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Metodologia de ensino na Matemática nos anos de 1980: dos exercícios de classe e
fixação à revisão
Mirian Carneiro de Azevedo Meira1
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia –UESB
Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar alguns aspectos da metodologia de ensino
de um livro didático da autoria de Scipione di Pierro Netto publicado em 1987 e endereçado
pelo Ministério da Educação e Cultura-MEC aos alunos da 6ª de série, a qual atualmente,
corresponde ao 7º ano do Ensino Fundamental. Direciona a abordagem a seguinte questão:
como a metodologia do ensino de Matemática era apresentada no livro didático nos anos de
1980 por intermédio dos exercícios de classe, fixação e revisão? Para responder à interrogação
recorreu-se à análise documental, tendo o referido exemplar como fonte histórica privilegiada,
visto que o livro didático apresenta uma proposta de ensino definida e muito utilizada pelo
professor em sala de aula quanto pelo aluno em situações de atividades extraclasse
contribuindo-se assim para entender-se o processo histórico de ensino. A produção dos dados
ocorreu por meio da seleção de trechos dos exercícios que foram digitalizados e examinados.
Os resultados apontam que a organização pedagógica pauta-se em uma metodologia de ensino
em que o exercício de fixação e revisão apresenta-se como um procedimento didático muito
utilizado pelo aluno e que, se observado, assimilado e executado pode facilitar a compreensão
dos conceitos matemáticos. Verificou-se ainda, que as listas de exercícios são extensas, nos
quais a resolução dos cálculos depende da aplicabilidade de fórmulas prontas, o que
efetivamente, não facilita aos educandos o desenvolvimento do raciocínio lógico e
a aprendizagem matemática.
Palavras- chave: Livro didático. Ensino de Matemática. Exercícios.
1. Introdução
Estávamos vivendo no ano de 1987. Com a queda das ações na Bolsa de Nova York, os
mercados mundiais entraram em pânico e desaceleraram a economia mundial provocando o
Acordo de Louvre em Paris, entre os países do G5 com a finalidade de estabilizar o dólar norte-
americano. No Brasil, a popularidade do governo Sarney encontrava-se em declínio e algumas
manifestações populares foram organizadas, sobretudo, no Rio de Janeiro, como forma de
reivindicar alguns direitos trabalhistas e chamar a atenção para a crise política e econômica que
1 Mestranda em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação – PPGed da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia e membro do Grupo de Estudos em Educação Matemática – GEEM da Uesb.
havia se instaurado no país. Enquanto corria o ano de 1987, o Brasil respirava aliviado o fim da
ditadura militar e a Constituição de 1988, promulgada no ano seguinte, ao tempo em que
colocava-se no papel, a educação formal como um direito de todos e dever do Estado e da
família.
De acordo com historiadores como Aranha (2004), a década de 1980 ficou marcada
como uma década de crise na educação brasileira. Faltavam docentes especialistas nas escolas
públicas de Ensino Fundamental e Médio e por isso, se expande a oferta de emprego
direcionada a “um exército de reserva de mão de obra desqualificada e barata, o que faz manter
nossa dependência para com países desenvolvidos” (ARANHA, 2004, p.215). Há uma
expansão no processo de privatização do ensino e os poucos professores especialistas são
contratados para ministrar aulas nas instituições de ensino particular destinadas a grupos
privilegiados. No contexto da sala de aula, a metodologia de ensino é voltada para uma tímida
formação geral e preparação do aluno para o vestibular predominando, portanto, um ensino
seletista no qual a elite mais bem preparada ocupava a maioria das vagas das universidades
públicas do país. Há indícios de que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBN
nº 7.044/82 que priorizava o ensino profissionalizante era reconhecida como fracassada ao
tempo em que já era idealizada uma educação para uma formação mais abrangente em que são
considerados o aspecto intelectual, afetivo, moral e social do aluno.
Em relação à distribuição do livro didático nas escolas públicas, o histórico apresentado
no portal do FNDE, o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD criado no Brasil em 1929
por intermédio do Decreto-Lei n 1.006 de 30 de dezembro de 1938 consolidava uma política de
legislação, controle e distribuição de milhões de livros e acabava excluindo os professores do
direito de escolha dos exemplares que seriam utilizados nas escolas. Em 1966, o Ministério da
Educação e Cultura-MEC faz um acordo com a Agência Norte Americana para o
Desenvolvimento Internacional – Usaid adquire recursos financeiros e cria uma comissão
específica para coordenar a produção e edição do livro didático, bem como firmar parcerias
entre as principais editoras nacionais. Em 1971, o acordo MEC/Usaid é desfeito e as unidades
federativas brasileiras são convocadas a investirem recursos para o Fundo do Livro Didático –
FLD. Mas, mediante o Decreto 77.107 de 04 de fevereiro de 1976 que extingue o Instituto
Nacional do Livro – INL e a escassez de recursos financeiros do Fundo Nacional do
Desenvolvimento da Educação – FNDE torna-se impossível atender a demanda de todos os
alunos do ensino fundamental e muitas escolas da rede municipal não são contempladas com a
distribuição gratuita dos livros didáticos. Em 1985, o Decreto nº 91.542 de 19/08/85 cria o
Programa Nacional do Livro Didático – PNLD e o livro didático pode ser escolhido pelos
professores, reutilizado pelo aluno durante um período de até quatro anos e o material impresso
em seu aspecto gráfico passa pelo controle de qualidade visando maior durabilidade.
É sabido que os livros didáticos são valiosas fontes na investigação da trajetória da
educação matemática no Brasil. No entanto, eles ainda continuam sendo praticamente o único
material didático pedagógico utilizado pelo professor em todas quase todas as aulas. E o plano
de aula, por vezes, ainda é elaborado seguindo-se à risca as orientações contidas no manual de
instruções do livro do mestre que acompanha as coleções distribuídas nas escolas. O
Repositório Institucional da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC armazena,
preserva e oferece-nos um acervo com produções científicas relevantes para a continuidade da
discussão, compreensão e produção histórica do processo de escolarização matemática,
servindo-nos de referencial para a produção desse trabalho.
Neste trabalho intitulado: “Metodologia de ensino na Matemática nos anos de 1980:
dos exercícios de classe e fixação à revisão”, são priorizados. O texto aqui apresentado é fruto
de leituras envolvendo o ensino de Matemática sem, no entanto, perder o foco em alguns
aspectos pontuados na metodologia de ensino apresentada no exemplar analisado. Para fazer a
análise do exemplar escolhido, observou-se algumas de suas características, bem como sua
estrutura e proposta didática envolvendo os exercícios em classe, de fixação e revisão. O livro
foi encontrado no nosso acervo particular. Pertenceu a um membro da família e seu uso
ocorreu durante a sexta serie do Ensino Fundamental em 1991. Como o exemplar foi entregue
ao usuário durante o seu terceiro ano de vida útil, não exigia-se que este fosse devolvido à
escola por considerá-lo consumível após o terceiro ano consecutivo de uso.
2. Objetivo, questão central da pesquisa e breve descrição do exemplar analisado
A presente pesquisa busca analisar alguns aspectos da metodologia de ensino de um livro
didático da autoria de Scipione di Pierro Netto, um professor da rede pública de ensino
durante as décadas de 1950 até 1970, graduado em Matemática pela PUC de São Paulo e
doutor em Educação pela Universidade de São Paulo - USP. O livro publicado em 1987 pela
Saraiva, encontrava-se na sétima edição e foi endereçado pelo Ministério da Educação e
Cultura-MEC aos alunos da 6ª de série, que atualmente, corresponde ao 7º ano do Ensino
Fundamental.
A compreensão da História é permeada por indagações sobre o ensino no cotidiano
escolar e transmitida por meio de metodologias específicas em cada etapa de escolaridade.
Assim, direciona a abordagem a seguinte questão: como a metodologia do ensino de
Matemática era apresentada nos livros didáticos nos anos de 1980 por intermédio dos
exercícios de classe, fixação e revisão? Percebe-se que o foco central do exemplar trata-se de
conceitos e operações e cada conteúdo abordado traz exemplos, que tinha como finalidade
facilitar a compreensão do aluno mediante a explicação do professor. O exemplar é composto
por 131 páginas e está na 7ª edição em forma de brochura. Na capa, é apresentado o título da
disciplina, o nome do autor, a série, a identificação da editora e um pequeno adesivo no canto
superior direito indicando que o material é uma distribuição gratuita do MEC em parceria
com o PNLD e a Fundação de Assistência ao Estudante – FAE.
Está sistematizado em cinco partes e subdividido em nove unidades e cada uma delas
introduzem, de forma pouco contextualizada, os conteúdos que são conduzidos por um
repertório de algoritmos em que os exercícios apresentam enunciados norteados por uma
proposta de ensino na qual o aluno é direcionado a efetuar cálculos, copiar, determinar,
recordar e assinalar (V) para as sentenças verdadeiras e (F) para as falsas tanto nos exercícios
contendo questões de múltipla escolha quanto nos testes disponibilizados no final de cada
capítulo do livro. Cada etapa possui identificações pouco específicas no intuito de orientar o
aluno.
Imagem 01: Capa do exemplar
Fonte: recorte fotográfico do (LD) feito pela autora em 11/07/2016.
Na apresentação do livro, encontra-se um texto endereçado ao aluno, no qual o autor
expõe a sua proposta didática e descreve, de maneira sucinta, cada parte do exemplar e indica
a intenção pedagógica de cada exercício. O autor divide o livro em cinco partes chamando-as
de etapas que contêm: breve exposição dos conteúdos com foco em conceitos e operações,
primeiros exercícios de classe, exercícios de classe e de fixação, exercícios de revisão e
aprofundamento e última parte dos testes.
Observa-se que cada uma dessas partes estão desarticuladas umas das outras, assim como
os conteúdos apresentados em cada capítulo. Não há uma preocupação do autor em retomar
um assunto anterior para introduzir um subsequente. Percebe-se também que nos exercícios
não há nenhuma orientação para que professor e alunos possam interagir em sala de aula. Não
há evidências de que o trabalho em grupo, a troca de ideias entre docente e discentes fossem
priorizadas durante a realização de atividades em classe. Verificou-se que não há uma
preocupação do autor em produzir enunciados nos exercícios que levassem o aluno a refletir e
raciocinar sobre diferentes possibilidades de resolver os problemas, conforme enfatiza os
autores: “quando trabalhamos num problema, o nosso objetivo é, naturalmente, resolvê-lo. No
entanto, para além de resolver o problema proposto, podemos fazer outras descobertas que,
em alguns casos, se revelam tão ou mais importantes que a solução do problema original”
(PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2013, p. 17).
Imagem 02: Texto de apresentação do livro direcionado ao aluno
Fonte: recorte fotográfico do (LD) feito pela autora em 11/07/2016.
No texto de apresentação do livro Scipione (1987) apresenta a primeira etapa das
“exposições dos conteúdos”, colocadas como um instrumento facilitador de aprendizagem,
nas quais os alunos observam os exemplos modelos apresentados para compreensão do
assunto mediante a explicação do professor. A segunda etapa, “primeiros exercícios de
classe”, tem como objetivo “fixar” a aprendizagem imediata, no sentido de memorizar ou
reter os conteúdos estudados. Tais exercícios eram efetuados pelos alunos em sala de aula,
após a explicitação do conteúdo pelo professor. Posteriormente, a terceira etapa é chamada de
“exercícios de classe e fixação” contém atividades para os alunos realizarem tanto em classe
quanto em casa. A penúltima parte é denominada de “exercícios de revisão e
aprofundamento” tinha o intuito de atender os alunos que possuíam um interesse maior pelos
conteúdos matemáticos e á medida em que faziam os exercícios revisavam a matéria e
aumentava os conhecimentos matemáticos ora estudados. E por último, a quinta parte, no
final de cada capítulo do livro, é composta por diversos “testes” de múltipla escolha, que
visava preparar o aluno para futuras seleções em concursos e vestibulares.
3. Aporte teórico-metodológico
Desde o início do século XX que a utilização de livros didáticos vem sendo muito comum
nas instituições de ensino no Brasil, sobretudo, no ensino de Matemática. Os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) reforçam a ideia de que o livro didático é um instrumento
pedagógico propício para auxiliar o professor no processo de ensino.
O problema é que tal prática, na maioria das vezes, é exercida pelos professores
considerando o livro didático como um importante recurso pedagógico sem haver uma
preocupação com a análise do material, a reelaboração e adaptação das atividades à realidade
do aluno, a análise dos exercícios e das propostas de ensino que são veiculadas e aplicadas
durante as aulas de uma determinada disciplina. Ou seja, os livros didáticos sempre ocuparam
um espaço relevante no ensino de Matemática, são fontes privilegiadas para a compreensão
histórica, mas precisam passar por uma avaliação para atenderem, especificamente, cada
realidade sociocultural.
Desde os seus primórdios, ficou assim caracterizada, para a matemática
escolar, a ligação direta entre compêndios didáticos e desenvolvimento de
seu ensino no país. Talvez seja possível dizer que a matemática se constitua
na disciplina que mais tem a sua trajetória histórica atrelada aos livros
didáticos. Das origens de seu ensino como saber técnico-militar, passando
por sua ascendência a saber de cultura geral escolar, a trajetória histórica de
constituição e desenvolvimento da matemática escolar no Brasil pode ser
lida nos livros didáticos (VALENTE, 2008, p.141).
É nessa perspectiva que os livros didáticos de Matemática se tornaram importantes fontes
de pesquisas em Educação Matemática, sobretudo, quando decide-se investigar a trajetória do
ensino de Matemática e construir a história dos saberes escolares.
4. Reflexão sobre a organização pedagógica apresentada nos exercícios de classe,
fixação e revisão
Para responder a nossa questão de pesquisa, selecionamos alguns exercícios de classe,
fixação e revisão apresentados na segunda e terceira unidade do livro envolvendo “os inteiros
relativos”. Empregando a análise textual e foi possível perceber que a metodologia de ensino
adotada não se preocupou em levar o aluno a associar o conhecimento matemático à situações
do cotidiano, tornando-se evidente que o foco do ensino tradicional de matemática muito
presente nos anos de 1980 pautava-se na memorização de fórmulas, na realização de testes e
provas escritas, bem como na preocupação com a fixação de uma aprendizagem mecanicista e
distante de uma aproximação com o cotidiano do aluno. Nos exercícios, há um formalismo de
regras, algoritmos e fórmulas que objetiva levar os educandos a resolverem atividades de
cálculos em caráter rígido e complexo em que percorria-se um caminho previamente
delineado pelos cientistas matemáticos para se alcançar a exatidão dos resultados. Nas
palavras de Schliemann (2006, p. 21):
O ensino de matemática se faz tradicionalmente, sem referencia ao que os
alunos já sabem. Apesar de todos reconhecerem que os alunos podem
aprender sem que o façam na sala de aula, tratamos nossos alunos como se
nada soubessem sobre tópicos ainda não ensinados.
A segunda unidade do livro introduz o conteúdo envolvendo os números relativos no
qual o autor apresenta o conceito e chama a atenção do aluno para quantias monetárias
mantendo a nomeclatura cruzeiro e a simbologia Cr$, moeda brasileira que não estava mais
vigente na década de 1980, porque havia sido substituído pelo cruzado. O Plano Cruzado,
lançado em 28 de fevereiro de 1986 no governo do presidente José Sarney, tinha como meta
principal reduzir e controlar a inflação.
O texto que introduz o conteúdo na unidade dois é muito sucinto, não há gravuras
representando o sistema monetário, nem situações envolvendo uma simulação em que os
alunos reflitam sobre uma feira livre ou supermercado em que os inteiros relativos são
empregados em diferentes situações de compra e venda dos produtos,fazendo alusão aos seus
preços, a soma, subtração e multiplicação dos valores na negociação de tais produtos
comercializados tanto no atacado quanto no varejo. A abordagem envolvendo situações
problemas que levassem o aluno a refletir sobre o preço de alguns produtos, a quantia
necessária para a aquisição de bens e serviços em uma determinada empresa, bem como a
comparação entre diferentes escalas de temperaturas poderia servir como elemento facilitador
na aprendizagem do referido conteúdo.
Imagem 03: introdução e abordagem de um conteúdo
Fonte: recorte fotográfico do LD feito pela autora em 11/07/2016.
Para introduzir o conceito de um número inteiro relativo, o autor menciona de forma
sucinta a situação de um professor que fez depósitos em um determinado banco e em seguida
começou a fazer diversos saques do dinheiro depositado, chamando a atenção do aluno para o
saldo bancário que envolve crédito e débito. No entanto, percebe-se que o texto é escrito de
forma fragmentada, composto por frases soltas, dificultando, portanto, o raciocínio lógico do
aluno. Primeiro, entende-se que o professor tinha 5 mil cruzeiros que foram depositados na
sua conta. Mas ele precisou de 2 mil e fez o primeiro saque, restando apenas 3 mil em sua
conta. Posteriormente, ele fez o segundo saque e retirou mais uma quantia de 2 mil restando-
lhe apenas mil cruzeiros. Em seguida, o professor faz o terceiro saque e retira mais 2 mil. Mas
não é explicado como é possível uma pessoa possuir um crédito de mil cruzeiros e realizar o
terceiro saque de 2 mil reais de sua conta. No final da página 20, apresentada na figura 03, há
uma nota de rodapé na qual o autor menciona que os bancos emprestam dinheiro aos seus
clientes por meio dos cheques especiais.
Mas não aparece uma explicação clara do que significa um cheque especial, o que o
professor precisou fazer para conseguir do banco, o empréstimo dos mil cruzeiros, como são
feitas as transações bancárias envolvendo empréstimos, juros simples e como os inteiros
negativos são explicitados nessa abordagem. Tais explicações, são, ao nosso ver,
fundamentais para contextualização do conteúdo, porque elas podem estar associadas a
situações socioeconômicas e culturais como forma de facilitar o desenvolvimento do
raciocínio lógico do aluno (SCHLIEMANN, 2006).
Nesse sentido, verifica-se uma lacuna na maneira do autor apresentar o texto para explicar
o conceito do número inteiro relativo. Nas atividades selecionadas neste trabalho o ensino
matemático aparece isolado do cotidiano e os exercícios perdem o significado para o aluno
porque não há uma preocupação com a resolução de problemas vivenciados no cotidiano, mas
com a aplicabilidade de regras e fórmulas de uma determinada operação matemática. O livro
didático não apresenta tabelas, ilustrações e esquemas que facilita a compreensão do aluno e
possibilita uma relação com conceitos e princípios matemáticos. No início da página 21 do
livro aparece o primeiro quadro contendo exemplos para o aluno observar e resolver os
primeiros exercícios de classe.
Imagem 04: exemplo dado ao aluno para resolução do exercício apresentado na imagem 05
Fonte: recorte fotográfico do (LD) feito pela autora em 11/07/2016.
Na imagem 04 aparece o exemplo como um modelo que deve ser observado para o aluno
resolver as questões do exercício 1,2 e 3 que será apresentado na imagem 05. Averiguando cada
enunciado, percebe-se que não há clareza no que é solicitado ao aluno para que ele se sinta
entusiasmado em responder os exercícios. Observa-se que é questionado, por exemplo, “quem deve 5
tem menos 5, quem deve 8 tem menos 8. As expressões “deve” e “tem” estão destacadas em vermelho,
deixando muita confusão na cabeça dos discentes da sexta série do ensino fundamental. O exemplo
dado trata-se de credor e devedor, sem clarificar os termos: crédito e débito e o sinal de menos (-)
aparece nas operações matemáticas sem uma conexão com situações concretas.
Assim, a elaboração do exemplo modelo apresenta-se pouco atrativa e de difícil
compreensão. Observou-se nas informações da imagem 04 que quem deve 5 reais estará sempre com
saldo negativo de 5 reais. Mas, se o aluno deve 5 reais e, no entanto, ele possui uma quantia maior ou
menor que a quantidade que deve e que aparece representada no referido exercício, fica complicado
responder as demais questões. Assim, acredita-se que o exercício torna-se cansativo, repetitivo e
desvinculado de um contexto em que possibilite ao aluno pensar em situações concretas, visto que não
há estratégias para o desenvolvimento do raciocínio lógico e a autonomia na aprendizagem,
considerando que a linguagem não é clara e objetiva para que o aprendiz compreenda o que e como
deve responder.
Imagem 05: primeiros exercícios de classe baseado no exemplo da imagem 04
Fonte: recorte fotográfico do (LD) feito pela autora em 11/07/2016.
Na imagem 04 observamos um quadro modelo que servia para o aluno resolver estes
exercícios sobre os números inteiros relativos com foco em valores positivos e negativos aqui
apresentados na imagem 05. Era exigido que o aluno resolvesse as operações de forma isolada
do contexto que o cercava. É interessante notar que não há, nessas questões, nenhum
enunciado que aponte uma situação cotidiana, quando, no caso de tratar-se de um conteúdo
matemático envolvendo números inteiros relativos, haveria uma oportunidade privilegiada
para ensinar ao aluno sobre matemática financeira e, por conseguinte, a importância de
realizar operações com dinheiro durante a compra e venda de um produto, o empréstimo de
dinheiro, o pagamento de contas como água, luz, aluguel que são realizadas no cotidiano das
pessoas e pode se tornar um facilitador para o entendimento do aluno no que diz respeito a
aplicabilidade da matemática financeira e a introdução de outros conteúdos envolvendo razão
e proporção, porcentagem, juros simples, etc.
O exemplo apresentado na imagem 04, não auxilia o aluno aprender resolver as questões
a, b e c da primeira questão do exercício da imagem 05, porque não há uma coerência no que
lhe é solicitado, considerando que todo o exercício é baseado no único modelo apresentado,
cujos enunciados solicitam que o aluno responda, copie as sentenças e complete seguindo o
modelo dado e repita situações já efetuadas anteriormente para resolver outras sentenças.
Nesse sentido, a matemática apresentada no livro didático é rígida, preocupa-se com a
precisão dos resultados e está associada à matemática pura, formal e descontextualizada do
cotidiano do aluno. Para Schliemann (2006), “a aprendizagem de matemática e a resolução de
problemas, se não estão diretamente relacionadas com a solução de problemas práticos, não
são facilmente transferidas para a prática”. Dessa forma, compreender e aprender matemática
sem haver uma interação entre a reflexão abstrata e a experiência concreta fica mais difícil. O
livro didático Matemática: conceitos e operações que empregamos nesse estudo, apresenta
uma lista extensa de exercícios nos quais o aluno é direcionado a calcular, efetuar, determinar,
resolver e assinalar a alternativa correta nas questões de múltipla escolha.
A aplicação dos aprendizados em contextos diferentes daqueles em que
foram adquiridos exige muito mais que a simples decoração ou a solução
mecânica de exercícios: domínio de conceitos, flexibilidade de raciocínio,
capacidade de analise e abstração. Essas capacidades são necessárias em
todas as áreas de estudo, mas a falta delas, em Matemática, chama a atenção
(MICOTTI, 1999, p. 32).
É sabido que o termo contextualização refere-se ao conhecimento de uma determinada
situação com o intuito de facilitar o processo de assimilação e aprendizagem de uma
informação ou conteúdo associada a uma situação concreta vivenciada, possibilitando que o
aprendiz assimile com maior facilidade o conteúdo matemático ensinado na escola. Observa-
se que os exercícios são elaborados de forma mecanicista, fragmentada, e difícil de ser
compreendido pelo aluno porque trata-se de uma metodologia de ensino tradicional com
atividades pouco atrativas, pois não há gráficos, jogos, quebra-cabeça, tabelas e gravuras que
ilustrem os conteúdos apresentados e estimulem os alunos a resolverem os exercícios.
Percebe-se, que são priorizadas a memorização em detrimento a uma compreensão lógica,
pois os conteúdos matemáticos são transmitidos aos alunos por intermédio de regras e
reproduzidos de acordo com os exercícios modelos colocados como instrumentos
pedagógicos suficientes para a aprendizagem matemática.
Imagem 06: exercícios de classe e fixação
Fonte: recorte fotográfico do (LD) feito pela autora em 11/07/2016.
Na imagem nº 06 aparece o exercício de classe e fixação. Esse tipo de atividade é
encontrada em cada final de unidade do livro didático. Observa-se que o aluno é orientado a
resolver os exercícios assinalando (F) para sentenças falsas e (V) para as verdadeiras e em
seguida deveria copiar somente as sentenças verdadeiras em seu caderno e em nenhum
exercício do livro analisado encontramos questões dissertativas. As questões de múltipla
escolha não provocam uma reflexão nos alunos sobre questões do cotidiano dificultando a
elaboração de novas situações que possam motivar o aluno a respondê-las.
A seguir, a imagem 07 trata-se de um exercício teste que aparece em cada final de capítulo
do livro analisado. Esse tipo de atividade contém diversas questões de múltipla escolha nas
quais os alunos respondem assinalando a alternativa correta ou falsa de acordo com o que é
solicitado nos enunciados de cada questão. Observa-se que há uma preocupação do autor em
aproximar o aluno, desde as séries finais do ensino fundamental, dos mesmos tipos de
questões presentes nas provas em vestibulares e concursos públicos. Foi encontrada, no final
do livro, as respostas contendo as alternativas corretas para cada questão apresentada nos
exercícios testes do livro analisado.
Imagem 07: página de testes encontrada no final da unidade 03
Fonte: recorte fotográfico do (LD) feito pela autora em 13/07/2016.
Durante a análise do material selecionado, foi possível perceber que, de forma geral,
as questões dos exercícios foram elaboradas sem a preocupação com a apresentação de uma
situação problema clara e objetiva que provocasse no aluno uma reflexão que o desafiasse a
respondê-las. Faltaram informações que auxiliasse o discente a situar-se sobre o problema
proposto e de que forma deveria resolvê-lo. Enunciados como “a afirmação correta é”,
“assinale a alternativa verdadeira,” “a afirmação falsa é” são confusos e não trazem
esclarecimentos sobre o que se deve fazer para evitar dúvidas.
Conclusão
Durante a análise deste livro didático foi-nos é possível perceber uma metodologia de
ensino tradicionalista, a existência de falhas na composição e elaboração dos exercícios, na
forma de apresentação do conteúdo, nas atividades propostas, no desenvolvimento
apresentadas nos conceitos no decorrer das páginas, a inadequação à realidade cotidiana do
aluno, às práticas sociais em questão. No exemplar analisado, verificou-se a falta de cantigas,
fábulas, receitas culinárias e quadrinhos na composição dos textos e questões
problematizadoras que poderiam contribuir para ilustrar o conteúdo matemático e aproximar o
aluno do seu contexto social.
Por esse motivo destaca-se a importância de utilizar diversos livros, mas, também,
variados recursos pedagógicos, para oferecer aos educandos outras fontes de informações e
materiais didático-pedagógicos. Nessa direção, a análise crítica e criteriosa do livro didático
utilizado em sala de aula de matemática durante os anos de 1980 mostra-se de fundamental
importância para que compreenda-se que o ensino de Matemática é historicamente construído
e está em constante evolução. O aluno é capaz de pensar filosoficamente, cientificamente e
socialmente para exercer o seu papel de cidadão na sociedade em que vive. Nessa direção, a
analise dos livros didáticos de matemática levando em consideração sua trajetória histórica e a
evolução do conhecimento matemático é relevante para desmistificar ideias equivocadas
sobre a matemática enquanto ciência estanque e concluída.
Referencias
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. 2 ed.São Paulo: Moderna,1996.
BRASIL/MEC/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática, v3, Brasília:
MC/SEF,1997.
BRASIL, Livro didático. Disponível em: http://www.fnde.gov.br/programas/livro-
didatico/livro-didatico-historico Acesso em: 09/07/2016.
MICOTTI, Maria Cecília de Oliveira. O ensino e as propostas pedagógicas. In: BICUDO,
Maria Aparecida Viggiani. Pesquisa em educação matemática: concepções e perspectivas.
São Paulo: Editora UNESP, 1999.
PONTE, João Pedro da; BROCARDO, Joana; OLIVEIRA, Hélio. Investigações
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SCIPIONE, Di Pierro Netto. Matemática: conceitos e operações, 6. 7 ed. São Paulo,
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