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Da Histria das Ideias Pedaggicas Mitanlise das Ideias Educativas
Alberto Filipe ArajoUniversidade do Minho, Portugal
Resumo
No presente artigo, o autor analisa os contributos de Naninne Charbonnel e
de Daniel Hameline para a Histria das Ideias Pedaggicas, e em seguida
apresenta o seu prprio contributo baseado num trptico: Ideia Educativa,
Ideologema e Mitanlise.
Introduo
luz da "nova" Histria Intelectual (ou da "nova" Histria Cultural), e
de acordo com o Zeitgeist da Geistesgeschicht, cremos no ser mais possvel
pensar a Histria das Ideias Pedaggicas como uma espcie de progresso da
racionalidade pedaggica Compayr, ou seja, como uma procura das
origens e das influncias do pensamento dos grandes educadores do
passado, como uma espcie de tentativa emprica e mecanicista de
reconstituio da gnese do pensamento educativo ou, ento, como uma
anlise e comentrio das grandes obras pedaggicas. At hoje tem-se
privilegiado a genealogia de uma ideia ou de um iderio e suas influncias
prximas ou no; a reconstituio das fundaes de um termo, de que a ideia
de "escola activa" exemplo, bem como a perseguio do rasto e do
aprofundamento de determinada Ideia Educativa ou Pedaggica (de que a
ideia de Razo exemplo) atravs da histria das doutrinas ou das
instituies educativas. Pensamos, contudo, que estes procedimentos,
tomados no seu conjunto ou individualmente e no estado actual da crtica
historiogrfica, da hermenutica simblica e da "nova" Histria Intelectual ou
Cultural, no conseguem responder aos desafios mais ou menos complexos
de uma tambm "nova" Histria das Ideias Pedaggicas.
tendo, pois, em conta as limitaes atrs referidas que optamos por
analisar as propostas de Nanine Charbonnel sobre a Histria Conceptual do
Pedaggico e de Daniel Hameline sobre a sua noo de Ideia Pedaggica
para, depois, avanarmos com o nosso prprio contributo centrado numa
Histria das Ideias Educativas que faz dos conceitos de mitanlise e de
ideologema os seus estandartes avanados.
1. O Contributo de Nanine Charbonnel para a Histria dasIdeias Pedaggicas
Na nossa opinio, as teses de Nanine Charbonnel visam impedir que
se caia nas seguintes tentaes:
a) Fazer o "inventrio e a classificao sistemtica dos fundamentos
sobre os quais as diferentes prticas e teorias da educao
realmente ou aparentemente se apoiaram: a Natureza, Deus, a
Razo, a Sociedade, etc, para analisar os discursos
correspondentes, situando-os no seu contexto histrico" (Bernard,
1989: 19), isto , "partir de conceitos filosficos a priori
seleccionados como fundamentos e deduzidos arbitrariamente do
contedo semntico de enunciados histricos, nivelados ou
refractados, por uma retrospectiva totalitria" (1989: 20);
b) "Refazer o percurso ou o trajecto histrico da constituio do
discurso sobre a educao no interior da nossa cultura" (1989: 20).
Assim, Charbonnel retoma o estudo de Pierre Rosanvallon, a propsito
da "tradicional" Histria das Ideias Polticas salientando que esse tipo de
modelo de histria enferma de cinco fraquezas metodolgicas que passamos
a destacar:
1) a tentao do dicionrio;
2) a histria das doutrinas;
3) o comparativismo textual;
4) o reconstrutivismo;
5) o tipologismo (1986: 96-99).
Se acrescentarmos a estas "fraquezas" o "imperialismo da histria das
prticas e das instituies", o "imperialismo concorrente em aparncia, aliado,
em realidade, da histria das mentalidades" e a "influncia, sobre os
historiadores, da obra de Michel Foucault", assinalados por Nanine
Charbonnel (1988: 134), podemos, ento, dizer que o prestgio da Histria das
Ideias fica seriamente abalado.
So, pois, estas mesmas fraquezas e este tipo de imperialismo e de
influncia que dificultam ou mesmo impedem a "tradicional" Histria das
Ideias de nos fazer compreender o que h de "histrico" no movimento das
ideias, mesmo que nos ensine muitas outras coisas (1988: 99). Tendo, pois,
em conta este limite, Pierre Rosanvallon avana para a definio do objecto
conceptual do poltico, salientando que ele consiste em
comprendre la formation de l'volution des rationalits politiques, c'est--dire dessystmes de reprsentation qui commandent la faon dont une poque, un paysou des groupes sociaux conduisent leur action et envisagent leur avenir. Partantde l'ide que ces reprsentations ne sont pas un englobant extrieur laconscience des acteurs comme le sont par exemple les mentalits , maisqu'elles rsultent au contraire d'un travail permanent de rflexion de la socitsur elle-mme, elle a pour but 1) de faire l'histoire de la manire dont unepoque, un pays ou des groupes sociaux cherchent construire des rponses ce qu'ils peroivent plus ou moins confusment comme un problme et 2) defaire l'histoire du travail opr par l'interaction permanente entre la ralit et sareprsentation en dfinissant des champs historico-problmatiques. Son objetest ainsi d'identifier 'nuds historiques' autour desquels de nouvelles rationalitspolitiques et sociales s'organisent, des reprsentations du politique se modifienten rapport avec les transformations dans les institutions, les techniques degestion et les formes du rapport social. Elle est histoire politique dans la mesureo la sphre du politique est le lieu d'articulation du social et de sareprsentation. Elle est histoire conceptuelle parce que c'est autour de concepts l'galit, la souverainet, la dmocratie, etc. que se nouent et s'prouventl'intelligibilit des situations et le principe de leur activation (1988: 99-100).
Inspirando-se neste contributo, Nanine Charbonnel salienta que a
histria conceptual permite "focalizar a ateno sobre os sistemas tericos,
independentemente das suas relaes com a prtica, quando ordinariamente
se chama doutrina a uma mistura [bouille: papa letra] infame de textos e de
actos" (1988: 142). Deste modo, diz-nos que uma Histria Conceptual do
Pedaggico tem que marcar a diferena com o gnero da Histoire Critique des
Doctrines de l'ducation en France depuis le XVIe Sicle (1879), tal como foi
concebida por um Gabriel Compayr, propondo, para isso, que ela seja:
1 uma historiografia das estruturas conceptuais e no de "traos"
(elementos pitorescos);
2 uma historiografia dos "campos histrico-problemticos", e no a
proposta de uma "ideia";
3 uma historiogafia conceptual global, isto , que coloque em relao
todos os aspectos intelectuais de uma obra, como por exemplo as
suas dimenses religiosas, polticas, literrias, estticas,
astrolgicas (Charbonnel, 1988: 142).
Embora retomando as teses de Rosanvallon, que considera to
pertinentes como fecundas, no deixa, contudo, de observar que lhe coloca
algum embarao a sua expresso de "racionalidades polticas", aplicada ao
trabalho de representao. Se, por um lado, ela reconhece que, a fim de
escapar Histria das Mentalidades, o autor se veja obrigado a admitir a
construo intelectual, o trabalho conceptual dos agentes-actores dos
sistemas, j lhe custa perceber por que que ele teve que denominar os
campos intelectuais de "racionalidades". Esta dificuldade resulta do facto dela
considerar que s se pode fazer histria conceptual se se postular que esta
simultaneamente irracional e racional, sujeita a conflitos e a paradoxos lgicos
entre as diferentes correntes. Isso porque a sua "irracionalidade"
ne relve pas seulement de la faiblesse de pense ou de l'affectivit; elle nousparat consubstantielle la rflexion mme sur l'objet peut-tre le plus irrationnelen soi, l'ducation. C'est donc la comprhension de la rationalit de cetteirrationalit, qui peut seule guider les pas de qui s'attacherait cette nouvellehistoire du pdagogique. Ce n'est pas en psychanalysant les individus trsbizarres qu'ont t les plus grand pdagogues, que l'on saisira le systme deleurs penses; c'est en btissant une critique kantienne de la raison ducative,au sein de laquelle se jouent combats et paradoxes, antinomies et illusionsncessaires. Seule une approche philosophique, c'est--dire qui ne soit passeulement pistmologique, mais prenne en compte le contenu ontologique dece qui est penser, en l'occurrence l'ducation, peut donner l'historien desides les cls d'une tude fconde du discours pdagogique. Car c'est toujoursdans la saisie juste des articulations, bref dans la bonne prise des ides tudier, qui se manifestera l'acuit du bon historien (Charbonnel, 1988: 143-144).
Se verdade que uma Histria Conceptual do Pedaggico apela a
uma "crtica kantiana da razo educativa", no menos verdade que ela no
tenha igualmente que apelar a uma teoria do discurso educativo, ou seja, da
linguagem e da escrita prprias das doutrinas pedaggicas e/ou educativas.
O que Nanine Charbonnel prope ento, na sua Critique de la Raison
ducative (1988), que se estude os gneros lingusticos, a retrica com as
suas figuras de sentido tropos simples (metonmias, sindoques,
metforas) e complexos (hiplage, enlage, oxmoro, hiprbole, etc) , de
construo e de pensamento, tal como eles nos aparecem nos textos
pedaggicos e/ou educativos. Isso deve-se ao facto de ainda no se ter
estudado "nem as doutrinas pedaggicas, nem a sua prpria historiografia,
como formas de escrita" (1988: 144). A estas preocupaes, acrescenta ainda
Charbonnel que as Ideias Pedaggicas devem ser pensadas luz do seguinte
critrio: saber como as relaes do Mesmo (Mme le propre) e do Outro
(Autre) so pensadas em diferentes pocas e tradies: "As ideias
pedaggicas, de que preciso ento