenção para o Brasil, comprando a preços

irrisórios, boa parte das jazidas do rio Doce. As minas de Itabira foram adquiridas

pela Itabira Iron Ore Company, fundada por engenheiros ingleses. A empresa

assumia ainda o controle acionário da Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), uma

incipiente ferrovia que desde 1903 escoava a produção agrícola do vale do Rio

Doce. Em 1919, a Itabira Iron foi comprada pelo empresário norteamericano

Percival Farquhar que pretendia conseguir o monopólio da produção e exportação

do minério de ferro da região. Com a revolução de 1930, o presidente Getúlio

Vargas colocou em prática um discurso que previa a nacionalização das reservas

minerais do país, estabelecendo uma luta entre nacionalistas e liberais. Tentando

aplacar os ânimos, Percival Farquhar se uniu a empresários brasileiros e

nacionalizou a Itabira Iron, transformando-a em duas empresas: Companhia

Brasileira de Mineração e Itabira Mineração.

Frise-se que para uma satisfatória exploração de minério de ferro, pari passu é

necessário investimentos em infra-estrutura, como construção de ferrovias e portos para o

escoamento da produção; e o capital internacional também já está em cena finan22

ciando a

exploração dos recursos.

21

―A ideologia produtivista do antropocentrismo europeu, com seu mito de dominação da natureza, acreditou

que produzia minérios, como se pudesse fazê-lo ao seu bel-prazer. Na verdade somos extratores e não produtores

e, com essa caracterização, estamos mais próximos de reconhecer nossos limites diante de algo que não

fazemos‖ (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 110).

22

É bom lembrar que a palavra finança possuía antes da era do desenvolvimento um significado não-

econômico: pagamento para livrar-se do cativeiro ou de um castigo (LUMMIS, 2000, p.115, itálicos meus).

Mas hoje, parece que a finança e seus derivados tornaram-se o próprio cativeiro e castigo de muitos.

40

5.1 Década de 1940: surge uma gigante

No início da década de 1940, o então presidente Getúlio Vargas, estimulou as

indústrias de base, como a siderurgia, no intuito de substituir as importações, dando base para

sua política de produção local. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) é um ótimo

exemplo dessa atitude. Convém anotar que:

O marco histórico do planejamento brasileiro pode ser fixado em 1939. Foi neste

ano que o Decreto Lei 1.058 de 19/01/1939 criou o chamado Plano Especial de

Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional. Pretendia-se com o Plano

Especial, promover a criação de indústrias básicas como a siderurgia, executar obras

públicas, consideradas indispensáveis e efetuar o aparelhamento da defesa nacional.

O plano era qüinqüenal, prevendo um investimento total de três bilhões de cruzeiros

(BARBOSA, 2002, p. 21).

Posteriormente, em 1º de junho de 1942, em decorrência dos Acordos de Washington,

Getúlio Vargas23

assina o decreto-lei nº 4.352 e cria a Companhia Vale do Rio Doce para

―cobrir a demanda da Inglaterra e dos EUA por minérios de ferro para a fabricação de armas‖

(IBRADES et al. 2007, 34). Foi justamente devido aos Acordos de Washington que o

governo da Grã-Bretanha se dispôs a transferir para o governo brasileiro o controle das

jazidas de minério de ferro pertencentes à Itabira Iron Ore, substituída pela Vale. Em

contrapartida o governo estadunidense se comprometia a um financiamento no valor de 14

milhões de dólares (IBRADES et al. 2007). No mesmo ano, a nova companhia, uma

sociedade anônima de economia mista, encampou as empresas de Farquhar e a Estrada de

Ferro Vitória a Minas. Destaque-se que os acionistas da Itabira Iron Ore foram devidamente

indenizados pelo Tesouro Nacional. Porém, segundo Mauro Santayana (Agência Carta Maior,

2005), os Estados Unidos

Exigiram em contrapartida, a cessão das bases do Nordeste para as operações das

forças norte-americanas e o envio de tropas brasileiras para a II Guerra Mundial, na

Europa. Ali perdemos vidas valiosas [...] não investimos na Vale somente os

recursos do Erário; investimos em sangue, investimos em coragem, investimos na

dignidade do patriotismo (IBRADES et al. 2007, 34).

23

Já na década de 1930 Vargas afirmava: ―Nenhum outro dos problemas que dizem respeito ao desenvolvimento

econômico do país sobreleva em importância ao da exploração das nossas jazidas minerais‖. Para tanto, seria

insuficiente a pequena siderurgia, normalmente incapaz de atender a futura demanda a resultar do crescimento

industrial acelerado (DUTRA, 2003). Vê-se então que a extração de minérios era primordial para fomentar a

industrialização e a modernização no Brasil. Assim as companhias deveriam ser ―gigantes‖ para atender à

demanda. O problema é que o mecanismo de oferta-demanda aumenta o consumo, e, aumentando o consumo, é

preciso produzir mais, e, se é preciso produzir mais, necessita-se extrair mais minerais da natureza. Quanto mais

minerais são extraídos da natureza, mais degradação ambiental é provocada e mais os recursos se exaurem.

Sendo assim, a alta procura somada à raridade do produto, não fazem com que o preço caia, mas sim que haja

uma carestia geral. Se o preço aumenta, a degradação com certeza não diminui, e o pior é que os únicos que

poderão ter acesso ao produto encarecido são os consumidores que podem pagar por ele. Creio que a água

potável é um bom exemplo dessa situação.

41

Em 11 de janeiro de 1943, reuniu-se a Assembleia de constituição definitiva da

Companhia Vale do Rio Doce, que aprovou os estatutos da empresa fixando a sede

administrativa em Itabira (MG) e o domicílio jurídico no Rio de Janeiro (RJ). Israel Pinheiro

foi nomeado o primeiro presidente da empresa. A partir desse momento, as exportações de

ferro cresceriam exponencialmente. Ainda em 1943, a nova empresa foi listada na Bolsa de

Valores do Rio de Janeiro. E dois anos mais tarde, a Vale concluiu as obras do cais de minério

em Vitória (ES). Em 1949, a Vale era responsável por 80% das exportações brasileiras de

minério de ferro devido à grande demanda do mercado internacional por aço no período pós-

guerra; A CVRD também selou um acordo com os japoneses para fornecimento do minério de

ferro necessário à reconstrução do Japão, no pós-guerra (GODEIRO et al., 2007, p.11); ocorre

ainda a Criação do Centro de Estudos Ferroviários, em Vitória (ES), sob orientação de

Eliezer Batista da Silva (pai do bilionário Eike Batista24

). É o período em que a

industrialização se volta para a exportação, em substituição à política de importação de

industrializados.

Em julho de 1940, a Itabira Mineração efetuou o primeiro embarque de minério de

ferro pelo porto de Vitória: 5.750 toneladas, com destino a Baltimore, Estados

Unidos, e em 03 de março de 1942, Inglaterra e Estados Unidos assinaram os

Acordos de Washington, que definiam as bases para a instalação, no país, de uma

produtora e exportadora de minério de ferro. Pelos acordos caberia à Inglaterra

comprar e transferir ao governo brasileiro as minas de Itabira e a estrada de ferro

Vitória Minas (EFMV), enquanto os Estados Unidos seria responsável pelo

financiamento necessário para a implantação deste projeto. Para a mecanização das

minas de Itabira, reconstrução da EFVM, que se encontrava em péssimas condições,

o governo contou com um empréstimo de US$ 14 milhões concedido pelo

EXIMBANK (BAIZ apud BARBOSA, 2002, p. 22).

Sem dúvida o uso financeiro do dinheiro, como referido acima, é um exemplo da

globalização do capital. Tanto Inglaterra como os EUA se preocupavam em dar mobilidade ao

capital de maneira internacional, ofertando créditos e empréstimos. E isso implica falar em

ingerência no território e na administração das economias nacionais através de um mercado

internacional. Vale lembrar que o referido Eximbank, o Banco de Exportação e Importação

24

Empresário, dono do Grupo EBX. Sua atuação no Maranhão mais conhecida diz respeito à MPX, uma

empresa do seu grupo responsável pela Usina Termelétrica Porto do Itaqui. Como objetivo de qualquer projeto

de desenvolvimento é, pelo menos em tese, livrar os ditos ―subdesenvolvidos‖ desta imagem virulenta e

inferiorizadora, há que se ressaltar que a UTE Porto do Itaqui é um dos simbolos materiais, permanentemente

acionados por agentes governamentais e empresariais, da saída deste estágio inferior e da possibilidade de

alcançar a modernidade para o Maranhão e, mais especificamente, para duas comunidades rurais: Vila Madureira

e Camboa dos Frades. A totalidade dos moradores do território da Vila Madureira foi deslocada para dar lugar à

termelétrica. Os moradores foram deslocados para o residencial Nova Canaã em Paço do Lumiar (dista 30 km da

capital São Luís e 40 Km da Vila Madureira) o que gerou bastante insatisfação, e os moradores de Camboa dos

Frades enfrentam os impactos da construção da termelétrica (PEREIRA, 2010).

42

dos Estados Unidos, maior credor da Vale, logrou sem êxito, em um cabal exemplo de

ingerência econômica, retirar a autonomia da Vale, tentando reduzir as funções do presidente

da companhia a de um mero supervisor. Baiz (apud BARBOSA, 2002, p. 22) aponta ainda

que:

Durante a década de 40, primeira década de sua existência, a empresa experimentou

momentos difíceis, carência de infra-estrutura e fortes pressões exercidas pelo seu

maior credor o EXIMBANK. A urgência de implantação do projeto, e a escassez de

recursos colocam a CVRD face a vários problemas cujas conseqüências redundou

no não cumprimento de seu objetivo, exportando em seu primeiro ano apenas

291.180 toneladas de minério, seu compromisso de acordo com as cláusulas do

acordo firmado, seria de exportar no mínimo 1,5 milhão de toneladas anuais.

5.2 Década de 1950: a gigante nas mãos do Estado

Em 1951, após processo eleitoral, Getúlio Vargas assumiu novamente o governo

brasileiro, até o ano de 1954. Extremamente nacionalista e populista, Vargas não mediu

esforços para transformar o Brasil em um país urbano e industrial. Note-se que a visão

progressista de Vargas calca-se na égide do industrialismo como motor do urbanicismo, ou

seja, é preciso deixar para trás o Brasil agrário e rural e transformá-lo num país ―moderno‖,

―desenvolvido‖ e de ―primeiro mundo‖. Continuando, é no governo de Vargas que o Brasil

criou uma das empresas petrolíferas mais importantes do mundo: a Petrobrás. Em 1952,

Getúlio Vargas criou também o BNDE, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico.

Pela sigla do banco, nós temos a noção de que tipo de desenvolvimento Vargas clamava.

Neste período, a companhia consolidou sua posição no Quadrilátero Ferrífero de Minas

Gerais, o berço da Vale (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).

O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960) foi baseado no lema ―50 anos em

05‖, ou seja, JK adotou um discurso altamente desenvolvimentista. Para tanto, lançou mão do

seu Plano Nacional de Desenvolvimento, o Plano de Metas, que beneficiava os setores de

educação, alimentação, indústria de base, transporte e energia.

No dia 1º de fevereiro de 1956, após a posse do presidente Juscelino Kubitschek, foi

criado por decreto o Conselho de Desenvolvimento como precedente à criação do

Programa de Metas, cujas atribuições eram as seguintes:

♦ Estudar as medidas necessárias à coordenação da política econômica do país,

particularmente em relação ao seu desenvolvimento econômico;

♦ Elaborar planos e programas que visassem a aumentar a eficiência das atividades

governamentais, bem como a fomentar a iniciativa privada.

♦ Analisar relatórios e estatísticas relativas à evolução dos diferentes setores da

economia do país com o propósito de integrá-los na formação da produção nacional;

♦ Estudar e preparar anteprojetos de leis, decretos ou atos administrativos julgados

necessários à consecução dos objetivos supramencionados;

43

♦ Acompanhar e assistir a implementação, pelos Ministérios e Bancos Oficiais

competentes, de medidas e providências concretas cuja adoção houvesse

recomendado (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p. 23).

Juscelino Kubitschek foi um grande entusiasta da industrialização e da substituição de

importações. Em seu governo ele estimulou a produção de máquinas, equipamentos (bens de

capital), insumos, transporte ferroviário, construção civil, fertilizantes e mecanização do

campo.

A política do plano dava tratamento preferencial ao capital estrangeiro, financiava os

gastos públicos e privados através da expansão dos meios de pagamento e do crédito

via empréstimos do BNDE, bem como por meio de avais para tomada de

empréstimos no exterior. Aumentava a participação do Estado na formação de

capital, estimulando a acumulação privada (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p.

24).

Importante notar o quanto Juscelino priorizava a inserção e predominância do capital

estrangeiro na economia brasileira, em detrimento da política nacionalista getulista. No

governo de JK, o capital estrangeiro penetrou agressivamente o território brasileiro por meio

dos serviços de infraestrutura, em especial no setor de transportes. O ABC25

paulista ganhou

relevância nessa época em virtude das instalações de pólos automotivos na região26

. Outro

ponto importante fora a criação da SUDENE, a Superintendência de Desenvolvimento do

Nordeste.

O crescimento industrial que ocorreu a partir do início do governo JK estava

estruturado em um tripé formado pelas empresas estatais, pelo capital privado

estrangeiro, e como sócio menor, o capital privado nacional. As empresas

multinacionais passaram a dominar amplamente a produção industrial brasileira,

especialmente os setores mais dinâmicos da indústria de transformação. A criação

das empresas multinacionais foi conseqüência direta das características da

industrialização no capitalismo monopolista. Dada as escalas de produção e

intensidade de capital necessária, foi inevitável a supremacia do capital externo,

dominando amplamente os setores industriais mais dinâmicos de nossa economia

(REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p. 24).

É na década de 1950, precisamente no ano de 1952, que o Governo brasileiro assumiu

o controle definitivo do sistema operacional da Vale. Barbosa (2002, p. 24) destaca que:

Nesta década, a CVRD efetuou obras de infra-estrutura alcançando ganho de

produtividade e eficiência operacional. Dentro de uma conjuntura favorável

ocasionada pela guerra da Coréia, que impossibilitava a substituição de seu minério,

a Vale implementou uma agressiva política de aumento de preços, o que permitiu

solucionar seu problema de ordem financeira. Tendo a empresa superado grande

25

Conurbação composta pelos municípios Santo André, São Bernardo e São Caetano.

26

Concordamos aqui com o conceito de região proposto por Francisco de Oliveira (1981) fundamentado na

especificidade da reprodução do capital.

44

parte dos problemas iniciais, ocorre sua consolidação empresarial, além de seu

completo controle operacional pelo governo brasileiro em 1952 (os grifos são meus).

Em 1953, ocorreu o primeiro embarque de minério de ferro para o Japão e a Vale

utilizou, pela primeira vez, um navio brasileiro, o Siderúrgica Nove, no carregamento de

minério para os Estados Unidos. No ano de 1954, a referida empresa reviu suas práticas

comerciais no exterior e passou a fazer contatos diretos com as siderúrgicas, sem a

intermediação dos traders. Já em 1955, a Vale contratou o serviço da Companhia Boa Vista

de Seguros, que prestou assistência médico-cirúrgica, hospitalar, odontológica e especializada

a acidentados. Um ano depois, 1956, a Vale comprou a Reserva Florestal de Linhares27

, do

Governo do Espírito Santo, com área de 23 mil hectares. Data do ano de 1959, a inauguração

do Cais do Paul, no Porto de Vitória, iniciativa da Vale e do Governo do Espírito Santo. Por

fim, em 1960, houve a criação da Companhia Siderúrgica Vatu, primeira subsidiária da Vale

para o beneficiamento de minérios, fabricação e comercialização de ferro-esponja.

5.3 Década de 1960: atribulações políticas, os planos econômicos militares e a

descoberta de Carajás

A década de 1960 é de fundamental importância para a compreensão da organização

da exploração mineral da Vale em Carajás. Isso porque é esta década que marcou o início da

prospecção de minérios na Amazônia.

27

Alinhada à política de recuperação de áreas degradadas, a Vale realiza pesquisas e investe em tecnologia

ambiental na Reserva Natural Vale, em Linhares (ES), onde há intensivo programa de produção de mudas

destinadas à restauração ecossistêmica e à formação de florestas de uso múltiplo. Em 2006, a colheita bruta de

sementes foi de aproximadamente 12 toneladas, que resultaram em cerca de quatro milhões de mudas de 422

espécies da Mata Atlântica. Desde a criação da reserva, foram identificadas 60 novas espécies botânicas em seus

22 mil hectares, uma das últimas áreas protegidas de Mata Atlântica de Tabuleiro no Brasil. O território da

Reserva de Linhares é contíguo ao da Reserva Biológica de Sooterama, administrada pelo Ibama, que delegou a

proteção à Vale há cinco anos. Juntas, representam 48 mil hectares ou 75% da floresta natural do Espírito Santo.

O leitor desinformado poderia realmente pensar que a CVRD protege o meio ambiente caso desconhecesse a

transferência para o referido Estado da empresa chinesa Baosteel, a maior siderúrgica da China, no dia 27 de

agosto de 2009. A Vale relançou com pompa e circunstância o projeto de instalação de uma usina siderúrgica em

Ubu, distrito industrial de Anchieta, município do Espírito Santo. ―A associação de pescadores de Ubu e Parati,

tendo grande parte de seus membros filiados à colônia de pescadores, foi criada para enfrentar os problemas

advindos da deterioração do meio ambiente provocada inicialmente pela Indústria de Mineração Samarco S.A.,

localizada em seu território. [...] Hoje a sua luta tem como objeto os efeitos provocados pelas dragagens em sua

costa, pelas obras de instalação da Petrobrás na região, e pelas sondagens feitas pela VALE para instalação de

um mega porto, ocupando com máquinas e instrumentos de sondagem sua área de pesca e fazendo desaparecer

os peixes, não apenas pelo deslocamento de grandes quantidades de areias (formando bancos em locais onde

viviam os cardumes), como também pela contaminação das águas do mar (areias com resíduos industriais). Ou

seja, o processo de degradação ambiental, provocado pela indústria Samarco, com a contaminação do ar e das

águas, vem sendo agravado pelas obras de construção das instalações da Petrobrás na localidade e das sondagens

da VALE‖ (RAUTA RAMOS et al., 2009, p. 96).

45

Observe-se que o mercado potencial da Vale já está delineado: Estados Unidos e

Japão. Quando Juscelino Kubitschek deixou, em 1960, a presidência da República, o Brasil

tinha seu modelo econômico alicerçado na industrialização e com um crescimento econômico

girando na casa dos 7% ao ano. Todavia deixou também, para seu sucessor, Jânio Quadros,

como fruto da sua política desenvolvimentista, uma alta inflação.

Quadros teve uma rápida passagem pela presidência do Brasil. Pregava uma política

externa independente e de austeridade econômica, baseada no FMI28

. Renunciou em 25 de

agosto de 1961, com o argumento de queria ―varrer a corrupção‖ e não havia conseguido.

Como João Goulart, o Jango, que era o Vice-Presidente, tinha fortes tendências esquerdistas,

políticos e militares viam com maus olhos sua posse na Presidência. Portanto, este somente

poderia aceitar o cargo mediante a adoção do parlamentarismo, e foi justamente assim que

aconteceu. Uma vez no Governo, Jango buscou dar consequência à necessidade de

planejamento da ação estatal.

A breve atuação do presidente Jânio Quadros foi marcada na área de planejamento

público, pela criação da Comissão Nacional de Planejamento (COPLAN) em agosto

de 1961. Em outubro 1961 toma posse o presidente João Goulart. Neste período o

conselho de ministros publicou um documento importante e que teve influência

direta sobre a criação do Plano Trienal (BARBOSA, 2002, p. 25).

O referido Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social29

enfrentou

oposição no Congresso brasileiro, por parte da Igreja Católica e do empresariado, pois estes

setores viam nas reformas de Jango uma espécie de ―estágio comunista‖. Sobre o Plano

Trienal, Barbosa (2002, p. 25) escreve que:

O Plano Trienal procura, pela primeira vez, soluções estruturais para o problema

econômico-social do país, partindo do princípio que o crescimento acelerado dos

países em desenvolvimento faz-se sempre com rápidas e profundas modificações

estruturais. [...] O Plano Trienal, definido de forma sucinta, era na verdade um plano

de estabilização. Estabelecia uma reforma de bases cujas diretrizes estavam voltadas

para as bases requeridas pelo desenvolvimento econômico, por isso de difícil

implementação, pois estabelecia controles que não contavam em absoluto com a

simpatia popular. Tais controles almejavam reduzir a taxa inflacionária, já então

alarmante, e o desequilíbrio nas contas externas.

28

O Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma organização composta por 183 países-membros com o objetivo

de promover, de acordo com seu estatuto, a cooperação internacional; facilitar o crescimento equilibrado do

comércio internacional; promover a estabilidade das taxas de câmbio; reduzir os desequilíbrios nos balanços de

pagamentos reduzindo assim as ameaças ao sistema internacional (FMI, Articles of Agreement). O FMI possui

três funções principais a fim de se alcançar esses objetivos. São eles: 1. Vigilância das economias dos membros

do FMI, com ênfase especial à política de taxas de câmbio; 2. Fornecimento de assistência financeira (na forma

de créditos e empréstimos) aos membros com problemas na balança de pagamentos, para apoiar ajustes e

reformas; 3. Fornecimento de assistência técnica para a implementação de políticas fiscais e monetárias.

(CALDAS, 2002. p. 107).

29

Diferentemente de Getúlio Vargas, para Jango o desenvolvimento tinha que ser econômico e social.

46

A taxa inflacionária e o desequilíbrio nas contas públicas, como já fora mencionado,

foi a herança maldita do governo JK. Jango acreditava que o desenvolvimento econômico e

social somente se processaria a partir de amplas reformas, tais como: administrativa, agrária,

tributária e fiscal. Dessa forma, Jango via no Plano Trienal a possibilidade de (re)estruturar o

país tanto do lado econômico, quanto do viés social. Contudo, Jango não foi capaz de

estabelecer as suas mudanças, uma vez que fora destituído pelo golpe militar.

Cabe lembrar que o Regime Militar aumentou a dependência da economia brasileira

em relação ao exterior, uma vez que a referida economia se tornava cada vez mais globalizada

(internacionalizada), apresentando profunda influência dos países ditos desenvolvidos,

especialmente os Estados Unidos.

Depois do Plano Trienal, sucederam-se o Programa de Ação Econômica do Governo-

PAEG (1964) que ―foi preparado em 90 dias, apresentado ao Congresso em agosto de 1964,

envolvia o período de 1964/1966 e reativava o Ministério Extraordinário para o

Planejamento30

e Coordenação Econômica‖ (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p. 25), o

Plano Decenal (1967-1976) e o Programa Estratégico de Desenvolvimento (1967).

O PAEG enfatizava a viabilidade do modelo de planejamento econômico dentro de

uma economia de mercado, repetindo a preocupação do Plano Trienal de justificar a

existência do processo em países não socialistas. [...] O relativo sucesso do PAEG e

a manutenção da hegemonia do poder executivo brasileiro levaram o presidente

Castelo Branco já no final do seu mandato a propor a elaboração de um Plano

Decenal (1967-1976) com o objetivo de oferecer aos governos seguintes uma linha

comum de ação sintonizada com os efeitos do PAEG (BARBOSA, 2002, p. 25).

Ateste-se que, no PAEG, a viabilidade desenvolvimentista não se faz mais através da

economia planificada, mas sim a planificação da economia no mercado e para o mercado. O

general Costa e Silva, assumiu a presidência após o governo do general Castelo Branco. Sua

política econômica foi baseada no combate à inflação, política salarial e comércio

internacional. Daí decorreu o Programa Estratégico de Desenvolvimento.

O Programa Estratégico de Desenvolvimento foi preparado a partir de 1967 pelo

governo do presidente Costa e Silva, não guardando muita relação com as

recomendações do Plano Decenal. O Programa Estratégico pretendia reorientar a

economia, no período de 1968-1970, de forma a corrigir certas distorções que se

faziam sentir e foram fixados os seguintes objetivos:

♦ Manter o controle do balanço de pagamento

30

De acordo com Oliveira (1981, pp. 29-30) o planejamento não pode ser entendido como ―a presença de um

Estado mediador mas, ao contrário, a presença de um Estado capturado ou não pelas formas mais adiantadas da

reprodução do capital para forçar a passagem no rumo de uma homogeneização, ou conforme é comumente

descrito pela literatura sobre planejamento regional, no rumo da ‗integração nacional‘‖. No caso do Estado,

percebe-se que ele se converte em mais um mecanismo de reprodução das relações de produção do sistema

capitalista. Talvez até o mais importante...

47

♦ Evitar o agravamento das disparidades econômicas regionais e setoriais.

♦ Realizar reformas econômicas e sociais.

♦ Assegurar a manutenção do clima de ordem interna e estabilidade institucional

(BARBOSA, 2002, p. 26).

Imersa nesse contexto de mudanças políticas, econômicas e sociais da década de 1960,

a Vale assinou contratos de longo prazo com siderúrgicas japonesas e usinas alemãs31

. Em 2

de outubro de 1962, foi criada a subsidiária Vale do Rio Doce Navegação S.A. (Docenave),

ampliando as atividades de cunho marítimo da empresa. Além disso, em 1966, a Vale

inaugurou o Porto de Tubarão, em Vitória, Espírito Santo. Nessa década cabe destacar um

acontecimento primordial que data do ano de 1967: Geólogos da Companhia Meridional de

Mineração, subsidiária da United States Steel Corporation, constataram a ocorrência de

minério de ferro em Carajás, Pará.

Destarte, em julho de 1967, um helicóptero da Cia. Meridional de Mineração pousou

em uma clareira da Serra dos Carajás, revelando a existência de uma jazida de 18

bilhões de toneladas de minério de ferro de alto teor. Depois, verificou-se que em

Carajás não havia somente minério de ferro. Havia também grandes depósitos de

manganês, ouro, bauxita, cobre e outros minerais valiosos.

A empresa que descobriu as jazidas era, na verdade, o braço brasileiro da U.S. Steel,

grande siderúrgica norte-americana e uma das maiores consumidoras mundiais de

minério de ferro. Contudo, devido a uma ação do governo brasileiro, a U.S.Steel foi

obrigada a aceitar a Cia. Vale do Rio Doce como sócia na exploração mineral, o que

deu origem a companhia Amazônia Mineração S/A (AMZA), que foi quem de fato

tomou as primeiras iniciativas para viabilizar a exploração mineral de Carajás

(CARNEIRO, 2010, p.18).

Nesse sentido, a americana e a Vale deram início a um processo agressivo de

ampliação de suas bases com o desenvolvimento do Projeto Carajás, que abrange Maranhão e

Pará (GODEIRO et al. 2007). Dois anos depois, em 1969, foi inaugurada a primeira usina de

pelotização da Vale em Tubarão, Espírito Santo, com capacidade para produção de 2 milhões

de toneladas/ano.

Ateste-se que a descoberta de minério de ferro em Carajás-PA, não somente permitiu

que a Vale do Rio Doce se transformasse na maior exportadora de minério de ferro do mundo,

como também contribuiu para que ela também fosse

Empurrada pelo governo brasileiro rumo ao Norte do país. Em abril de 1970 foi

criada a AMSA - Amazônia Mineração S.A., pela associação Companhia Vale do

Rio Doce, com 51% das ações, e a Companhia Meridional de Mineração, que ficou

com 49% (IBRADES et al., 2007, p. 35).

31

Como se percebe, é de longa data a coalizão entre os clientes da Vale... ThyssenKrupp (Alemanha), Nisshin

Steel, Sumitomo, Kobe Steel, JFE Steel, Nippon Steel (Japão).

48

5.4 Década de 1970: os ―milagres econômicos‖, a ―vocação mineral‖ da Amazônia e a

diversificação do desenvolvimento da estatal

A década de 1970 é crucial para o Brasil e, consequentemente para a Vale. O governo

ditatorial do presidente Médici prosseguiu com as políticas de desenvolvimento, modelo

através do qual o governo militar acreditava ser capaz de inserir a nação brasileira no âmbito

dos países desenvolvidos. Sendo assim:

O I Plano Nacional do desenvolvimento econômico (I PND) instituído pela Lei

5.727 de 4 de novembro de 1971, foi desenvolvido para o período de 1972 a 1974 e

seguia basicamente o formato estabelecido antes pelas Metas e Bases. A estratégia

global adotada que consiste seguramente na peça de resistência do I PND envolve a

expansão da fronteira econômica, uso intenso de recursos humanos, consolidação do

desenvolvimento do Centro Sul e industrialização do Nordeste; tudo com o objetivo

de aprimorar o poder de competição nacional (BARBOSA, 2002, p. 27-28)

Estimular uma relação desarmônica entre regiões era necessário para a consolidação

do desenvolvimento. Afinal, aprimorar o centro-sul do Brasil e vetorizar o crescimento

econômico do Nordeste via industrialização acabariam por deflagrar o desenvolvimento que

tanto o presidente Médici buscava.

Apesar de o plano ser dito nacional, ele continha objetivos e estratégias globais como

preços internacionalmente competitivos (BARBOSA, 2002). Ao mesmo tempo em que o

PND contribuiu para o processo de modernização das empresas brasileiras, brindou os

nordestinos com os louros da industrialização desenfreada do centro-sul: segregação

socioespacial, conflitos agrários, urbanização precária e subdesenvolvimento. Barbosa (2002,

p. 28) diz que:

O II PND (II Plano Nacional de Desenvolvimento), instituído pela Lei 6.151 de

dezembro de 1974, encontrou sérios obstáculos em especial na dificuldade e demora

na adaptação da economia do país à crise do petróleo. Seus objetivos principais

eram:

♦ Manter o crescimento econômico acelerado dos anos anteriores;

♦ Reafirmar a política de contenção da inflação;

♦ Manter em relativo equilíbrio o balanço de pagamento;

♦ Realizar política de melhoria de distribuição de renda simultaneamente com o

crescimento econômico;

♦ Preservar a estabilidade social e política;

Note-se que o II PND, apontou como um dos principais objetivos ―Manter o

crescimento econômico acelerado dos anos anteriores‖. Contudo, isso não significou

desenvolvimento social, nem ―distribuição de renda‖, uma vez que a macrorregião sudeste,

49

entendida aqui como um recorte do espaço nacional que fundamenta certas especificidades

da reprodução do capital (OLIVEIRA, 1981), consolidou-se como grande parque industrial

e prestador de bens e serviços, enquanto que o Nordeste mergulhou em dilemas urbanos e nos

mais diversos conflitos. O reflexo na Vale dessa política federal será a diversificação dos

investimentos. No dia 07 de julho de 1971, foi fundada a Rio Doce Geologia e Mineração

S.A. (DOCEGEO). Essa subsidiária da Vale tinha como objetivo realizar pesquisas e lavra de

minério e durante sete anos, a partir de investimentos de US$ 82 milhões (BARBOSA, 2002),

as ―pesquisas concluíram que, em Carajás, se encontrava a maior reserva de minério de ferro

do mundo, com 18 bilhões de toneladas; a CVRD acrescentou mais 35 novos pontos de

extração, envolvendo 11 minerais diferentes em treze estados do país‖ (BAIZ apud

BARBOSA, 2002, p. 29).

Ainda em 1971, foram descobertas jazidas de manganês localizadas no Córrego do

Azul na Serra de Carajás que perfazem um montante de 65 milhões de toneladas

(CARNEIRO, 2010).

Em 1972, a Vale e a US Steel constituíram a Valuec Serviços Técnicos, cuja finalidade

era analisar a viabilidade do Projeto Carajás. Ainda no mesmo ano, a Vale firmou convênio

com a Alcan Aluminium ltd., do Canadá, visando à exploração de bauxita na região do rio

Trombetas. Em 1973, foi inaugurada a primeira fase da Usina de Concentração de Itabirito.

Barbosa aponta ainda que:

Em 1973 foi criada a Celulose Nipo Brasileira S/A (CENIBRA), com capacidade de

produção de 750 toneladas diárias de celulose a partir de cavacos de madeira

fornecidos pelas Florestas Rio Doce; a Companhia Ítalo Brasileira de Pelotização

(ITABRASCO), empresa formada pela CVRD e o grupo italiano Finsider

International, para construir e operar uma usina de pelotização junto ao porto de

Tubarão, no Estado do Espírito Santo, com capacidade para produzir três milhões de

pelotas por anos (BARBOSA, 2002, p. 29).

Cabe destacar que 1974 é o ano que marca a grande guinada de investimentos e

incentivos fiscais para a exploração mineral na Amazônia. Segundo Porto-Gonçalves (2005)

quem descobriu a vocação pecuária e de exploração mineral para a Amazônia fora o então

ministro Delfim Netto. Essa descoberta encravou a Amazônia entre a cruz e a espada: por um

lado os impactos oriundos da pecuária; na outra ponta a mineração, uma atividade

metodologicamente organizada que agride o meio ambiente através de práticas de

desmatamento, atrai um grande fluxo populacional e uma maior pressão por recursos naturais.

Nos idos de 1974, a Vale tornou-se a maior exportadora de minério de ferro do mundo,

detendo 16% do mercado transoceânico do minério.

50

Em 1974 foi criada a Companhia Nipo Brasileira (NIBRASCO), Joint Venture

integrada pela CVRD e um grupo de siderúrgicas japonesas, liderado pela Nippon

Steel, com capacidade para produzir seis milhões de toneladas anuais de pelotas; a

Companhia Hispano Brasileira de Pelotização (HISPANOBRAS), empresa formada

pela CVRD e a espanhola Ensidesa, com produção prevista de três milhões de

toneladas de pelotas; a Alumínio Brasileiro S/A (ALBRAS), Joint Venture formada

pela CVRD e pela Nippon Amazon Aluminium, com capacidade para produzir 160

mil toneladas anuais de alumínio primário e a Mineração Rio do Norte (MRN),

consórcio multinacional para a exploração das jazidas de bauxita às margens do rio

Trombetas, no Estado do Pará, com produção inicial estimada de 3,4 milhões de

toneladas anuais (BARBOSA, 2002, p. 29).

Pela primeira vez, em 1975, a Vale lançou debêntures no mercado internacional, no

valor de 70 milhões de marcos, com intermediação do Dresdner Bank. 1976 marca o ano do

Decreto nº 77.608 que outorgou à Vale a concessão para construção, uso e exploração da

estrada de ferro entre Carajás (PA) e São Luís (MA), e também ―foi criada a Minas da Serra

Geral (MSG); a Urucum Mineração S/A, visando a exploração das reservas de manganês das

serras de Urucum e Jacadigo, no município de Corumbá, no Estado do Mato Grosso‖

(BARBOSA, 2002, p. 29).

Ano importante para se analisar as ações da Vale no Maranhão é o de 1977, pois a

Vale anunciou prioridade ao Projeto Carajás, para, a partir de 1982, iniciar a exportação do

minério de ferro pelo Porto de Itaqui. Em 1977, a Vale se tornou única operadora do projeto32

,

que é até hoje um dos principais ativos da empresa (GODEIRO et al. 2007).

Seguindo, 1978 é o ano inicial da construção da Estrada de Ferro Carajás (EFC), da

criação da ―Alumina do Norte Brasil (ALUNORTE), empresa produtora de alumínio com

produção prevista de 800 mil toneladas anuais‖ (BARBOSA, 2002, p. 29) e da apresentação,

por parte da Vale, à Secretaria de Planejamento da Presidência da República, do Projeto Ferro

Carajás (CARNEIRO, 2010).

No início de 1978 o Conselho de Desenvolvimento Econômico da Presidência da

República autoriza o começo das obras de construção da Estrada de Ferro Carajás

(EFC) e, em outubro desse mesmo ano, aprovava o Projeto Ferro Carajás (PFC),

com a previsão de operação colocada para o ano de 1985, com uma produção

estimada de 15 milhões de toneladas (CARNEIRO, 2010, p.19).

O ano conseqüente, 1979, é o início efetivo da implantação do Projeto Ferro Carajás,

adotado como principal meta da estratégia empresarial da Vale, que contava atingir uma

produção inicial de 12 milhões de toneladas por ano (CARNEIRO, 2010).

32

Isso em decorrência dos desacordos com a U.S.Steel, que fez com que a sociedade que havia entre a referida

empresa e a Vale fosse extinta. Este fato possibilitou que a Vale se tornasse a única proprietária da Amazônia

Mineração S/A e do empreendimento mineral de Carajás (CARNEIRO, 2010).

51

5.5 Década de 1980: os anos que a CVRD não perdeu

A década de 1980, conhecida como a ―década perdida‖, foi um período de profundas

transformações na economia brasileira. É o momento em que a ditadura começava a

enfraquecer-se, altas inflações, estagnação econômica, dentre outros fatores. O Brasil

atravessava um período de endividamento oriundo de fatores externos que debilitavam as

contas internas da nação (BARBOSA, 2002). Carneiro (2009, p. 18) aponta que na década de

1980:

Marcada pela constituição dos grandes empreendimentos gestados no âmbito do II

Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), o foco dos estudos dirigiu-se para a

análise da implantação dos ‗grandes projetos‘, de sua economia e das repercussões

sociais e ambientais desses empreendimentos.

De fato, como o próprio autor comenta, quer os estudos fossem sociológicos ou

geográficos, na década de 1980, não enfatizavam a Vale como o sujeito da ação, apenas a

viam como um ―elemento da paisagem‖, ou seja, não se concebia a Vale como um ―agente

dotado de características particulares intervindo num determinado campo econômico‖

(BOURDIEU apud CARNEIRO, 2009, p. 19).

Enquanto sujeito da ação, a Vale, mesmo que uma empresa estatal, não podia

prescindir da ajuda do governo brasileiro no que concerne à efetivação do seu programa de

desenvolvimento em Carajás. A prospecção mineral na região de Carajás demanda, como a

maioria das atividades ligadas ao setor de mineração, uma grande quantidade de recursos e a

infraestrutura necessária ao desenvolvimento da atividade: desde a prospecção em si até o

escoamento da produção.

O programa Grande Carajás foi criado em 1980, através do Decreto-Lei nº 1813 de

21.11.1980. O Programa tinha como objetivo beneficiar empresas que viessem a se

instalar na região do programa, que incluía parte do território dos estados do Pará,

Maranhão e Tocantins, tendo como limite o paralelo 8º e os rios Parnaíba, Xingu e

Amazonas. Essas empresas seriam beneficiadas através de incentivos financeiros

(empréstimos subsidiados) e isenções fiscais que seriam concedidos através de

instituições públicas operando na região, caso das Superintendências Regionais de

Desenvolvimento como a SUDAM e a SUDENE e da própria estrutura montada

para a organização do PGC (CARNEIRO, 2010, p.19).

É interessante, e ao mesmo tempo irônico, que, como bem nos escreve Carneiro, o

programa tinha como objetivo beneficiar empresas... ou seja, não era da governamentalidade

(FOUCAULT) beneficiar a sociedade em si, mas setores privados dela. Pantoja (2010, p.1)

diz que no início da década de 1980:

52

[...] o Projeto Ferro Carajás, da Companhia Vale do Rio Doce e o Programa Grande

Carajás, desenvolvido nos gabinetes do governo federal (sob o comando do General

Figueiredo), eram a grande saída do Brasil para o impasse da crise cambial, no início

dos anos 1980. Afinal, gerariam dólares ao país e assim assegurariam a estabilidade

macroeconômica tão sonhada pelo Estado Brasileiro. O desenvolvimento regional

também era uma das esperanças de resultado do projeto, a partir da crença de que

com a expansão do produto interno bruto e da base tributável da economia regional,

o poder público manejaria maiores somas de recursos e poderia oferecer soluções

aos problemas econômicos e sociais vivenciados pela população daquela região.

Notadamente, a década de 1980 é ponto nevrálgico para que se entenda a incursão do

moderno (colonizador) sobre o meio ambiente ludovicense, haja vista que é o momento no

qual as práticas produtivas concretas de diversos atores sociais, como as empresas, no caso

específico, a Vale, são espacializadas, alterando sumariamente os modos de vida dos

impactados. Como bem infere Aquino; Sant‘Ana Júnior (2009, p. 59):

Desde o início da década de 1980, em função da construção de grandes indústrias

mínero-metalúrgicas (como o consórcio ALCOA/ALUMAR, a Vale), de sucursais

administrativas de indústrias petrolíferas (como a PETROBRÀS), do terminal da

Estrada de Ferro Carajás e do Complexo Portuário de São Luís, vários povoados

foram deslocados e o modo de vida daqueles que permaneceram sofreram impactos

significativos, o que é maximizado pela ameaça recorrente de novos deslocamentos.

Vimos que os governos de Juscelino Kubitschek, com o seu plano de Metas, bem

como os planos nacionais de desenvolvimento dos governos militares, buscavam oferecer a

infraestrutura necessária para a efetivação dos projetos de desenvolvimento. No bojo desse

fito, a Hidrelétrica de Tucuruí e a Transamazônica são os exemplos dessa política

desenvolvimentista governamental: a hidrelétrica para o fornecimento de energia; e a

transamazônica como maneira de abrir caminhos e estradas interligando lugares, regiões,

territórios, espaços homogêneos e heterogêneos por entre o ―vazio demográfico e cultural‖.

Sinteticamente: ―a abertura de estradas e o barramento dos rios foram tarefas assumidas pelo

Estado. A estrada e a energia são condições gerais de produção essenciais para que as

iniciativas particulares de produção se fizessem presentes‖ (PORTO-GONÇALVES, 2005,

p.102).

Destaque-se que a hidrelétrica de Tucuruí tornou possível também a concretização da

ALUMAR (Consórcio de Alumínio do Maranhão) e das subsidiárias da Vale: ALUNORTE E

ALBRAS. Tendo a infraestrutura necessária para as primícias dos projetos, tendo também o

ministro Delfim Neto descoberto a ―vocação natural‖ da Amazônia, como nos ensina Porto-

Gonçalves (2005), de região de extração mineral, nada mais ―natural‖ que o Estado garantir o

financiamento das iniciativas privadas: esse foi o papel da Superintendência de

53

Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), a agência governamental que garantiu os

incentivos fiscais para o empresariado (PANTOJA, 2010).

A Vale adentra o setor de alumínio a partir do início das operações da Valesul

Alumínio S.A., localizada no bairro de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Trata-se de uma usina

que produz 100 mil toneladas de alumínio ao ano. Possui um terminal portuário próprio, que

está em operação desde 1982. As atividades extrativo-exportadoras da Vale na região sul do

Pará vêm desde 1985, quando, por exemplo, foi concluída a planta de beneficiamento de

manganês oriundo do Córrego Azul na Serra de Carajás, que nos dias de hoje possui uma

capacidade produtiva de 2,5 milhões de toneladas por ano (CARNEIRO, 2010).

Atualmente, estima-se uma produção de cerca de 1,8 milhão de toneladas de ferro-

gusa, que é a principal matéria-prima para produção de aço. A mina de ferro de Carajás situa-

se em Parauapebas, sul do Pará (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Em 1985, a empreiteira

Rodominas entregou a Vale, no dia 28 de fevereiro, a Estrada de Ferro Carajás. Resalte-se que

com a inauguração do Projeto Ferro Carajás, a Vale aumentou a sua capacidade produtiva

agora estruturada em dois sistemas logísticos distintos (Norte e Sul).

1986 é um ano chave para a cidade de São Luís, bem como para o Maranhão, pois

marca o início da operação do Terminal da Ponta da Madeira33

. No ano de 1989, a empresa

focou-se no processo de internacionalização, com a elaboração do Plano Estratégico (1989-

2000); foi também o ano do PR, Programa de Participação nos Resultados, para os

empregados da Vale. Baiz (apud BARBOSA, 2002, p. 32) escreve que:

Na CVRD, o programa de diversificação prossegue durante a década de 80 e a

empresa, agindo de acordo com as diretrizes do governo federal, de substituição de

importação, e o fomento do desenvolvimento tecnológico interno, aumenta o índice

de nacionalização dos materiais e equipamentos que a empresa utilizava, a Vale,

33

O Terminal Ponta da Madeira foi construído com recursos oriundos do Governo Federal, na década de 80 do

século XX, e sua construção estava vinculada ao Programa Grande Carajás, que tinha como objetivo promover

desenvolvimento das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Dentre as iniciativas desenvolvidas no âmbito do

Programa Grande Carajás salienta-se a exploração de minério de ferro da Serra dos Carajás, que exigiu a

construção do complexo mina-ferrovia-porto, cuja operacionalização foi iniciada em 1986, e o terminal passou a

servir de portal de escoamento para o minério. A principal operação do referido terminal marítimo da Ponta da

Madeira é com o minério de ferro. É também no terminal privativo da Vale que atraca o famoso graneleiro Berge

Stahl, o maior do mundo, e tem como capacidade de transporte 370 mil toneladas de minério de ferro. Segundo

Feitosa e Trovão (2006, p. 156), ―A estrutura do porto está distribuída em cais, pátio de estocagem para mais de

3,65 milhões de toneladas, estações de descarregamento com virador de vagões, pesagem e amostragem,

havendo ainda instalações de manutenção do porto, com ferrovia, máquinas e equipamentos, setor administrativo

e Centro Operacional. O terminal da Ponta da Madeira é de extrema importância para economia do Estado do

Maranhão, pois embora o minério seja extraído no Estado do Pará, o Maranhão se beneficia com as vantagens da

mão-de-obra empregada na operacionalização do terminal marítimo, nos serviços prestados pelas empresas

locais, a CVRD, e, especialmente, pelo transporte de passageiros, da produção agropecuária, além de

mercadorias que têm São Luís como destino final‖. Cabe lembrar que a Vale está expandindo o porto de Ponta

da Madeira, parte de um projeto bem maior de duplicação de toda a cadeia de exportação do minério (novas

minas e duplicação dos trilhos). Essa ampliação, que está obtendo licenciamentos ambientais fragmentados,

comportará um forte aumento da poluição e do impacto socioambiental no corredor de Carajás.

54

amplamente beneficiada pela política econômica do momento, teve seus

investimentos preservados, consolidando-se como um dos maiores conglomerados

empresariais do país.

De fato, as políticas do momento beneficiavam a Vale. O Brasil estava mergulhado

numa alta crise inflacionária e as despesas públicas eram postas de lado, enquanto

enfatizavam-se as privatizações, o comércio declinava e havia o congelamento de preços.

5.6 Década de 1990: a gigante estatal é privatizada

Na década de 1990, na qual é enfatizado o segundo momento de análise, tem-se como

ápice o ano de 1997, data da privatização da Vale. Por isso é de vital importância avaliar a

década de 1990 para se entender as políticas de responsabilidade socioambiental. Nos anos

1990, no governo Collor de Mello, o Brasil refletia a conjuntura internacional de medidas

neoliberais (imperialistas, por assim dizer). O citado presidente iniciou o programa de

privatização das empresas estatais, objetivando entregar as riquezas nacionais ao capital

internacional.

Esse movimento já vinha sendo utilizado nas nações industrializadas em outros

países da América Latina, tendo como argumento os elevados déficits fiscais dessas

nações. Logo depois de tomar posse, o presidente enviou ao Congresso, em março

de 1990, a Medida Provisória 115, que se tornou a Lei 8.031, instituindo o Programa

Nacional de Desestatização e a maioria das regras que ainda o regem (REGO et al.

apud BARBOSA, 2002, p. 33).

Desestatização ou privatização era apresentada como sendo a melhor forma possível

de sanar a dívida pública oriunda, principalmente dos anos 1950 e 1970. Para isso, era preciso

adequar-se às diretrizes de órgãos multilaterais que aparecem como ―médicos‖ dessa

―doença‖ chamada dívida pública. Vejamos então o que dizia o PND em seu artigo 1º:

I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa

privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; II - contribuir

para a redução e melhoria do perfil da dívida pública, concorrendo para o

saneamento do setor público; III - permitir a retomada de investimentos nas

empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada; IV -

contribuir para a modernização do parque industrial do País, ampliando sua

competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da

economia; V - permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas

atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das

prioridades nacionais (IBRADES et al., 2007, pp. 16-17, os grifos são meus).

Como ―bons médicos‖, o FMI e o Banco Mundial receitam e impõe medicamentos que

viabilizem a cura financeira do País. Todavia, engana-se quem pensou que a ausência do

Estado transforma-se totalmente em oferecimento de serviços essenciais à população.

55

Privatizando a saúde e a educação, por exemplo, cria-se uma ―massa de excluídos‖ que não

são assistidos pelo setor privado.

Cabe lembrar que o processo de privatizações inicia-se com a 1ª Carta de Intenções do

Fundo Monetário Internacional, datada de 1983. A intenção do FMI de desestatizar a

economia é evidente.

O texto desta Carta de Intenções registra que ―parte substancial do ajuste econômico

caberá às empresas do Governo [...] torna-se necessária, durante 1983 e em anos

subseqüentes um corte substancial no dispêndio global dessas empresas. [...] deve-se

reduzir o número de empresas governamentais e ajustá-las às regras do mercado [...]

igualmente importante será um endurecimento substancial na política de gastos das

empresas estatais (IBRADES et al., 2007, p. 28).

Note-se que, na visão do FMI, as empresas do Governo, as estatais, são dispendiosas,

dão despesas e não benefícios ou lucros, por isso deve-se reduzir o número de tais empresas e

ajustá-las às regras de mercado, ou seja, privatizá-las. As empresas estatais possuem uma

política econômica frágil, sendo preciso endurecê-las ao frio, objetivo e lucrativo mercado,

para que fossem pagas as dívidas. Como bem disse a então Primeira-Ministra da Inglaterra,

Margareth Thatcher, em 1983: ―Se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar suas

dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus territórios e suas fábricas‖ (IBRADES et

al. 2007, pp. 29, os grifos são meus).

No seio do neoliberalismo a fúria da privatização irrompe fronteiras. Essas reformas

neoliberais (resolução de déficits fiscais, atração de investimentos, competitividade) acabam

por deflagrar uma onda de demissões e em contrapartida de investimentos exteriores. O papel

do Estado é então remodelado ou reordenado estrategicamente, ou seja, de produtor de bens e

serviços para regulador/disciplinador do mercado econômico-financeiro (REGO et al apud

BARBOSA, 2002). A prioridade nacional transforma-se em prioridade internacional. A

administração pública dá lugar ao empreendedorismo, à lógica da competição. O saneamento

do setor público não é o saneamento básico, ou o saneamento das necessidades34

básicas do

povo, mas o saneamento das contas públicas.

O que chama a atenção é a atitude do governo brasileiro em privatizar justamente as

empresas que auferiam mais lucros para o país, além de abrir mão de setores estratégicos

como telecomunicações, siderurgia e mineração: ―A desestatização do governo Federal teve

início com a venda da siderúrgica Usiminas por US$ 2,31 bilhões, em leilão realizado na

34

A palavra necessidade é, na era do desenvolvimento (pós-Segunda Grande Guerra), uma carência ou um

direito a alguma coisa. É como se os ditos subdesenvolvidos, como os brasileiros, tivessem uma necessidade

imperativa de se desenvolver, no qual o desejo se transforma em reivindicação. É necessário também o

reconhecimento por parte dos subdesenvolvidos de suas carências, ou seja, eles têm que aceitar jogar o jogo do

desenvolvimento (ILLICH, 2000).

56

Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, em outubro de 1991‖ (BNDES apud BARBOSA, 2002,

p. 34).

Após o impeachment de Collor de Mello, o governo de Itamar Franco (1992-1994),

que era o vice de Collor, tem como carro-chefe o Plano Real, lançado pelo então ministro da

fazenda, Fernando Henrique Cardoso. No bojo dessa política econômica, é abandonada a

política de congelamento dos salários e dos preços das mercadorias. Seu governo, assim como

o anterior, é marcado pelo controle dos gastos públicos e pelas medidas pró-privatização.

Nesse período, a então Companhia Vale do Rio Doce apresentou o primeiro projeto de

desenvolvimento sustentável do país, no ano de 1992, o Projeto Pólos Florestais, pegando

carona na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-

92, realizada no Rio de Janeiro (RJ). Um ano mais tarde, o Instituto Brasileiro de Economia

da Fundação Getúlio Vargas classificou a Vale como a primeira empresa no ranking nacional.

Em 1994, devido ao sucesso no controle da inflação através do Plano Real, Fernando

Henrique Cardoso tornou-se presidenciável pela coalizão PSDB-PFL35

. Tal como o governo

anterior, o popularmente conhecido FHC, tem como um dos seus pontos fortes o Plano Real,

que foi idealizado pelo próprio e sua equipe quando ainda era Ministro da Fazenda do

governo Itamar. Antes de analisar o governo de Fernando Henrique Cardoso, cabe anotar que:

Na segunda metade dos anos noventa, com o fim do período dos grandes

investimentos federais na região e com o processo de privatização das estatais, as

empresas passaram a receber maior destaque como atores importantes dos processos

econômicos e de suas repercussões sociais e ambientais (CARNEIRO, 2009, p. 19).

Dessa forma, pautado no modelo neoliberal, o governo Fernando Henrique abdicou do

bem-estar social e promoveu o empobrecimento em massa dos brasileiros. Os funcionários

públicos foram desprestigiados e a criminalização aumentou em demasia. Contudo, foi no

campo das privatizações que FHC deixou a sua marca.

Em 1995, Fernando Henrique assinou o Decreto n° 1.510, de 1º de junho, no qual a

Vale é incluída no Programa Nacional de Desestatização. Um ano depois, o Conselho

Nacional de Desestatização (CND) aprovou o modelo de desestatização da Vale,

precisamente no dia 10 de outubro. Em 1996, FHC dizia o que ele achava da Vale do Rio

Doce:

O que é a Vale do Rio Doce? É uma empresa que pega minério, pedra, põe num

vagão, leva para o porto e manda embora. Ela não tem nenhuma, não acrescenta

nada, digamos, não agrega valor, tecnologicamente falando, não tem uma... agora, o

Brasil tem muito minério, e tem uma boa companhia que é a Vale do Rio Doce, que

é uma transportadora eficaz, tem uma logística eficaz. Isso é muito importante. Mas

35

O Partido é atualmente conhecido como Democratas (DEM).

57

não é estratégico. Foi no passado. Hoje, não. Mais estratégico era a Embraer, que faz

aviões. E o governo Itamar Franco, com meu apoio, privatizou. Se não tivesse

privatizado, nós não teríamos produzido o Embraer 145, no qual eu voei ao Chile.

Porque lá, sim, tem tecnologia nova. No caso da Vale do Rio Doce não há

tecnologia nova (IBRADES et al. 2007, p. 17).

A primeira coisa que chama atenção é o vocabulário técnico do excelentíssimo senhor

ex-presidente que não sabe nem qual a diferença entre ―pedra‖ e minério. Creio que a Vale

não seria tão lucrativa caso extraísse ―pedra‖ do subsolo brasileiro. Mas o que mais inculca é

a desculpa ―tecnológica‖ que o viajado ex-presidente nos fornece. Pensemos: se a Vale do Rio

Doce não usufruísse de tecnologia como poderia estar apta a extrair minério do solo

brasileiro? Como poderia realizar pesquisas e análises geológicas?

Ressalte-se que desde 1996, o empreendimento Complexo Industrial e Portuário do

Pecém (Cipp) teve sua instalação autorizada, cerca de cem famílias indígenas Anacé que

habitam os municípios de São Gonçalo do Amarante e Caucaia, na região litorânea do Ceará,

já foram obrigadas a deixar seu território tradicional e outras deverão fazer o mesmo com o

início da construção do complexo (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).

No dia 22 de janeiro de 1997, Antônio Kandir, Ministro do Planejamento, divulga que

o leilão de venda do controle acionário da Vale ocorrerá em abril do corrente ano. Já em 06 de

março, o edital de privatização da Vale foi anunciado pelo BNDES36

. Este mesmo banco

lançou a cartilha sobre a privatização da Vale. Por fim, no dia 06 de maio de 1997, a

Companhia Vale do Rio Doce foi privatizada em leilão realizado na Bolsa de Valores do Rio

de Janeiro, no qual participaram o Consórcio Valecom, articulado pelo Grupo Votorantim, e o

Consórcio Brasil37

, liderado pela CSN. Vale destacar que o Consórcio Brasil arrematou

41,73% das ações ordinárias da Vale por R$ 3.338 bilhões em moeda corrente. Nas palavras

do próprio ex-presidente:

A mais significativa privatização nesse setor ocorrida em meu governo foi, sem

dúvida, a da Vale do Rio Doce, considere-se o aspecto simbólico, financeiro ou

produtivo. A despeito de inumeráveis tentativas de bloquear o leilão de privatização

com protestos e medidas judiciais, sob o pretexto de que a companhia iria ser

vendida "na bacia das almas" a grupos estrangeiros, a privatização ocorreu e hoje a

Vale desmente, por seu desempenho, todos os receios pretextados pelos que se

36

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social é um banco de investimento federal cujo objetivo

é o fomento de atividades produtivas. Interessante perceber como o Estado, na figura do BNDES, financia

projetos de desenvolvimento capitaneados pelo capital internacional. Nos termos discutidos, o BNDES também

merece uma atenção especial enquanto ator fundamental para o fomento de atividades produtivas. Em todo caso,

a instituição é refém do próprio sistema (capitalista) que a engendrou: é do conhecimento dos estudiosos que o

―desenvolvimento‖ econômico é o caminho para o desenvolvimento social; todavia, raramente a sociedade, a sua

ampla maioria, desfruta das benesses econômicas oriundas do desenvolvimento das forças produtivas.

37

O Consórcio Brasil é composto por CSN (31%), Litel Participações (25%), Elétron S.A. (21%), Sweet River

Investments (11%), constituindo o Valepar S.A.

58

opunham à sua venda por motivos políticos e ideológicos ultrapassados. Lucrativa

como jamais em toda a sua história, ela consolidou presença no mundo, sendo, ao

lado da Petrobras, a maior multinacional brasileira. Controlada por capitais

brasileiros, paga hoje mais impostos ao Tesouro do que rendiam suas ações quando

sob controle governamental. Anos depois de ter deixado o poder, porém, continuei a

ver este aspecto fundamental não ser levado em conta pelos que continuaram a

criticar sua privatização (CARDOSO, 2006, p. 383).

Fernando Henrique Cardoso, como bom neoliberal e modernista, jamais teve em

mente proteger setores da economia que dão lucro ao Estado, bem como representam

soberania nacional, pelo contrário: privatizou sem qualquer atendimento ao interesse público,

sob a justificativa dos custos que a empresa onerava ao Estado, bem como o dinheiro da

venda cobririam os gastos da dívida pública. No entanto, o valor auferido com a venda não

ultrapassava dois meses dos juros da dívida de então (ZAGALLO, 2010); por isso a

desembargadora Selene Maria de Almeida, escreveu:

O governo colocou na CVRD, em toda a sua história, US$ 1,24 bilhão e retirou US$

1,41 bilhão (valores atualizados). Segundo a nota da estatal: ―o lucro que não foi

distribuído através de dividendos, ficou retido na empresa para expansão de suas

atividades e investimentos em novos negócios, aumentando a riqueza do acionista e

seu patrimônio. No caso da CVRD, esses lucros retidos foram aplicados em

investimentos que proporcionaram aumento da receita do grupo, de valores

equivalentes a US$ 198 milhões/ano no início da década de 1970, para valores, hoje,

na ordem de US$ 5,5 bilhões/ano, representando um crescimento anual médio de

13,6%‖ (IBRADES et al. 2007, p. 33).

Sem falar que a Vale do Rio Doce foi subavaliada38

: em 1997, o patrimônio da CVRD

era estimado em 10 bilhões de reais e foi vendida por pelo preço de R$ 3,338 bilhões: será

que Fernando Henrique Cardoso também achou isso um motivo ―político-ideológico‖

ultrapassado?

As empresas avaliadoras não incluíram no patrimônio da Vale, por exemplo, as

reservas de urânio (material radioativo), de propriedade restrita à União, a cessão de

faixas de terra nas fronteiras para a exploração de minérios, as estruturas portuárias e

ferroviárias (IBRADES et al., 2007, pp. 14-15).

38

―No início de 1997 foi elaborado um relatório pelo grupo de Assessoramento Técnico da Comissão Externa da

Câmara dos Deputados, formada por especialistas da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em

Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - COPPE, que apurou significativa diferença entre os

valores das reservas minerais registradas pela CVRD na Securities and Exchange Comission - SEC entre os anos

de 1995 e 1996[...] a Vale reduziu sua avaliação das reservas minerais em 32% entre os anos de 1995 e 1996,

passando de 41,2 bilhões de toneladas de reservas de minério de ferro para 28 bilhões de toneladas,

provavelmente já com vistas à sua privatização. Nas reservas provadas e prováveis, que possuem maior valor

para avaliação dos ativos, a redução foi da ordem de 74%. Deve se observar que entre 1995 e 1996 a Vale não

alienou nenhuma mina, única hipótese de redução de suas reservas minerais nessa escala. [...] Outra constatação

da COPPE foi a subavaliação dos preços dos minérios in situ (dentro da mina) com o valor mine gate (na boca da

mina), o que também causou prejuízo superior a US$2 bilhões na avaliação da empresa somente em relação a

esse item‖ (ZAGALLO, 2010, pp.09-10).

59

Por que, então, foram desconsideradas todas as forças produtivas da companhia ao

longo dos seus 55 anos? Por que, também, o consórcio liderado pela consultora estadunidense

Merril Lynch omitiu que o monopólio de pesquisa e de exploração do urânio pertence ao

Estado? Por que não foram avaliados o setor florestal, celulose, papel; as participações

acionárias da Vale em empresas como Açominas CSN, Usiminas e Companhia Siderúrgica de

Tubarão? (IBRADES et al., 2007). No momento de sua privatização, a Vale era a principal

exportadora de minério de ferro e líder no mercado, era a maior produtora de alumínio e ouro

da América Latina, possuía e operava dois portos de grandes dimensões com a maior frota de

navios graneleiros do mundo, controlava mais de 1.800 quilômetros de ferrovias e possuía

altíssimas reservas comprovadas de recursos minerais. Além disso, dispunha de 580

(quinhentos e oitenta) mil hectares de florestas replantadas, de onde extraía matéria-prima

para a produção de 400 (quatrocentas) mil toneladas/ano de celulose. Todo esse patrimônio

foi subestimado no momento da privatização (ORGANIZAÇÕES et al., 2010).

Durante o processo de desestatização de seu controle acionário, ocorreram inúmeras

manifestações contra a venda da empresa. Somaram-se a isso ações judiciais que foram

impetradas com o objetivo de barrar o processo pela via judicial. Todas as ações pleiteavam a

declaração de nulidade do procedimento licitatório, alegando que a venda da CVRD foi

permeada por nulidades e irregularidades (ORGANIZAÇÕES et al., 2010).

Sob muitos protestos - foram mais de 103 ações populares - FHC privatizou, não só a

maior mineradora do Brasil, bem como uma das mais produtivas do mundo, tirando do

controle do Estado um setor estratégico e de ação direta39

. Cabe destacar também que, desde a

criação da CVRD, a empresa destinava 8% do seu lucro líquido para aplicações em ações que

estimulassem o desenvolvimento das comunidades onde desenvolvia suas operações.

Todavia, após ser privatizada ocorreu a constituição de um fundo de desenvolvimento

gerenciado pelo BNDES, com a doação de 85 milhões, em parcela única que substituiu o

antigo fundo social (ZAGALLO, 2010). Antes disso:

Em 1993, a CVRD tornou-se a maior produtora de ouro da América Latina com 12

toneladas ano e adquiriu participação na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e

39

Os governos Collor e FHC são responsáveis por ―jogar no lixo‖ uma alternativa importante para a saída da

crise brasileira, ou seja, uma concessão eficiente de serviços públicos e gerador de ―efeito multiplicador‖, capaz

de atingir o pleno emprego. Ao mesmo tempo em que o governo ficou aliviado da administração e despesas de

certos setores públicos, perdeu a lucratividade de alguns, como a Companhia Vale do Rio Doce e o sistema

móvel celular. Também, inviabilizou a retirada de impostos futuros das empresas estatais para investimentos

prioritários, proporcionou a realização do efeito multiplicador fora do Brasil (através da compra de equipamentos

no mercado internacional), permitiu a fuga de capitais oriundos dos lucros dessas empresas (conta CC-5), abriu

mão de empresas estratégicas e entregou empresas lucrativas por preços irrisórios. Por esses e outros motivos,

vale considerar fundamental nossa ferrenha defesa por uma concessão séria de serviços públicos ―estrangulados‖

à iniciativa privada nacional (SILVEIRA, 2005).

60

na Aço Minas Gerais S/A (AÇOMINAS). Em 1994 e 1995 atinge venda recorde de

101 milhões e 106 milhões de toneladas de ferro, respectivamente, ultrapassando a

barreira de um milhão e duzentas mil toneladas na produção de manganês de Carajás

e a Estrada de Ferro Carajás foi considerada a melhor operadora do ano [...] Em

1996, a CVRD supera a marca de 300 milhões de toneladas de pelotas produzidas

em Tubarão, no Estado do Espírito Santo [...] Ainda em 1996, a CVRD inaugurou o

primeiro projeto de minerais metálicos no recém criado Estado do Tocantins

(BARBOSA, 2002, p. 35-36).

Por mais que fossem expostas as mazelas sociais tais como: privatização,

empobrecimento da população e aumento da criminalidade, FHC foi reeleito para mais um

mandato com duração de 04 anos. Toda essa história de ―sucesso econômico‖ em âmbito

federal escamoteia as ações da Vale a nível estadual. Exemplificando: no Maranhão, parte da

culpa do inchaço e crescimento populacional nos centros urbanos deve-se à instalação de

grandes empresas, como a Vale, uma vez que, situando um caso específico, muitos moradores

da área Itaqui-Bacanga, no município de São Luís, foram desalojados de seus territórios para

instalação de empreendimentos, sem que nenhuma política eficiente de

habitação/moradia/geração de renda tenha sido efetivamente destinada aos próprios. Como

conta Ruy da Silva Almeida, morador do Alto da Esperança, residencial construído para

abrigar moradores deslocados depois da chegada da Vale:

Aí pronto. Promessa de sonho, de mudança... Que na verdade foram só promessas.

As famílias que vieram para cá não tiveram. Inicialmente veio uns assistente (sic)

social só fazer a mídia, entendeu? Mas depois largaram o povo aí, cada um se... Eu

me lembro que muitos jovens da minha idade, hoje, tudo são marginais mesmo se

transformaram porque, se ficassem lá, cara, talvez hoje ainda eram pescadores que

nem seus pais, aquela coisa de passar de pai para filho e foi tirado... Veio pra cá as

condições não eram a mesma, não tinha como se manter nessa área de pesca aqui no

Alto. Na verdade, nem tem área de pesca, o igarapé que tem aí... Ela, como

companhia mesmo, eu acredito que ela destruiu a comunidade... Ela tá lá lucrando e

a gente tá aqui prá ver tudo (Entrevista realizada em 14/11/2010).

Citando mais um exemplo de que o ―sucesso econômico‖ da Vale não se traduziu em

melhoria social, tem-se a problemática recente envolvendo o transporte de passageiros pela

EFC. Os usuários desse meio de transporte podem ficar preocupados: segundo dados

fornecidos pela própria empresa, o número de passageiros vem caindo drasticamente, o que

implica em uma maior dificuldade de locomoção ao longo das cidades que são atravessadas

pela Estrada de Ferro Carajás-Maranhão40

.

40

Cremos que uma das possíveis explicações para o decréscimo de passageiros transportados seja o fato de que a

Vale também atua no setor de logística, transportando combustíveis, produtos agrícolas, materiais de construção,

produtos oriundos da siderurgia, entre outros, por meio da Estrada de Ferro Carajás.

61

Tabela 01 - Número de passageiros transportados pela Estrada de Ferro Carajás - Maranhão – 1999-2007

Ano N. Passageiros

1999 459.440

2000 490.637

2001 447.688

2002 465.503

2003 461.443

2004 441.498

2005 390.699

2006 370.993

2007 352.753

Fonte: Companhia Vale apud IMESC, 2008.

Em 1998, a Vale atingiu crescimento de 46% no lucro em relação a 1996. No mesmo

ano, a CVRD Lançou o Programa "De Volta para o Futuro", de apoio à educação formal,

objetivando propiciar o primeiro grau completo a todos os empregados da empresa. Quanta

boa-vontade: oportunizar a conclusão do ensino fundamental é mesmo algo fora de série.

Oxalá os empregados da Vale tivessem a mesma participação nos resultados que os

acionistas. Desde 1998, ao mesmo tempo em que seus acionistas ficam com 40% dos lucros

líquidos da empresa, somente 3% foi dirigido para suprir os bens de salário de seus

trabalhadores (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Quem sabe se os empregados ficassem com a

mesma porcentagem da cintilante fortuna dos seus acionistas, os mesmos poderiam ir para

além do primeiro grau completo com as suas mãos calejadas.

Data de 1999 o maior lucro da história da Vale: R$ 1,251 bilhão. Demonstrava assim

que ela tinha estrutura para manter-se lucrativa, não sendo, portanto, a privatização um fator

de ―eficiência41

‖. A maior parte dos lucros é destinada aos seus acionistas privados sob a

forma de dividendos. Dos US$ 49,2 bilhões em lucros desde a privatização, seus US$ 13,4

bilhões foram distribuídos na forma de dividendos (ZAGALLO, 2010). Em outubro, a Vale

adquiriu a Gulf Industrial Investment Company (GIIC) localizada em Bahrain, numa parceria

com a Gulf Investment Corporation (GIC). No dia 05 de dezembro, a Reserva Natural de

Linhares (ES) foi aberta oficialmente ao público.

Ao longo do ano 2000, a Vale teve um expressivo crescimento econômico e conseguiu

também produzir 119,7 milhões de toneladas de minério de ferro. Mas todo esse expressivo

crescimento econômico internacional não se traduziu em desenvolvimento social. No referido

41

É importante notar que a eficiência concebida no âmbito da ciência moderna e do desenvolvimento capitalista

é um dos critérios principais para avaliar as tecnologias e o trabalho produtivo. Dessa forma, quanto mais

eficiente for um processo produtivo, mais desenvolvido ele será. Eficiência e desenvolvimento se tornam

sinônimos. A ciência é então o caminho para se atingir tal objetivo. Sob o cânone da ciência moderna esse

conceito foi associado a um tipo específico de utilização de recursos (ALVARES, 2000).

62

ano os Karonsi‘e Dongi (comunidade tradicional da Ilha de Sulawesi, Indonésia)42

resolveram

retornar para suas terras e a encontraram muito diferentes. No lugar das lavouras, casas e até

do cemitério Karonsi‘e Dongi só encontraram minas para exploração de minério, um campo

de golfe e dormitórios para os mineradores da Inco. Hoje 30 famílias lutam para ter suas terras

de volta. Encontram-se em situação de pobreza e carência de serviços básicos como água e

luz, vivendo em cabanas no entorno da área apropriada pela Vale Inco43

e não conseguem

mais trabalhar. Além disso, são constantemente ameaçados pela polícia e pelos guardas

armados que trabalham para a Vale (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). De fato, a Vale Inco se

aproveitou do momento histórico para fazer negócio. Depois de 43 anos longe de casa,

castigados por uma guerra civil, os Karonsi‘e Dongi viram-se castigados agora pelo

empreendimento da Vale Inco, que no lugar das lavouras encontraram a mineração; onde

eram suas habitações, agora são as dos trabalhadores da companhia; e que no lugar do

cemitério, onde repousam os ancestrais, o seu espaço de pertencimento e saudade converteu-

se em um espaço de lazer.

5.7 Crescem o império e a exploração: 2001 a 2004

Na ponta do seu processo de internacionalização, a Vale fecha com a China um acordo

de fornecimento de 6 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, ao longo de 20 anos.

Com efeito, as negociações entre as mineradoras mundiais com a Baosteel chinesa tornam-se

referência para o preço anual do minério de ferro no mercado (ORGANIZAÇÕES et al,

2010).

Em março de 2001, foi inaugurada a usina de pelotização de São Luís. Este é também

o ano que marca a tentativa de instalação do pólo siderúrgico na capital maranhense, numa

ação empreendida pela Vale, em conjunto com o Governo Federal, o Governo Estadual do

Maranhão e a prefeitura de São Luís, haja vista as condições portuárias de São Luís eram

extremamente benéficas ao empreendimento. Por isso, o interesse em implantar

[...] um pólo siderúrgico composto por três grandes usinas siderúrgicas, com

capacidade de produção de oito milhões de placas/ano cada, e uma gusaria. Para a

realização do empreendimento, a Vale já estaria em negociações com grupos

42

Ilha de Sulawesi na Indonésia onde a Vale Inco explora minas de níquel. A comunidade tradicional de

Karonsi‘e Dongi, que vivia da agricultura e do extrativismo, em 1957 foi obrigada a abandonar suas terras

ancestrais por causa de uma guerra civil. No período em que ficaram refugiados e ainda sob uma era autoritária

chamada ―Regime de Nova Ordem‖ a Inco assinou com o governo da Indonésia um contrato de exploração de

níquel nas terras dos Karonsi‘e Dongi.

43

A Inco era a maior mineradora de níquel do Canadá. Foi comprada pela Vale no ano de 2006.

63

empresariais estrangeiros, tais como Baosteel Shanghai Group Corporation (chinês),

Arcelor (francês), Pohang Steel Company-Posco (sul-coreano) e ThyssenKrupp

(alemão), sendo que as possibilidades de parceria, estariam, então, mais adiantadas

com os dois primeiros (AQUINO, SANT‘ANA JÚNIOR, 2009, p. 58).

Uma das vantagens visíveis da instalação do referido pólo siderúrgico seria a

proximidade em relação ao Complexo Portuário de São Luís, fato este que minimizaria os

custos com o transporte de carga e facilitaria o escoamento da produção de minério de ferro.

A produção de aço pretendida para o Pólo Siderúrgico de São Luís implicaria na emissão de

35,6 milhões de toneladas/ano de Dióxido de Carbono (CO2), principal responsável pelo

efeito estufa (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Todavia, este é mais um exemplo de que a

responsabilidade socioambiental da Vale limita-se ao campo das idéias e no campo das

imagens, pois como escrevem Aquino e Sant‘Ana Júnior (2009, p. 59):

Para a implantação do pólo siderúrgico, foi prevista a desapropriação de uma área de

2.471,71 hectares, o que implicaria no impacto direto sobre uma vasta extensão de

manguezais e no deslocamento compulsório de seus moradores e/ou daqueles que a

utilizam de forma produtiva. Estes moradores são estimados em mais de 14.400

pessoas, distribuídas em doze povoados (Vila Maranhão, Taim, Cajueiro, Rio dos

Cachorros, Porto Grande, Limoeiro, São Benedito, Vila Conceição, Anandiba,

Parnuaçu, Camboa dos Frades e Vila Madureira).

O que se percebe aqui é a incursão do moderno sobre a máscara do desenvolvimento.

As siderurgias se apresentavam como a ideia da modernidade, e a modernidade materializava-

se na instalação do projeto. Para os ―subdesenvolvidos‖ era preciso levar o moderno, sem, no

entanto, questionar se para os ameaçados pela instalação, a desapropriação de suas moradas,

do seu território e, consequentemente, da sua história vivida e construída naquele lugar, eram

a imagem do desenvolvimento ou a materialização da modernidade.

Em 2002, uma planta de pelotização de minério de ferro, oriundo de Carajás, entrou

em operação no Terminal Marítimo de Ponta da Madeira (TMPM), em São Luís, onde foram

investidos US$ 408 milhões. Em julho do mesmo ano, a Vale atingiu recorde na produção de

minério de ferro, 5 milhões de toneladas. Todavia, no plano nacional, devido à produção de

ferro liga pela Vale em Corumbá, no Pantanal sul-mato-grossense, a Vale enfrentou duas

ações na justiça por ter soterrado a nascente do córrego após uma explosão para mineração do

manganês. Laudos foram conclusivos e apontaram a responsabilidade para a mineradora que,

a cada sentença proferida, recorre em outras instâncias. O desastre ambiental afetou a vida de

138 famílias, cuja maioria, vendeu suas terras para a mineradora Vale e foi para outra região.

Os que ficaram sofrem com a constante falta e racionamento de água, que é controlado pela

mineradora. Como se percebe, as localidades onde a Vale atua, sempre sofrem com a sua

64

política agressiva de exploração de minerais. O controle da água também é uma ferramenta

política, pois cerceando o acesso ao recurso mais essencial à vida, a companhia pode realizar

suas ações de forma irresponsável. Como se não bastasse, a Vale protela o cumprimento das

normas judiciais recorrendo em outras instâncias das derrotas proferidas.

Já no ano de 2003, precisamente no dia 16 de janeiro, a Vale anunciou parceria com a

empresa japonesa da área de logística Mitsui, para negócio de transporte intermodal. Em 31

de março do referido ano, a Vale comprou 50% das ações da Caemi Mineração e Metalurgia

S. A. (Caemi) por US$ 426,4 milhões. No mesmo ano, a Vale contabilizou um total de US$

3,952 bilhões em vendas externas, consolidando, assim, a sua inserção internacional. Ainda

em 2003, a Vale apresentou R$ 4.509 bilhões de lucro líquido, o maior de sua história e

adquiriu parte de uma empresa norueguesa, criando a Rio Doce Manganese Norway (Godeiro

et al. 2007). Já em dezembro, o valor da capitalização de mercado da Vale aumentou em US$

10,7 bilhões em um ano, atingindo US$ 21,762 bilhões ao final de dezembro de 2003. Muito

desse sucesso realizado pela Vale no ano de 2003, reflete o seu posicionamento no mercado

mundial (exportadora de matéria-prima), no qual a sua transnacionalização e o seu

crescimento assombroso deve-se, em parte, à demanda industrial da China. Godeiro (et al.

2007, p. 12) afirma que:

Em seis anos, o valor da empresa foi multiplicado por sete, demonstrando que o

preço do leilão foi subestimado e o ―mercado‖ fazia o ajuste ao valor real. Ao

mesmo tempo em que a empresa ajusta o seu valor de acordo com as reservas e o

aumento do preço do minério, ocorre um salto na desnacionalização: 67% dos

negócios com as ações da Vale foram realizados na Bolsa de Nova York, contra

33% realizados na Bolsa de Valores de São Paulo.

Em 2004, alguns acontecimentos importantes: no dia 5 de janeiro, as ações da Vale

alcançaram recorde histórico de rendimento, R$ 23 bilhões no mercado. Em 02 de julho, foi

inaugurada a mina do Sossego, que é a primeira mina de cobre do Brasil, no estado do Pará

(FIGURA 01).

65

Figura 01. Campanha da Vale em prol da produção de empregos via Mina de Cobre do Sossego. Fonte:

www.vale.com.

O projeto Sossego (começou a operar desde 2005) insere-se na cadeia produtiva da

extração de cobre e produção de concentrado (a capacidade de produção na mina de Sossego é

de 120 mil toneladas de cobre). Com efeito, tal iniciativa incide diretamente sobre as

condições socioeconômicas e ambientais no município de Canaã dos Carajás

(ORGANIZAÇÕES et al, 2010).

Tal como uma máquina de auferir lucros, a receita acumulada da Vale no período de

janeiro a setembro de 2004 foi igual a US$ 6,051 bilhões, 57% superior à obtida no mesmo

período de 2003. Ao longo desses nove meses, a Vale embarcou para a China 28,4 milhões de

toneladas contra 19,3 milhões em 2003 e movimentou 21,8 bilhões de tkus44

ante 19,9 bilhões

do ano anterior. A relação político-econômica entre a Vale e as mineradoras chinesas, como a

Baosteel, diz respeito ao fato de ser a China o maior mercado consumidor de minério de ferro

do mundo.

Destaque-se que também em 2004, com a implantação da mina de Capão Xavier (MG)

ocorreu supressão de uma área considerada prioritária para conservação da biodiversidade,

bem como o avanço da mina vem colocando em risco cavernas e sítios arqueológicos. Os

Movimentos envolvidos na defesa de Capão Xavier juntamente com o MPE – Ministério

Público Estadual - em maio de 2004, entraram com ação civil pública com ―pedidos de tutela

de urgência cumulada com improbidade administrativa‖ contra o Estado de Minas Gerais,

MBR, Fernando Damata Pimentel, prefeito municipal de Belo Horizonte e Inácio Pereira

Garda Júnior, Gerente Regional do Instituto Estadual de Florestas - MG (IEF). Foi

denunciado ainda o caso junto a ONU, em agosto de 2004, em uma Audiência Pública na

Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, apoiada pelas Comissões de Direitos

44

Toneladas quilômetro útil. Carga geral transportada pelas ferrovias administradas pela Vale

66

Humanos e Meio Ambiente (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Em novembro, a Vale voltou a

―bater‖ o seu recorde de valor de mercado: US$ 25 bilhões.

6 OS RELATÓRIOS DE SUSTENTABILIDADE

Nesta seção pretende-se enfocar um dos documentos oficiais da Vale: o Relatório de

Sustentabilidade. O relatório de sustentabilidade é publicado anualmente e elaborado de

acordo com as diretrizes da Global Reporting Initiative (GRI), padrão adotado

internacionalmente, em sintonia com os princípios do Pacto Global e do Conselho

Internacional de Mineração e Metais (ICMM, na sigla em inglês), iniciativas internacionais da

qual a Vale é signatária. O relatório de sustentabilidade está estruturado em capítulos que

obedecem as três principais linhas de atuação da Vale, conforme a sua Política de

Desenvolvimento Sustentável: Operador Sustentável, Catalisador de Desenvolvimento Local

e Agente Global de Sustentabilidade. A Vale organiza tal documento com o intuito de

fornecer informações e dar transparência acerca de sua atuação. Além disso, o principal

argumento a respeito da publicação do relatório é o aprimoramento da gestão interna de

sustentabilidade. Sendo assim, buscamos analisar os fatos apresentados pela companhia tanto

no âmbito político-econômico, quanto no aspecto socioambiental.

6.1 Relatório de Sustentabilidade 200745

No ano de 2005, as exportações líquidas (exportações menos importações) da empresa

foram de US$ 6,3 bilhões, o que correspondeu a 14,1% do superávit recorde das transações

comerciais brasileiras nesse ano, de US$ 44,8 bilhões. Não obstante, a Vale registrou recorde

histórico na produção de minério de ferro, alcançando a marca de 240,413 milhões de

toneladas, 10,3% acima do volume produzido em 2004, 218,010 milhões de toneladas.

Em contrapartida, este é o ano também da instalação do empreendimento Ferro Gusa

Carajás, em Açailândia (MA). O empreendimento prejudica a vida dos mais de 1800

moradores que habitam o assentamento Califórnia há mais de 15 (quinze) anos. A empresa

controlada pela Vale dedica-se à produção de carvão vegetal destinado a alimentar a

siderúrgica da Vale em Marabá. O empreendimento é conhecido como Unidade de Produção

de Redutor (UPR2), que é o carvão para siderurgia. Os moradores do assentamento sofrem

45

O Relatório de Sustentabilidade 2007 cobre o período de 2005 a 2007.

67

com as atividades da empresa e são obrigados a respirar diariamente as fumaças que saem de

seus fornos em funcionamento (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).

Além disso, tal como o próprio documento oficial nos atesta, foram 59 acidentes de

trem para o ano de 2005, o que dá uma média de quase 5 acidentes por mês.

Apesar da empresa ―cada vez mais verde e amarela‖ dizer que um dos principais

fatores do seu amadurecimento é o compromisso com a transparência, para além dos

resultados financeiros, mas também de seu desempenho socioambiental, não é isso que

observamos em seu relatório de sustentabilidade:

A empresa não informa que foi autuada dezenas de vezes pelos órgãos de controle

ambiental. Por exemplo, foi divulgado na imprensa que somente o Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente - IBAMA teria autuado a Vale 56 vezes por violações

à legislação ambiental.

A empresa não informa ainda as emissões de poluentes nas unidades operacionais,

assim como não informa as doenças e mortes causadas às comunidades por essas

emissões.

Estudo de Impacto Ambiental na cidade de São Luís-MA elaborado pela Vale em

2005 informa a emissão de 15.549 toneladas anuais de poluentes, sendo 3.014t de

material particulado (PTS) assim como 8.002t de dióxido de enxofre (SO2), 4.317t

de óxido de nitrogênio (NOx), 129 t de monóxido de carbono (CO) e 28 t de

hidrocarbonetos (HCT), poluentes esses gerados em 210 fontes fixas para uma

produção de 6,1 milhões de toneladas de pelotas e embarque de 72,4 milhões de

toneladas de minério de ferro (ZAGALLO, 2010, p.15)

Isso significa que trabalhadores, pessoas que moram próximas às unidades

operacionais da Vale em São Luís, provavelmente sofrem impactos na saúde como

consequência da emissão de partículas em suspensão. Nos termos discutidos, visualiza-se que

a responsabilidade socioambiental da Vale é questionável, haja vista as suas práticas de

atuação retratam que o aprimoramento da gestão não se converteu em melhoria social, apenas

em mais uma forma de gerar lucro para os acionistas e prejuízo para a sociedade.

Em 2006, a Vale investiu R$ 1,8 bilhão na expansão e melhoria de sua infraestrutura

de logística e na aquisição de 5.414 vagões e 125 locomotivas para utilização no transporte de

seus produtos e de carga geral para clientes na Estrada de Ferro Carajás – EFC, Estrada de

Ferro Vitória a Minas – EFVM e Ferrovia Centro-Atlântica – FCA. Isso significa que, para a

Vale, investir em logística é aumentar a capacidade de cargas transportadas. Como bem

sintetiza Carneiro (2010, p.17):

Assim, ao longo dos últimos trinta anos o corredor (ou a área de influência) da

Estrada de Ferro Carajás foi a base para uma série de planos ou iniciativas

governamentais (Programa Grande Carajás, Programa dos Pólos Florestais, Corredor

Norte de Exportação, etc.) que buscaram estimular atividades econômicas voltadas

para o mercado mundial, utilizando a infra-estrutura montada originalmente para a

exportação do minério de ferro.

68

No plano internacional, no Peru, a Comissão de Gestão Ambiental Sustentável do

governo regional de Cajamarca realizou uma blitz e constatou a presença de milícias armadas

dentro do empreendimento da Miski Mayo, subsidiária da Vale, numa clara estratégia

impositiva e revelando uma postura, por parte da empresa, que viola direitos. Como resultado

dos protestos contra a empresa, muitas lideranças de organizações e movimentos sociais vêm

sendo criminalizados (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).

No dia 24 de abril de 2006, o Terminal Marítimo da Ponta da Madeira completou 20

anos em transporte de cargas. É um porto extremamente importante para Vale, uma vez que a

Estrada de Ferro Carajás, que é o liame entre o sul do Pará e a capital maranhense, transporta

o minério de ferro até o porto. O complexo mina-ferrovia-porto é um dos principais

corredores de exportação do país. O minério é extraído na mina de ferro que fica em

Parauapebas (PA), é transportado pelos 892 km da Estrada de Ferro Carajás até o Porto do

Itaqui e o Terminal Marítimo Ponta da Madeira seguindo para os mercados consumidores dos

EUA, da Europa, Japão e, principalmente, a China. Os vagões passam carregados de minério

de ferro. Mas quanto desta riqueza fica para os municípios atravessados pelas composições de

3,9 km de comprimento e seus 330 (trezentos e trinta) vagões puxados por 04 (quatro)

locomotivas?

Atualmente, configura-se uma série de conflitos em torno da ampliação do referido

Terminal Marítimo da Ponta da Madeira (FIGURA 02). Tal obra já fora autorizada pela

Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). O anúncio foi publicado pela Agência

em março de 2010, no Diário Oficial da União.

Figura 02. Características do Píer 1, Píer 2 e Píer 3 do Terminal Marítimo de Ponta da Madeira.

Fonte: André Ravara ―Logística Integrada‖ – Apresentação no Seminário Transporte para o Comércio e

Integração Regional, CNI-BID – Brasília-DF, 01/10/0861.

A Vale, operadora do terminal, entrou com pedido para implantar o Píer IV e aumentar

o Pátio I de estocagem, mas esqueceu de entregar à Agência, a certidão de cessão de uso

69

oneroso de espaço físico em águas públicas, emitida pela Secretaria de Patrimônio da União

(SPU). Por esta razão, a mineradora somente poderá dar início à atividade econômica na parte

off shore após comprovar a obtenção do documento junto à SPU. Já as obras de

implementação do Píer IV e de ampliação do Pátio I de estocagem, tem o aval para serem

iniciadas em breve (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).

A obra está estimada em R$ 386 milhões e aumentará para aproximadamente 100

milhões de toneladas/ano a capacidade de exportação de granéis sólidos. A obra também

habilitará a instalação para receber os maiores navios graneleiros em operação no mundo, o

Berge Stahl46

(356 mil toneladas) e o Chinamax47

(400 mil toneladas).

Advogados afirmam que é ilegal a licença concedida à Vale S/A para instalação do

chamado Píer IV do terminal marítimo da Ponta da Madeira, em São Luís. A razão é que todo

o processo de licenciamento está sub judice. Foi impugnado pelo Ministério Público do

Maranhão, devido a seu fracionamento. No Estudo de Impacto Ambiental (EIA), a Vale

considerou isoladamente os impactos ambientais do novo píer. Não levou em conta que ele

servirá ao projeto de duplicar a exportação de minério de ferro pelo Itaqui, hoje em 100

milhões de toneladas anuais, com as inevitáveis consequências na poluição, trânsito de

veículos na Avenida dos Portugueses (que dá acesso ao Porto), duplicação da área de

estocagem de minério (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).

Por fim, foi de 63 (sessenta e três) o número de acidentes de trem para o ano de 2006.

Em 24 de setembro de 2007, a Vale anunciou o plantio de 346 milhões de árvores até

2010, correspondendo ao maior projeto de revegetação e preservação ambiental da América

Latina. Pudera o projeto de revegetação e preservação ambiental salvar vidas que se vão nos

trens que carregam o progresso: foram 46 acidentes. Como a própria empresa reconhece:

No entanto, apesar dos investimentos e dos avanços obtidos, lamentamos

profundamente a perda de 14 valiosas vidas, em 2007. Apesar de todos os esforços,

é com pesar que registramos, em 2007, a ocorrência de 14 acidentes fatais. Destes,

13 acidentes aconteceram no Brasil, e um, no Canadá, sendo 11 com prestadores de

serviços e três com empregados próprios da Vale. Os acidentes envolveram veículos

automotores e outros veículos, trabalho em altura, explosão com projeção de

46

Este graneleiro opera com capacidade plena aqui e no porto de Roterdã (Holanda). Ele possui 343 metros de

comprimento, 65 de largura e calado de 23 metros. O navio tem peso bruto de 364.767

toneladas.

47

Os ChinaMax são conhecidos agora como ValeMax, o primeiro de uma série de supergraneleiros (ou

mineraleiros) que começaram a aportar no Brasil a partir de março de 2011. O primeiro de 19 navios

encomendados pela Vale a estaleiros da Coréia do Sul e da China, o Vale Brasil tem 362 metros de comprimento

e 65 metros de largura e chegou ao Brasil no último dia 5 de maio. O primeiro carregamento ocorreu também no

dia 24, no Píer I do Terminal Portuário de Ponta da Madeira (TPPM), em São Luís (MA). Foram carregadas 391

mil toneladas de minério de ferro, que terão como destino o porto de Dalian, na China.

70

fragmentos incandescentes, equipamentos móveis, movimentação de carga e queda

acidental de árvore (VALE, 2009c, p.61).

A Vale julga ser uma empresa responsável para com a sociedade e para com o

ambiente. Entretanto, a legislação ambiental tem sido uma ―pedra no sapato‖ na atuação da

referida empresa, uma vez que por mais que ela conte com uma Política de Desenvolvimento

Sustentável e...

[...] considerando a dimensão e a complexidade das operações da empresa, bem

como a aquisição de novos ativos, é possível que existam dificuldades a serem

enfrentadas ou questões de não conformidade a serem corrigidas. Os casos

existentes no período de abrangência do presente Relatório, e considerados

significativos ou Relevantes (para efeito de levantamento de dados para o Relatório

2007, os processos são considerados relevantes com base nos seguintes critérios: a)

valores iguais ou superiores a 10% do valor da maior multa prevista na legislação

federal (Lei 9.605/98 - R$ 50 milhões); b) em razão do tema de interesse da empresa

ou repercussão no público em geral, independentemente de valor; c) os decorrentes

de sanções não monetárias), nos quais consta imputação de responsabilidade à Vale

por alegada desconformidade à legislação ambiental, totalizam 14 processos no ano

de 2007 (Evolução de número de processos e valores relacionados no período de

2005 a 2007 (valores cumulativos): 2005: 10 processos totalizando US$ 1,6 bilhão

2006: 12 processos totalizando US$ 1,8 bilhão 2007: 14 processos totalizando US$

2,0 bilhões). Destes, 10 processos são de natureza judicial (ações de reparação de

dano) e 4 processos de natureza administrativa (3 sanções monetárias e 1 não

monetária), cujos valores envolvidos totalizam o montante de US$ 2 bilhões. Esse

total contabiliza valores estimados de forma conservadora, com base no valor

requerido nos processos judiciais, o que não representa reconhecimento como um

débito, até porque não existe decisão final a esse respeito (VALE, 2009c, p.120).

Na outra ponta estão os investimentos sociais realizados pela Vale. US$ 140 milhões

foi o total entre os anos de 2005-2007. Nesse sentido, destacaram-se aqueles que foram

direcionados a duas vertentes: melhorias de infraestrutura e apoio a serviços públicos.

TABELA 01 Investimentos Sociais (adaptado).

2005 2006 2007

Total US$ mil 9.076 31.896 99.232

Por tipo Apoio a serviços públicos 4% 7% 6%

Infra-estrutura 96% 93% 94%

Total 100% 100% 100%

Por forma Pro bono 1% 9% 14%

Engajamento comercial - 19% 13%

Materiais/Produtos 99% 72% 73%

Total 100% 100% 100%

FONTE: VALE, 2009c, p.178.

71

Interpretando minuciosamente a tabela, podem-se fazer análises interessantes: mais de

130 milhões de dólares foram gastos em 03 anos com obras de infraestrutura, ou seja, obras

de pavimentação de estradas, construção de escolas e hospitais, entre outras. Restam, então,

10 milhões de dólares em apoio a serviços públicos que são realizados por meio de pagamento

de serviços, como arcar com os custos da contratação de enfermeiros, professores etc.

Continuemos: na seção Por Forma, subseção Pro Bono, a Vale teve um dispêndio da

ordem de 33 milhões de dólares com investimentos realizados por meio de atividades

desenvolvidas em prol de benefício público. Pode ser alocação de pessoas durante o horário

de trabalho, como, gestão da empresa de saneamento. Já em materiais e produtos -

investimento por provisão de serviços ou pela entrega de um produto, por exemplo,

ambulância, estrada, escola - as cifras orbitaram em aproximadamente 113 milhões de

dólares. E em engajamento comercial - atividade que gera benefício público, mas que,

primariamente, gera benefício econômico ou retorno de investimento para a empresa (ex:

construção de estrada que viabilize escoamento de produção) foram mais de US$ 44 milhões.

Isso significa que a Vale focaliza seus investimentos sociais no setor de infraestrutura,

principalmente pavimentação de estradas, uma vez que isso retroalimenta o engajamento

comercial que provoca, antes de tudo, benefício econômico ou retorno de investimento para a

empresa.

O ano de 2007 foi marcado também pelo Plebiscito Popular que objetivava a

reestatização da Vale. É sabido que o leilão de privatização da Vale foi ilegal, fato este que

motivou 4 milhões de brasileiros a manifestarem sua opinião pela anulação do leilão.

Por fim, mas não menos importante, as ferrovias operadas pela Vale causaram

acidentes com mortes ou lesões graves em 23 pessoas, além de impactarem comunidades ao

longo de seu percurso com atropelamento de animais, ruído, interrupção do tráfego de pessoas

e veículos em cruzamento sem passarelas ou passagens de nível (ZAGALLO, 2010). No caso

dos atropelamentos, o advogado Guilherme Zagallo, membro da Rede Justiça nos Trilhos,

declara que:

Você tem, em relação na convivência entre as comunidades e a ferrovia, você tem o

problema dos atropelamentos, e isso é um problema... pode até ter, em algumas

situações, casos de suicídio, casos em que pode ser imputada a população ter

caminhado bêbada na linha. Mas, na maior parte dos casos, nós temos ferrovia

cortando a vida de comunidades

Nessa questão dos atropelamentos, que é a mais grave de todas, tendo em vista as

mortes ocasionadas, nós temos aí uma média de quase uma morte por mês aqui em

Carajás, isso se reproduz às vezes até com maior intensidade em outras ferrovias

operadas pela Vale. E essas famílias acabam ficando desassistidas, não têm nenhum

tipo de indenização. Mais recentemente, a Vale passou a custear o fornecimento do

caixão pras famílias, mas nenhum tipo de indenização àquelas famílias que acabam

72

ficando desassistidas, muitas vezes sem rendimento, em função desses

atropelamentos (Entrevista realizada em 22/11/2010).

Esta situação dos atropelamentos deixa bem claro como a Vale é ―socialmente

responsável‖: mais do que os problemas de ir e vir quando o trem fecha os caminhos, estamos

falando de vidas que se perderam: há casos de crianças obrigadas a pularem por cima do trem,

testemunho de pessoas que tiveram que passar por baixo do trem e tiveram a sua perna

decepada e até mesmo idosos. Como diz Padre Dário, Missionário Comboniano e um dos

líderes da Rede Justiça nos Trilhos:

Até poucos anos atrás nem se reconhecia, a Vale fugia de todas as suas

responsabilidades e nem acompanhava as famílias das vítimas. Recentemente, faz

uns 2, 3 anos, a Vale tem o costume de apanhar as famílias da vítima em relação ao

enterro da pessoa morta, atropelada. Ela cobre as despesas do caixão e da funerária e

muito facilmente depois se exime de todo o resto das suas responsabilidades, porque

geralmente as vítimas são moradores do interior com difícil acesso a advogados, há

poucos documentos, há o medo de denunciar. Assim, falta a formação e a

capacidade de se organizar em função de uma denúncia e uma reivindicação de

direitos. Além disso, a Vale sustenta que a responsabilidade pelos atropelamentos

não é dela, na medida em que ela está já fazendo uma forte campanha de

conscientização a respeito dos perigos nos trilhos (Entrevista Realizada em

09/11/2010).

6.2 Relatório de Sustentabilidade 200848

O ano de 2008 foi um ano de crise econômica, um período de turbulência no mercado

financeiro mundial desencadeado pela crise imobiliária estadunidense, acarretando uma

diminuição no ritmo econômico nos mais variados setores.

―O segmento mínero-metalúrgico demonstra diminuição dos investimentos e retração

de pessoal. Notícias de demissões e férias coletivas já aparecem na Imprensa relacionadas às

operações da VALE e da Alumar‖ (IMESC, 2008b, p. 28), que ―não pensaram duas vezes‖

em demitir seus ―peões‖. Todavia, a receita bruta da Vale no referido ano alcançou ―US$ 38,5

bilhões, valor 16,3% superior ao registrado no ano anterior, enquanto o lucro líquido foi de

US$ 13,2 bilhões‖ (VALE, 2009d, p. 5).

Diante desse cenário, a Vale agiu proativamente, realizando cortes na produção,

prioritariamente em unidades operacionais de alto custo, e implementando novas

prioridades estratégicas, tais como minimização de custos, flexibilidade operacional

e financeira e combinação entre preservação de caixa e busca por rentáveis opções

de crescimento (VALE, 2009d, p.6).

48

A edição do relatório de sustentabilidade 2008 cobre o período de 2006 a 2008. Como o relatório passado

compreendia o período de 2005 a 2007, nossa análise será centrada no ano de 2008.

73

Então, o que explica tal empresa demitir mais de 2 mil trabalhadores diretos49

e 12 mil

terceirizados de um total de 120 mil trabalhadores em todo o mundo, sendo a metade

terceirizada50

, já que o lucro líquido fora de US$13,2 bilhões? Será que isso são práticas

sustentáveis? Seria o desenvolvimento da Vale cristalizado em cifras econômicas, sem um

legado social?

A Vale também omite do seu relatório a situação da Vila Sanção, em Parauapebas

(PA). Desde 2008, com o início da implantação de infraestrutura do Projeto Salobo da Vale -

extração e transformação do minério de cobre - foram implantados, há menos de 6 Km da

vila, acampamentos de três empresas, que hoje contam com a presença de sete mil homens.

Os Impactos são: 1. Poluição dos igarapés Cinzento e Salobo e, do rio Itacaiunas, principal

micro bacia da região. 2. Aterrramento de nascentes de água no local da instalação dos

acampamentos das empresas; 3. Represamento de igarapés com a construção de estradas; 4.

Desmatamento e derrubadas de 300 castanheiras por onde passa a estrada para a mina do

projeto, na área da Floresta Nacional do Tapirapé Aquiri; 5. Inchaço da vila; 6. Aumento de

desempregados; 7. Prostituição infantil; 8. Poluição sonora, por som nos bares e veículos

durante a noite (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).

Também merece destaque a situação do Distrito Industrial de Piquiá no Pólo Guseiro

de Açailândia, no Maranhão. A cidade de Açailândia, que está na área de influencia do

corredor de Carajás, sofre com desflorestamento, poluição do ar e das águas, assoreamento

dos rios e voçorocas devidas ao corte irracional das árvores na beira dos rios e nos declívios.

A Vale possui no município de Açailândia uma unidade de produção de carvão vegetal para

alimentar uma gusaria de sua propriedade: a Fazenda Califórnia, que se localiza ao lado de

um assentamento de trabalhadores rurais que sofrem de forma muito intensa o impacto da

fumaça gerada nos 70 fornos ali existentes, com relatos de graves doenças respiratórias. Padre

Dário, que mora em Açailândia e acompanha de perto a situação de Piquiá, nos conta:

A situação atual do Pequiá de Baixo é uma situação, como eu disse, de extremo

conflito porque as populações... Acabamos de fazer uma pesquisa, pela qual a auto

declaração das famílias do Pequiá de Baixo detecta que 52% da população de Pequiá

de Baixo reconhece sua situação de saúde como ruim ou muito ruim; enquanto que

na média da aplicação desse tipo de questionário no Brasil, no país inteiro, os

resultados dão que, geralmente, é os 5% que diz se encontrar nesse tipo de situação.

Então, há uma consciência explicita. Claro que a situação, o nível de poluição

daquela região é insustentável e a população está esgotada, não consegue mais

aguentar; ela recebe, até alguns meses atrás recebia, imagina, três tipos de poluição

49

http://www.dgabc.com.br/default.asp?pt=secao&pg=detalhe&c=3&id=1685650 acesso em 27 de dezembro de

2009.

50

http://www.andes.org.br/imprensa/ultimas/contatoview.asp?key=5809 acesso em 27 de dezembro de 2009.

74

contemporânea: a poluição da fumaça emitida pela chaminé da siderúrgica que não

tem nem um tipo de filtro, só recentemente algumas das emissões das siderúrgicas

são canalizadas para alimentar a termelétrica, que porém, em consequência disso,

depois a confissão dela aumentou notadamente o barulho, os ruídos, porque produz

muito barulho. Então, inicialmente, fumaça, a emissão de escória de carvão e ferro

devido às próprias siderúrgicas e a poeira devido à operação de britagem da escória,

para a produção de cimento e adubo para os eucaliptos. Então, três tipos de poluição,

no mesmo contexto, cercando as 300 casas de Pequiá. Isso é realmente uma situação

gravíssima que teve fortes consequências de saúde. Recentemente o município teve

a cara de pau de fechar o posto de saúde de Piquiá de Baixo, o local que mais

teríamos urgência de ter um atendimento sério em saúde, ao contrário, tá sendo

prejudicado. Então, realmente, é um contexto emblemático daquilo que no contexto

da linguagem sociológica se define áreas de sacrifício, quer dizer, um território que é

funcional aos empreendimentos e que vamos dizer, concentra boa parte das formas

de exclusão socioambiental. É aquilo que também numa linguagem típica da área de

bandeiras da justiça ambiental se define de racismo ambiental. Quer dizer, a gente

pode ver como os frutos da descriminação social tem também um viés ambiental: o

discriminado socialmente também recebe uma discriminação ambiental. Piquiá é um

símbolo disso (Entrevista Realizada em 09/11/2010).

Desde 2005, na região, produz-se cerca de 47 mil toneladas de carvão vegetal ao ano,

em 71 fornos industriais, que estão a uma distância de menos de 1km do assentamento onde

vivem cerca de 400 famílias. Os problemas respiratórios são apresentados pelos moradores

em diversos depoimentos, reportagens e vídeos, com constantes diagnósticos médicos

apontando problemas respiratórios nos moradores, principalmente nas crianças e idosos. Após

grande mobilização da comunidade, e de uma ocupação da fazenda por diversos movimentos,

com apoio do MST, em 2008, os moradores do assentamento, que já existe há 12 anos,

conseguiram que a Secretaria de Meio Ambiente do estado se dispusesse a reavaliar a

documentação técnica do empreendimento, e se revelaram diversas informações

desatualizadas do licenciamento ambiental por parte da empresa e a falta de controle nas

emissões de poluentes (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).

No ano de 2008, a Vale produziu um total de 657 milhões de toneladas de resíduos

minero-metalúrgicos. Desse total, 394 milhões foram de minério de ferro - estéril, 184

milhões de ―outras áreas de negócio‖ e 80 milhões de minério de ferro - rejeito (VALE,

2009d, p.50).

Nesse mesmo ano suas operações impactaram uma área de 82,8 quilômetros

quadrados, sendo 57,5 quilômetros quadrados na floresta amazônica. Da área total

impactada, apenas 44,2 quilômetros quadrados estão em recuperação parcial ou

integral (ZAGALLO, 2010, p.14).

Também em 2008, a Vale adquiriu a Mineração Apolo e ampliou suas reservas em 1

bilhão de toneladas de ferro. O Projeto Apolo, na Serra da Gandarela (MG), consitui-se na

abertura de uma mina com capacidade de produção de 24 milhões de toneladas por ano, além

de uma usina de beneficiamento. O impacto ambiental já é conhecido: mau uso de recursos

75

hídricos, destruição da vegetação, emissão de poluentes e intromissão em Áreas de Proteção

Ambiental (APA).

Em parceria com a ThyssenKrupp (FIGURA 03), a Vale também omite de seu

relatório as situações que envolvem a Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), que vão

desde condições de segurança e trabalho, até os impactos ambientais que ocorrem na baía de

Sepetiba (RJ). O ―sorriso falso‖ de seus trabalhadores na propaganda é o fundamento de uma

ação desenvolvimentista que comprometerá social (a área em questão concentra população

negra e pobre) e ambientalmente (os ecossistemas compreendem desde florestas a restingas) a

baía de Sepetiba.

Figura 03: Campanha da Vale para parceria fundamental com siderúrgica alemã ThyssenKrupp. Fonte:

www.vale.com

A mina de goro da Vale Inco, em Nova Caledônia, iniciou sua produção no final de

2008. Desde 2001, o comitê Rheedu Nuu, uma organização indígena, vem protestando contra

a mina. Segundo o dossiê dos atingidos pela Vale (ORGANIZAÇÕES et al.,2010), os

indígenas prometeram utilizar todos os meios disponíveis para barrar a construção do referido

duto no oceano. Rheebu Nuu já conseguiu com sucesso impedir a companhia de depositar seu

duto em Kwe West, por meio do estabelecimento de uma vila de moradias tradicionais em

parte do trajeto que seria utilizado pelo duto. Em abril de 2008, centenas de apoiadores dos

Rheebu Nuu se uniram para instalar um totem num banco de areia na lagoa com o objetivo de

demonstrar sua oposição ao duto de rejeitos e de desafiar a companhia a sentar com eles para

dialogar. Além disso:

Tramitam na justiça 69 processos envolvendo a Vale, sem valor econômico

definido, que contestam a legalidade da sua privatização, ocorrida em 1997, todos

ainda pendentes de decisão judicial final. Não acreditamos que essas ações afetem o

76

resultado do processo de privatização ou produzam algum efeito negativo para a

empresa (VALE, 2009d, p.28).

Ainda no ano de 2008, a Vale, através de suas operações, ―consumiu 335 milhões de

metros cúbicos de água, sendo responsável pelo derramamento no ambiente de 1562 metros

cúbicos de salmoura, álcool, hidrocarbonetos e outros poluentes‖ (ZAGALLO, 2010, p.14).

Segundo Relatório de Produção da Vale em 2008, as minas de Carajás produziram e

venderam 96 milhões de toneladas com 6,656 trabalhadores diretos. Isto significa

que cada funcionário da Vale em Carajás produziu, em 2008, 14 mil toneladas de

minério de ferro. Ao preço médio de US$ de 67,32 a tonelada, cada trabalhador

gerou US$975.938,00 dólares em 2008, ou cerca de US$ 500 dólares por hora. Cada

trabalhador de Carajás gerou quase US$ 1 milhão de dólares para a empresa em

2008.

No entanto, o salário de um trabalhador mal chega a R$1.500 reais, somando com

PLR (quatro salários) mais encargos mensais de R$ 900,00, a Vale gasta com um

funcionário cerca de US$ 23 mil dólares por ano. Isto significa que em 4 horas de

trabalho o funcionário paga seu salário mensal (GODEIRO, 2010, p.34).

O que pode-se depreender disso? Uma palavra nos vem a mente: exploração. Sim a

palavra que melhor sintetiza esse contexto é exploração. O trabalhador da Vale, o ―peão‖,

como é popularmente conhecido, sacrifica-se durante 5 dias na semana durante oito horas,

para ter pago seu salário durante ―míseras‖ 4 horas de trabalho.

Em 2008, as vendas de minerais e metais da Vale alcançaram a soma de US$ 35,9

bilhões de dólares, enquanto se pagou de CFEM somente US$ 208 milhões de

dólares, 0,6% das vendas. Essa soma é insuficiente para os municípios mineradores

garantirem saúde, educação e a recomposição do meio ambiente, destruído pela ação

mineradora (GODEIRO, 2010, p.37).

Onde está a sustentabilidade ambiental e a responsabilidade social? Se tal soma de

valores citados acima é insuficiente para satisfazer as demandas sociais, econômicas,

ambientais e de saúde de municípios mineradores, como Itabira (MG)51

e Parauapebas (PA),

pode-se concluir que a única atividade que se sustenta é a busca desenfreada e desmedida pelo

lucro. A mineração deveria ter o mesmo tratamento que o petróleo: a Vale deveria ter o

mesmo tratamento da Petrobrás. Todavia, o petróleo paga royalty e o minério de ferro não

paga nada. É por isso que depois de quase trinta anos de exploração mineral em Carajás, o

51

Ateste-se que o município de Itabira (MG), berço da Companhia Vale do Rio Doce, apresenta o maior índice

de suicídios do Brasil (ALVIM, 2008). Ainda, Leandro Uchoa, em matéria do jornal Brasil de Fato, ―Quem

ganha com a expansão da transnacional brasileira?‖, nos conta que, segundo o Sindicato Metabase, desde o

início da crise socioeconômica mundial, em 2008, a Vale demitiu cerca de 1.500 trabalhadores diretos e 12 mil

terceirizados, de um total de 120 mil trabalhadores no mundo (50% terceirizados). Entretanto, seus resultados

financeiros não poderiam ser melhores. Em Itabira, o medo de ser demitido causou o suicídio de um trabalhador,

em 2009.

77

Maranhão continua sendo um estado pobre: ele é apenas um ―Estado-Escoador‖, a riqueza

passa, não fica nada, a não ser a pobreza.

Se a Vale pagasse 10% de royalties, valor que a Petrobrás paga para extrair petróleo

e gás, teria que pagar em 2008, R$ 760 milhões de reais à prefeitura de Parauapebas,

multiplicando por dois a receita do município (R$ 368 milhões de reais em 2008).

Se a Vale pagasse 10% do valor das vendas como compensação financeira, teria que

pagar em 2008, R$ 410 milhões de reais à Prefeitura de Itabira, multiplicando por

dois todas as receitas do município (R$ 260 milhões de reais em 2008) (GODEIRO,

2010, p.37).

Em outras palavras: a volta do fundo de desenvolvimento existente antes da

privatização da Vale é mais do que necessária. Com o restabelecimento desse fundo, a cidade

de Parauapebas teria atenuado o seu inchaço populacional, poderia enfrentar melhor os

problemas referentes à falta de segurança, desemprego, violência, precarização do serviço de

saneamento básico, dentre outros. Além do mais, não se faz necessário apenas a volta do

fundo de desenvolvimento, mas também o aumento da CFEM, a revogação da lei Kandir que

exime de ICMS os produtos exportados e uma política de retenção de parte dos lucros da

empresa para que os mesmos possam ser divididos de maneira mais equilibrada e não apenas

para poucos acionistas que controlam a Vale. Obviamente, todas essas medidas exigem

extrema vontade política dos que governam o Estado, no sentido de reestatizar a Vale, assim

como uma contínua pressão dos movimentos sociais para que os objetivos possam ser

alcançados.

Finalmente, aconteceram 2.860 acidentes do trabalho com afastamento em 2008, com

9 mortes. Adicione a isso as 16,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono lançadas na

atmosfera.

7 ANÁLISE CRÍTICA DO DESEMPENHO DA VALE EM 200952

Na presente seção, a partir de uma perspectiva crítica, identificada com a ecologia

política (MARTÍNEZ ALIER, 2007), objetiva-se analisar o discurso (FOUCAULT, 2009a e

2009b) contido no documento intitulado: ―Desempenho da Vale em 2009‖, apresentado

durante a Assembleia Ordinária de Acionistas ocorrida no Rio de Janeiro (RJ), sede mundial

da Vale, no dia 27 de abril de 2010. Tal documento foi disponibilizado posteriormente no site

www.vale.com. Procuramos aqui identificar como a Vale avalia a sua performance

econômica, contrapondo com casos concretos de injustiça socioambiental.

52

Esta seção foi extraída livremente de Ribeiro Junior; Sant‘Ana Júnior, 2010b.

78

Segundo o Financial Times, em um ranking das 500 maiores empresas do mundo por

valor de mercado, a Vale ocupava a posição 446 em 2002, enquanto em 31 de dezembro 2009

ela ocupava a vigésima-quarta posição (FIGURA 04).

Apesar da recessão econômica em 2008/2009, ela apresentou um lucro líquido de US$

5,349 bilhões, o que permitiu distribuir sólidos dividendos aos acionistas: somente para o

período que vai de 2005 a 2010 a Vale distribuiu US$ 10,0 bilhões. Nesse cenário de recessão

econômica, a Vale alcançou, em 2009, um recorde de volume de vendas para a China,

conseguindo expandir os embarques em 53,6%. Segundo o gráfico de vendas de minério de

ferro para a China, medido em Milhões de toneladas métricas, para o ano de 2001 o total fora

de 15, 8; 20,1 em 2002; 29,5 em 2003; 41,0 em 2004; 54,2 em 2005; 75,7 em 2006; 94,5 em

2007; 91,4 em 2008; e 140,4 em 2009 (FIGURA 05).

Figura 04. Vale consolida seu valor de mercado para China. Fonte: Vale, 2010c.

Figura 05. Vendas de minério de ferro para China. Fonte: Vale, 2010c.

79

Em termos de investimento, para o ano de 2009, a empresa gastou US$9,0 bilhões

para a modalidade crescimento orgânico e US$ 3,7 bilhões para a modalidade aquisições,

totalizando US$12,7 bilhões de dólares.

Em contrapartida, em virtude da recessão econômica na qual a Vale reduziu os

investimentos de US$ 14 bilhões para US$ 9 bilhões, como também demitiu, é bom reforçar,

2 mil trabalhadores diretos e 13 mil terceirizados, a empresa economizou com essa demissão

de trabalhadores diretos aproximadamente US$ 200 milhões e US$ 616 milhões com os

terceirizados, totalizando US$ 816 milhões.

Muito desse sucesso realizado pela Vale reflete o seu posicionamento no mercado

mundial (exportadora de matéria-prima), no qual a sua transnacionalização e o seu

crescimento assombroso deve-se, em parte, a demanda industrial da China (GODEIRO et al,

2007). Com efeito, as negociações entre as mineradoras mundiais com a Baosteel chinesa

tornam-se referência para o preço anual do minério de ferro no mercado internacional.

Em matéria publicada no jornal ―O Estado de São Paulo53

‖, David Friedlander escreve

que depois de dobrar o preço do minério de ferro, a Vale o reajustará em 35%. Com novo

reajuste, a previsão é que Vale dobre o faturamento este ano; siderúrgicas já se preparam para

repassar o aumento de custos. O novo preço vigorará a partir de 1º de julho e, segundo os

analistas, o faturamento da Vale deve dobrar, fechando o ano em mais de US$ 40 bilhões.

O reajuste foi feito em consonância com o mercado chinês: a cotação do minério de

ferro no mercado chinês bateu em US$ 189,50 a tonelada, enquanto a mineradora brasileira

vendia seu produto por cerca de US$ 110 – que foi o preço fixado pela Vale para o trimestre

que vai de abril a junho. Nesse sentido, a Vale está tentando recuperar a defasagem adquirida

em relação à China.

A começar de julho, o preço do minério de ferro da Vale será reajustado de US$ 110

para algo em torno de US$ 140 e US$ 145 a tonelada. É significativo o reajuste, ainda mais se

considerarmos que, antes da crise econômica global que desencadeou um período de recessão

nas mais diversas economias do mundo, em setembro de 2008, a Vale vendia a tonelada de

minério de ferro por US$ 80.

É interessante perceber como a empresa que se diz comprometida com o

―desenvolvimento dos empregados‖, por serem ―dinâmicos e persistentes‖, não levou em

consideração que poderia estar sendo descompromissada quando, ao aumentar o preço do

minério de ferro, promoveu o fechamento das portas da companhia siderúrgica Vale do

53

http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,depois-de-dobrar-o-preco-do-minerio-vale-tera-novo-

reajuste-de-35,20565,0.htm consultado em 29 de maio de 2010.

80

Pindaré. No início da década, cada tonelada de ferro valia US$ 30. Atualmente, varia entre

US$ 130 e US$ 150. Isso é aproximadamente um aumento de cinco vezes em 10 anos. Com a

alta no preço, a Vale contribuiu negativamente para a produção de ferro gusa no Distrito

Industrial de Pequiá, em Açailândia (MA). Com efeito, não apenas a Companhia Siderúrgica

Vale do Pindaré, mas também a Siderúrgica do Maranhão, que juntas geram cerca de 500

empregos diretos e 2000 indiretos, foram diretamente afetadas. Relativamente a tal impasse, a

ex-Deputada Helena Heluy (PT-MA) convocou junto a uma comitiva de metalúrgicos, uma

audiência pública na Assembleia Legislativa do Maranhão, que, infelizmente, não teve

resultados positivos e se transformou em pouco mais do que um desabafo e algumas falas de

consolo. O fato é que os impactos no setor de empregos chegaram a 3 mil diretos e 6 mil

indiretos (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010b).

Em termos de investimento, para o ano de 2009, a empresa gastou US$9,0 bilhões

para a modalidade crescimento orgânico e US$ 3,7 bilhões para a modalidade aquisições,

totalizando US$12,7 bilhões de dólares (FIGURA 06).

Figura 06. Investimentos da Vale no último triênio. Fonte: Vale, 2010c.

O que se pode esperar de todos esses números, de toda essa riqueza gerada, de todos

esses investimentos? Para um lado é mais riqueza, lucro; para outro são demissões, perdas. O

desempenho econômico da Vale está longe de ser um desempenho socialmente positivo. As

vendas de minério de ferro converteram-se em desemprego para trabalhadores em Açailândia;

quanto mais a Vale consolida seu valor de mercado, mais ela participa de projetos de

desenvolvimento que massacram as poucas perspectivas de famílias que buscam emprego,

trabalho e renda. O contraponto são os barracos, as favelas, o ―paraíso destruído‖. A sidero-

81

metalurgia desestrutura os grupos sociais locais e seu território; retira-os daquilo que os

sustenta e entrega-os a um novo modelo de apropriação do espaço e dos recursos naturais que

é existencialmente precário, quando não é excludente. O desenvolvimento se converte em

desenraizamento, em deslocamento; as promessas do progresso e da modernidade que

preconizavam educação, moradia e qualidade de vida convertem-se em desemprego e

marginalização para os homens e, muitas vezes, prostituição para as mulheres.

Em 2009, aconteceu também a paralisação da unidade de pelotização de São Luís

gerando uma redução no consumo de óleo combustível que foi influenciada pela queda

acentuada na pelotização, que registrou redução de mais de 95%, de 116 mil toneladas, em

2008, para apenas 964 toneladas, em 2009. Além disso, a redução no consumo de óleo

combustível deve-se também a substituição de óleo por gás natural nas outras unidades. As

unidades de caulim também reduziram o consumo de óleo combustível, ficando com 21 mil

toneladas, ante 57 mil toneladas do ano anterior (VALE, 2010a). Nesse sentido o consumo de

energia elétrica da Vale chegou a 14,9 TWh, o que representa uma redução de cerca de 23%

em relação a 2008 (19,3 TWh). O consumo de energia elétrica foi impactado principalmente

pela já referida paralisação de algumas unidades, como Pelotização São Luís, Pelotização

Fábrica, Mina de Água Limpa e Urucum Ligas, além da redução de ritmo de produção em

outras (VALE, 2010a).

Nos termos discutidos, há que se buscar publicizar o conflito com os pescadores da

praia do Boqueirão e os impactos ambientais sobre a pesca (fonte de renda de várias famílias),

bem como toda área Itaqui-Bacanga em virtude da implantação do Píer IV no Terminal

Marítimo Ponta da Madeira. O Relatório de Sustentabilidade de 2009 nos informa que:

A Vale, ciente da sua responsabilidade social perante os impactos causados com a

implantação do Píer IV do Terminal Portuário de Ponta da Madeira, em São Luís,

está realizando o Programa de Desenvolvimento Socioeconômico da Comunidade

de Pescadores Artesanais da Praia do Boqueirão. O Estudo de Impacto Ambiental

(EIA) definiu as áreas afetadas pelo empreendimento. Por isso, por meio da

Fundação Vale, propusemos a construção participativa de um programa de apoio à

pesca artesanal na praia do Boqueirão. Foram realizadas reuniões com pescadores e

lideranças comunitárias e também articulações com o sindicato, o Serviço Brasileiro

de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o Serviço Nacional de

Aprendizagem Comercial (Senac) e o Estaleiro Escola, assim como visita às

instalações da Vale no porto. A equipe da Fundação participou das audiências

públicas em que foram apresentados os eixos do programa: valorizar e conservar a

cultura da pesca artesanal, colaborar para a geração de renda e contribuir para o

exercício da cidadania. A primeira etapa do programa, desenvolvida em 2009,

incluiu a realização de uma pesquisa que classificou os pescadores em três grupos,

de acordo com a atividade de pesca na praia para melhor definir o atendimento.

Além disso, uma especialista em biologia marinha acompanhou a produção local e

analisou as potencialidades de geração de renda dos grupos. Desde dezembro de

2009, os 51 pescadores inscritos no programa, junto com suas famílias, participam

da qualificação, por meio de um convênio com o Serviço Nacional de

82

Aprendizagem Rural (Senar), e recebem mensalmente uma bolsa-auxílio vinculada à

participação nos cursos. O programa inclui ainda a distribuição de materiais de

pesca artesanal, kit de segurança e apoio para obtenção de documentos pessoais. Até

2012, tempo previsto para a duração dessa ação, a comunidade da praia de

Boqueirão terá oportunidade de conhecer outras experiências comunitárias de

desenvolvimento local, por meio de visitas técnicas (VALE, 2010a, p.78).

Note-se que a Fundação Vale, braço social que organiza e planeja os programas e

ações sociais, já está atuando diretamente sobre o território. E mais: quando a Vale aponta que

vai qualificar os pescadores, está diretamente atestando que os mesmos são desqualificados.

De qualquer forma, lendo assim a nota, parece que as coisas vão ―as mil maravilhas‖, mas não

é bem isso que está acontecendo: em reportagem de Kely Lima, citando o Fórum Carajás,

processou-se um verdadeiro impasse.

Pescadores da Praia do Boqueirão estão descontentes com valor de indenização que

a Vale pagará para a construção do Píer IV, no Terminal Marítimo de Ponta da

Madeira, em São Luís. O Sindicato dos Trabalhadores na Pesca da Ilha de São Luís

e a Colônia de Pescadores Z10-São Luís já articulam uma ação judicial contra a

empresa Diagonal54

, responsável pela execução do empreendimento, para embargar

a obra. O investimento da Vale é de R$ 2 bilhões. O desentendimento se deu depois

que a mineradora dividiu os pescadores, 54 pessoas, em três grupos a serem

indenizados. O primeiro, recebendo o valor de R$ 1.500; o segundo, R$ 1.000; e o

último, um salário mínimo. Os pescadores contestam o prazo de indenização. Os

valores seriam pagos até a conclusão das obras, após a esse período de dois anos e

sete meses, os pescadores não receberiam mais nada. A categoria também alega que

a mineradora teria feito à divisão de forma totalmente arbitrária. ―O valor deveria ser

feito em cima de um cálculo de expectativa de vida‖, afirma o presidente da Colônia

de Pescadores Z10-São Luís, Jonas Albuquerque. Outra reclamação recai sobre o

fato do benefício ser intransferível. O pescador Ivan de Jesus Silva fala que tentou

colocar a esposa como dependente, mas foi informado de que não seria possível. ―E

o que vai acontecer se eu chegar a morrer antes? A minha família irá ficar

desamparada‖, preocupa-se. Há ainda questão sobre a quantidade de pescadores

incluídos nos grupos. A documentação do sindicato dos pescadores aponta que

existem, atualmente, 69 pescadores registrados pertencentes à área Itaqui-Bacanga.

Deste total, apenas 54 pessoas participam da divisão feita pela Vale.

Mais uma vez aqui é de vital importância saber pensar o espaço: a geógrafa inglesa

Doreen Massey (2008) nos ensina que o espaço molda as nossas cosmologias estruturantes,

nosso entendimento do mundo, nossa política. O conflito entre a Vale e os pescadores, além

de ser um conflito ambiental, é um conflito espacial, na medida em que os agentes envolvidos

possuem diferentes cosmologias que se chocaram neste encontro de trajetórias e de histórias.

A forma como ambos imaginam o espaço está posta: a Vale enxerga na implantação do píer

IV mais uma operação comercial e mercantil que lhe trará cada vez mais lucros; na outra

54

A Diagonal Urbana é uma grande consultoria paulistana de atuação nacional, como se percebe, que realiza o

diagnóstico socioeconômico na área de influência da Estrada de Ferro Carajás. É esta empresa que informa a

Fundação Vale sobre condições sociais dos municípios em que atua, quais as maiores dificuldades e sobre quais

questões se dão as maiores críticas da população (PANTOJA, 2010).

83

ponta, os pescadores, depois de terem sido desqualificados, são agora segmentados em valores

monetários: sua existência e sua vida estão dispostas em cifras. No documento da Vale são 51

pescadores beneficiados, enquanto existem 69 pescadores.

A Vale informa também, em seu relatório de sustentabilidade de 2009, que na capital

ludovicense, foi implementado o programa de formação de mão de obra local para a

construção do Píer IV do Porto de Ponta da Madeira, que formou 300 jovens da área do Itaqui

Bacanga, vizinha às instalações da empresa (VALE, 2010a).

Deve-se ter em mente que essa prática da Vale é uma forma de anestesiar o conflito

(hot-spot) em que ela está diretamente inserida, além de que é uma forma de dividir a

comunidade: como podem os pescadores questionar se a Vale está oferecendo a qualificação

de mão de obra para o competitivo mercado de trabalho? Por que defender a causa de 50, 70

pescadores se a Vale qualificou 300 jovens? São questões importantes nas entrelinhas do

processo.

Em outras palavras: como ficarão os pescadores depois que as dragas da Vale tiverem

atingido a sua fonte de sustento? E quanto à atuação estatal? O que o poder público tem feito

para mediar esse conflito? E por mais que todos sejam indenizados e ―qualificados‖

devidamente: vale tudo em nome do desenvolvimento? A destruição dos modos de vida

destes pescadores é sacrificável em nome do desenvolvimento?

Ainda que em 2009 a Vale tenha produzido 265 milhões de toneladas de minérios e

transportado 21 milhões de toneladas de produtos de terceiros em suas ferrovias55

, bem como

ter tido uma receita bruta de US$ 23,9 bilhões e um lucro líquido de US$ 5,3 bilhões, ela

reduziu os investimentos de U$14 bilhões (previstos) para U$9 bilhões, reduziu os custos em

R$ 282 milhões com folha de pagamento, demissões e corte de contratos com terceirizaas

(GODEIRO, 2010).

Apesar da queda da produção de minério de ferro e da diminuição das vendas e

lucros em 2009, os donos da Vale decidiram pagar a eles mesmo, em 2009, US$ 2,7

bilhões de dólares, a mesma quantia que receberam em 2008, ano recorde de

produção e lucros.

Os altos executivos da Vale também foram premiados pelo seu ótimo desempenho.

Os seis diretores executivos receberam em 2009 cerca de US$ 40 milhões de

dólares, isto é, US$ 6,6 milhões de dólares para cada executivo.

Um trabalhador de nível médio da Vale teria que trabalhar cerca de 800 anos para

ganhar este valor que o executivo ganhou em um só ano (GODEIRO, 2010, p. 33).

55

Só em 2009, na Estrada de Ferro Carajás, foram transportadas 96,3 milhões de toneladas, quase a capacidade

máxima atual de 100 milhões.

84

No aspecto contábil, as provisões para contingências cíveis, ambientais e trabalhistas

em 1997 eram de R$ 136 milhões, montante que em setembro de 2009 era de R$ 1,886

bilhão.

8 OS REFLEXOS DA GOVERNAMENTALIDADE EM 2010

No tópico anterior mostramos como o desempenho econômico da Vale pode ser

prejudicial tanto para os trabalhadores quanto para a Natureza. Partindo do conceito

foucaultiano de governamentalidade, busca-se agora, analisar o ano de 2010. Dessa forma,

finalizamos a análise dos 68 anos (1942-2010), ressaltando o período pós-privatização, alvo

majoritário de nosso estudo.

Inicialmente é relevante abordar o que seria essa governamentalidade, bem como

mostrar qual a necessidade de se falar desse conceito para a análise do discurso

(FOUCAULT 2009a, 2009b). Para tanto se faz necessário recorrer a Michel Foucault uma vez

que o referido filósofo foi, por assim dizermos, o ―mentor intelectual‖ do conceito de

governamentalidade. Na Microfísica do Poder56

, uma das obras máximas de Foucault

(2009c, pp.291-292), ele pondera três coisas sobre o que seria essa governamentalidade:

1 − o conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões,

cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de

poder, que tem por alvo a população, por forma principal de saber a economia

política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança.

2 − a tendência que em todo o Ocidente conduziu incessantemente, durante muito

tempo, à preeminência deste tipo de poder, que se pode chamar de governo, sobre

todos os outros − soberania, disciplina, etc. − e levou ao desenvolvimento de uma

série de aparelhos específicos de governo e de um conjunto de saberes.

3 − resultado do processo através do qual o Estado de justiça da Idade Média, que se

tornou nos séculos XV e XVI Estado administrativo, foi pouco a pouco

governamentalizado.

A concepção foucaultiana sobre governamentalidade nos permite compreender como a

Vale, enquanto agente econômico e social, dispõe de um conjunto de práticas, procedimentos,

técnicas e táticas que, em última instância, possui como destino teleológico a acumulação de

capital. É importante perceber que na analítica foucaultiana da Microfísica do Poder, o

conceito de governamentalidade permite que entendamos que o Estado é uma das

possibilidades das múltiplas técnicas de governo (CANDIOTTO, 2010) De fato, a Vale, ao

longo da sua história, de estatal a privada, teve a sua organização e administração

56

É sobre esta obra em questão, principalmente, que pautaremos a nossa discussão.

85

capitaneados pelo Estado que, através dos seus recursos técnicos (especialmente obras de

infraestrutura como estradas de rodagem, ferrovias, portos, aeroportos, usinas hidrelétricas)

propiciou o bom funcionamento do modelo de desenvolvimento da referida empresa.

Interessante analisar que, para Foucault, a governamentalidade tem como alvo a

população: ―um conjunto de indivíduos que são pensados coletivamente como uma unidade

descritível, mensurável, conhecível e, por isso mesmo, governável‖ (VEIGA-NETO; LOPES,

2007, p. 955). Logo, para que a população seja governável, tanto o Estado, quanto uma

empresa (no nosso caso a Vale), lançam mão de dispositivos, recursos técnicos para alcançar

tal finalidade. Todavia, a população aqui aparece como uma ―massa uniforme‖ que se

dissolve no seu próprio conceito. Por isso, poderia se falar nas diversas populações que são

atingidas pela Vale e que, de maneira alguma, são uniformes. Desse modo de vista temos

populações quilombolas, ribeirinhos, camponeses, dentre uma vasta gama de pessoas que são

afetadas pelas práticas da Vale.

Mas, neste momento, somos também desafiados a pensar que o próprio conceito de

governamentalidade possa ser ―aplicável‖, mesmo que de maneira incipiente, à Natureza. E se

refletíssemos em uma governamentalidade da Natureza? Que implicações esta questão pode

nos suscitar? E se questionássemos que existe um conjunto de práticas que buscam disciplinar

a Natureza, conduzir a sua gestão através de instituições que, no jogo político, gozam de

diferentes níveis de poder e relações de poder? Tomemos como exemplo a ―natureza da

Vale‖. Na lógica da empresa, os recursos naturais transformam-se, no momento em que são

industrializados/minerados, em recursos sociais. E é aí que empresas como a Vale arrogam-se

o direito de explorar a Natureza, posto que transformam os minerais em utensílios essenciais

para a vida de todos, ou seja, para toda população.

Nos termos discutidos, o desenvolvimento progressivo do capitalismo, atrelado

diretamente à modernidade e aos processos de expansão e intensificação geográfica [do

capitalismo] (HARVEY, 2006) determinou uma necessidade racional de um governo racional

que permitisse gerir tanto a Natureza, quanto as mais diversas populações. Nesse sentido,

tanto a Natureza, quanto as populações são mensuráveis, cambiados em recursos naturais e

humanos, logo, governáveis. Como bem chamou atenção Escobar (2005a, p.31):

Governamentalidade é um fenômeno essencialmente moderno através do qual vastos

domínios da vida cotidiana são apropriados, processados e transformados por

conhecimento de experts e o aparato administrativo do estado. Este processo atingiu

a ordem natural do manejo florestal científico e a agricultura plantations ao

gerencialismo do desenvolvimento sustentável

86

Não nos esqueçamos que o expert nasce justamente da dicotomia, da separação, que é

um fundamento moderno do projeto positivista de ciência. O exclusivismo epistemológico

que promoveu um verdadeiro apartheid entre o conhecimento técnico/especializado (expert) e

o conhecimento não-técnico/não-especializado (leigo), promoveu a autonomia dos cientistas

na mesma ordem que retirou do ―leigo‖ qualquer possibilidade de tomada de decisões ou até

mesmo de debates (SANTOS; MENESES; NUNES, 2005). Portanto, o expert, o especialista

em uma área do conhecimento científico, ou seja, o conhecimento científico fragmentado,

dificilmente poderá propor uma solução para a crise ambiental (LEFF, 2004).

O papel do governo, que é destacado por Foucault, se tornou preeminente. De certo

modo absorveu em si e para si a disciplina e a soberania. É claro que não podemos pensar

disciplina, soberania e governo de maneira tricotômica, opostas, negando-se simultaneamente;

mas sim que estas três dimensões se inter e intra-articulam. A mentalidade do governo

capitalista é então criar instituições, práticas, técnicas e táticas que viabilizem a construção de

uma sociedade disciplinada e que possam garantir a estabilidade do Estado, bem como a

governabilidade da população. O papel do Estado no sistema econômico capitalista é, assim,

de indutor (depois ele é induzido), ou seja, ele cria as condições necessárias para que haja

governabilidade e o desenvolvimento (infraestrutura, energia, escoamento de produção, etc.).

Exemplifiquemos dando voz a Porto-Gonçalves (2005, p.102) quando este nos fala de um

aspecto do papel do Estado na construção do Brasil-Grande dos militares.

A abertura de estradas e o barramento dos rios foram tarefas assumidas pelo Estado.

A estrada e a energia são condições gerais de produção essenciais para que as

iniciativas particulares de produção se fizessem presentes. No entanto, se são

essenciais não são suficientes para garantir que as iniciativas particulares se dêem.

Como garantir o acesso por parte desse novo capital aos recursos naturais da região?

Coube ao Estado regular a propriedade do solo e do subsolo, ou seja, das terras e dos

minérios, que eram o objeto dos interesses das novas formas com que o capital se

revestia na região. Enfim, era o controle da e terra e das minas que se tornava

necessário.

Logo, governar é, além de estabelecer a economia ao nível do Estado, fazer com que o

aparelho estatal assuma as incumbências do desenvolvimento dando-os um destino

apropriado. Mas é, também, como nos fala Foucault, governar os homens e suas relações, os

recursos naturais e suas utilidades, bem como o território e suas fronteiras, os costumes e os

hábitos, os modos de agir e pensar.

O Estado é então um dos entes máximos e o agente por excelência da

governamentalização, na medida em que governamentaliza e é governamentalizado.

Explicando: Ele é, por um lado, soberano, uma vez que todos devem obediência à (sua) lei; e

87

por outro é disciplinador, na medida em que administra a população e, simultaneamente, a faz

sujeitar-se as suas regras, obrigações e restrições que são metodologicamente desenvolvidas.

―A governamentalidade nos remete então a essa mentalidade dos governos modernos - à

mentalidade dos governantes e dos governados‖ (PEET, 2007, p. 29).

Sejamos mais empíricos: é bom deixar claro que as práticas insustentáveis da Vale não

estão condicionadas (espacialmente falando), aos países ditos subdesenvolvidos. No Canadá:

[...] há dois processos judiciais envolvendo a Inco Limited57

ainda pendentes de

decisão final. Um caso diz respeito à sanção monetária imposta por alegada

contaminação no solo na refinaria de Port Colborne, no qual a empresa vem se

defendendo. O outro processo é referente à sanção monetária por poluição do ar, nas

operações de Sudbury (VALE, 2009c, p. 121).

Com efeito, uma mineradora pouco se importa com o solo, pois está interessada no

subsolo. Destaque-se que a compra da Inco fez com que a Vale se transformasse na maior

produtora mundial de níquel. Nesse sentido, percebe-se a internacionalização da Vale, bem

como um reordenamento econômico: se outrora o Brasil apenas restringia-se a receptor de

projetos de desenvolvimento econômico, agora com a internacionalização das grandes

empresas, como a Vale, vem a ser um país que investe em atividades econômicas a nível

internacional, tal como a mineração. Mas, tal como qualquer outra empresa capitalista, a Vale

age com uma voracidade em busca de lucro e capital que nada difere das multinacionais que

chegam aqui no Brasil explorando trabalhadores e degradando a Natureza.

O ano de 2010 marca também uma importante operação realizada pela Vale: a venda

dos ativos de alumínio para a empresa norueguesa Norsk Hydro em uma transação de US$4,9

bilhões. Agora, a Alunorte (Alumina do Norte do Brasil), a maior mina de refino de alumina

do mundo, e a mina de bauxita de Paragominas, passam a ser controladas pela empresa

norueguesa. A venda dos ativos deu-se em virtude do alto custo de energia no Brasil58

, o que

fez a Vale dirigir seus investimentos para a bauxita e alumina, que são estágios da cadeia de

alumínio que consomem menos energia.

O curioso é que a população, de uma maneira geral, indústrias e comerciantes, pagam

por 100kwh cerca de R$45,00; enquanto a Vale paga, pelos mesmos 100kwh, a bagatela de

57

No segundo semestre de 2006, a CVRD comprou a mineradora canadense Inco por US$ 19 bilhões, sendo seu

preço US$ 17,8 bilhões e mais US$ 1,2 bilhão de dívida líquida. Para esta compra, ela se associou a bancos

internacionais, como Credit Suisse, UBS, ABN Amro e Santander (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Com isso, o

endividamento da Vale aumentou para US$ 22 bilhões em 2006 (GODEIRO et al. 2007).

58

Para maiores informações recomenda-se a leitura das reportagens de Melina Costa (Agência Reuters - Estado

de São Paulo) publicada no jornal Estado de São Paulo no dia 03/05/2010: ―Vale vende controle dos negócios de

alumínio‖; Em adendo, a reportagem publicada no jornal Valor Econômico, ―Vale vende área de alumínio à

Norsk Hydro‖, de Ivo Ribeiro, também explana sobre o assunto.

88

R$5,00. Esse ―fator energético‖ que reduz a competitividade da Vale pode explicar a

participação da mesma no consórcio de Belo Monte e na construção da Usina Hidrelétrica de

Energia (UHE) de Estreito, via Consórcio Estreito de Energia (Ceste) – composto, além da

Vale, pelas empresas Suez Energy South America Participações Ltda., Alcoa Alumínio S.A.,

e Camargo Correa Energia S.A.

Cabe relevar que em Estreito, o conflito se processa em duas frentes que se chocam:

primeiro, o potencial hidrelétrico da bacia Araguaia-Tocantins sinaliza a possibilidade de

suprimento da necessidade de energia elétrica para levar a frente as atividades sidero-

metalúrgicas; em contrapartida, o empreendimento de R$3,1 bilhões atinge agricultores

familiares, povos indígenas e a população ribeirinha, evidentemente.

Recentemente, no dia 8 de julho de 2010, os membros do sindicato USW no Canadá

ratificaram um acordo coletivo de cinco anos de duração com a Vale. O acordo põe fim à

greve que começou há um ano, 13 de julho de 2009, e envolveu 3.200 mineiros em Sudbury e

Port Colborne, Ontario. O acordo coletivo que vai até 31 de maio de 2015 inclui: aumento do

salário-hora para todos, com aumento da ajuda de custo de vida a cada cinco anos. Assim,

elevando o reajuste salarial para entre $ 2,25 e US $ 2,50 por hora dentro da duração do

contrato; melhorias para o atual Plano de Pensão de Benefício Definido, aumentando para $

41.400 por ano, com a indexação de ajuda para o custo de vida para toda a vida, junto com um

plano de saúde para todos durante o tempo de vida; o Plano de Previdência de Contribuição

Definida para os novos contratados, que prevê contribuições da empresa igual a 8% do salário

base regular dos trabalhadores. Além disso, os funcionários serão capazes de fazer

contribuições adicionais que variam de 2% a 6% do salário regular, combinando com as

contribuições da empresa dentro de certos limites. O novo plano também incluirá a cobertura

em caso de invalidez de longo prazo para os trabalhadores. Como resultado das negociações

bem firmes e sustentadas, o programa de bônus de níquel irá permitir que os funcionários

ganhem até US $ 15.000 por ano, além de salário regular.

O Canadá também é berço de outro conflito. No Relatório de Sustentabilidade da Vale

referente ao ano de 2009, na seção relativa aos Recursos Humanos, subtópico diversidade,

encontramos uma informação interessante: ―Consideramos intolerável a discriminação em

função de etnia, origem, sexo, orientação sexual, crença religiosa, além de condição de

sindicalização, convicção política e ideológica, classe social, pessoas com deficiência, estado

civil ou idade‖ (VALE, 2010a, p.35, os grifos são nossos). Segundo nota da Rede Justiça nos

89

Trilhos59

, acessível no site www.justicanostrilhos.org, trabalhadores da província de

Newfoundland e Labrador receberam uma dúbia distinção e um tratamento de segunda classe

se comparados com os funcionários da Vale em outras províncias do Canadá. Isso porque a

Vale, tenta ditar a aceitação de um contrato inferior, com abonos e benefícios menores em

comparação com o acordo a que se chegou a Ontario, uma vez que muitos os trabalhadores de

Newfoundland e Labrador são indígenas.

Em matéria publicada no Jornal Pessoal, acessível em

http://www.lucioflaviopinto.com.br/, ―Carajás começa de novo, mas o Pará não percebe‖,

o jornalista Lúcio Flávio Pinto conta que a Vale realiza desde o ano de 2009 o maior

investimento da sua história e também o maior da indústria de minério de ferro no mundo. Ela

aplicará, até 2015, US$ 11,3 bilhões de dólares para dobrar a produção de Carajás, no Pará,

que chegará a 230 milhões de toneladas anuais, metade do que a Vale pretende extrair em

todo país naquele ano. Em suas palavras:

Dos US$ 11,3 bilhões previstos, US$ 7,8 bilhões serão gastos na duplicação de dois

terços da ferrovia de Carajás (em 604 dos seus 822 quilômetros de extensão) e na

construção do 4º píer do porto de embarque, na Ponta da Madeira, na ilha de São

Luís do Maranhão. Os restantes US$ 3,5 bilhões serão absorvidos pela própria mina,

em território paraense. Só neste ano a empresa desembolsará US$ 1,1 bilhão (US$

766 milhões na logística e US$ 360 milhões na mina).

A duplicação de dois terços da ferrovia Carajás simboliza também a duplicação da

produtividade: ela aumentará a capacidade de escoamento do minério de Carajás, assim como

tornará apta a escoar o minério que ainda não é explorado na Serra Sul, no ―profético‖

município de Canaã dos Carajás. A terra prometida bíblica, terra onde corre leite e mel, é a

terra prometida da Vale, onde correm minérios. Tal como na bíblia, cuja terra foi destinada

aos judeus (o povo de Deus), a despeito de todos os habitantes que ali viviam, na versão

moderna e progressista representada pela Vale no papel de ―Deus‖, a terra é destinada à

Companhia, a despeito de todos os habitantes que ali vivem.

Ateste-se ainda que a respeito da duplicação da EFC, grande parte das preocupações

da Rede Justiça nos Trilhos têm se voltado para os impactos anunciados ou aos danos já

ocorridos em razão das obras de duplicação da EFC, em pleno andamento. No município de

Itapecuru-Mirim, as comunidades de Santa Rosa dos Pretos e de Monge Belo, ambas

reconhecidamente, remanescentes de quilombos, terão suas áreas recortadas caso as

pretensões de duplicação da EFC logrem êxito.

59

Coalizão de organizações civis, movimentos sociais, pastorais, sindicatos, núcleos universitários e pelos

Missionários Combonianos Brasil Nordeste. É uma associação civil de caráter religioso, sem fins lucrativos.

90

Em síntese, o processo de licenciamento da duplicação da Estrada de Ferro Carajás

fere frontalmente a legislação ambiental, em especial a Resolução CONAMA n°. 349/2004,

que veda a concessão de licenças fragmentadas para obras como a referida acima, impondo a

necessidade da prévia confecção de EIA/RIMA, audiências públicas e todos os demais atos

previstos nas Resoluções CONAMA n°. 237/1997 e 01/1986.

Apesar da Vale considerar o empreendimento ferroviário de pequeno potencial de

impacto ambiental, ele implicará em remoção de população, intervenção em áreas de

preservação permanente, unidades de conservação e outros espaços territoriais protegidos.

Mesmo assim, o IBAMA expediu a Licença de Instalação (nº752/2010) que autorizou a Vale

a realizar as obras de duplicação dos trilhos em quatro segmentos, que perfazem um total

aproximado de 70 km de ferrovia. Isto coloca em risco as comunidades de Santa Rosa dos

Pretos e de Monge Belo, bem como nos municípios maranhenses de Bom Jesus das Selvas,

Buriticupu, Alto Alegre do Pindaré e Açailândia (segmentos 07 a 09 da ferrovia), gerando

grande impacto na vida de centenas ou milhares de pessoas.

Os investimentos previstos pela Vale para 2010 estão orçados em US$ 12,9 bilhões

(FIGURA 07).

Figura 07. Investimentos previstos para 2010. Fonte: Vale, 2010c.

91

Ela também elenca sete novos projetos iniciando em 2010, a saber: Minério de ferro

(Carajás Adicional, 10 Mtpa60

), Pelotas (Omã, 9,0 Mtpa), Níquel (Onça Puma, 58.000 tpa),

Cobre (Tres Valles, 18.000 tpa), Rocha fosfática (Bayóvar, 3,9 Mtpa), Energia (Estreito,

1.087 MW), Siderurgia (CSA, 5,0 Mtpa). Cabe destacar que, no consórcio de Estreito, a

participação da Vale é de 30,0%, enquanto que na Companhia Siderúrgica do Atlântico é de

26,87% (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010b).

9 A POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL61

Ao longo desta seção será promovida uma análise do documento intitulado: ―Política

de Desenvolvimento Sustentável‖, que está acessível no site www.vale.com. O documento é

composto inicialmente pelos itens Objetivo e Princípio, que, então, é decomposto em três

partes intituladas: OPERADOR SUSTENTÁVEL; CATALISADOR DO

DESENVOLVIMENTO LOCAL; AGENTE GLOBAL DE SUSTENTABILIDADE e cada

parte desta é apresentada na forma de acróstico, construídos respectivamente, a partir dos

termos VALOR, LOCAL e GLOBAL.

9.1 Objetivo e princípio

Já sabemos que a dimensão política está imbricada, hoje, em vários âmbitos do

conhecimento científico. Como não poderia deixar de ser, a crise/questão ambiental, a partir

do momento em que necessitou ser analisada, requereu o direcionamento da política para o

seu campo, quer seja como controle de conflitos ou também como luta pelo poder. O discurso

de desenvolvimento, que é essencialmente histórico e dispõe-se em acontecimentos reais e

sucessivos (FOUCAULT, 2009b), também teve a necessidade de políticas sustentáveis.

Vejamos então, qual é o Objetivo da referida política da Vale:

Estabelecer diretrizes e princípios para a nossa atuação quanto ao Desenvolvimento

Sustentável de nossos projetos e operações, explicitando a nossa responsabilidade

social, econômica e ambiental nas regiões em que estamos presentes, em nossa

cadeia de valor e no posicionamento sobre temas globais de sustentabilidade

(VALE, 2009a, p. 1).

60

Mtpa signifca milhões de toneladas por ano.

61

Este capitulo foi livremente extraído originalmente de Ribeiro Junior; Sant‘Ana Junior, 2010a.

92

A sustentabilidade global é temática presente nos documentos oficiais da Vale. Não só

por ela ser uma empresa global, bem como a sustentabilidade acabou se configurando como

mais um vetor de geração de lucro e agregação de valor nas mais diferentes localidades.

Dessa forma, a própria responsabilidade socioambiental transforma-se em mais um

mecanismo político para que as operações e projetos vinculados à referida empresa estejam

imersos no discurso do desenvolvimento sustentável (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA

JÚNIOR, 2010a). Mas, vejamos um caso concreto de atuação da Vale: O município de

Barcarena-PA, que sedia as plantas industriais, integra o conhecido Programa Grande Carajás

(PGC) e está inserido na cadeia produtiva de Alumina e Alumínio, através das subsidiarias

Albrás e a Alunorte. Graças ao insumo da energia elétrica, a Albrás e a Alunorte formam um

dos maiores complexos de alumínio a nível mundial.

A ação das subsidiárias da Vale tem gerado impactos relevantes no que tange a

emissão de poluentes (gases cáusticos e poeiras corrosivas, bem como a liberação de dióxido

e trióxido de enxofre) e aos acidentes ocorridos.

Um dos maiores impactos causados pela produção de alumínio é a lama vermelha,

que é a parte estéril do processo de beneficiamento da bauxita. É um resíduo

extremamente cáustico, com Ph acima de 13,2. A soda cáustica presente na lama

vermelha contribui para a ocorrência de chuva ácida, contamina o lençol freático, as

águas superficiais e os solos. Para cada tonelada de alumina produzida, são

necessárias três toneladas de bauxita, proveniente de Carajás, o que gera uma

enorme quantidade de lama vermelha como resíduo. Somente em 2004 a

ALUNORTE produziu, no mínimo, 1,27 milhão de toneladas de lama vermelha. A

expansão de sua produção em 2008 aumentou sua capacidade de produção para 2,04

milhões de toneladas de lama vermelha. Apesar da empresa alegar que lança

lama vermelha apenas em locais seguros, muitos acidentes têm ocorrido. O mais

recente ocorreu em abril de 2008, onde milhares de litros de lama vermelha vazaram

de uma das bacias daquela empresa, contaminando o rio Murucupi, importante fonte

de água para as populações tradicionais (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, p. 65, grifos

nossos).

Talvez não devêssemos nem classificar essa situação descrita acima como um

―acidente‖: isso porque a noção de acidente nos remete a um acontecimento casual, o que não

se aplica às operações da Vale. Da mesma forma que seus lucros não são casuais, ou

acidentais, mas sim fruto de suas estratégias políticas e econômicas, não se pode classificar

como fortuito a contaminação de lama vermelha em ecossistemas fluviais.

Segundo o jornalista Rogério Almeida62

, A cadeia do alumínio se encontra em franco

processo de expansão. A hidrelétrica de Tucuruí teve a sua capacidade produtiva duplicada.

Minas no município Paragominas, nordeste do Pará são exploradas, para reforçar a antiga

62 http://rogerioalmeidafuro.blogspot.com/

93

mina em Oriximiná, oeste do estado. Na mesma região, no município de Juruti, a

multinacional Alcoa inicia uma conturbada exploração de mina. Há ações dos Ministérios

Públicos Estadual e Federal contra a atuação da ALCOA. A Vale pretende ainda a construção

de uma usina termoelétrica em Barcarena, orçada em US$ 898 milhões. Nesse aspecto, a Vale

informou que está, por enquanto, suspenso o projeto de construção de uma usina termelétrica

no município de Barcarena. O empreendimento teve sua licença prévia expedida pela

Secretaria de Meio Ambiente do Estado no final de outubro de 200863

.

O direcionamento para investimentos em logística tem sido uma sinalização da

companhia, em particular na geração de energia. O saque das riquezas e a internalização das

tragédias sociais e ambientais têm regido tais projetos de desenvolvimento na Amazônia.

Já observamos inicialmente que o objetivo da política de desenvolvimento sustentável

da Vale é sustentar a sua política de desenvolvimento, nem que para isso os rejeitos de suas

operações de mineração destruam ecossistemas naturais. Passemos então agora para o

Princípio da sua política de desenvolvimento sustentável:

[...] o desenvolvimento sustentável é atingido quando seus negócios, em particular

as suas atividades de mineração, geram valor para seus acionistas e demais partes

interessadas, e deixam um legado social, econômico e ambiental positivo nos

territórios onde opera (VALE, 2009a, p. 1).

Note-se que o desenvolvimento sustentável é um alvo a ser atingido quando seus

negócios geram valor para os acionistas. Todavia, a ―atuação sustentável‖ da Vale, a imagem

de sucesso que a maioria das pessoas possuem a seu respeito fica manchada quando tomamos

notícia de seu desempenho, por exemplo, no Canadá. No referido país a Vale adquiriu a Inco

(FIGURA 08) no ano de 2006 com o objetivo de processar níquel.

Figura 08. Campanha da Vale Inco cuja tradução nos diz: ―juntas somos melhores‖. Agora cabe questionar

melhor para quem? Um melhor futuro para quem?

Fonte: www.vale.com

63

www.diariodopara.com.br

94

Obviamente, qualquer atividade de mineração gera rejeitos que devem ser

condicionados adequadamente em um lugar que impacte ou prejudique na menor escala

possível. Aí se encontra o problema: a Vale argumenta ―sustentavelmente‖ que a melhor

maneira de se desfazer dos rejeitos da sua refinaria é descartando-o com ―responsabilidade

social, econômica e ambiental‖ no lago de Sandy Pond! Nas palavras de Catherine

Coumans64

:

Canadá não deve prover às indústrias mineradoras subsídios incomensuráveis

sacrificando reservatórios de água naturais para se tornarem reservatórios de

rejeitos[...] Destruir Sandy Pond não é claramente praticar desenvolvimento

sustentável e nem mesmo pode ser considerada uma boa prática em se tratando de

reservatórios de rejeitos, uma vez que Vale Inco sabe de antemão que Sandy Pond

irá dispersar rejeitos em águas subterrâneas, criando uma pluma contaminante. Além

disso, a lagoa irá requerer barragens para segurar os rejeitos e essas barragens

precisarão ser mantidas para sempre (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, p.122).

Seria irônico se não fosse triste. A destruição do lago Sandy Pond, através do lixo

tóxico oriundo da refinaria de níquel, ocasionará um desequilíbrio ecológico em um sistema

natural que não pode ser substituído, sem falar que trará conseqüências desastrosas para a

pesca na região.

9.2 Operador sustentável

Um dos três pilares da Vale é o operador sustentável. ―Operar com sustentabilidade é

atuar com consciência e responsabilidade socioeconômica e ambiental em todo o ciclo de vida

das nossas atividades. É criar ―V.A.L.O.R.‖ (VALE, 2009a, p. 1).

Principalmente ―V.A.L.O.R. D.E. T.R.O.C.A.‖, diga-se de passagem. A atividade da

Vale é criar valor de troca para seus acionistas, isso sim é operar sustentavelmente, no qual a

sustentabilidade é a das ações que operam nas bolsas de valores de São Paulo e Nova York.

Vamos então analisar ―letra por letra‖, primeiro o ―V‖, que significa: Valor para stakeholders

(partes interessadas).

Proporcionar o maior retorno possível aos acionistas, manter relações e condições

justas de trabalho para empregados e contratados, buscar parcerias de longo prazo

com fornecedores que tragam ganhos para ambas as partes, garantir maior

confiabilidade de suprimento e de valor de uso para nossos clientes, além de

contribuir com o desenvolvimento sustentável das comunidades, regiões e países

onde operamos, mantendo um relacionamento e diálogo permanente e aberto com

nossos stakeholders (VALE, 2009a, p. 1).

64

Pesquisadora coordenadora do Minning Watch Canadá (Observatório da Mineração - Canadá)

95

As partes interessadas, notadamente, não são as comunidades as quais a Vale agride,

ou melhor, atua, mas sim os seus clientes, fornecedores e acionistas que usufruem dos

produtos originados, permitindo que a Vale crie valor de troca para ela mesma, possibilitando

assim ―o maior retorno possível para os acionistas‖ (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA

JÚNIOR, 2010a).

Focalizemos quando a Vale fala em ―manter relações e condições justas de trabalho

para empregados e contratados‖: com a compra (por US$19 bilhões) da Inco, a mineradora

canadense, em 2006 a Vale se tornou a maior produtora mundial de níquel. Todavia, o alto

custo da operação aumentou o endividamento da Vale para US$ 22 bilhões em 2006 (Godeiro

et.al.2007).

A Vale quer fazer com que as pessoas creiam que o problema é o custo do trabalho,

ao invés dos preços de commodities abaixo do esperado, combinados com o custo de

aquisição da Inco (que ela não deveria ter pago). A Vale quer manipular uma

situação econômica temporária para impor a filosofia de que as empresas têm apenas

um dever limitado de compartilhar de forma expressiva seus ganhos com os

trabalhadores, e de que não têm responsabilidades de longo prazo para com os

trabalhadores e suas comunidades.

As exigências da Vale incluem: uma redução no abono vinculado ao preço do

níquel; a eliminação do plano de pensão tradicional (com benefícios definidos) para

novos funcionários; e uma redução dos direitos dos trabalhadores no local de

trabalho quanto ao agendamento e a alocação de tarefas. Ao mesmo tempo, a Vale

tem falado em reduzir ainda mais o número de empregos e já começou a implantar

um sistema global de compras de insumos, cortando, assim, seus laços com muitas

empresas locais de serviços de mineração (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, pp.104-

105, grifos nossos).

Como se observa, a diretoria da Vale distorce o conceito de justiça. A única justiça

que a vale concebe é castigar os trabalhadores em virtude da crise econômica. O exclusivo

retorno que a empresa ―cada vez mais verde e amarela‖ dá aos seus trabalhadores canadenses

é uma política agressiva que objetiva romper direitos trabalhistas. As parcerias de longo prazo

dissolveram-se em um momento de crise econômica e agora a empresa quer os trabalhadores

e as comunidades do Canadá paguem por essa crise. Não obstante, os ganhos são para seus

acionistas e o prejuízo afeta trabalhadores e comunidades.

Passemos para letra A, que significa: Antecipação e prevenção de falhas.

Atuar preventivamente, visando evitar falhas de processo, poluição ambiental,

acidentes de trabalho, riscos ocupacionais à saúde, e minimizar impactos sociais e

ambientais negativos. Aplicar em todos os projetos de investimento e operações da

empresa uma análise prévia de gestão de riscos, impactos e oportunidades nos

aspectos ambiental, social e econômico. Investir e utilizar tecnologias que

permitam – a custo compatível – maximizar a eco-eficiência, a segurança e a

sustentabilidade dos processos produtivos, produtos comercializados e modais de

transporte (VALE, 2009a, p. 1, os grifos são meus).

96

O que a Vale chama de impactos sociais e ambientais negativos, que ela julga querer

minimizar, são os danos provocados por suas siderurgias e pela atividade mineradora, que

acaba por deflagrar conflitos ambientais nos locais onde a referida empresa se instala. Note-se

que, na citação acima, a Vale também aborda e reduz a problemática ambiental a um simples

problema tecnológico (MARTÍNEZ ALIER, 2007). É interessante perceber que a Vale

aponta também que estas tecnologias, têm como função maximizar a eco-eficiência. Mas o

que é essa eco-eficiência? Segundo Martínez Alier (2007, pp.26-27, os grifos são nossos):

Sua atenção está direcionada para os impactos ambientais ou riscos à saúde

decorrentes das atividades industriais, da urbanização e também da agricultura

moderna. [...] se preocupa com a economia em sua totalidade. Muitas vezes defende

o crescimento econômico, ainda que não a qualquer custo. Acredita no

“desenvolvimento sustentável”, na ―modernização ecológica‖ e na ―boa utilização‖

dos recursos. Preocupa-se com os impactos da produção de bens e com o manejo

sustentável dos recursos naturais, e não tanto pela perda dos atrativos da natureza ou

dos seus valores intrínsecos. Os representantes dessa segunda corrente utilizam a

palavra ―natureza‖, porém falam mais precisamente de “recursos naturais”, ou até

mesmo “capital natural” e “serviços ambientais” [...] esse credo é atualmente um

movimento de engenheiros e economistas, uma religião da utilidade e da eficiência

técnica desprovida da noção de sagrado.

É preciso ter cuidado para que não se tenha uma noção romântica da natureza, uma

noção ―rousseauniana‖ por assim dizer. Como bem frisou Martínez Alier, essa eco-eficiência

pode ser expressa por uma operação matemática simbólica: eco-eficiência = empresa +

desenvolvimento sustentável. Essa fé cega na técnica, que tudo pragmatiza, acaba por ter uma

visão utilitarista da natureza, pois ao quantificá-la e mensurá-la - como fazem engenheiros e

economistas -, converte-a em serviço, em capital (principalmente) e em recurso. O valor

intrínseco é modificado em valor de troca; o desenvolvimento sustentável é atingido com a

negação do ócio através da indústria, uma vez que os impactos ambientais são resumidos em

retorno aos acionistas.

Sobre a poluição ambiental cabe destacar que a Vale omite em seu Relatório de

Sustentabilidade 2007 (que cobre os anos de 2005 a 2007), a emissão de poluentes em suas

atividades, algo em torno de 15.549 toneladas somente na cidade de São Luís para o ano de

2005 (NOTÍCIAS STEFEM, 2010, p.3).

Passemos à letra L, que significa Legislação como base: melhoria contínua.

Atuar em plena conformidade com a legislação e demais requisitos aplicáveis e

buscar melhorias contínuas que nos levem, em todos os territórios de atuação, a

superar progressivamente padrões internacionais em saúde e segurança, condições

de trabalho, gestão ambiental, relações trabalhistas e respeito aos direitos humanos

(VALE, 2009a, p. 1).

97

Cabe destacar que as notificações do Ministério Público do Trabalho, no ano de 2007,

levaram a empresa a rever sua política de terceirização65

e contratação de fornecedores da

cadeia produtiva. Em agosto do referido ano, a Vale anunciou ―o corte no fornecimento para

usinas que não respeitam as legislações ambientais e trabalhistas em vigor no Brasil‖. A

decisão atingiria a Companhia Siderúrgica do Pará (Cosipar) e a Usina Siderúrgica de Marabá

S/A (Usimar)66

. A Vale informou que estará monitorando de forma mais efetiva seus

fornecedores e terceirizados, com o objetivo de ―que as leis e as convenções de direitos

humanos sejam incorporadas à cadeia de fornecimento e ao ambiente de trabalho‖ (VALE,

2009c, p. 95).

Em Moçambique o Projeto de Carvão Moatize que irá explorar carvão metalúrgico e

carvão técnico deslocará aproximadamente 1.100 famílias. Com efeito, várias serão as

conseqüências desse projeto: alto custo social, perda de terras, ―impactos na saúde devido à

poeira e ao ruído, mudanças radicais nas culturas tradicionais como exumação de corpos e

deslocamento de atividades econômicas locais‖ (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, p.127). Além

disso, a Vale pretende exportar minério de ferro para a China e Omã. Com a produção de 1

milhão de toneladas por ano a serem exploradas das minas no distrito de Monapo, província

de Nampula, espera-se arrecadar US$ 100 milhões. As minas possuem um período estimado

em 28 anos e a geração de 800 postos de trabalho67

.

Avancemos à letra O, que significa Organização e Disciplina.

Trabalhar de forma organizada e disciplinada, adotando práticas rigorosas de

planejamento, execução, monitoramento e ação corretiva, buscando o uso

responsável e eficiente dos recursos naturais. Em termos de responsabilidade

sobre o produto, incentivar o uso, re-uso, reciclagem e disposição final dos nossos

produtos e sub-produtos, incluindo, quando estiver ao alcance da Vale, o design

responsável (VALE, 2009a, p. 1, os grifos são nossos).

Note-se que a Vale, uma representante do evangelho da eco-eficiência, tal como

concebido por Martínez Alier (2007), emprega o termo recursos naturais em vez de

natureza, reafirmando assim que a sua organização, disciplina, planejamento, execução e

monitoramento de atividades traduz-se na eficiência com que trata e utiliza da natureza, que

65

É bom deixar claro que a adoção de políticas de terceirização de empregos se reflete em uma estratégia

econômica que retira a responsabilidade da empresa e precariza as relações de trabalho e emprego.

66

Consultar Vale do Rio Doce anuncia corte de fornecimento a siderúrgicas (23/08/2007)

http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1153. Bem como, MPT exige cumprimento da lei e questiona

terceirizações da Vale (20/09/2007) http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1186.

67

http://www.macauhub.com.mo/pt/news.php?ID=9472

98

por sua vez é vista como recurso, um meio para atingir um fim. Passemos à letra R, que

significa: Respeito e Ética nos Negócios.

Trabalhar de forma ética e respeitosa em todos os países e regiões onde atuamos.

Buscar excelência na nossa governança corporativa, nos processos operacionais, na

qualidade dos produtos e relacionamentos com partes interessadas. Difundir a

atuação sustentável na nossa cadeia produtiva. Adotar padrões e práticas globais de

sustentabilidade, respeitando a soberania de cada país e a legislação local (VALE,

2009a, p. 1).

Mais uma postura do ―ecologicamente correto‖ da Vale. Só quem conhece o habitus

ambiental da Vale é que pode contradizê-la na prática. Por exemplo: porque não são

registrados os mortos por atropelamento ao longo da ferrovia (numa média de um morto por

mês) como bem informou Cláudio Bombieri (VIAS DE FATO, 2010)? Ou quando a Vale e

suas empresas terceirizadas não pagam as horas in itinere dos trabalhadores68

(NOTÍCIAS

STEFEM, 2010, p.8)? Sem falar das siderurgias vinculadas ao Projeto Carajás que são

abastecidas pela extração em larga escala de madeiras. Como a Vale pode falar em ética uma

vez que tal palavra não devolve as vidas que foram subtraídas em suas ferrovias?

Em Parauapebas (PA), a Justiça do Trabalho condenou a Vale a pagar R$ 300 milhões

em virtude dos trabalhadores diretamente contratados pela Vale ou por empresas que prestam

serviço a ela (terceirizadas) gastarem um mínimo de duas horas de deslocamento para ir e

voltar às minas, valor este que não era remunerado ou descontado da jornada de trabalho. A

Empresa declarava que não era sua responsabilidade o transporte dos trabalhadores, haja vista

é um espaço público fora dos seus limites, e que, portanto, devia ser feito pelo sistema

público. Ela apenas esqueceu-se que o seus trabalhadores são privados, e não públicos, o que

reafirma a competência da Vale a questão das horas in itinere.

Em todo caso, dos R$ 300 milhões, R$ 100 milhões são por danos morais coletivos e

mais R$ 200 milhões por dumping social. O juiz Jônatas Andrade acatou ação do procurador

José Adilson Pereira da Costa do Ministério Público do Trabalho contra a empresa por

considerar que a gigante da mineração estava lucrando indevidamente sobre a exploração

indevida de seus empregados e prestadores de serviço na região da província mineral de

Carajás. Com isso a Vale teria economizado um valor superior a R$ 200 milhões nos últimos

68

A assessoria jurídica do STEFEM está movendo ações cobrando da Vale e empresas terceirizadas as

denominadas horas in itinere devidas aos trabalhadores, as quais, de acordo com o advogado Guilherme Zagallo,

a Vale se nega a pagar e ainda obrigava as empresas terceirizadas a também não pagarem. [...] Para o causídico,

as ações tem tido sua importância, pois já obrigou a Vale mudar de comportamento com relação às horas in

itinere modificando o horário de chegada e saída dos ônibus. Para os reclamantes, o início de uma vitória, uma

vez que eram obrigados a esperar entre 50 a 60 minutos no local de trabalho, o normal é 15 minutos, quando

poderiam estar com seus familiares (STEFEM, 2010).

99

cinco anos, praticando concorrência desleal em detrimento da qualidade de vida dos seus

empregados. Esse valor decorrente de dumping social deverá ser depositado no Fundo de

Amparo ao Trabalhador como reparação à sociedade e ao mercado. Os R$ 100 milhões

relativos ao dano moral coletivo, segundo a sentença, terão que ser revertidos à própria

comunidade afetada (o que inclui todos os municípios da província mineral de Carajás e não

apenas Parauapebas) através de projetos derivados de políticas públicas de defesa e promoção

dos direitos humanos do trabalhador69

.

Segundo Lúcio Flávio Pinto, em matéria intitulada ―Mais uma vez, é a Vale quem

ganha em Carajás‖, no acordo promovido em Belém, pela justiça do trabalho, a empresa

finalmente reconheceu o direito dos trabalhadores. Eles receberão diariamente um adicional

pelos 44 minutos gastos até a mina de ferro de N4, 54 minutos até a jazida de cobre do

Sossego e 80 minutos até a mina de manganês do Azul. A empresa terá também de quitar o

débito acumulado nos últimos 42 meses (crédito em favor dos empregados retroativo a

fevereiro de 2007, provavelmente data-base). Pelo acordo, a Vale também promoverá ações

sociais no montante mínimo de R$ 26 milhões (pouco mais de 10% do valor definido na

sentença judicial apenas pelo "dumping social"). Até março de 2012 implantará em

Parauapebas uma unidade do Instituto Federal do Pará (antiga Escola Técnica) para cursos de

mecânica e eletroeletrônica e, até março de 2011, uma escola modelo no município. O acerto,

porém, foi ainda mais vantajoso para a Vale. Condenada inicialmente a desembolsar R$ 300

milhões, o total dos seus gastos ficará muito abaixo do mínimo que a súmula 34 do Tribunal

Superior do Trabalho garante ao empregado nesses acordos, que é de 60% do valor da

condenação, ou, nesse caso, R$ 180 milhões. Mesmo considerando apenas os R$ 200 milhões

atribuídos como pena à prática do "dumping", o pagamento do itinerário dos funcionários será

bem inferior aos R$ 154 milhões de diferença entre as ações sociais, de R$ 26 milhões, e a

pena legal.

69

http://blogdosakamoto.uol.com.br/

100

9.3 Catalisador do desenvolvimento local

Até o presente momento pudemos perceber que o operador sustentável da Vale é,

verdadeiramente, um operador, no mínimo, questionável. Isso porque opera e converte a

natureza em um recurso; e objetiva tornar sustentável a agregação de valor, o retorno para os

acionistas e a forma como ela desenvolve a sua atividade mineradora (RIBEIRO JUNIOR;

SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a).

Após reduzir a problemática ambiental a um problema tecnológico (como se essa

tecnologia não fosse ―filha‖ da matriz de racionalidade crematística), a Vale se apresenta

como um ―Catalisador do desenvolvimento local‖, ao informar que quer ―ir além da gestão

dos impactos de nossas operações e projetos, contribuindo voluntariamente e através de

parcerias com governo e sociedade para o desenvolvimento L.O.C.A.L.‖ (VALE, 2009a, p.

2). De início, percebe-se que a Vale se auto-intitula uma empresa que acelera o

desenvolvimento local. Como a maioria das pessoas possui uma noção positiva do

desenvolvimento, isto já qualifica (erroneamente) de antemão a Vale como instituição que

produz benefícios para a localidade na qual ela se instala. Mas o ponto que é preciso alertar é

sobre a ideia de desenvolvimento.Segundo Porto-Gonçalves (2006b, p. 81):

Des-envolver é tirar o envolvimento (a autonomia) que cada cultura e cada povo

mantém com seu espaço, com seu território; é subverter o modo como cada povo

mantém suas próprias relações de homens (e mulheres) entre si e destes com a

natureza; é não só separar os homens (e mulheres) da natureza como, também,

separá-los entre si, individualizando-os. Não deixa de ser uma atualização do

princípio romano - divide et impera - mais profunda ainda, na medida em que, ao

des-envolver, envolve cada um (dos desterritorializados) numa nova configuração

societária, a capitalista.

Sim, essa é a essência do desenvolvimento: é des-envolver. É retirar a autonomia que

cada cultura mantém com seu lugar.

Por isso, seria interessante pensar numa perspectiva de pós-desenvolvimento

(ESCOBAR, 2005b): isso significa, ao pé da letra, tornar póstumo o desenvolvimento, abdicar

dessa palavra canonizada pelas ciências e pelo discurso político-ideológico, seja ele da direita

ou da esquerda. Dessa forma, numa ótica pós-desenvolvimentista, daríamos espaço a

racionalidades econômicas, ecológicas e culturais que estão do outro lado da margem, que não

são modernas, ou seja, não obedecem à lógica do capital: tal como a racionalidade econômica

dos camponeses, a racionalidade ecológica dos indígenas, dentre outros.

E a Vale, como ela mesma se intitula catalisadora do desenvolvimento, não foge a esta

assertiva. Nos lugares onde ela se instalou, especificamente em São Luís, ela subverteu a

101

relação que os habitantes de determinados bairros (próximos ao Porto do Itaqui, como é o

caso do Alto da Esperança) tinham com a Natureza, com o seu habitat, acabando por agravar

a situação urbana e social da capital maranhense. Ao se instalar em São Luís, a Vale

desterritorializou inúmeros maranhenses direta e indiretamente. Diretamente aqueles que

habitavam o local onde a empresa se alojou, indiretamente os camponeses que deixaram o

interior maranhense em busca de emprego e melhores oportunidades. Depois de

desterritorializados foram inseridos precariamente em uma nova configuração societária, a do

capital moderno (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a). Não olvidemos que

modernizar é colonizar, como nos ensina Edgardo Lander, e, portanto traz todas as

implicações possíveis por se ―estar na moda‖.

Mas, continuemos nossa análise letra por letra, iniciando pela letra L, que significa na

sigla: Licença social. ―Buscar o reconhecimento, a consulta e o envolvimento prévio à

implantação de novos empreendimentos dos stakeholders locais‖ (VALE, 2009a, p. 2).

Interessante perceber aqui que a licença, não é social, pois não é a sociedade em si que a

concede, mas sim os representantes dessa sociedade, que não atendem aos interesses da

sociedade do qual representam: o que desqualifica a ―licença social‖ da Vale.

Tomemos o exemplo de Belo Monte na qual a Vale, Andrade Gutierrez, Camargo

Corrêa, Odebrecht, Votarantim, GDF Suez e Alcoa estão interessadas na construção. A Usina

hidrelétrica de Belo Monte ―geraria apenas 39% dos 11.181 MW de potência divulgados,

devido à grande variação da vazão do rio‖ (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, p.24). Caso a UHE

Belo Monte seja realmente efetivada os impactos ambientais em torno da flora e fauna

terrestre e aquática serão gravíssimos, com destaque para a diminuição do número de peixes

existentes no Rio Xingu. Mais: os 24 grupos indígenas serão diretamente afetados em virtude

dessa obra faraônica que vem sendo chamada de ―Belo Monstro‖ (MAGALHÃES;

HERNANDEZ, 2009).

O MME, o IBAMA e o governo federal violaram direitos humanos ao não

realizarem as Oitivas (consultas) Indígenas, obrigatórias pela legislação brasileira e

pela Convenção 169 da OIT, que garantem aos indígenas o direito de serem

informados sobre os impactos da obra e de terem sua opinião ouvida e respeitada.

[...]

A Licença Prévia foi emitida pela presidência do IBAMA apesar do parecer

contrário dos técnicos do órgão. Alguns técnicos pediram demissão, outros se

afastaram do licenciamento e outros ainda assinaram um parecer contrário à

liberação das licenças para a construção da usina (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p.

24).

Aqui cabe reafirmarmos: paralelo ao envolvimento da empresa está o des-

envolvimento, ou seja, a empresa se ―autonomiza‖, toma para si o território das comunidades

102

(no caso de Belo Monte, os grupos indígenas), promovendo uma verdadeira razia contra a

cultura local. Ainda: onde está a licença social se os grupos indígenas que vivem diretamente

da floresta e do rio não foram consultados? E quanto aos mais de 100 mil pessoas que,

seduzidos pela obra faraônica, irão causar desmatamento e pressão por recursos numa região

que tem cerca de 70% do seu território protegido (MAGALHÃES; HERNANDEZ, 2009)?

Passemos à letra O, que denota: Ordenação para o desenvolvimento. ―Contribuir para

a construção de planos e ações específicos voltados para o desenvolvimento ordenado e

sustentável das regiões onde atuamos‖ (VALE, 2009a, p. 2). Difícil não lembrar do lema de

August Comte: [Amor], ―Ordem e Progresso‖, tão visível na bandeira do Brasil. Na assertiva

da Vale o progresso é ―substituído‖ pelo des-envolvimento, que precisa de ordem para ser

efetivado. Sendo assim, se ordenação é des-envolvimento, desordem é envolvimento.

Estamos diante, portanto, de um complexo jogo de palavras. A ordenação de que nos fala a

Vale é direcionada para a reprodução do capital e para a retirada de autonomia da população

com relação a seu território. Isso é des-envolvimento. Para tanto, esta ordem, a ordem do

capital moderno, precisa ser mantida, pois desordem é regresso. Então, a Vale aponta que

contribui para a construção de planos e ações específicos voltados para o desenvolvimento

ordenado, ou seja, para a retirada ordenada da autonomia territorial das comunidades,

consequentemente, ela tenderá a sustentar tal ordem de desenvolvimento!

Seguindo nosso ―alfabeto valiano‖ temos a letra C que expressa: Comunicação e

engajamento. ―Manter comunicação e diálogo amplo, transparente, permanente e estruturado

com stakeholders, respeitando a diversidade e as culturas das regiões onde atua, e

considerando suas demandas nas decisões gerenciais da empresa‖ (VALE, 2009a, p. 2). De

fato, com as partes interessadas (stakeholders), principalmente os acionistas, a Vale com

certeza deve manter um diálogo amplo, transparente, permanente e estruturado. Todavia o

respeito à diversidade e as culturas das regiões onde ela se estabelece é altamente

questionável.

É o caso da Companhia Siderúrgica do Atlântico. Neste exemplo a Vale (27%) detém

a parte minoritária da joint venture com a ThyssenKrupp (73%) para produção de 5,5 milhões

de toneladas/ano de placas de aço (tal planta siderúrgica é será a maior da América Latina),

utilizando carvão mineral da Colômbia (4 milhões de toneladas/ano) e localizada no

município de Itaguaí (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Formam o conglomerado:

Uma usina siderúrgica integrada, uma termoelétrica para a geração de 490 MW de

energia elétrica e um porto com dois terminais composto por uma Ponte de Acesso

de 3,8 Km e um Píer de 700 m que atravessa o manguezal e o oceano. Toda a

produção do conglomerado será destinada à exportação: 2 milhões de toneladas para

103

a Alemanha, para serem processadas, e cerca de 3 milhões para os mercados dos

Estados Unidos, México e Canadá (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, p.68).

Não obstante, a área onde localizará tal empreendimento, a baía de Sepetiba, é uma

área de belezas naturais, diversidade cultural, concentra população negra e pobre, sendo uma

região deficitária em serviços públicos e alto índice de desemprego. Some-se a isso a alta

quantidade de poluentes emitidos (229.758 toneladas monóxido de carbono e 21.540

toneladas de dióxido de enxofre) pari passu à diversificação ecossitêmica da área que

compreende desde florestas a restingas - como a da Marambaia - e manguezais

(ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Além disso: ―Podem ser encontradas áreas remanescentes da

Mata Atlântica, principalmente na Serra do Mar, considerada atualmente uma das 25 áreas

mais importantes para a conservação da biodiversidade em todo o mundo (ORGANIZAÇÕES

et al., 2010, p. 69).

Em seguida temos a ―letra A‖, que exprime: Alianças Estratégicas. ―Estabelecer

alianças com atores estratégicos de diferentes setores – público, privado e sociedade civil –

para a articulação e planejamento de programas de desenvolvimento local integrado‖ (VALE,

2009a, p. 2). Não olvidemos que aliança simboliza união, um pacto, um acordo entre, no

mínimo, duas partes. Sendo assim, bem como a Vale merece ser criticada, o Estado também

merece, em outro momento (já que não é o hipocentro do nosso trabalho) uma análise mais

radical a respeito dessa aliança com empresas. Estratégia também merece uma anotação, já

que ela se preocupa essencialmente com ―a gestão [administração] da guerra e com a

segurança pública‖ (VESENTINI, 2007, p. 10). De fato, no capitalismo vivemos um eterno

período de crises e guerras, sendo necessárias estratégias que garantam a sobrevivência no

seio da relação desarmônica cognominada competição. Então, o que esperar de uma aliança

estratégica entre a Vale e o Estado? Possivelmente um pacto, uma união, um casamento, no

qual ambos tornam seus olhos para a gestão da guerra, mas esquecem-se da ―segurança

pública‖, ou seja, não garantem as ―benesses da guerra‖ pelo capital. Dessa forma, quando se

configura uma aliança estratégica entre Estado e Empresa (Vale) torna-se muito mais fácil

aliar interesses, guerrear contra a sociedade civil para que a autonomia local seja

desintegrada, des-envolvida.

Com efeito, dificilmente a Vale seria a empresa que é hoje se não fosse o Estado

brasileiro. Desde isenções fiscais concedidas por governos estaduais, municipais, passando

104

pelo financiamento do BNDES70

(que financia o plano quinquenal), o Estado brasileiro

sempre desempenhou da melhor maneira possível suas políticas governamentais que

favoreceram direta e indiretamente o desempenho econômico da Vale, bem como fortaleceu

as bases para sua internacionalização (GODEIRO et al., 2007).

No Brasil, o modo e a escala de operação da Vale, baseados em grandes projetos

voltados à produção de enormes excedente para atender prioritariamente ao mercado

internacional, exige a intermediação do Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social (BNDES), o principal instrumento para financiar o modelo

econômico nacional. O BNDES participa simultaneamente do controle acionário da

Companhia e no fornecimento de fundos para investimentos e para capital de giro da

Vale. É através do BNDES e da BNDES Participações, subsidiária do Banco para o

mercado de capitais, que o Estado ainda mantém uma herança do tumultuado

processo de privatização da companhia (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 22).

Depois que a companhia foi privatizada pelo então presidente Fernando Henrique

Cardoso, a maior parte das ações passou para o controle da Valepar...

[...] uma sociedade financeira criada por empresas interessadas em comprar o pacote

majoritário da Vale. Em 2007, a Valepar detinha 53,3% do capital ordinário da

empresa, sendo o BNDESPar responsável por 6,8% das ações. O restante

encontrava-se distribuído entre investidores diversos, sendo 27% não brasileiros e

12,9% brasileiros (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 19).

Todavia, apesar do governo brasileiro possuir somente 3,3% das ações, tais ações são

especiais, pois são golden share, o que dá direito a veto em decisões estratégicas da

companhia. Essas ações preferenciais de classe especial ―titularidade da União Federal, que

dão ao Estado brasileiro os mesmos s direitos que possuem os detentores de ações

preferenciais Classe A [...] (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 19).

As ações de ouro significam poder de veto nas decisões relativas a: 1. alteração da

denominação social da companhia. 2. mudança da sede social. 3. mudança do nosso

objeto social relativamente à exploração de jazidas minerais. 4. liquidação da

empresa. 5. qualquer alienação ou encerramento das atividades de uma ou mais das

seguintes etapas dos sistemas integrados da exploração de minério de ferro, jazidas

minerais, depósitos de minério, minas, ferrovias, portos e terminais marítimos. 6.

qualquer modificação dos direitos atribuídos às espécies e classes das ações de

emissão da Companhia. 7. qualquer modificação de quaisquer dos direitos atribuídos

pelo Estatuto Social à ação preferencial de classe especial (ORGANIZAÇÕES et al.,

2010, p. 19).

Este quadro geral da relação entre a Vale e o Estado brasileiro dá uma boa dimensão

das relações existentes entre esses dois grandes atores que atuam no campo político-

econômico e socioambiental. Os interesses que estes atores possuem entre si, dificilmente

materializam-se em interesses da sociedade.

70

O BNDES destinou a Vale, em 2008, um empréstimo da ordem de R$ 7 bilhões. no entanto, como já foi citado

aqui, a Vale, se valendo da recessão econômica, demitiu seus trabalhadores.

105

Por fim, mas não menos importante, na parte do catalisador do desenvolvimento local,

o ―alfabeto valiano‖ encerra com a letra L que expressa: Legado Regional.

Trabalhar de forma articulada para gerar um legado positivo nas regiões onde a Vale

atua, buscando a maximização do desenvolvimento socioeconômico através do ciclo

mineral, contribuindo com a diversificação econômica, com o desenvolvimento

social e com a promoção da conservação e recuperação do meio ambiente (VALEa,

2009, p. 2).

Aquilo que a Vale transmite para a sociedade maranhense, em especial a ludovicense,

a sua herança, são os problemas referentes à submoradia, deficiência de saneamento básico e

poluição, entre outros. A maximização da retirada da autonomia da sociedade e da economia

(o Estado sujeito aos Grandes Projetos como motores do des-envolvimento) é,

paradoxalmente, uma forma de tratar o ambiente como um meio, um meio para atingir um

fim.

9.4 Agente global de sustentabilidade

Chegamos à parte final da Política de Desenvolvimento Sustentável da Vale. Até aqui

já temos uma boa noção do que significa essa política: uma política que visa retirar a

autonomia que as comunidades possuem e mantém com seu espaço geográfico (socionatural).

Nesta última parte, a Vale se intitula um Agente Global de Sustentabilidade, em suas próprias

palavras:

A atuação G.L.O.B.A.L. parte do reconhecimento de que determinados temas

globais de sustentabilidade podem afetar nossos negócios, e de que a Vale - como

uma das empresas líderes globais no setor de Mineração - pode contribuir para a

promoção internacional de boas práticas de sustentabilidade (VALE, 2009a, p. 2).

De fato, a atuação da Vale é global, assim como também são seus impactos. Mais do

que reconhecer-se enquanto tal, mais do que apenas se preocupar com a capacidade que um

determinado tema pode afetar os seus negócios, especialmente o setor de mineração, as ―boas

práticas de sustentabilidade‖ da Vale sustentam apenas os seus negócios; para tanto uma

verdadeira prática de sustentabilidade requer uma teoria sustentável, que implica, por

conseguinte uma racionalidade ambiental (LEFF), ao contrário da racionalidade crematística

da qual está impregnada a referida empresa (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR,

2010a).

Observe-se que ao intitular-se um agente global de sustentabilidade, a Vale constrói e

concebe um mundo que negligencia práticas e perspectivas baseadas-no-lugar (ESCOBAR,

106

2005b). Com efeito, torna-se praticamente impossível pensar-se em sustentabilidade

ambiental, tampouco em desenvolvimento, uma vez que, as práticas ecológicas e econômicas

gestadas no capitalismo e na modernidade são por si só insustentáveis e des-envolvimentistas

(no sentido de retirada de autonomia da dimensão local). Gostaríamos de abdicar de analisar a

Política de Desenvolvimento Sustentável utilizando como método o ―alfabeto valiano‖, mas

ela nos faz mais uma vez utilizar deste meio.

A letra G do ―alfabeto valiano‖ aparece-nos pela primeira vez e significa: Garantia de

Transparência. Em suas palavras: ―Garantir transparência quanto às políticas, procedimentos,

práticas e desempenho da empresa em relação aos aspectos sociais, ambientais, econômicos e

de governança junto às partes interessadas globalmente‖ (VALE, 2009a, p. 2). Transparência,

com toda certeza, não é uma palavra que combina com a Vale; se fosse assim porque ela

haveria de omitir informações extremamente relevantes do sítio do Ibase, no que tange aos

investimentos para tornar mínimo resíduos e aumentar a eficácia na utilização dos recursos

naturais71

? Onde estão os ―raios de luz que atravessam‖ a Vale quando ela não disponibiliza

no balanço social, as informações relativas ao exercício da cidadania? Da mesma forma que

ela deturpa a sustentabilidade, vemos a Vale deturpar o conceito de transparência confundido-

o com o de opacidade.

A letra L que é uma das letras que a Vale mais gosta, talvez por ser a letra que no

alfabeto português principia a palavra LUCRO; exprime aqui: Liderança. ―Buscar liderança

nas discussões internacionais setoriais ligadas aos aspectos do desenvolvimento sustentável

mais afeitos aos nossos negócios e operações‖ (VALE, 2009a, p. 2). O objetivo é, então,

liderar as discussões internacionais relacionadas ao desenvolvimento sustentável mais

habituados e acostumados aos negócios e operações da referida empresa. Observe-se, todavia,

que a Vale, em momento algum, busca liderar as discussões acerca dos impactos ambientais

71

O Instituto Brasileiro de Análise Sociais e Econômicas – Ibase incluiu em sua linha programática o tema da

responsabilidade social e ética nas organizações, com o objetivo de consolidar parcerias com organizações no

Brasil e, nos demais países da América Latina, e cobrar uma postura ética, práticas responsáveis e transparência

no meio empresarial e nas organizações da sociedade civil. Para tanto, o Ibase está desenvolvendo dois projetos:

o de Responsabilidade Social das Empresas (RSE) e Balanço Social. De acordo com a metodologia do balanço

social, as empresas e organizações devem apresentar as informações em um padrão mínimo, destacando os dados

que possam ser expressos em valores financeiros, ou de forma quantitativa, aquilo que elas investem em

educação, saúde, cultura, esportes e meio ambiente (GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 12). De acordo com o

referido balanço social, a quantia total (absoluta), aplicada em investimentos de ordem ambiental, cresceu

expressivamente no período de 1998-2007, passando de 17 milhões para 761 milhões de reais, ou seja, um

aumento de quatro vezes por ano. Aos olhos dos leigos isso pareceria uma maravilha, e de prontidão eles diriam

que a Vale investe absurdamente dada à prova concreta. Todavia, em se analisando os valores relativos acerca da

receita líquida da empresa, é possível ter uma dimensão da expressividade dos ―Investimentos em Meio

Ambiente‖: 0,50% em 1998; 0,43% em 1999; 1,16% em 2000; 0,77% em 2001; 0,7% em 2002; 0,76% em 2003;

0,57% em 2004; 0,56% em 2005; 1,01% em 2006 e 1,15% em 2007. ―Ressalta-se, ainda, que esses são valores

agregados, representando a totalidade despendida pela empresa, pulverizadas para em todas as suas unidades no

Brasil” (GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 15, os grifos são meus).

107

que ela causa, da pressão que ela exerce sobre as comunidades; são sempre os negócios e as

operações que geram LUCRO para seus acionistas que direcionam a ―racionalidade valiana‖

(RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a).

Sem falar que essa ―liderança é dupla‖: se de um lado ela ―busca liderar as discussões

internacionais‖ ela também pressiona lideranças que se opõem a quaisquer que sejam seus

projetos. É o que vem ocorrendo na Baía de Sepetiba (RJ) em virtude da aliança entre a Vale e

a ThyssenKrupp para a construção da companhia Siderúrgica do Atlântico.

Devido às constantes ameaças de morte feitas pelas milícias locais aos pescadores da

Baía de Sepetiba que se opunham ao projeto, um pescador, sob risco de perder a sua

vida, teve que se refugiar. A pressão sobre as lideranças se acentuaram ainda mais

quando as acusações de que alguns dos seguranças contratados pela empresa eram

contratados por grupos milicianos ficaram claras na audiência pública da

Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Um pescador está refugiado desde

fevereiro de 2009. Atualmente vive num local escondido e distante da Baía de

Sepetiba, sendo protegido pelo Programa Federal de Proteção aos Defensores dos

Direitos Humanos (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 77).

Por conseguinte, a letra O expressa: Observação de tendências. ―Monitorar e antecipar

tendências em temas globais de sustentabilidade‖ (VALE, 2009a, p. 2). Isso significa que as

tendências em sustentabilidade devem ser observadas. Para fazer isso, a Vale monitora,

digamos, o ―Observatório Ambiental‖, a situação ambiental mundial, já que ela se declara

uma ―agente global de sustentabilidade‖. Isso explica em parte a crença da Vale no evangelho

da eco-eficiência; isso porque a questão ambiental é, em sua visão, uma questão tecnológica,

como vimos anteriormente. Esse raciocínio é muito simplório, é um verdadeiro sofisma, pois

se nós estamos questionando essa racionalidade econômica, que produziu essas técnicas e

tecnologias, como é que estas técnicas e tecnologias podem solucionar o desafio ambiental se

elas [as técnicas e tecnologias] são fruto da racionalidade crematística, se são um

―problema do problema‖? A questão ambiental está como vemos, para além da simples

tecnologia.

Todavia, na cidade maranhense de Açailândia, instalou-se no ano de 2005 o

empreendimento Ferro Gusa Carajás (FGC). O problema é que a empresa controlada pela

Vale, que destina-se a sustentar a siderúrgica da vale em Marabá, através da produção de

carvão vegetal, se estabeleceu ao lado do assentamento Califórnia, com mais de 1.800

moradores assentados há 13 anos. Sabe-se que a atividade siderúrgica é uma das mais

poluentes e, não é difícil imaginar, o quanto os moradores de Califórnia estão sofrendo com

tal atividade por respirarem diariamente as fumaças provenientes das chaminés. Some-se a

isso o fato de que a Vale nem sempre monitorou a qualidade do ar.

108

A medição da qualidade do ar nem sempre foi efetiva. No Plano de Gestão da

Qualidade, o artigo previa a execução de um programa de avaliação da qualidade do

ar e de acompanhamento da operação do queimador. Conforme o Relatório de

Controle Ambiental, para a avaliação da qualidade do ar deveria ser monitorado o

parâmetro ‗partículas totais em suspensão‘ (PTS). Para isso, deveria ser instalado

um equipamento do tipo Hi-Vol a jusante da área do empreendimento, com relação à

direção predominante dos ventos (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 55).

Entre 2005 e 2009, os moradores do assentamento Califórnia respiraram a fumaça

venenosa emitida por todos os fornos em funcionamento. Não precisa ser médico para

imaginar os principais problemas de ordem médica que afetam a população: problemas

cardiorrespiratórios, epidérmicos, oftalmológicos, dentre outros. Por fim, foi somente em

2008 que dois medidores foram instalados. No entanto, até outubro de 2008, a Secretaria

Estadual de Meio Ambiente (SEMA) não havia sequer recebido um relatório oficial acerca da

poluição do ar (ORGANIZAÇÕES et al., 2010).

A letra B significa no ―alfabeto valiano‖: Boas Práticas. ―Adotar e desenvolver boas

práticas globais de sustentabilidade e contribuir com sua difusão no setor‖ (VALE, 2009a, p.

2). Advirta-se que a Vale centra a questão nas práticas. Isso, obviamente ela não faz sem

sapiência; ao centrarmos a discussão apenas nas práticas excetuamos a teoria que, de uma

forma ou de outra, exerce pesada influência sobre as práticas. É como centrar as análises

apenas nos efeitos e não nas causas. Um bom exemplo disso é o efeito estufa, em cuja

discussão se concentram os esforços no efeito, e não nas causas que originaram o efeito.

Boas práticas... Talvez as práticas da Vale no Canadá não sejam tão boas assim. Desde

julho do ano passado (2009) o USW (United Steelworkers - o sindicato dos mineiros) com

cerca de 3.500 trabalhadores está em greve em virtude da Vale, alegando a crise econômica

mundial, querer extinguir direitos trabalhistas dos canadenses. Cabe destacar que:

Logo após o começo da greve, a Vale trouxe para Sudbury uma empresa de

‗segurança‘ chamada AFI, que intimidou e assediou os trabalhadores sindicalizados

da seção local 6500 do USW. A Vale tentou limitar o direito do sindicato de montar

e manter piquetes. Ela está processando o sindicato e sua liderança, buscando

indenizações milionárias, e lançando mão de uma tática sem precedentes: processar

membros do sindicato individualmente. A Vale anunciou que operará as minas e

usinas de processamento com ―trabalhadores substitutos‖, isto é, com fura-greves!

Seria a primeira vez desde a formação do sindicato em Sudbury que a direção da

empresa tenta produzir durante um conflito trabalhista. A Vale inclusive já demitiu

alguns grevistas e deixou bem claro que estes funcionários nunca voltarão a

trabalhar lá (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 105-106, grifos nossos)

Esta política agressiva e anti-sindical da Valetrouxe conseqüências não apenas no que

tange ao aspecto trabalhista, mas também na perspectiva ambiental. A mineradora Inco, que

foi comprada pela Vale em 2006, e que originou a segunda maior produtora de níquel do

mundo, também não adotou boas práticas globais de sustentabilidade...

109

O descaso da Vale Inco quanto ao cumprimento de exigências e condicionantes

referentes aos direitos humanos teve seu auge em 2006 quando ela acabou sendo

retirada do índice FTSE4GOOD (índice internacional de empresas com as

melhores práticas de desenvolvimento sustentável). A companhia foi muito

criticada pela poluição que causava e pela forma como tratava as populações

indígenas e os trabalhadores. Residentes de Port Colborne, na província de Ontário,

Canadá, afetados pela refinaria de níquel da Vale Inco, estão atualmente

processando a empresa na maior ação judicial coletiva por danos ambientais na

história do Canadá (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 120, grifos nossos).

A letra A também se repete no ―alfabeto valiano‖. Aqui ela denota: atuação local,

visão global. ―Manter uma visão global de sustentabilidade alinhada com padrões de

desempenho internacionais, e atuar localmente, garantindo a adaptação e o respeito às culturas

e realidades locais‖ (VALE, 2009a, p. 2). É complicado pensar globalmente, até porque a

globalização em si, não é global. Pensar de maneira mundial ou global é pensar como os

príncipes da globalização, Estados e Empresas ocidentais que impõem um pensamento

único/global dificultando alternativas regionais e locais que não condizem com a realidade; é

uma verdadeira ocidentalização/estadunidização do mundo. Logo, se pensamos globalmente

nossas práticas também serão influenciadas por essa visão única, global. Não esqueçamos que

os grandes defensores do des-envolvimento sustentável são atores globais: Estados-Nações,

europeus norte - ocidentais, empresas multinacionais (como a Vale) e ONG de alcance

internacional. Então, se pensar globalmente é pensar unicamente, excetuando outras matrizes

de racionalidade, como refletir acerca das culturas e realidades locais, haja vista des-

envolvimento significa retirar a autonomia das culturas com seu espaço, da população com

seu território/lugar? Talvez se deva pensar em outra globalização: uma globalização que não

exclua a dimensão local ou a reduza à dimensão econômica para globalizar sob a égide de

uma matriz cultural (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a).

O lugar, portanto, afirma-se em contraposição ao espaço global; quiçá devêssemos

mesmo abdicar de falar em globalização: isso porque este fenômeno, gestado no capitalismo e

na modernidade, tende a reproduzir os seus preceptores, ou seja, a globalização é

capitalcêntrica (ESCOBAR, 2005b). Se o hipocentro do capitalismo é a globalização, o

epicentro da globalização é o desenvolvimento. Com efeito, são abalados (economias

camponesas), às vezes até destruídos (economias socialistas), qualquer tipo, modelo ou

possibilidade de desenvolvimento não capitalista. Superar a globalização, a modernidade, o

capitalismo, em uma palavra, o capitalcentrismo, é um passo gigantesco na mudança de

mentalidade e de habitus que ensejam racionalidades alternativas. Como diria Escobar

(2005b) ―o lugar - como cultura local - pode ser considerado ―o outro‖ da globalização‖. O

referido autor propõe, de certa forma, uma centralidade do lugar, haja vista isso possibilita

110

pensar de maneira distinta da perspectiva global, o meio ambiente, a cultura, a própria

globalização, o capitalismo e a modernidade.

Por fim, a última letra da ―Agente global de sustentabilidade‖ volta a ser a letra L que

significa: Legado para Gerações Futuras. Como não poderia deixar de ser ela termina com um

som esperançoso, como é a sonoridade do desenvolvimento sustentável.

Trabalhar de forma articulada para contribuir com a construção de um legado

positivo para as gerações futuras. Equilibrar os aspectos sociais, ambientais e

econômicos dos nossos negócios de forma a gerar valor de longo prazo para

acionistas, empregados, comunidades e governos nos países onde atuamos (VALE,

2009a, p. 2).

É interessante perceber como os agentes do capital, falam em gerações do futuro, mas

na verdade sua preocupação e suas ações refletem apenas o aqui e o agora.

O ano de 2008 foi um ano de crise econômica, um período de turbulência no mercado

financeiro mundial desencadeado pela crise imobiliária estadunidense, acarretando uma

diminuição no ritmo econômico nos mais variados setores.

―O segmento mínero-metalúrgico demonstra diminuição dos investimentos e retração

de pessoal. Notícias de demissões e férias coletivas já aparecem na Imprensa relacionadas às

operações da VALE e da Alumar‖ (IMESC, 2008b, p.28), ―que não pensaram duas vezes‖ em

demitir seus ―peões‖. Todavia, a receita bruta da Vale no referido ano alcançou ―US$ 38,5

bilhões, valor 16,3% superior ao registrado no ano anterior, enquanto o lucro líquido foi de

US$ 13,2 bilhões‖ (VALE, 2009c, p. 5).

Diante desse cenário, a Vale agiu proativamente, realizando cortes na produção,

prioritariamente em unidades operacionais de alto custo, e implementando novas

prioridades estratégicas, tais como minimização de custos, flexibilidade operacional

e financeira e combinação entre preservação de caixa e busca por rentáveis opções

de crescimento‖ (VALE, 2009c, p. 6).

Sendo assim, o que explica tal empresa demitir mais de 2 mil trabalhadores diretos72

e

12 mil terceirizados de um total de 120 mil trabalhadores em todo o mundo, sendo a metade

terceirizada73

, já que o lucro líquido fora de US$13,2 bilhões? O fazer e o falar estão cada vez

mais longe um do outro, e isso é uma estratégia discursiva. A herança da Vale em território

maranhense, seria esse um legado positivo? Um legado de submoradia, deficiência de

saneamento básico e poluição atmosférica. Equilíbrio socioambiental e equilíbrio

72

http://www.dgabc.com.br/default.asp?pt=secao&pg=detalhe&c=3&id=1685650 acesso em 27 de dezembro de

2009.

73

http://www.andes.org.br/imprensa/ultimas/contatoview.asp?key=5809 acesso em 27 de dezembro de 2009.

111

crematístico, juntos, é pura fantasia nesse modelo de racionalidade, uma vez que a

racionalidade nem econômica é, pois não cuida do aprovisionamento material da casa

familiar; a racionalidade é crematística, ou seja, estuda a formação dos preços de mercado,

para ganhar dinheiro. O valor da Vale é constituído ou convertido em valor de troca como já

salientamos (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a).

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS: Do Campo Discursivo ao Habitus Ecológico:

Responsabilidade Social Empresarial e Marketing ambiental

A compreensão dos processos que resultam das iniciativas de apropriação do discurso

contemporâneo, tanto da responsabilidade socioambiental, quanto do desenvolvimento

sustentável, solicita empenho total para se avaliar os desdobramentos do Programa Grande

Carajás (VALVERDE, 1989), que tinha no Estado Federal o verdadeiro motor do surto

desenvolvimentista (PORTO-GONÇALVES, 2005), pois era este quem financiava a

exploração dos recursos naturais (sociais).

Neste momento relacionamos modernidade, progresso74

e desenvolvimento, no qual

operamos com a apropriação do discurso contemporâneo enquanto mecanismo de

legitimidade de atuação. Isso nos sugere que trilhemos o caminho de ir do campo econômico

(principalmente) ao habitus ambiental.

Muitos autores já questionaram as ações empreendidas pela VALE em âmbito federal

(GRIGATO; RIBEIRO, 2006; XAVIER et al., 2008; FERREIRA, 2006), bem como as

conseqüências socioambientais no Maranhão e em São Luís (FEITOSA; TROVÃO, 2006;

ALVES; SANT‘ANA JÚNIOR; MENDONÇA, 2007; ZAGALLO, 2010).

Como é conhecido dos estudiosos do Maranhão, é a partir da segunda metade da

década de 1970 que se iniciou no referido Estado o período dos grandes projetos75

de

74

A noção de progresso corresponde a um crescimento econômico infinito e à prosperidade, através, entre

outros, do uso ilimitado de recursos naturais (COSTA, 2008. p. 89).

75

A governamentalidade dos grandes projetos situa-se na relação entre o local e o global: a exploração dos

recursos naturais locais transformando-os em recursos sociais globais, o que evidencia a divisão internacional do

trabalho, no qual o Brasil entra como colônia/periferia e o capital internacional como metrópole/centro. A função

dos grandes projetos é ―ancorar o progresso e a modernidade, levar a urbanização e a cidadania‖; e isso à época

passava prioritariamente pelas mãos do Estado Federal que garantia entre outras coisas a infraestrutura,

comunicação e o baixo preço pago por energia elétrica, como condição de competitividade frente ao mercado

mundial. ‖Os grande projetos, no entanto, estão estruturalmente ligados à divisão internacional do trabalho e se

mantêm até hoje na Amazônia. A energia elétrica de Tucuruí continua com preços subsidiados para as empresas

que exploram bauxita em Oriximiná, Barcarena e São Luís e para a vale do Rio Doce, com suas exportações de

ferro do Programa Grande Carajás. [...] O que se esconde no lingote de alumínio, ou no ferro exportado pela

Vale do Rio Doce, é a energia de Tucuruí, por exemplo‖ (PORTO-GONÇALVES, 2005, p. 117-118).

112

desenvolvimento que acabarão por delinear as diretrizes sociais e econômicas da unidade

federativa, promovendo a incursão da economia maranhense na dinâmica nacional.

Os grandes projetos foram desenhados a partir do II PND (Governo Geisel, 1974-

1978), sob a bandeira do Projeto Grande Carajás, com a instalação da Companhia

Vale do Rio Doce na Ilha do Maranhão, o aproveitamento da estrada de ferro

existente e a instalação da Alumar (consórcio multinacional voltado à produção e

exportação de alumínio em lingotes), além da expansão, com incentivos e subsídios

federais e estaduais de projetos agroindustriais tais como eucalipto e bambu para

celulose, pecuária bovina, cana de açúcar e álcool (HOLANDA, 2008, p.12).

Quando a antiga Companhia Vale do Rio Doce instalou-se no Maranhão, mais

precisamente em 1974, o Governo do Maranhão entregou terras próximas ao porto do Itaqui e

do Anjo da Guarda para a referida empresa. O resultado foi que, apesar das indenizações

recebidas pelas famílias, os problemas ambientais e sociais se multiplicaram. Contudo,

naquela época havia certa ―pressão social‖, a opinião pública manifestava-se prontamente

contra possíveis atentados ao ambiente e à sociedade. Hoje...

A poluição proveniente da CVRD, já não é pauta freqüente dos jornais da cidade

como era no final dos anos 80 e início dos 90. Pelo contrário, atualmente, a empresa

é pautada por suas ações de responsabilidade social e empresarial. A sociedade já

não se mobiliza, exigindo critérios mais rígidos para promover o aperfeiçoamento e

melhorias contínuas ambientais (GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 16).

Mas, por que não se denunciam com tanta freqüência as atividades poluidoras da Vale

nos jornais? Por acaso ela deixara de poluir? Seria ela verdadeiramente uma empresa

responsável socialmente e ambientalmente? Se ela for responsável, onde a população enxerga

essas ações? No transporte de passageiros cujo número vem caindo ao longo dos anos?

Contudo, o que os veículos de comunicação noticiam é o seguinte: ―Em 1997 a Companhia

Vale do Rio Doce, através da Superintendência de Tecnologia-SUTEC, recebeu o certificado

do ISO 14001, norma internacional que especifica os requisitos do Sistema de Gestão da

Qualidade Ambiental‖ (BARBOSA, 2002, p.37).

Sim, poucos são aqueles que denunciam que a partir da implantação da Ferrovia

Carajás-São Luís (CARNEIRO, 1997), há a expulsão do pequeno produtor e de sua família da

roça, que os projetos agropecuários ocupam as terras devolutas e reservas indígenas;

naturalizou-se o subemprego, a peonagem, a humilhação social, o inchaço das cidades, a

periferização, tudo isso em prol do desenvolvimento econômico que, por diversas vezes,

causa determinados prejuízos ambientais e sociais e nos fazem questionar: responsabilidade

de quem? Responsabilidade para quem? O que está sendo desenvolvido? Quem está

desenvolvendo? Não estaria a Vale utilizando a sua afamada política ambiental de

113

responsabilidade social apenas como mais uma vantagem para a obtenção de lucro e

legitimação?

Nos termos discutidos, é grande a contribuição de Arturo Escobar (2005b): este autor

tem proposto que existem diferentes práticas ecológicas que se fundamentam categoricamente

sobre o conhecimento da Natureza. Sendo assim, ―competem pela mesma Natureza‖:

camponeses, indígenas e empresários. A competição deve ser posta entre aspas haja vista que

tanto camponeses, quanto indígenas, não possuem uma visão essencialista da Natureza,

tampouco uma visão mercantilizada, pelo contrário: estas comunidades ―constroem‖ a

natureza de maneira diferente da capitalista76

(ESCOBAR, 2005a). A associação e visão de

que a Natureza é uma dimensão exterior e separada do Homem e que por isso deve ser

dominada e pode ser posta a venda no mercado, aproxima-se da governamentalidade do

Estado e, principalmente, da lógica das empresas: é uma ―construção‖ da natureza a partir do

capitalismo e da modernidade. A natureza é produzida como mercadoria e mediatizada pelo

trabalho (ESCOBAR, 2005a). Assim, o ―desenvolvimento‖ que a Vale traz para a região

maranhense alicerça-se nesse pensamento hegemônico fruto da racionalidade capitalista que,

por si mesma, desencadeia conflitos ambientais e tenta legitimar práticas de

(in)sustentabilidade.

Inegavelmente a grande contribuição do crescimento econômico do Maranhão adveio

―da indústria extrativa mineral (15,9% a.a.) e da construção civil (14,6% a.a.), refletindo a

forte concentração de investimentos públicos e privados envolvidos na instalação dos grandes

projetos Companhia Vale do Rio Doce e Alumar‖ (HOLANDA, 2008, p. 15). No entanto, a

verdade é que quando um grande projeto de desenvolvimento (indústrias principalmente) se

instala em um determinado lugar, profundas mudanças estruturais são processadas, tais como:

mudanças na articulação e apropriação do território, reorganização da economia e crescimento

urbano desordenado. Isso implica em impactos negativos diretos, a saber: desflorestamento,

desrespeito às diferenças sociais e ecológicas, "economia de enclave77

", desterritorialização,

inchaço populacional, problemas ambientais, sobrecarga da rede urbana, favelas, conflitos de

terra (como é o caso dos indígenas) e conflitos sociais e ambientais. O ciclo se torna então

vicioso, pois com o acréscimo e diversificação da população, bem como o aumento da

industrialização e consequentemente da urbanização, ocorre um aumento da produção

76

Arturo Escobar (2005a) tem proposto a existência de três regimes de natureza: orgânico, capitalista e tecno.

Estes três regimes se inter-relacionam e se coproduzem, o que significa dizer que a natureza é produzida

diferencialmente, por produtores diferentes.

77

Um empreendimento de enclave é aquele que não dinamiza economicamente a localidade no qual se situa.

114

mineral, brota um mercado ―verde‖ e fundam-se políticas de gestão ambiental (BECKER,

2002, apud IPEA, 2005).

Entretanto, mais projetos de ―desenvolvimento‖ capitaneados pela Vale estão

planejados para a Ilha do Maranhão, como é o caso da Produção de Minério de Ferro e Píer 4

de Itaqui, no período de 2008, tendo um investimento estimado em R$ 12.800.000,00. Cabe

citar também a Companhia Siderúrgica do Mearim, que está planejada para o período de

2008-2011, e se localizará Bacabeira, município localizado a 40 Km de São Luís, e cuja

atividade combina capital misto de duas empresas: a Vale e a Baosteel; o Investimento é de

R$ 5.000.000,00. Enquadram-se também atividades de mineração e logística a começar a

partir de 2009 com um investimento estimado de R$ 1.000.000,00. Isso significa a

possibilidade real de mais impactos, mais conflitos sociais e maior consumo de energia

elétrica78

(IMESC, 2008c).

No seu Código de Conduta Ética, a Vale informa alguns pontos importantes como:

―Alcançar os seus objetivos empresariais com responsabilidade social79

corporativa e

valorizar seus empregados, preservando o meio ambiente e contribuindo para o

desenvolvimento das comunidades em que atua‖ (VALE, 2009a, p.06).

Nessa citação acima, fica clara a constatação do campo discursivo: o espaço simbólico

no qual os mais variados agentes sociais (empresa, comunidade, por exemplo) lutam para

validar, determinar e, sobretudo, legitimar seus discursos de dominação. Quando a Vale

aponta que anseia alcançar seus objetivos empresariais com responsabilidade socioambiental,

ela age no campo ambiental e ocupa uma posição no interior desse campo se relacionando

com outros agentes sociais, como é o caso do Estado.

Ora, mas se o campo ambiental nada mais é do que um sistema de articulações de

estruturas (sociais, culturais, econômicas, jurídicas, etc.), isso significa que, parafraseando

Bourdieu (2004), outra noção extremamente importante na análise esteja afinada com a noção

de campo: o habitus: ―O habitus é um sistema de disposições adquiridas na relação com um

78

Juntas, Vale e ALUMAR respondem pelo consumo de 88% de energia industrial (Instituto Maranhense de

Estudos Socioeconômicos e Cartográficos, 2008c). O que indigna é o fato de a população, de uma maneira geral,

indústrias e comerciantes, pagarem por 100 kWh cerca de R$45,00. Enquanto a Vale paga, pelos mesmos

100kwh, a bagatela de R$5,00.

79

Abandonar a retórica, e adotar uma política efetiva de responsabilidade social, pode se tornar uma vantagem

competitiva para a empresa. Para demonstrar essa tese, Michael Porter e Mark Kramer (2005), publicaram um

artigo, em 1998, intitulado ―A Vantagem Competitiva da Filantropia Corporativa‖, no qual questionam se uma

empresa deve fazer filantropia. Segundo os autores, a polêmica em relação à filantropia foi aberta no início dos

anos 1970 com um artigo de Milton Friedman advogando que a única ―responsabilidade social de uma empresa‖

é ―ampliar seus lucros‖. O argumento de Friedman pressupõe que os objetivos sociais e econômicos são

separados e distintos, e que os gastos sociais sacrificam os resultados econômicos (GRIGATO; RIBEIRO, 2006.

p. 10).

115

determinado campo [...] é ao mesmo tempo um sistema de esquemas de produção de práticas

e um sistema de esquemas de percepção e apreciação das práticas‖ (BOURDIEU, 2004, pp.

130 e 158).

Nesse contexto, se deve haver consonância entre o campo e o habitus, a resposta

habitual da Vale às exigências do campo ambiental é mostrar quais são suas práticas de

desenvolvimento sustentável, como o reflorestamento e a própria criação do Parque Botânico

em São Luís (para percepção e apreciação das práticas...). Por isso, a empresa aponta como

conduta desejada: ―Comprometer-se com a preservação do meio ambiente e a obediência à

legislação ambiental, agir com responsabilidade social e respeito à dignidade humana‖

(VALE, 2009a, p. 08).

Como se vê, as noções de campo e habitus permitem compreender como funcionam as

relações entre ambas, bem como fornece suporte epistemológico e sociológico para que não

seja tomado como evidente tudo aquilo que aparece de prontidão. Mas o que faz com que o

aparente seja tomado como o essencial? O que faz com que a Vale seja titulada enquanto

empresa que promove o desenvolvimento sustentável? A resposta é dada por um dueto que se

completa na tessitura da discussão: o discurso e a tecnologia80

de internalização do

discurso, o marketing.

Primeiro, faz-se um esforço de tentar articular as noções de Bourdieu, campo e

habitus, com a concepção de discurso/formação discursiva de Foucault. Esse esforço admite

que se manuseiem as relações existentes na questão ambiental: disposições, estruturas,

práticas, fundamentos, condutas, agentes e circunstâncias.

Diferentemente dos conceitos mais basilares do desenvolvimento, arrisca-se a dizer

ideologia e poder, o conceito de discurso é poucas vezes observado nas análises geográficas.

Talvez porque os estudiosos que fazem esta ciência concebam o discurso como algo

meramente abstrato. Então, é preciso buscar nas leituras extra-geográficas, principalmente na

Filosofia, as dimensões dialética, material e histórica da construção discursiva. Dessa forma,

poderá visualizar-se o que está por trás do discurso modernista/progressista81

da Vale de

80

―Na definição de Mauss (1948, p. 73, tradução minha), ‗tecnologia é o conjunto de atos, organizados ou

tradicionais, que concorre para a obtenção de um fim puramente material – físico, químico ou orgânico‘‖

(ACSELRAD, 2006, 132).

81

―Modernizar‖ e ―levar progresso‖ nada mais é do que colonizar. Recuemos na história: a modernidade nasce

com Descartes, mas também com a colonialidade baseada no comércio triangular entre Europa, América e

África; por isso a matriz epistêmica colonizadora e eurocêntrica justifica a dominação perante as outras culturas,

por se auto-intitular progressista e moderna. Para mais informações recomenda-se a leitura de Lander (2005),

bem como, Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006), especialmente o primeiro capítulo: A constituição do sistema-

mundo moderno-colonial.

116

responsabilidade socioambiental acerca dos projetos de desenvolvimento no Maranhão, nos

quais a referida empresa está inserida diretamente, principalmente na capital do dito Estado.

De início, cabe apresentar que o discurso é uma categoria, assim como ideologia,

hegemonia, poder e governamentalidade. Isso não quer dizer que a categoria está presa à ideia

e longe de suas bases materiais: apenas propõe-se que o discurso seja analisado no seio de um

processo de formação que tem sua concepção histórica atrelada à dialética sujeito/objeto, bem

como teoria/prática.

―O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de

dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar‖

(FOUCAULT, 2009b, p. 10). Implica então dizer que ao passo que os homens constroem seus

discursos, os discursos constroem também os homens. A categoria discurso é histórica, não

uma verdade eterna: ela está imbricada pelo poder; um poder coercitivo e dominador que,

levando-se em consideração a questão ambiental, aponta o que é verdadeiramente sustentável

e o que não é.

―Foucault alegava ter descoberto um tipo de função linguística previamente pouco

notado, o ato sério de discurso‖ (PEET, 2007, p.27). Isso significa que existe no seio do

discurso, uma dimensão de validação científica que justifica a aceitação perante um

determinado grupo social. Como diz Bourdieu (2004, p.46): ―o campo científico é um jogo

em que é preciso munir-se de razão para ganhar‖. A construção do discurso é reflexo da

materialidade histórica e de seus desdobramentos simbólicos. Por exemplo: a construção do

discurso ambiental atende a uma necessidade de se validar práticas tidas como

sustentavelmente desenvolvidas e, sendo assim, permitem que os atores que se apropriam do

discurso possam entrar em conflito buscando a legitimidade. Por isso, Peet (2007, p. 27) vai

dizer que:

Atos sérios de discurso, para Foucault, exibem regularidades como ‗formações

discursivas‘ com sistemas internos de regras que determinam quais declarações são

levadas a sério, e quais objetos incluídos em discussões são considerados

importantes ou responsáveis.

Diretamente atrelado aos conceitos de ideologia e hegemonia, o discurso vai além das

orações conexas e ordenadas proferidas a um determinado público: é a reflexão da ideologia,

um instrumento ideológico e um recurso de dominação, que implica no questionamento do

―quem‖, do ―o que‖ e do ―da onde‖. Por isso, Foucault (2009b, p. 8-9) supôs que

Em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada,

selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm

por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório,

esquivar sua pesada e temível materialidade.

117

O discurso transforma-se em um instrumento de/do poder dentro da discutível

neutralidade científica visando assim convencer determinados setores sociais de que, por

exemplo, determinado projeto de desenvolvimento é benéfico para a população. Notadamente,

a linguagem do discurso vai depender do público-alvo: ―mais senso-comum‖ para populações

desprovidas de conhecimento técnico; e um discurso técnico-científico para setores da

população que dominam o linguajar homônimo. Mas um objetivo parece ser unânime: a

internalização do discurso.

Sim, para que um determinado projeto de desenvolvimento obtenha êxito é necessário

a internalização do discurso; internalização essa que produz mentalidades ao passo que essas

novas mentalidades produzem novos discursos para serem internalizados. Essa dialética pode

ser exemplificada: o discurso de responsabilidade ambiental da Vale é calcado no

desenvolvimento sustentável. Todavia, apenas dizer isso não faria com que a referida empresa

obtivesse ―êxito‖ em suas empreitadas: ela precisa que o seu discurso seja internalizado pelos

mais diferentes atores sociais (técnicos, cientistas, governantes, universitários etc.).

Um dos mecanismos dessa internalização é a construção de uma imagem perante a

sociedade daquilo que ela visa ser reconhecida: empresa socialmente responsável para com o

ambiente. Para tanto é preciso que haja ―tecnologias de internalização‖ que possam captar as

significações que um determinado contexto histórico-social/econômico-ambiental,

especialmente, o já saturado desenvolvimento sustentável. Sendo assim, o marketing

ambiental ―cai como uma luva‖ uma vez que permite certa ―panificação da consciência

coletiva‖, haja vista institui de forma violenta (simbolicamente, é claro) seus valores e

propósitos. Com efeito, o tipo simbólico da violência é o mais agressivo, pois injeta na mente

coletiva a imagem que quer ser passada pelo grupo que nos fala. O senso crítico é ferido

porque ao se internalizar o discurso, por meio das tecnologias de internalização, como é o

caso do marketing, a população acaba por ser cooptada pela aparência imediata,

retroalimentado assim a habilidade que o marketing tem de iludir. Logo: discursos podem ser

como mercadorias - pensados para vender (PEET, 2007, p. 31, os grifos são meus).

Todo o discurso de responsabilidade socioambiental da Vale está alicerçado no

marketing ambiental. O marketing ambiental considera toda uma gama de operações que vão

desde a planificação até a venda do produto ou da ideia do produto, no caso específico, da

ideia de responsabilidade socioambiental. É uma prática eminentemente mercadológica,

pois acaba por vender uma imagem, ou seja, uma ideia que, por si só, não reverte exclusão

social.

118

A grande saída adotada por grandes empresas para atender os preceitos do

desenvolvimento sustentável e, assim, adotar uma postura do ―ecologicamente correto‖ é o

marketing. O marketing é estratégico, pois permite que a reputação da empresa seja

melhorada, bem como permite vender emprego, renda e o próprio desenvolvimento. A

inserção de capital na imagem da empresa ilude, de forma satisfatória, certos segmentos da

sociedade que não percebem a incompatibilidade existente entre a ação das empresas e o

discurso promovido pelas mesmas.

A aplicação dos conceitos Gestão Ambiental aparece no mundo de hoje mais do que

como um forte apelo de marketing, mas como questão competitiva e de

sobrevivência. O desafio para empresas petrolíferas, mineradoras, hidrelétricas e

extrativistas em geral é conseguir conciliar desenvolvimento sustentável com a

obtenção do lucro operacional. A polêmica surge ao discutir-se se é realmente

possível atingir esse objetivo (XAVIER et al., 2008, p. 03)

Uma das estratégias de marketing ambiental é a política de responsabilidade social

empresarial – RSE, que está sendo propagada pelas empresas e provocando uma mudança no

eixo de condução da política ambiental, com o enfraquecimento do Estado e o fortalecimento

das corporações (GRIGATO; RIBEIRO, 2006).

A temática da Responsabilidade Social Empresarial se estende desde a dimensão

social, como a relação empresa-trabalhadores, até a preocupação com a crise ambiental via o

―consumo sustentável‖.

Um parêntese aqui deve ser estabelecido: deve se ter cuidado para não cair nas insídias

do capitalismo. Já criticamos que a sustentabilidade buscada pelo capitalismo é apenas a

sustentabilidade de suas relações comercias e mercantis. Portanto, a sustentabilidade não está

associada ao equilíbrio ecológico. Sendo assim, por mais que o documento do Instituto

Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), aqui referido, faça menção a um consumo

sustentável, é preciso clarificar que o sistema capitalista, no qual a própria responsabilidade

social empresarial está incrustada, apenas respeita direitos sociais, humanos e dos

consumidores, na medida em que esses direitos se transformem e um potencial capitalístico e

que, assim possa reproduzir as relações capitalistas.

Logo, a inclusão social e a desigualdade, que a Responsabilidade Social Empresarial

prega, somente pode ser alcançada via superação do capitalismo e da alienação que ele

promove das relações capital-trabalho. Do contrário, por mais que se escolham empresas ditas

responsáveis ecologicamente, socialmente e outros ―mentes‖, nossas atitudes estarão

escotomizadas pelo signo do capital.

119

Em todo caso, o guia de responsabilidade social para o consumidor, publicado pelo

IDEC (2004, p. 4), nos fornece uma conceituação sobre a Responsabilidade Social

Empresarial:

A responsabilidade social é uma postura ética permanente das empresas no mercado

de consumo e na sociedade. Muito mais que ações sociais e filantropia, a

responsabilidade social, no nosso entendimento, deve ser o pressuposto e a base da

atividade empresarial e do consumo. Engloba a preocupação e o compromisso com

os impactos causados aos consumidores, meio ambiente e trabalhadores; os valores

professados na ação prática cotidiana no mercado de consumo – refletida na

publicidade e nos produtos e serviços oferecidos –; a postura da empresa em busca

de soluções para eventuais problemas; e, ainda, a transparência nas relações com os

envolvidos nas suas atividades.

Como a Vale, ao longo do tempo, sempre fora alvo de inúmeras pressões por órgãos

públicos e pela sociedade civil pelo modo com que conduzia o seu trabalho de exploração

econômica, adotou como medida paliativa para esta situação que ―manchava‖, de certa forma,

a sua ―imagem‖, ―o Código de Ética com o objetivo de orientar ‗seus negócios por um

conjunto de valores que observam os mais elevados padrões éticos e morais‘ tendo como um

dos princípios fundamentais agir com responsabilidade social e com respeito ao meio

ambiente‖ (GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 12).

Atualmente podemos distinguir pelo menos quatro visões diferentes do que seja

responsabilidade social empresarial (RSE). A primeira está relacionada à idéia de

que os objetivos primordiais de uma empresa resumem-se em gerar lucro a seus

investidores, pagar impostos e cumprir a legislação. A segunda visão incorpora a

esses objetivos ações filantrópicas, como ajuda financeira a creches, orfanatos e

programas sociais. Outro modo de ver a RSE é como uma estratégia de negócios, na

qual as ações de responsabilidade são um instrumento para conferir um diferencial

para seus produtos e serviços. Assim, a empresa conseguiria atrair e manter

melhores empregados, além de acrescentar valor à sua imagem. Por fim, na quarta

visão a RSE é vista como parte da cultura organizacional, de forma a produzir

riquezas e desenvolvimento que beneficiem a todos os envolvidos em suas

atividades – trabalhadores, consumidores, meio ambiente e comunidade. Essa visão

inclui a promoção, pela empresa, dos seus valores éticos e responsáveis na sua

cadeia de fornecedores e nos mercados onde atua. Para o Idec, esta é a visão de RSE

que mais corresponde aos anseios dos consumidores e da sociedade de forma geral,

por ser mais abrangente.

No caso da Vale, pode-se dizer que ela tem uma mescla da segunda visão e terceira

visão. Consoante a segunda visão, ela incorpora enxerga a responsabilidade social empresarial

via a Fundação Vale que organiza e planeja os programas e ações sociais. Pari passu, a

terceira visão também caracteriza a empresa: A propaganda da Vale nos lembra todos os dias

que ela é brasileira e que trabalha com ―paixão‖ para promover o ―desenvolvimento

sustentável‖ internacionalmente e para garantir um futuro para nossas crianças. Nesse sentido

a Responsabilidade Social Empresarial se transforma em uma estratégia e numa plataforma de

120

negócios para vender seus produtos e serviços em nível mundial, acrescentando valor a sua

imagem. Essa mudança de postura, não observável anteriormente aos anos 1990, e

consequentemente da privatização da companhia, em pleno mercado fortemente competitivo,

é reflexo da projeção da imagem que a companhia auferiu: a publicidade negativa de um

acontecimento (um acidente, uma morte, etc.) com certeza converte-se em uma infensa à

imagem de empresa socioambientalmente responsável.

A Fundação Vale realiza Diagnósticos Integrados em Socioeconomia, amplos estudos

que reúnem informações de cada território e que permitem identificar as necessidades e

potencialidades específicas de cada um. Estes estudos servem como base para a elaboração

dos Planos de Gestão dos Investimentos Sociais (PGIS), com focos nas seguintes áreas de

atuação: infraestrutura, apoio a Gestão Pública e des-envolvimento humano e econômico.

Em São Luís, segundo o folder institucional (VALE, 2010b), a Fundação Vale oferece

os seguintes programas:

Estação Conhecimento: As Estações Conhecimento são Núcleos de Desenvolvimento

Humano e Econômico idealizados pela Fundação Vale que seguem o modelo rural ou urbano.

Seu objetivo é contribuir para a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento integrado

e sustentável das comunidades. Os núcleos são organizações da sociedade civil de interesse

público (OSCIP), viabilizadas por meio de parcerias locais com o poder público e entidades

da sociedade civil organizada. As Estações Conhecimento têm como público prioritário

crianças e jovens. A intenção é promover ações integradas, de longo prazo, que contribuam

para o desenvolvimento integral da pessoa, a fim de possibilitar que os jovens tenham

autonomia e condições de conquistar seus sonhos. Nos núcleos, os participantes são

estimulados em práticas esportivas (natação, atletismo, judô e futebol), em atividades

culturais, no convívio social e no empreendedorismo.

Vale Alfabetizar: Contribui para a estruturação da Educação de Jovens e Adultos

(EJA). Capacita o alfabetizador, alfabetiza jovens e adultos e promove o fluxo constante de

novos alunos às salas de aula.

Ação saúde: Colabora para a melhoria da saúde coletiva e da família, priorizando a

saúde materno-infantil. Promove a formação de células ativas, compostas por profissionais de

saúde, educadores, lideranças comunitárias e, principalmente, mulheres e jovens, com vistas à

redução da morbidade e mortalidade infantil.

Novas alianças: Colabora no fortalecimento da gestão pública, por meio da

estruturação de conselhos voltados ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do

121

Adolescente. Contribui para a gestão das políticas da infância, a partir da incidência no

orçamento público, e para a conexão entre redes e organizações.

Voluntários Vale: Estimula a cultura de voluntariado dentro da Vale, fortalecendo o

diálogo social e contribuindo para o desenvolvimento dos territórios onde a empresa atua.

Conta com a participação de cerca de 4 mil pessoas, entre empregados e seus familiares,

fornecedores, comunidades e parceiros locais. Conta ainda com o Dia V (FIGURA 09), que é

o dia de ações voluntárias, realizado anualmente no primeiro domingo de dezembro. Conta

com a participação de voluntários nas localidades onde a Vale está presente. No Dia V, são

realizadas ações educacionais, culturais, de esporte, lazer e cidadania.

Figura 09. Campanha da Vale sobre o Dia V.

Fonte: www.vale.com

Todos este programas oferecidos pela Vale situam-se estrategicamente na agenda

sociopolítica da empresa, a longo prazo.

Em São Luís, a Vale instalou o Parque Botânico (Bioma de Floresta Amazônica com

1,1 mil km2), trazendo consigo um plano de marketing que a qualificava como empresava

responsável socioambientalmente, objetivando assim tornar visível o ―progresso‖ e a melhoria

da qualidade de vida que alcançam as cidades que a tem como empresa parceira.

122

O que se observa é que essas empresas, tais como Petrobrás e Companhia Vale do

Rio Doce (CVRD) buscam oferecer mais do que uma Política Ambiental

cuidadosamente estruturada e apostam na criação de projetos ecológicos grandiosos

na tentativa de minimizar os danos causados pelas suas atividades (XAVIER et al.,

2008, p. 03).

Essa política de responsabilidade socioambiental da Vale configura-se então como

uma ampla estratégia de marketing (FIGURA 10 E FIGURA 11) e como legitimação de suas

práticas. Além do mais, essa estratégia não se resume ao Parque Botânico: patrocínios de

eventos como a Feira do Livro e Via Sacra do Anjo da Guarda, criação do programa

inventário dos azulejos (patrocínio e divulgação) e a utilização de espaços midiáticos como

ferramenta de propaganda (178 milhões de reais gastos a cada ano - Ibope Monitor) também

fazem parte do repertório da empresa.

Figura 10. O trem verde da Vale tem duas conotações: o desempenho de locomotivas movidas com uma mistura

de diesel comum ou biodiesel e até 70% de gás natural, mas também é uma estratégia de marketing ambiental.

Figura 11. A mudança do uniforme também é uma estratégia de marketing.

De fato, como protestar contra a expulsão de inúmeras famílias de suas terras, os

conflitos em áreas indígenas e a poluição ambiental se a imagem que se tem da Vale é a de

uma empresa que gera emprego para os que não têm, desenvolvimento para o Maranhão e, o

principal, se preocupa com a comunidade e com o meio ambiente? O que se observa hoje é o

detrimento do dizer em relação ao fazer: a ―verdade‖ não reside mais no que se faz, mas no

que se diz (FOUCAULT, 2009b).

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