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    MOBILIDADE COMO FOCO DAS TECNOLOGIASDE VIGILNCIA*

    Marta Mouro Kanashiro

    Introduo

    As tecnologias de vigilncia e monitoramentopara a segurana, cada vez mais recorrentes nassociedades contemporneas ocidentais, conectam-se a importantes transformaes sociais e a dife-rentes temas pesquisados nas cincias sociais. O focosobre a presena dessas tecnologias em espaos decirculao pblica abre diversas possibilidades ana-lticas, seja por sua proximidade com o campo da

    sociologia da tecnologia, seja pela interface que podeser estabelecida com reas como a de urbanismo earquitetura, geografia ou temas como violncia, cri-minalidade e segurana. Em todos esses casos importante ressaltar que o olhar que parte da tec-nologia no deve pressupor que exista uma deter-minao da tcnica sobre as transformaes que sequeira observar ou salientar.

    Nesse sentido, o presente artigo ressalta a partici-pao das tecnologias de monitoramento nas trans-formaes sociais, polticas, econmicas e culturaisna contemporaneidade. Distante de avaliar a necessi-dade ou a validade dessas tecnologias para segurana,a escolha por esse ponto de partida deve-se ao ngu-lo de viso que essas tecnologias proporcionam. Atecnologia formulada pelo homem incorpora, abri-ga, concretiza e concentra um modo de pensamentoe pode ser um ngulo privilegiado para fazer emer-gir as visibilidades e invisibilidades de uma poca,

    RBCS Vol. 24 no71 outubro/2009

    Agradeo os interessantes comentrios e sugestes dospareceristas, assim como o incentivo dos professoresRodrigo Firmino e Rossana Rocha Reis. O atual textorecebeu modificaes sugeridas pelos pareceristas, sen-do que uma primeira verso foi publicada nosAnais do

    XXXI Encontro Anual da Anpocs, em virtude de sua apre-sentao no Seminrio Temtico Imigrao como peri-go: antigas questes, novos desafios.

    Artigo receb ido em maro/2008Aprovado em abril/2009

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    ou, ainda, funcionar heuristicamente como pontode partida para uma investigao acerca dos dispo-sitivos de funcionamento do poder na atualidade.

    De forma geral, esse um campo relativamen-te recente de debates e pesquisas. A maior parte das

    iniciativas sobre o tema voltadas para estudos davigilncia so britnicas, canadenses e norte-ameri-canas. Destaca-se aqui o empreendimento de pes-quisadores do Reino Unido para reunir estudiososna Surveillance Studies Network (http://www.surveillance-studies.net), no peridico Surveillance &Society (http://www.surveillance-and-society.org/info.htm ) e no projeto canadense de pesquisa Sur-

    veillance Project. J no mbito dos movimentossociais e das organizaes no governamentais(Ongs), ressaltam-se: a Privacy International Orga-

    nization (www.privacyinternational.org), uma or-ganizao, situada em Londres desde 1990, paramonitorar formas de vigilncia e de invaso da pri-

    vacidade realizadas por governos e corporaes, ea Electronic Frontier Foundation (http://www.eff.org/), que tem uma forma de atuao semelhantee est situada nos Estados Unidos, tambm desde1990. Paralelamente,performancesartsticas tm ques-tionado e problematizado a presena das tecnolo-gias de monitoramento no cotidiano, como o casodo Surveillance Camera Players, grupo de Nova

    York que realiza desde 1996 intervenes em espa-os pblicos monitorados.

    Diferentemente do que vem ocorrendo noambiente acadmico internacional, pesquisas brasi-leiras que versem de modo direto sobre a utilizaode tecnologias eletrnicas que possibilitam a vigiln-cia e o monitoramento ainda so bastante incipien-tes. Da mesma forma, praticamente inexistente odebate poltico ou a atuao de movimentos sociaisno pas em torno desse tema, ou de assuntos como

    vigilncia eletrnica.1 Por outro lado, a exemplo doque ocorre em vrias partes do mundo, multipli-cam-se no pas os projetos de utilizao dessas tec-nologias de monitoramento, em especial para segu-rana em espaos de circulao pblica e, maisrecentemente, projetos para utilizao de dispositi-

    vos biomtricos de controle e para a incorporaoda biometria em documentos.

    Como parte do projeto de pesquisa Disposi-tivos biomtricos no Brasil: a expanso das novas

    tecnologias de segurana (Kanashiro, 2007), quetem como um de seus focos a biometria no passa-porte brasileiro, este artigo traz um levantamentode algumas abordagens que conectam mobilidade,tecnologias de vigilncia e circulao internacional

    de pessoas com novas representaes e definiesde perigo e insegurana. O levantamento foi reali-zado sobretudo em artigos internacionais que te-matizam a questo. Para a anlise desses artigos soretomados conceitos e problematizaes presentesem autores como Paul Virilio, Michel Foucault eGilles Deleuze.

    Este texto traz inicialmente parte do levanta-mento de dados (realizado em 2007) sobre a inclu-so da biometria no passaporte brasileiro, em co-nexo com reflexes presentes em uma pesquisa

    realizada entre os anos de 2002 e 2005 (Kanashiro,2006 e 2008). Nessa ocasio, observou-se a relaodas cmeras de vigilncia com o tema de revitaliza-o urbana, antigos centros das cidades que vmsofrendo intervenes no sentido de tornarem-selocais de lazer, cultura e fruio mais seguros paradeterminados grupos, aprofundando mecanismosde excluso. Concluiu-se que mais do que sobre cadaindivduo, ou para alm da abordagem foucaultia-na sobre panptico, a vigilncia realiza-se focalizan-do a mobilidade e os fluxos de pessoas e informa-es. Notou-se, nesse contexto, um investimento deum grupo social sobre a expanso de sua prpriamobilidade. Em outras palavras, um processo derestrio da mobilidade de alguns grupos sociais, aqual passa a ser ainda mais circunscrita s reas pre-crias da cidade, em prol da ampliao do movi-mento de outros grupos sociais normalmente rela-cionados com os enclaves fortificados. Assim, asegunda parte deste artigo salienta que a configura-o da insero da biometria no passaporte tam-bm est relacionada com o controle da mobilida-de, dos fluxos, e com novos significados de perigoe risco, como vem sendo apontado na bibliografiainternacional.

    A inteno aqui vislumbrar tecnologias, comoas cmeras de monitoramento ou a biometria incor-porada aos passaportes, no mais vinculadas ao lu-gar ou tempo adequados para a punio exemplarda sociedade disciplinar foucaultiana, mas sim per-misso ou recusa do acesso, o que desloca e dilui

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    a punio para o momento sempre imediato damobilidade, da circulao. Associam-se a essa idiaas caractersticas das sociedades contemporneas eos conceitos apresentados por Virilio e Deleuze.

    Diversamente da aproximao feita sobre o

    tema nas cidades, que relacionam as cmeras como processo de revitalizao ou o fenmeno de gen-trificao, estudos internacionais sobre vigilnciafocalizam mais as questes relativas migrao e representao de perigo vinculada ao tema. Algunsautores (Lyon, 2006) tm observado um recrudes-cimento da questo securitria e do foco sobremobilidades e circulao a partir do ataque terro-rista ao World Trade Center, nos Estados Unidos,em 2001.

    A biometria no passaporte brasileiro

    A biometria definida como um estudo dasmedidas de estruturas e rgos de seres vivos, as-sociadas sua importncia funcional. H tambmum ramo da estatstica vinculado ecologia, no qualse estudam as caractersticas biolgicas quantitativasde uma populao por meio da identificao des-sas medidas. Mais recentemente, no entanto, a bio-metria tem sido definida pela mdia e pelo merca-do de segurana como uma cincia de identificaobaseada na medio precisa de traos biolgicos.2

    Em outras palavras, quando entendida como tec-nologia de segurana, a biometria caracterizadapela coleta de dados biolgicos, que podem ser da

    ris, da retina, da face, da mo ou de digitais, entreoutras possibilidades, e transforma-os em algorit-mos matemticos, armazenando-os em bancos dedados, chips ou cdigos de barra. Por meio de umleitor ptico, as caractersticas biolgicas so lidas ecomparadas com os dados armazenados para iden-tificar, negar ou permitir o acesso a determinadoslugares ou informaes.

    De acordo com a revistaSecurity:

    [...] biometria significa literalmente medida davida. No contexto da segurana, biometria serefere aos mtodos automatizados para identifi-cao de pessoas com base em suas caractersti-cas fsicas nicas ou aspectos comportamentais,

    podendo ainda combinar entre si essas carac-tersticas. A biometria funciona em razo de al-gumas caractersticas do ser humano seremnicas, podendo ser diferenciadas e compara-das, pois de certa forma, so estveis.3

    A mdia e os empresrios do setor de seguran-a vm divulgando a nova tecnologia como umasubstituio das senhas alfanumricas pela identifi-cao via senha natural, ou seja, por meio dosdados biolgicos inscritos no prprio corpo. Amudana tambm apresentada como uma facili-dade oferecida pela tecnologia para possibilitar ocontrole do acesso, como uma comodidade, namedida em que evita a memorizao4 de tantas se-nhas, e como um incremento do nvel de segurana

    dos sistemas. Esse panorama acaba por promoverum verdadeiro investimento sobre caractersticasbiolgicas que identifiquem pessoas.

    Essa tecnologia j est presente no Brasil parao controle de acesso a lugares como academias deginstica, universidades ou escolas privadas e parao controle da utilizao de servios, como locaode filmes em vdeo locadoras ou consultas e exa-mes em sistemas privados de sade, caso da UnimedPaulistana. Pode ainda ser utilizada nos sistemas car-cerrio, de sade e bancrio para controle de pontode trabalhadores e muitos outros usos. A tecnolo-gia biomtrica de identificao no setor de segu-rana j encontrada na prtica e est em rpidaexpanso em vrios pases, configurando um fen-meno complexo das sociedades contemporneas.

    No Brasil, existem tambm exemplos da utiliza-o dessa tecnologia em servios pblicos, entreoutros casos, a implantao do Sistema de Gerencia-mento de Formao de Condutores (Gefor), do De-partamento Estadual de Trnsito (Detran) de SoPaulo, destinado ao gerenciamento, ao controle e fiscalizao de todo o processo de habilitao, for-mao e reciclagem de condutores. Esse sistemaimplantou a biometria, via leitura da impresso digi-tal, para todos esses procedimentos em vrias cida-des do estado.5 Outros projetos de adoo da tecno-logia biomtrica no Brasil so do Tribunal SuperiorEleitoral (TSE), que aprovou em junho de 2005 oPlano diretor de atualizao cadastral e aperfeio-amento dos sistemas de votao e identificao do

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    eleitor, e do Ministrio da Justia que, em conjun-to com outros rgos do governo, tem se dedica-do a implementar o Projeto de Registro de Identi-dade Civil (RIC). Com relao ao projeto do TSE,que prev o recadastramento de 122 milhes de

    eleitores no pas, j foi iniciada uma fase de testesno segundo semestre de 2008, durante as eleiesmunicipais em Ftima do Sul, no Mato Grosso doSul, So Joo Batista, em Santa Catarina, e Colora-do dOeste, em Rondnia, todos com cerca de 15mil habitantes cada. Nesses locais foi realizado ocadastramento biomtrico dos eleitores e a vota-o com uso de urna biomtrica nas eleies muni-cipais de outubro. A partir desse projeto piloto ogoverno dever elaborar o cronograma para o re-cadastramento nacional de eleitores, num prazo es-

    timado entre 5 e 10 anos. J o projeto RIC visa modificao das carteiras de identidade de 150 mi-lhes de cidados brasileiros, prevista na lei ainda9.454 de 1997, que ainda no est regulamentada.

    A ausncia de regulamentao, no entanto, no temsido um empecilho para a implementao e o testedo novo sistema de identificao civil, que j estsendo iniciada na capital de Rondnia.6

    O projeto do novo passaporte brasileiro, aquifocalizado, uma outra iniciativa que prev a utili-zao da biometria. Entre vinte itens de segurana,o novo passaporte inclui dados biomtricos doportador, os quais faro parte de um banco de da-dos nacional e, de acordo com o projeto, facilita-ro as consultas em postos de fronteira. Um infor-mativo da Polcia Federal brasileira divulgou que aincluso da biometria segue as exigncias de mu-dana e as normas internacionais de segurana esta-belecidas pela Organizao de Aviao Civil Inter-nacional (Icao, sigla em ingls), agncia ligada sNaes Unidas, responsvel por normatizar assun-tos relativos aviao civil e aos vistos e documen-tos de viagem.7 De acordo com esse informativo,a adequao ir, efetivamente, implementar umdocumento de viagem mais seguro, que propicieao cidado brasileiro maior credibilidade internacional,alm de modernizartodo o sistema de controle dotrfego internacional no pas.8

    O novo passaporte brasileiro assim apresen-tado pelo governo: Segurana, agilidade e conforto.Seguro e moderno, o novo passaporte brasileiro

    proporciona agilidade, praticidade e conforto aoscidados brasileiros. A tecnologia de ponta utilizadaneste projeto oferece excelente proteo contra ten-tativas de adulterao e/ou falsificao.9 Os novositens de segurana apresentados, que se somam aos

    anteriormente existentes, so marca dgua, fio desegurana, linha de costura, fundo invisvel, fundosespeciais, imagem latente, tinta oticamente varivel,perfurao a laser, pgina de identificao e laminadode segurana. na pgina de identificao que hum cdigo de barras bidimensional,10 com dadosbiomtricos e biogrficos do titular do documento.Ela segue as recomendaes da Icao (InternationalCivil Aviation Organization), em especial as doDOC 9303. Este documento, publicado pela pri-meira vez em 1980, intitulado como A passport

    with machine readable capability est hoje publicadoem trs partes. Cada uma delas traz recomendaestcnicas para utilizao da biometria nos passaportes.

    Alm de seguir as recomendaes da Icao, asmedidas para a implementao de um novo passa-porte brasileiro tambm ecoam a iniciativa dos pa-ses membros do G-8 (os sete pases mais ricos domundo, mais a Rssia), em 2003, para desenvolverum novo passaporte (conhecido como e-passportou passaporte eletrnico), que utilizaria alta tecnolo-gia para auxiliar no combate contra o terrorismo.11

    Os Estados Unidos pressionavam, na ocasio, paraa adoo do novo sistema pelos pases membrosdo Visa Waiver Program, um programa do governonorte-americano para permitir que cidados de de-terminadas naes (atualmente so 34 e no inclui oBrasil) possam entrar no pas para atividades de turis-mo ou negcios por 90 dias sem a necessidade de

    visto. Este programa apresenta regras de como qua-lificar pases que esto aptos a requerer sua participa-o. Entre essas regras est a adoo da biometrianos passaportes e a capacidade nacional de contro-lar a imigrao e as atividades de contrabando.

    Para alm das conexes com as exigncias in-ternacionais, as mudanas no passaporte brasileirorelacionam-se com um contexto importante de for-mulao de novos discursos e prticas, como podeser observado na legislao brasileira relativa uti-lizao de novas tecnologias de segurana.

    importante ressaltar que observar as propo-sies legais ou normas internacionais sobre o tema

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    no significa compreender o funcionamento do po-der de forma descendente a partir das instituies,mas sim captar parte dos discursos que circulamsobre o tema, com intuito de fazer emergir um cam-po de tenses e arranjos que produzem a possibi-

    lidade do uso de novos equipamentos de segurana.No se trata, portanto, de analisar essas tecnologiaspelas instituies que a legitimam, nem de afirmarou negar a necessidade e a validade das tecnologiasde vigilncia para a segurana, mas de procurar apre-ender quais so as produes desse processo emcurso com base nos discursos veiculados.

    Desde meados da dcada de 1990, notam-sena legislao brasileira argumentos para a obrigato-riedade do uso de cmeras de vigilncia repre-sentantes iniciais dessas novas tecnologias nos mais

    variados espaos, inicialmente em locais como ban-cos, ampliando-se para espaos de circulao p-blica no decorrer do tempo. Os discursos apresen-tados interagem com os interesses dos empresriosdo setor de segurana privada, formulando e in-tensificando o carter de mercadoria da segurana.

    acelerado o crescimento das empresas de segu-rana privada no Brasil, tanto no nmero de empresase de vigilantes, de especialistas e centros de formao,como do montante que movimentam. Caldeira(2000) e Zukin (1995) observam na comparaoentre fora policial pblica e vigilantes privados aformao de um verdadeiro exrcito privado. Cal-deira tambm alerta que no Brasil, em 1996, a forapolicial pblica e a vigilncia privada tinham contin-gentes quase iguais. Para Zukin, do ponto de vistada economia poltica, essa mudana caractersticados processos de privatizao em geral, que abran-gem no apenas a segurana, mas tambm a precari-zao do trabalho ou da sade, entre outros aspectos.

    Durante a pesquisa realizada entre 2002 e 2005observou-se uma conexo profunda entre a legisla-o que impulsiona o mercado de segurana e legis-ladores, muitas vezes ligados a empresas desse se-tor. Os sistemas eletrnicos de segurana fornecidospor essas empresas tornaram-se uma possibilidadeno pas no jogo entre o mercado de segurana pri-

    vada, os legisladores e os interesses de determina-dos grupos sociais de maior poder aquisitivo, quepassaram a formular uma idia de segurana maisno sentido de medida de proteo pessoal, do que

    de segurana pblica. Tanto os legisladores comoos empresrios argumentam que as cmeras e a se-gurana privada so uma necessidade em funoda segurana pblica inadequada. A ineficincia doEstado, nesse contexto, um argumento, mas tam-

    bm acaba sendo uma meta para que essa opoprivada se perpetue.

    Da mesma forma, h um jogo para a circula-o internacional da segurana como mercadoria.Empresrios do setor entrevistados citaram as ex-perincias internacionais de sistemas eletrnicos desegurana como uma espcie de exemplo a ser se-guido. Afirmaram que poucos equipamentos desegurana so desenvolvidos ou fabricados no Brasil,sendo a maior parte importada e apenas montadano pas. A isso se liga uma idia de saturao desse

    mercado em locais como Japo, Europa e Amri-ca do Norte, apontando para os mercados em ex-panso na atualidade Brasil, ndia, China e Rssia. importante ressaltar que sistemas de seguranasempre so comercializados em pacotes, nos quaisso adquiridos vrios equipamentos que se com-plementam, assim como novos significados de se-gurana, perigo e risco.

    A medida provisria (MP) 184, de julho de 2004(oriunda do poder Executivo), e o projeto de leido Senado (PLS) 168 de 2005, de autoria de Tasso

    Jereissati (PSDB), inauguraram duas mudanas nosdiscursos at ento em jogo. A MP 184, transfor-mada na lei 10.935, tramitou em regime de urgn-cia para abrir crdito extraordinrio aos oramen-tos fiscal e de investimento da Unio, em favor dosministrios da Justia, do Transporte e da Defesa,

    visando implantao de novos sistemas de segu-rana nos portos nacionais, exigidos pelo Cdigode Segurana para Portos e Embarcaes (ISPS-Code, sigla em ingls) e pela Organizao MartimaInternacional (OMI), da qual o Brasil membro.Este exemplo aponta a transformao da utiliza-o de dispositivos eletrnicos em necessidade erequisito bsico para o comrcio internacional, paraa mobilidade de mercadorias.

    Somando essa idia aos discursos da Icao e doVisa Waiver Program, que focalizam a mobilidadede pessoas, constata-se na legislao brasileira osreflexos do discurso norte-americano de seguranae combate ao terrorismo. As mudanas no passaporte

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    brasileiro conjugam-se, ento, com o acirramentode certo iderio mundial de segurana, que ganhoufora extraordinria aps o atentado terrorista de11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. Operodo marcado pelo combate ao terrorismo apre-

    senta os mecanismos de monitoramento, vigilnciae controle de acesso como imprescindveis para asobrevivncia, multiplicando-os e popularizando-os na mdia e nas feiras de segurana.

    J o Projeto de lei 168 tambm insere-se nestecontexto da utilizao da biometria, na medida emque focaliza a atualizao da lei inaugural do temade dispositivos eletrnicos de segurana no pas (lei7.102, de 1983) e detalha, de forma indita na legisla-o, a utilizao das cmeras para, em seguida, ape-nas citar a biometria. O projeto revela a consolida-

    o na legislao federal de algo (o uso de cmeras)que j era observado na prtica h pelo menos quinzeanos, reservando o captulo III para tratar especifica-mente do servio de vigilncia eletrnica monitora-da, destinado no mais apenas segurana patrimo-nial, mas tambm de pessoas. Alm dessa mudana,o projeto tambm detalha de forma indita o fun-cionamento e alguns dos equipamentos desse siste-ma, sinalizando sua ampliao. Vale ressaltar que nomomento em que as cmeras deixam de ser ocultase so esmiuadas numa proposio legal, elas j soconsideradas pelo mercado de segurana equipa-mentos complementares ao sistema, que agora estfocalizado nos controles biomtricos de acesso.Estes, por sua vez, so apenas citados e no descritosno projeto de lei, num jogo de esconde que perpe-tua uma relao com o mercado de segurana.

    A incorporao da biometria no passaportebrasileiro relaciona-se, ento, com a circulao denovos discursos sobre segurana, deslocando signi-ficados e construindo saberes. No raro encontram-se hoje tcnicos na rea de segurana especializadosem biometria, sendo que esse universo ainda envol-

    ve uma srie de outros especialistas que vo da com-putao ao reconhecimento de padres.

    Construindo perfis

    Diferente dos outros exemplos brasileiros deincorporao da biometria em documentos, a

    mudana nos passaportes tambm ocorreu fora dopas, e no mbito internacional provocou debatesde movimentos sociais em defesa da privacidade ereflexes entre intelectuais, que tentavam problema-tizar a questo tanto na Amrica do Norte como

    Europa. Nos anos de 2003 e 2004, ocorreu umintensa polmica nos Estados Unidos em funodas tentativas de implementao de um programaque envolvia a nova tecnologia nos passaportes e ocruzamento de informaes com outros bancos dedados, inclusive comerciais.

    Conhecido como CAPPS II, sigla em ingls paraSistema Informatizado de Pr-triagem de Passagei-ros, o programa foi formulado pela Administra-o de Segurana do Transporte (TSA) nos Esta-dos Unidos. O debate se deu em torno do objetivo

    do programa de identificar passageiros de maiorrisco para procedimentos adicionais de seguranaantes que eles embarcassem em avies. A verifica-o da identidade do passageiro consistia em realizaruma avaliao de risco utilizando bancos de dadosdisponveis comercialmente e informaes de inte-ligncia. Em outras palavras, eram cruzados dadoscontidos nos passaportes com outros bancos dedados com intuito de avaliar o risco que determi-nados passageiros poderiam representar.

    A organizao Electronic Frontier Foundation,tambm dos Estados Unidos, afirmou em sua ten-tativa de dar visibilidade para a questo:

    A U. S. Transportation Security Administrationanunciou planos para implementar o CAPPSII, uma controversa forma de traar o perfilde passageiros e um sistema de vigilncia querequer a data de nascimento, o telefone resi-dencial e o endereo residencial antes de o pas-sageiro poder embarcar em um vo norte-americano. De acordo com o CAPPS II, asautoridades de viagem checariam esses e ou-tros detalhes pessoais, confrontando a infor-mao obtida em bancos de dados governa-mentais e comerciais e, ento, rotulariam apessoa com um cdigo colorido indicando agradao do nvel de risco de segurana que elarepresentaria. Baseado na cor designada, o pas-sageiro seria detido, interrogado ou sujeito abuscas adicionais. Se ele fosse designado com

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    uma cor/gradao equivocada, poderia serproibido de voar.

    Curry aborda o caso do CAPPS II para sinalizarque a construo de sistema de perfis para a identifi-

    cao de viajantes potencialmente perigosos s podeexistir dentro de um amplo sistema de esteretipose na diviso da populao em grupos, neste caso,no de atributos definidos, mas da propenso deengajar-se em certas atividades consideradas perigo-sas. A utilizao da biometria nos passaportes e amaior capacidade que estes documentos tm hojeseguem o mesmo pressuposto. Para Curry, a vigiln-cia de mobilidades requer tambm uma exploraode dados mais detalhados para construir narrativasdas atividades das pessoas. O que ele realmente

    est fazendo? Ele uma pessoa mentalmente trans-tornada, desesperada para escapar dos seus proble-mas, para fugir do pas? Ele um criminoso? umcubano emigrado, agora saudoso? Ou ele simples-mente homem de negcios? (Curry, 2004, p. 485).

    Curry tambm aponta como as tcnicas depesquisa de mercado esto sendo usadas na cons-truo dos sistemas de perfil das companhias areas.O autor sustenta a posio de que um sofisticadosistema construdo nessas conexes de dados pes-soais e comerciais a partir de narrativas que incor-poram opinies sobre uma srie de comportamen-tos mveis e padres considerados aceitveis oususpeitos. Ele tambm argumenta que esses perfisso desenhados no para identificar o viajante con-fivel, mas, ao contrrio, o viajante perigoso.

    Peter Adey (2004) sinaliza por sua vez, tambmfocalizando a vigilncia da mobilidade, que aero-portos so espaos onde ocorre a vigilncia e a classi-ficao tanto de objetos como de pessoas; para ele,os aeroportos so como filtros. Nestes espaosocorre, pois, invaso de privacidade e discriminaocategrica como resultado da classificao de passa-geiros. Os textos desses dois autores fazem parteda edio da revista Surveillance & Societyque tratajustamente da vigilncia de mobilidades. Os outrosartigos da publicao tratam de locais para onde tal

    vigilncia se expande, ou seja, algo que vai almdos possveis centros de mobilidade, como aeropor-tos, chegando a qualquer lugar onde pessoas, obje-tos ou palavras se movam.

    Inspirando-se em Paul Virilio (1996), para quema segurana deve passar pela imobilizao dos cor-pos, a supresso das vontades e dos gestos, ressal-ta-se aqui que mais do que sobre gestos ou trajes, asnovas tecnologias de vigilncia realizam sua funo

    focalizando a mobilidade e os fluxos no apenasquando se trata de locais como aeroportos. TambmDavis (1993) sinaliza esses fluxos quando observa arevalorizao da cidade eclipsada por uma rees-truturao paralela do espao eletrnico, igualmen-te policiado, onde o acesso pago a comunidadesde informao, banco de dados e assinaturas deservios por cabo se apropriam de partes da invis-

    vel gora. Ambos os processos, segundo esse au-tor, espelham a desregulamentao da economia ea recesso de direitos no advindos do mercado.

    A pesquisa realizada entre 2002 e 2005 con-cluiu que observar o processo de insero de cme-ras de monitoramento no centro da cidade levou auma retomada mais radical do que alguns autoresobservaram na proliferao de condomnios fecha-dos monitorados em conjunto com a nova formade gerenciamento das cidades, a saber, o enclausura-mento de uma parcela da sociedade em enclavesfortificados (Caldeira, 2000; Davis 1993), que refleteuma idia de isolamento por meio de um limitemurado. A promoo da soluo privada desegurana e o monitoramento eletrnico em espaosabertos de circulao pblica fazem emergir, paraalm desse isolamento, investimentos de um gruposocial sobre a expanso de sua prpria mobilidade.Em outras palavras, um processo de imobilizaoe desaparecimento de alguns grupos sociais em prolda perpetuao de seu prprio movimento.

    No caso do monitoramento do centro da cida-de, as pessoas no eram identificadas, mas fluxoseram redirecionados. Tambm no caso das tecnolo-gias de vigilncia relacionadas com as possibilidadesdo passaporte brasileiro, assim como a triagem depassageiros nos aeroportos, o que se torna visvelpara o sistema no o indivduo, mas grandes perfis.O indivduo dissolve-se num emaranhado de dadose informaes. O que passa a ser explorado o po-tencial gerado pela combinao de diferentes dados.O sistema possibilita a criao de esteretipos, e apartir deles que se pode negar ou permitir acesso,autorizar ou no a circulao internacional.

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    Cada vez mais softwares so programados nosentido de realizar essa operao de triagem. J es-to incorporados nele a capacidade de correlaode diferentes bancos de dados e a gerao de perfisque sero reconhecidos pelo prprio softwarecomo

    suspeitos ou adequados. Virilio (1996) d uma pistainteressante nesse sentido quando analisa a mudan-a de perspectiva nas sociedades capitalistas. Eleafirma que a questo da guerra pode ser resumidana questo da velocidade. Com a possibilidade deum ataque nuclear e a reduo de seu aviso prviode 15 minutos, em 1962, para 10 minutos (msseisbalsticos) e 2 minutos (armas guiadas por satlite),em 1972, promove-se uma progressiva contraodo tempo, que desloca o poder de reflexo e deci-so em favor de uma automao. Nessa configura-

    o, no mais necessrio aviso prvio de um ata-que para que se iniciem estratgias de defesa, pois asuspeita j suficiente para isso.

    nessa contrao do tempo que a antecipaoou a preveno surgem como formas de atuao efuncionamento do poder, elementos que interagemcom o foco sobre mobilidades e circulao. Nestecenrio em que a velocidade a medida, Virilio ain-da esboa consideraes sobre o estado de emer-gncia em que passamos a viver. Nele, antecipaosobrepe-se imaginao at o ponto em quegovernar seria apenas prever, simular, memorizaras simulaes (Virilio, 1996, p. 131). Vale destacarainda que as formas de atuao que enaltecem oufocalizam a antecipao e a preveno esvaziam asdecises de seu carter poltico e afastam possibili-dades alternativas.

    Automao, poder e controle

    Com intuito de abordar as tecnologias de vigi-lncia para segurana como parte de uma tecnologiapoltica atual necessrio distanciar a possibilidadede compreend-las como um aprofundamento dopanptico de Jeremy Bentham, analisado por MichelFoucault (2000). Em aluso anlise foucaultiana,alguns autores tm se referido aos dispositivos quecompem os circuitos fechados de televiso deforma geral e no especificamente sobre biome-tria como panptico universal (Machado, 1990),

    panptico eletrnico ou superpanptico (Pos-ter, 1990 apudWood e Graham, 2002), sinalizandoum aprofundamento (por uma via tecnolgica) doexerccio do poder disciplinar descrito por Foucault.Os autores que analisam as atuais cmeras de moni-

    toramento aproximando-as do panptico acabamrestringindo-se questo da vigilncia e ao princ-pio da visibilidade obrigatria para os vigiados einvisibilidade do vigilante, como recurso para oadestramento e sua interiorizao pelos indivduos.

    Arlindo Machado, por exemplo, parte da ins-talao de cmeras de monitoramento, que foiabrangendo espaos cada vez maiores, do aeroportoao trnsito, at os satlites, para afirmar a prolifera-o e a universalizao da vigilncia. Ele entende osmodernos sistemas de vigilncia como uma atuali-

    zao do panptico de Bentham, e a difuso cres-cente de dispositivos, como sua universalizao.

    Assim, tais sistemas realizariam

    [...] na era da eletrnica e da informtica, omesmo papel paradoxal da mquina bentha-miana, produzindo os efeitos de disciplina pro-postos por Foucault. Tal como o panptico deBentham, os dispositivos eletrnicos de vigi-lncia generalizam para toda a sociedade m-todos de coero nascidos no interior de pres-dios ou antes apenas localizadamente, nainvestigao ou represso policial (Machado,1990, p. 95).

    Apesar de essas tecnologias terem como umde seus efeitos a sensao de contnua visibilidade,provocando a internalizao da sensao que pres-cinde uma vigilncia ininterrupta, e de garantirem ainvisibilidade de seu observador, elas no se apro-ximam de prticas e discursos fundamentais para oexerccio das disciplinas. Ao relacionarem assim ascmeras de monitoramento com o panptico, al-guns autores instrumentalizam parte do pensamen-to foucaultiano, mas distanciam-se da genealogiaproposta pelo filsofo. Aproximar-se da noofoucaultiana de poder no significa analisar os dis-positivos eletrnicos de segurana e controle como

    vinculados ao panptico.Foucault (2002) no analisa o poder em uma

    atuao essencialmente repressiva ou de negao,

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    como algo que emana do Estado, mas sim em suaprodutividade ou positividade, na produo de sa-beres, prticas e tcnicas. Com esse foco, em vez departir do Estado e verificar seu prolongamento nasociedade, ele prope uma anlise ascendente do

    poder, partindo de seus mecanismos infinitesimaispara verificar como so investidos, utilizados oudeslocados. Por essa via, o autor diferencia tipos deexerccio do poder, como o de soberania e o disci-plinar. Para ele, a teoria do direito e o discurso jur-dico-poltico organizam-se em torno da questo dasoberania, estando, portanto, diretamente relacio-nados com a manuteno das sociedades na IdadeMdia e centrados na figura do rei.

    A partir do sculo XVIII, uma nova mecnicade poder passa a incidir sobre os corpos de forma

    diferente do que ocorria na soberania: docilizaodos corpos e de atitudes, denominada pelo fil-sofo como poder disciplinar, o qual se relacionacom o panptico. Os mecanismos de poder disci-plinares no supliciam ou castigam os corpos, comoera tpico da soberania, mas os adestram, aprimo-ram e permitem extrair deles tempo e trabalho,mais do que bens e riqueza (Foucault, 2000, p. 139)por meio de instituies disciplinares, como a esco-la, a fbrica, o hospital, a priso, e para alm delas.Entre os recursos ou instrumentos12 para esse ades-tramento est a sano normalizadora um mo-delo de penalidade que tem como funo a redu-o dos desvios em direo a uma normalizao.

    A utilizao das tecnologias de vigilncia novisa correo dos desvios por meio de uma rotinarigorosa e repetitiva de exerccios, no h sanonormalizadora, essencialmente corretiva e tpica dassociedades disciplinares. Assim, mesmo que a introje-o da sensao de vigilncia seja permanente, ouque a invisibilidade do observador continue garanti-da, o sistema de penalidades historicamente especfi-co da disciplina no est em andamento. As cmerasde monitoramento, os dispositivos biomtricos, ossaberes e as prticas eles correspondentes no se

    vinculam mais ao lugar ou ao tempo adequados paraa punio exemplar, e sim permisso ou recusado acesso, que desloca e dilui a punio para o mo-mento sempre imediato da mobilidade, da circulao.

    Da mesma forma, em lugar do indivduo, queera o efeito e a produo do poder disciplinar, o

    que emerge com essas tecnologias o fluxo de in-formaes. O foco da vigilncia, portanto, no mais o indivduo, mas o fluxo, sua cadncia, seumovimento, suas conexes de informao, a poten-cialidade que emerge da combinao de informa-

    es e sua mobilidade. Assim, apesar da introjeoda idia de visibilidade, somente as atitudes que sedestacam no fluxo chamam a ateno. sobre perfisque se opera a visibilidade, sobre figuras que se tor-naram representantes de perigo ou de inadequao.No entanto, no se trata mais de um visibilidadeque individualiza, mas que sinaliza um erro, um des-

    vio do fluxo, que no ser corrigido por uma san-o normalizadora como na sociedade disciplinar.

    Regulao da mobilidade, promoo da invi-sibilidade pela imerso no fluxo e da visibilidade

    pela representao de inadequao so alguns dosefeitos dessas tecnologias em conexo com outrosprocessos em andamento. Da mesma forma, ca-racterizam essa forma de funcionamento do po-der a contrao do tempo, a preveno e a auto-mao. As tecnologias de vigilncia hoje atuam porantecipao de aes, na previso dos prximosmovimentos, operando e agindo nos limites da

    variao da incerteza.A atualidade das tecnologias de monitoramen-

    to coincide com um funcionamento do poder queno mais disciplinar, elas participam de uma novaracionalidade poltica, compem com novas tec-nologias polticas. importante ter em conta que a

    visibilidade formada de linhas de luz que formamfiguras variveis e inseparveis deste ou daquele dis-positivo (Deleuze, 2000). As prises, os hospitais eas escolas eram instituies vinculadas ao poder dis-ciplinar; eram parte de dispositivos que tinham cer-to regime de luz e faziam nascer um objeto, que erao prprio indivduo. Ainda segundo Deleuze, o atualno o que somos, mas aquilo em que vamos nostornando:

    necessrio distinguir, em todo o dispositivo,o que somos (o que no seremos mais), e aqui-lo que somos em devir: a parte da histria e aparte do atual. A histria o arquivo, a confi-gurao do que somos e deixamos de ser, en-quanto o atual o esboo daquilo em que va-mos nos tornando. Sendo que a histria e o

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    arquivo so o que nos separa ainda de ns pr-prios, e o atual esse outro com o qual j coin-cidimos (2000, p. 93).

    Deleuze (2000) d a direo tambm ao afir-

    mar que os indivduos, identificados por assinaturaou por um nmero, tornaram-se dividuais, divisveis,identificveis por cifras ou senhas, e as massas tor-naram-se amostras, dados, mercados ou bancos.Uma nova correlao de foras e novos agencia-mentos coletivos relacionam-se com a mutao docapitalismo de concentrao do sculo XIX, com acrise das instituies. Em consonncia com este au-tor, a utilizao das tecnologias de vigilncia aquitratadas fazem parte de um dispositivo de poderque funciona muito mais por meio de controle con-

    tnuo, via comunicao imediata, num contexto ca-pitalista de sobreproduo, em que se objetivam acompra de aes e a venda de servios, entre eles,os relacionados com a segurana. Gilles Deleuzetambm fornece uma chave de compreenso dessepanorama ao apontar o marketingcomo instrumen-to de controle contnuo e ilimitado.

    Por outro lado, afirmar que as tecnologias demonitoramento se aproximam mais do controle doque da disciplina no significa argumentar que noh mais nenhum elemento das sociedades discipli-

    nares na atualidade, mas sim sinalizar esse outrocom o qual j coincidimos. O contexto brasileiroe as desigualdades de nossa sociedade sinalizam ele-mentos disciplinares e de controle. Alm disso, tam-bm no possvel afirmar que esses tipos de so-ciedade, como analisadas por Foucault e Deleuze,sucedam-se numa seqncia.

    De acordo com Foucault (2006, p. 23), no possvel afirmar que mecanismos de funcionamentodo poder sucedam-se de forma a provocar o desapa-recimento dos precedentes. Para este filsofo ocorre

    um aperfeioamento das tcnicas e uma mudanano sistema de correlao entre mecanismos dife-rentes. Nesse sentido, uma determinada tecnologiade poder pode colocar em funcionamento dentrode sua prpria ttica diferentes mecanismos, comose os atualizasse. Em suma, podem conviver meca-nismos disciplinares, de soberania ou de controle.

    Didier Bietlot (2003) afirma, por sua vez, queno lugar da livre circulao, h uma rede de colabo-

    rao policial, conexes informticas, medidas ediscursos que edificam um continuumsecuritrio,o qual abrange, por transferncia de legitimidade,do combate s drogas e ao terrorismo at a imi-grao e o direito de asilo. Segundo o autor, des-

    de o fim da Guerra Fria, o campo da seguranainterna se reconfigurou e, hoje em dia, a imigra-o (em especial islmica) que constitui a ameaaprincipal e a que deve firmemente fazer face aosdispositivos securitrios.

    De um lado, as prticas e os discursos nestecenrio legitimam as polticas de migrao restriti-

    vas ou ditas de imigrao zero, de outro, essesdispositivos propagam medo, angstia, sentimen-tos difusos de insegurana e conforto, fazendo comque a populao reclame freqentemente por mais

    medidas securitrias.Vale destacar ainda que Bietlot prope a exis-

    tncia simultnea de mecanismos de poder discipli-nares e biopolticas (Foucault) aperfeioadas commecanismos de controle (Deleuze), e ainda umareapario do velho poder soberano e do Estadopermanente de exceo (Agamben) em face dasameaas de insegurana. Passetti (2004) parece per-correr caminho semelhante, sobrepondo controle,disciplina e soberania. No entanto, em Bietlot essaproposta denominada sociedade securitria, quesucederia sociedades disciplinares. Para o autor, adesregulao neoliberal criou inevitvel e voluntaria-mente uma situao de insegurana e de incerteza.

    As desordens sociais engendradas por essa situaofornecem as razes de ser aos seus controles e vio-lncias. Os dispositivos securitrios encarregar-se-iam no somente de prevenir a desordem, mas tam-bm de defini-la e, eventualmente, suscit-la.

    Deter-se na sobreposio e no na sucesso deformas de funcionamento do poder pode ser uminteressante caminho para as pesquisas na atualidade.

    A capacidade de vigilncia e controle nas sociedadescontemporneas ocidentais, a velocidade de avan-o e a obsolescncia das tecnologias, os discursos eas representaes, os saberes e as prticas associa-dos a este cenrio e, mais profundamente, as atuaismudanas no capitalismo conectam-se a importan-tes transformaes sociais. Nesse sentido, as novastecnologias de segurana tratadas neste artigo, taiscomo cmeras de monitoramento e dispositivos

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    biomtricos de controle, configuram-se como ummote para uma aproximao e a anlise desse cam-po premente e fecundo de pesquisas.

    Notas

    Nesse contexto, vale destacar como exceo brasileira aperformanceartstica Atitude suspeita, realizada em2006, pelo grupo Esqueleto Coletivo, visando s c-meras de vigilncia instaladas no centro da cidade deSo Paulo. Tambm importante ressaltar que, noBrasil, pesquisadores e artistas vinculados rea decomunicao tm se voltado nos ltimos anos para otema da vigilncia, tais como Bruno (2004, 2006 e2008) e Leblanc (2009). Tambm na rea de arquitetu-ra e urbanismo tem surgido trabalhos que versamdiretamente sobre o tema (Firmino et al., 2009).

    Cf. documento: A fico cientfica chega at a vida(s.d.).

    Cf. documento: A biometria como processo de se-gurana, 2005.Revistas do setor de segurana foramacompanhadas durante a pesquisa sobre cmeras rea-lizada entre os anos de 2002 e 2005 com o intuito deapreender a formulao de saberes, o surgimentode tcnicos e cursos de formao que passaram a defi-nir o que segurana na atualidade e como deve sergerida. Foram escritos nesse perodo textos abordan-

    do a biometria.Uma nova tecnologia baseada na biometria deve embreve comear a dispensar a necessidade de memori-zao de tantas senhas para cartes de crdito, banco ecomputador, entre outras. Uma rpida verificao da

    ris ou impresso digital poder, por exemplo, auto-rizar uma transao bancria (cf. documento: Bio-metria facilita a vida dos que tm que decorar muitassenhas, 2004).

    Presente em departamentos de trnsito de vrios es-tados brasileiros, o sistema biomtrico teve como jus-tificativa inicial a necessidade de combate fraude nosprocedimentos dos Detrans. Apesar de no ser obje-tivo deste artigo a avaliao da eficincia desses sis-temas, importante apontar que a persistncia dasfraudes parte do debate brasileiro atual sobre bio-metria. O quadro remete a uma adoo pouco refle-tida de solues tecnolgicas, sem a devida participa-o e debate da sociedade civil, e a gerao de novos,ou a perpetuao de antigos problemas, para os quaisnovas solues tecnolgicas ou equipamentos de

    vigilncia ainda mais onerosos so alavancados (cf.

    documento: Malha fina do Detran pega 200 auto-escolas e 19 mil motoristas, 2008).

    Cf. documento Instituto de Identificao demons-tra novo sistema: Rondnia pioneira, 2009.

    O projeto do novo passaporte compreende, alm da

    instituio da caderneta de viagem, um completo sis-tema de controle a ser instalado em todos os portos,aeroportos e postos de fronteira, alm da rede consu-lar no exterior, com leitura mecnica desses documen-tos na fiscalizao do trfego internacional. O projeto resultado de parceria do Ministrio da Justia, pormeio do Departamento de Polcia Federal, do Minis-trio das Relaes Exteriores, do Servio Federal deProcessamento de Dados Serpro e da Casa da Moe-da do Brasil CMB (cf. documento: Informaessobre o novo passaporte brasileiro, s.d.

    Idem, grifos meus. Vale lembrar que as idias de credibi-lidade internacional e modernizao compem umajustificativa para a importncia das mudanas no passa-porte. A esse respeito ver a atual pesquisa em curso,que tambm se preocupa em investigar a funcionalida-de e o papel do acionamento dessas idias no contextode implementao da nova carteira de identidade (RIC).

    Cf. documento: Conhea o novo passaporte brasi-leiro: elementos do novo passaporte brasileiro, s.d.

    O cdigo de barras bidimensional difere do tradicio-nal encontrado em contas bancrias ou produtos desupermercado. Enquanto no tradicional as informa-

    es so armazenadas em linha e a quantidade de da-dos depende do comprimento, no cdigo bidimen-sional, os dados esto em formato de um quadradocomposto por vrios outros quadrados menores.Neste caso, os dados so armazenados em linhas ecolunas, dando a possibilidade de armazenamentode uma maior quantidade de informaes.

    Um e-passaporte incorpora dados relativos identi-dade de um indivduo, as diretrizes atuais da Icaorequerem que e-passaportes incluam informaes dereconhecimento facial. Os contornos dos rostos dosindivduos so digitalmente mapeados e armazena-

    dos em um chip de forma que a comparao da infor-mao facial do portador do passaporte possa ser feitacom a informao da pessoa cujo passaporte foi emi-tido (cf. documento: Visa Waiver Program, 1990,trad. minha).

    O sucesso do poder disciplinar se deve sem dvidaao uso de instrumentos simples: o olhar hierrquico,a sano normalizadora e sua combinao num pro-cedimento que lhe especfico, o exame (Foucault,2000, p. 143).

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    RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMS 189

    MOBILIDADE COMO FOCO DASTECNOLOGIAS DE VIGILNCIA

    Marta Mouro Kanashiro

    Palavras-chave:Vigilncia; Tecnologia;Poder; Mobilidade; Representao social.

    As tecnologias de vigilncia e o monito-ramento para a segurana, recorrentes nassociedades contemporneas ocidentais,conectam-se a importantes transforma-es sociais e a diferentes temas pesqui-sados nas cincias sociais. Compreendidascomo parte de dispositivos de funcio-namento do poder, as cmeras de vigi-lncia e as novas tecnologias, como a bio-metria incorporada aos passaportes, no

    se vinculam mais punio exemplar dasociedade disciplinar foucaultiana, e sim permisso ou recusa do acesso. Comoparte de uma pesquisa em andamento,que tem como um de seus focos a bio-metria incorporada em documentos, estetexto faz um levantamento de algumasabordagens que analisam mobilidade,tecnologias de vigilncia e circulaointernacional de pessoas, com novas re-presentaes e definies de perigo einsegurana.

    MOBILITY AS FOCUS OFSURVEILLANCE TECHNOLOGY

    Marta Mouro Kanashiro

    Keywords: Surveillance; Technology;Power; Mobility; Social representation.

    Surveillance and monitoring technolo-gies for security, recurrent in contempo-rary western societies, are connected toimportant social transformations, and todifferent themes studied in social sci-ences. Understood as power devices, sur-veillance cameras and new technologiessuch as biometrics embedded in passports,are no longer related to exemplary pun-ishment as in foucaultian disciplinary

    society. They now relate to permissionor denial of access, which displaces anddilutes punishment away to time andspace of mobility or circulation. As partof an on going research, which has bio-metrics embedded in documents as oneof its themes, this paper tracks some ap-proaches that connect mobility, surveil-lance technologies and the movement ofpeople worldwide with new representa-tions and definitions of risk and uncer-tainty.

    LA MOBILIT EN TANT QUEPOINT FOCAL DES TECHNO-LOGIES DE VIGILANCE

    Marta Mouro Kanashiro

    Mots-cls: Surveillance; Technologie;Pouvoir; Mobilit; Reprsentation so-ciale.

    Les technologies de surveillance et demonitoring de scurit, courantes dansles socits contemporaines occidenta-les, sont lies dimportantes transfor-mations sociales et diffrents thmesdtudes en sciences sociales. Comprisescomme des dispositifs de pouvoir, les ca-mras de surveillance et les nouvelles tech-nologies, telle que la biomtrie incorpo-re dans les passeport, ne sont plus asso-

    cis la punition exemplaire de la socitedisciplinaire foucaultienne, mais lauto-risation ou non un droit daccs, quidplace et dilue la punition dans un mo-ment toujours immdiat de la mobilitet de la circulation. Comme partie dunetude en cours, qui a entre autre pointcentral la biomtrie incorpore dans desdocuments, ce travail fournit un inven-taire dabordages qui relient mobilit,technologies de surveillance et circula-tion internationale des personnes avecde nouvelles reprsentations et dfini-tion du danger et de linscurit.